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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO Gabinete do Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo 1 06-08-14 SEB ============================================================ 44 TC-018508/026/13 Consulente: Antonio Carlos da Silva Prefeito Municipal de Caraguatatuba. Assunto: Consulta a respeito de dispositivos da Lei Complementar nº 123 de 2006 que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Advogado: Marcelo Paiva de Medeiros. Procurador de Contas: Celso Augusto Matuck Feres Júnior e Rafael Neubern Demarchi Costa. Sustentação Oral proferida pelo Ministério Público de Contas em Sessão de 12-03-14. PEDIDO DE VISTA DO CONSELHEIRO DIMAS EDUARDO RAMALHO ============================================================ 1. RELATÓRIO 1.1 Trata-se de CONSULTA encaminhada a este Tribunal de Contas, pelo Senhor Antonio Carlos da Silva, Prefeito do Município da Estância Balneária de Caraguatatuba, por meio da qual formulou os seguintes questionamentos: i) Os artigos 42 a 45 da Lei Complementar nº 123/06 gozam de autoaplicabilidade? ii) Nos termos do artigo 47 da LC nº 123/06, o Município legislando, de modo a regulamentar e privilegiar o desenvolvimento local, qual seria a definição de “regional” para esse tribunal de modo que não seja crivado de inconstitucionalidade esse novo diploma municipal? iii) O Município realizando licitação nos termos do artigo 48, ainda que explícito nos instrumentos convocatórios poderia: a) Destinar exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)?

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06-08-14 SEB ============================================================ 44 TC-018508/026/13 Consulente: Antonio Carlos da Silva – Prefeito Municipal de Caraguatatuba. Assunto: Consulta a respeito de dispositivos da Lei Complementar nº 123 de 2006 que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Advogado: Marcelo Paiva de Medeiros. Procurador de Contas: Celso Augusto Matuck Feres Júnior e Rafael Neubern Demarchi Costa. Sustentação Oral proferida pelo Ministério Público de Contas em Sessão de 12-03-14. PEDIDO DE VISTA DO CONSELHEIRO DIMAS EDUARDO RAMALHO ============================================================ 1. RELATÓRIO

1.1 Trata-se de CONSULTA encaminhada a este Tribunal de Contas, pelo Senhor Antonio Carlos da Silva, Prefeito do Município da Estância Balneária de Caraguatatuba, por meio da qual formulou os seguintes questionamentos: i) Os artigos 42 a 45 da Lei Complementar nº 123/06 gozam de autoaplicabilidade? ii) Nos termos do artigo 47 da LC nº 123/06, o Município legislando, de modo a regulamentar e privilegiar o desenvolvimento local, qual seria a definição de “regional” para esse tribunal de modo que não seja crivado de inconstitucionalidade esse novo diploma municipal? iii) O Município realizando licitação nos termos do artigo 48, ainda que explícito nos instrumentos convocatórios poderia:

a) Destinar exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)?

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b) Exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, no percentual máximo do objeto a ser subcontratado de até 30% (trinta por cento) do total licitado? c) Estabelecer cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível?

iv) O tratamento privilegiado, que a LC nº 123/06 dá as microempresas e as empresas de pequeno porte, é incompatível com a Lei nº 8.666/93? Qual das leis prevalece? 1.2 Consultada, nos termos do artigo 231 do Regimento Interno desta Corte, a SDG-4 – Centro de Documentação Jurídica informou que assunto semelhante já fora examinado em sede de exame prévio de edital1 e juntou aos autos os documentos de fls. 18/64. 1.3 Nos termos regimentais, manifestou-se o Ministério Público de Contas, conforme parecer de fls. 67/83. Preliminarmente, opinou pelo conhecimento da consulta, pois os quesitos formulados se ajustam às balizas fixadas na norma de regência e a matéria não foi objeto de parecer específico anterior. Sobre a autoaplicabilidade dos artigos 42 a 45 da Lei nº 123/06 e alterações, o Parquet de Contas aduziu que tal entendimento já está pacificado na doutrina2 e na jurisprudência dos órgãos de controle externo3, até mesmo sem previsão no instrumento convocatório, embora seja recomendável que o edital trate do assunto, para tornar clara a operacionalização dos benefícios. Quanto à definição de “regional” (quesito 2 da consulta), lembrou que já se posicionara a respeito, na ocasião do Exame Prévio de

1 TC-000877/989/12-9 (e-tcesp – processo eletrônico).

2 Cf. Marçal Justen Filho; Joel Menezes Niebuhr; Sidney Bittencourt; Jair Eduardo Santana e Edgard

Guimarães; e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 3 TCE-MG; TCE-PR; TCE-RS; e TCU.

