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CAPÍTULO 75 Traumatismo Crânio-Encefálico e Cervical em Pediatria Satico Nomura* Trauma é uma das principais causas de morte na infância e adolescência . O traumatismo crânio-encefálico (TCE) responde por 75 a 97% dessas mortes.Para cada paciente morto, três ficam com graves seqüela 1 . A lesão cerebral primária no paciente pós-trauma craniano resulta do impacto direto no tecido cerebral, classificando-se em lesões focais e difusas 2 . Dentro das lesões focais inclui-se as contusões, hematomas ou avulsões. As contusões decorrem de aceleração e desaceleração angulares do cérebro da abóboda craniana, acomentendo preferencialmente a região frontal e temporal,devido à arquitetura interna do crânio ,ou, ainda, por traumatismo direto por fratura com afundamento. Os hematomas intracranianos podem ser extradurais, subdurais ou intraparenquimatosos. Os subdurais são geralmente conseqüência de sangramento venoso adjacente a lesões de parênquima cerebral.Os extradurais, de melhor prognóstico, são secundários a sangramentos arteriais situados sob fratura de crânio, não relacionados a lesões parenquimatosas.Aqueles encontrados profunda- mente no parênquima são os intraparenquimatosos estando atribuídos a aumentos localizado de níveis tensionais por forças inerciais de rotação. Outras lesões focais mais raras são as avulsões hipofisárias, do nervo craniano e rupturas pontomedulares. As forças envolvidas no TCE de adultos e crianças incluem forças de contato e inercial. Pelo fato da relação cabeça-tronco ser muito maior na criança, as forças biomecânicas angulares, que causam aceleração e desaceleração são ampliadas na criança resultando em maior incidência de dano cerebral difuso nesta faixa etária 3 . * Anestesiologista do Hospital São Paulo Hospital Jardim Cuiabá - MT

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CAPÍTULO 75

Traumatismo Crânio-Encefálico eCervical em Pediatria

Satico Nomura*

Trauma é uma das principais causas de morte na infância e adolescência . O traumatismocrânio-encefálico (TCE) responde por 75 a 97% dessas mortes.Para cada paciente morto, trêsficam com graves seqüela1.

A lesão cerebral primária no paciente pós-trauma craniano resulta do impacto direto notecido cerebral, classificando-se em lesões focais e difusas2.

Dentro das lesões focais inclui-se as contusões, hematomas ou avulsões.As contusões decorrem de aceleração e desaceleração angulares do cérebro da abóboda

craniana, acomentendo preferencialmente a região frontal e temporal,devido à arquitetura internado crânio ,ou, ainda, por traumatismo direto por fratura com afundamento.

Os hematomas intracranianos podem ser extradurais, subdurais ou intraparenquimatosos. Ossubdurais são geralmente conseqüência de sangramento venoso adjacente a lesões de parênquimacerebral.Os extradurais, de melhor prognóstico, são secundários a sangramentos arteriais situadossob fratura de crânio, não relacionados a lesões parenquimatosas.Aqueles encontrados profunda-mente no parênquima são os intraparenquimatosos estando atribuídos a aumentos localizado deníveis tensionais por forças inerciais de rotação.

Outras lesões focais mais raras são as avulsões hipofisárias, do nervo craniano e rupturaspontomedulares.

As forças envolvidas no TCE de adultos e crianças incluem forças de contato e inercial.Pelo fato da relação cabeça-tronco ser muito maior na criança, as forças biomecânicas angulares,que causam aceleração e desaceleração são ampliadas na criança resultando em maior incidênciade dano cerebral difuso nesta faixa etária3.

* Anestesiologista do Hospital São PauloHospital Jardim Cuiabá - MT

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As lesões cerebrais difusas ocorrem sob a forma de edema cerebral, lesão axonal difusa ehemorragias puntiformes.

A lesão secundária relaciona-se a qualquer dano causado ao SNC após o insulto inicial2,4.Dentre os fatores que podem causá-lo temos a hipotensão arterial, hipoxemia, hipertensãointracranina, hipercapnia ou hipocapnia, distúrbios glicemicos, distúrbios de sódio, hipertermia ecrises convulsivas.

A prevenção e correção desses fatores são as medidas mais eficazes no paciente comTCE, haja visto que, os efeitos adicionais da hipotensão e da hipóxia encerram pior prognóstico,dobrando a taxa de mortalidade em pacientes pediátricos com Glasgow 31.

O entendimento da fisiopatologia é fundamental para o manuseio do paciente vítima deTCE.

