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COMENTÁRIos AO CÓDIGO TRIBUTÁRIO 1. ACIO AL

TRIBUTÁRIO COMENTADO

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COMENTÁRIos AO CÓDIGO

TRIBUTÁRIO 1. ACIO AL

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PAULO CALIENDO

Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito dos Negócios e da Integração pela

Faculdade de Direito da UFRGS. Professor do Mestrado da PUC/RS, da Unisinos e de

diversos cursos de Pós-graduação em todo o Brasil.

ARTIGOS 113 A 118

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Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

a) Evolução do conceito de obrigação tributária. O estudo do conceito de obrigação tributária é um dos mais importantes do Direito Tributário. Sua origem ligada à noção civilística de obrigação civil evoluiu radicalmente até o conceito de obrigação tributária como sendo elemento integrante da regra-matriz de incidência tributária (RMIT). b) Do conceito de obrigação tributária. A obrigação tributária é a espécie de relação jurídica que se instala entre o sujeito ativo (Estado) e sujeito passivo (contribuinte), que tem por objeto uma pretensão de caráter patrimonial (pecúnia), em decorrência de lei, face o preenchimento do suporte fático da hipótese de incidência da norma tributária. c) Elementos da obrigação tributária.

i) Caráter relacionai. Considerando a natureza normativa do tributo, a obri­gação tributária se caracteriza como compondo o conseqüente da norma jurídico-tributária. A obrigação tributária se insere, desse modo, no inte­rior da fenomenologia da norma jurídico-tributária, iniciada com a norma instituidora, passando pelo evento concreto, vertido em linguagem com·· petente (fato jurídico) até formar o vínculo obrigacional que une credor e devedor. ii) Pretensão Patrimonial (pecúnia). A natureza patrimonial da obrigação tributária é decorrência do conceito de tributo, prescrito no art. 3° do CTN ("Tributo é toda prestação pecuniária [ ... ]''). Igualmente tal exigência é um postulado do Estado Democrático de Direito que impede a criação de tri­butos em descumprimento ao princípio da capacidade contributiva. Não pode o legislador escolher como fatos geradores elementos diversos de fa­tos de natureza econômica, como raça, etnia ou outras considerações di­versas do benefício (riqueza) que o contribuinte aufere por viver em so­ciedade e, somente em função disso, determinar a sua justa contribuição à manutenção de uma esfera de liberdade e igualdade. iii) Obrigação ex lege. A obrigação tributária difere da obrigação de direito privado (obrigações ex voluntate) em face do fundamento da sua instituição. O vínculo privado surge de um acordo de vontades que estabelece o conteú­do e efeitos da relação privada. A obrigação tributária, de outro lado, decor­re de exigência legal. Esta previsão é fruto dos princípios que fundaram o Estado nacional (soberania popular, separação dos poderes e submissão do

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poder do Estado ao Direito). Tal situação encontra-se consagrada no art. 3° do CTN ("Tributo é toda prestação l ... ] instituída em lei").

c) Das obrigações acessórias. A relação tributária entre Estado e contri­buinte exige a satisfação de um conjunto de deveres formais adequado ao esforço de arrecadação, fiscalização e controle do cumprimento da obriga­ção tributária principal. Este plexo de deveres tem sido equivocadamente denominado de "obrigações acessórias': visto que não revestem natureza patrimonial e tampouco são acessórios no sentido de seguirem a sorte de urna obrigação principal.

§ lo A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penali­dade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

o presente parágrafo apresenta a fenomenologia da obrigação tributá­ria: sua criação, objeto e extinção. Alguns aspectos de sua redação implicam a mais imponente incoerência e destroem a precisão do art. 30 do CTN:

i) Nascimento da obrigação: a presença de um 'evento fático preen­che o antecedente da norma tributária e implica no surgimento da obrigação tributária. Trata-se de um aspecto do fenômeno de inci­dência tributária, ocorrendo a saturação de sentido da hipótese de incidência da norma jurídico-tributária haverá automaticamente a produção de efeitos prevista no conseqüente da norma. ii) Natureza declaratória ou constitutiva da obrigação tributária: a tese declaratória l entende que a obrigação tributária nasce conjun­tamente com a ocorrência do evento tributário. A tese constitutivista entende, por outro lado, que a obrigação tributária surge somente quando é relatado (vertido em linguagem competente) o evento tri­butário.2 No Brasil, a tese declaratória assumiu predominância teó­rica e está presente no texto do CTN. iii) Objeto da obrigação principal - tributo: a afirmação realizada está em conformidade com o postulado do art. 30 do CTN, da natu­reza pecuniária dos tributos.

L Consagrada no CTN. 2. A Teoria COl1stitutivista é defendida especialmente por Enrico Aliaria e Antonio Berliri, na Itá­

lia e Paulo de Barros Carvalho, no BrasiL

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iv) Obrigação da obrigação principal - penalidade pecuniária: tal afirmação afronta diretamente o disposto no art. 30 do CTN, de que os tributos têm natureza pecuniária e que não constituem sanção a ato ilícito. Justamente a penalidade pecuniária é uma sanção a ato ilícito. Tal redação tem sido bastante criticada pela doutrina pela sua imprecisão científica. A obrigação tributária teria por objeto uma prestação pecuniária decorrente de um evento previsto em ato lícito, enquanto a penalidade ou multa tributária seriam decorren·· tes de um ato ilícito. A incoerência da redação somente pode ser salva, pelo zelo ao sistema, com a seguinte leitura: a penalidade tri­butária não se extingue com o pagamento da obrigação principal, mas se converte ela mesma em obrigação principal (art. 113, § 30). As dificuldades da redação, da classificação das obrigações em prin­cipais e acessórias produzem um encadeamento de incongruências que se espalha pelo texto do CTN e exige esforçadas leituras que permitam uma leitura sistemática do texto. v) Extinção das obrigações. Dualismo obrigação e crédito: a parte final do artigo traduz uma separação entre crédito e obrigação. Tal dis­tinção é herdada da tradição civilista em distinguir os dois aspectos. Dessa forma, a obrigação nasceria com a ocorrência do fato gerador e o crédito com o lançamento tributário. Trata-se de uma distinção difícil, dado que o crédito é justamente o direito subjetivo que se tem em exigir o cumprimento de uma obrigação. Estamos novamente um problema conceitual, visto que como poderia existir uma obri­gação sem crédito e um crédito sem obrigação. A leitura desse artigo somente pode induzir à compreensão da adoção da teoria declarati­vista, de que o crédito declara a existência de uma obrigação.

§ 2° A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Este parágrafo define o conceito de obrigação acessória, bem como a sua finalidade. 3

3. Veja-se o conceito de Justiça fiscal em TIPKE, KIaus. 5teuerordmmg. Kõln, Beck, 2000.

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i) Do conceito de obrigação acessória: a primeira crítica a ser formu­lada está na denominação "obrigação acessória", pela sua inadequa­ção, visto que teria sido mais correto denominarem-se tais condutas de "deveres instrumentais" ou ''formais''. Trata-se de condutas exi­gidas com a finalidade do correto cumprimento do dever de pagar tributos no modo e forma exigidos. O cumprimento da prestação pecuniária (tributo) deve ser realizado no modo exigido pelo Direi­to Tributário, não é qualquer modo de cumprimento que satisfaz tal dever, bem como não será de qualquer forma. Somente o modo e a forma prescritos em lei cumprem integralmente o dever tributário, e sua inadequação gera penalidades tributárias. ii) Da natureza legal da obrigação tributária: o texto do CTN parece estar claro na sua interpretação: as obrigações tributárias decorrem de lei. Existe, contudo, o entendimento jurisprudencial no STJ de que certos deveres, quanto ao modo do cumprimento da obrigação tributária, não exigem disposição legaI,"l podendo ser estabelecidos por decreto. Em nosso entendimento as obrigações acessórias so­mente podem ser estabelecidas por lei, conforme determina o art. 113, § 2° CTN e art. 5°, II, CF/88. iii) Prestações, positivas ou negativas: as obrigações acessórias se re­ferem às condutas positivas (fazer) ou negativas (não fazer). iv) Interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos: a institui­ção de obrigações acessórias está vinculada à finalidade essencial de possibilitar o correto cumprimento do dever de pagar tributos. Desse modo, deve estar norteado pelos princípios da proporciona­lidade (razoabilidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Deve existir uma adequação entre a finalidade e o modo exigido para o cumprimento, não podendo ser este desproporcio­nal. Pode a administração tributária estabelecer deveres acessórios para impedir a ação do contribuinte que visa dificultar a ação fisca­lizatória.5 Pode a lei estabelecer modos simplificados de fiscalização,

40 Veja-se, nesse sentido, as decisões do STJ de que a determinação do prazo para o pagamento de ICMS pode ser aIterado por decreto estaduaI (RESP n. 84984/SP; AGA n. 43922/SP; RESP n. 111l25/SP; RESP n. 86331/SP; RESP n. 46478/SP e RESP n. 32739/SP).

5. Veja-se, nesse sentido, a decisão do STJ que fixa o domicílio tributário do contribuinte, em face de situação na quaI existe a eleição de domicílio com intuito exclusivo de dificultar a ação arre­cadatória (RESP n. 437383/MG).

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arrecadação e administração dos tributos; contudo, tal criação não modifica a natureza essencial da relação tributária prevista no orde­namento jurídico.6

v) Regimes especiais de fiscalização: a criação de "regimes especiais" de fiscalização, controle e arrecadação se constituem em medidas arbitrárias e inconstitucionais; quando autorizam à adrrünistração tributária a utilização de critérios excessivos, abusivos ou arbitrá­rios, conforme entendimento do STF e STJ.8

vi) Regimes aduaneiros: a fis~alização tributária em matéria adua­neira deve ser orientada por considerações de oportunidade e con­veniência, em face da política de comércio exterior e proteção do mercado interno.9 Igualmente pode estabelecer a legislação modali­dade especial para o cumprimento dos deveres aduaneiros. 10

6. Os procedimentos desburocratizados de arrecadação dos tributos, como o SIMPLES (Sistema In­tegrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Empresas de Pequeno Porte) constitui apenas uma técnica unificada de recolhimento de tributos, não modifica, entretanto, a relação jurídico-tributária. Veja-se AGRESP 244897/PR.

7. Decidiu o STF serem inconstitucionais as normas que deixam à autoridade fiscal os critérios do regime especial, RE n. 1154527-SP. Nas decisões RE n, 76455 e 100918, declarou inconstitucio­nal o caráter punitivo e sancionatório das exigências do regime especial.

8. A jurisprudência do STJ se mostrou, por outro lado, contrária a exigências da administração fiscal que dificultem o exercício da mercancia e o direito constitucional à livre iniciativa. Nesse caso, exigia-se do contribuinte o pagamento antes da expedição da nota fiscal ou a sua expedição na própria repartição tributária, ver RESP n. 169530-MG. Em outro caso, exigia-se do contri­buinte a apuração diária do ICMS e o pagamento antecipado do tributo, até o primeiro dia útil subseqüente à ocorrência do fato gerador, RMS n. 5267-GO.

9. Decidiu o STJ no RESP n. 209998/RJ que a sacaria de juta não poderia estar submetida ao regi­me de drawback, dado que a fiscalização poderia averiguar, em face aos ditames da política de comércio exterior, a concessão de regime benéfico.

10, Entendeu o STJ que o recolhimento de ICMS de mercadorias importadas do exterior poderia ser feito mediante a utilização de guia especial, não necessitando ser pelo regime de apuração mensal, conforme o RESP n. 85961/SP. Em outro caso, decidiu o STJ que não há violação das regras do GATT (princípio do tratamento nacional ou igualitário) a exigência de recolhimento em guia especial, diferentemente dos nacionais que procedem através de apuração mensal, visto que o recolhimento do ICMS dos produtos nacionais também ocorre no momento em que são efetuados os negócios, vide RESP n. 78565/SP e RESP n. 61433/SP. Em outra decisão, entendeu novamente o STJ que não há ofensa ao Tratado de Montevidéu da ALADI, quanto ao princípio do tratamento igualitário, no estabelecimento do recolhimento do ICMS conforme o código da atividade tal qual nas operações internas. Nas operações de comércio exterior o recolhimento se dá em função da natureza da operação, vide RESP n. 56986/SP. Em outra decisão, entendeu o STF que a ação da administração não depende de lei se houver previsão constitucional. Tal en­tendimento foi aplicado à importação de automóveis usados, ditada pela Portaria n. 08, de 13 de maio de 1991 do l\1inistério da Fazenda. Nesse caso, entendeu o STF que compete ao Ministério da Fazenda controlar e fiscalizar o comércio exterior, ver in RE n. 203954/CE.

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§ 3° A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobser­vância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

i) Da análise normativa: a redação do presente parágrafo ofende o próprio sistema conceitual do CTN, confunde obrigação e dever, ofende o próprio conceito de tributo por ele definido no art. 3° e impede uma análise científica adequada. Primeiro, um dever formal vira" obrigação acessória" e agora se transmuta em "obrigação prin­cipal" pelo descumprimento. Afwnta a lógica jurídica tal redação, que tem merecido sucessivas críticas. ii) Da denominação: a expressão "obrigação acessória": é atribuída à influência do pensamento de Ezio Vanoni para Rubens Gomes de Souza, segundo o qual as obrigações tributárias podem ser classifi­cadas em obrigações de dar, de fazer, não fazer e de suportarY iii) Da interpretação: deve-se ler o dispositivo em questão no sen­tido de que, no caso de descumprimento de dever formal, surgirá uma sanção tributária; a qual independe do tributo (causa imposi­tiones) que objetivava assegurar. Visa tal preceito atenuar os efeitos negativos da denominação "obrigação acessória': retirando o seu sentido de dependência quanto aos destinos da obrigação principal, assim, mesmo que esta venha ser satisfeita, se mantém a penalidade pecuniária decorrente do descumprimento de dever formal. iv) Do modo de execução: por razões de conveniência a cobrança de penalidades tributárias (multas) ocorre sob o mesmo procedimento administrativo utilizado para a cobrança de tributos. Tal situação, po­rém, não identifica as multas com os tributos, pois eles possuem natu­rezas diversas, somente o seu modo de cobrança realiza-se sob proce­dimento similar (Lei n. 6.830/80, Lei de Execuções Fiscais - LEF). v) Multas penais: a natureza das multas tributárias se constitui em um tema bastante controverso. Afinal, o que as diferencia, por exemplo, das multas penais?12 Alguns afirmam ser o objeto, outros a sanção

11. Ver PONTES, Helenilson Cunha. Revisitando o tema da obrigação tributária. In SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário - Homenagem a Alcides Jorge Costa. v. L São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 95-116.

12. A Procuradoria da República ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o arti­go que disciplina a cobrança de multa oriunda de condenação criminal. Requer a Procuradoria que a redação do art. 51 do Código Penal deixe claro o limite das atribuições de integrantes do Ministério Público e da Fazenda, a competência para o processamento das execuções de multas decorrentes de sentenças criminais condenatórias e a competência do Juízo das Execuções Cri­minais ao ajuizamento, vide ADI-3150.