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Edital de que trata o TC-000877.989.12-94, mantendo o entendimento de que o edital não pode restringir a participação na licitação apenas às microempresas e empresas de pequeno porte do município ou região. Em abono de sua posição, reproduziu trecho do Acórdão 2957/2011, proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União (em resposta a consulta formulada pelo Presidente do TST – Tribunal Superior do

Trabalho): “9.2.1. nos editais de licitação em que for conferido o tratamento

diferenciado previsto no inciso I do artigo 48 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e no art. 6º do Decreto nº 6.204, de 05 de setembro de 2007, não se deve restringir o universo de participantes às empresas sediadas no Estado em que estiver localizado o órgão ou a entidade licitante;

(...)”.

Enfatizou, ainda, que os artigos 47 a 49 exigem regulamentação, a qual, por força do § 1º do artigo 77 da LC nº 123/06, deveria ter sido editada no prazo de 1 (um) ano da promulgação da lei complementar, até para disciplinar, no âmbito municipal, a figura do Agente de Desenvolvimento (art. 85-A). Sobre o artigo 48, asseverou que, uma vez regulamentado na legislação do respectivo ente, pode ser aplicado, devendo ser apreciado, no entanto, em conjunto com o artigo 49, ambos do Estatuto Nacional da ME e da EPP. Por derradeiro, advogou que “a aplicação dos dispositivos especiais

trazidos pela LC 123/06 está em plena harmonia com os princípios constitucionais e gerais que lastreiam o instituto das licitações (...) e que a utilização de critérios para solucionar eventual antinomia de normas permite concluir que não há incompatibilidade entre a LC 123/06 e a Lei Geral de Licitações nº 8.666/93”. 1.4 Instada a se manifestar, a Secretaria-Diretoria Geral ofertou o parecer de fls. 85/107. Preliminarmente, posicionou-se pelo conhecimento da consulta, pois o interessado é parte legítima e os quesitos formulados, “embora possam configurar eventual consulta sobre situação concreta a ser

4 O embate sobre o tema encontra-se relatado na documentação coligida pelo setor competente

– fls. 18/64

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experimentada em futuras contratações, possuem relevante razão de interesse público, notadamente face à pertinência do assunto para os entes jurisdicionados”.

No mérito, convergiu com o MPC nos questionamentos 1, 3 e 4, dele dissentindo, entretanto, com relação ao de nº 2. A esse respeito, desenvolveu, então, sua linha de argumentação a partir de 3 pilares:

I - Da mens legislatoris; II - Do universo de aplicação da norma; e III - Do não afastamento dos princípios constitucionais aplicáveis às licitações. Primeiramente, sobre a intenção do legislador ao redigir tais dispositivos, destacou que: a) A lei não contém palavra inútil; b) Deve-se buscar o espírito do legislador na elaboração do texto normativo; e c) Da análise sistemática do texto legal, percebe-se que a lei, em diversas ocasiões, consagrou a ideia de desenvolvimento regional. Aduziu que “a lei complementar, em seu artigo 47, ensejou

textualmente a possibilidade do ente da federação prever mecanismos próprios que visem promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional,

fato que merece atenção dos aplicadores do Direito”. Assim, além da valorização e proteção do micronegócio, a LC nº 123/06 “teve outros objetivos de igual peso

constitucional, dos quais se destaca o princípio do desenvolvimento regional”,

conforme incisos II e III do art. 3º5 da Constituição Federal. Assinalou que “a Carta Magna consagra tal mecanismo em alguns

