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Leviatã (Thomas Hobbes) Thomas Hobbes ; organizado por Richard Tuck ; tradução João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva, Claudia Berliner ; revisão da tradução Eunice Ostrensky. - Ed. brasileira supervisionada por Eunice Ostrensky. - São Paulo: Marlins Fontes, 2003. - (Clássicos Cambridge de filosofia política), Cap. XIII-XV, XVII e XXI. (...) A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. Quanto às faculdades do espírito (pondo de lado as artes que dependem das palavras, e especialmente aquela capacidade para proceder de acordo com regras gerais e infalíveis a que se chama ciência, que pouquíssimos têm, e apenas numas poucas coisas, não sendo uma faculdade inata, nascida conosco, nem alcançada - como a prudência - enquanto cuidamos de alguma outra coisa), encontro entre os homens uma igualdade ainda maior do que a de força. Porque a prudência nada mais é do que experiência, que um tempo igual concede igualmente a todos os homens, naquelas coisas a que igualmente se dedicam. O que talvez possa tornar inacreditável essa igualdade é simplesmente a presunção vaidosa da própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo; quer dizer, em maior grau do que todos menos eles próprios, e alguns outros que, ou devido à fama ou por concordarem com eles, merecem a sua aprovação. Pois a natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes de reconhecerem muitos outros maior sagacidade, maior eloquência ou maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios, porque veem a própria sagacidade bem de perto, e a dos outros homens à distância. Ora, isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de uma distribuição equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube. Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos os nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para o seu fim (que é principalmente a sua própria conservação, e às vezes apenas o seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar cômodo, espera-se que provavelmente outros venham preparados com forças conjugadas, para o desapossar e

Trechos Hobbes e Locke

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Trechos Hobbes e Locke

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Leviat (Thomas Hobbes)Thomas Hobbes ; organizado por Richard Tuck ; traduo Joo Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza da Silva, Claudia Berliner ; reviso da traduo Eunice Ostrensky. - Ed. brasileira supervisionada por Eunice Ostrensky. - So Paulo: Marlins Fontes, 2003. - (Clssicos Cambridge de filosofia poltica), Cap. XIII-XV, XVII e XXI.

(...)A natureza fez os homens to iguais, quanto s faculdades do corpo e do esprito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de esprito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferena entre um e outro homem no suficientemente considervel para que um deles possa com base nela reclamar algum benefcio a que outro no possa igualmente aspirar. Porque quanto fora corporal o mais fraco tem fora suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinao, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaados pelo mesmo perigo.Quanto s faculdades do esprito (pondo de lado as artes que dependem das palavras, e especialmente aquela capacidade para proceder de acordo com regras gerais e infalveis a que se chama cincia, que pouqussimos tm, e apenas numas poucas coisas, no sendo uma faculdade inata, nascida conosco, nem alcanada - como a prudncia - enquanto cuidamos de alguma outra coisa), encontro entre os homens uma igualdade ainda maior do que a de fora. Porque a prudncia nada mais do que experincia, que um tempo igual concede igualmente a todos os homens, naquelas coisas a que igualmente se dedicam. O que talvez possa tornar inacreditvel essa igualdade simplesmente a presuno vaidosa da prpria sabedoria, a qual quase todos os homens supem possuir em maior grau do que o vulgo; quer dizer, em maior grau do que todos menos eles prprios, e alguns outros que, ou devido fama ou por concordarem com eles, merecem a sua aprovao. Pois a natureza dos homens tal que, embora sejam capazes de reconhecerem muitos outros maior sagacidade, maior eloquncia ou maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos to sbios como eles prprios, porque veem a prpria sagacidade bem de perto, e a dos outros homens distncia. Ora, isto prova que os homens so iguais quanto a esse ponto, e no que sejam desiguais. Pois geralmente no h sinal mais claro de uma distribuio equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube.Desta igualdade quanto capacidade deriva a igualdade quanto esperana de atingirmos os nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que impossvel ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para o seu fim (que principalmente a sua prpria conservao, e s vezes apenas o seu deleite) esforam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um nico outro homem, se algum planta, semeia, constri ou possui um lugar cmodo, espera-se que provavelmente outros venham preparados com foras conjugadas, para o desapossar e privar, no apenas do fruto do seu trabalho, mas tambm da sua vida ou da sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficar no mesmo perigo em relao aos outros.E por causa desta desconfiana de uns em relao aos outros nenhuma maneira de se garantir to razovel como a antecipao, isto , pela fora ou pela astcia subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessrio. para chegar ao momento em que no veja nenhum outro poder suficientemente grande o ameaar. E isto no mais do que a sua prpria conservao exige, e geralmente se aceita. E porque alguns se comprazem em contemplar o prprio poder em atos de conquista levados muito alm do que a sua segurana exige, outros que, em circunstncias distintas, se contentariam em se manter tranquilamente dentro de modestos limites, caso no aumentassem o seu poder por meio de invases, no seriam capazes de subsistir durante muito tempo, se apenas se pusessem em atitude de defesa.Consequentemente, deve-se conceder a todos esse aumento do domnio sobre os homens pois necessrio para a conservao de cada um. Alm disso, os homens no tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrrio, um enorme desprazer), quando no existe um poder capaz de intimidar a todos. Porque cada um pretende que o seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si prprio e, na presena de todos os sinais de desprezo ou de subestimao, naturalmente se esfora, na medida em que a tal se atreve (o que, entre os que no tm um poder comum capaz de manter a todos em respeito, vai suficientemente longe para lev-los a se destrurem uns aos outros), por arrancar dos seus contendores a atribuio de maior valor, causando-lhes dano, e de outros tambm, pelo exemplo.De modo que na natureza do homem encontramos trs causas principais de discrdia. Primeiro, a competio; segundo, a desconfiana; e terceiro, a glria. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurana; e a terceira, a reputao. Os primeiros usam a violncia para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defenderem-nos;e os terceiros, por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma opinio diferente, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido s suas pessoas, quer indiretamente aos seus parentes, amigos, nao, profisso ou ao seu nome.Com isto torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mant-los todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condio a que se chama guerra; e uma guerra que de todos os homens contra todos os homens. Pois a GUERRA no consiste apenas na batalha ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha suficientemente conhecida. Portanto, a noo de tempo deve ser levada em conta na natureza da guerra, do mesmo modo que na natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo no consiste em dois ou trs chuviscos, mas numa tendncia para chover durante vrios dias seguidos, tambm a natureza da guerra no consiste na luta real, mas na conhecida disposio para tal, durante todo o tempo em que no h garantia do contrrio. Todo o tempo restante de PAZ.Portanto, tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem inimigo de todo homem, infere-se tambm do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurana seno a que lhes pode ser oferecida pela sua prpria fora e pela sua prpria inveno. Numa tal condio no h lugar para o trabalho, pois o seu fruto incerto; consequentemente, no h cultivo da terra, nem navegao, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; no h construes confortveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande fora; no h conhecimento da face da Terra, nem cmputo do tempo, nem artes, nem letras; no h sociedade; e o que pior do que tudo, um medo contnuo e perigo de morte violenta. E a vida do homem solitria, miservel, srdida, brutal e curta.Poder parecer estranho a algum que no tenha medido bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens,tornando-os capazes de se atacarem e destrurem uns aos outros. E poder portanto talvez desejar, no confiando nesta inferncia feita das paixes, que ela seja confirmada pela experincia. Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; quando vai dormir fecha as suas portas; mesmo quando est em casa tranca os seus cofres, embora saiba que existem leis e servidores pblicos armados, prontos a vingar qualquer dano que lhe possa ser feito. Que opinio tem ele dos seus compatriotas, ao viajar armado; dos seus concidados, ao fechar as suas portas; e dos seus filhos e criados, quando tranca os seus cofres? No significa isso acusar tanto a humanidade com os seus atos como eu o fao com as minhas palavras? Mas nenhum de ns acusa com isso a natureza humana. Os desejos e outras paixes do homem no so em si mesmos um pecado. Tampouco o so as aes que derivam dessas paixes, at o momento em que se tome conhecimento de uma lei que as proba, o que ser impossvel at o momento em que sejam feitas as leis, e nenhuma lei pode ser feita antes de se ter concordado quanto pessoa que dever faz-la.Poder porventura pensar-se que nunca existiu um tal tempo, nem uma condio de guerra como esta, e acredito que jamais tenha sido geralmente assim, no mundo inteiro; mas h muitos lugares onde atualmente se vive assim, porque os povos selvagens de muitos lugares da Amrica, com exceo do governo de pequenas famlias, cuja concrdia depende da concupiscncia natural, no possuem nenhuma espcie de governo, e vivem nos nossos dias daquela maneira brutal que antes referi. Seja como for, fcil conceber qual era o gnero de vida quando no havia poder comum a temer, pelo gnero de vida em que os homens que anteriormente viveram sob um governo pacfico costumam deixar-se cair numa guerra civil.Mas mesmo que jamais tivesse havido um tempo em que os indivduos se encontrassem numa condio de guerra de todos contra todos, em todos os tempos os reis e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa da sua independncia, vivem em constante rivalidade e na condio e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos nos outros; isto , os seus fortes, guarnies e canhes guardando as fronteiras dos seus reinos, e constantemente com espies no territrio dos seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra. Mas como desse modo protegem o trabalho dos seus sditos, disso no se segue como consequncia a desgraa associada liberdade dos indivduos isolados.Desta guerra de todos os homens contra todos os homens tambm isto consequncia: que nada pode ser injusto. As noes de certo e de errado, de justia e injustia, no podem a ter lugar. Onde no h poder comum no h lei, e onde no h lei no h injustia. Na guerra, a fora e a fraude so as duas virtudes cardeais. A justia e a injustia no fazem parte das faculdades do corpo ou do esprito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que os seus sentidos e paixes. So qualidades que pertencem aos homens em sociedade, no na solido. Outra consequncia da mesma condio que no h propriedade, nem domnio, nem distino entre o meu e o teu; s pertence a cada homem aquilo que ele capaz de conseguir, e apenas em quanto for capaz de o conservar. pois nesta miservel condio que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza, embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixes e em parte na sua razo.As paixes que fazem os homens tender para a paz so o medo da morte, o desejo daquelas coisas que so necessrias para uma vida confortvel e a esperana de as conseguir por meio do trabalho. E a razo sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a um acordo. Essas normas so aquelas a que em outras situaes se chamam leis da natureza, das quais falarei mais particularmente nos dois captulos seguintes.

