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Mesa coordenada. GEHLAL/ JOINPP 2019 “Civilização ou barbárie: o futuro da
humanidade.
Título da Mesa: A CRISE CAPITALISTA, O AVANÇO DA DIREITA NO CONTINENTE
LATINO-AMERICANO, E OS DESAFIOS PARA A RESISTÊNCIA.
Neste ano comemora-se os cem anos de morte da Rosa Luxemburgo, cuja indagação
“Reforma ou Revolução?” tem muita pertinência nos dias de hoje. Depois de um ciclo de
governos “progressistas” na região, presenciamos o retorno e uma reorganização da
extrema-direita no continente que coloca em risco direitos conquistados. O caso brasileiro,
cujo golpe de 2016 conseguiu emplacar um candidato de extrema direita nas eleições de
2018, é um exemplo. Com a eleição de Jair Bolsonaro desencadeia se uma grande ofensiva
contra o pensamento crítico em todas as suas manifestações (nas escolas, nas
universidades). Com o pretexto de acabar com a “doutrinação marxista-gramscista” se
inculca uma volta às trevas onde pondera o obscurantismo: a terra é plana (anti-ciência), um
fundamentalismo religioso cuja pretensão é a formação homogênea de uma geração apática
e submissa. Esse movimento dá espaço para que cresçam na sociedade brasileira as bases
para um “fascismo tupiniquim”. Ou seja, tem todas as características do fascismo adequado
a realidade brasileira. Isso nos leva a pensar que as “reformas” superficiais dos governos
progressistas não permitiram uma maior conscientização das massas e nos coloca a
questao de quais os desafios hoje, (pois ao mesmo tempo, vemos um outro projeto de
democracia e sociedade que se apresenta no bem viver boliviano, na escolha horizontal da
Frente Ampla uruguaia, a resistência popular nicaraguense e venezuelana contra as
tentativas de desestabilização de seus governos, o levante dos trabalhadores e povo
haitiano, a vitória de Obrador no México . Todos a seu modo afirmam a vitalidade da
democracia popular, da civilização de direitos e valores democráticos que valorizam a
diversidade e o pluralismo nas sociedades contemporâneas e que estão sobre ameaça no
continente latino-americano.
Nomes:
Joana Coutinho (Coordenadora)
Alba Carvalho (Universidade Federal do Ceará)
Lucio Oliver – Universidad Nacional Autonoma de México - UNAM
Guillermo Johnson- UFMA
John Kennedy Ferreira- UFMA
TITULO: A educação como mercadoria: formar para a subserviência.
Joana A. Coutinho1
RESUMO: Este texto analisa o processo de mercantilização da educação sob a égide do neoliberalismo. Busca compreender o desmonte da educação pública numa investida do imperialismo.
Palavras-chave:. educação, capitalismo, imperialismo
ABSTRACT.This paper examines the process of mercantilization of education under the aegis of neoliberalism. It seeks to understand the dismount of public education in an onset of imperialism.
Keywords: capitalism; education; imperialism
Considerando que o que o governo nos promete sempre
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para podermos levar uma vida melhor.
Considerando: vocês escutam os canhões
Outra linguagem não consegue compreender -
Deveremos então, sim, isso valerá a pena
Apontar os canhões contra os senhores!
(Bretold Brecht)
1 INTRODUÇÃO
O Banco Mundial coloca a educação como um dos pilares para a concessão de
empréstimos e a sua ausência é apresentado como um obstáculo para o crescimento e
desenvolvimento. Mas convém nos indagar de que educação fala o Banco Mundial. Se de
um lado, o número de matrículas no ensino fundamental e médio seja colocada como
contrapartida, o critério muda completamente quando se trata da Universidade Pública
gratuita. Para o banco, os “gastos com o ensino superior beneficiam apenas poucos
privilegiados”. Segundo Noam Chomsky e Heinz Dietrich (1999) o Banco Mundial não tem
nenhum interesse real numa educação básica de nove anos para 200 milhões de jovens
1 Pós-Doutorado na Universidad Nacional Autonoma de México- UNAM. Professora na Universidade Federal do
Maranhão e Coordenadora do Observatório de Políticas Públicas e Lutas Sociais -OPPLS- e do Grupo de Estudos de Hegemonia e Lutas na América Latina – GEHLAL
latino americanos; estes ao saírem da escola ingressam no setor de empregos precários ou
no exército de desempregados. A educação é necessária, apenas, para uma minoria: cerca
de 30 a 40% da população economicamente ativa. O problema do banco consiste em
“pensar instrumentos que permitam institucionalizar este tipo de “capital humano”
indispensável para as necessidades laborais do capital global, e que afetem o menos
possível seus lucros. Ou seja, conseguindo alto coeficiente de custo benefício” (Chomsky e
Dietrich, 1999, p.12). Segundo dados do IBGE, o número médio de anos de estudos no
Brasil é de apenas 7,7 de anos de estudos.
Os problemas educacionais em Nuestra America são realmente alarmantes. Em
reunião do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe da ONU deixa claro
esse panorama. Segundo a Comissão Internacional da Educação, toda educação deve
Basear-se em quatro pilares fundamentais “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a ser” e “aprender a conviver”. A estes quatro preceitos gostaria de acrescentar um quinto pilar: “aprender a empreender”. Porque o mundo do futuro exigirá cada vez mais dos graduados universitários a capacidade de gerar empregos e riqueza, retribuindo, assim à sociedade que lhes proporcionou educação e lhes permitiu acesso aos postos que ocupam. Porque como gostaria de repetir, o risco sem conhecimento é perigoso, mas o conhecimento sem risco é inútil (Santiago, 1998). longa citação longaCitação longa citação longaCitação longa citação longa Citação longa citação longaCitação longa citação longaCitação longa citação longaCitação longa citação longaCitação longa citação longaCitação longa citação longa (AUTOR, 9999, p. 22).
Segundo Chomsky e Dietrich os altos funcionários
Chegaram à conclusão de que os problemas educacionais na Nossa América se deviam ao esgotamento das possibilidades dos métodos tradicionais de ensino. No seu novo modelo de desenvolvimento educativo, exigem uma transformação profunda na gestão educativa tradicional, que permita articular efetivamente a educação com as demandas econômicas, sociais, políticas e culturais (CHOMSKY e DIETRICH, ).1999,p.124),
.
Neste caso, coincidem os objetivos dos educadores e as demandas empresariais. Sem
contar que a evasão ocorre numa proporção maior nas camadas populares, cuja educação
não rende benefícios somente custos para os “amos da sociedade global”. A escola
transformou-se num lugar pouco prazeroso, a começar pela deficiência curricular que não
utiliza, via de regra, o conhecimento dos alunos sobre quaisquer temas: não compartilha as
reflexões pertinentes com a família, com a comunidade. Na Universidade, ocorre o contrário,
há um crescente processo de privatização. A tentativa é de adequar ao conhecimento um
aspecto meramente técnico, conforme à necessidade e exigência do mercado.
Não se trata de educar para transformar (produzir conhecimento), mas do mero domínio da
técnica2. Por esta lógica basta criar alguns poucos centros de excelência — o desmonte da
Universidade Pública, no Brasil, segue este caminho—. A educação a ser tratada como uma
mercadoria, cuja preocupação central é “preparar” o jovem para o tal “mercado de trabalho”.
1. Educação e neoliberalismo: uma contradição insuperável
A educação do trabalhador para a sua total submissão ao capital é o que está oculto nas
reformas propostas pelo Banco Mundial, como já foi dito e, o que está em curso na chamada
“escola sem partido”, protagonizada por grupos de direita no Brasil. As políticas ditas
neoliberais
especialmente aquelas destinadas a varrer conquistas históricas dos trabalhadores (reajuste automático dos salários, estabilidade no emprego, educação laica e gratuita, acesso e até existência de um serviço público geral) constituem claramente uma tentativa de descarregar a crise do capitalismo nas costas dos trabalhadores (COGGIOLA, 2001, p.42).
Não podemos deixar de pensar a educação como um dos elementos fundamentais para
forjar o consenso na sociedade capitalista. Althusser ao discutir a reprodução da força de
trabalho assegura que a sua formação diferentemente do sistema escravocrata ou feudal,
no capitalismo “a qualificação da força de trabalho tende (trata-se de uma lei tendencial) a
ser assegurada não em ‘cima das coisas’ (aprendizagem na própria produção), mas é cada
vez mais fora da produção: através do sistema escolar capitalista e outras instâncias e
instituições O que se aprende na escola? Interroga o filosofo francês
aprende-se a ler, a escrever a contar, portanto algumas técnicas, e ainda muito mais
coisas, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou pelo contrário
aprofundados) de “cultura cientifica” ou literária” diretamente utilizáveis nos diferentes
lugares da produção (uma instrução para os operários, outra para os técnicos, uma
terceira para os engenheiros, uma outra para os quadros superiores, etc). Aprendem-se
portanto “saberes práticas (des “savoir faire”) (ALTHUSSER, 1980,p.20-21).
Mas a escola não é apenas o lugar do aprendizado das técnicas, ensina também
2 A técnica neste discurso é apresentada como neutra.
as regras dos bons costumes, isto é o comportamento que todo o agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da moral, da consciência cívica e profissional, o que significa exatamente regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho, pelas regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. Ensina também a “bem falar”, a “redigir bem”, o que significa exactamente (para os futuros capitalistas e para os seus servidores) a “mandar bem” isto é (solução ideal) a “falar bem” aos operários, etc. Enunciando este facto numa linguagem mais cientifica, diremos que a reprodução da força de trabalho exige não só uma reprodução da qualificação desta, mas ao mesmo tempo, uma reprodução da submissão (grifos nossos)desta à ideologia dominante para os operários e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de que possam assegurar também , “pela palavra”, a dominação da classe dominante (ALTHUSSER, 1980, p.21-22).
Os dados da UNESCO para a educação na América Latina, é importante para
compreendermos o papel que a educação exerce na formação dos trabalhadores para o
capital. Segundo documento do PREAL (Programa de Promoção da Reforma Educativa na
América Latina e Caribe, nº 11)
a Educação é fundamental para os desenvolvimentos econômico, social e cultural e para a estabilidade política, a identidade nacional e a coesão social. Mais ainda, os negócios altamente tecnológicos de nossos dias não podem prosperar sem pessoas com competência analítica, criatividade e cooperação para o trabalho. A existência de pessoal com estas qualificações pode ter grande impacto, ainda na capacidade de um país atrair investimentos estrangeiros ” (WOLF, s/d, p. 4).
Não resta dúvida que o direito a educação pública, gratuita e laica é fruto de muitas
lutas dos trabalhadores. Uma das primeiras medidas tomadas na Comuna de Paris, foi a
reforma escolar, fundamentada no princípio da educação geral, gratuita, obrigatória, laica e
universal. A educação sempre esteve na pauta de luta dos trabalhadores opondo-se à
educação que forma para a subserviência, tão cara ao capital. A contra-ofensiva imperialista
neste momento, sobretudo nos países da América Latina, tem a educação como um dos
elementos fundamentais. Neste sentido, a reforma no ensino médio, no Brasil, não pode ser
dissociada da perspectiva de dominação que contraria qualquer formação crítica e
universalista. O ensino religioso nas escolas públicas segue este caminho. Não separa a fé
da ciência. O alimento do obscurantismo é muito útil neste momento de avanço do
conservadorismo no mundo, e na sociedade brasileira. A educação perde seu papel
libertador, humanista, universalizante e reforça a submissão, a alienação. Nas palavras de
Scruton a educação também envolve o exercício do poder — um poder entronizado na
escola ou no professor.
A escola é concebida, porém, como uma arena de poder legitimado e
não apenas estabelecido. É claro que há um problema quanto às
verdadeiras origens da autoridade do professor no Estado moderno.
Uma das consequências indesejáveis de se fazer a educação (ou o
comparecimento à escola) compulsória por lei é que se torna impossível
construir a autoridade do professor como se fosse adquirida por
alegação paterna, de modo que as duas instituições, lar e escola, não
se referem tão prontamente ao mesmo fundo de respeito natural.(
SCRUTON, 2015, p. 231
Como disse um dos expoentes do pensamento conservador, a educação envolve o
exercício do poder e, necessariamente, passa pela educação a formação da consciência e
do pensamento crítico. Os conservadores vêem as disciplinas como sociologia, história,
filosofia como menores, ou secundárias (seriam elas, passiveis da “doutrinação” de
esquerda). Para Scruton (2015, p.238) “a história não é uma ciência verdadeira— tem
poucos conceitos teóricos e nenhum método experimental. Os fatos que ela estuda não são
investigados dentro do aspecto da lei cientifica, mas sob o da percepção e da memória
cotidiana”. A sociologia ocupa neste pensamento, algo semelhante
a liturgia sociológica é somente a fácil ladainha da mente de ‘segunda ordem’, que usa conceitos prontos no lugar do conhecimento crítico. Uma tal mente não tem capacidade para testar suas ideias contra a realidade, ou para entender a realidade por meio de seu conjunto de ideias As ideias são essencialmente artificiais, frequentemente derivando de assuntos que não têm nem método, nem teoria e os fatos — sendo do tipo complexo, que deve ser compreendido em termos não de teoria cientifixa, mas de inteligência crítica— são essencialmente elusivos, estando mascarados por nada mais que estatísticas cegas, que são o recurso comum de uma mente desprovida de conceitos (SCRUTON, 2015,p.240-241).