dispositivos, a exemplo do art. 43, que trata das regiões, estabelecendo a possibilidade da lei dispor sobre incentivos regionais; do artigo 159, que trata dos incentivos fiscais destinados a promover o desenvolvimento entre as diferentes regiões; e do artigo 219, que prevê que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado, nos termos de lei federal”. Argumentou que, através de uma análise sistemática do texto legal, constata-se que: “além do mencionado artigo 47, o inciso II do artigo 49

aborda as condições de aplicação das regras dos artigos 47 e 48, mencionando a necessidade de no mínimo 03 fornecedores sediados local e regionalmente. Depois, no artigo 77, se estabelece que caberá aos entes da federação, a edição de leis e atos visando assegurar o tratamento jurídico diferenciado aos pequenos empresários, dispositivo que reforça a ideia de que a norma objetivou delegar determinados poderes regulamentares aos estados membros e municípios. E por último, no art. 85-A, quando acaba por delegar ao Poder Público Municipal a designação de um Agente de

5 “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: II – garantir o

desenvolvimento regional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”

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Desenvolvimento para a efetivação do disposto na lei, para que possa articular ações públicas para a promoção do desenvolvimento local e territorial”. Concluiu que “o legislador lançou mão das contratações públicas

como meio de se atingir uma finalidade social, conferindo aos entes da federação, para tanto, determinados poderes regulamentares para que possam estabelecer parâmetros mais objetivos e minuciosos. Caso contrário, a lei complementar tornar-se-ia letra morta”. A corroborar a assertiva de que o art. 47 enseja a possibilidade de se restringir, por critério de região, as ME e EPP, citou o entendimento de doutrinadores6, a cartilha do SEBRAE7 - Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas e a resposta do TCE-MG a Consulta de teor semelhante, (Processo nº 887734), asseverando que “cabe ao próprio gestor delimitar e justificar, nos autos de cada procedimento licitatório, o sentido e o alcance da expressão ‘regionalmente’”. Com relação ao universo de aplicação do art. 47, salientou ser ele restrito a 03 circunstâncias e, ainda, mediante o cumprimento de diversas condições”. Observou que, ao prever a possibilidade de serem realizadas licitações destinadas exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações até R$ 80.000,00, adotou o legislador o mesmo valor atribuído à modalidade licitatória Convite, que permite escolher e convidar tão somente 3 interessados. Assinalou que, embora a Lei nº 8.666/93 tenha mitigado essa restrição, verifica-se na prática, que são escolhidas empresas sediadas na região, até mesmo em razão das facilidades de cotação prévia, frete e logística. Ponderou, assim, que a aplicação do artigo 47 não parece trazer resultados, na prática, tão diferentes daqueles experimentados quando se aplica o Convite, cuja disputa, de forma semelhante, acaba ficando adstrita às empresas locais. Ainda, no mesmo tópico, demonstrou, entretanto, certa preocupação com a possibilidade de subcontratação exclusiva de ME e EPP (limitação de 30% do total licitado) e a respeito da aquisição de bens e serviços de natureza divisível (25% do objeto destinado às ME e EPP). Quanto à primeira hipótese (inciso II do art. 48), vislumbrou obstáculos jurídicos, uma vez que a entrega, de responsabilidade da

6 Professores Carlos Pinto Coelho Motta e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes.

7 SEBRAE em conjunto com a Confederação Nacional dos Municípios - Cartilha – “Perguntas e Respostas

sobre o Desenvolvimento Local” e “Guia do Prefeito Empreendedor”.