o DIREITO DE NATUREZA, a que os autores geralmente chamam Jus Naturale, a liberdade que cada homem possui de usar o seu prprio poder, da maneira que quiser, para a preservao da sua prpria natureza, ou seja, da sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu prprio julgamento e razo lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim.Por LIBERDADE entende-se, conforme a significao prpria da palavra, a ausncia de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas no podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o que o seu julgamento e razo lhe ditarem.Uma LEI DE NATUREZA (Lex Naturalis) um preceito ou regra geral, estabelecido pela razo, mediante o qual se probe a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou priv-lo dos meios necessrios para a preservar, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a preservar. Porque, embora os que tm tratado deste assunto costumem confundir Jus e Lex, o direito e a lei, necessrio distingui-los um do outro. Pois o DIREITO consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a LEI determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigao e a liberdade, as quais so incompatveis quando se referem mesma questo.E dado que a condio do homem (conforme foi declarado no captulo anterior) uma condio de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado pela sua prpria razo, e nada havendo de que possa lanar mo que no lhe ajude na preservao da sua vida contra os seus inimigos, segue-se que numa tal condio todo homem tem direito a todas as coisas, at mesmo aos corpos uns dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito natural de cada homem a todas as coisas, no poder haver para nenhum homem (por mais forte e sbio que seja) a segurana de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente, um preceito ou regra geral da razo: Que todo homem deve se esforar pela paz, na medida em que tenha esperana de a conseguir, e caso no a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a primeira e fundamental lei de natureza, isto , procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a smula do direito de natureza, isto , por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a ns mesmos.Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que se esforcem para conseguir a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem concorde, quando outros tambm o faam, e na medida em que tal considere necessrio para a paz e para a defesa de si mesmo, em resignar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relao aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relao a si mesmo. Porque enquanto cada homem detiver o seu direito de fazer tudo quanto queira todos os homens se encontraro numa condio de guerra. Mas se os outros homens no resignarem ao seu direito, assim como ele prprio, no h razo para que algum se prive do seu, pois isso equivaleria a oferecer-se como presa (coisa a que ningum obrigado), e no a dispor-se para a paz. esta a lei do Evangelho: Faz aos outros o que queres que te faam a ti. E esta a lei de todos os homens: Quod tibi fieri non vis, alteri ne feceris.Resignar a um direito a alguma coisa o mesmo que privar-se da liberdade de impedir outro de beneficiar-se do seu prprio direito mesma coisa. Pois quem renuncia ou resigna ao seu direito no d a nenhum outro homem um direito que este j no tivesse antes, porque no h nada a que um homem no tenha direito por natureza; neste caso, apenas se afasta do caminho do outro, para que ele possa gozar do seu direito original, sem que haja obstculos da sua parte, mas no sem que haja obstculos da parte dos outros. De modo que o efeito redundante a um homem da desistncia de outro ao seu direito simplesmente uma diminuio equivalente dos impedimentos ao uso do seu prprio direito original.Resigna-se a um direito simplesmente renunciando a ele, ou transferindo-o para outrem. Simplesmente RENUNCIANDO, quando no importa em favor de quem ir redundar o respectivo benefcio. TRANSFERINDO-O, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas. Quando de qualquer destas maneiras algum abandonou ou adjudicou o seu direito, diz-se que fica OBRIGADO ou FORADO a no impedir queles a quem esse direito foi abandonado ou adjudicado o respectivo beneficio, e que deve, e seu DEVER, no tornar nulo esse seu prprio ato voluntrio; e que tal impedimento INJUSTIA e DANO dado que sine jure, pois se transferiu ou se renunciou ao direito. De modo que dano ou injustia, nas controvrsias do mundo, de certo modo semelhante quilo que nas disputas dos escolsticos se chama absurdo.Porque tal como nestas ltimas se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou, assim tambm no mundo se chama injustia e dano desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito. O modo pelo qual um homem simplesmente renuncia ou transfere o seu direito uma declarao ou expresso, mediante um sinal ou sinais voluntrios e suficientes, de que assim renuncia ou transfere, ou de que assim renunciou ou transferiu esse direito quele que o aceitou. Estes sinais podem ser apenas palavras ou apenas aes, ou ento (conforme acontece namaior parte dos casos) tanto palavras como aes. E estas so os VNCULOS mediante os quais os homens ficam atados e obrigados, vnculos que no recebem a sua fora da sua prpria natureza (pois nada se rompe mais facilmente do que a palavra de um homem), mas do medo de alguma m consequncia resultante da ruptura.Quando algum transfere o seu direito, ou a ele renuncia, o faz em considerao a outro direito que reciprocamente lhe foi transferido, ou a qualquer outro bem que dai espera. Pois um ato voluntrio, e o objetivo de todos os atos voluntrios dos homens algum bem para si mesmos. Portanto, h alguns direitos que impossvel admitir que algum homem, por quaisquer palavras ou outros sinais, possa abandonar ou transferir. Em primeiro lugar, ningum pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela fora para lhe tirar a vida, pois impossvel admitir que com isso vise algum benefcio prprio. O mesmo se pode dizer dos ferimentos, das cadeias e do crcere, tanto porque desta resignao no pode resultar benefcio como h quando se resigna a permitir que outro seja ferido ou encarcerado -, mas tambm porque impossvel saber, quando algum lana mo da violncia, se com ela pretende ou no provocar a morte. Por ltimo, o motivo e fim devido ao qual se introduz esta renncia e transferncia do direito no mais do que a segurana da pessoa de cada um, quanto sua vida e quanto aos meios de a preservar de maneira tal que no acabe por dela se cansar. Portanto, se por palavras ou outros sinais um homem parecer despojar-se do fim para que esses sinais foram criados, no se deve entender que isso que ele quer dizer, ou que essa a sua vontade, mas que ele ignorava a maneira como essas palavras e aes iriam ser interpretadas.A transferncia mtua de direitos aquilo a que se chama CONTRATO.()