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imposta. Na multa penal o objeto refere-se à proteção de um bem jurídico mais valioso e a imposição de uma pena mais gravosa. Tais distinções têm sido atenuadas pela doutrina, especialmente quanto à imposição da pena, visto que em matéria tributária existem dispo­sitivos em que a penalidade tributária é diversas vezes mais gravosa do que na multa penal. Uma diferenciação que pode ser feita refere­se aos seus efeitos: a multa penal não pode ser oposta, tal como no crédito tributário, contra os herdeiros do apenado, visto que haveria lesão ao art. 5°, XLV, da CF/88, O qual estabelece que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. vi) Multas tributárias, princípio da proporcionalidade e vedação de confisco: as multas não podem ser excessivas, desarrazoadas, confis­catórias ou desproporcionais. 13

CAPÍTULO II Fato Gerador14

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação de­finida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

13. Cf. COSTA JUNIOR, Paulo José da; e DENARI, Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. São Paulo: Saraiva, 1998. O STF firmou o entendimento de que o Judiciário tem competência para reduzir o valor de multas abusivas, RTJ 73/550. Veja-se, também, RE n. 92165/MG, j. 14 de março de 1980, ReI. Min. Décio Miranda. "Tributário. Multa de mora. Se pode atingir a 100% a multa tributária pela simples falta de pagamento do tributo no prazo. Se a multa, considera­da confiscatória, pode ser reduzida pelo Poder Judiciário" Recurso extraordinário da Fazenda Pública, com a alegação de contrariedade ao princípio da indelegabilidade da função legislativa (art. 6°, parágrafo único, da Constituição). Matéria não ventilada ao acórdão recorrido. Aplica­ção dos enunciados 282 e 356 da Súmulà:

14. Ver SCHOUERI, Luís Eduardo. Fato gerador da obrigação tributária" In SCHOUER1, Luís Edu­ardo (coord.). Direito Tributário, v" I. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.126-175. JARACH, Dino. O fato imponível. Teoria geral do direito tributário substantivo. São Paulo: Revista dos Tri­bunais, 1989, p. 83. BERLIRI, Antonio. Princípios de direito tributário. v. 11. Madri: Derecho Fi­nanciero, 1971, p. 313. COSTA, Alcides Jorge. Da teoria do fato gerador. Curso sobre a teoria do direito tributário. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de SP, 1975, p. 117-132. FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 32-33. JÊZE, Gaston. O fato gerador do imposto. Contribuição à teoria do crédito do imposto. Revista de Direito Administrativo. v. lI, Fase. L 1945, p. 50. SOUZA, Rubens Gomes de. O fato gerador no imposto de renda. Revista de Direito Administrativo, v. 12, 1948, p. 32. PINTO, Bilae. Isenção fiscal- fato imponível ou gerador do imposto. Isenções Pessoais e Reais. Realidade Econõmica contra forma jurídica. Evasão fiscal. Revista Forense. v. CXXXII, ano XLVII, Fase. 569,1950, p. 51-64. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 50.

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i) Denominação: a expressão ''jato gerador", tem sua gênese no estu­do de Gaston Jeze publicado no Brasil em 1945. Sua adoção foi ime­diata pela melhor doutrina nacional e, apesar dos consistentes ata­ques às suas impropriedades e imprecisão terminológica, trata-se de um termo consagrado na legislação (CTN e CF/88) e doutrina. ii) Críticas à denominação: a expressão é ambígua, porque tanto pode se referir à descrição hipotética da norma (p. ex.: "auferir renda"), quanto ao evento concreto que satisfaz a previsão normativa (p. ex.: "João auferiu renda").l5 Trata-se de um conceito impreciso, visto que não permite a distinção necessáría entre a classe de fatos jurídicos previstos nas normas gerais e abstratas e o fato jurídico que compõe a norma individual e concreta. iii) Origem histórica: a origem de denominação especial para descre­ver uma classe abstrata de fatos jurídicos tem nascimento no Direi­to Penal, a partir da doutrina do corpus delicti l6 (existentia jacti seu delicti), na doutrina italiana e, posteriormente, na doutrina alemã. A expressão Thatbestandl7 surge pela primeira vez por E.F. Klein na obra Grudsatze dês gemeinen deutschen Rechts, em 1791. iv) Direito comparado: são expressões similares no direito compa­rado: a) Tatbestand, no direito alemão; b) jattispecie ou pressuposto dell'imposizione, no direito italiano;l8 c) hecho imponible, na doutri­na espanhola d) jait générateur, no direito francês; e e) tax event, no direito anglo-americano. v) Fato imponível: a sugestão de utilização da expressão ''fato impo­nível': ao invés de "fato gerador" provocou severas críticas por parte da doutrina. A expressão indica o sentido de um fato que "está sujei­to à imposição tributária", o que não ocorre exatamente no fenôme­no de incidência tributária; não existem fatos à espera da chegada

15. Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: RT, 1973, p. 50. 16. Cf. Veja-se a exaustiva pesquisa de SCHOUERl, Luís Eduardo. Op. cit., p. 128 e segs. 17. Cita Misabel Derzi o § 3° da Lei de Adaptação de Imposto (5teueranpam/llgsgesetz), "Surge a

obrigação tributária com a ocorrência do fato gerador previsto em lei para o imposto" (ta.) ("Die 5teuerschuld entsteht, sobald der Tatbestand verwirklicht ist, an den das Gesetz die 5teuer kniipft"). Ver DERZI, Misabel. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 187.

18. Cf. O termo deriva do latim medievalfacti species. Segundo CATAUDELLA, Antonino. Fat­tispecie: Enciclopedia Del Dirítto. Direzione Costantíno Mortatí e Salvatore Puglíatti. v. XVI. Itália: Giuffú Editore, 1971, "la dottrina tadizionale definisce la fattispecie, come 5' e visto, causa degli effetti giuridicí': p. 927. Sobre as tentativas de superação dessa noção veja-se p. Cataude!la, p.932.

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norma para que ocorra a imposição. Presente o evento fático opera­se automaticamente a incidência da norma tributária. 19

vi) Natureza dual do conceito de ''jato gerador": a expressão "fato gerador" tem sido utilizada em sentido duplo, tanto para indicar a previsão abstrata da norma (hipótese de incidência tributária), quanto à ocorrência concreta de um evento que preenche a pre­visão normativa (fato jurídico). Tal utilização também é verificada no direito comparado, tal como Tatbestand e Sachverhalt, no direito alemão, ou fattispecie astratta e concreta, no direito italiano. vii) Fatos geradores instantâneos, continuados e complexivo: esta classificação tem sua origem nas lições de Amílcar de Araújo Fal­cão, com base na doutrina de A.D. Giannini, E. Vanoni e Wilhelm Merk. . Seriam fatos jurídicos instantâneos os que ocorrem em um dado instante de tempo (p. ex.: IPI, II e ICMS). Os fatos continuados desbobram-se no tempo por certo período (p. ex.: IPTU e ITR). Os fatos geradores complexivos são aqueles em que ocorreria a com­posição de diversas situações ou períodos (p. ex.: IR). Tal distinção, bastante difundida na doutrina, foi veementemente criticada. Afir­ma-se que geralmente o fato gerador não é composto de um fato único, mas de um conjunto de fatos, configurando um fato com­plexo; contudo, como bem, observa Paulo de Barros Carvalho,20 o fato gerador somente irá produzir os seus efeitos no momento que conter todos os seus elementos, a ausência de apenas um só inviabi­liza a produção dos seus efeitos. Somente naquele momento em que estiver completo é que irradiarão todos os seus efeitos. Todo o fato gerador seria, assim, instantâneo. viii) Fatos geradores pendentes e futuros: refere o art. 105 do CTN à aplicação imediata aos fatos geradores futuros e aos pendentes. De­fine o artigo essa classe de fatos geradores como sendo aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do art. 116.21 Considerando que o fato gerador para produzir seus efeitos esteja completo, não é possível, portanto, falar-se em fato ge­rador pendente. Digamos, apenas por recurso à argumentação (ar-

19. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tri­bunais, 1981, p. 74.

20. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. Op. cit., p. 261 e segs. 21. Art 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pen­

dentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do art. 116.

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gumentantum tantum), que existisse um fato gerador pendente e que a legislação tributária se aplicasse imediatamente a ele, mesmo que dependesse de outras situações para a sua perfectibilização, o que ocorreria se não sucedesse nunca a sua integralização? Tería­mos um fato gerador resolutivo, que perderia os seus efeitos após determinado tempo? As imensas dificuldades teóricas e práticas so­mente podem indicar o desatino do art. 105 e de sua distinção entre fatos geradores futuros e pendentes.22

ix) O pensar tipificante e fato gerador: o estudo do fato gerador tem sido vinculado à noção de tipiciáade. O pensar tipificante tem ori­gem no direito alemão (die typisierende Betrachtungsweise) e tem sua origem na prática da administração fiscal alemã na execução em massa de leis fiscais. 23 Diferencia-se o pensar tipificante da teoria do tipo. A primeira surge da prática fiscal; a outra, da teoria geral do fato jurídico. O pensar tipificante está a serviço da praticabilidade (pratikabilitéit) na aplicação de leis fiscais. São características desse modo de pensar: uso de simplificações, abstrações, de padrões rígi­dos, fechados e definidos. Nesses casos, a exigência de praticabilida­de nas relações tributárias de massa afasta as peculiaridades do caso concreto e impõe um esquema padrão de solução para o caso.2

-l

x) O pensar tipificante, o fato gerador e as presunções: o uso de pre­sunções no sistema tributário nacional tem sido utilizado como for­ma de simplificar a execução de leis fiscais. O uso de presunções no direito tributário é limitado pelos princípios da capacidade contri­butiva, vedação de confisco, isonomia, justiça fiscal, livre iniciativa, proporcionalidade, entre outros. xi) A teoria dos tipos e o fato gerador: o tipo pode ser considera­do como sendo um conceito, indicando uma certa especificidade normativa, bem como um determinado esquema de concreção nor-

22. O art. 105 do CTN tem sido utilizado em função de sua interpretação a contrario sensu, dado que podemos afirmar que o fato gerador já ocorrido constitui ato jurídico perfeito e, assim, o prazo de arrecadação de tributos cujo fato gerador já ocorreu será aquele previsto na época do seu acontecimento, não ficando ao sabor da administração tributária e de suas alterações de prazo de recolhimento, vide ERESP 53331/SP.

23. Sobre o assunto veja-se Derzi, op. cit., p. 251. 24. A primeira decisão considerada tipificante, na jurisprudência alemã, datada de 16 de fevereiro

de 1927, do RFH (Reichsfinanzhoj) e tratou de presentes de núpcias para empregados, os quais não foram considerados como sendo equiparados a parcelas eleitorais, segundo aquilo que pode ser considerado comum ou típico. Vide Derzi, op. cit., p. 253.

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mativa. Tipo, nesse sentido, indica um conceito tributário, ou seja, determinado conjunto de proposições normativas coerentes e de­terminadas. É característica importante na definição conceitual a especificidade, ou seja, a propriedade diferenciadora entre dois con­ceitos. Por fim, a teoria dos tipos indica um modelo de incidência tributária (subsunção) na qual conceitos específicos são incluídos em conceitos gerais e geram determinados efeitos previstos na nor­ma. Assim, por exemplo, o conceito "crédito" pode ser incluído no conceito "rendà' e implicar o nascimento de obrigação tributária. xii) Fato gerador e cláusulas gefais:25 a exigência de conceitos deter­minados é própria de uma idéia de limitação ao poder do Estado em definir arbitrariamente os elementos que considera imprescin·· díveis à ocorrência do fato gerador. Trata-se de uma das maiores defesas elaboradas na luta pela construção do Estado de Direito. O fundamento encontra-se, por outro lado, na noção de soberania popular ("não haverá tributação sem representação").26 Não poderá, assim, o aplicador da lei fiscal expandir, modificar ou desnaturar o sentido dado ao fato gerador pelo legislador. Questiona-se, assim, a possibilidade de existir, em matéria tributária, conceitos indetermi­nados e cláusulas gerais que possam ser preenchidos pela adminis­tração fiscal.

Posiciona-se a doutrina de modo diverso sobre o terna: a) favoráveis ao uso: Amílcar de Araújo Falcão,27 Ricardo Lobo Tôrres28 e José Marcos Domingues de Oliveira29 e b) contrários: Yonne Dolacio de Oliveira30 e Al­berto Xavier.31 Aqueles que defendem o uso de conceitos indeterminados e cláusulas gerais alegam que a lei formal é incapaz de preencher de sentido a aplicação da norma tributária. Os defensores da "tipicidade cerrada" reco­nhecem existir sempre um certo grau de vagueza, porosidade e imprecisão

25. Veja-se, sobre o assunto, Schoueri. Op. cit., 170-17L 26. Trata-se do clássico preceito previsto na Magna Carta de 1215, "no taxation without representa·

tion': 27. Cf. FALCÃO, op. cito (nota 3). 28. Cf. TÔRRES, Ricardo. Op. cit., p. 96. 29. Cf. OLIVEIRA, José Marcos Dorningues de. Direito tributário e meio ambiente: proporcionalida­

de, tipicidade aberta, afetação da receita. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 119. 30. Cf. OLIVEIRA, Yonne Dolacio. A tipicidade no direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva,

1980, p. 25. 31. Cf. XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revis­

ta dos Tribunais, 1978, p. 78.

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na linguagem, mas defendem o. fechamento. do.s co.nceito.s co.mo. fo.rma de realização. do.s princípio.s da separação. do.s po.deres e segurança jurídica.

A previsão. de cláusulas gerais e co.nceito.s indeterminado.s tem recebi­do. atenção. pela jurisprudência, que limita o. seu uso. em face do. princípio. da legalidade,32 segurança jurídica e pro.po.rcio.nalidade.

Art. 115. Fato. gerado.r da o.brigação. acessória é qualquer si­tuação. que, na fo.rma da legislação. aplicável, impõe a prática o.u a abstenção. de ato. que não. co.nfigure o.brigação. principal.

Bastante criticado. tem sido. este dispo.sitivo., visto. que mantém a reda­ção. errônea so.bre o.brigações principais e acessórias. Trata-se, em verdade, de deveres fo.rmais ao. cumprimento. da o.brigação. tributária, co.mo.: "decla­re renda': "emita no.tas fiscais': "apresente livro.s co.ntábeis". Para prejudicar ainda mais o. prestígio. desse dispo.sitivo., está a co.mbinação co.m o. conceito de "fato. gerado.r': que tal co.mo. fo.i visto. é bastante ambíguo, impreciso e vago..

i) Do alcance: o. dispo.sitivo se dirige ao: a) mü.do. padro.nizado de executar leis fiscais (arrecadação. e fiscalização.); o.u b) método de subsunção. normativo. para o.s deveres formais (instrum·entais). ii) Justiça fiscal na execução das leis fiscais: reco.rda Klaus Tipke que a justiça fiscal deve ser um preceito. no.rteado.r tanto. das leis tribu­tárias, quanto das leis de execução. e aplicação dos tributo.s. Tanto. o direito. tributário. em sentido. material quanto. formal devem estar co.erentes co.m o. princípio. da justiça fiscalY Não. po.de a adminis­tração. fiscal simplesmente criar exigências arrecadatórias e fisca­lizatórias arbitrárias: estas devem estar no.rteadas pelo.s princípios

32. Entendeu o STJ, no RESP n. 169251/RS, que todos os elementos da norma tributária devem es­tar previstos em lei (CTN, art. 97); e, assim, não é possível a previsão de uma "planta de valores genérica" do IPTU publicada pela autoridade administrativa. Ver ainda RESP n. 86692/MG. Entendeu o STJ, por outro lado, que a existência de Lei Complementar prevendo "planta de va­lores genéricà' de IPTU supre a exigência do art. 97 do CTN, ver in RESP n. 86692/MG, RESP n. 45957-RS, AGA n. 198661-RS e RESP n. 45957-RS.

33. Segundo o autor: "[ ... ] deve-se ver o direito material e o direito procedimental como uma unida­de. O cumprimento do princípio da igualdade depende não apenas da lei material, mas, no final das contas, dos créditos tributários, que as autoridades da Administração Fazendária realmente constituem por meio do lançamento [ ... ]"; ver TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 25.

......

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de justiça fiscal, isonomia, segurança jurídica, entre outros. Assim, é insuficiente exigir-se justiça fiscal somente nas normas materiais, quando no plano procedimental praticam-se abusos. iii) Execução tributária e responsabilidade fiscal: lembra novamente Klaus Tipke34 que muitas vezes a lei tributária é criada sem cogitar­se da sua possibilidade de execução. Cita o autor como exemplos: leis do imposto sobre a renda que tributam até gorjetas, leis de tri­butação até de doações no interior da família. Tal situação pode gerar dificuldades sérias para os administradores públicos, especial­mente municipais, pelo risco de"sua consideração como sendo uma forma de renúncia de receita, nos termos da Lei de Responsabilida­de Fiscal (LC n. 101/00).35

iv) Execução fiscal, praticabilidade e eficiência: as leis tributárias tornaram-se altamente complexas no último período histórico; tal complexidade deve-se à criação incessante de novas regras e pro­cedimentos fiscais, que visam combater sonegação, evasão fiscal e aplicação desigual da lei fiscaP6 Como conseqüência, a racionaliza­ção dos procedimentos é uma exigência de justiça fiscal e isonomia tributária.