O pensamento conservador-moderno, desafia a sociologia como ciência, e despreza
toda a obra do conservador Durkheim. Ou seja, o obscurantismo é de forma generalizada e
aqui, nos trópicos o reflexo se faz presente ao que assistimos nas escolas públicas (do
ensino fundamental às Universidades). Dessa forma, podemos compreender o significado
mais complexo e amplo da “escola sem partido” que busca cercear a liberdade de cátedra
do professor, para que exerça a “liberdade de doutrinar” para o capital.
2.Educação e Movimentos sociais
Para os objetivos deste artigo a questão é saber qual o papel que os movimentos
sociais desempenham neste quesito. A educação é pensada de forma ampla e complexa.
James Petras (1999) faz uma análise da transição dos regimes autoritários para democracia
eleitoral, nos países da América Latina e também verifica como os regimes eleitorais
aprofundaram e estenderam as políticas regressivas. Para o autor, a propriedade tornou-se
mais concentrada, a diferença entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres se ampliou:
vastos setores do serviço público foram privatizados e desnacionalizados e centenas de
bilhões de dólares foram transferidos do bolso dos trabalhadores para os bancos
estrangeiros num valor muitas vezes superior ao das dívidas públicas.
O autor constata que, na medida em que os intelectuais de esquerda viram que o processo
eleitoral não levaria à mudanças, ao contrário, muitos deles se voltaram contra os
movimentos sociais.
As eleições constitucionais dos últimos anos na América Latina forma somente na aparência triunfos da democracia política, Os processos eleitorais mostraram que existe uma defasagem entre o que são os regimes do continente e a versão que deles dão os centros de poder financeiro (GARRIDO, 1999,p.17).
Mesmo os governos populares que colocaram em questão as políticas neoliberais,
na década de 2000, no continente latino-americano, não romperam com elas. O caso
brasileiro é lapidar: ampliação das universidades nos governos do PT e mesmo programa de
redistribuição de renda como o bolsa família não mudou em nada este cenário.
Ao contrário, a consubstanciação do golpe desnuda a forma cada vez mais ignara com que
a educação é tratada: desde o mais profundo fundamentalismo religioso como parte da
educação dos jovens das classes populares. A formação é clara: formar trabalhadores
submissos para o capital. O neoliberalismo mostra sua faceta mais cruel
O neoliberalismo é um totalitarismo, já que pretende impor um modelo único, mas é também um dogmatismo, pois seus princípios obscuros e contraditórios apresentam-se como verdades inquestionáveis (GARRIDO, 1999,p.12).
Mantendo o elo com os movimentos sociais dos anos 1980 surge a Universidade
Popular com o objetivo de formar lideres sociais por meio de uma metodologia que
compreende o compartilhamento dos saberes: a prática, a experiência com o saber cientifico
sistematizado. A Universidade Popular Madres da Plaza de Mayo tem o “propósito de
estimular um pensamento crítico e organizar grupos de reflexão criativa”. Articular a teoria e
a prática, gerar ferramentas para disputar a hegemonia intelectual, abrir um espaço que os
setores populares e novos movimentos sociais possam participar e criar formas de
construção política.
O objetivo geral é superar as práticas educativas legitimadoras da opressão,
“recuperar as tradições de lutas populares, e transformar a sociedade e nós mesmos, no
saber e na luta” (www.madres.org).
Outra experiência que vale a pena mencionar é a Escola Florestan Fernandes. Há
uma clara preocupação em educar para uma nova sociedade. Essa nova educação, como
destaca Makarenko, inclui as pequenas questões do cotidiano (que se transformam em
grandes questões), a forma como se divide os trabalhos, as equipes. Segundo Leher, o MST
protagoniza uma das experiências mais originais e fecundas de autoformação e
autopedagogia. Em parcerias com Universidades Públicas têm conseguido colocar na pauta
discussões, temas, autores enterrados pela modorrenta academia. A inclusão de
trabalhadores em espaços de formação de alta qualidade é considerada pelas classes
dominantes uma inversão da ordem natural das coisas. Os bons centros de formação
deveriam estar reservados para as elites ou para seus intelectuais orgânicos. Mészáros, no
livro, Educação para além do capital destaca o papel que a educação desempenha no
capitalismo de gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses das
classes dominantes, como inexorável, ou seja, , como se não houvesse alternativas. Ela,
sob o domínio do capital, assegura que os indivíduos adote como suas, as metas de
produção do capital. Ao fazer isso, produz conformidade, ou “consenso” a partir de “dentro e
por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente selecionados (Mészáros,
2005).
Quando uma maioria significativa da população —afasta-se com desdém do processo
democrático do ritual eleitoral, tendo lutado durante décadas, pelo direito ao voto, mostra
uma mudança radical de atitude em face da ordem dominante: pode-se dizer que é uma
rachadura nas espessas camadas de gesso cuidadosamente depositadas sobre a fachada
“democrática do sistema”. Segundo o autor, necessitamos de uma
atividade de contra internalização coerente e sustentada, que não se esgote na negação — não importando quão necessário isso seja como uma fase nesse empreendimento—e que defina seus objetivos fundamentais, como a criação de uma alternativa abrangente concretamente sustentável ao que já existe (MÉSZÁROS, 2005,p.56).
À guisa de conclusão
Embora a educação é apresentada como um elemento importante para as organizações
internacionais como FMI e Banco Mundial, para medir o desenvolvimento de um país e se
impõe como condição para empréstimos, tentamos, de maneira breve, polemizar a que tipo
de educação referem-se.
Os anos de estudos no Brasil, ajuda-nos a compreender um pouco melhor este quadro
Tabela 1. Anos de estudos no Brasil das pessoas de 25 anos ou mais de idade
2007/2015
Grupos anos de estudos 2007 2015
Sem instruções e menos de um ano 13,7 11,1
1 a 3 anos 12,8 9,5
4 a 7 anos 25,9 21,7
8 a 10 anos 13,8 13,9
11 a 14 anos 24,7 30,7
15 anos ou mais 8,9 13,0
Não determinados 0,2 0,1
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2015.
Embora a tabela demonstre a evolução em anos de estudos no período de 2007 a
20153, os anos de estudos ainda estão bem longe de considerar que, no Brasil,
frequentar a Universidade ainda está muito longe de não ser considerado um
“privilégio”.
Tabela 2. Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos e mais
Por sexo 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015
Total 10,1 10,0 9,7 8,6 8,7 8,5 8,3 8,0
Homens 10,4 10,2 9,8 8,8 9,0 8,8 8,6 8,3
Mulheres 9,9 9,6 9,6 8,4 8,4 8,2 7,8 7,7
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2015.
Destacamos o fato de que embora, as exigências do Banco Mundial destacar as taxas de
matrículas para a concessão de empréstimos, a taxa de analfabetismo, no Brasil, embora
tenha declinado nos últimos anos continua muito elevada. Ou seja, 8% de pessoas com 15
anos ou mais, são analfabetas. Não entramos aqui, por questão de espaço, os chamados
analfabetos-funcionais. Ou seja, aprenderam a codificar os códigos da escrita, mas com
grande dificuldade para interpretar.
Recorrendo a Althusser a reprodução da força de trabalho
Tem pois como condição sine qua non, não só a reprodução a qualificação desta força de trabalho, mas também a reprodução de sua sujeição à ideologia dominante ou da “prática” desta ideologia, com tal precisão que não basta dizer: “não só mas também” pois conclui-se que é nas formas e sob as formas da sujeição ideológica que é assegurada a reprodução da qualificação da força de trabalho.(ALTHUSSER, 1980,p.22-23).
Na atual conjuntura, a batalha das ideias torna-se a principal arma contra o
obscurantismo que nos ameaça. A disputa política-ideológica na educação é cada vez mais
urgente. Perder essa batalha é voltar três séculos no tempo. A urgência do combate das
ideias conservadoras, neste momento, passa por um projeto de educação que seja plural,
emancipatório, critico. Que a “utopia” seja ainda, capaz de guiar contra um conservadorismo
da sociedade que nos cega, emburrece e, por isso, nos condena. O conhecimento é de
certa forma, libertador.
Referências
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial
Presença,1980.
3 Os dados referem-se aos governos do PT.
CHOMSKY, Noam e DIETRICH, Heinz. A sociedade Global: educação, mercado e
democracia. Blumenau: FURB, 1999.
COUTINHO, Joana A. ONGs e políticas neoliberais no Brasil. Florianópolis: UFSC, 2011.
GARRIDO, Luis Javier. Novas reflexões sobre a crítica do neoliberalismo realmente
existente. In: CHOMSKY, Noam e DIETERICH, Heinz. A sociedade global. Blumenau;
FURB, 1999.
COGGIOLA, Osvaldo. Universidade e ciência na crise global. São Paulo: Edições Pulsar,
2001.
LÖWY, Michael (org.) O marxismo na América Latina. São Paulo: Perseu Abramo, 1999.
MÈSZÁROS, István. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
NEVES, Maria Lúcia Wanderley (org). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do
capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
WOLFF, Laurence. Avaliações educacionais na América Latina: estágio atual e desafios
futuros. PREAL, nº 11. (s/d).
PETRAS, James. Intelectuais: uma crítica marxista aos pós-marxistas. Lutas Sociais 6 São
Paulo: Xamã, 1996.
SCRUTON, Roger. O que é conservadorismo. São Paulo: É Realizações, 2015.
www.madres.org/univupmpm.
ENTRE A CIVILIZAÇÃO E A BARBÁRIE: disputar o Estado na América Latina. A
teoría da política como hegemonía.
Lucio Oliver4
RESUMO
A presente contribuição tenta recuperar e refletir problemas teóricos postos pela experiência recente das democracias latinoamericanas, em particular aqueles problemas que evidenciam a necessidade de uma nova concepção da política como hegemonia. As problemâticas abraçam questões relacionadas com a dinámica da economia e da política mundial, com o Estado entendido como relação de forças e com o papel político dos intelectuais nos processos de mudança e de catarse dos movimentos sociais e das sociedades civis da América Latina.
Palavras Chaves: Crítica teórica, hegemonia, sociedade civil, movimentos sociais, intelectuais
ABSTRACT
The present contribution tries to recover and to reflect theoretical problems posed by the recent experience of the Latin American democracies, in particular those problems that evidence the necessity of a new conception of politics as hegemony. The problems embrace issues related to the dynamics of world economy and politics, the State, understood as a relation of forces, and with the political role of the intellectuals in the processes of change and catharsis of social movements and civil societies in Latin America.
Keywords: Theoretical Criticism, hegemony, civil society, social movements, intellectuals
INTRODUÇÃO
"No tem insulto mais grossero ou calumnia mais infame contra a clase operaria que
a afirmação de que as controversias teóricas são somente um assunto para
“académicos".
Prólogo a Reforma o revolução.
Rosa Luxemburg.
4 Professor na Universidad Nacional Autonoma de México (UNAM)
1. Introdução: situações de crise e problemáticas teóricas.
O desgaste da globalização excludente e bárbara dos últimos 30 anos está se
manifestando hoje como uma profunda impossibilidade das grandes elites políticas dos
países centrais de manter uma gobernabilidade neoliberal mundial com legitimidade e
estabilidade. Seu mundo apresenta crise ideológica, econômica e política. Faz parte duma
civilização de culto acrítico ao crescimento e expansão do capitalismo junto à incapacidade
de socializar os benefícios da acumulação mundial de capital para alavancar capitalismos
nacionais; do enfraquecimento dos Estados de concorrência baseados na divisão do
trabalho capitalista internacional; dos conflitos entre as grandes potências mundiais, das
tentativas de impor Estados de exceção nos países latino-americanos para apagar o
pensamento crítico, eliminar as demandas sociais, reducir ao máximo os direitos coletivos e
manter pela a força os programas de ajuste e projetos de exclusão social e política da
diversidade; das tentativas de intervencionismo externo político militar das potências para
mudar o regime político dos países que ainda mantem uma orientação progressista; da
confusão ideológico politica dos movimentos populares de resistência;e a dausência de
alternativas imediatas para manter e revitalizar as propostas democráticas populares
(Arizmendi, 2018, Oliver, 2017, Arizmendi, 2016, Rojas Villagra, 2015) Todo isso está
apresentando uma série de problemáticas políticas e teóricas para o pensamento crítico, e
faz parte do debate dos movimentos sociais e políticos populares latino-americanos.
Paralelamente ao senhalado, nos últimos trinta anos, os pactos socio-políticos
internos dos Estados da América do Sul, reconstituidos apõs as ditaduras militares,
sofreram una complexa evolução e entraram hoje numa profunda queda institucional que
caracteriza a situação atual dos Estados regidos pelos novos governos de direita. Os países
do Sul e Centro de América vivem um impasse em termos de estabilidade. E América Latina
toda vivencia uma polarização de definições político ideológicas sem que os programas de
extrema direita tenham conseguido aceitação nacional plena. Embora estejam se
propagando governos autoritarios de extrema direita com algum apoio de massas e exista
uma movilização exitosa de grupos religiosos, militares y políticos aventureiros e retrógrados
.