Daquela le de natureza pela qual somos obrigados a transferir aos outros direitos que, se forem conservados, impedem a paz da humanidade, segue-se uma terceira: Que os homens cumpram os pactos que celebrarem. Sem esta lei os pactos seriam vos, e no passariam de palavras vazias; com o direito de todos os homens a todas as coisas ainda em vigor, permanecemos na condio de guerra. Nesta lei da natureza reside a fonte e a origem da JUSTIA.Porque sem um pacto anterior no h transferncia de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas; consequentemente nenhuma ao pode ser injusta. Mas, depois de celebrado um pacto, romp-lo injusto. E a definio da INJUSTIA no outra seno o no cumprimento de um pacto. E tudo o que no injusto justo. Ora, como os pactos de confiana mtua so invlidos sempre que de qualquer dos lados existe receio de no-cumprimento (conforme se disse no captulo anterior), embora a origem da justia seja a celebrao dos pactos, no pode haver realmente injustia antes de ser removida a causa desse medo; o que no pode ser feito enquanto os homens se encontram na condio natural de guerra. Portanto, para que as palavras "justo" e "injusto" possam ter lugar, necessria alguma espcie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefcio que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de confirmar propriedade que os homens adquirem por contrato mtuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. E no pode haver tal poder antes de se erigir uma repblica. Tambm a definio comum de justia fornecida pelos escolsticos permite deduzir o mesmo, na medida em que afirmam que a justia a vontade constante de dar a cada um o que seu. Portanto, onde no h o seu, isto , no h propriedade, no pode haver injustia, e onde no foi estabelecido um poder coercitivo, isto , onde no h repblica, no h propriedade, pois todos os homens tm direito a todas as coisas. Portanto, onde no h repblica nada injusto. De modo que a natureza da justia consiste no cumprimento dos pactos vlidos, mas a validade dos pactos s comea com a constituio de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, e tambm s a que comea a haver propriedade.()

A causa final, finalidade e desgnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domnio sobre outros), ao introduzir aquela restrio sobre si mesmos sob a qual os vemos viver em repblicas, a precauo com a sua prpria conservao e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela msera condio de guerra, que a consequncia necessria (conforme se mostrou) das paixes naturais dos homens, quando no h um podervisvel capaz de os manter em respeito e os forar, por medo do castigo, ao cumprimento dos seus pactos e observncia das leis de natureza que foram expostas nos captulos XIV e XV.Porque as leis de natureza (como a justia, a equidade, a modstia, a piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos faam) por si mesmas, na ausncia do temor de algum poder que as faa ser respeitadas, so contrrias s nossas paixes naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingana e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada no passam de palavras, sem fora para dar segurana a ningum. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de as respeitar e quando o poder fazer com segurana), se no for institudo um poder suficientemente grande para a nossa segurana, cada um confiar, e poder legitimamente confiar, apenas na sua prpria fora e capacidade, como proteo contra todos os outros. Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famlias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi um comrcio, e to longe de ser considerado contrrio lei de natureza que quanto maior era a espoliao conseguida maior era a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como nicas leis as da honra, ou seja, evitar a crueldade, isto , deixar aos outros as suas vidas e os seus instrumentos de trabalho. Tal como ento faziam as pequenas famlias, tambm hoje as cidades e os reinos, que no so mais do que famlias maiores (para sua prpria segurana) ampliam os seus domnios e, sob qualquer pretexto de perigo, de medo de invaso ou de assistncia que possa ser prestada aos invasores, com toda a justia se esforam o mais possvel para subjugar ou enfraquecer os seus vizinhos, por meio da fora ostensiva e de artifcios secretos, por falta de qualquer outra segurana; e em pocas futuras esses feitos so evocados com honra.No a unio de um pequeno nmero de homens que capaz de oferecer essa segurana, porque quando os nmeros so pequenos basta um pequeno aumento de um ou outro lado para tornar a vantagem da fora suficientemente grande para garantir a vitria, constituindo portanto tal aumento um incentivo invaso. A multido que pode ser considerada suficiente para garantir a nossa segurana no pode ser definida por um nmero exato, mas apenas por comparao com o inimigo que tememos, e suficiente quando a superioridade do inimigo no de importncia to visvel e manifesta que baste para determinar o desfecho da guerra, incitando-o ao ataque. Mesmo que haja uma grande multido, se as aes de cada um dos que a compem forem determinadas pelo julgamento e pelos apetites individuais de cada um, no se poder esperar que ela seja capaz de dar defesa e proteo a seja contra o inimigo comum, seja contra os danos causados uns aos outros. Pois, se suas opinies divergem quanto ao melhor uso e aplicao da sua fora, em vez de se ajudarem s se atrapalham uns aos outros, e essa oposio mtua faz reduzir a nada a sua fora. Assim, no apenas facilmente sero subjuga dos por uns poucos que tenham entrado em acordo, mas alm disso, mesmo sem haver inimigo comum, facilmente faro guerra uns contra os outros, por causa dos seus interesses particulares. Pois se consegussemos imaginar uma grande multido capaz de consentir na observncia da justia e das outras leis de natureza, sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito, igualmente conseguiramos imaginar a humanidade