De início, para facilitar o raciocínio ,entendamos o conceito físico da lei de Poiseulle , naqual o fluxo de qualquer sistema é diretamente proporcional á pressão que o impulsiona e aodiâmetro do circuito, e inversamente proporcional ao comprimento e á viscosidade do fluidocirculante5. A visualização dessas relações facilita o raciocínio em termos de fluxo sanguineocerebral (FSC).

FLUXO = Px n x R4 8x C x V

onde: P = pressão ; n = 3,14 , R = raio; C = comprimento; V = viscosidade

No SNC, as varáveis que podem ser alteradas são o raio R dos vasos (principalmente osarteriais, sendo a variável de maior impacto), pressão e viscosidade sanguinea. Qualquer fator queaumente a viscosidade sanguinea (ex: desidratação , excesso de transfusão,etc),leva á queda doFSC.

A pressão que pode garantir FSC é a pressão de perfusão cerebral (PPC), calculada a partirda pressão arterial média (PAM) menos a pressão intracraniana (PIC).

A PPC é fundamental para a viabilidade do encéfalo. O FSC aumenta ou reduz de acordocom as variáveis citadas. Pode ocorrer maior fluxo com menor volume, caso este seja impulsionadopor maior pressão.

A PIC é determinada pela soma dos componentes intracranianos, os quais são compostos detecido cerebral (80%), liquor (10%) e sangue (10%). A manutenção da PIC em seus valores nor-mais depende da preservação do volume intracraniano.

Sendo o crânio um compartimento não expansível, o volume total de seu conteúdo devepermanecer constante, do contrário haverá aumento de pressão.Observa-se que mesmo emcrianças com fontanela aberta ou suturas ainda não consolidadas, sua distensibilidade é limitada,fazendo com que, em termos práticos, também seja considerado não expansível. Á medida queum novo volume (ex. hematoma) é adicionado á caixa craniana, sangue venoso e liquor sãoexpulsos, de forma que volume total do compartimento permanece estável(princípio de Monro-Kellie)(fig I) .

Cerca de 30% da capacidade de diminuição do volume intracraniano é representadopelo liquor , que pode ser deslocado para o espaço subaracnoideo ou absorvido pelasgranulações aracnóides.Uma vez esgotados os mecanismos de compensação (fig II), a PICaumenta de modo exponencial.Tal efeito pode ser visualizado na curva de Langfit ou curva depressão/volume (fig III).

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[email protected] (mod) – Princípio de Monro-Kellie

[email protected] (mod) – Esgotamento dos mecanismos de compensação

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Fig.3 - Princípio de Monro-Kellie : cessado os mecanismos de compensação, um pequenoaumento no volume causará um dramático aumento na PIC.

A elevação da PIC pode provocar a diminuição da perfusão tecidual, levando a agravamentodo dano celular por isquemia, tendo como conseqüência a morte encefálica3. Um mecanismo adi-cional de controle do aumento da PIC em lactentes é o crescimento do perímetro cefálico, o quenão os protege do desenvolvimento agudo da HIC.

A pressão intracraniana varia com a idade, sendo 8 a 10 mmHg considerados valores nor-mais para lactentes, e valores de PIC inferiores a 15 mmHg considerados normais para criançasmaiores ou adultos. Os valores superiores normais da PIC em crianças ainda geram divergências naliteratura, diferentemente nos adultos que estão bem estabelecidos.Hipertensão intracraniana foidefinida como PIC acima de 20mmHg que persiste por mais de 20 min em adultos6.

O valor recomendado da PPC para a manutenção de um adequado fluxo sanguineo cerebral é de50 mmHg. Valores de PPC inferiores a 50 mmHg levarão a um decréscimo proporcional no FSC1.

O FSC guarda relação com a pressão de perfusão cerebral e responde a variações de pres-são arterial média (PAM),pressão parcial de gás carbônico arterial (PaCO

2) e pressão parcial de

oxigênio arterial (PaO2).O FSC é também controlado pelo metabolismo regional, sendo tanto mai-

or o FSC quanto maior o metabolismo de determinada área.O encéfalo possui alguns mecanismos de defesa, além da expulsão de sangue venoso e líquor,

sendo ele :-* barreira hematoencefálica: os poros capilares cerebrais são 60 vezes menores que no

restante do organismo, tornando o tecido cerebral impermeável á maioria das substancias do plas-ma e á passagem de água mais lenta, o que mantém estável a constituição do parênquima cerebral,a despeito de grandes variações plasmáticas. Entretanto, no TCE pode haver alteração na

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permeabilidade da BHE, levando ao extravazamento de líquido rico em proteínas, o chamadoedema vasogênico.