Desde o horizonte das lutas populares e dos intelectuais a elas relacionadas, suas
organizações e debates evidenciam que a situação coloca o pensamiento crítico perante a
urgência de uma teorización profunda das experiências progressistas latino-americanas do
século XXI e da atual situação, que eleve o nível ideológico político dos movimentos e forças
políticas.
Neste escrito interessa considerar, entre outras, as seguintes problemáticas
teóricas centrais:
1) A imperiosa necessidade de uma crítica persistente ao fenômeno do Cesarismo
Político progressista.
As políticas de mudança conducidas principamente por arranjos burocráticos
socialdemocráticos que despolitizam as sociedades estão em questão pela experiência.
Uma separação radical das políticas dos governos desligada do acompanhamento e
iniciativa das sociedades civis enfraquece e isola as forçãs políticas progressistas. Parece
preciso repensar com urgência o valor da organização autodeterminada da sociedades civis
e dos movimentos sociais vinculada a uma conceção totalizante da democracia e a luta pela
hegemonia civil;
2) A insuficiência das políticas de mudança pela via de reformas parciais e
limitadas que tém eixo exclusivo nas políticas de inclusão social, educativa, de saude e
serviços dos setores marginais. Muitos outros setores sociais progressistas precisam uma
inclusão ativa nos processos de mudança e nas reformas. Para isso a noção de política
emancipadora tem que se projetar a partir de reformas múltiplas e inter-relacionadas nos
distintos ámbitos do Estado e da sociedade civil, para conseguir projetar um movimento
ativo de verdadeira mudança política;
3) A crítica pertinente à concepção neutral da globalização atual. A globalização
das últimas décadas se evidenciou como o projeto excludente e bárbaro das oligarquías
econômicas e políticas que dominam o mundo e que operam para organizar
subordinadamente a economia mundial e os Estados nacionais centrais e periféricos.
Embora, essa globalização não fosse percebida pela maioria de governos progressistas
como tal projeto particular de direção mundial da mundialização.
4) A previsão das opções abertas para os Estados nacionais dependentes e
periféricos na economía e na política mundial existente. Resulta necessário estabelecer
teóricamente as possibilidades dos Estados latino-americanos na mundialização do capital,
em particular respeito às suas distintas formas e projectos para criar políticas
compartilhadas regionalmente con as quais incidir num rumo de democracia global e duma
nova arquitectura mundial. Se precisam projetos que apontem para uma influencia
determinante dos trabalhadores globais e proponham mudanças respeito a dependencia da
América latina, em termos de colocar diques à transferência de valor, extractivismo e
sobreexploração dos trabalhadores;
5) A noção de Estado como aparelho de poder aberto a decisões burocráticas de
políticas progressistas tem que mudar. Se precisa compreender o Estado como
condensação de relações de forças. Só assim poderão se desenvolver projetos de
hegemonia alternativa que gerem poder própio das forças populares no ámbito econômico,
político e ideológico.
6) É necessario recuperar o sentido profundo dos conflitos, das contradições
económico políticas e das protestas sociais. Nos processos de governabilidade controlada
ou de autoafirmação política avançada dos Estados progressistas apagou-se o senso social
da disputa ideológico institucional, política e social entre diferente projetos das sociedades
políticas e faltou a convergência com e nos movimentos sociais.
7) Se precisa uma teorização necessária da construção coletiva, catártica e
horizontal de como conformar núcleos dirigentes amplos que se sustentem em projetos
nacionais de forças políticas emancipadoras. A verdadeira reforma transformadora
transcurre por processos amplos e democráticos que propiciem a elaboração colectiva e
horizontal de programas ideológico políticos populares abertos á inclusão de todas as forças
ativas e democráticas da sociedade civil.
Minha contribuição procura refletir sobre esses temas que se apresentam como
tendências sociológicas teóricas surgidas das lutas sociais recentes na América Latina.
Na profundeza das interrogantes mencionadas está a urgência dum debate sobre a
questão do Estado na América Latina no seu sentido integral de política de dominação e
hegemonía, no marco duma relação de forças e como luta pela correspondência avançada
de sociedade política e sociedade civil.
No pasado recente as políticas autodenominadas posneoliberais dos governos
progressistas não enarbolaram propostas suficentes e firmes para disputar o Estado e
procurar sua transformação, entendido num sentido integral. Assim, a sociedades civis como
totalidades colectivas não se convirteram em sujeitos decisórios do público, com politización
e organização autodeterminada das grandes maiorias populares. Assim também, a política
durante o periódo dos governos progressitas não levou à conformação de uma economía
social e e a um projeto nacional alternativo, não aconteceu a construção dum bloque
histórico popular, nem se abriu passo a conformação dum bloque de poder unitário. Em fim,
não se construiu uma nova concepção da política como hegemonía que tevesse capacidade
de gerar e "condensar" uma nova relação de forças para enfrentar desde os Estados
situações de crise como as que estão caraterizando o mundo actual (Oliver, 2017). É
necessário por tanto para os movimentos políticos e sociales de pensamento crítico e
posição radical aprofundar a analise dos problemas que levaram ao relativo fracasso do
progressismo latino-americano e deixaram fora os problemas da construção de forças
histórico políticas com capacidade para superar a barbarie e retomar a civilização.
2. Aprofundando os problemas teóricos assinalados. Os Estados perante os nós
internacionais e nacionais.
¿Quál a margem de decisão política e de intervenção productiva dos Estados
nacionais nun mundo dominado pelo mercado mundial em que a acumulação fica sob o
dominio global do capital? ¿Como se estabelecem os limites, as especificidades, o próprio
interesse, quando as condições da produção e reprodução de cada país estão integradas e
subordinadas à expansão do domínio mundial do capital, que controla os circuitos
financeiros, a capacidade mundial de produção e circulação, o setor de producción de
maquinária, a orientação da ciência, a técnica e a comunicação, a rotação do capital que se
afianza nos núcleos centrais da economía? Um elemento a considerar teóricamente são as
condições para uma outra relação entre o nacional e o internacional. A globalização
contemporánea estabelece formas de dependência que subordinam os países à dinámica
do capitalismo mundial, estabelecendo condições e pressões para impor uma "dependencia
redoblada" (Paulani, 2012), por exemplo a especialização econômica na exportação de força
de trabalho sobreexplotada, do agronegócio de materias primas e alimentos, de energía,
petróleo e maquilas con pouco valor agregado, sem gerar economias baseadas na
capacidade científico técnica. No aspecto político cultural a capacidade de participar na
mundialização acarreta participar com um projeto próprio estratégico na dinâmica do
mercado mundial e das relações político ideológicas. Para isso se precisa definir uma
política interna e uma concepção autónoma estratégica dos assuntos mundiais, de maneira
tal de trabalhar para reorganizar as condições internas de produção, circulação e
cooperação com as quais participar nos assuntos mundiais.
A problemática da condensação da relação de forças.
Os Estados nacionales, apunta Poulantzas , são a condensação duma determinada
relação de forças. O grande assunto é compreender e conhecer a partir de que elementos
se produz tal condensação, como e por que as relaçoes de força em continuo movimento e
luta interior se condensam e em que medida se transformam quando convertidas em algo
estático e ao se projetar em instituições e relações organizadas de poder. Tambén é
importante conhecer a forma em que as sociedades modernas se articulam nesa
condensação: os indivíduos com igualdade, liberdade e vontade junto às classes sociais que
tém uma própria constituição económica, política e cultural, assim como as instituições
políticas que são resultado da acumulação de séculos de economia, poder, valores e
ideologías.
Embora, a concepção é lúcida: concepções e as formas institucionais expressam
algo mais que o avanço ou retrocesso civilizatõrio duma sociedade. São uma relação em
movimento entre forças que se redefinem em cada situação de acordo a seus compoentes
internacionais e internos. O que está claro é que existem forças internacionais e forças
nacionais em determinada relação que se condensa. As forças internacionais
contemporáneas aseguram e expandem seu domínio e sua hegemonia a partir das
situações econômicas, políticas, culturales e éticas mundiais, impoem seu poder sobre
instituições internacionais, Estados, classes, individuos, e nações.
Nessa situação tém que mudar as relaçoes de poder e domínio, mais tambem de
projetar uma política de hegemonia na medida en que ademais da subordinação exterior se
precisa superar a subalternidade interior das forças sociais populares e nacionais. Dai que
um elemento central da análise das relações de força seja compreender em que se baseia e
como se impoe a hegemonia.
O empate político de origem e as dificuldades de sua transformação. Da política
como hegemonia.
Toda situação social é uma relação de forças em movimento que tém distintas
fases constitutivas e niveis nos quais se afirma ou se perde a dominação e a hegemonia. A
insubordinação e a nova capacidade de autodeterminação das forças emergentes que
aponta a uma outra direção ideológica e política, com possibilidade de construir e projetar
novos blocos de poder e uma proposta para processar interesses particulares como
interesses generais. A hegemonia é precisamente essa capacidade construida de obter
políticamente o consenso da maioria da sociedade para uma alternativa, sobre tudo na
reconfiguração da sociedade como sujeito e na transformação do Estado como sumatoria de
sociedade política e sociedade civil a partir de essa nova universalização. A capacidade se
produz no interior de um movimento orgánico da economia e da sociedade; numa situação
específica de conjuntura em que predomina a alta política e a luta nacional e internacional
de forças influi na disposición ideológica das maiorias. Os governos alternativos e seus
intelectuais tem sempre o difícil problema da hegemonia. Assim, é preciso colocar no centro
de suas lutas o projeto político cultural nacional e o objetivo de ação na sociedade civil. De
fato muito logo evidencia-se que a correspondencia temporal entre projecto político
avançado e a disposição ideológico política das massas populares tem que constituir numa
condução intelectual e moral que remonte o empate político constitutivo.
A resistência popular e política está hoje na América Latina perante a ofensiva
transnacional de acentuar a dominação e procurar a hegemonia do capital transnacional. É
preciso considerar como conseguir acumulação de capacidades econômicas, ideológicas,
políticas, éticas nacionais e regionais para superar a situação de momento constitutivo de
origem e para profundizar-se e constituir-se em dinamizador original e transformador do
ciclo do Estado. O empate político na América Latina convirtiou-se no passado recente
numa referência estática e formal que sublinhou a capacidade de resistência e ao mesmo
tempo as dificuldades para traduzir essa resistência em debate e criação de uma adequada
condução político ideológica, militar e institucional autónoma e autodeterminada de uma
nova força orgánica capaz de proponer uma articulação de sociedade política e sociedade
civil.
A crise da globalização neoliberal excluinte está façendo avanzar na América Latina
uma tendência a um Estado de excepção que moviliza ao partido da ordem dos diversos
países da América Latina em torno a proteger e sustentar as políticas de acumulação,
seguridade, ideologia de mercado, de ataque às bases ideológicas e políticas dos
trabalhadores, e de culto exacerbado ao ordem da globalização capitalista neoliberal.
São os projetos nacionais uma opção para enfrentar o avanço do autoritarismo de
extrema dereita com influência de massas? O problema teórico é o da construção de um
projeto de avanço histórico capaz de coesionar à maioría, de unir a setores populares do
campo com outros da cidade, com setores das classes meias e com políticos e intelectuais
progressistas. Esse projeto tem problema de se vincular a uma luta internacional por uma
nova direção mundial da globalização com influência decisoria dos trabalhadores globais e
uma democracia global?
O que seria um avanço histórico que fosse alem de uma modernização excluinte e
conservadora de conciliação de classes com uma limitada pacificação social? Como se
produciria uma articulação creativa entre tal projeto e a ordem mundial atual dominante sob
a condução das forças centrais transnacionais? Este problema está presente na situação
atual de lugares em que se apresenta como um problema prático, inmediato, como na
Bolivia e no México, mais no sentido histórico estratégico trata-se do problema de um
projecto alternativo na América Latina e de revisão histórica política das experiências
passadas dos governos progressistas da América do Sul.
Politización e hegemonia civil.
A politização é expresão de uma determinada relação entre sociedade civil e
Estado. A sociedade se politiza quando se organiza com autodeterminação e asume um
papel ativo, propositivo e crecientemente decisório. Acarreta uma revisão social da ideología
dominante e dos elementos de subalternidade histórica das massas, dos elementos
económico-corporativos que tem prevalecido no passado, dos localismos e das visões
parciais restritivas e discriminatorias de e entre os distintos setores populares. A politização
é pelo mesmo diferente ao consenso eleitoral em torno a um partido, um líder ou um projeto
que encabeça uma luta nacional em disputa pelo governo. É um processo de avanço do
pensamento crítico da maioria, da constituição da sociedade como sujeito, como
consciencia coletiva das contradições da sociedade, das relações e determinações que
dominam suas relações, e da potencialidade dos elementos de resistência e luta
espontânea que surgem no dia a dia. A politização em último sentido é a catarse (Oliver,
2017a), esto é, o processo no qual os movimentos sociais e políticos avançados se
encontram entre eles na sociedade, se ampliam ao todo social e constituiem o fenómeno de
criar um programa e uma política propia coletiva, autodeterminada, para definir o rumo do
Estado, que pelo mesmo já não é éle um Estado dominante. Assim, com a catarse, de
maneira autodeterminada e coletiva, se superam num amplo leque político as opções
partidarias e políticas já existentes. Politização não é pelo tanto que a massa asuma
pasivamente as propostas das forzas progressistas ou avanzadas da sociedade; é que a
massa se transforme e se constituia em força política capaz de autonomia para vincular-se
consciente e críticamente as forças dirigentes dum bloco de poder coletivo, mas a partir de
seu proprio programa e sua própria luta pela emancipación. Ao final a noção da luta pela
hegemonia civil parte de transformar a sociedade de um ámbito de relações coisificadas e
de ideologias subalternas, num espaço de liberdade concreta capaz de propor uma
solidariedade crítica da maioría em torno de um leque de relações avanzadas no ideológico
e o político.