inteira capaz de fazer o mesmo. Nesse caso no haveria, nem seria necessrio, nenhum governo civil ou repblica, pois haveria paz sem sujeio.Tampouco basta para garantir aquela segurana que os homens desejariam durasse todo o tempo das suas vidas, que eles sejam governados e dirigidos por um julgamento nico apenas durante um perodo limitado, como o caso numa batalha ou numa guerra. Porque mesmo que o seu esforo unnime lhes permita obter uma vitria contra um inimigo estrangeiro, depois disso, quando ou no tero mais um inimigo comum, ou aquele que por alguns tido por inimigo por outros tido como amigo, inevitvel que as diferenas entre os seus interesses os levem a desunir-se, voltando a cair em guerra uns contra os outros. certo que h algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem socialmente umas com as outras (e por isso so includas por Aristteles entre as criaturas polticas), sem outra orientao a no ser os julgamentos e apetites particulares, nem linguagem por meio da qual possam indicar umas s outras o que consideram adequado para o benefcio comum.Assim, talvez haja algum interessado em saber por que a humanidade no pode fazer o mesmo. A isso tenho a responder o seguinte.Primeiro, os homens esto constantemente envolvidos numa competio pela honra e pela dignidade, o que no ocorre no caso dessas criaturas. E devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o dio, e finalmente a guerra, ao passo que entre aquelas criaturas tal no acontece.Segundo, entre essas criaturas no h diferena entre o bem comum e o bem individual e, como por natureza tendem para o benefcio individual, acabam por promover o benefcio comum. Mas o homem, cuja alegria consiste em se comparar, s encontra felicidade na comparao com os outros homens, s pode apreciar o que eminente.Terceiro, como essas criaturas no possuem (ao contrrio do homem) o uso da razo, elas no veem nem julgam ver nenhuma falha na administrao de suas atividades em comum. Ao passo que entre os homens so muitos os que se julgam mais sbios e mais capacitados do que os outros para o exerccio do poder pblico. E esses esforam-se por empreender reformas e inovaes, uns de uma maneira e outros doutra, acabando assim por levar o pas perturbao e guerra civil.Quarto, essas criaturas, embora faam certo uso da voz para dar a conhecer umas s outras os seus desejos e outras inclinaes, carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens so capazes de descrever aos outros o que bom sob a aparncia do mal, e o que mau sob a aparncia do bem; e aumentar ou diminuir a manifesta grandeza do bem ou do mal, semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu bel-prazer a paz em que os outros vivem.Quinto, as criaturas irracionais so incapazes de distinguir entre dano e prejuzo, e consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com os seus semelhantes. O homem, por sua vez, tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente, pois neste caso que tende mais para exibir a sua sabedoria e para controlar as aes dos que governam a repblica.Por ltimo, o acordo vigente entre essas criaturas natural; o dos homens se d apenas atravs de um pacto, que artificial. Portanto, no de admirar que seja necessria alguma coisa mais, alm de um pacto, para tornar constante e duradouro o seu acordo; ou seja, um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija as suas aes para o beneficio comum.A nica maneira de instituir um tal poder comum, capaz de os defender das invases dos estrangeiros e dos danos uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurana suficiente para que, mediante o seu prprio labor e graas aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, conferir toda a sua fora e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir todas as suas vontades, por pluralidade de votos, a uma s vontade. Isso equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como portador de suas pessoas, admitindo-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que assim portador de sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito paz e segurana comuns; todos submetendo desse modo as suas vontades vontade dele, e as suas decises sua deciso. Isto mais do que consentimento ou concrdia, uma verdadeira unidade de todos eles, numa s e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que como se cada homem dissesse a cada homem: Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condio de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas aes. Feito isto, multido assim unida numa s pessoa chama-se REPBLICA , em latim CIVITAS. esta a gerao daquele grande LEVIAT, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e defesa. Pois, graas a esta autoridade que lhe dada por cada individuo na repblica, lhe conferido o uso de tamanho poder e fora que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz no seu prprio pais, e da ajuda mtua contra os inimigos estrangeiros. nele que consiste a essncia da repblica, a qual pode ser assim definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multido, mediante pactos recprocos uns com os outros, foi instituda por todos como autora, de modo que ela pode usar a fora e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns.quele que portador dessa pessoa chama-se SOBERANO, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os demais so SDITOS. Este poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras. Uma delas a fora natural, como quando um homem obriga os seus filhos a submeterem-se e a submeterem os seus prprios filhos sua autoridade, na medida em que capaz de os destruir em caso de recusa. Ou como quando um homem sujeita atravs da guerra os seus inimigos sua vontade, concedendo-lhes a vida com essa condio. A outra quando os homens concordam entre si em se submeterem a um homem, ou a uma assembleia de homens, voluntariamente, confiando que sero protegidos por ele contra os outros. Esta ltima pode ser chamada uma repblica poltica, ou por instituio. primeira pode chamar-se uma repblica por aquisio. Vou em primeiro lugar referir-me repblica por instituio. (...)Segundo tratado sobre o governo civil (John Locke)J. Locke, John, Segundo tratado sobre o governo civil : ensaio sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil / introduo de J.W. Gough ; traduo de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrpolis, RJ : Vozes, 1994 (Coleo clssicos do pensamento poltico), Cap. II, IV, V, VII-IX.