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

Trata o artigo do momento de ocorrência do fato gerador. Tal disposi­tivo deve ter a sua leitura realizada em combinação com o art. 105 ("a legis­lação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas

34. Cf. TIPKE, Klaus. A necessidade de igualdade na execução das leis tributárias. In: Schoueri. Op. cit., p. 364.

35, Um caso relevante no direito brasileiro se refere ao cumprimento da exigência de contribuições de melhoria por parte de administradores municipais. A legislação sobre o assunto apresenta dificuldades normativas e práticas significativas, especialmente na determinação da valorização imobiliária exigida pelo art. 81 do CTN. O ato de não cobrar contribuições de melhoria pode significar a existência de renúncia de receita, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/00).

36. Alega Onofre Alves Batista Júnior que tal situação decorre da incongruência entre tipos fe­chados utilizados nas normas tributárias que se sobrepõem a normas dinâmicas e abertas que regem as relações privadas. Ver JÚNIOR, Onofre Alves Batista. A "governamentalização" do poder de decisão tributário. In: Schoueri. Op. cit., p. 417.

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não esteja completa nos termos do art. 116") e 144 do CTN ("o lançamento reporta··se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada").

Apesar da impropriedade da redação do artigo, ao diferenciar situa­ções de fato e de direito, trata-se de um dispositivo importante. A crítica realizada se deve ao fato de que todos os fatos considerados para o direito são fatos jurídicos, a imprecisão da linguagem pretende apresentar situa­ções nas quais toma o direito como relevante apenas um determinado fato jurídico, enquanto em outras situações toma em consideração um plexo determinado e específico de situações com regime jurídico particular (con­ceito). Dessa forma, são duas as classes de situações consideradas: a) atos ou negócios jurídicos; ou b) institutos ou conceitos jurídicos.

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

Este primeiro inc. refere-se às situações consagradas como atos ou negócios jurídicos individuais, que para a produção de efeitos se exige o preenchimento dos requisitos para a sua existência.37 Os requisitos aqui previstos devem ser aqueles do direito privado que tratam dos negócios jurídicos. Assim deve ser a leitura da parte final do inc. ("produza os efeitos que normalmente lhe são próprios"), em combinação com o disposto no art. 110 do CTN ("a lei não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado [ ... ]").38

Os fatos jurídicos em direito privado são de duas espécies: atos e ne­gócios jurídicos, arts. 185 e 104 do Código Civil.

37. Processo Administrativo Fiscal n. 10783.006931/92-15, 3a Câmara: "IPI - Mercadoria estrangei­ra adquirida no mercado interno -- momento do fato gerador. O fato gerador é a saída do produto do estabelecimento importador. Nota fiscal complementar, emitida a posteriori e relativa à va­riação cambial, tem todos os seus efeitos tributários atraídos à data da saída da mercadoria. É a situação do fato gerador-regra integrante do art. 116, inc. r, do CTN. Recurso negado':

38. Tal exigência decorre de imperativo constitucional que determina que: "Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:': Dado que se considera recepcionado o art. 110 do CTN pela Constituição de 1988 e de sua natureza de lei complementar material, entende-se que este dispositivo deve ser obedecido sob pena de violação de regra constitucional.

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Como exemplo, poderíamos citar a situação prevista na norma "aufe­rir renda", a qual designa a situação decorrente da realização de atos-fatos, atos ou negócios jurídicos. Ocorrerá o fato gerador a partir do momento em que se considera realizada hipótese de incidência, ou seja, pela existên­cia de um fato jurídico previsto no antecedente da norma; contudo, para que exista o fato jurídico é necessário que todos os elementos de sua previ­são estejam satisfeitos.39 Assim, não basta que existam elementos que con­figurem um crédito, por exemplo, como um provisionamento; é necessário que exista "o" crédito, caso contrário não irá surgir o fato gerador.

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Nesse dispositivo, alerta o legislador para aquelas situações decorren­tes de conceitos ou institutos. Não há a descrição de um tipo de ato ou negócio jurídico, mas a descrição de um conjunto de atos ou negócios ju­rídicos determinados e sujeitos a um regime particular. Assim, quando o legislador preceitua que incide o imposto sobre operações financeiras não estará, por exemplo, explicando um ato ou negócio jurídico particular, mas estará se dirigindo a toda uma classe de atos ou negócios sujeitos a um re­gime específico, como: i) operações (modalidade de circulação de crédito); ii) de captação, intermediação ou empréstimo de moeda; e iii) realizadas com instituição financeira monetária ou não-monetária. Tal conceito se di­rige a mais ampla gama de atos ou negócios jurídicos, tais como contratos de swaps, derivativos, CDBs, entre tantos outros.

39. Processo Administrativo Fiscal n. 10120.006342/2002-09, 1" Câmara. "Processo Administrativo Fiscal - Lançamento - Obrigação De Fazer - Decadência - No caso de obrigação acessória, cujo objeto é a prestação positiva a ser praticada no interesse da arrecadação ou da fiscalização, con­sidera-se ocorrido o fato gerador desde o momento em se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produzam os efeitos que lhe são próprios (CTN, art. 116). Vale dizer, desde o momento em que a pessoa jurídica arquiva seus registros contábeis e fiscais utilizando-se de processamento eletrônico de dados e os coloca à disposição da SRF em arquivos magnéticos. Assim, o fisco dispõe do prazo de 5 anos, contado da ocorrência do fato gerador, para promover o exame dos livros e documentos, como também para conferir os registros contábeis e fiscais arquivados, ex vi do disposto no art. 29, da Lei n. 2.862, de 1956, combinado com as regras jurí­dicas contidas no parágrafo único do art. 149, do CTN".

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Dessa forma, considera-se ocorrido o fato gerador no momento em que, conforme o direito aplicável e a natureza do instituto, estiver definiti­vamente ocorrido o fato jurídico. O instituto ou conceito jurídico refere­se, portanto, a uma classe de fatos jurídicos organizada coerentemente em unidade e ordenação.

A leitura do dispositivo deve ser realizada igualmente tendo presente o disposto no art. 110 do CTN. Não pode o direito tributário modificar o sentido e alcance dos conceitos e institutos de direito privado, de modo a modificar-lhes o entendimento.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá des­considerar atos ou negócios jurídicos praticados com a fina­lidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tri­butária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Parágrafo incluído pela LCP n. 104, de 10 de janeiro de 2001).

O presente dispositivo é decorrência de alteração legislativa operada pela Lei Complementar n. 104/01. Existem quatro pontos relevantes em sua análise: i) de sentído: conteúdo e finalidade; ii) do campo de aplicação: alcance; e iii) modos de controle; iv) procedimental: do ato de desconsidera­ção e v) sistemática: da constitucionalidade da alteração.

i) Do conteúdo e finalidade. O presente dispositivo tem por objeto as con­dutas (atos ou negócios jurídicos) praticadas com a finalidade de dissimu­lar a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Para tratar do presente dispositivo vamos verificar a: a) finalidade da norma: combater a evasão e elusão tri­butária; b) conteúdo: vedação de simulação. a. Finalidade da norma: combater a evasão e elusão. O objetivo do presente dispositivo é combater a evasão ou elusão tributária. Trata-se de uma fi­nalidade meritória, visto que a evasão significa uma distribuição desigual (assimétrica) do dever de contribuir com tributos em uma sociedade de­mocrática. A evasão implica ofensa à moralidade tributária; ao princípio da livre concorrência e ao princípio da igualdade na aplicação da norma tributária.

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A evasão fiscal denota uma conduta que ofende a moralidade tributá­ria, na medida que se constitui em uma fuga ao dever de contribuir à ma­nutenção de uma esfera de liberdade e igualdade. Muitos poderão afirmar que tal situação em momentos-limite se constitui em uma desobediência fiscal legítima, em face dos abusos do poder tributante. Tal postura é cor­reta em períodos nos quais a ilegitimidade de sua instituição, o arbítrio na aplicação e a imoralidade na finalidade impositiva se sobrepõem aos dita­mes de justiça fisca1. 40 Não há como justificar, contudo, em uma sociedade democrática, que os apelos à legítima economia de impostos seja justifica­tiva a práticas que ofendem a livre concorrência e a isonomia fiscal, benefi­ciando alguns e prejudicando a grande maioria.

A evasão fiscal ofende o princípio constitucional da livre concorrência,41 visto que opõe os contribuintes em situações diversas de competitividade, beneficiando os contribuintes que se eximem ao cumprimento de seus de­veres e penalizando, no mercado, aqueles que se esforçam em estar em dia com seus deveres.

40. o tema da importância da ética e da justiça fiscal tem recebido cada vez mais importância nos estudos de Direito Tributário, especialmente graças aos esforços de Ricardo Lobo Tôrres e Klaus Tipke. De um modo geral, podemos estabelecer algumas conclusões preliminares: i) o Direito Tributário tem por fim a consagração de um rol de valores essenciais; ii) a justiça fiscal é eiemen­to constitutivo do Direito Tributário; e íii) as condutas dos contribuintes (moralidade tributá­ria) é um fenômeno importante para assegurar a justa repartição de encargos à manutenção de uma sociedade democrática. Como reflexo dessa ponderação a elisão pode ser vista não apenas como uma conduta lícita, como também uma conduta adequada à moral tributária, visto que é permitida a organização dos negócios privados em uma sociedade complexa. A evasão com certeza é uma conduta imoral, visto que aumenta a carga total de encargos a serem repartidos pelos demais membros da sociedade. A elusão (fraudem legis) será considerada como uma for­ma de imoralidade também. A necessária distinção entre elusão e elisão é relevante para que não se repitam as constantes e errôneas atribuições de imoralidade, ilicitude ou injustiça à correta conduta de organizar os negócios privados mediante elisão fiscaL Sobre o tema veja-se ainda: TIPKE, Klaus e YAlv!ASHITA, Douglas" Justiça fiscal e pril1cípio da capacidade cOl1tributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. TIPKE, Klaus. J'vloral tributaria dei estado y de los contribuil1te. Trad" Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002" GRECO, Marco Aurélio. Plal1~jamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Diaética, 1998. ROSEMBUJ, Túlio. EI fraude de ley, sinllllacion y el abuso de las formas em el derecho tributário. Madrid: Marcial Pons, 1999. TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: Direito Tributário: estudos em homel1agem a Brandão lvfachado. Luís Eduardo Schoueri e Fernando Aurélio Zilveti (coordJ São Paulo: Dialética, 1998. TORRES, Ricardo Lobo. Justiça distributiva: social, política e fiscal. Revista de Direito Renovar. N. 1, RI, janJabr., 1995, p. 108-109. SILVA, Sérgio André R G. da. Ética, moral e justiça tributária" Revista Tributária e de Finanças Públicas," Ano 11, jul./ago", 2003, p. 109-130"

4L Art 170, ine IV da CF/88: 'Art 170" A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os dita­mes da justiça social, observados os seguintes princípios: C .. ] IV -livre concorrência;':

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A isonomia é igualmente prejudicada, na medida em que somente parte dos contribuintes irá cumprir um ônus que deveria ser dividido entre todos.

b. Conteúdo: vedação de simulação. O conteúdo do conceito exige a análise de institutos próximos, bem

corno de ternas conexos.

1. Definição de evasão, elisão e efusão tributária. A definição desses concei­tos é tarefa bastante relevante e tem merecido a atenção de diversos doutri­nadores nacionais e estrangeiros, especialmente após a edição da Lei Com­plementar n. 104/0l. 1.1. Critérios de. distinção: a distinção entre evasão, elisã042 e elusão tributá­ria tem sido realizada de quatro formas na doutrina, quais sejam, por meio do critério: a. Cronológico (teste do momento da ocorrência do fato gerador) - por meio do qual realiza-se a distinção pelo momento em que são realizados os atos de organização dos negócios privados, quais sejam: antes ou depois da ocorrência do fato gerador. Se realizados anteriormente estaríamos perante um caso de elisão (lícito), se posteriormente, evasão (planejamento ilícito). A grande dificuldade deste critério está na ausência de elementos que pos­sibilitem a diferenciação entre elisão e evasão; b. Causal (teste da causa do negócio jurídico) - segundo o qual a razão de­terminante de diferenciação entre o fenômeno da elisão e evasão está na análise da causa do negócio jurídico, se esta for lícita estaríamos perante

42. Sobre o assunto veja-se FONROUGE, C. M. Giuliani. Conceitos de Direito Tributário. São Paulo: Lael, 1973. VANONI, Ezio. Natureza e interpretação das leis tributárias. Rio de Janeiro: Finan­ceiras, 1932. GRECO, Marco Aurélio. Normas gerais antielisivas. Fórum de Direito Tributário. Ano 01, n. 01, janJfev, 2003, p. 90-123. TORRES, Ricardo Lobo. Elisão Fiscal (CTN, art. 116, parágrafo único - 104/01). Fórum de Direito Tributário. Ano 01, n. 01, janJfev, 2003, p. 124-136. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico - Plano da Eficácia, 1 a Parte, São Paulo: Saraiva, 2003. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico - Plano da Existência. São Paulo: Saraiva, 2003. VELOSO, Zeno. Invalidade do Negócio Jurídico - Nulidade e Anulabili­dade. Belo Horizonte: Delrey, 2002. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. MICHELON, Cláudio. Um ensaio sobre a autoridade da razão no Direito Privado. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. v. 21, março 2002, p. 101-112. GIANNINI, A. Donato. I cOl1cetti jondamentali dei Diritto Tributaria. Torino: Torinese, 1956. PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Elisão tributária e jl/nção administrativa. São Paulo: Dialética, 2001. ROLIM, João Dácio. Normas antielisivas tribl/tárias. São Paulo: Dialética, 2001. XAVIER, Alberto. Tipicidade da tribl/tação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002.

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um caso de elisão (planejamento lícito) e, se a causa for falsa, ilícita ou au­sente estaremos perante uma situação de elusão (planejamento ilícito). A grande dificuldade deste critério está na sua capacidade de alcançar todas as condutas elusivas e indicar critérios adequados de diferenciação entre elisão e evasão;43 c. Econômico (teste do substrato econômico - sentido) - utiliza-·se da análise do sentido ou do substrato econômico da operação negocial. Procura afas­tar a forma econômica e desvelar a presença de alguma substância negociaI (econômica) para a transação. A elisão seria um caso de manejo de "forma jurídica" que possui um sentido econômico, enquanto a elusão é uma ma­nipulação ausente de substrato econômico ou propósito negocial. A grande dificuldade encontrada, nesse método, está na utilização de um método de interpretação inadequado para a compreensão do fenômeno jurídico; d. Sistemático (teste da presença de manipulação artificiosa da estrutura ne­gocial) - neste teste procura-se analisar a coerência da unidade negociaI: forma, conteúdo e finalidade (causa). Estes devem estar subscritos em um propósito negocial. O manejo de formas que possua uma finalidade nego­ciaI, ou seja, corresponda a uma coerente organização dos negócios priva­dos, será denominada elisão, e a manipulação artificiosa da estrutura nego­ciaI será denominada elusão.44

1.1.1. Evasão. É a conduta de má-fé do contribuinte, por ação ou omissão, de descumprimento direto, total ou parcial, das obrigações ou deveres tri­butáriosY Trata-se de conduta do contribuinte; as condutas violadoras por parte do sujeito ativo são diversas (excesso de exação, renúncia de receita, entre outras). A prática da conduta deve ser realizada pelo contribuinte ou por quem o represente, não cabendo tal conduta ser atribuída a terceiros, mesmo que ligados ao contribuinte que não disponham de poder de deci­são quanto ao cumprimento das obrigações e deveres do contribuinte.

43. Sobre o tema, veja-se o monumental estudo de Heleno Tôrres sobre o "Direito Tributário e o Direito Privado".

44. No mesmo sentido veja-se Gest e Tixier: "Trata-se de atos ou de montagens jurídicas (montages juridiques) que, sem ser fictícios, apresentam caráter muito artificial, e não têm outra motiva­ção que a de contornar (contourner) uma regra fiscal co gente"; ver Gest e Tixier apud TÔRRES, Ricardo. Op. cil., p. 119. Nota-se a idéia de que a conduta efusiva é uma forma de manipulação artificiosa da estrutura negocial.

45. Veja-se, de modo similar, TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado. São Paulo: Re­vista dos Tribunais, 2003, p. 179. Esta obra constitui-se no mais significativo estudo sobre o tema em língua latina.

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A conduta praticada não exige prova dos motivos ou causa do des­cumprimento de obrigação tributária.46 Pode a lei estabelecer como evasão fiscal as seguintes ações: descumprimento de deveres formais; deixar de re­colher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, desconta­do ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;47 inadimplência por falta de pagamento de débito já lançado etc.48 Desse modo, a conduta pode ser prevista de modo objetivo.