O papel dos intelectuais.
Até hoje, os intelectuais latino-americanos tem sido pouco conscientes de seu papel
na política como luta por uma hegemonia alternativa. A condução intelectual acarreta não
só a comprensão das opções políticas coincidentes com o sentir da maioria. Seu papel se
afirma na crítica profunda das contradições históricas da sociedad, dos processos que
levaram aos problemas estruturais, das distintas relações de poder, dominação e visão do
mundo, das tendências e projetos que aparecem na dinâmica mundial, na relação entre
Estados potência e Estados subordinados, e na profundidade dos processos de
conformação histórica, política, ideológica, cultural e ética da sociedade. De suas relações
internas determinadas pela história da dominação e a hegemonia existentes. Sempre existe
uma ideologia dominante, um sentido comum vinculados com o predominio de um sistema
de ideias e uma noção de ordem imperante. O papel político dos intelectuales críticos não é
sustentar a pequena política, senão controvertir a ordem hegemônica da sociedade para
promover o desenvolvimento da conciência das lutas e das necesidades que estâo
presentes e ativos de forma espontánea nas contradições , conflitos e na resistencia da
sociedade. É acompanhar o processo de elevação política e ideológica das massas para
consolidar uma crítica social da subalternidade que consiste na submisâo aos padrões
prevalecentes. É colocar em questão a cultura dominante e os valores éticos a partir dos
acontecimentos da vida cotidiana e as situações que demostram a dominação, sumisão e
subordinação local e popular. Este papel e esta atividade crítica dos intelectuais populares é
necessária e fundamental no processo em que as maiorias devem sujeto político e
intelectual coletivo de uma nova hegemonia nacional popular. Para isso se faz
imprescindível mudar as perspetivas intelectuais e os preceitos estabelecidos na massa,
contribuir a uma reforma política e moral que mude a comprensão e o sentir de ésta nos
asuntos centrais e nos corriqueiros da sociedade, as concepções e valores que imperam,
para, a partir da sua própria experiência -o bom senso- e novos elementos constituintes da
vida ideológica popular, construir uma outra prática sustentada numa nova explanação
histórica da atuação dos grupos dominados, seu papel como força histórico política nas
conjunturas críticas da sociedade. Trata-se de deconstruir a visão dominante e reconstruir
uma concepção alternativa do mundo, crítica das relações existentes de poder, coisificação
e fetichização das relações de poder dominantes. Essa é a questão política dos intelectuais
na política como hegemonia
A disjuntiva atual.
Estamos numa época en que a disjuntiva entre civilização e barbárie está presente
na realidade social, econômica e política de América Latina. Sim duda os elementos de
sobreexploração, autoritarismo, discriminação, destrução, despossessão, exclusão de seres
humanos e recursos naturais por meios inclusive ativamente violentos estão presentes nas
políticas dos Estados de excepção e na vida real de todos os dias de numerosos países. A
reversão de esse processo está exigindo de uma política orientada a que a sociedade
desenhe novas concepções para criar um novo bloco histórico orgánico alternativo que
otorgue um espaço novo à liberdade, à solidariedade, à democracia, ao trabalho social, à
crítica como premisas do Estado e da política. Pero esta não é uma ideia romántica. Faz
ninho numa comprensão e numa redefinição das ideias preconcebidas, dos prejuicios
presentes na vida cotidiana dos povos que os dividem e separam a partir de acentuar suas
diferenças naturais, seus interesses imediatos, seus horizontes localistas, seus prejuicios,
sua ignorancia da dominação. É isso que os intelectuais como política tém que esclarecer
para contribuir a superar, para criar as condições do processo de catarse, isto é, de
elevação do inmediato econômico corporativo e local para um projeto coletivo em que a
masa possa se constituir em força política autodeterminada com estrategia e programa para
afirmar o propio e incidir no nacional e no mundial.
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ULTRANEOLIBERALISMO, MILITARISMO E REACIONARISMO NO BRASIL DO
PRESENTE: uma composição de risco, um desafio à luta política
Alba Carvalho 5
RESUMO: Nesta produção, o foco analítico é o Brasil do Presente, refletindo sobre o chamado “bolsonarismo”, a encarnar a culminância do Golpe de 2016. O desvendamento deste cenário-limite exige recuo histórico nos processos do ajuste do Brasil ao capitalismo financeirizado, conferindo destaque aos ciclos dos governos petistas, fincados na ideologia da conciliação de classes. A tese fundante é que o “bolsonarismo” resulta de uma combinação de alto risco para o País, reunindo matrizes e tendências, imbrincadas na conformação da extrema-direita: ultraneoliberalismo; militarismo autoritário; reacionarismo político-cultural. Nestes circuitos da contemporaneidade brasileira, oscilantes entre tragédia e comédia, a resistência impõe-se como exigência histórica.
Palavras-chave: Brasil do Presente. Bolsonarismo. Ultraneoliberalismo. Militarismo. Reacionarismo.
ABSTRACT: This production is focused on an analysis of Brazil today, reflecting on the so-called "bolsonarism", or a political force that embodies the culmination of the 2016 coup. The unraveling of this limit scenario calls for a historical review of processes related to Brazil's adjustment to the financially oriented economy at the time, highlighting the cycles of PT governments, based on the ideology of class conciliation. The founding thesis is that "bolsonarism" results from a combination of high risk for the country, bringing together matrices and tendencies found in the shaping of the extreme right: ultraneoliberalism, authoritarian militarism, political-cultural intolerance. It is within these developments in Brazil today, oscillating between tragedy and comedy, that resistance imposes itself as a historical requirement.
Keywords: Brazil Today, Bolsonarism, Ultraneoliberalism, Militarism, Intolerance.
1 INTRODUÇÃO
Nesta produção acadêmica, o foco analítico incide no Brasil do Presente, tempo histórico
circunscrito a partir de 2016, com o Golpe parlamentar – midiático – jurídico que depôs a
5 Professora na Universidade Federal do Ceará
Presidenta Dilma Rousseff e instaurou um desmonte da democracia, nos marcos da
dominância de políticas ultraneoliberais e de um crescente conservadorismo. É um período
sociopolítico de marcha crescente do autoritarismo, nos marcos formais da democracia,
instaurando-se mesmo dimensões de um Estado de Exceção.
Neste cenário do Golpe 16 – que foi se fazendo ao longo dos últimos anos – a direita, mais
precisamente a extrema-direita, foi se organizando com estratégias definidas de difusão de
sua ideologia nos espaços sociais, ocupando, de forma dominante, os circuitos virtuais das
redes sociais. Assim, em meio a acirrado antipetismo, na verdade, um ódio às esquerdas, a
extrema-direita, em conluio com o Judiciário, consegue vencer as eleições presidenciais,
materializando o “Bolsonarismo”, como fenômeno político na cena brasileira. Inegavelmente,
a atuação sistemática do Judiciário a efetivar, no ritmo da corrida presidencial, mecanismos
e artifícios jurídicos para garantir a prisão do ex-presidente Lula, inviabilizando, desse modo,
sua candidatura à Presidente da República, é um dos marcos decisivos nesta vitória da
extrema-direita, a ocupar o Executivo, com forte presença na Câmara de Deputados e no
Senado, espraiando o seu poderio na grande maioria dos Estados da Federação,
especialmente, nas Regiões Norte, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Neste contexto, o
Nordeste afirma-se como lócus de resistência!
A dominância do “bolsonarismo”, no interior do Estado Brasileiro, resulta de uma
composição peculiar, reunindo diferentes vertentes, a encarnar forças sociais, em uma
tessitura, permeada de conflitos na disputa da dominância do poder: ultraneoliberalismo,
materializado em “políticas de ajuste”, a impor interesses desmedidos do mercado, no afã
incontrolável do capital, reafirmando circuitos de dependência do Brasil na ordem do
capitalismo mundializado; militarismo, que se declara patriótico, nacionalista, a querer
recuperar parâmetros da moral cívica anticomunista da Ditadura Civil-Militar, tratando-se, na
verdade, de um militarismo autoritário, revestido de um nacionalismo que não hesita em
sacrificar a soberania do País aos interesses do capital mundializado, mercantilizando
riquezas nacionais e o que resta de empresas estatais; reacionarismo político-cultural, a
articular um pesado processo de regressão sociopolítica de desmonte de direitos e de
formas de regulação democrática, hibridizado com um fundamentalismo religioso de
imposição de padrões únicos, respaldados em valores retrógrados, criminalizando quaisquer
formas de diversidade, seja de caráter étnico, de gênero, como de orientação sexual e de
religião. É um afrontamento de lutas e configurações democráticas, revelando uma
regressão de 30 anos em quatro meses de governo (janeiro, fevereiro, março e abril de
2019). É um tempo de obscurantismo, a se expressar em formas impensáveis e absurdas
que vão desde a censura e proibição arbitrárias de uma publicidade do Banco do Brasil que
festeja a diversidade étnica, de gênero e de orientação sexual até o descalabro de investir
contra as ciências sociais e filosofia, desqualificando-as como áreas de saber e de formação
profissional, com ameças de cortes no orçamento das universidades federais para estes
cursos, em um inconteste desconhecimento e ignorância, eivados de uma ideologia
extremamente reacionária.
Em sintonia e comunhão com análises no âmbito do pensar crítico sobre o Brasil, a tese que
estrutura a presente produção acadêmica é que esta combinação de matrizes, tendências e
forças constitutivas da extrema-direita, no interior do Estado Brasileiro no tempo presente, é
de alto risco para o País e para a maioria da população brasileira. É uma combinação
perigosa de grande potência letal que, como cientistas sociais, precisamos desvendar.
Trata-se de uma equação a ser decifrada, tendo presente o próprio cenário geopolítico
mundial. E, de forma inconteste, esta perigosa composição do Brasil do Presente
circunscreve um desafio à luta política, no sentido de avançar na construção de formas de
resistência na sociedade civil.
Para o desvendamento analítico deste cenário-limite do Brasil do Presente, marcado, hoje –
2019 – pela negação de quaisquer mediações com a própria democracia liberal, é
necessário fazer um recuo histórico no tempo, remontando à década de 1990, quando do
ajuste do Brasil ao capitalismo financeirizado, a prolongar-se por quase 30 anos (1990-
2019). É a experiência de ajuste brasileiro em seus diferentes ciclos, a implementar o
modelo rentista-neoextrativista (CARVALHO; MILANEZ; GUERRA, 2018). Neste recuo
histórico, merece especial destaque os ciclos de ajuste dos governos petistas (2003-2015),
para circunscrever dimensões fundantes da crise brasileira contemporânea, chão histórico
do Golpe 2016 (CARVALHO, 2018). Impõe-se a exigência de focar o Golpe 16, em sua
pesada arquitetura, considerando que a ascensão da extrema-direita ao poder oficial no
interior do Estado Brasileiro, parece constituir-se a culminância de um processo de
desmonte da democracia no Brasil e dos pactos afirmadores de direitos e conquistas da
população.
Com os elementos analíticos decorrentes do recuo histórico às três últimas décadas e,
particularmente, aos três últimos anos de vida brasileira, é possível lançar algumas luzes
neste cenário de sombras e obscurantismo em que o País está mergulhado, em 2019. E,
este olhar crítico do Brasil do Presente interpela às forças progressistas, e, particularmente,
às esquerdas a uma luta política permanente.
2 BRASIL NOS PERCURSOS DE AJUSTE AO CAPITALISMO FINANCEIRO: O MODELO
RENTISTA- NEOEXTRATIVISTA
Ao longo de 29 amos (1990-2019), o Brasil está a vivenciar a chamada experiência de
ajuste à ordem do capitalismo mundializado, com dominância financeira. É o ajuste
estrutural brasileiro, em um processo de inserção subordinada de quase três décadas, com
diferentes inflexões, circunscrevendo o que Carvalho e Guerra, em suas produções de
meados da segunda década do século XXI, categorizam como ciclos de ajuste brasileiro . A
rigor, é o Brasil do Ajuste, a materializar-se em diferentes governos no interior do Estado
Brasileiro, mediante uma política macroeconômica de privilegiamento dos fluxos do capital
rentista. Esse tempo histórico, com diferentes governos de ajuste é marcado por
configurações peculiares da equação Estado/Sociedade Civil , com momentos de fortes
mobilizações de forças progressistas e de esquerda e outros de apassivamento das forças
de contestação, sobremodo nos governos petistas.
Os circuitos desse ajuste brasileiro são delineados, de forma tardia no contexto latino-
americano, a partir da última década do século XX, mais precisamente 1990, quando o
Brasil, no governo de Fernando Collor de Melo, assume uma inserção ativa e dependente
ao capitalismo financeirizado, com a efetiva participação do Estado, ao empreender a
financeirização dos processos de acumulação, em articulação com o agronegócio e a
mineração extrativista. Nesta perspectiva, o Estado brasileiro adota, na íntegra, o receituário
neoliberal, imposto pelo Consenso de Washington.