-* autoregulação cerebral : a arteríola pré-capilar cerebral responde ao aumento de pressãocom vasoconstricção e á queda com vasodilatação . Este mecanismo mantém FSC estável, napresença de amplas variações de PAM.Abaixo de determinado limite, 50 mmHg para adultos, avasodilatação cerebral é máxima, não conseguindo mais manter o FSC suficiente, entrando o cére-bro em isquemia. De forma semelhante, acima de 150 mmHg, ocorre abertura das arteríolas einundamento passivo do encéfalo, com aumento da PIC.

-* acoplamento metabólico: O FSC tende a se adequar á demanda metabólica (ou consumode O

2). Dessa forma, crises convulsivas, febre, dor, que elevam o metabolismo cerebral, levam a

aumento proporcional de FSC, por outro lado, a hipotermia ou anestésicos reduzem o metabolis-mo cerebral e FSC

-*vasorreatividade aos gases: em geral PaO2 não altera muito o diametro vascular cerebral, exceto

abaixo de 50 mmHg, quando ocorre vasodilatação, com aumento de FSC, o que pode elevar a PICAlterações na PaCO

2 alteram o diâmetro dos vasos pela alcalose ou acidose que causam no

pH periarteriolar, onde o CO2 liga-se á H

2O, formando ácido carbônico (H

2CO

3). A alcalose ou

acidose metabólica não alteram significativamente o pH periarteriolar, uma vez que a barreirahematoencefálica não é permeável a HCO

3 e H. Porém, em áreas cerebrais onde ocorre isquemia

intensa, a acidose lática tecidual pode inativar a alcalose da hiperventilação.A hipercapnia leva á vasodilatação cerebral e a hipocapnia, á vasoconstricção , com redução

de FSC e conteúdo sanguineo cerebral (CSC).A perda dos mecanismos de compensação não é um fenômeno de “tudo ou nada”

7. Pode

ocorrer em locais variados, de apenas alguns mecanismos, e preservar áreas intactas. A reatividadeaos gases é o último mecanismo a ser perdido e, quando ocorre, é sinal de péssimo prognóstico.

O quadro clínico depende da velocidade de instalação da hipertensão e da capacidade deacomodação do volume intracraniano dentro da calota craniana

6. Em crianças , a tríade de Cushing,

caracterizada por bradicardia, bradipnéia e hipertensão arterial pode não estar presente. A escala de coma de Glasgow fornece um guia para avaliação destes pacientes (tabela 1).A monitorização contínua da pressão intracraniana está indicada nos pacientes com Glasgow = 8,

já que o aumento da pressão intracraniana e a diminuição da pressão de perfusão cerebral contribuempara a lesão secundária. A PPC deve ser mantida na faixa normal, garantindo adequada oferta de oxigê-nio ao cérebro.A sobrevida é de 94% no TCE grave, quando a PIC é mantida abaixo de 20 mmHg(8).

As indicações de montorização da PIC no paciente com TCE , segundo as recomendaçõesda Brain Trauma Foundation (2000) , são : pacientes com TCE grave (definido como um escorena escala de Glasgow de três a oito após ressuscitação cardiopulmonar) e TC de crânio comanormalidade (hematomas,contusões, edema ou cisternas basais comprimidas).Em adultos ,amonitorização da PIC também está indicada na presença de TC de crânio normal ,quando dois dosseguintes fatores forem encontrados: idade acima de 40 anos, pressão arterial sistólica < 90 mmHge postura motora anormal (descerebração ou decorticação)7, entretanto , para crianças, não hárecomendações específicas no caso de TCE grave com TC de crânio normal.9.

O tratamento específico da pressão intracraniana elevada visa a manter a pressão de perfusãocerebral em 40-45 mmHg em lactentes e nas crianças menores, e em 50-55 mmHg nas crianças maiorese adolescentes. O tratamento da HIC deve ser iniciado se: PIC =15 mmHg nos lactentes, PIC= 18mmHg em crianças menores de oito anos e PIC > 20 mmHg em crianças maiores e adolescentes.8

Como vimos anteriormente,lesões secundárias são todos os eventos fisiopatológicos ebioquímicos que se geram uma vez produzido dano primário, sendo os principais:

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Resposta modificada para lactentes