A ação do contribuinte pode ser feita mediante uma ação, como: rea­lizar declaração falsa ou uma omissão, como deixar de recolher ou repassar contribuição social ao INSS.

Configura-se um caso de descumprimento direto, visto que a condu­ta decorre de fuga ao dever fiscal surgido pela ocorrência do fato gerador. Concretizando-se o fato gerador não há como se furtar ao cumprimento da obrigação tributária. Tal situação levou Gilberto de Ulhôa Canto49 a de­clarar que o único critério de diferenciação válido entre evasão e elisão é o temporal, assim, se a conduta do agente se realiza após a ocorrência do fato gerador; estaremos perante um caso de evasão, se realizada antes será

46. A verificação do dolo da conduta é, contudo, fundamental para a determinação de ocorrência de crime tributário compreendido na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990 (Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providên­cias). Assim prescreve o artigo que: "Art. 1 0. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fis­calização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, dupli­cata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, rela­tiva a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multá'.

47. Processo n. 1l030.001846/00-63, Acórdão n. 203-08832, 3" Câmara. "Ementa: [ ... ] IPI - nota fiscal "calçadá' - A consignação de valores diferentes nas diversas vias de uma mesma Nota Fiscal caracteriza evasão do tributo mediante a chamada "nota calçada': e quando comprovada legítima a exigência fiscal de pagamento do tributo não recolhido, com os acréscimos legais cor­respondentes à infração qualificada".

48. Cf. TÔRRES, Heleno. Op. cit., p. 179. 49. Cf. CANTO, Gilberto de Ulhôa. Evasão e elisão fiscais, um tema atual. Revista de Direito Tribu­

tário, n. 63. São Paulo: Malheiros, p. 188.

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um caso de elisão, visto que não terá, pelo menos a princípio, ocorrido des­cumprimento da norma.

O critério cronológico, contudo, tem sofrido diversas críticas, espe­cialmente em virtude de ações evasivas anteriores à configuração do fato gerador. 50

1.1.2. Elisão. Tem sido considerada a conduta do sujeito passivo em plane­jar seus negócios privados de modo produzir o menor impacto fiscal.

A elisão é conduta do sujeito passivo: ele que pratica a ação, não se confundindo com aqueles que próxi1}los prestam assessoria, consultoria ou orientação fiscal.

A elisão não se confunde com o planejamento tributário. O planeja­mento tributário é o conjunto de atos ordenados do contribuinte na orga­nização de seus negócios com o propósito de prever os efeitos tributários de seus negócios jurídicos. O planejamento tributário é a conduta fática que compõe o conceito de elisão, mas esta não se confunde nem se esgota na noção de planejar.

A elisão é o planejamento lícito de negócios, realizada conforme os princípios constitucionais que orientam a livre iniciativa e a livre concor­rência, com o objetivo de obter o menor impacto fiscal.

A elisão deve ser diferenciada da elusão que é uma figura diversa, uma forma de descumprimento indireto da norma tributária.5l

1.1.3. Elisão tributária. Há muito a doutrina se ressentia de um conceito que permitisse atuar em tão complexo fenômeno. 52 A distinção cronoló­gica entre elisão e evasão impedia o desenvolvimento de necessárias dife­renciações entre o descumprimento direto e indireto da norma tributária. Por um lado, pretendia-se proibir a elisão; por outro, legitimavam-se os artifícios de descumprimento indireto das obrigações tributárias. O con­ceito de elusão tributária emerge, assim, como um modo particularmente relevante de compreensão de condutas ilícitas por manejo da ocorrência do fato gerador, ocultando, dificultando ou impedindo a sua ocorrência de modo ilegítimo.

50. Cf. HUCK, Hermes. Evasão e elisãa: rotas nacionais e internacionais. São Paulo: Saraiva, 1997, p.326-327.

51. Veja-se, TÔRRES, Heleno. Op. cit., p. 187. 52. CC KRUSE, Heinrich W. Il risparmio d'imposta, l'elusione fiscale e l'evasione. Tmttata di Diritta

Tributaria. Coord. Andrea Amatucci. Padova: Cedam, v. III, t. I, 1994 e CIPPOLINA, Silvia. La legge civile e la legge fiscale - il problema dell'elusiane fiscale. Padova: Cedam, 1992.

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o conceito de elusão tributária há muito tem sido utilizado pela doutrina,53 mas somente no último período tem sido difundido.54 A par do uso diferenciado das denominações sobre o assunto, solidifica-se o concei­to de elusão como fundamental à compreensão do fenômeno tributário. l.2.4. Da diferenciação entre elusão e evasão. Os dois conceitos apresentam as seguintes distinções: a) Modo de descumprimento: a evasão se constitui no descumprimento di­reto da norma tributária, enquanto a elusão é o descumprimento indireto da norma; b) Natureza dos atos negociais: a evasão- é decorrente da prática de atos ve­dados pelo ordenamento (ex.: deixar de emitir nota fiscal), enquanto a elu­são é justamente a prática de atos permitidos pelo ordenamento que con­duzem a resultados ilícitos; c) Momento da conduta: a evasão é o descumprimento do dever tributário após a ocorrência do fato gerador, enquanto a elusão é o descumprimento independente do momento cronológico do fato gerador, podendo ser pra­ticada antes mesmo de sua ocorrência; d) Natureza da violação: a evasão ocorre pela ofensa ao comando normati­vo (fazer ou não-fazer algo), enquanto a elusão é o manejo de formas que oculta o verdadeiro conteúdo da operação; e) Quanto à causa negocial: na evasão a causa do negócio jurídico é ilícita, enquanto na elusão a ausência de causa deve ser depreendida da verifi­cação da cadeia negociaI envolvida.Vistos individualmente, cada negócio ou ato jurídico contém uma presunção de licitude, na forma e conteúdo, somente a análise ordenada dos atos e de seu coerência negociaI é que per­mite verificar a inexistência de causa. 1.2.5. Da elisão, evasão e elusão.

Como já verificado, a organização dos negócios privados pode ser rea­lizada de três modos, mediante elisão, evasão e elusão do dever de pagar tributos. O primeiro modo, elisivo, constitui conduta do contribuinte em organizar seus negócios de modo a, mantendo a "causa' do negócio, redu­zir seu efeito fiscal. Nesse caso, o contribuinte cumpre a legislação fiscal, mas impede ou modifica o modo de incidência da norma tributária, tra­zendo conseqüências fiscais (redução da carga tributária).

Na evasão ocorre o descumprimento direto da norma impositiva, constituindo crime tributário. Havendo a incidência da norma tributária

53. Nesse sentido, veja-se GODO!, Marciano Seabra. A figura da "fraude à lei" prevista no art. 116, parágrafo único, do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 68, maio de 200l.

54. Veja-se a importante obra de TÔRRES, Helena. Op. cit., p. 182 e segs.

c

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COMENTÁRIOS AO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - ARTIGOS 113 A 118 - 963

é necessário o seu cumprimento. Trata-se de uma organização ilícita dos negócios privados.

Na elusão, a organização dos negócios privados ocorre mediante a uti­lização de estruturas negociais válidas que impeçam o surgimento da nor­ma jurídica. A elusão, diferentemente da elisão, realiza-se em fraude ou abuso ao ordenamento jurídico tributário. 1.2.6. Conteúdo da efusão: manipulação artificiosa da estrutura negocial.

O conteúdo da elusão é a manipulação artificiosa da estrutura nego­ciaI, ou seja, trata-se da alteração dos vínculos estruturais entre os elemen­tos básicos do negócio jurídico. Dado "que o critério cronológico (momen­to de ocorrência do fato gerador) não é suficiente para indicar a presença da elusão e permitir a sua distinção da elisão, torna-se necessário buscar novos critérios de análise. Considerando os mais recentes estudos sobre o tema, encontra-se no defeito de estrutura dos negócios jurídicos o elemen­to capaz de permitir a adequada análise do fenômeno da elisão e elusão.

O direito tributário se constitui em uma forma de direito de sobre­posição, ou seja, ele atua sobre conceitos que de outras áreas, como direito civil ou empresarial. a) Da coerência negocia!. Dessa forma, ele pretende de forma bastante com­plexa manter uma relação de coerência e consistência entre três planos de significação: i) dos negócios privados; ii) dos negócios jurídicos; e iii) dos fatos jurídico-tributários. Assim, desse modo, o conceito de renda utiliza­do em direito tributário refere-se a um conceito de direito privado, que por sua vez se refere a um fato econômico que possui relevância para o direito. Um determinado fato pode ser considerado renda nova para a análise eco­nômica, mas não o ser para o direito, como no caso das indenizações.

Esta relação possibilitará a existência de inconsistências e incoerên­cias em função da diversidade de: i) princípios norteadores; e ii) efeitos previstos. O direito privado é regido por alguns princípios que diferem do direito tributário, como a liberdade de formas, de causa, tipo e escolha dos efeitos do negócio jurídico. Assim, ao escolher determinado negócio pode­se escolher o tipo de forma a ser utilizada, a finalidade para o qual será realizado, um regime típico ou atípico e os efeitos que o negócio permite (cláusulas quanto à formação, execução e solução de conflitos).

O direito tributário é regido, por outro lado, por princípios menos fle­xíveis, como tipos fechados, abstrações, padrões rígidos, fechados e defini­dos. A escolha de determinado negócio jurídico, como "veículo" ou "ves­timenta", a realização de determinada conduta econômica deverá levar em

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consideração, portanto, uma relação coerente e consistente entre os três planos: econômico, jusprivatista e justributário.

Algumas vezes o negócio privado encontrar-se-á muito bem recep­cionado pelo direito privado, encontrando o veículo ou vestimenta perfeita para a realização dos fins econômicos, mas produzirá efeitos indesejáveis na esfera tributária, que afetam inclusive a finalidade econômica do negó­cio.55 A coordenação dessas duas esferas é uma tarefa imprescindível ao: i) sucesso de uma atividade privada (plano econômico); ii) sua garantia de segurança (plano privatista) e cumpri~ento; e iií) respeito às obrigações cidadãs de pagar tributos (plano tributário). b) Da estrutura negociaI. O negócio jurídico apresenta-se no direito bra­sileiro através da composição coerente entre sujeito, forma, conteúdo56 e causaS7 (finalidade negociaI). A realização de negócio por sujeito (agente) sem a plenitude dos poderes para firmar negócio jurídico irá impregnar o ato de ineficácia total ou parcial; o mesmo ocorrerá nos defeitos de forma ou conteúdo.

Assim, a falta de um dos elementos importa na ineficácia do negócio jurídico. O problema de que trata a elusão é da composição defeituosa dos negócios jurídicos, ou seja, de negócios jurídicos que possuem um vício, um problema de consistência interna ou de coerência negociaI.

Vejamos novamente a estrutura negociaI:

Negócio Jurídico

.------------------,----~-~------------_ .... _------------_._-----------------------. , , , ,

! ~! \ ~~ ! i Conteúdo I ~ I

[ .. =~~~.~.~~~~~~~.~~.~~.~:~~~.~~:.~.~~.~~.~~~~:~~? ....... i 55. Ver, nesse sentido, Tôrres. Op. cit., p. 269.

Tipo (regime)

56. ':'\rt. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; IH - forma prescrita ou não defesa em lei",

57. A noção de causa é fundamental no direito privado, vide art. 166, m, do CCB.

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Como visto anteriormente, todos esses elementos devem estar pre­sentes sob pena de invalidade do negócio jurídico e mais ainda, eles devem estar presentes de modo íntegro, ou seja, não viciados ou defeituosos (erro, dolo, coação, simulação e fraude contra credores). O defeito nesses ele­mentos implica sua ineficácia.

A elusão e a elisão referem-se às relações de coerência ou incoerência entre estrutura negociaI e os efeitos provocados. Podemos definir a elisão como uma forma de consistente de: i) organização dos negócios, através de ii) negócios jurídicos, diretos ou indiretos, cujo iii) efeito tributário é uma imposição coerente com sistema tributário.

Por outro lado, a elusão é a forma apenas aparente de consistente i) organização dos negócios, por meio da ii) manipulação dos negócios ou de seus elementos, cujo iii) efeito tributário é uma imposição incoerente com o sistema tributário.

Iremos inicialmente verificar o fenômeno da elusão e, posteriormente, o caso da elisão. 1.2.7. Conceito de manipulação artificiosa da estrutura negocia!.

A manipulação artificiosa da estrutura negociaI pode ser considera­da ajuste ou manejo de negócios jurídicos ou de seus elementos para que produzam um efeito tributário inconsistente com o, real propósito do ne­gócio.

A relação entre fato econômico, negócio jurídico e efeito tributário deve guardar coerência. Assim, não é possível que um fato econômico ge­rador de renda, formalizado através de um contrato de compra e venda, não implique sua tributação, visto que ocorrido o evento, este vertido em linguagem competente, é fato jurídico que preenche a hipótese de incidên­cia da norma jurídico-tributária que implica necessariamente o surgimen­to da obrigação tributária.

A alteração artificiosa do negócio jurídico ou de alguns dos elementos com o intuito de manejar o efeito tributário irá caracterizar a presença de elusão tributária. 1.2.8. Formas de manipulação artificiosa da estrutura negocia!.

As formas de manipulação do negócio jurídico podem ser classifica­das em objetivas e subjetivas, ou seja, quanto: a. objeto, ou seja, alteração de elementos do negócio jurídico ou do sentido resultante em uma cadeia negociaI (objetiva); b. sujeito, ou seja, manipulação realizada por agente individual ou por plu­ralidade de agentes colusão (subjetiva).

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1.2.8.1. Da manipulação objetiva da estrutura negociaI. A manipulação objetiva realiza-se através da alteração artificiosa ou

dos elementos do negócio jurídico ou do sentido resultante de uma cadeia negociaI. 1.2.8.1.1. Da manipulação artificiosa dos elementos do negócio jurídico.

Nesse caso, há o manejo da estrutura interna do negócio jurídico, que­brando a sua consistência, tornando-o viciado ou defeituoso. São elemen­tos essenciais ao negócio jurídico: conteúdo, forma e finalidade (causa). a. Do vício quanto ao exercício de direito. (conteúdo): do abuso de direito.

A idéia de abuso de direito havia sido pressentida pelos romanos,58 conforme relata Gaio (lnst. I, 53, Male enim nostro iure uti non debemus).59 No período feudal ela está ligada aos atos emulativos, ou seja, aqueles rea­lizados com a' intenção de prejudicar alguém. Na França irá surgir o pri­meiro caso julgado com fundamento na existência de abuso de direito.60

58. Essas noções encontram seus antecedentes históricos no direito romano, Havia uma regra que isentava o titular dos danos de seu exercício: nullus videntur dolo facere, qui suo ivre utitur. Dada a ocorrência de danos pelo exercício de direitos, aplica-se à regra summum ius, summa injuria como preceito limitativo da regra anterior, bem como non omne quod licet honestum est e malitis non est indingendum. Contudo, como todo o Direito Romano não é fruto de teorizações gerais, esses estudos permaneceram vinculados à práxis romana. Na casuística romana existem três grupos em que aparece o conceito: na acumulatio, na exceptio dali e no direito de vizinhança. A acumulatio significa o exercício de um direito sem utilidade própria, com a mera intenção de prejudicar outro. A boa-fé nesse período não tem um papel sistemático. A conseqüência do pre­juízo a outrem, no exercício de direito, dá-se pela reprovação do senso comum. A exceptio dali permitia no direito romano deter uma acUo injustiça. Nos Bonae fidei indiciea tal inserção não era necessária dada à regra da inerência. O direito de vizinhança partia da necessidade de convi­vência pacífica. São regras que versam sobre fenômenos diversos, sendo pobre o termo abuso de direito para a identificação dessa situação. Tal possibilidade seria adequada caso existisse uma regra geral de vizinhança que não existe. O abuso de direito não teve na dogmática romana uma consagração, e nem as anteriores acumulatio, exceptio dali e vizinhança são anteriores conceitos do abuso de direito. Veja-se, sobre o assunto, CORDEIRO, Menezes. Princípio da boa-fé objeti­va. Coimbra: Almedina, 1984, p. 669-670.