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contratada (empresas médias ou grandes), seria parcialmente executada por uma parceira compulsória. Já com relação ao estabelecimento de cota de 25% do objeto (bens divisíveis) para a contratação de ME e EPP, reputou ser “imprescindível garantir que acorram ao certame um número razoável de participantes, e desde que seja obedecida a economicidade na contratação”. Por essa razão, enfatizou que “os administradores públicos deverão

examinar, cuidadosamente se a natureza do objeto posto em disputa justifica a sua aplicação, o que deverá estar cabalmente demonstrado no processo administrativo que antecede o certame”. Sobre o “não afastamento dos princípios constitucionais aplicáveis às licitações”, argumentou que a exigência contida no inciso III do art. 49 (inaplicabilidade do art. 48 se o tratamento diferenciado e simplificado não

for vantajoso para a administração pública) já contempla a vantajosidade e, por conseguinte, a economicidade da futura contratação. Prosseguiu, ressaltando que o administrador público, por conta do disposto no inciso II do art. 49, deverá observar se a região delimitada pela lei local permitirá a participação de um número razoável de interessados no certame (no mínimo 3 fornecedores), fato que garante a devida competitividade. Ao analisar o atendimento ao princípio da livre concorrência, argumentou que a própria Constituição cuidou de traçar alguns limites, em quatro dispositivos; todos insertos no capítulo que trata da Ordem Econômica e Financeira. O primeiro prevê tratamento favorecido às empresas de pequeno porte; o segundo impõe uma limitação, assegurando a todos o exercício de qualquer atividade econômica, salvo nos casos previstos em lei; o terceiro diz respeito à possibilidade da lei reprimir o abuso do poder econômico (dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento

arbitrário dos lucros); e o quarto relaciona-se ao exercício do Estado como agente normativo e regulador do incentivo e planejamento da atividade econômica. Concluiu o ilustre órgão técnico que “a livre concorrência não é

irrestrita, ideia que tem fulcro, inclusive, no próprio princípio da isonomia, que possibilita tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Todavia, “a afirmativa de que a restrição confere tratamento desigual

àquelas microempresas sediadas fora do âmbito local, em contrariedade à isonomia, deve ser analisada com cautela”. É que o legislador, prosseguindo a sua linha de raciocínio, “pretendeu que os incentivos da lei sejam convertidos em desenvolvimento municipal e

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regional, e essa motivação também tem magnitude constitucional tal como a isonomia; mas não o fez indistintamente, ao contrário, impôs restrições severas para que esse objetivo não ultrapasse a razoabilidade”. Especificamente sobre a definição de “regional” para este Tribunal, defendeu que a amplitude de tal conceito caberá ao ente da federação, de acordo com o caso concreto, devendo-se avaliar, para tanto, se a natureza do objeto a ser licitado permite a aplicação de restrição dessa ordem, à luz dos princípios constitucionais e legais. 1.5 Submetida a matéria à apreciação deste E. Plenário, nas sessões de 27-11-13, 12-03-14 e 16-04-14, o processo foi retirado de pauta nos termos do disposto no artigo 105, I, do Regimento Interno. Na sessão de 12-03-14, o Ministério Público de Contas proferiu sustentação oral sinalizando a adoção da “mens legis”, que reflete “a vontade da lei, após a saída dela do Parlamento, enquanto efetivamente

positivada no ordenamento, uma teoria mais objetiva de interpretação da norma”,

diversamente do que fez a SDG que aplicou ao caso a “mens legislatoris”, segundo a qual deve ser levada em conta a intenção do legislador ao elaborar a norma, ou seja, representa uma teoria subjetiva de como interpretá-la. Discorreu acerca da gênese da Lei Complementar 123, que teve inspiração norte-americana, baseada no "Small Business Act", de 1953, do qual se extraiu alguns dos institutos do nosso diploma como, por exemplo, “a ideia do "empate ficto", critério de desempate, que está no artigo 44; as licitações exclusivas do artigo 48, inciso I, que os Estados Unidos chamam de "set-aside": ele deixa de lado essas licitações apenas para as micro e pequenas empresas; a subcontratação obrigatória, do 48, inciso II, que eles chamam de "subcontracting program"; as cotas de contratações com as micro e pequenas empresas, do 48, inciso III, que são os "partial set-asides".” No entanto, a redação dada ao artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06 foi disciplinada pelo artigo 48 do mesmo diploma, que não permite a interpretação de licitações regionais, pois, para isso, seria necessária a importação de outros instrumentos do "Small Business Act", notadamente aquele que mais se aproximaria dessa ideia, o que eles chamam de "HUBZones", que são áreas historicamente subutilizadas por negócios.