EspontâneaAo estímulo verbalAo estímulo dolorosoAusente

Movimentação espontâneaLocaliza a dor (retira ao toque)Retirada ao estimulo dolorosoFlexão ao estímulo doloroso(postura decorticada)Extensão ao estimulo doloroso(postura descerebrada)

Ausente

BalbuciaChoro irritadoChoro à dorGemido à dorAusente

Escore

4321

6543

2

1

54321

Resposta

EspontâneaAo estímulo verbalAo estímulo doloroso AusenteAusente

Obedece ao comandoLocaliza a dorRetirada ao estimulo dolorosoFlexão ao estimulo doloroso(postura decorticada)Extensão ao estimulodoloroso(postura descerebrada)Ausente

OrientadoConfusoPalavras inapropriadasSons inespecíficosAusente

Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow

Abertura ocular

Melhor resposta motora

Melhor resposta verbal

TCE severo (escore Glasgow: 3-8); TCE moderado (escore Glasgow 9-12); TCE leve (escore Glasgow 13-15)

EVENTOS SISTEMICOS- hipóxia e hipoventilação-hipotensão: produto de hipovolemia ou vasodilatação periférica devido a uma lesão medular

EVENTOS INTRACELULARES

- perda da autorregulação do fluxo sanguineo cerebral (FSC). Ao perder-se o mecanismointrínseco que ajusta o fluxo sanguineo tanto as demandas metabólicas, como as diferenças dePAM, o mesmo vai ser dependente da pressão arterial do momento.

-Ruptura da barreira hemato-encefálica (BHE). A BHE é formada pelas uniões de célu-las endoteliais estreitas e dos capilares cerebrais que servem como muralha funcional paraevitar o movimento de substancias que passariam livremente em outros vasos sanguineos . Áperda dessa barreira, as substancias normalmente excluídas passariam livremente no parênquimacerebral.

- Formação de Edema Cerebral : Existem três tipos de edema cerebral:

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1- Vasogenico: Produzido por aumento da permeabilidade do endotélio vascular. Há au-mento do volume sanguineo cerebral. Observado durante as primeiras 48 horas do TCE, chamadode hiperemia cerebral.

2- Citotóxico: È um edema notadamente celular, produto de falha do sistema de transporteATP dependente da membrana celular, significa morte celular.

3- Interticial: É devido o aumento da pressão hidrostática do LCR. Se deve a um déficit deabsorção do LCR, produzindo hidrocefalia.

-eventos inflamatórios: posterior ao dano primário, é produzido uma ativação da cascatainflamatória que leva a uma alteração da microcirculação com fenômenos de isquemia- reperfusãoe a formação de radicais livres. Estes radicais são responsáveis pela peroxidação das membranaslipídicas de neurônios , glias e células endoteliais, produzindo uma reação em cadeia que no finalaltera o fluxo iônico celular com a morte das mesmas.Também neste grupo estão o glutamato e oaspartato, conhecidos como neurotransmissores excitatórios, os quais produzem edema citotóxico.

As metas no tratamento da criança com HIC são dirigidas para a prevenção do segundoinsulto, que exacerba o dano neuronal e acentua a lesão cerebral secundária. Portanto, é primordiala redução da pressão intracraniana, a maximização da pressão de perfusão cerebral e da oferta deoxigênio ao cérebro., sendo que a PPC e a oferta de oxigênio dependem de ventilação adequada,da função cardíaca e da perfusão sistêmica .

Medidas Gerais

a-Posição da cabeçaA cabeça deve ser mantida em posição neutra e elevada a trinta graus, para otimizar o retor-

no venoso.b Temperatura corporalManutenção do paciente normotermico, evitando agressivamente a hipertermia, pois esta

pode aumentar o metabolismo cerebral.A hipotermia leve (32-34º C) tem se mostrado neuroprotetotaem animais de experimentação, diminuindo os níveis de aminoácidos excitatórios na região peritrauma.A terapêutica da hipotermia é baseada na hipótese que o consumo de oxigênio (CMRO

2) varia

proporcionalmente com a temperatura cerebral. Pesquisas conduzidas em adultos mostram resulta-dos conflitantes.Quando a PIC pode ser controlada (<20mmHg), hipotermia não demonstra vanta-gem (10).Pacientes com PIC entre 20-40 mmHg podem beneficiar com a hipotermia.