Cap II. Do Estado de Natureza4. Para compreender corretamente o poder poltico e traar o curso de sua primeira instituio, preciso que examinemos a condio natural dos homens, ou seja, um estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas aes, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entenderem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir a autorizao de nenhum outro homem nem depender de sua vontade.(...)6. Um estado, tambm, de igualdade, onde a reciprocidade determina todo o poder e toda a competncia, ningum tendo mais que os outros; evidentemente, seres criados da mesma espcie e da mesma condio, que, desde seu nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, devem ainda ser iguais entre si, sem subordinao ou sujeio, a menos que seu senhor e amo de todos, por alguma declarao manifesta de sua vontade, tivesse destacado um acima dos outros e lhe houvesse conferido sem equvoco, por uma designao evidente e clara, os direitos de um amo e de um soberano. Este no umestado de permissividade: o homem desfruta de uma liberdade total de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas no de destruir sua prpria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se assim o exigisse um objetivo mais nobre que a sua prpria conservao. O estado de Natureza regido por um direito natural que se impe a todos, e com respeito razo, que este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ningum deve lesar o outro em sua vida, sua sade, sua liberdade ou seus bens; todos os homens so obra de um nico Criador todo-poderoso e infinitamente sbio, todos servindo a um nico senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu servio; so portanto sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ningum. Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma nica comunidade da natureza, no se pode conceber que exista entre ns uma hierarquiaque nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivssemos sido feitos para servir de instrumento s necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criao so destinadas a servir de instrumento s nossas. Cada um obrigado no apenas a conservar sua prpria vida e no abandonar voluntariamente o ambiente onde vive, mas tambm, na medida do possvel e todas as vezes que sua prpria conservao no est em jogo, velar pela conservao do restante da humanidade, ou seja, salvo para fazer justia a um delinquente, no destruir ou debilitar a vida de outra pessoa, nem o que tende a preserv-la, nem sua liberdade, sua sade, seu corpo ou seus bens.7. Para que se possa impedir todos os homens de violar os direitos do outro e de se prejudicar entre si, e para fazer respeitar o direito natural que ordena a paz e a conservao da humanidade, cabe a cada um, neste estado, assegurar a execuo da lei da natureza, o que implica que cada um esteja habilitado a punir aqueles que a transgridem com penas suficientes para punir as violaes. Pois de nada valeria a lei da natureza, assim como todas as outras leis que dizem respeito aos homens neste mundo, se no houvesse ningum que, no estado de natureza, tivesse poder para executar essa lei e assim preservar o inocente e refrear os transgressores. E se qualquer um no estado de natureza pode punir o outro por qualquer mal que ele tenha cometido, todos podem fazer o mesmo. Pois nesse estado de perfeita igualdade, onde naturalmente no h superioridade ou jurisdio de um sobre o outro, o que um pode fazer para garantir essa lei, todos devem ter o direito de faz-lo.

Cap. IV Da escravido(...)22. A liberdade natural do homem deve estar livre de qualquer poder superior na terra e no depender da vontade ou da autoridade legislativa do homem, desconhecendo outra regra alm da lei da natureza. A liberdade do homem na sociedade no deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por consentimento na comunidade civil; nem sob o domnio de qualquer vontade ou constrangimento por qualquer lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a confiana nele depositada. Portanto, a liberdade no o que Sir Robert Filmer nos diz, O.A. 55 (Observations on Aristotle), uma liberdade para cada um fazer o que quer, viver como lhe agradar e no ser contido por nenhuma lei. Mas a liberdade dos homens submetidos a um governo consiste em possuir uma regra permanente qual deve obedecer, comum a todos os membros daquela sociedade e instituda pelo poder legislativo nela estabelecida. a liberdade de seguir minha prpria vontade em todas as coisas no prescritas por esta regra; e no estar sujeito vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrria de outro homem: como a liberdade natural consiste na no submisso a qualquer obrigao exceto a da lei da natureza.23. Esta liberdade diante do poder arbitrrio absoluto to necessria e est to estreitamente ligada preservao do homem que no pode ser perdida exceto por aquilo que ao mesmo tempo destri sua preservao e sua vida. Pois o homem, incapaz de dispor de sua prpria vida, no poderia, por conveno ou por seu prprio consentimento, se transformar em escravo de outro, nem reconhecer em quem quer que seja um poder arbitrrio absoluto para dispor de sua vida quando lhe aprouver. Ningum pode conceder mais poder do que ele prprio tem; e aquele que no pode tirar sua prpria vida, no pode conceder a outro tal poder. Mesmo que ele incorra na pena capital por sua prpria falta, por qualquer ao que merea a morte, aquele por quem ele perdeu a vida (quando o tem em seu poder), pode retardar o cumprimento de sua pena e utiliz-lo a seu prprio servio; e isso no lhe causa qualquer dano. Mas quando ele considera que a pena imposta pela escravido ultrapassa o valor de sua vida, tem o direito de resistir vontade de seu senhor e provocar para si a morte que ele deseja.24. Esta a perfeita condio da escravido, que nada mais que o estado de guerra continuado entre um conquistador legtimo e seu prisioneiro. Desde que faam um pacto entre eles, se concordam que um deles exercer um poder limitado, que o outro obedecer, o estado de guerra e a escravido deixam de existir enquanto este pacto durar. Pois, como foi dito, ningum pode concordar em conceder a outro um poder que no tem sobre si mesmo, ou seja, o poder de dispor de sua prpria vida.