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Reconheceu a importância do caso ora apreciado e sugeriu que o resultado da Consulta seja encaminhado ao SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas; à Secretaria da Micro e Pequena Empresa, criada pela Lei federal nº 12.792/2013; e à Subsecretária de Empreendedorismo e da Micro e Pequena Empresa, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. 1.6 Novamente, submetida a matéria à votação deste E. Plenário, na sessão de 28-05-14, após a exposição do voto deste Relator, houve pedido de vista pelo e. Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho. Por força do artigo 104, caput, do Regimento Interno, os autos foram incluídos na pauta de 16-07-14, porém dela foram retirados nos termos e para os fins previstos no artigo 105, I, do mesmo diploma regimental. É o relatório. 2. VOTO - PRELIMINAR 2.1 Preliminarmente verifico que o interessado é parte legítima para formular consulta a este Tribunal, ex vi do disposto no § 2º do artigo 226 do RITCESP. E, em razão de se tratar de questão de relevante interesse público, a consulta pode ser apreciada, nos termos do § 1º do referido dispositivo regimental. Voto, assim, pelo seu conhecimento. 3. VOTO - MÉRITO 3.1 A Constituição Federal, em dois de seus dispositivos – artigos 170, IX8, e 1799 – previu a possibilidade de diferenciação de tratamento no

8 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios :

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que diz respeito às microempresas (MEs) e às empresas de pequeno porte (EPPs). A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, veio disciplinar a matéria. Esse tratamento privilegiado – instrumento de política econômica destinado a fomentar o crescimento do mercado local – tem para o SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas sólida base racional, como assinala na Análise do Emprego no Brasil, janeiro/2013:

“Segundo dados do CAGED, disponibilizados pelo Ministério do

Trabalho e Emprego, em janeiro deste ano, foram gerados 28.900 empregos formais celetistas no Brasil. As ME e EPP geraram 47.592 novos postos de trabalho, enquanto as Médias e Grandes Empresas registraram saldo líquido negativo, ou seja, extinção de 19.396 postos. Já a Administração Pública respondeu pela criação de 704 postos de trabalho”.

Destaco que no “III Encontro Nacional dos Tribunais de Contas do Brasil10”, realizado em Campo Grande, em 14 de novembro de 2012, foi assinada a DECLARAÇÃO DE CAMPO GRANDE, subscrita por este Tribunal, na qual foram firmados compromissos importantes, dentre os quais o item 14 – fomentar e fiscalizar o cumprimento da Lei Complementar nº 123/06, que garante tratamento diferenciado e favorecido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte brasileiras nas aquisições e contratações governamentais. Observo, também, como bem lembrado pelo Ministério Público de Contas, que, segundo dados do SEBRAE11, dos 645 municípios

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.” 9 “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às

empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” 10 Participantes: Atricon – Associação dos Tribunais de Contas do Brasil; IRB – Instituto Rui Barbosa; e

Tribunais de Contas. 11

Fonte: http://app.pr.sebrae.com.br/leigeralnacional/VisualizarRankingEstados.do?acao=.

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paulistas, somente 137 (21,2%) possuíam tal legislação, até a data de 21-11-2013, abaixo da média nacional que é de 27,6%. 3.2 Nesse contexto, indaga o Município consulente, na primeira das questões formuladas, da autoaplicabilidade dos artigos 42 a 4512 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que tratam do

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“Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.

Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição.

§ 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o

prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.

§ 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1

o deste artigo, implicará

decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas

microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1

o deste artigo será de

até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço. Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate,

proceder-se-á da seguinte forma: I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar

proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;

II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;

III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.

§ 1o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto

licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame. § 2

o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido

apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte. § 3

o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada

será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.”