59. Sobre este ponto veja-se a excelente exposição do Ministro do STE José Carlos de Moreira Alves, intitulada Elisão - Aspectos Jurídicos: Figuras correlatas: abuso de forma, abuso de direito, dolo,

negócios jurídicos simulados, fraude à lei, negócio indireto e dissimulação. Disponível em: <http:// Wlvw.receitaJazenda.gov.br/Historico/EstTributarios/ Anais/ Anais_elisao.pdf>. Acesso em 21 abr.2004.

60. Nesse caso, o pai havia sepultado a esposa nos jardins de sua casa e impedia seu filho de adentrar em sua residência, por absoluta intenção de prejudicá-lo. Alegou, o pai, em seu favor, o direito de absoluto de propriedade, podendo decidir quem deveria ingressar ou não em sua residência. Vide Jurisprudência c. Imp. Colmar R. Mai, 1865.

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Apesar de diversas polêmicas sobre a sua aceitação,61 tornou-se um concei­to consagrado no direito privado.

Previa o antigo Código Civil Brasileiro, em seu art. 160, I, que não constitui ato ilícito aquele ato praticado no exercício regular de um direito reconhecido. Entendeu o legislador que, a contrário senso, ato praticado no exercício não regular de um direito seria ilícito e, portanto, estaria nesse artigo a condenação do abuso de direito em nosso ordenamento. A solução dada pelo nosso código ao abuso de direito tem assento puramente obje­tivo.

o novo Código Civil irá conceituá-lo como sendo o exercício inadi­missível de um direito, pela sua realização desconforme aos limites impos­tos pelo Direito, quanto aos seus fins econômicos e sociais.62

O Direito Tributário brasileiro não prevê a existência de uma cláusu­la antiabuso; contudo, diversas situações poderiam ser consideradas como tal, especialmente o treaty e o rule shopping em Direito Tributário Interna­cional. b. Da manipulação de formas: da fraude à lei em sentido formal.

A noção de que a manipulação artificiosa das formas previstas em di­reito civil pudesse constituir um ilícito tributário pode ser encontrada no código tributário alemão de 1919, influenciado por ErlIl0 Becker (Reichsa­bgabenordung - RAO).63 A proibição do abuso de formas irá ser novamente prevista no § 42 do Código Tributário Alemão de 1977 (Abgabenordnung _ AO).64

61. O conceito de abuso de direito enfrentou como primeiro obstáculo o entendimento sobre Direi­to Subjetivo. Parece ilógico dentro dos conceitos criados pela pandectística, especialmente por lhering e Windsheid, que exista um abuso de direito. Se há abuso não há direito. O conceito de abuso de direito somente poderá receber uma definição aceitável com o entendimento do di­reito subjetivo como direito-função. Ou seja, como normas conferidoras de poder (Bücher) ou permissivas (Kalinowski). É com Josserand que essa noção receberá uma consagração.

62. 'i\rt. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifes­tamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costu­mes':

63. Estabelecia o § 5° do Código Tributário alemão (Reichsabgabenordul1g - RAO), que: "§ 5° O débito tributário não deve ser objeto de evasão ou redução mediante o abuso de formas jurídi­cas de direito privado". Em 1977, há alteração do código alemão (Abgabenordmmg - AO), com o acréscimo do seguinte artigo: "§ 42. A lei tributária não pode ser fraudada através do abuso de formas j!lrídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá como se para os fenômenos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada" (grifo nosso).

64. Ao tratar do ab!lso de formas, decidiu o STJ, em ROMS 15166/BA. Nesse caso decidiu-se que: 'i\dministrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Licitação. Sanção de inidonei­dade para licitar. Extensão de efeitos à sociedade com o mesmo objeto social, mesmos sócios

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A manipulação de formas tem por objetivo a fraude à lei, se consti­tuindo em urna das suas espécies. Nesse caso, se utiliza urna forma jurídica com o objetivo de se afastar a regra que normalmente seria aplicada ao caso. A forma que deveria ser a "vestimenta" de um direito torna-se um "véu" que encobre uma finalidade escusa: burlar a lei. O abuso de forma surge como negócio sem causa.

O abuso de formas não possui vedação expressa no direito tributá­rio, mas encontra seu questionamento nos princípios que regem o sistema quanto à vedação à fraude à lei. 65

c. Da causa e de sua manipulação artificiosa: A elusão deve ser diferenciada de outras figuras próximas, quanto ao

seu sentido e alcance. Elemento comum à discriminação das diversas mo­dalidades está DO conceito de causa. Causa será entendida como finalidade econômico-jurídica66 prevista pela lei para determinado negócio jurídico.

A idéia de causa, apesar de mencionada no Direito romano,67 irá sur­gir com o jurista francês Domat, sendo adotada no Code Civil de Napoleão e na maioria dos códigos continentais.

e mesmo endereço. Fraude à lei e abuso de forma. Desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa. Possibilidade. Princípio da moralidade ad~inistrativa e da indispo­nibilidade dos interesses públicos': Assim: ''1\ constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra decla­rada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar a aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n. 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. A Administração Pública pode, em observãncia ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. Assim, permitir-se que uma empresa constituída com desvio de finalidade, com abuso de forma e em nítida fraude à lei".

65. No Processo Administrativo Federal n. 13921.000246/94-21, perante a Segunda Câmara do Conselho de Contribuintes, "IPI - Isenção para carro a álcool (Táxi) - O descumprimento de preceito isentivo, durante o período determinado pela lei concessiva, enseja a perda do benefício fiscal e conseqüente exigência do imposto exonerado, acrescido dos consectários legais, calcu­lados a partir do fato gerador (Lei n. 8.199/91 e IN/SRF n. 57/91). Contrato de Arrendamento particular é vestimenta do guarda-roupa do Direito Civil e não pode ser argüido em benefício do contribuinte, se o mesmo foi utilizado como abuso de forma para fruição indevida do tributo exonerado. Recurso negado" (grifas nossos).

66. Cf. CRUZ: "[. .. ]Ia causa es la finalidad j!lrídico-económica que las partes persiguen COIl el contrato [ ... ]"; ver CRUZ, op. cit, p. 08.

67. As ações processuais para impugnar os contratos em causa ou com causa torpe ou ilícita se chamavam colldictio; ver CRUZ, Mario Diaz. Causa y consideration em los contratos - inútiles ejercicios de dialética. Comparative Juridical Reviell', p, 07.

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A causa é diferente do motivo. 6s A causa é objetiva, o motivo é sub­jetivo. Este último se refere às razões subjetivas para firmar determinado contrato, que podem ser as mais variadas. Não há necessária identidade en­tre as duas figuras. A causa é identificada como sendo a causa final; assim, em uma compra e venda de imóveis, a promessa do preço constitui a causa para entregar um bem, o motivo pelo qual eu desejo essa casa seria a causa ocasional ou remota.69 A causa é determinada pela resposta à pergunta cur debetur (por que devo?).

São espécies de causas:70 í) crede.ndi (constituendi); ií) donandi; e iíí) solvendUl A causa donandi se constitui em ato de liberalidade,72 sem a pre­tensão de receber algo em troca. A causa credendi (constituendi) é a base de contratos nos quais existe a obrigação recíproca de entregar algo. Assim, na compra e venda a causa estará sedimentada na obrigação de entregar coisa e preço, tal como nos contratos de parceria, arrendamento, serviços, per­muta, cessão de bens, servidão e sociedade. A causa solvendi é aquela que tem por finalidade solver uma obrigaç2_0 anteriormente assumida. Assim, por exemplo, na promessa de compra e venda, com pagamento integral do preço, o cumprimento do contrato de compra e venda tem por objeto satis­fazer uma obrigação prevista anteriormente.

Desse modo, cada contrato irá possuir uma causa peculiar e apropria­da à sua estrutura negociaI. Os contratos bilaterais e onerosos serão identi­ficados com uma causa credendi os contratos unilaterais e gratuitos e serão animados pela causa donandi, entre outros.

68_ Sobre a noção de causa veja-se o estudo de MICHELON JR., Cláudio_ Um ensaio sobre a auto­ridade da razão no direito privado. A doutrina francesa, apesar de formalmente separar a causa do motivo, não procedem a uma distinção clara entre os dois conceitos. Somente com Emilio Betti é que iremos encontrar uma concepção objetiva e funcionalista da causa.

69. Cf. CRUZ. Op. cit., p. 26. 70. As espécies de catlsae utilizadas no presente trabalho são aquelas utilizadas por Pontes de Mi­

randa. Outras podem ser as espécies de classificação das causas, por exemplo no Código Civil espanhol, em seu art. L274 as causas são entendidas de três formas, quais sejam: "Enlos contra­tos onerosos se entie/lde por causa, para cada parte contratante, la presfación o promesa de uma cosa o servicio por la outra parte; em los remuneratorios, el servicio o beneficio que se remunera, y los de pura beneficiencia, la mera liberalidad dei bienhechor': Pela classificação de Pontes de Mi­randa as duas primeiras espécies de causas poderiam estar sob uma só rubrica: causa credendi (constituel1di). Ver lvlIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, 2. ed. v. IIL Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, § 262, p. 79.

71. Existem autores que irão defender que a alia (sorte) se constitui em causa de determinada classe de negócios jurídicos, como: seguro, jogo, aposta, entre outros. Essa é a posição de Capitant. Tal teoria, não é, contudo, aceita por diversos juristas.

72. Cf. CRUZ. Op. cit., p. 09.

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Elemento fundamental na noção de causa está no vínculo que une as partes no contrato; assim, em um contrato bilateral será elemento carac­terístico a noção de comutatividade, decorrente da idéia de sinalagma. O contrato irá gerar obrigações para ambas as partes e estas devem corres­ponder entre si; cada obrigação é causa da outra prestação.i3

A idéia de causa como sendo fundamental para os negócios privados está assentada no Novo Código Civil,74 visto que para o negócio jurídico ser válido é preciso que a sua causa seja também lícita. Determina em seu art. 166 que:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [ ... ] IH - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; [ ... ]

Por outro lado, o sentido de caus1. é indicar uma finalidade a ser al­cançada pelo negócio. A interpretação da causa deve ser realizada de modo objetivo, a finalidade de que trata o Novo Código Civil é objetiva, ou seja, não está a se sindicalizar a "intenção interna" do agente. A finalidade deve ser vista de modo objetivo, analisando-se, inclusive,- a finalidade prevista pelo ordenamento, assim conforme o Novo Código Civil exige:

a) interpretação finalística: "Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem"; b) respeito à boa-fé: 'Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser in­terpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração"; bem como no 'Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princí­pios de probidade e boa-fé";

73. Cf. CRUZ. Op. cit., p. 26. A noção de comutatividade representa, inclusive, como demonstrou Cláudio Michelon, a aplicação de um critério particular do sentido de justiça a cada figura cau­

sae. Assim, a causa credendi, com seu sina/agma aplica a justiça comutativa; a causa donandi e so/vendi igualmente, em face do respeito aos pactos firmados, uma forma de aplicação do con­ceito de justiça.

74. Estabelecia o antigo Código Civil de 1916, que: "Art. 90. Só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição". Este dispositivo versava sobre o "erro ou ignorância'; o que não dizia respeito ao conjunto dos negócios jurídicos e vícios que o conceito de causa historicamente abrangia.

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c) adequação à função social do contrato: ''Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato':

Dessa forma, o teste da presença de elusão em determinada operação negociaI irá questionar qual o propósito negociaI a ser alcançado. Caso este seja inexistente, impróprio (abusivo) ou ilícito, tal operação será elusiva e, portanto, vedada pelo ordenamento jurídico. 1.2.8.1.2. Da importância da causa para determinação da presença de con­dutas artificiosas de manipulação da estrutura negocial (elusão).

A importância da causa para a determinação de condutas elusivas de­corre dos seguintes elementos:

1. Interpretação jurídica da elusão: a causa representa, em direito priva­do, a finalidade econômica do negócio e, portanto, trata-se de uma solução mais adequada do que a interpretação econômica do direito tributário;

2. Distinção entre uso e manipulação de formas jurídicas: a manipula­ção da estrutura negociaI pode ser analisada pela confrontação da transa­ção realizada, sua forma e a presença de causa. Se o negócio não possuir causa ou a possuir falsa ou ilícita, estaremos perante um caso de elusão tributária;

3. Momento da realização do fato gerador: permite realizar uma distin­ção adequada perante a elisão, visto que o mero critério cronológico não era capaz de resolver algumas dificuldades, como a realização de atos simu­latórios que impedissem a ocorrência do fato gerador;

4. Determinação do tipo de manipulação realizada: a teoria da causa permite verificar se em determinado caso estaremos perante uma situação de simulação (falsa causa), abuso de formas (ausência de causa) ou fraude à lei (causa ilícita).

Apesar das claras vantagens da adoção do conceito de causa, para o estudo e a determinação da presença de uma conduta elusiva, a utilização exclusiva do conceito de causa pode incorrer em algumas dificuldades, tais como:

1. Direito civil e comercial: historicamente a noção de causa tem sido utilizada para solver problemas adstritos ao direito civil e, mesmo assim, com imensa dificuldade, em face das grandes controvérsias geradas. A no­ção de causa, contudo, torna-se um instrumento adequado para a verifi­cação do sentido de negócios especialmente regidos pela tipicidade, como o contrato de compra e venda; nesses casos, é relativamente indicada para

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identificar o sentido do negócio, de um lado a entrega de uma coisa e, de outro, o pagamento de um preço. No direito comercial ou empresarial vi­gora, especialmente, a noção de atipicidade, ou seja, tanto o motivo quan­to a causa de um negócio são de difícil aferição para os que estão fora da transação comercial, com objetivos cruzados, efeitos diferidos do negócio no tempo e, não raras vezes, muitos dos que estão de fora da negociação não entendem as finalidades empresariais, o que aparenta ser um animus donandi é, em verdade, um animus solvendi, entre outros;

2. Fragilidade da distinção da finalidade: a distinção entre elisão e eva­são realizada estritamente com base na teoria da causa não explica real­mente quando estamos perante uma ausência de causa ou uma falsa causa, em uma operação empresarial, tal representação deverá ser feita observan­do a .finalidadeeconômica da operação. A apresentação da causa funciona apenas como um anteparo perante o verdadeiro problema que é a existên­cia de uma finalidade lícita e existente. Nesse sentido, somente a análise do estudo da manipulação de estruturas negociais não resolve todas as situa­ções possíveis, exige obrigatoriamente a análise por um conceito contro­verso e multiplica os conceitos a serem tomados em consideração.

Desse modo, a verificação da manipulação de estruturas negociais deve ser realizada utilizando-se um método de interpretação jurídico e sis­temático. 1.2.8.1.3. Da distinção entre análise da estrutura da estrutura do negócio ju­rídico da interpretação econômica do direito.

A análise da estrutura negociaI, os casos de uso ou de manipulação, diferem da interpretação econômica do Direito Tributário. Tais distinções decorrem, inclusive, do método de interpretação utilizado, visto que o pri­meiro parte de uma compreensão jurídica dos negócios em foco.

Da interpretação econômica do Direito Tributário. A denominada análise econômica do direito tributário surge com

Enno Becker7s e a redação do § 4° do Código Tributário Alemão (Reichsa­bgabenordung - RAO), esse dispositivo era aplicação do art. 134 da Cons­tituição de Weimar, que estabelecia o princípio da capacidade contributi­va (wirtschaftliche Leistungsfahigkeit).76 Posteriormente, com a chegada do

75. Cf. MERK, Wilhem. 5tellerschuldrecht. Tübigen: Mohr, 1926. 76. Estabelecia esta Constituição que: "todos os cidadãos, sem distinção, na proporção de seus have­

res, contribuirão para todos os encargos públicos, conforme dispuserem as leis". Ver, nesse sentido, TÔRRES, op. cit., p. 208.

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pensamento nacional-socialista amplia-se o sentido desse dispositivo, por meio da Lei de Adaptação Tributária. Estabelece esta que a interpretação da lei tributária deve considerar "o objetivo e o significado econômico das leis tributárias e o desenvolvimento das circunstâncias"; já em seu § 1°, Se­ção 3, se preceitua que: "as leis tributárias devem ser interpretadas segundo a concepção do mundo nacional-socialista".

