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Triunfo defende seu patrimônio histórico Cidade se consolida como exemplo de preservação arquitetônica Arthur Dias & Thiago Tieze Reportagem realizada em maio de 2009 Simone Carvalho e quatro alunos ensaiam passos de dança no palco do Teatro União, o segundo mais antigo do Rio Grande do Sul, fundado em 1848 pelo guerrilheiro da Revolução Farroupilha e deputado Luiz José Ribeiro Barreto e situado na entrada do centro histórico de Triunfo. É tarde de sábado, faz calor e, por isso, os três bares da cidade encontram-se lotados. Mas para a professora e seus alunos, nada substitui o prazer de executar seus movimentos em um local tão histórico, no qual, uma semana depois, o seu grupo de danças, pertencente à Fundação Cultural Qorpo Santo, estará se apresentando. “Para mim é uma honra muito grande estar no palco deste teatro e assim poder trazer alguma contribuição cultural a cidade de Triunfo”. O Teatro união, assim como inúmeros outros prédios antigos de Triunfo, poderia não presenciar fatos como esse, não fosse a luta de alguns poucos habitantes do município pela preservação de seu patrimônio histórico. Antes e depois do Pólo Petroquímico O Teatro União foi fundado apenas 15 anos depois do primeiro teatro do Rio Grande do Sul, o Theatro Sete de Abril, em Pelotas. Mas, como todos os outros prédios antigos de Triunfo, padeceu com o descaso dos habitantes da cidade ao longo do século XX. Em 2004, com o apoio da Petroflex, empresa produtora de borracha sintética com indústria no Pólo Petroquímico, comprada pela Lanxess, companhia alemã do grupo Bayer, em 2008, o teatro foi restaurado e reabriu suas

Triunfo defende seu patrimônio histórico

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Triunfo defende seu patrimônio histórico

Cidade se consolida como exemplo de preservação arquitetônica

Arthur Dias & Thiago Tieze

Reportagem realizada em maio de 2009

Simone Carvalho e quatro alunos ensaiam passos de dança no palco do Teatro União, o segundo mais antigo do Rio Grande do Sul, fundado em 1848 pelo guerrilheiro da Revolução Farroupilha e deputado Luiz José Ribeiro Barreto e situado na entrada do centro histórico de Triunfo. É tarde de sábado, faz calor e, por isso, os três bares da cidade encontram-se lotados. Mas para a professora e seus alunos, nada substitui o prazer de executar seus movimentos em um local tão histórico, no qual, uma semana depois, o seu grupo de danças, pertencente à Fundação Cultural Qorpo Santo, estará se apresentando. “Para mim é uma honra muito grande estar no palco deste teatro e assim poder trazer alguma contribuição cultural a cidade de Triunfo”. O Teatro união, assim como inúmeros outros prédios antigos de Triunfo, poderia não presenciar fatos como esse, não fosse a luta de alguns poucos habitantes do município pela preservação de seu patrimônio histórico.

Antes e depois do Pólo Petroquímico

O Teatro União foi fundado apenas 15 anos depois do primeiro teatro do Rio Grande do Sul, o Theatro Sete de Abril, em Pelotas. Mas, como todos os outros prédios antigos de Triunfo, padeceu com o descaso dos habitantes da cidade ao longo do século XX. Em 2004, com o apoio da Petroflex, empresa produtora de borracha sintética com indústria no Pólo Petroquímico, comprada pela Lanxess, companhia alemã do grupo Bayer, em 2008, o teatro foi restaurado e reabriu suas

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portas para a comunidade. A história de preservação dos prédios históricos de Triunfo está intrinsecamente ligada à instalação do Pólo Petroquímico na cidade, ocorrida no final dos anos 70.

Triunfo se preparou para a chegada do Pólo Petroquímico. As lideranças da cidade lançaram, em 1977, o projeto CURA – Complementação Urbana e Recuperação Acelerada. Para o historiador Carlos Eduardo Kern, popularmente conhecido na cidade como Jacó, aquele foi o momento em que a restauração e a preservação dos prédios históricos do município entraram na pauta de prioridades de Triunfo. “O projeto visava coisas mais simples, como fazer calçadas em todas as ruas e levar água a todas as casas, mas aos poucos ficou claro que nós precisávamos também restaurar nossas edificações mais antigas, até mesmo para explorar o enorme potencial turístico da cidade em que nasceu e cresceu o general Bento Gonçalves e que foi palco de batalhas da Revolução Farroupilha”. No início, a população mais idosa ofereceu resistência à idéia de restaurar prédios antigos, pois entendia como necessário erguer novos prédios, suntuosos e elegantes, que condissessem com a nova realidade do município, de muita pujança econômica. “De fato o maior problema no início do Pólo Petroquímico e a consequente chegada de muito dinheiro foram os habitantes mais antigos, que queriam prédios de mármore, com fachadas grandiosas, numa completa ignorância com relação ao estilo arquitetônico da cidade”, observa Jacó.

O processo de conscientização dos jovens

Uma vez que os moradores de mais idade opunham resistência à recuperação arquitetônica do município, historiadores como Jacó e professores como Eva dos Reis Wolkweis adotaram uma tática diferente. As constantes visitas de universitários, principalmente dos cursos de história e arquitetura, fortaleceram o discurso daqueles que, tentando ao menos evitar a derrubada dos prédios históricos, tratavam de conscientizar as crianças nas escolas. Assim, elas

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aprendiam a importância de se conservar a história de seu povo, sua raiz. “Foi preciso formar, durante mais de uma década, uma nova geração já consciente do valor histórico dos prédios antigos. Porque quando eu, meu pai e mais alguns começaram com essa história de conservação, fomos taxados de loucos, de pessoas que “preferiam casas velhas de duzentos anos a prédios de mármore”. A verdade é que a restauração do centro histórico de Triunfo vem sendo feita contra a vontade dos mais velhos, embora haja menos resistência agora, porque já é possível perceber as benesses de nossa luta, entre as quais uma média de 20 mil visitantes por ano”, diz Jacó.