A “Era FHC” (1995-2002), em contexto peculiar de estabilização da economia via Plano
Real, representou a consolidação da ortodoxia neoliberal, em seus pilares: privatização,
liberalização, desregulamentação, abertura massiva ao capital estrangeiro. De fato, as
políticas intensivas de ajuste do governo FHC (1995-2002), definem as condições
fundamentais para o ingresso ativo e subordinado do País na era da financeirização
(PAULANI, 2015). E, assim, nos marcos de um Estado Ajustador que “ajusta e ajusta-se aos
ditames do capital” (CARVALHO, 2006), os tempos da ortodoxia neoliberal propiciam o
cenário necessário à movimentação sem limites do capital financeiro no Brasil, às custas do
pagamento de taxas de juros exorbitantes, identificadas como as mais elevadas na
civilização do capital .
Esta adoção à risca e, de forma subordinada, da agenda de ajuste de Washington implica
em um processo de desindustrialização do País e em reprimarização da pauta de
exportação brasileira, no âmbito de políticas macroeconômicas de cunho liberal,
transformando o Brasil em uma “plataforma internacional de valorização financeira” e, ao
mesmo tempo, fazendo o País retroceder a uma posição periférica de produtor de
commodities (PAULANI, 2012a). Desse modo, delineia-se e consolida-se, no País, o modelo
de ajuste rentista-neoextrativista, vigente na América Latina, a assumir marcadas
especificidades no contexto brasileiro. Redefine-se, assim, a forma de inserção do Brasil no
processo de acumulação mundial, em tempos de capitalismo financeirizado,
consubstanciando uma posição de “dependência redobrada” do País, como bem sintetiza
Paulani (2012b) .
A pedra de toque nas configurações da experiência brasileira de ajuste é delinear
devidamente este modelo rentista-neoextrativista, consolidado na “Era FHC” e aprofundado
nos governos petistas, com distintas inflexões, permitindo circunscrever diferentes ciclos de
ajuste (CARVALHO; GUERRA, 2018). Tal modelo está estreitamente vinculado à
financeirização da economia brasileira, com base em uma abertura irrestrita ao capital
especulativo, nos circuitos voláteis da acumulação rentista, como forma dominante dos
processos de mundialização do sistema do capital. Desse modo, criou-se condições
objetivas para o desmonte do parque industrial brasileiro, voltando o Brasil a afirmar-se
como produtor de commodities agrícolas e minerais , em vinculação orgânica com a
financerização brasileira dependente.
O modelo rentista-neoextrativista é uma resultante da composição orgânica entre o
rentismo, isto é, o capital financeiro e suas formas exorbitantes de lucros via juros e o capital
vinculado ao neoextrativismo, a acumular riquezas pela via da expropriação, do agronegócio
e da mineração, com base na intensa mercantilização de commodities agricolas e minerais.
Trata-se da articulação, imbricação do financismo e do neoextrativismo, numa poderosa
combinação em que os donos das finanças e os ruralistas, os segmentos do agronegócio e
da mineração, ditam os rumos da vida brasileira .
Ao longo de treze anos, mais precisamente de 2003 a 2015, os governos petistas, com
distintas configurações, assumem este modelo rentista-neoextrativista pela via da chamada
“ideologia da conciliação de classes”, na perspectiva de viabilizar uma regulação dos
conflitos classistas, amenizando e desarticulando o confronto de forças. De fato, esses
governos, na condição de “governos de ajuste ao capitalismo financeirizado”, investem no
que pode ser denominado um “pacto de classes” com distintas estratégias: privilegiamento
dos interesses do capital rentista e do capital vinculado ao neoextrativismo; atendimento
pontual de demandas imediatas de setores extremamente empobrecidos da massa
trabalhadora e de segmentos assalariados; absorção, no aparelho de estado, de segmentos
da burocracia sindical e da direção dos movimentos sociais.
Nestes governos, liderados pelo PT, a viabilização do modelo rentista-neoextrativista
apresenta inflexões que nos permitem circunscrever ciclos diferenciados de ajuste
(CARVALHO; GUERRA, 2015, 2016, 2018), sempre respaldados na chamada ideologia da
conciliação de classes. O primeiro governo Lula (2013-2016) e parte do segundo (2007-
2008) constituem um período marcado pela consolidação das políticas de ajuste herdadas
da “Era FHC”, em articulação com as denominadas “políticas de enfrentamento à pobreza”,
conseguindo em meio à manutenção da histórica desigualdade brasileira, uma mudança na
estrutura de classes, com a ascensão social dos muito pobres e miseráveis, afirmando-se, à
época, a emergência de uma “nova classe média”.
A partir dos últimos dois anos do segundo governo Lula (2009-2010) e no primeiro governo
Dilma Rousseff (2011-2014) deflagra-se um ciclo de ajuste marcado pela tentativa de
hibridização da política macroeconômica neoliberal com o chamado neodesenvolvimentismo
(CARVALHO; GUERRA, 2015, 2016, 2018). Nesta perspectiva, a ideologia da conciliação
de classes assume uma nova configuração, numa tentativa de ampliar o pacto com as elites,
convocando, também, os setores empresariais, em troca de consideráveis incentivos ao
capital. Mantém-se a adesão passiva das massas, consolidando as políticas de
enfrentamento à pobreza. Essa articulação híbrida do neoliberalismo e
neodesenvolvimentismo não consegue se afirmar na vida brasileira. De fato, tem-se uma
recusa do investimento em decolar, fragilizando o governo Dilma Rousseff. Em um contexto
internacional desfavorável à exportação de commodities, as tensões resultantes dessa
composição híbrida de políticas de ajuste ortodoxas e perspectivas heterodoxas
neodesenvolvimentistas vão tecendo, de forma processual, a chamada crise contemporânea
brasileira, contribuindo para o esgotamento da versão petista do modelo de ajuste.
3 O GOLPE 2016 NO CONTEXTO DA CRISE: DEBACLE DA CONCILIAÇÃO DE CLASSES
PETISTA E DOMINÂNCIA DA EXTREMA-DIREITA
A crise estrutural do capital de 2008/2009 começa a expandir-se e chega à América Latina
e, especificamente ao Brasil, no limiar da segunda década do século XXI, criando condições
objetivas para a desestabilização da versão petista do modelo de ajuste, fincado no pacto de
classes. Tal política de conciliação de classes é um elemento-chave na constituição dos
governos petistas, com sérias consequências sociopolíticas: restringe e/ou inviabiliza as
necessárias reformas estruturais, reafirmando privilégios dos setores dominantes do capital,
inclusive das oligarquias agrárias atualizadas à frente do agronegócio; desmobiliza as lutas
da sociedade civil, enfraquecendo o protagonismo do sindicalismo classista e dos
movimentos sociais, com o consequente apassivamento dos conflitos de classe.
Em meio às amarras da ideologia da conciliação de classes, é inconteste a
contraditoriedade na condução política destes governos petistas. Ao mesmo tempo em que,
nas suas estratégias, não apostaram no poder popular, perdendo-se nas tramas da
“pequena política” do Congresso Nacional, estes governos avançaram em políticas
identitárias de gênero, de etnia, de orientação sexual e de todas as formas de diversidade,
criando estruturas, ainda que limitadas, de participação politica, como Secretárias,
Conselhos Paritários, Conferências no âmbito das Políticas Públicas. Igualmente, tais
governos assumiram uma política externa de apoio e reforço à integração autônoma dos
países do Sul, com destaque para as redes de articulação no continente latinoamericano,
investindo na formação dos BRICS, a ameaçar a hegemonia dos EUA.
Em verdade, a política de alianças do PT, sem reservas, com as elites do capital para
chegar e permanecer no governo, vai estar na base da crise contemporânea brasileira. De
fato, esta crise, marcante no “Brasil do Presente”, consubstancia o esgotamento da versão
petista do modelo de ajuste, com base na conciliação de classes. As elites burguesas, para
manterem suas taxas de lucro e de acumulação, em tempos de crise, articulam-se e
deflagram um Golpe de Estado, depondo a presidenta democraticamente eleita, sem os
devidos motivos jurídicos. Trata-se de um “Golpeachment” resultante de composições
espúrias entre o parlamento, a grande mídia e o Poder Judiciário, a investir pesadamente
contra os controles democráticos. As elites efetivam a ruptura do pacto, desconsiderando e,
mesmo, recusando quaisquer negociações com as forças da chamada esquerda, deveras
enfraquecidas.
Assim, em um contexto de conluios e negociatas, as elites do capital juntam-se às forças
políticas da direita e do conservadorismo, deflagrando, pela via judicial, um Golpe para
impor o neoliberalismo mais violento e brutal, a viabilizar a volta de um capitalismo
selvagem, sem quaisquer controles democráticos. Inegavelmente, esta crise contemporânea
brasileira, decorrente da ruptura do pacto pelas elites, constitui o chão histórico onde se
gesta, toma amplitude e se consolida o Golpe de 2016.
Merece destaque especial a pesada e perversa arquitetura do Golpe de 2016, a culminar
com a emergência do chamado “bolsonarismo” e a dominância da extrema-direita, a assumir
o Governo do Estado no Executivo, no Legislativo, com apoio irrestrito do Judiciário. A rigor,
ao longo de três anos - 2016, 2017, 2018 -, são “golpes dentro do Golpe” (CARVALHO,
2017) e, hoje, essa arquitetura de Golpes entrecruzados se reproduz nos tempos obscuros e
sombrios em que estamos mergulhados, nestes primeiros quatro meses de 2019.
O modelo rentista-neoextrativista é assumido no governo de Michel Temer, em uma nova
versão, fundada na intensificação de políticas neoliberais, com processos de desmonte de
direitos, de desmanche de políticas públicas, notadamente a Seguridade Social, atingindo,
fortemente, a classe trabalhadora. A rigor, o governo emergente do Golpe mantém o modelo
de ajuste rentista-neoextrativista, com intensivo processo de superexploração da força de
trabalho e um pesado ônus sobre os pobres, com sérios rebatimentos na questão social
brasileira.
Em verdade, o Golpe 16 deflagra um novo ciclo de ajuste na vida brasileira: é um ciclo de
caráter ultra neoliberal, fundado em uma política de espoliação de direitos, das riquezas
nacionais, do fundo público, de intensificação da superexploração da força de trabalho, de
privatizações, de privilegiamento de interesses do capital estrangeiro (CARVALHO, 2018).
4 “BOLSONARISMO”: UMA PERIGOSA COMPOSIÇÃO DO ULTRANEOLIBERALISMO,
DO MILITARISMO E DO REACIONARISMO POLÍTICO-CULTURAL
No contexto do Brasil do Presente, na rota do Golpe de 2016, é fundamental atentar para a
emergência da chamada nova direita, como fenômeno do nosso tempo. De fato, ao longo da
segunda década dosanos 2000, nos circuitos de constituição da crise brasileira, uma direita,
com novos contornos, em sintonia com as tendências mundiais, vai se constituindo em
nosso País, com um ousado plano estratégico de construção e de difusão de uma ideologia.
Esta nova direita no Brasil começa a ganhar visibilidade pública nas Manifestações de 2013,
construindo uma sistemática articulação via redes sociais. Assim, hoje, a nova direita, a
surfar nas ondas do antipetismo e/ou ódio às esquerdas, conquista o governo brasileiro,
com adesão em vários segmentos da sociedade, atingindo as juventudes de diferentes
classes sociais, inclusive, com força nas periferias urbanas.
Esta nova direita é urdida, ideologicamente, com base em postulados do neoliberalismo em
versões doutrinárias, inclusive, no formato de verdadeiras cartilhas para a “militância”,
difundidas por diferentes meios, sobremodo nos circuitos virtuais. Olavo de Carvalho
destaca-se como seu “guru”, a divulgar ideias e valores reacionários, em meio a insultos e
desqualificação dos “comunistas”, a pairarem como fantasmas, a povoar o imaginário desta
legião de “batalhadores da nação”. No cenário do tempo presente, na vida brasileira, esta
nova direita, formatada na ideologia neoliberal, junta-se a uma direita forjada no
fundamentalismo religioso de igrejas neopentecostais, prisioneira das fortes amarras de um
moralismo, imbrincado a uma religiosidade conservadora, absolutamente intolerante,
gestada no ódio e nas muitas formas de violências. E mais: junta-se a esta composição
ideológica de direitas, o militarismo e o justicialismo, a pregar a violência armada, o
extermínio, como saída!
Em verdade, trata-se de uma “composição de direitas intercruzadas”, a ocupar a cena do
presente, constituindo esta “nova direita brasileira” que, em meio a um sentimento difuso e
vazio de mudança, a alastrar-se no País, transforma um militar reformado e político
medíocre, sem nenhuma projeção, há quase três décadas na Câmara dos Deputados, nos
grotões do chamado “baixo clero”, em “mito”, a encarnar a mudança, em um País, em crise.