A interpretação econômica do direito tributário foi substituída na re­forma do Código Tributário alemão de 1977 pelo conceito de abuso de formas, estando em franco declínio na atualidade.11 São características da interpretação econômica do direito Wbutário:

• análise fmalística - trata-se de uma forma de interpretação toman­do em consideração as finalidades econômicas das relações negociais.í8 A grande oposição a este aspecto está em erigir como fundamento de análise critérios extra-jurídicos para nortear a interpretação do fenômeno jurídi­co. O econômico possui sua linguagem e operadores próprios (ter ou não ter), diversos do direito (permitido, obrigatório e proibido). A mistura na utilização desses dois modos de interpretar conduz a resultados diversos, visto que objetivo do direito (justiça) não se submete automaticamente aos objetivos da economia (eficiência);

770 "Se há uma finalidade das normas tributárias, esta há de ser, sempre, a constituição de obriga­ções tributárias, à qual toda interpretação deve se reportar, segundo os elementos da leL Mas este não é o sentido corrente que a doutrina da interpretação finalística emprega. Usa-o como espécie de finalidade financeira, como forma de induzir ao intérprete a uma opção pro fiscum em qualquer ato de interpretação, tendo em \'ista os objetivos arrecadatários, sem muita sensibilidade para o primado da legalidade e certeza do direito"; (grifo nosso), ver TÔRRES, op. cit., p. 217. Como bem lembra Enzio Vanoni: "['0.'] a tributação deixou de ser considerada um atributo da soberania, para ser o meio necessário ao Estado para prestar os serviços públicos. In Vanoni, opo ci!., p. 37. A finalidade da tributação não é financiar o Estado, mas ser o meio necessário para que este preste os adequados serviços públicos ao cidadão, ou seja, o fim da tributação é o pró­prio cidadão e nunca o Estado. Não há como exigir que o tributo ao invés de ser instrumento de liberdade e igualdade se torne em instrumento de opressão, seria o retorno à lógica prévia ao Estado de Direito.

78. Sobre o assunto, veja-se o estudo de Moris Lehner, que entende: "princípio da fundamental da tributação justà: não deve ser observado na edição das leis, mas também por ocasião de sua aplicação, o que traz a conseqüência de que também a interpretação da lei é orientada, ou deve ser orientada, pelo telas deste princípio normativo diretivo"; "O fundamento para se afastar o entendimento ultrapassado da consideração econômica decorre, outrossim, do reconhecimento de que a relação entre o direito tributário e o direito civil não se deixa amarrar em um esque­ma rígido"; ver LEHNER, Moris. Consideração econômica e tributação conforme a capacidade contributiva. Sobre a possibilidade de uma interpretação teleológica de normas com finalidades arrecadatórias. In: Direito Tributário - Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 144.

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• interpretação pro fiscum79 - outra ordem de questionamentos a esse

modo de interpretação decorre de sua flexibilização de conceitos e princí­pios do direito tributário, diminuindo a certeza do direito, fragilizando o princípio da segurança jurídica e relativizando o princípio da legalidade. Esse conjunto de efeitos produz uma situação de diminuição de proteções e direitos consagrados ao contribuinte, relativizando as limitações ao poder de tributar. Tais críticas são extremamente procedentes e ensejam correta preocupação;80

• finalidade econômica e finalidade arrecadatória - dado que o sentido geral do Direito Tributário é promover' a justiça fiscal e não simplesmente servir de instrumento para aumento da arrecadação, não é lícito supor que a interpretação tributária deva ser sinônimo de interpretação arrecadatá­ria.sl A finalidade arrecadatória elege como princípio basilar a "eficiência" na busca de recursos ao financiamento do Estado, a interpretação tributária legítima deve possuir como fundamento a "justiça" na distribuição dos en­cargos ao financiamento de uma esfera pública de liberdade e igualdade;

• justiça fiscal ou justiça tributária - a interpretação econômica en­cerra também uma noção de justiça, contudo, limitada ao ponto de vista fiscal; assim, entendia Enno Becker que a tributação justa deveria alcançar o máximo de capacidade econômica do contribuinte (princípio da univer­salidade). A justiça tributária não decorre somente do aspecto fiscal, exis­tem princípios fundamentais na tributação além do seu resultado (máximo arrecadado). Não nos importa aqui somente o fim alcançado, mas os meios

79. A extrema litigiosidade decorrente da lei tributária implicou o surgimento de duas escolas de interpretação tributária: in dubio contra fisCllI/1 e ut fiscofaveat. Conforme leciona Enzio Vanoni, uma terceira escola deve prevalecer, aquela que preceitua que não se deve favorecer aprioristica­mente nem o contribuinte nem o fisco, mas a deve-se proceder a uma leitura restritiva e rígida da lei tributária, ver VANONI, Enzio. Natureza e interpretação das leis tributárias (trad. Rubens Gomes de Souza). Rio de Janeiro: Financeiras, 1956. Concordamos com essa última modali­dade, a interpretação deve prosseguir no seu intuito de coerência sistêmica e não de coerência funcional, ou seja, buscando somente alcançar uma finalidade: beneficiar o fisco ou o contri­buinte.

80. Com a experiência de quem viveu sob um regime orientado pela interpretação econômica do Direito Tributário, veja-se a afirmação de Moris Lehner, que soa mais como se fosse um de­poimento histórico: "Um curto exame das raízes históricas da consideração econômica pode mostrar que existe um parentesco muito próximo entre a finalidade arrecadatória e a finalidade econômica da norma"; ver LEHNER. Op. cit, p. 147.

81. "Em contrapartida, a finalidade arrecadatória voltada apenas à cobertura das necessidades do Estado não serve como premissa para a interpretação teleológica, seja da norma ou de seus des­tinatários, já que em caso contrário se teria por correta a interpretação que levasse à mais alta arrecadação tributária"; ver LEHNER. Op. dI., p. 146.

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COMENTÁRIOS AO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - ARTIGOS 113 A 118 - 975

utilizados. O meio (método) é justamente o caminho para determinado fim. A fiscalidade sem reservas, sem limitações, sem respeito a princípios básicos (previsibilidade, legalidade, capacidade contributiva e isonomia) não é aplicação da justiça, mas a sua violação.

Em vista desses elementos, não é possível aceitar este tipo de interpre­tação em Direito Tributário.82

Falta de propósito negociaI (business purpose test). O método de análise de verificação de condutas elusivas no direito

norte-americano tomou efeito através da combinação de três instrumen­tos: teste do propósito do negócio (business purpose test), negócios em eta­pas (step transactions) e princípio da prevalência da substância sobre a for­ma jurídica (substance over form).83

Os três instrumentos têm por objetivo verificar a realização de organi­zações negociais legítimas, ou seja, que possuam sentido negociaI.

c. Dos critérios distintivos da análise da estrutura do negócio jurídico da interpretação econômica do direito.

A análise da estrutura do negócio jurídico diferencia-se da interpreta­ção econômica do direito tributário, por uma série de razões, tais como:

i) Análise estrutural - este tipo de análise proc.ede a uma verificação do negócio jurídico de modo sistemático e pretende observar se existe um adequado uso ou abuso de formas jurídicas. A manipulação de formas será afastada estiver fundada em uma finalidade antiexacional, ou seja, objeti­vando tão somente evitar a incidência de normas tributárias e o surgimen­to de obrigações tributárias correspondentes;

ii) Interpretação tributária - busca-se, nessa análise, uma interpretação que respeite os princípios fundamentais do direito tributário, tais como: le­galidade, segurança jurídica, capacidade contributiva, entre outros;

iii) Justiça tributária - a orientação a ser alcançada está na busca jus­tiça tributária, ou seja, na adequada ponderação de interesses existentes na relação tributária.

82. Ensina Vanoni que: "Para a jurisprudência e para a doutrina dominantes na Itália, as normas tributárias s~o normas que devem ser entendidas de modo rígido e estrito: tais normas têm va­lor somente para as hipóteses claramente previstas na lei, e não podem ser estendidas por via de argumentação lógica e de aplicação analógica aos casos não expressamente indicados pela própria norma"; ver VANONI. Op. cit, p.46.

83. Sobre o assunto, veja-se TÔRRES, op.cit., p. 248. Conforme o autor existem três decisões emble­máticas sobre o assunto: Gregory v. Helvering - Commisioner of Internai Revenue (293, U:S. 465 - Argued Dec. 4, 5, 1934; Decided Jan. 7, 1935); Goldstein v. Commissioner, 364 F. 2d 734 (1966) e Goldstein v. Comissioner, 267, F.2d 127 (1959).

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1.2.8.1.4. Dos critérios de análise da estrutura da estrutura do negócio jurí­dico.

Os critérios de análise da presença ou não de manipulação da estru­tura negociaI são realizadas em dois aspectos: i) consistência; ii) coerência negociaI. A consistência negociaI procura confirmar a correta correlação entre os elementos que compõem o negócio jurídico (objeto, forma, causa e tipo). Um negócio sem causa ou movido por uma falsa causa será um negócio elusivo.

De outra parte, o negócio deve ser verificado em sua coerência com os postulados do sistem.a, de tal forma a representar um exercício legítimo de autonomia da vontade, livre iniciativa, livre concorrência e da propriedade privada. Se estiver em conformidade com estes princípios, não poderá a administracão fiscal desconsiderar os atos realizados a título de alcancar a

> >

capacidade econômica do contribuinte. Por meio da análise de consistência, procurar identificar a presença de

"sentido negociaI" no uso de determinada estrutura jurídica. Um negócio jurídico sem sentido negociaI será elusivo, por não apresentar consistência na sua formatação. Note-se que a exigência de "sentido negocial" difere da exigência de "sentido econômico". A demanda por um substrato econômi­co é superior e estranha à análise do direito. Cabe ao jurídico entender as finalidades econômicas almejadas no cotejo com a estrutura do negócio jurídico instituído, nada significa, contudo, uma mera abstração da natu­reza jurídica do negócio. Este possui em si um sentido, de organização da vontade, que deve ser respeitado e levado em conta pelo direito tributário.

A análise da coerência procura indicar a existência de um uso confor­me o ordenamento jurídico ou um abuso (manipulação) na estruturação do negócio jurídico. A presença de uma conduta abusiva (manipulatória) será tida por elusiva. Esta análise tomará em consideração os princípios tribu­tários em seu todo, não somente aqueles que visam identificar a parcela da renda (capacidade contributiva), como aqueles que protegem o contri­buinte ao limitar a ação do Estado no exercício do seu poder de tributar (segurança jurídica, legalidade etc). A análise de coerência mantém a in­terpretação restrita e rígida da norma tributária, evitando as armadilhas de uma interpretação apriorística contra ou favor do Fisco.

São exemplos de condutas que produzem uma manipulação artificio­sa dos negócios jurídicos: i) o abuso de formas; ii) o abuso do direito; iii) a fraude à lei. 1.2.8.1.2. Da manipulação artificiosa do sentido em uma cadeia negocial.

As condutas elusivas podem ser unitárias, fruto de um único negócio ou podem ser combinadas, pela utilização de diversos negócios vinculados

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ou não, que produzem um efeito final de manipulação artificiosa. Nesse caso, novamente a verificacão deve ser realizada tomando em consideracão , , a consistência e coerência das operações. A consistência pretende tomar em consideração a cadeia negociaI e a sua correta correlação, enquanto a coerência busca aferir a correta correlação entre os negócios e os princípios que regem à atividade negocial.

São exemplos de condutas combinadas que produzem uma manipu­lação artificiosa dos negócios jurídicos: i) o abuso de formas; ii) a falta de propósito negociaI; iii) a simulação. 1.2.8.2. Da manipulação subjetiva da estrutura negocial.

A manipulação subjetiva pretende analisar quem realiza a modifica­ção da estrutura negociaI de modo artificioso, se um agente individual ou uma combinação de sujeitos. 1.2.8.2.1. Da manipulação negociai por agente individual.

A manipulação negociaI pode ocorrer por ato de um único agente, através da sua alteração de elementos fundamentais à estrutura do negócio jurídico. Esse é, por exemplo, o caso da fraude à lei, no qual o contribuinte altera determinado dado para fugir à aplicação da regra que normalmente seria aplicável ao caso. 1.2.8.2.2. Da manipulação negociaI por pluralidade de agentes (colusão).

No caso de uma combinação de agentes, com o intuito de alterar a estrutura do negócio, utiliza-se a participação de mais de um agente para concretizar o objetivo de fuga à estrutura negociaI. Como exemplos, po­demos citar: simulação, uso de uma terceira pessoa interposta,84 entre ou­tros. 1.2.9. Elusão e figuras próximas.

São condutas elusivas: i) simulação; ii) fraude à lei; iii) abuso de direito, iv) abuso de formas; v) dissimulação; e vi) falta de propósito negociaI. 1.2.9.1. Simulação.

A reafirmação da simulação no direito tributário brasileiro ocorre com a inclusão do parágrafo único no art. 116 do CTN por meio da LC n. 104/01, o que traz à tona o questionamento sobre a reafirmação da existên­cia de uma norma geral sobre a simulação dos negócios privados.

O conceito de simulação, para definir ou limitar competências tribu­tárias, em direito tributário deve ser buscado no direito privado, conforme

84. Processo Administrativo Fisca! n.l0380.015577/2001-31, Acórdão n. 101-94119, I" Cãmara. "Ementa: Processo Administrativo Fiscal- Art. 7°, § 1 ° - Denúncia Espontãnea - Inocorrência -Interposição de Pessoas - Conta Bancária -: Omissão de Receita - O disposto no § 1 ° do art. 7°, do Decreto n. 70.235/72, alcança aqueles que, através de interposta pessoa jurídica, mantenham em conta bancária desta, valores de receita omitida, a partir da regular intimação do procedi­mento fiscal contra o correntista. [ ... ]".

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determina o art. 110 do CTN. Determina o Novo Código Civil que a simu­lação produz nulidade e ocorrerá quando:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § lo Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não ver­dadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-data-dos. .

Dessa forma, verifica-se que a simulação possui, principalmente, dois elementos: i) um pacto simulatório; ii) uma falsa causa declarada. Na simu­lação as partes ajustam dois pactos: a) um visível; e b) outro escondido. O pacto "público" (vontade declarada) traduz uma falsa causa, visto que a vontade real contida no verdadeiro pacto, não se conforma com aquela declarada.85

São exemplos de simulaçã08ó em direito tributário a utilização de inter­postas pessoas, o uso de nomes diferentes87 e de pessoas jurídicas.88

85. Deve-se notar que se entende no direito comparado que uma obrigação que aparente ser consti­tuída por uma falsa causa pode ser válida se tiver uma causa real e lícita; assim, uma causa simu­lada não pode ser alegada intra pars, mas tão somente por terceiros, visto que pode ser declarada cemo sendo, por exemplo, uma doação. Ver CRUZ, op. cit., p. 27.

86. Processo Administrativo Fiscal n. 10980.008618/96-73, 3" Câmara: "Penalidade - Multa Agra­vada - Aplica-se, no lançamento de ofício, a multa de 150% sobre a totalidade do imposto de renda e contribuições devidos nos casos de evidente intuito de fraude, enquadrando-se na tipi­ficação a ocorrência de simulação de participação societária a fim de ocultar do Fisco a verda­deira identidade do titular da empresa autuada e a apresentação de declaração de rendimentos sem movimento, mesmo e só após intimação fiscal, quando então já se apurava a efetiva movi­mentação de recursos no período objeto da mesma declaração, que deixa inconteste a prestação de falsa informação':

87. Veja-se o famoso caso Grendene. AC n. 115.478-RS, TFR, j. 18 de fevereiro de 1987, ReI. Min. Américo Luiz. "Legitimidade da autuação do Fisco, em face dos elementos constantes dos autos. Constituídas foram, no mesmo dia, de uma só vez, pelas mesmas pessoas físicas, todas sócias da autora,8 (oito) sociedades com o objetivo de explorar comercialmente, no atacado e no varejo, calçados e outros produtos manufaturados em plástico, no mercado interno e no internacional. Tais sociedades, em decorrência de suas características e pequeno porte, estavam enquadradas no regime tributário de apuração e resultados com base no lucro presumido, quando sua forne­cedora única, a autora, pagava o tributo de conformidade com o lucro real. Reconhece-se à re­corrente, apenas, o direito de compensação do IR paga pelas aludidas empresas. Reforma parcial da sentençà'.

88. Processo Administrativo Fiscal n. 10640.001885/98-97, Acórdão n. 102-44528, 2" Câmara. "Ementa: IRPF - Verbas Trabalhistas Indenizatórias - Não Incidência - Simulação Em Acor­do Trabalhista - Presunção - Ônus Da Prova - Art. 149, VII, do CTN - O inc. VII do art. 149

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1.2.9.2. Fraude à lei.