()Cap. VII Da sociedade poltica ou civil 87.O homem nasceu, como j foi provado, com um direito liberdade perfeita e em pleno gozo de todos os direitos e privilgios da lei da natureza, assim como qualquer outro homem ou grupo de homens na terra; a natureza lhe proporciona, ento, no somente o poder de preservar aquilo que lhe pertence ou seja, sua vida, sua liberdade, seus bens contra as depredaes e as tentativas de outros homens, mas de julgar e punir as infraes daquela lei em outros, quando ele est convencido que a ofensa merece, e at com a morte, em crimes em que ele considera que a atrocidade a justifica. Mas como nenhuma sociedade poltica pode existir ou subsistir sem ter em si o poder de preservar a propriedade, e, para isso, punir as ofensas de todos os membros daquela sociedade, s existe uma sociedade poltica onde cada um dos membros renunciou ao seu poder natural e o depositou nas mos da comunidade em todos os casos que os excluem de apelar por proteo lei por ela estabelecida; e assim, excludo todo julgamento particular de cada membro particular, a comunidade se torna um rbitro; e, compreendendo regras imparciais e homens autorizados pela comunidade para faz-las cumprir, ela decide todas as diferenas que podem ocorrer entre quaisquer membros daquela sociedade com respeito a qualquer questo de direito e pune aquelas ofensas que qualquer membro tenha cometido contra a sociedade com aquelas penalidades estabelecidas pela lei; deste modo, fcil discernir aqueles que vivem daqueles que no vivem em uma sociedade poltica. Aqueles que esto reunidos de modo a formar um nico corpo, com um sistema jurdico e judicirio com autoridade para decidir controvrsias entre eles e punir os ofensores, esto em sociedade civil uns com os outros; mas aqueles que no tm em comum nenhum direito de recurso, ou seja, sobre a terra, esto ainda no estado de natureza, onde cada um serve a si mesmo de juiz e de executor, o que , como mostrei antes, o perfeito estado de natureza. ()

Cap. VIII Do incio das sociedades polticas95. Se todos os homens so, como se tem dito, livres, iguais e independentes por natureza, ningum pode ser retirado deste estado e se sujeitar ao poder poltico de outro sem o seu prprio consentimento. A nica maneira pela qual algum se despoja de sua liberdade natural e se coloca dentro das limitaes da sociedade civil atravs de acordo com outros homens para se associarem e se unirem em uma comunidade para uma vida confortvel, segura e pacfica uns com os outros, desfrutando com segurana de suas propriedades e melhor protegidos contra aqueles que no so daquela comunidade. Esses homens podem agir desta forma porque isso no prejudica a liberdade dos outros, que permanecem como antes, na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer nmero de homens decide constituir uma comunidade ou um governo, isto os associa e eles formam um corpo poltico em que a maioria tem o direito de agir e decidir pelo restante.96. Quando qualquer nmero de homens, atravs do consentimento de cada indivduo, forma uma comunidade, do a esta comunidade uma caracterstica de um corpo nico, com o poder de agir como um corpo nico, o que significa agir somente segundo a vontade e a determinao da maioria. Pois o que move uma comunidade sempre o consentimento dos indivduos que a compem, e como todo objeto que forma um nico corpo deve se mover em uma nica direo, este deve se mover na direo em que o puxa a fora maior, ou seja, o consentimento da maioria; do contrrio, impossvel ele atuar ou subsistir como um corpo, como uma comunidade, como assim decidiu o consentimento individual de cada um; por isso cada um obrigado a se submeter s decises da maioria. E por isso, naquelas assembleias cujo poder extrado de leis positivas, em que a lei positiva que os habilita a agir no fixa o nmero estabelecido, vemos que a escolha da maioria passa por aquela do conjunto, e importa na deciso sem contestao, porque tem atrs de si o poder do conjunto, em virtude da lei da natureza e da razo.(...)99. Por isso preciso admitir que todos aqueles que saem de um estado de natureza para se unir em uma comunidade abdiquem de todo o poder necessrio realizao dos objetivos pelos quais eles se uniram na sociedade, em favor da maioria da comunidade, a menos que uma estipulao expressa no exija o acordo de um nmero superior maioria. Para isso basta um acordo que preveja a unio de todos em uma mesma sociedade poltica, e os indivduos que se inserem em uma comunidade poltica no necessitam de outro pacto. Assim, o ponto de partida e a verdadeira constituio de qualquer sociedade poltica no nada mais que o consentimento de um nmero qualquer de homens livres, cuja maioria capaz de se unir e se incorporar em uma tal sociedade. Esta a nica origem possvel de todos os governos legais do mundo.(...)Cap IX Dos fins da sociedade poltica e do governo123. Se o homem to livre no estado de natureza como se tem dito, se ele o senhor absoluto de sua prpria pessoa e de seus bens, igual aos maiores e sdito de ningum, por que renunciaria a sua liberdade, a este imprio, para sujeitar-se dominao e ao controle de qualquer outro poder?A resposta evidente: ainda que no estado de natureza ele tenha tantos direitos, o gozo deles muito precrio e constantemente exposto s invases de outros. Todos so to reis quanto ele, todos so iguais, mas a maior parte no respeita estritamente, nem a igualdade nem a justia, o que torna o gozo da propriedade que ele possui neste estado muito perigoso e muito inseguro. Isso faz com que ele deseje abandonar esta condio, que, embora livre, est repleta de medos e perigos contnuos; e no sem razo que ele solicita e deseja se unir em sociedade com outros, que j esto reunidos ou que planejam se unir, visando a salvaguarda mtua de suas vidas, liberdades