De fato, a emergência de Bolsonaro, nas conexões virtuais, se dá em um País em crise, a
emergir da ruptura pelas próprias elites dos chamados pactos de classes, deixando as
esquerdas, que apostaram nesse “canto de sereia”, sem chão… É um País abalado, com a
democracia em desmanche, nos rastros de um Golpe institucional. A rigor, este “paradoxo
Bolsonaro/mudança” só se torna possível na “terra arrasada” de um Brasil atingido por um
Golpe das elites, que deixa as forças progressistas e as esquerdas na defensiva, tragadas
pelo ódio, sistematicamente construído pelo conluio das elites com o Judiciário e
sedimentado pela mídia.
Indiscutivelmente, é nesta simbiose de direitas, de crise, de conservadorismo, de marcha
autoritária, de políticas ultraneoliberais e contrarreformas, de inseguranças e instabilidades,
que se constitui o “bolsonarismo” como um “ponto de chegada” do Golpe de 2016, a sua
culminância, com desdobramentos imprevisíveis. O “bolsonarismo” está muito além de Jair
Messias Bolsonaro que constitui apenas uma figura do momento, uma figura conjuntural.
Em verdade, trata-se de um fenômeno sociopolítico resultante desta convergência de forças
constitutivas da extrema-direita no Brasil, ao final da segunda década do século XXI. A rigor,
“bolsonarismo” é uma configuração sociopolítica de extrema-direita, que articula
ultraneoliberalismo dependente, militarismo patriótico e autoritário, mesclado
comjusticialismo da violência e reacionarismo político-cultural, eivado de um moralismo
religioso. De fato, estas matrizes, imbricadas nas tessituras deste padrão de dominância de
extrema-direita, tem eixos mobilizadores distintos, com projetos específicos e figuras
emblemáticas (GOMES, 2019) .
O ultraneoliberalismo dependente consubstancia um agravamento da agenda de ajuste do
Governo Temer, a efetivar as chamadas “políticas de ajuste fiscal” e de austeridade,
significando, na prática, privatizações, cortes de gastos públicos e contrarreformas para
“desonerar a economia”, num linguajar típico dos agentes do mercado. Tem como figura
emblemática Paulo Guedes e, como projetos estratégicos, as privatizações do que resta das
empresas estatais brasileiras e a Contrarreforma da Previdência, a constituir a “joia da
coroa” do insaciável mercado financeiro, no sentido da extinção do modelo público e
solidário de Previdência Social e a implementação do modelo de capitalização de
previdência privada (FATTORELLI, 2019). É a total submissão ao capital financeiro, numa
posição de extrema dependência, comprometendo a soberania nacional.
O militarismo patriótico e autoritário, mobilizado na cruzada da anticorrupção, em busca da
garantia dos chamados interesses da Pátria, tendo como lideranças o Vice-Presidente
General Hamilton Mourão e um segmento crescente de militares, no interior do governo,
com a figura destacada do General Augusto Heleno. Tal militarismo articula-se com o
judicialismo pela via da violência, tendo como figura-chave o ex-juiz Sérgio Moro, a impor ao
País o “pacote anti-crime”, com o recrudescimento do Estado de Exceção, instaurado no
Golpe 16. Por fim, o reacionarismo político-cultural, que beira a um fascismo sociocultural.
Tem como liderança a pastora Damares Alves, a operar a metamorfose do Ministério do
qual é titular em uma extensão da sua Igreja fundamentalista, empreendendo uma guerra
cultural de retomada de valores tradicionais, religiosos e pré-democráticos, com a cega
convicção de que os grandes problemas do País são “problemas morais”.
5 BRASIL 2019 ENTRE A TRAGÉDIA E A COMÉDIA: RESISTÊNCIA COMO EXIGÊNCIA
HISTÓRICA DO TEMPO PRESENTE
O “bolsonarismo”, como a convergência de distintas matrizes e tendências, sustentadas por
“composição de direitas intercruzadas”, vem inserindo o Brasil em um novo colonialismo,
retomando a condição de subordinação aos interesses dos países centrais nesta ordem do
capitalismo financeirizado, sobretudo dos EUA (CACCIA BAVA, 2019). Ao mesmo tempo,
joga o País no obscurantismo, prisioneiro de amarras reacionárias e desmonta quaisquer
controles democráticos. E, retoma a marcha autoritária, querendo impor, de volta, a censura
em diferentes níveis e distintos espaços.
A cada dia, a indignação dos que buscam encarnar a democracia é surpreendida com fatos
absurdos de todas as ordens, a revelar um tempo-limite que nos faz mergulhar em um
circuito de medos, inseguranças, temendo, também, pelo que há de vir. É uma longa noite
de pesadelos impensáveis!
Para nomear reflexivamente esse momento histórico do Brasil do Presente/2019 é deveras
fecunda a configuração marxiana do “18 Brumário”, para explicar a dinâmica da própria
História: tragédia e comédia. De fato, a população brasileira, em meio ao desgoverno
encarnado pelo “bolsonarismo”, vive um espetáculo trágico-cômico… É uma comédia a
interpelar a crítica dos humoristas, se não fosse trágica, a pesar sobre nós, esmagando
direitos, conquistas, projetos e esperanças. Mas estamos convencidos que não é o fim da
História… O “bolsonarismo” é uma onda, um tempo a ser enfrentado, a exigir dos
democratas novas formas de fazer política e lucidez, coragem, determinação para assumir a
luta permanente. A questão política deste contexto do Brasil de 2019 é perceber e delinear
as resistências em curso, nos diferentes espaços constitutivos da vida social brasileira. É
fundamental criar conexões entre as formas de resistências emergentes e em curso,
constituindo redes políticas capazes de confrontar com as proposições e estratégias da
extrema-direita e sua dominância perpassada de conflitos, desacertos, disputas internas e
contradições.
Mais do que nunca, se faz presente a lição gramsciana de avaliar as nossas forças,
medindo as forças adversárias, construindo processos de luta permanentes, na construção
de uma contra-hegemonia, a congregar as forças democráticas e as esquerdas deste País.
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2012b.
90 ANOS DA I CONFERÊNCIA DE PARTIDOS COMUNISTAS DA AMÉRICA LATINA E O
INDO-SOCIALISMO EM 1929
John Kennedy Ferreira6
RESUMO
Este artigo trata da primeira reunião de partidos comunistas da América do Sul e das contribuições indu socialismo formuladas por José Carlos Mariategui sobre as questões indigenas, raciais, nacionais .
Palavras Chaves: Comunismo, indu-socialismo, questão nacional e racial
ABSTRACT
this article deals with the first meeting of communist parties in South America and the indu socialism contributions formulated by José Carlos Mariategui on indigenous, racial and national issues.
Keywords: Communism, indu-socialism, national and racial question
INTRODUÇÃO
Os anos que se seguem à Revolução Russa são marcados por uma onda
revolucionária que atingiu a vários países. Essa onda foi responsável pela construção de
nova organizações política, como a III Internacional Comunista (IC) e de seus afiados.
Partidos Comunistas que se apresentavam como sessões da vanguarda das lutas
proletárias e expressava como projeto a estratégia da a derrota do sistema capitalista
através da Revolução Socialista mundial. Os Partidos Comunistas passaram a serem
criados em várias partes do mundo, inclusive nas Américas. O PC argentino será o primeiro
a ser criado no continente em 1918 e liderará a construção de vários outros.
Em seu VI Congresso (1928), o cenário é de disputa entre as alas direita, comandada
por Nicolai Bukharin e a ala esquerda de Joseph Stálin. Na avaliação de Bukharin, então
presidente da IC, houve um primeiro período marcado pelo ascenso revolucionário das
massas, um segundo período que se inicia em 1922, o capitalismo alcançou um certo
equilíbrio e o terceiro período haveria uma nova onda de crescimento do capitalismo.
6 Professor Universidade Federal do Maranhão
Stalin compreende que o terceiro período será marcado por uma imensa crise do
capitalismo, seguido de guerras e revoluções. O IV Congresso deu maioria a Stálin e sua
ala, a crise de 29 e a instabilidade que se seguiu no mundo parecia confirmar a suas
avaliações.
E será por conta disso que se processará fortalecimento dos partidos comunistas, sua
bolchevização e proletariazação. Essa passou a ser a meta a ser alcançada, pois partia-se
do pressuposto que as revoluções teriam que ter direções à altura das questões colocadas.
Dessa forma, durante a realização do VI Congresso da Internacional Comunista (IC),
foi aprovada a convocação da I Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina. O
objetivo dessa reunião era impulsionar a criação de Partidos Comunistas no continente e
fortalecer o relacionamento entre o Comintern e seus afiliados, considerando a grave crise
que vesperava o Capitalismo e as lutas que dai decorreriam.
DESENVOLVIMENTO (O Encontro dos Partidos Comunistas da América do Sul)
O encontro contou com a presença de 35 delegados: 8 da Argentina e dirigentes da
Internacional Comunista, os trabalhos foram coordenados pelo destacado dirigente ítalo-
argentino, Victório Codovilla (Lowy,1999: p21). A pauta das discussões foi organizada em
oito pontos, e foram apresentadas no número 6 da revista do Secretariado Sul Americano
(SSA), La Correspondencia Sudamericana.
José Carlos Mariátegui foi encarregado de apresentar três pontos: “Antecedentes e
Desenvolvimento da Ação Classista”; “O Problema das Raças na América Latina” e “Ponto
de Vista anti-imperialista”. Mas por conta de sua enfermidade, Mariátegui não pode estar
presente. Esses pontos foram apresentados pela delegação peruana, composta pelo líder
sindical Júlio Portocarrero e o médico Hugo Pesce. Como observa Escorcim, tratava-se de
uma primeira reunião convocada para debater a situação política e a organização partidária,
durante este debate, se produziu acordos e desacordos entre os participantes
(Escorsin,2006: p260 e PCEr, 2007).
O Encontro envolvendo o ponto de vista do Secretariado e da Delegação Peruana é
motivo de ampla polêmica e tem gerado um volume imenso de opiniões, especulações e
discussões e muitas delas apontam para uma possível ruptura entre Mariátegui e a III
Internacional (Bellotto & Correa, 1982; Alimonda, 1983; Quijano,1981; Caballero, 1989,
Kohan, 1998; Löwy, 1999, Pericás 2011, Sylvana Ferreyra 2013).
Pode–se notar que houve desacordo sobre a participação ou não dos comunistas
peruanos no plebiscito envolvendo os territórios de Tacna e Arica, perdidos na Guerra do
Pacífico, uma vez que o tratado de paz colocava a possibilidade de uma consulta junto à
população local para pronunciar-se sobre a qual país estes territórios pertenciam. Os
comunistas peruanos não viam o plebiscito como importante para o proletariado (Quijano,
1991, p. 198). Igualmente, Escorsim chama atenção para o fato de que o centro do debate
programático teve também como elemento de discussão a separação feita pelo Partido
Socialista do Peru (PSP) entre programa “mínimo e máximo”, e que foi proposta pela
Internacional a mudança de tal item. Houve ainda a proposta de mudança do nome de PSP
para Partido Comunista do Peru, sendo que esse debate transcorreu sem qualquer sanção
aos peruanos e foi acatada um pouco depois do Encontro de Buenos Aires, com a
participação de Mariátegui em 4 de março de 1930 (Escorsim, idem. p. 276).
O fato é que desde o VI Congresso fora aprovada a bolchevização dos partidos, o que
implicava que os partidos deviam ser proletários e comunistas (Pericás, 2011, pp. 12-18).
Não foi levado em conta as considerações da Bancada Peruana e da Colombiana, de que o
proletariado em seus respectivos países eram reduzidos e que o nome socialista daria maior
raio de ação, pois viam na organização e tradição indígena um fator fundamental para a
construção do socialismo e dos partidos comunista. O mesmo ocorrendo com os Delegados
bolivianos que salientaram a impossibilidade de formarem um partido proletário e comunista
e que seria melhor, naquele momento, continuar a sua atividade política dentro do partido
laborista (Pericás, idem, p. 181).
A ideia-força é de que as medidas bolchevizadoras visavam construir um estado-
maior para Revolução, e que só com a transição de partidos amplos para partidos de
quadros e celulares por local de trabalho seria possível alcançar tal intuito. As medidas
acabaram por excluir setores médios, profissionais liberais, setores das classes
trabalhadores, camponeses e estudantes da organização partidária, o que acabou por
reduzir ainda mais o peso dos diminutos PC's na vida de suas respectivas sociedades.
A preocupação com o partido proletário era parte da Resolução que predominava no
Terceiro Período: partia-se de pressuposto da incapacidade da burguesia nacional de
realizar suas tarefas de soberania e observava-se a pequena burguesia como incapaz de
realizar qualquer projeto político autônomo e concluía-se que esta era a base do fascismo.
Dentro dessa lógica, o governo mexicano de Lázaro Cárdenas, produto de uma revolução
nacionalista vitoriosa liderada pela pequena burguesia apoiada pelo campesinato, foi
conceituado como governo protofascista.