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prazo diferenciado para as microempresas – MEs e empresas de pequeno porte – EPPs comprovarem a regularidade fiscal e do exercício do direito de preferência nas licitações públicas. Conforme aponta a instrução dos autos, não há controvérsia a respeito. De forma uníssona, doutrina e jurisprudência entendem que referidos dispositivos são de observância obrigatória para todas as entidades administrativas que promovem licitação, uma vez que revestidos de todos os elementos necessários à sua imediata executoriedade, não demandando, pois, qualquer complementação para sua eficácia plena. Nesse sentido, assinala o ilustre jurista Marçal Justen Filho13: “a maior parte das disposições atinentes a benefícios licitatórios, contidos na LC nº 123, apresenta natureza autoaplicável. Assim se passa com o disposto nos arts. 42 e 43 (regularização fiscal) e nos arts. 44 e 45 (preferência em caso de empate). As normas legislativas contemplam todos os elementos normativos necessários e suficientes para a sua aplicação no caso concreto”. Na mesma linha, decidiu o Tribunal de Contas da União que “os privilégios concedidos às microempresas e empresas de pequeno porte por força dos arts. 42 e 43 da Lei Complementar nº 123/2006 independem da existência de previsão editalícia, sendo de observância obrigatória pela Administração, quando se deparar com situação fática que se subsume aos comandos normativos em destaque”14. Em decisão do Pleno (Sessão de 01-09-10, sob a relatoria do E.

Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues), este Tribunal endossou o mesmo entendimento. De relevo destaco o seguinte trecho:

"Embora a Lei Complementar nº 123/06 (conforme observa SDG12) seja autoaplicável, conveniente que a Prefeitura, por oportuno, preveja no termo convocatório tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte [...]"

13

Justen Filho, Marçal. O Estatuto da Microempresa e as Licitações Públicas. 2ª ed. rev. e atual., de acordo com a Lei Complementar 123/2006 e o Decreto Federal 6.204/2007. São Paulo: Dialética, 2007, pág. 24. 14 Acórdão TCU nº 2505/2009 – Plenário – Ministro Relator Augusto Nardes, Sessão de

28-10-2009.

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12 Nos seguintes termos: “De fato, os benefícios previstos nos artigos 42 a 45 do Estatuto das ME/EPP são de observância obrigatória pelo Poder Público que licita, haja vista que seus dispositivos se configuram como normas gerais de licitação e, como tal, são autoaplicáveis, independentemente da existência de regulamentação local”.

Nesta conformidade, resta incontroverso, à luz da orientação doutrinária e jurisprudencial, que os benefícios contidos nos artigos 42 a 45 são autoaplicáveis, independentemente de sua regulamentação ou previsão no edital. Não obstante, é recomendável que a matéria seja disciplinada no instrumento convocatório para orientar a operacionalização da concessão dos benefícios e padronizar os procedimentos, evitando-se, desse modo, questionamentos por parte dos licitantes. 3.3 De forma diversa, os artigos 47 a 49 demandam, para sua aplicabilidade, de norma superveniente que lhes dê a concretude necessária. O texto legal é claro: o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional poderá ser concedido pela União, Estados e Municípios, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente. Na segunda das questões, o Município, reconhecendo a necessidade de tal regulamentação, indaga, entretanto, do significado que esta Corte empresta ao termo “regional”, de modo que não seja crivado de inconstitucionalidade o novo diploma municipal. O tema não é indene de polêmica, da qual, aliás, a instrução dos autos é testemunha.

De um lado, o MPC, com amparo em decisão do E. Tribunal de Contas da União entende que o Município, na legislação local que regulamentar o artigo 47, não pode limitar a participação na licitação apenas às MEs e EPPs do município ou região”.

De outro, a SDG, escorando-se em julgado do E. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, conclui pela viabilidade do discrímen, por entender que este possui magnitude constitucional.

Não obstante a excelência dos argumentos em contrário, entendo, tal como a SDG, que há que se atribuir aos termos “local” e “regional” algum significado, até porque, como assinala Carlos

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Maximiliano15, “o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos. Respeita-se esta, e concilia-se com o fim”.