c-Monitorização hemodinâmicaÉ recomendada a instalação de um cateter arterial, para a medida da PAM contínua, e cate-

ter central com medida de pressão venosa central (PVC). A hipotensão deve ser tratada agressiva-mente com o uso de drogas vasoativas numa tentativa de garantir PPC e FSC.. A hipertensãoarterial leve deve ser tolerada, pois pode ser compensatória para manter a PPC. Nas situações deperda da auto-regulação cerebral, qualquer alteração de pressão pode ser diretamente transmitidaaos vasos cerebrais, com maior risco de edema ou isquemia.

d- Manejo respiratório Intubação é recomendada quando houver sinais clínicos de HIC, Glasgow menor ou igual a

oito, presença de sofrimento respiratório, hipercapnia ou hipoxemia refratária (11).A saturação deve ser mantida acima de 92% e a PCO

2 em torno de 35 mmHg. A hiperventilação

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profilática não é recomendada, pelo risco de vasoconstricção arterial e conseqüente isquemia cere-bral.

e- Sedação / AnalgesiaO paciente deve ser mantido sem dor e agitação, evitando-se estímulos sempre que possível.Se

curarizado, o paciente requer monitorização eletroencefalográfica contínua, em função do risco decrise convulsiva.

f- Controle de crises convulsivasEm crianças, é indicado o uso de anticonvulsivantes se houver crise convulsiva repetida,

epilepsia prévia, evidencia de contusão cortical severa ou evidencia de laceração à cirurgia.g-Suporte NutricionalIniciar alimentação do paciente precocemente, preferindo-se a via enteral, administrando-se

de 30 a 60% do gasto metabólico basal.h- Aporte hídricoA restrição de fluido no cérebro injuriado não reduz ou previne o edema cerebral .O objetivo

é a manutenção de paciente normovolêmico, garantindo a PPC.Desta forma o aporte hídrico apósreanimação será igual a 100% das necessidades diárias.Deve-se monitorizar eletrólitos e osmolaridaderegularmente, observando-se a tendência atual de manter o nível sérico de sódio em faixa maiselevada.

i- Extração cerebral de O2 (ECO

2).

É a diferença entre a saturação da hemoglobina arterial (SaO2) e a saturação da hemoglobina

venosa jugular (SjO2), medida através da cateterização do bulbo da veia jugular, preferencialmente

à direita.Os valores de referência (SaO2-SjO

2 = ECO

2) estão entre 24-42 para adolescentes e

adultos, e 18-36 para crianças (<12 anos). O objetivo da mensuração é estimar a relação entrefluxo e metabolismo cerebral. Quanto menor o fluxo (oferta), maior será a extração de oxigênio porparte do tecido cerebral em sofrimento.Está indicada para todos os pacientes com ECG <_8, masprincipalmente para aqueles que necessitam de qualquer medida específica para tratamento deHIC.

TRATAMENTO ESPECÍFICO DA PRESSÃO INTRACRANIANA ELEVADA

O tratamento visa manter a pressão de perfusão cerebral (PPC) em 40-45 mmHg nos lactentese nas crianças menores, e em 50-55 mmHg nas crianças maiores e adolescentes(8) O tratamentoda hipertensão intracraniana (HIC) deve ser iniciado se :

PIC = 15 mmHg nos lactentes; 18 mmHg em crianças menores de oito anos; e > 20 mmHgem crianças maiores e adolescentes(8).

O emprego de agentes osmóticos e diuréticos pressupõe a manutenção do paciente emeuvolemia com hiperosmolaridade.

O manitol em um primeiro momento, causa expansão plasmática, reduzindo o hematócritoe a viscosidade sanguinea, aumentando o fluxo sanguineo e aporte de oxigênio ao cérebro, ereduzindo a PIC em poucos minutos.Em um segundo momento, ocorre aumento da osmolaridadesérica, desidratando o parênquima cerebral(11).O manitol ultrapassa a barreira hematoencefálica,e se usado por período prolongado, pode causar aumento da PIC, tendo que as dosagens seremdiminuídas gradativamente, pois o manitol pode causar HIC rebote.Pequenas doses de manitola 20% como 0,25 a 0,5 g.kg-1,são adequados para aumentar a osmolaridade de 10 para 30mOsm,reduzindo o edema cerebral e a PIC.Sua ação inicia dentro de 10 minutos e perdura por1 a 2 horas.Administração rápida em bolos reduz a PIC mais eficientemente, porém , também

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está associada com importantes efeitos hemodinâmicos. Crianças podem ter instabilidadehemodinâmica transitória (1 a 2 minutos iniciais) causados pela rápida administração demanitol.(12)

Furosemide pode ser usado na dose de 1 mg.kg-1 até de seis em seis horas, para diminuir aprodução de líquor, principalmente se a PIC se mantiver elevada mesmo com o uso de manitol.Não deve ser utilizado se osmolaridade sérica for superior a 320 mOsm.l-1.