Na intervenção do assessor da IC para América Latina, Jules Humbert Droz, foi
explicitado que qualquer aliança com a pequeno-burguesia era um atraso ao processo
revolucionário. Ele também fez muitas críticas a setores da juventude estudantil que serviam
como base política de partidos pequeno-burgueses, tais como a Ação Popular
Revolucionária Peruana (APRA). Igualmente o enfoque nas Teses de Droz sobre a Questão
Agrária mudou em relação ao VI Congresso. Em sua nova abordagem, a imensa maioria da
população latino-americana era composta por trabalhadores da terra, que deixou de ser
visto como camponeses para ser conceituado como proletários rurais. A explicação era de
que o trabalhador rural recebia algum ganho do latifúndio, tanto na questão monetária, como
a obtenção um pedaço de terra. Dessa maneira, eles não poderiam ser encarados como
camponeses e sim como proletários. Portanto, o centro da luta revolucionária dar-se ia entre
o proletariado agrário, o camponês e a liderança do Proletariado urbano.
Diferente desse ponto de vista, o dirigente colombiano Ricardo Paredes frisou que
entendia o processo de transformação latino-americana como a composição de um bloco
urbano, composto pela pequeno-burguesia e o proletariado.
E assim foi definida a política de alianças dos PC's. Eles não poderiam participar de
acordos com o Governo mexicano, com organizações nacionalistas como as existentes no
Brasil, Cuba ou Venezuela ou com Partidos pequeno burguesas como o APRA, PS
Uruguaio ou PS Argentino, e teriam como metas a constituição de Blocos Operários e
Camponeses. Onde não existisse outro partido que não fosse o comunista as alianças
seriam feitas com movimentos ligados aos próprios PC's, ou seja, uma Política de Aliança
consigo mesmo (Caballero, 1989, p. 157).
A Questão Camponesa surgia como tema na convocação para a Conferencia de
Buenos Aires, feita pela Revista La Correspondencia Sudamericana, mas não era
mencionado o problema das populações indígenas. Victório Codovilla pediu a Mariátegui
que preparasse um documento sobre a luta dos indígenas pela sua emancipação. Esta
solicitação foi feita por se saber que Mariátegui tinha um estudo sério, respeitável e um
conhecimento profundo sobre o tema indígena. Mariátegui era, naquele momento, um dos
poucos militantes comunistas capazes de apresentar um ponto de vista à Internacional
Comunista no tocante a questão indígena, que pudesse auxiliar na construção de sua
estratégia (PCEr, 2007).
No VI Congresso a IC alertou para o contingente expressivo de negros nos países da
América Latina, como Brasil, Cuba e outros; em maior porcentagem inclusive que nos
Estados Unidos.
Em Buenos Aires, a discussão centrou-se inicialmente no trabalho do negro e dos
chineses nas plantações e nos problemas da imigração, conclui-se que os PC's deveriam
organizar uma plataforma de luta para os trabalhadores imigrados. Em Buenos Aires, o
debate foi mais amplo e profundo do que o realizado no Congresso em Moscou. Hugo
Pesce declarou a necessidade de um estudo objetivo do problema das etnias baseado no
marxismo; com uma compreensão clara da luta de classes. E uma linha revolucionária em
consonância com a Internacional Comunista. No debate se apresentaram duas linhas
divergentes: a primeira abordagem sobre “Questão Nacional e de Autodeterminação dos
Povos” e o documento de José Carlos Mariátegui, que apresentava como “Questão de
Classe” (Quijano, idem, p. 199).
Foi a Internacional Comunista que, pouco depois de sua fundação, lançou o debate
aos partidos comunistas sobre a necessidade de implementar uma política diferenciada para
as populações marginalizadas. No momento da realização da Conferência de Buenos Aires,
a posição da Internacional Comunista compreendia que as questões étnicas constituíam
nacionalidades.
A fórmula de “Autodeterminação dos Povos” era vista até então como válida para
solucionar o problema. Essa formulação tinha ajudado a compreender como a
particularidade étnica influenciava a experiência e a consciência de classe. Só a partir do
debate, em Buenos Aires, os comunistas puderam entender de maneira mais ampla a
situação social e política das grandes massas étnicas e incorporá-las ao debate sobre a
Revolução Socialista.
José Carlos Mariátegui mostrou que havia um mal-entendido: a Questão Étnica não
conformava necessariamente problemas de ordem nacional, podendo no caso latino
americano, ser de ordem social. O debate envolvendo a Questão Étnica na IC tinha como
referência os negros da África do Sul e sul dos Estados Unidos, onde os comunistas locais
brancos resistiam em organizar a população negra.
Os comunistas desses países adotavam atitudes racistas semelhantes aquelas das
classes dominantes. No V Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1924, as
discussões sobre a Questão Negra começaram a distanciar-se da análise de classe para se
centrar na Questão Nacional. A Internacional Comunista propôs que suas agremiações
defendessem a igualdade social para as minorias étnicas, que formavam nações e, portanto,
também tinham direito à sua autodeterminação. Essa linha política possibilitou um amplo
crescimento do PC nos Estados Unidos e na África do Sul.
O PCA adotou a política do Congresso Nacional Africano, sendo que seu êxito
converteu-se em um modelo de aplicação geral para o trabalho, nos países coloniais e
semicoloniais. No VI Congresso, no debate sobre o papel das etnias, na luta revolucionária,
ficou resolvido que um dos trabalhos mais importantes dos PC's seria a completa igualdade
para os negros, pelo fim de qualquer desigualdade social, econômica e política. O programa,
que foi aprovado, reconheceu o direito de todas as nações e raças à autodeterminação.
Ficou decidido ainda que os negros da África do Sul e dos Estados Unidos constituíam
nacionalidades oprimidas e foi proposto que os comunistas locais organizassem
movimentos de libertação nacional pelo seu Estado autônomo.
O VI Congresso concluiu que havia semelhanças entre a Questão Negra na África do
Sul e nos Estados Unidos e a Questão Negra e Indígena na América Latina. Portanto, houve
transposição do modelo de Autodeterminação dos Povos para a Questão Indígena,
propondo assim a criação de uma república das nações quéchua e aymara, na região
andina (PCEr, 2007).
No Encontro de Buenos Aires, os comunistas latino-americanos voltaram a discutir se
a opressão étnica era um assunto de classe, de etnia ou de nacionalidade. Mariátegui
contribuiu ao reabrir o debate com amplo estudo, seu texto “ O Problema das Raças na
América Latina”, sustentou que a Questão Indígena era um assunto centrado na luta de
classes; que só obteria solução com amplas modificações no regime de propriedade agrária,
pondo fim a distribuição desigual e superando o Feudalismo no campo peruano.
O estudo de Mariátegui registrava que a pobreza e a marginalização indígena deviam-
se, fundamentalmente, à ocupação de suas terras pela ação feudal. Para o escritor peruano,
a questão étnica nublava o problema central: a exploração de classe, que originava a
distribuição desigual da terra; concluindo que, o problema dos índios só seria solucionado
com a destruição do Feudalismo. Para Mariátegui, a interpretação da Questão Étnica em
termos de classe, atribuiria aos indígenas e negros um papel fundamental na emancipação
do proletariado, da opressão local e mundial. Em seu texto “O problema das raças ”,
Mariátegui manifesta sua confiança no potencial revolucionário do campesinato indígena:
“Uma consciência revolucionaria indígena tardará a se formar, mas quando o índio tiver feito
sua, a ideia socialista ele a servirá com disciplina, tenacidade e força que poucos proletários
de outros meios poderão supera-lo” (Mariátegui, 1982, p. 74)
Como bem percebeu Escorsim, essa ideia também é um reflexo e avanço de sua obra
Sete Ensaios, onde argumentou que “a esperança indígena es absolutamente
revolucionaria. El fator indígena se convertiría em um fator revolucionário y por eso enfatizó
que la lucha indígena tenía que poseer um caráter neto de lucha de classes” (Escorsim,
idem, p.276). O documento de Mariátegui sustentava que sem os índios o Peru não existiria,
pois constituíam figura fundamental à construção da identidade nacional, que só se podia
lograr com sua incorporação à nova sociedade socialista: “Quando se fala da peruanidade,
deveria ser investigado se essa peruanidade compreende os índios. Sem o índio não existe
peruanidade possível”. Ou seja, o proletariado peruano era índio. ("Latino Americana sobre
la situacion Internacional y los peligros de Guerra”).
O texto começa salientando que a Revolução Latino-Americana possui caráter
democrático burguês; com a conquista da soberania nacional, reforma agrária, luta anti-
imperialista, entre outras tarefas. Mas deixa claro que a característica subordinada da
burguesia nacional a impossibilitava de ser condutora desse processo. Salienta também,
que a pequena burguesia era vacilante e, portanto, só o proletariado se aliando ao
campesinato teria capacidade de realizar tais tarefas. Nessa Resolução é reafirmado o
ponto de vista de Terceiro Período O Terceiro Período significava o momento de "agonia do
capitalismo", e que este se movimentaria de todas a formas para tentar sobreviver, isso
significaria uma ação austera do Imperialismo contra os trabalhadores e camponeses com
tendência a ampliação da exploração das colônias e semicolônias, o que inibiria seu
desenvolvimento ampliando e fortalecendo os setores feudais e semifeudais e as relações
trabalhistas semi-escravas. Tudo isso aconteceria com o controle da produção de riqueza
aos interesses dos mercados e das forças imperialistas (La Correspondencia Sudamericana,
1928. n15 p.9).
Após X Pleno do Comintern, Bukharin é formalmente afastado de qualquer
responsabilidade dentro de todos os órgãos políticos da IC e do PCURSS, e passa a
predominar uma linha esquerdista. Nas Resoluções explicitava que os comunistas tinham
que se aproximar dos movimentos das massas oprimidas, evitando o jogo das classes
dominantes. Dessa forma criticava-se os desvios burgueses e pequenos-burgueses
decorrentes das práticas eleitorais. O PCB foi criticado por ter transformado o Bloco
Operário Camponês de movimento independente de massas, num processo de
evolucionismo eleitoral e por desaparecer dentro do BOC. (Del Roio, idem, p. 128). No caso
mexicano, as Resoluções são mais taxativas em qualificar os governos nascidos da
Revolução como governos que representavam o “Bloco das Quatro Classes” e que a
tendência política da pequena burguesia, como da burguesia-nacional liberal, seria firmar
uma aliança com o imperialismo que acabaria por desarmar os camponeses e devolver as
terras aos latifundiários. Dessa maneira, a missão do PC mexicano seria a tomada da
direção das lutas populares das mãos da pequena burguesia e avançar na construção da
hegemonia operária. Na Argentina, o governo da União Cívica Radical de Hipolito Irigoyen,
de base pequeno-burguesa, com apoios na burguesia nacional e sólida base popular era
tratado como inimigo do povo e deveria ser combatido e derrotado. Tal postura inibiu os
comunistas de participarem da resistência ao golpe militar do General José Félix Uriburu
(Henn, 2009, p.151).
As posições políticas da IC e do SSA tornam-se ainda mais isolacionistas com a
derrota do grupo de Nicolau Bukharin, acusado de desvio direitista. E assim, o Comintern
desenvolve uma luta por afastar todos os setores que teriam desvio direitista. Dessa forma
em 20 de setembro de 1929 é publicado no La Correspondência Sudamericana a “Carta
Aberta a los Partidos Comunistas de América Latina”. O texto tem uma característica mais
radical e esquerdista que as Resoluções anteriores: frisa a linha de Terceiro Período e a
decorrente tática de Classe contra Classe, lembrando o caráter agônico do Capitalismo, faz
a caracterização da Socialdemocracia como Social-Fascismo. E todos os movimentos e
governos que tinham base pequeno-burguesa, como o governo revolucionário mexicano,
são assim caracterizados.
Na leitura conjuntural feita pela IC, as contradições aguçadas das relações sociais
empurrariam as massas populares à insurreição e, portanto, o papel dos PC's era se
preparar para liderar as agitações, manifestações e greves que surgiriam no Terceiro
Período. Dessa forma, os PC's deveriam evitar qualquer influência burguesa ou pequeno-
burguesa e, assim sendo, deveriam ser afastados dos cargos de direção todos os membros
que não fossem de origem operária. Imprimia-se a bolchevização, que significava a
transformação dos partidos latino-americano à semelhança do partido russo. Igualmente
limitou-se qualquer produção teórica ou avaliação que fugisse à linha determinada pela
Comitê Executivo da IC (CEIC) e pelo Comintern. (La Correspondencia Sudaméricana,
1929. N.18. p 4/5)
“A partir dessa Resolução a palavra bolchevização passou a ser corrente nos textos
de autoria dos comunistas dos países latino-americanos, com o sentido de depuração de
todos os desvios a de direita” (Henn, idem 160). Já em 1930, a revista La Corespondência
Sudamericana é substituída pela Revista Comunista, que teria uma abordagem mais teórica
e seria um elemento importante na orientação e na bolchevização dos partidos. Nesse
mesmo período também é definido que o Secretariado Sul Americano teria sua
nomenclatura alterada para Burau Sul Americano, e designado para dirigir o novo órgão
August Guralsky, militante letão ligado ao grupo de Zinoviev, que havia ocupado cargos de
destaque no Comintern e que após a derrota de seu grupo fez autocrítica e foi designado
para essa atividade. Assumiria esta função juntamente com sua companheira Inês
Guralsky. Além da mudança de nomenclatura e da imprensa, o Bureau é obrigado a se
transferir de Buenos Aires para Montevidéu por conta do golpe militar e perseguição aberta
a opositores e aos movimentos de esquerda. Esse é o período marcado pela sectarização e
isolamento político do Comintern, que recusa qualquer tipo de aliança ou entendimento
prático com outros setores sociais que não sejam proletários e camponeses. E, ao mesmo
tempo, exigem que os partidos se organizem enquanto partidos de massa, que tenham
como ação a criação de Sovietes.