e bens, o que designo pelo nome geral de propriedade.124. Por isso, o objetivo capital e principal da unio dos homens em comunidades sociais e de sua submisso a governos a preservao de sua propriedade. O estado de natureza carente de muitas condies. Em primeiro lugar, ele carece de uma lei estabelecida, fixada, conhecida, aceita e reconhecida pelo consentimento geral, para ser o padro do certo e do errado e tambm a medida comum para decidir todas as controvrsias entre os homens. Embora a lei da natureza seja clara e inteligvel para todas as criaturas racionais, como os homens so tendenciosos em seus interesses, alm de ignorantes pela falta de conhecimento deles, no esto aptos a reconhecer o valor de uma lei que eles seriam obrigados a aplicar em seus casos particulares.125. Em segundo lugar, falta no estado de natureza um juiz conhecido e imparcial, com autoridade para dirimir todas as diferenas segundo a lei estabelecida. Como todos naquele estado so ao mesmo tempo juzes e executores da lei da natureza, e os homens so parciais no julgamento de causa prpria, a paixo e a vingana se arriscam a conduzi-los a muitos excessos e violncia, assim como a negligncia e a indiferena podem tambm diminuir seu zelo nos casos de outros homens.126.Em terceiro lugar, no estado de natureza frequentemente falta poder para apoiar e manter a sentena quando ela justa, assim como para impor sua devida execuo. Aqueles que so ofendidos por uma injustia dificilmente se abstero de remedi-la pela fora, se puderem; esta resistncia muitas vezes torna o castigo perigoso e fatal para aqueles que o experimentam.127. Assim, apesar de todos os privilgios do estado de natureza, a humanidade desfruta de uma condio ruim enquanto nele permanece, procurando rapidamente entrar em sociedade. muito raro encontrarmos homens, em qualquer nmero, permanecendo um tempo aprecivel nesse estado. As inconvenincias a que esto expostos pelo exerccio irregular e incerto do poder que cada homem possui de punir as transgresses dos outros faz com que eles busquem abrigo sob as leis estabelecidas do governo e tentem assim salvaguardar sua propriedade. isso que dispe cada uma renunciar to facilmente a seu poder de punir, porque ele fica inteiramente a cargo de titulares nomeados entre eles, que devero exerc-lo conforme as regras que a comunidade ou aquelas pessoas por ela autorizadas adotaram de comum acordo. A encontramos a base jurdica inicial e a gnese dos poderes legislativo e executivo, assim como dos governos e das prprias sociedades.128. No estado de natureza, sem falar da liberdade que tem de desfrutar prazeres inocentes, o homem detm dois poderes. O primeiro fazer o que ele acha conveniente para sua prpria preservao e para aquela dos outros dentro dos limites autorizados pela lei da natureza; em virtude desta lei, comum a todos, cada homem forma, com o resto da humanidade, uma nica comunidade, uma nica sociedade distinta de todas as outras criaturas. E, no fosse a corrupo e os vcios de indivduos degenerados, no haveria nenhuma necessidade dos homens se separarem desta grande comunidade natural, nem fazerem acordos particulares para se associarem em associaes menores e divididas. O outro poder que o homem tem no estado de natureza o poder de punir os crimes cometidos contra aquela lei. A ambos ele renuncia quando se associa a uma sociedade poltica privada, se posso cham-la assim, ou particular, para se incorporar a uma comunidade civil separada do resto da humanidade.129. O primeiro poder, ou seja, aquele de fazer o que julga conveniente para a sua prpria preservao e a do resto da humanidade, ele deixa a cargo da sociedade, para que ela o regulamente atravs de leis, na medida em que isto se faa necessrio para a sua preservao e a do restante daquela sociedade; estas leis da sociedade em muitos pontos restringem a liberdade que ele possua pela lei da natureza.130. Ao segundo, o poder de punir, ele renuncia inteiramente e empenha sua fora natural (que antes podia empregar como bem entendesse, por sua prpria autoridade, para fazer respeitar a lei da natureza) para ajudar o poder executivo da sociedade, conforme a lei deste exigir. Ele se encontra agora em um novo estado, onde vai desfrutar de muitas vantagens, graas ao trabalho, a assistncia e companhia de outros na mesma comunidade, assim como a proteo da fora coletiva; ele tambm tem de renunciar a grande parte de sua liberdade natural de prover suas necessidades, em toda a medida em que o bem, a prosperidade e a segurana da sociedade o exigir, o que no somente necessrio, mas justo, visto que os outros membros da sociedade fazem o mesmo.131. Mas, embora os homens ao entrarem na sociedade renunciem igualdade, liberdade e ao poder executivo que possuam no estado de natureza, que ento depositado nas mos da sociedade, para que o legislativo deles disponha na medida em que o bem da sociedade assim o requeira, cada um age dessa forma apenas com o objetivo de melhor proteger sua liberdade e sua propriedade (pois no se pode supor que nenhuma criatura racional mude suas condies de vida para ficar pior), e no se pode jamais presumir que o poder da sociedade, ou o poder legislativo por ela institudo, se estenda alm do bem comum; ele tem a obrigao de garantir a cada um sua propriedade, remediando aqueles trs defeitos acima mencionados que tornam o estado de natureza to inseguro e inquietante. Seja quem for que detenha o poder legislativo, ou o poder supremo, de uma comunidade civil, deve governar atravs de leis estabelecidas e permanentes, promulgadas e conhecidas do povo, e no por meio de decretos improvisados; por juzes imparciais e ntegros, que iro decidir as controvrsias conforme estas leis; e s deve empregar a fora da comunidade, em seu interior, para assegurar a aplicao destas leis, e, no exterior, para prevenir ou reparar as agresses do estrangeiro, pondo a comunidade ao abrigo das usurpaes e da invaso. E tudo isso no deve visar outro objetivo seno a paz, a segurana e o bem pblico do povo.()