A fraude à lei está prevista no Novo Código Civil em seu art. 166, que determina:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [ ... ] VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

Partindo-se da teoria objetivista, deve-se ler "tiver por objetivo': como sendo "tiver causà', "fim negocial" e não apenas "tiver intenção ou vontade" (teoria subjetivista). A fraude à lei pode ser realizada pela organização dos negócios jurídicos e pode ser vista co~sagrada através dos seguintes atos: a) realização de negócios sucessivos lícitos; e b) resultado ilícito. Na fraude à lei realizam-se operações que individualmente analisadas são lícitas, mas que geram um resultado ilícito. Eles são consistentes como operações ne­gociais, mas incoerentes com o sistema jurídico.

As diferenças entre fraude à lei e simulação são sutis: a) a simulação prejudica alguém,89 a fraude à lei viola a própria

norma;90

do CTN somente autoriza o lançamento de ofício pelas autoridades administrativas quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em seu benefício, agiu com dolo, simulação ou fraude. Acordo trabalhista homologado pelo Judiciário somente p~de ser desconsiderado, para efeitos fiscais, quando as autoridades administrativas comprovem que houve dolo, fraude ou si­mulação. A simulação não se presllme, precisa ser, necessariamente, comprovada. O ônus da prova é das autoridades administrativas não podendo ser transferido para o contribuinte, por expressa disposição do art. 149 do CTN".

89. RMS 16050/PE. Relator Min. Aliomar Baleeiro. Julgamento: 22 de março de 1966. "Imposto so­bre a renda - dedução do prêmio de seguro de vida. Se total, a prêmio único, pago por emprés­timo da seguradora, resgatada apólice no ano seguinte, caracteriza-se a simulação fraudulenta contra o fisco - Interpretação econômica da lei fiscal. - Aplicação de teoria da simulação dos atos jurídicos". Dado que o fisco representa o interesse público e aplicação da norma tributária, o mais correto teria sido a denominação de fraude à lei.

90. Processo Administrativo Fiscal n. 13805.006029/98-12, Acórdão n. 101-93701, "Ementa: IRPJ - Ganhos de Capital - Simulação - Alienação de Participações Societárias - Caracteriza simu­lação a transferência pela controladora para a controlada, de ações da controlada, e desta para a verdadeira compradora, quando a aquisição de suas próprias ações pela controlada para per­manência em tesouraria não preenche os requisitos estabelecidos no art 30 e seus parágrafos da Lei das Sociedades Anõnimas. No caso dos autos, as ações da controlada foram alienadas pela controladora diretamente para a compradora, como consta de Acordo e ratificado em Protocolo firmado pelas partes e, também, em virtude de os pagamentos terem sido efetuados e contabi­Iizados pela compradora validando os ajustes firmados. IRPJ - Ganhos de capital - Permuta de ações entre a controlada e a aqllirente - Se a aquisição de suas próprias ações pela controlada de sua controladora caracteriza simulação, por descumprimento do art. 30 e seus parágrafos da Lei das Sociedades Anônimas, não cabe a imputação de omissão de ganhos de capital como sucessora tendo em vista que com a venda direta de ações da controladora para a adquirente, a

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b) a simulação possui falsa causa, a fraude à lei possui uma causa ilíci­ta. Assim, quando alguém, por exemplo, realiza interposição fictícia, mes­mo sabendo que o alienante não pode dispor do bem, então teremos fraude à lei e não simulação, dada a vedação do ordenamento.

A pergunta a se realizar em nosso caso é a seguinte: ocorre fraude à lei na operação em análise?

Para responder esse questionamento devemos verificar se o encadea­mento de atos tem a sua coerência (motivação) norteada por uma causa ilí­cita. Desse modo, deve-se analisar se o conjunto de operações visa realizar uma causa ilícita, qual seja, a compensação de créditos de terceiros. 1.2.9.3. Abuso de Direito.

O abuso de direit09! se caracteriza por um exercício inadmissível de

um direito,92 ou seja, pela sua realização desconforme aos limites impostos pelo Direito,93 quanto aos seus fins econômicos e sociais.9~ São exemplos de condutas abusivas em direito tributário: o treaty e o rule shopping em Direito Tributário Internacional. A aplicação da teoria do abuso de direi­to no direito tributário encontra como obstáculo importante o princípio

controladora deLxou de ser sucessora de sua controlada". Trata-se de um caso de fraude à lei e não de simulação, não exigência de demonstração de prejuízo de terceiro.

91. Cf. PISTONE, Pasquale. Abuso dei diritto ed elusione fiscale. Padova: 'Cedam, 1995. 92. Processo Administrativo Fiscal n. 10950.000482/95-10, Acórdão n. 108-05748, 8" Câmara.

"IRPJ, CSLL - Transferência de estoque de imóveis no intuito exclusivo e evitar a correção mo· netária de balanço - Evasão tributária com abuso de direito - É abusiva, e não produz efeitos perante o Fisco, a formalização de contrato particular, em 28 de dezembro, para transferência do estoque de imóveis à empresa ligada, com subseqüente rescisão do contrato no mês de janei­ro do ano seguinte, com o intuito exclusivo de afastar a correção monetária das demonstrações financeiras que incide sobre os custos dos imóveis do Ativo Circulante.

93. "De um modo ou de outro, para essa corrente de pensamento, a adoção de condutas atípicas com o objetivo exclusivo de economia tributária caracterizaria abuso de direito (uso indevido do direito de a!lto-organizaçno ) .. Isso seria causa de ineficácia da conduta elisiva, que deveria ser re­qualificada tal como se não houvessem corrido os atos praticados de modo abusivo" (grifo nos­so); ver PEREIRA, Cesar A. Guimarães. A Elisão Tributária e a Lei Complementar n. 104/2001. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 8, novembro, 2001. Disponível em: <http://www·.direitopublico.com.br>. Acesso em: 30 abro 2004, p. 06. A proibição de abuso deve ser analisada certamente em termos bastante restritivos, para que ao surja o seu contraponto, igualmente deplorável, de abuso de poder da administração fazendária em aumentar a arrecadação. Seus limites devem estar claramente expostos na lei e o procedi­mento de verificação amplamente fundamentado no devido processo legal, caso contrário o "álibi" do fará surgir absurdos já conhecidos. Devemos sempre atentar para a história de abusos do poder de tributar e a natureza peculiar de nosso estado democrático de direito ainda estar em consolidação e não estar afastada a possibilidade de abusos pelo poder.

94. 'J\.rt. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamen­te os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes':

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da legalidade. Somente a presença de norma clara (lei) sobre o assunto, a descrição de procedimento e objetivos definidos permitem pensar na sua utilização como medida absolutamente excepcionaP5 1.2.9.4. Abuso de formas.

O abuso de formas concretiza-se com a manipulação de uma forma jurídica, com o objetivo de se afastar a regra que normalmente seria aplica­da ao caso.96 São exemplos de abusos de forma em direito tributário:97

1.2.9.5. Dissimulação. A dissimulação (dissimulare ou dissimulatio) distingue-se da simula­

ção. Ambas possuem como sentido co.rpum o fato de serem representações falsas de vontade. Simular significa aparentar algo que não existe, enquan­to dissimular significa ocultar algo que existe.98 Na dissimulação existe um "disfarce" promovido por negócios jurídicos, ordenando a lei que estes se­jam "levantados" ou "desconsiderados" para que se verifique a real nature­za99 dos atos. IOO A dissimulação é considerada no direito civil francês como

95. No mesmo sentido veja-se César Pereira: "Nos países de sistema jurídico romano-germânico (portanto, fora do sistema anglo-saxão) em que o abuso de direito (ou melhor, abuso de formas jurídicas) é adotado como critério de delimitação da elisão tributária, há consagração legislativa expressa nesse sentido. Nesses casos, a teoria do abuso de direito pode informar a construção de uma norma legal positiva de desconsideração, em face do Fisco, de atos abusivos. Porém, a fonte da desconsideração é uma norma legal"; ver PEREIRA, op. cit., p. 08.

96. Um exemplo de abuso de formas citado por Ricardo Lobo Tôrres, sobre o abuso de formas, vem do direito alemão, no qual um contribuinte para pagar menos imposto, ao invés de vender o bem, preferiu realizar um contrato de locação, e ao final do mesmo existia a possibilidade de preferência na aquisição do bem. O valor pago a título de alugueres era praticamente o mesmo do preço de venda e o valor na compra irrisório. Nesse caso, o ato praticado era lícito, mas houve um desacordo entre o negócio e a intenção negociaI.

97. Processo Administrativo Fiscal n. 13921.000246/94-21, Acórdão n. 202-08354, "Ementa: IPI -Isenção para carro a álcool (táxi) - O descumprimento de preceito isentivo, durante o período determinado pela lei concessiva, enseja a perda do benefício fiscal e conseqüente exigência do imposto exonerado, acrescido dos consectários legais, calculados a partir do fato gerador (Lei n. 8.199/91 e IN/SRF n. 57/91). Contrato de arrendamento particular é vestimenta do guarda-roupa do Direito Civil e não pode ser argiiído em benefício do contribuinte, se o mesmo foi utilizado como abuso de forma para fruição indevida do tributo exonerado. Recurso negado':

98. Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reinterpretando a norma de antievasão do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 76, janeiro de 2002, p. 81-101.

99. Cf. \Vashington de Barros Monteiro: "[ ... ] em ambas, o agente quer o engano: na simulação quer enganar sobre a existência de uma situação não-verdadeira, na dissimulação, sobre a ine­xistência de uma situação real. Se a simulação é um fantasma, a dissimulação é uma máscara"; ver MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 209.

100. Cf GODOI, Marciano Seabra de. A figura da "fraude à lei tributárià' prevista no art. 116, pará­grafo único do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 68, maio de 2001, p. 101-203.

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urna espécie de simulação relativa; tal distinção não é encontrada no direi­to brasileiro. 1.2.9.6. Falta de propósito negociai.

A falta de propósito negociaI não possui uma tradição de uso na expe­riência continental do Direito Tributário, o que não impede que tenha sido cogitada a sua aplicação no direito brasileiro. A noção fundamental desse instituto está na realização de "testes" capazes de aferir a presença de uma conduta negociaI que possua um substrato econômico. 1.2.10. Condutas elisivas: negócio jurídico indireto e negócios fiduciários.

Diversos são os argumentos que defendem a legitimidade e licitude da elisão tributária, quais sejam: a) argumentos prudenciais; b) lógico-siste­máticos; e c) dogmáticos.

a) Dos argumentos prudenciais (axiológicos). A defesa da elisão é rea­lizada em termos políticos e morais. Politicamente ela tem sido justificada pelo fato de que o indivíduo deve possuir uma esfera autônoma de organi­zação de seus negócios. A elisão é, portanto, tanto uma conduta permitida quanto aconselhada para o contribuinte, visto que o poder de tributar deve ocorrer tão somente na exata medida da sua necessidade. Do ponto de vista da moral tributária, não existe nada que exija que alguém contribua além do que o necessário. IoI

b) Dos argumentos lógico-sistemáticos. São dois os argumentos geral­mente utilizados: a) ausência de lacunas no ordenamento;Io2 e b) sua re­lação a hipóteses de incidência "estruturais': O primeiro argumento parte do postulado de que inexistem lacunas no direito tributário, em face de sua natureza normativa, dado que não há a previsão impositiva, então não ocorrerá a sua incidência. O segundo argumento decorre da especial rela­ção do direito tributário como direito de superposição, em que seus concei­tos decorrem de outros ramos do sistema jurídica, como o direito privado. Os dois argumentos apresentam limites, como podemos notar, em face da

10 1. SDbre a moralidade das condutas elisivas veja- se MARTINS, Ives Gandra da Silva. O princípio da moralidade no Direito Tributário. Pesquisas Tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais,1998.

102. Cf. César Pereira: 'ill normas tributárias caracterizam-se por urna implicação intensiva entre hipótese e mandamento, de modo que um dever tributário surge se e somente se ocorrido de­terminado pressuposto de fato - o que significa dizer que, não ocorrido o dito fato, há absoluta segurança quanto à inexistência do dever tributário. Disso resulta que há um catálogo definido e fechado de deveres tributários com seus correspondentes pressupostos de fato. Não há la­cunas precisamente porque vige, no direito tributário, urna norma geral excludente [ ... ]': ver PEREIRA. Op. cit., p. 07.

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necessária distinção entre a elisão (uso negociaI) e a elusão (manipulação negociaI). Podemos acrescentar um terceiro argumento: da legitimidade do uso e vedação do abuso. Dado que é legítimo ao contribuinte organizar seus negócios em um sistema dinâmico, em uma sociedade complexa e sujeita a riscos, ele pode organizar seus negócios de modo que encontre a melhor solução aos seus interesses privados, mesmo que através de estru·· turas negociais complexas e menos onerosas em termos fiscais, desde que não se constitua em abuso. 103 A priori, a conduta negociaI elisiva é sempre lícita e presume-se legítima, salvo o c~so de abuso que irá configurar uma conduta elusiva.

c) Do argumento dogmático. Este afirma que não há legislação proibiti­va da elisão no direito brasileiro. Tampouco a Le n. 104/01 era antielisiva, mas antidissimulatória. 1.2.10.1. Negócio jurídico indireto.

O negócio jurídico indireto é aquele que utiliza uma sucessão de atos para alcançar um fim indireto. 104 Há o manejo de formas para que seja, ao final, alcançada a motivação negocial. Onde está o por quê do agir indi­reto? Está no fato de que muitas vezes a forma prevista no ordenamento não "veste" da melhor maneira a forma de circulação de riquezas. É dessa diferença de forma que se busca preservar l05 o conteúdo (causa) com o

103. Sobre o assunto, veja-se o seguinte exemplo de planejamento tributário: transformação de co­modato de bens do ativo imobilizado em locação, com conseqüente redução do ICMS a reco­lher e incidência do ISS com alíquota menor. Ver DIAS, Roberto Moreira; MIETTO, Rogado e MARCHESONI, Luís Fábio. Planejamento Fiscal. Revista Tributária e de Finanças Pública, n. 47, ano 10, nov.ldez., 2002, p. 181-194.

104. RE 98947/PR, j. 22 de junho de 1984, ReI. Min. Alfredo Buzaid, "Pacto Comissório (Código Civil art-765). Ação tendente a declarar-lhe a nulidade. Ação de reivindicação fundada no art. 524 do Código Civil. Ações reunidas e julgadas por sentença única, dada a conexão de causas. 2. Pacto Comissório e negocio jurídico indireto em sentido estrito, só se aplicando o art-765 do Código Civil aos casos que especifica. Esta regra legal não pode ser ampliada em sua e:.:tensão nem aplicada por analogia. [ .. .]': (grifo nosso).

105. Processo Administrativo Fiscal n. 11040.001473/96-07, Acórdão n. 103-21047, 3" Câmara, "Ementa: Incorporação Atípica - Negócio Jurídico Indireto - Simulação Relativa - A incorpo­ração de empresa superavitária por outra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, re­presentando um negócio jurídico indireto, na medida em que, subjacente a uma realidade ju­rídica, há uma realidade econômica não revelada. [ ... ] O atendimento a todas as solicitações do Fisco e observância da legislação societária, com a diyulgação e registro nos órgãos públicos competentes, inclusive com o cumprimento das formalidades devidas junto à Receita Federal, ensejam a intenção de obter economia de impostos, por meios supostamente elisivos, mas não evidenciam má-fé, inerente à prática de atos fraudulentos".

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manejo que permita aos poucos se aproximar de um fim (causa) lícito l06 e existente. 107

Os negócios jurídicos indiretos foram pensados inicialmente por Tú­lio Ascarelli em 1931 para denominar as operações nas quais os agentes, desejando realizar um negócio, procuram dentre os contratos existentes aquele que lhes ofereça a maior segurança; não o encontrando, recorrem a operações diversas, utilizando um negócio típico para alcançar os efeitos diversos daqueles que lhes são usuais. lOS

1.2.10.2. Negócio fiduciário. Os negócios fiduciários são outra modalidade de negócios surgidos da

inadequação entre a estrutura negociaI prevista no ordenamento (forma e tipo) com a finalidade econômica pretendida pelos agentes econômicos. Essa noção tem origem nos trabalhos de juristas alemães e italianos e toma por base a fiducia cum creditare do direito romano. 109

Regelsberger, em 1880, definiu o negócio fiduciário como "um negócio seriamente desejado, cuja característica consiste na incongruência ou hete­rogeneidade entre o escopo visado pelas partes e o meio jurídico empregado para atingi-Io"Yo Outro exemplo bastante citado na doutrina de negócios fiduciários é o trust. lll

106. Processo n. 11040.001472/96-36, Acórdão n. 103-21046,3' Câmara. "Ementa: Incorporação Atí­

pica - Negócio Jurídico Indireto - Simulação Relativa - A incorporação de empresa superavitária por olltra deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando um negócio jurídico in­direto, na medida em que, subjacente a lima realidade jurídica, há lima realidade econômica não revelada. Para que os atos jurídicos produzam efeitos elisivos, além da anterioridade à ocorrência do fato gerador, necessário se faz que revistam forma lícita, aí não compreendida hipótese de simulação relativa, configurada em face dos dados e fatos que instruíram o processo".