Passando, pois, à análise dos dispositivos questionados, verifica-se que, de acordo com o artigo 4716 da LC nº 123/2006, o tratamento diferenciado a ser conferido pelos entes federativos às MEs e EPPs tem por objetivo a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Para atingir tal finalidade, o artigo 4817 da mesma lei acena com a possibilidade de realização de procedimento licitatório: a) destinado exclusivamente às MEs e EPPs nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), vale dizer, o limite para o qual a Lei federal nº 8.666/93 autoriza a realização de convite (art. 23, II, “a”); b) em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de ME ou de EPP, limitada a 30% do total licitado; e c) em que se estabeleça cota de até 25% do

15

Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 125. 16

“Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.” 17 “Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração

pública poderá realizar processo licitatório: I - destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte

nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); II - em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de

pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado;

III - em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

§ 1o O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá exceder a 25% (vinte e cinco

por cento) do total licitado em cada ano civil. § 2

o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou

entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.”

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objeto para contratação de ME ou de EPP para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.

Ao prestigiar as MEs e EPPs como fatores de desenvolvimento local e regional, não descurou, entretanto, o legislador dos princípios da isonomia, da economicidade e da vantajosidade, aos quais se encontra a Administração inarredavelmente vinculada.

Estabeleceu, assim, no § 1º do artigo 48 e no artigo 4918, que: - o valor licitado nessas condições não poderá exceder a 25%

do total licitado em cada ano civil; - os critérios de tratamento diferenciado deverão estar

expressamente previstos no edital; - deverão existir, no mínimo, 3 (três) fornecedores

competitivos enquadrados como ME ou EPP sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

- o tratamento diferenciado deverá se mostrar vantajoso para a administração pública e não poderá representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

Ora, diante dessas disposições, não vejo, com a devida vênia, como a realização de licitação restrita à participação de MEs ou de EPPs, mas sem qualquer outra limitação territorial, possa atender ao desiderato da norma legal de estimular o desenvolvimento econômico e social do ente federativo que promoveu o certame. Não vislumbro tampouco qualquer significado em se exigir a existência de, no mínimo, 3 fornecedores sediados local ou regionalmente, se a licitação a ser promovida terá âmbito nacional.

Entendo, dessa forma, tal como leciona Marçal Justen19, que pode validamente ser imposta restrição ao universo de licitantes fundada 18

“Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório;

II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 junho de 1993.”

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em critérios econômico e geográfico, única forma de se dar pleno significado ao texto legal:

“Portanto, reputa-se constitucional que se imponha restrição ao universo dos licitantes fundada na conjugação de critério econômico e de critério geográfico. É compatível com o princípio da Federação e da isonomia determinar que somente poderá ser contratada pela Administração Pública uma ME ou uma EPP estabelecida em determinada região do País”.

Assentada essa premissa, cumpre analisar o alcance do termo

“regional”. Para a Advocacia-Geral da União, “o significado da expressão

“regional” deve ser buscado na situação concreta, podendo englobar os Municípios próximos ao Município em que se encontra o órgão assessorado, independentemente de fazer parte do mesmo Estado. A delimitação da região deverá constar no edital e os motivos ensejadores da referida definição deverão estar expressos nos autos.” (Orientação Normativa CJU/MG nº 60/10). O TCE-MG ao ser consultado sobre o mesmo tema, assim se posicionou, em decisão unânime (Relator: Conselheiro Cláudio Couto Terrão

Sessão: 03/07/2013):

“a) O alcance da expressão “regionalmente”, para fins do art. 49, inciso II, da Lei Complementar nº 123/06, deve ser delimitado, definido e justificado pela própria Administração, no âmbito de cada procedimento licitatório; b) Quando da delimitação e da definição, o Administrador deverá demonstrar, motivadamente, que foi levado em consideração as particularidades do objeto licitado, bem como o princípio da razoabilidade e os objetivos do tratamento diferenciado dispensado às MEs e EPPs, previstos no art. 47 da Lei Complementar nº 123/06”.

Julgo, igualmente, que o termo “regional” deverá ser delimitado, definido e justificado pela própria Administração, no âmbito de cada procedimento licitatório. A intelecção que faço, pois, do artigo 47 é a seguinte: nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente, poderá ser 19

Ob. cit., pág. 111.