Os jovens de Triunfo são instruídos sobre a história do município em todos os anos letivos, através de palestras e cursos. Possuem, desta forma, conhecimento suficiente para apontar a turistas e visitantes todas as atrações turísticas da cidade, contar a história e a cultura de Triunfo. “Já há muitos jovens, inclusive, que preferem trabalhar na Secretaria de Cultura do município ganhando 500 reais do que ir para o Pólo ganhar 1350, porque sentem prazer em ajudar na preservação de todo o patrimônio cultural da cidade”, exulta Jacó.

O papel da Secretaria de Cultura

Também à consciência das últimas administrações municipais deve-se boa parte da preservação da arquitetura de Triunfo, como atesta Reinaldo Luiz Corcione, secretário em exercício de Turismo e Cultura. Substituindo temporariamente Silvia Helena Roth Volkweis, afastada por problemas de saúde, Reinaldo explicou a política de preservação arquitetônica do município. “A Prefeitura compra os prédios antigos, restaura e instala secretarias neles. Assim podemos dar utilidade e conservar todas as edificações”. Já fazem parte desta leva de restauração o prédio que pertenceu a Antônio Ferreira Canabarro, agora ocupado pela Secretaria do Trabalho, Habitação e Assistência Social; o prédio que pertenceu a Antônio da Cunha Pacheco e que hospedou o Imperador Dom

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Pedro II e a Princesa Isabel, transformado em Prefeitura Municipal; o sobrado em que nasceu Jacinto Guedes da Luz (comandante farroupilha), agora Secretaria de Turismo e Cultura; o Solar da Família Barreto, onde hoje funciona a Secretaria de Educação; e o antigo Paço Municipal (ou Câmara Antiga), hoje abrigando a Secretaria da Industria e Comércio.

Nem todos os proprietários de prédios antigos aceitam vendê-los. Um exemplo disso é a casa em que nasceu e cresceu José Joaquim de Campos Leão, mais conhecido como Qorpo Santo, dramaturgo criador do Teatro do Absurdo. A Casa encontra-se deteriorada, sem telhado e sem chão, mas seu proprietário, ainda assim, nega-se a vendê-la. “São situações com as quais nós temos de lidar, sempre respeitando a posição dos proprietários. Ainda assim, temos a opção de desapropriar, mas procuramos não fazer isto, por uma questão de respeito com os donos”.

Impedimentos burocráticos

Embora muitos prédios de Triunfo já tenham sido restaurados, a maioria espera sua vez. A administração municipal já conseguiu restaurar cerca de 20 dos 40 prédios considerados históricos. A única construção tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é o Museu Farroupilha, que foi a casa onde nasceu, em 23 de setembro de 1788, o mais ilustre filho da cidade, o General Bento Gonçalves. A burocracia da entidade impede que pequenos reparos sejam feitos no interior do casario, dessa forma, infiltrações e rachaduras tem preocupado a administração municipal. O tombamento de qualquer construção exige uma papelada enorme, que pode demorar o suficiente para desaparecer uma edificação com mais de 200 anos. Como a Capela do Império do Divino Espírito Santo, uma das três que teimam em existir no estado. Mas a população discorda.

O pedreiro Darci Bomzanini foi encontrado em um dos prédios tombados do município, chamado de Império

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do Divino, realizando obras de restauração. A princípio reticente, explicou porque estava trabalhando com a porta fechada, meio escondido. “Semana passada saiu uma matéria num jornal daqui, de que o Império seria novamente utilizado, e as autoridades já começaram a incomodar. Tombar prédios é muito bom, preserva o patrimônio e tudo mais, mas ao mesmo tempo acontece de você não poder trocar um piso podre ou consertar o reboco de uma parede sem autorização. O Império estava caindo aos pedaços e nós estamos tentando ao menos fazer com que ele volte a ser útil para a comunidade, como era antigamente, quando festas eram realizadas aqui”. Essa construção data de meados do século XVIII, seguindo a tradição açoriana, e foi construída como uma espécie de salão paroquial da Igreja Matriz de Triunfo. Nos últimos 20 anos, por falta de autorizações, o edifício foi ruindo, e hoje só sobraram a fachada e uma parede lateral. O resto, ruiu com o tempo.

A burocracia do IPHAN incomoda Bomzanini, que não vê a necessidade de tantos papéis e autorizações na hora de restaurar uma obra. “Eu não estou falando de modificar fachadas ou mesmo fazer o prédio perder seu estilo arquitetônico, mas o IPHAN complica tanto que muitos dos proprietários dos prédios antigos de Triunfo simplesmente desistem das reformas e deixam as edificações caírem, porque se cansam de lidar com tanta burocracia”.

A Secretaria de Turismo vem tentando fazer com que a Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de Triunfo, fundada em 1754, também seja reconhecida como patrimônio histórico, mas sabe que terá de esperar mais um pouco. Há dois anos a prefeitura entrou com o processo para o reconhecimento pelo IPHAN, agora a administração procura parceiros, para implementar “parcerias público-privadas” a fim de manter seus prédios em pé.

O descaso e a burocracia podem, sem dúvida, facilitar o esquecimento daquilo que somos enquanto povo, tradição e cultura. Enfraquecer nossas raízes, apagar

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de nossas retinas e mentes os laços com o passado, sem dúvida, seria uma tarefa bem mais fácil, caso não fossem fortes o bastante aqueles que se preocupam com o futuro.

FONTE:

http://www6.ufrgs.br/ensinodareportagem/cidades/triunfo.html