107. "IRPJ - Simulaçt'io /la Incorporação - Para que se possa materializar é indispensável que o ato praticado não pudesse ser realizado, fosse por vedação legal ou por qualquer outra razão. se não existia impedimento para a realização da incorporação tal como realizada e o ato praticado não é de natureza diversa daquela que de fato aparenta, isto é, se de fato e de direito não ocorreu ato diverso da incorporação, não há como qualificar-se a operação de simulada. Os objetivos visados com a prática do ato não interferem na qualificação do ato praticado. Portanto, se o ato praticado era lícito, as eventuais conseqüências contrárias ao fisco devem ser qualificadas como casos de elisão fiscal e não de evasão ilícita:' (Ac. CSRF/01-0l.874/94).

108. Sobre o contrato de hedgi/lg e os negócios jurídicos indiretos veja-se PERIN JÚNIOR, Ecio. O hedgi/lge o contrato de hedge. Disponível em: <http://wW"w1.jus.com.br/doutrina/te..xto.asp?id:635>. Acesso em 01 mai. 2004. Outro exemplo de negócio jurídico indireto é dado pelo leasing, no qual as partes estipulam a proteção ao arrendador, quanto ao domínio, sendo que o objetivo da operação é financiar o arrendatário a aquisição do bem e, ao final, permitir a opção de compra.

109. Cf. CHALHUB, Melhin Namem. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. 110. Cf. Regelsberger apud CHALHUB. Op. cit., p. 4l. 111. Ver CASTRO, Alexandre Barros de. Trust e Off-shore: elisão ou evasão fiscal? Revista Tributária

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ii) Alcance ("[ ... ] atos ou negócios jurídicos praticados com a finalida­de de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária [ .. .]").

Com base nos elementos acima mencionados, torna-se claro que o alcance da norma em questão se dirige à evasão e, mais propriamente, ao caso de elusão decorrente de simulação ou dissimulação. Não se traduz essa norma como sendo uma norma antielisiva, tampouco uma cláusula geral antiabuso de formas ou de direito.

iii) Procedimento ("A autoridade administrativa [ ... ) poderá desconside­rar [ ... ], observados os procedimentos a' serem estabelecidos em lei ordiná­ria").

Cabe notar que somente a autoridade administrativa poderá desconsi­derar, não podendo o judiciário assim o realizar sem iniciativa do Fisco. 112

A desconsideração deve ser entendida como uma requalificação dos fatos jurídicos, fazendo coincidir com a realidade negocial. l13 Não existe autori­zação à interpretação extensiva ou por analogia. IH

e de Finanças Públicas. Ano 8, n. 30, jan.lfev., 2000, p. 110-118. O trust é uma forma de negócio jurídico fiduciário que tem origem no direito anglo-saxão. Nele um outorgante ou instituidor (grants ou settlor) transfere em favor de um terceiro independente Vrustee ou gestor benefici­ário) a propriedade, total ou parcialmente, que irá administrá-lo em nome dos beneficiários e conforme as instruções desses. Um exemplo importante está na origem dos Fundos Imobiliá­rios, criados a partir da experiência dos Investment Trust, de origem britânica e norte-america­na.

1120 Processo Administrativo Fiscal n .. 10665.000454/94-65, Acórdão n. 202-08869, 2a Câmara. "(Ementa: IPI - I) Simulação do Ato Jurídico - Mediante a emissão de notas fiscais que não cor­respondem à saída efetiva de mercadorias para a prova da simulação, é certo, bastam presun­ções e indícios o Tais presunções e indícios devem, entretanto, ser graves e precisos, sem o que não poderão fundamentar seu convencimento. Só, pois, os indícios e circunstâncias convergen­tes e veementes têm valor de prova a autorizar o reconhecimento de que se trata de operação simulada. [ ... ]".

113. Como corretamente observa Ricardo lobo Tôrres, trata-se de um caso de qualificação e não de interpretação. Este é um procedimento de aplicação (concreção) de norma concreta e não de verificação de sentido de norma abstrata. Ver TÔRRES, Ricardo. Op. cit, p. 114.

114. Cf XAVIER, Alberto. A norma geral antielisão da MedProv 66/2002 e a tributação por analo­gia. Revista Tributária e de Finanças Públicas. no 47, ano 10, nov.ldez., 2002, p. 39-42. Admite a analogia ou "contra-analogia': contudo, TÔRRES, Ricardo. Op. cit., p. 120-121. Segundo o autor trata-se de um expediente necessário ao combate à elusão. A analogia é um dos meios de integração das normas tributárias previstas no CTN: "Art. 108. Na ausência de disposição ex­pressa, a atltoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia;". Seu uso, contudo, deve bastante ponderado, dado que confor­me o art. 108, § 10 do CTN "O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei". O respeito à legalidade e à pí:evisibilidade ainda são nortes do sistema tri­butário nacional. Deste modo, o uso da analogia deve ocorrer sob estritos fundamentos, sendo

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A norma da LC n. 104/01 não é de aplicação imediata, mas está na dependência de normas federais, estaduais e municipais que disponham sobre o assunto. 115 Torna-se absolutamente necessário o respeito ao devido processo administrativo fiscal, assentado em princípios democráticos.1l6

iv) Vigência. Este dispositivo encontra-se em vigor desde a sua publi­cação em 11 de janeiro de 2001.

v) Sistemática: da constitucionalidade da alteração. Alguns autores questionaram veementemente a alteração realizada pela LC n. 104/01, dado que consideravam existir uma verdadeira afronta aos princípios constitu­cionais da segurança jurídica e da leg·alidade. 117 Entende-se que tais altera­ções não inovaram a ordem jurídica, que já trazia dispositivos a respeito da simulação e dos atos de fraude à lei e, portanto, não há nenhuma ofensa à Constituição. Diferente seria se houvesse norma proibindo a elisão tribu­tária e não a elusão.

Art. 117. Para os efeitos do inc. II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados:

Esse dispositivo complementa o sentido do art. 116, II, tratando de duas ordens de negócios jurídicos, sujeitos à condição suspensiva ou reso­lutiva.

necessária a existência clara de procedimentos de combate à elusão, com o respeito à legalidade e segurança jurídica. Utiliza o autor ainda a noção de "redução teleológica" ("teleologische Re­duktion") que ocorre nos casos de lacuna encoberta (verdecte Liicke). Assim "a interpretação conforme a Constituição ("vcrfaSS!mgskol1forme Auslegung"), hoje tão empregada pelo Supre­mo Tribunal Federal, emprega a redução teleológica, eis que, sem reduzir o texto legal, limita os sentidos possíveis da norma ao que for mais adequado à sua finalidade"; ver TÔRRES, Ricar­do. Op. cit., p. 121. O caminho da prudência deve ser o do meio, nem a proibição absoluta da desconsideração dos atos, nem a autorização sem limites ao administrador. Deve preponderar o respeito à legalidade e somente em casos extremados de abuso que tais recursos devem ser autorizados.

115. Questões em aberto incluem a incidência de multa e penalidades e da aplicação da denúncia espontânea aos casos de elusão e evasão. Ver ZANON, André Santos. A evasão tributária e a denúncia espontânea no direito tributário brasileiro (com as alterações introduzidas pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 10, n. 45, julJago., 2002, p. 65-129.

116. Cf. MARINS, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: SP, 2002. 117, Veja-se, nesse sentido, XAVIER, Alberto. A norma geral antielísão da IvledProv n. 66/2002 e a

tributação por analogia. Revista Tributária e de Finanças Públicas. n. 47, ano 10, nov./dez., 2002.

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i) Das condições em Direito Civil. As condições são cláusulas contra­tuais voluntárias, que subordinam o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto (art. 121 do CCB). Devendo estar conforme a lei, a ordem pública ou os bons costumes e não privarem de todo efeito o negócio jurí­dico ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Serão inválidos os negócios jurídicos subordinados a condições física ou juridicamente im­possíveis, quando suspensivas; as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita e as condições incompreensíveis ou contraditórias.

I - sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento;

A redação do presente dispositivo está em conformidade com o art. 125 do Código Civil, que determina que: '~rt. 125. Subordinando-se a efi­cácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não veri­ficar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa': Dessa forma, enquanto não adquirido o direito não há como ocorrer o fato gerador. 1l8

Assim, por exemplo, em uma contratação a depender da ocorrência de evento futuro e incerto, por exemplo, a condição de· determinado preço no mercado futuro somente irá ocorrer o fato gerador no implemento da

118. AMS - Apelação em Mandado de Segurança - 72876, TRF 4" Região. "Tributário. Imposto de renda de pessoa jurídica. Bonificações. Pagamentos sob condição suspensiva. Dedução de despesas de correção monetária. Se a apropriação de recursos pela empresa depende de implemento de fato futuro e incerto - em caso de adiantamento de bonificação ajustado sob condição suspen­siva - fica afastada a disponibilidade econômica ou jurídica dos valores necessária à configura­ção do fato gerador do imposto de renda, na forma prevista no art. 43 do CTN. O oferecimento dos valores à tributação somente é exigível a contar do implemento da condição, quando se tornar certo e definitivo o pagamento. Enquanto isso não ocorrer, estando pendente a condição suspensiva, o ingresso da receita decorrente do recebimento condicional da bonificação pode ser neutralizado pelo cômputo de igual valor a título de obrigação. Mas isso não autoriza o con­tribuinte a considerar como despesa dedutível a provisão para correção monetária da futura e incerta obrigação de devolver a bonificação, porquanto a medida implica em reduzir indevida­mente o lucro tributável, em desacordo com a legislação tributária. Apelação desprovidà'.

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condiçãoY9 Tal dispositivo está em consonância com o art. 105 do CTN, que dispõe sobre "fato gerador pendente".!20

II - sendo resolutória a condição, desde o momento da práti­ca do ato ou da celebração do negócio.

As condições resolutivas são aquelas que: "Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, po­dendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido". Assim, correto o dispositivo do CTN, ocorrida a celebração do negócio irá incidir o fato gerador, mesmo que depois esse seja desfeito. Assim, ocorri­do o negócio .irá incidir o ITBI, por exemplo, mesmo que depois tal situa­ção seja desfeita, mas os efeitos do fato permanecem.!2!

Deve atentar, também, para o disposto no art. 129 do CTN, que pre­ceitua:

Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condi­ção cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao'contrário, nã,o verificada a condi­ção maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. !22

119. Processo Administrativo Fiscal n. 13857.000403/94-74, 1" Câmara, "IRPJ .. Postergação de pa­gamento de imposto - Aplicações Financeiras - Quando os rendimentos de aplicações financei­ras em CDB - Certificado de Depósito Bancário e RDB - Recibo de Depósito Bancário só po­dem ser creditados na data do vencimento constitui condição suspensiva. Inexistindo qualquer rendimento na hipótese de resgate antecipado, justifica-se a apropriação das receitas financeiras no momento do resgate, em face de condição suspensiva contida na aplicação financeira (Arts. 116 e 117 do CTN)':

120. Correta a crítica de Sacha Calmon, não é o fato gerador que é "pendente", mas o negócio jurí­dico que depende do implemento de condição. O fato gerador é instantâneo, ocorrida perfec­tibilização do negócio este incide. Ver COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 370.

121. Verificada a condição resolve-se o negócio, se afastando todos os seus impedimentos. ·~rt. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa·-fé".

122. AC - Apelação Cível- 462397, TRF 4a Região. "Tributário. IPI. Descontos incondicionais. Ex­clusão da base de cálculo. Lei ordinária em conflito com lei complementar. Inteligência do art 47 do CTN. Lei n. 7.798/89, Art. 15. Honorários Advocatícios. 1. A base de cálculo do IPI. se­gundo o art. 47 do CTN, deve expressar o real conteúdo da operação da qual decorre a saída do

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Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abs­traindo-se:

A interpretação desse dispositivo tem sido divergente pela doutrina. Para alguns autores se trata de utilização da teoria da interpretação econô­mica do Direito Tributário,123 para outros se trata de norma incongruente com o sistema de interpretação estabelecido no CTN, estando em flagrante contradição com o disposto no art. 116 do CTN.124

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pe­los contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; I1 - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Esse dispositivo tem sido utilizado, contudo, para verificar a ocorrên­cia de situações atípicas,125 abusivas 126 ou ilícitas. 12í A leitura desse preceito

produto do estabelecimento do contribuinte. Se as partes convencionarem a concessão de um desconto no momento em que realizam o negócio, independentemente da ocorrência de um evento futuro e incerto, o quantum que efetivamente traduz o valor da operação é o resultante do preço da tabela menos o desconto. Os descontos incondicionáis, portanto, não integram a base de cálculo do IPI".

123. Cf. COÊLHO, op. cit., p.373. 124. Cf. CARVALHO. Curso de direito tributário. Op. cit., p. 276. Segundo o autor: "as ordens pres­

critas não se coadunam. Uma exclui a outra, em dimensões de contraditoriedade absoluta". 125. Processo Administrativo Fiscal n. 10845.002829/94-59, 3" Câmara: "Pala gerador. Interpreta­

ção. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos (art. 118 do CTN). Permuta de imóveis. Conceito. Considera-se permuta toda e qualquer operação que tenha por objeto a troca de uma ou mais unidades imobiliárias por outra ou outras unidades, ainda que ocorra, por parte de um dos contratantes, o pagamento de torna (IN SRF n. 107/88). Permuta de imóveis com rece­bimento de torna. Caracterização. Para que fique caracterizado um contrato de permuta com recebimento de torna, em vez de compra e venda, faz-se necessário que a coisa seja o objeto predominante do contrato e não o montante em dinheiro. Permuta de imóveis com recebimento de torna. Contabilização. Na permuta de imóveis com recebimento de torna, as unidades imo­biliárias recebidas serão registradas no ativo da pessoa jurídica enquanto a torna será computa­da em conta de receita. Processo administrativo tributário. Ônus da prova. Compete ao Fisco, como regra geral, comprovar a ocorrência do fato gerador tributário. Publicado no DOU de 02 de março de 2004".

126. Processo Administrativo Fiscal n. 13603.000601/90-96,3" Câmara: "Sll~faturamel1to - Art. 526, IH, do Regulamento Aduaneiro. A definição de fato gerador é interpretada abstraindo-se dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos (CTN, art. 118, lI)".

127. Processo Administrativo Fiscal n. 10980.008618/96-73, 5' Câmara: "IRPJ - lucro presumido

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pode, nesse sentido, ser realizada de modo sistemático com o art. 116 e especialmente com o seu parágrafo único, desde que respeitados os requi­sitos do sistema de respeito à legalidade, segurança jurídica, legitimidade e licitude da elisão tributárias, entre outras.

- omissão de receitas - compras - recursos de origem não comprovada - A exatidão dos dados que informam as declarações de rendimentos pelo lucro presumido está sujeita à verificação, ficando o contribuinte obrigado a manter à disposição do Fisco todos os livros de escrituração fiscal exigidos pela atividade exercida e demais papéis e documentos que serviram para apurar os valores declarados. Verificado, com base em sua declaração e demais elementos disponíveis, que promoveu a saída de recursos, compra de bens, sem a comprovação de sua origem, o valor assim determinado ficará sujeito à tributação como originário de receita omitida, mormente quando a declaração sem movimento apresentada em procedimento de ofício não indica qual­quer operação de compra ou de venda e não revela saldos de caixa e de bancos, de direitos e obrigações no início e no final do período-base objeto da mesma declaração. Normas Gerais de Direito Tributário - Bi-Tributação - Inocorrência - A definição legal do fato gerador independe, para sua interpretação, tanto da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos con­tribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos, e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. (Art. 118 do CTN)".