Os Barbitúricos são empregados para controle da HIC refratária em pacientehemodinamicamente estável. O fator limitante está relacionado á diminuição do tônus simpático,levando á vasodilatação periférica, que ocorre em até 50% dos pacientes. Diminuem a PIC porredução do metabolismo cerebral e há conseqüente diminuição do FSC.

A hiperventilação deve ser empregada somente na situação de herniação transtentorialincipiente ( com dilatação pupilar transitória, postura anormal, hipertensão inexplicável ou bradicardia)ou HIC refratária, pelo risco de isquemia cerebral. A redução da PaCO

2 para menos de 30 mmHg

pode levar á perda da autorregulação cerebral. O objetivo deve ser de manter a PaCO2 entre 30-

35 mmHg inicialmente e entre 25-30 mmHg numa segunda etapa. É importante evitar a PaCO2

menor ou igual a 25 mmHg . Obtido o controle da PIC, retornar lentamente á normoventilação,pelo risco de HIC rebote(11)

Com relação aos corticosteróides não existem estudos que mostrem vantagens em seu uso,portanto, não são recomendados na prática clínica.

Recentes estudos tem-se voltado para o uso de solução hipertônica de cloreto de sódio(NaCl 3%), aumentando a osmolaridade com redução da PIC, mantendo assim o volumeintravascular(13) Recomenda-se o seu uso quando a PIC se mantém elevada ( > 25 mmHg) emvigência de tratamento máximo, incluindo hiperventilação controlada e coma barbitúrico). A dosedeve ser o mínimo necessário para manter a pressão intracranina < 20 mmHg.A solução salina a3% é administrada em infusão contínua na proporção de 0,1 e 1,0 ml.kg.h-1. É contra indicado nafalência renal e quando a osmolaridade sérica é maior que 360 mOsm.ml-1.

Craniectomia descompressiva é recomendada em casos de sustentada aumento da PIC > 20mmHg por mais de 30 minutos a despeito da otimização da terapia conservadora (14).

Uma droga promissora no tratamento da HIC é o Dexanabinol, um canabióide sintético, nãopsicotrópico, antagonista não competitivo dos receptores NMDA ( N- metil-D-aspartato), queatua também como removedor de radicais tóxicos e inibidor da produção de fator de necrosetumoral, acrescida ás propriedades antiexcitatórias, antioxidantes e antiinflamatórias. Com essadroga, observou-se redução da HIC e da hipotensão sistêmica. Indicado nas primeiras seis horasdo TCE grave. Encontra-se em fase de estudo clínico(15)

Concluindo: os objetivos no manejo da hipertensão intracranina na infância incluem:monitorização criteriosa da pressão intracraniana, otimizando o fluxo sanguineo cerebral e a pres-são de perfusão cerebral , assim como prevenir os desequilíbrios que exacerbam a lesão secundária.Apesar de significativos avanços no entendimento dos mecanismos de lesão secundária, a morbidadee a mortalidade associados ao trauma craniano em crianças continuam sendo mais elevadas do queem adultos, com pico na faixa de lactentes(8).

Traumatismo cervical

A incidencia da lesão da medula espinhal em trauma pediátrico é estimada em 1%. Esta baixaincidência comparada aos adultos pode ser atribuído à grande flexibilidade da coluna cervical emcrianças.

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Aproximadamente 50% das crianças com trauma cervical tem concomitante dano cerebral.A idade das crianças influenciará o nível nas quais a lesão espinhal ocorre. Em crianças

jovens, a flexibilidade máxima ocorre entre a primeira e a terceira vértebra cervical. Em criançasacima de 12 anos, este ponto move em sentido caudal de C

5 para C

6. Assim, a lesão cervical

ocorre mais a nível cefálico em crianças jovens quando comparado com crianças mais velhas(16). A lesão da medula espinhal em crianças é diagnosticado e conduzido de maneira semelhante

aos adultos.Portanto, todos os pacientes com mecanismo de lesão capaz de causar trauma de coluna

vertebral (aceleração/desaceleração, trauma grave acima das clavículas e mecanismo desconheci-do) devem permanecer imobilizados até que esta possibilidade possa ser descartada. A radiografialateral de coluna cervical pode confirmar, mas não excluir lesões.

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