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concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito regional. Invocando, pois, o decidido pelo E. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e as bem lançadas considerações efetuadas pela SDG, entendo viável a realização de procedimento licitatório voltado exclusivamente às MEs e EPPs de uma área geográfica delimitada, condicionada, entretanto, à: a) existência de legislação específica do ente promotor do certame; b) justificativa para a eleição do critério geográfico; c) delimitação da área; d) demonstração de correlação entre o objeto licitado, a área geográfica delimitada, o tratamento diferenciado e simplificado às MEs e EPPs e o alcance do objetivo previsto no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06 Revela-se, para mais, de todo conveniente, inclusive para fins do disposto no inciso II do artigo 49 do referido diploma legal, que, na regulamentação da matéria, seja prevista a instituição de cadastro ou credenciamento prévio, que demonstre a existência de pelo menos três MEs e EPPs no âmbito regional ou local aptas a atender ao objeto predefinido. 3.4 A terceira das questões formuladas não apresenta maiores dúvidas.

Sem embargo dos obstáculos apropriadamente apontados pela SDG, o Município poderá realizar procedimento licitatório nos termos do artigo 48 da Lei Complementar nº 123/2006, desde que previsto em sua legislação; que o valor licitado com fundamento nesse dispositivo não exceda a 25% do total licitado em cada ano civil, e que seja

observado o disposto no artigo 49 da mesma lei. 3.5 A quarta e última indagação diz respeito à pretensa incompatibilidade entre os preceitos da LC nº 123/06, no que tange às contratações públicas, e a Lei nº 8.666/93.

E também a respeito desse quesito não há divergências no trato da matéria. Os objetivos perseguidos pela Lei de Licitações e pela Lei

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Complementar nº 123/2006 são convergentes à luz da Constituição Federal e compatíveis entre si, não havendo se falar em prevalência de uma sobre a outra. 3.6 Diante de todo o exposto, VOTO no seguinte sentido: 1. À luz da orientação doutrinária e jurisprudencial, os benefícios contidos nos artigos 42 a 45 são autoaplicáveis, independentemente de sua regulamentação ou previsão no edital. Não obstante, é recomendável que a matéria seja disciplinada no instrumento convocatório para orientar a operacionalização da concessão dos benefícios e padronizar os procedimentos, evitando-se, desse modo, questionamentos por parte dos licitantes. 2. O termo “regional” deverá ser delimitado, definido e justificado pela própria Administração, no âmbito de cada procedimento licitatório. É admissível a realização de procedimento licitatório exclusivamente para MEs e EPPs pertencentes a uma área geográfica delimitada, desde que devidamente previsto e regulamentado na legislação do ente promotor do certame e demonstrada, no caso concreto, a correlação entre o objeto licitado, a área geográfica delimitada, o tratamento diferenciado e simplificado às MEs e EPPs e o alcance do objetivo previsto no artigo 47 da Lei Complementar nº 123/06. Revela-se, para mais, de todo conveniente, inclusive para fins do disposto no inciso II do artigo 49 do referido diploma legal, que, na regulamentação da matéria, seja prevista a instituição de cadastro ou credenciamento prévio, que demonstre a existência de pelo menos três MEs e EPPs no âmbito regional ou local aptas a atender ao objeto predefinido.

3. O ente federativo poderá realizar procedimento licitatório nos moldes dos incisos I a III do art. 48, desde que previsto em sua legislação; que o valor licitado com fundamento nesse dispositivo não exceda a 25% do total licitado em cada ano civil, e que seja observado o disposto no artigo 49 da mesma lei. 4. Não há incompatibilidade entre o tratamento diferenciado que a LC nº 123/06 confere às MEs e EPPs e a Lei nº 8.666/93.

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Dê-se conhecimento, por ofício, ao subscritor da inicial, remetendo-lhe cópia deste voto, bem ao SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas; à Secretaria da Micro e Pequena Empresa, criada pela Lei federal nº 12.792/2013; e à Subsecretária de Empreendedorismo e da Micro e Pequena Empresa, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Sala das Sessões, 06 de agosto de 2014.

SIDNEY ESTANISLAU BERALDO CONSELHEIRO