O PC Brasileiro chega a declarar que todos os intelectuais e operários cultos não
poderiam pertencer à direção partidária (Henn, idem, p. 177). A conturbação do Terceiro
Período leva os PC's a promover expulsões de lideranças, exigências de autocríticas de
intelectuais e dirigentes e acaba por levar a diversos “rachas” que denunciam o
burocratismo, obreirismo e sectarismo. A maioria desses grupos acaba aderindo às
posições da Oposição de Esquerda de Leon Trostky ou seguindo outros rumos fundando
pequenas organizações partidárias.
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PROCESSOS POLITICOS CONTEMPORÃNEOS NO BRASIL: hegemonia e Estado em
disputa
Guillermo Johnson7
RESUMO: A presente análise ensaia o devir da participação política no presente século para o caso brasileiro. Para tal apontam-se aspectos importantes da conjuntura internacional visando compreender elementos heteronômicos para a realidade nacional. A dinâmica da participação política, e a sua interferência nos processos decisórios nacionais, foi considerada na ascensão e desenvolvimento nos governos progressistas e sua reversão com bases igualitárias que se vivencia na atualidade. Busca-se evidenciar o papel democrático perseguido pela participação política na primeira década e sua gradual obstrução na deriva autoritária em curso.
Palavras-chave: Hegemonia. Estado. Participação política. Brasil.
ABSTRACT: The present analysis tests the becoming of political participation in the present century for the Brazilian case. For this, important aspects of the international context are pointed out in order to understand heteronomous elements for the national reality. The dynamics of political participation, and its interference in national decision-making processes, was considered in the rise and development of progressive governments and their reversal with egalitarian foundations that we are experiencing today. It seeks to highlight the democratic role pursued by political participation in the first decade and its gradual obstruction in the ongoing authoritarian drift.
Keywords: Hegemony. State. Political Participation. Brazil
1 INTRODUÇÃO
No decurso do presente século foi possível observar intensa dinamicidade nas relações
entre a sociedade civil e o Estado na América Latina. A irrupção das organizações indígenas
no âmbito das transformações institucionais estatais destaca-se na Bolívia e no Equador,
uma diversidade de manifestações populares interfere nas cenas políticas na Argentina e,
posteriormente, movimentos sociais e sindicais fortalecem seus mecanismos de pressão
política com relação ao Estado. A dinâmica da participação politica tem se manifestado com
7 Professor Ciência Política na Universidade Federal do Maranhão
bastante frequência contra as decisões estatais, ainda que também nestas últimas duas
décadas a participação política nos interstícios institucionais experimentou níveis sem
precedentes nos países latino-americanos.
Essa dinâmica ascendente de participação política parece atingir o cume para o fim da
década passada iniciando uma diminuição das suas atividades no que se refere à luta pela
igualdade. A partir do inicio do atual decênio a participação política vai dando lugar a uma
agenda pautada por uma versão compósita conservadora e neoliberal. Há uma mudança
significativa da participação política popular em menos de duas décadas.
Inicia-se o século com o aprofundamento das desigualdades sociais como corolário da
ofensiva neoliberal, que no embalo da reação popular vai conduzir ao poder um conjunto de
mandatários próximos das demandas sociais historicamente represadas e tornadas
urgentes pelo crescimento da pauperização. Iremos considerar como indicador dessa
relação a participação política, pois ela é uma interface entre a sociedade civil, na medida
em que a diversidade de manifestações da protesta social pode ser compreendida como
melhor expressão da sua atividade e as relações que o Estado estabelece com elas, que
compreendem elementos de repressão, cooptação e/ou assimilação com estas.
2 DESENVOLVIMENTO
Com o fim da Guerra Fria o horizonte utópico de transformação social fragilizou suas
referências coletivas. As lutas de classes não diminuíram, mas as organizações políticas
que as encabeçaram têm frequentemente canalizado as perspectivas de diminuição da
exploração social para amplos governos de coalizão, que nos seus melhores momentos
atingem conquistas parciais e/ou imediatas, sendo que amiúde demonstram-se paliativas. A
ofensiva neoliberal, que restabelece os princípios essenciais do capitalismo, visa
desmantelar os direitos sociais garantidos através do Estado decorrentes da conjuntura
internacional aberta com a Revolução Russa. Particularmente na América Latina, paulatina
e heterogeneamente a partir dos anos 1970, essa ofensiva busca fortalecer o papel das
corporações transnacionais no comando da vida social. Se por intervalos alguns dos países
reforça os seus direitos sociais, a dinâmica hegemônica do capital restabelece as diretrizes
pautadas pela extinção de direitos sociais e trabalhistas e a proteção do capital e da
propriedade privada, neste estágio de predominância financeira (HARVEY, 2018).
É importante constar que a esquerda, no embalo do fim da Guerra Fria, considerara a
estratégia de disputa de seus modelos de sociedade alternativa no âmbito das democracias
liberais instaladas em Latino-América.
Nesse contexto sucintamente esboçado a compulsão pela recomposição da taxa de mais-
valia tem intensificado a exportação de capitais, o qual tem criado novos centros de
produção industrial. Assim, no inicio do século assistimos a ascensão da economia chinesa
como polo industrial e crescente compradora de produtos primários, destacadamente
agropecuários e minerais. Os preços das commodities aumentaram sensivelmente no inicio
da década passada, disponibilizando recursos aos países latino-americanos para realização
de investimentos estatais em políticas sociais, assim como financiar empresas privadas. Ao
mesmo tempo, os Estados Unidos investia boa parte do seu poderio militar e logístico nas
guerras levadas adiante no Oriente Médio, sob o mote do combate ao terrorismo.
Com a crise de valorização do capital em crise a partir do crash bancário nos EUA e o
crescente endividamento chinês, o preço das commodities diminui, assim como sua
demanda. A redução de disponibilidade de recursos para os países crescentemente
lastreados no extrativismo estremece os governos progressistas latino-americanos. A inercia
das crescentes demandas sociais e as dificuldades em manter o padrão de financiamento
das políticas estatais repercute em crescentes instabilidades sociais, potencializadas pela
ideologia consumista incutida e pela intervenção significativa de uma retomada de uma
perspectiva conservadora, autoritária e hierárquica da sociedade.
A repercussão da vitória de Donald Trump para a presidência dos EUA, com a promessa de
manter a sua hegemonia com uma política protecionista e belicosa contribui para a mudança
contemporânea da conjuntura latino-americana. Nesse sentido, continuando com a política
de interferência nas políticas dos países latino-americanos iniciada pelo governo Obama,
observa-se o início do desmantelamento da onda de governos progressistas. Somente para
assinalar os casos mais notórios, podemos citar a deposição do presidente eleito em
Guatemala, o impeachment express no Paraguai e posteriormente as mudanças de governo
na Argentina e no Brasil. As possíveis polêmicas à respeito dessas caracterizações somente
visam destacar a convergência do fato de que os governos que assumiram após esses
processos declararem-se abertamente “amigos” dos interesses estadunidenses.
2.1 Apontamentos dos processos políticos brasileiros
No âmbito da conjuntura latino-americana do inicio do presente século a Ciência Política e a
Sociologia brasileira preocupavam-se com uma diversidade de experiências participativas,
principalmente com a sua incorporação ao que se considera uma nova institucionalidade. As
elaborações em torno dos orçamentos participativos e os conselhos gestores de políticas
públicas apontavam uma ampliação democrática do Estado. Essas modalidades crescentes
de espaços participativos apontavam uma democratização da decisão política. A ascensão
da Frente Brasil Popular, encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, indicava a
possibilidade de ampliação da democracia. Nos primeiros anos de governo essa perspectiva
foi se esvaindo na medida em que a ampliação do arco de aliança era privilegiado em nome
da governabilidade.
Se os diversos movimentos sociais e os movimentos sindicais tiveram suas reivindicações,
inicialmente, parcialmente atendidas, as tensões dessa busca pela governabilidade foi
tendencialmente fortalecendo setores da sociedade que historicamente detinham o poder
econômico. Isso pode ser constatado no crescente poder econômico que o setor vinculado
ao agronegocio foi ganhando no bloco do poder, assim como a persistência do setor
financeiro no bloco do poder. Essa situação vincula-se à crescente importância que as
commodities foram consolidando na pauta exportadora brasileira.
É indispensável assinalar que nesse período, dos governos Lula da Silva, houve um
importante investimento em políticas públicas, aumentos dos salários mínimos, a
disseminação de empréstimos para amplos setores da população e um estímulo significativo
do consumo. Situação essa que capturou a atividade política nas redes institucionais,
canalizando as demandas no âmbito do espaço estatal. O papel desempenhado pelas
maiores centrais sindicais e dos principais movimentos sociais na persistente negociação no
seio dos aparelhos estatais repercutiu na diminuição das manifestações reivindicativas.
Gradualmente, a ação governamental foi deixando de lado a interlocução com as
organizações sociais e tornando-se refém das demandas empresariais, do setor financeiro e
do agronegocio.
Durante os governos de Dilma Rousseff essa dinâmica institucional contribuiu para o
fortalecimento do bloco de poder gestado nos governos anteriores. Os setores financeiros e
do agronegocio fizeram-se presentes na configuração ministerial, na busca por reforçar a
hegemonia desses setores na economia nacional. Torna-se importante lembrar que os
setores das igrejas evangélicas também foram representados nesse governo, iniciando o
questionamento à concepção liberal de direitos humanos.
No percurso desses governos progressistas os conselhos gestores de políticas públicas,
assim como os espaços de negociação interclasses, foram comprometendo o seu caráter
deliberativo (ANTUNES, 2018). O esvaziamento popular desses espaços de deliberação
vincula-se à perseverante hierarquização dos processos decisórios, impregnados pelas
políticas de escassez de recursos que paulatinamente interferiram no seu desenho.
Ampliação do inserção dos intelectuais nos espaços estatais contribuíram com essa
dinâmica.
Para o final do primeiro mandato da presidente intensas mobilizações de rua demandavam
inicialmente o congelamento do preço das passagens de ônibus em São Paulo. A seguir,
manifestações multitudinárias demandaram melhorias nas políticas de saúde e urbanas no
âmbito da proximidade da Copa Mundial de Futebol e das Olimpíadas a serem realizadas no
país. Na dinâmica dessas mobilizações movimentos de protestos das políticas de promoção
das igualdades sociais levadas adiante pelos governos progressistas foram ganhando
adesões. Os movimentos direitistas e conservadores tornaram-se cada vez mais evidentes
naquele contexto, incentivados por emergentes organizações “liberais” com pautas
conservadoras e com aberta promoção pelos principais meios de comunicação de massas.
Simultaneamente a esses episódios o ativismo judicial com um discurso de combate a
corrupção – a Lava Jato – inicia a demonização das principais figuras dos governos
imediatamente precedentes.
Nesse cenário de diuturna fustigação à pauta neodesenvolvimentista levada adiante pelos
governos progressistas constrói-se o descredito do governo Dilma Roussef, até a condução
da sua deposição. O esvaziamento do apoio popular, já combalido pela campanha
neoliberal e conservadora deflagrada pelos diversos meios de comunicação de massas,
conduziu para o golpe institucional deflagrado para empossar seu Vice-Presidente. As
escassas manifestações populares em oposição a esse golpe colocam em pauta o
afastamento progressivo que esses governos petistas construíram.
A virada que os setores oligárquicos, mancomunada com seus aliados transnacionais,
construíram ao longo da presente década foram paulatinamente cerceando os espaços
participativos populares. A partir de uma crescente propaganda – numa dobradinha infalível
entre membros do poder judiciário e os meios de comunicação de massas – foi se
construindo o ideário de que a esquerda é corrupta, rouba ao Estado, favorece somente os
seus aliados e cerceia o atendimento das demandas do conjunto da nação. Daí, para a
criminalização da protesta e dos movimentos sociais a equação foi ganhando adesão
popular. Nessa dinâmica os espaços públicos que poderiam ser utilizados para apresentar
uma versão diferente já tinham sido fechados.
A partir da reeleição da presidente Dilma Rousseff se observa uma continua convergência
dos meios de comunicação de massas, setores do judiciário e do legislativo em construir
uma narrativa de intensificação da agenda neoliberal. Os setores provindos das igrejas
evangélicas e conservadores que estavam à espreita de uma oportunidade de desempoeirar
sua visão de mundo acabaram tornando-se interlocutores dos “bons costumes” e visando
fortalecer pautas misóginas, anti-homoafetivas e atacando a conformação alternativa das
famílias.
O surgimento de um porta-voz apropriado para esse processo político percorre uma
trajetória pouco convencional na corrida presidencial. A manutenção ante o desgaste
significativo que o governo Temer vivenciou desde a sua posse pode ser compreendida pela
blindagem que os mesmos setores que o conduziram a esse posto ergueram perante as
evidências que em outras circunstâncias a deposição seria seu caminho natural. Esse
processo permitiu a continuidade do projeto levado adiante por aqueles setores que
encabeçaram a atual situação.
Ainda que tenha se apresentado a Bolsonaro como candidato à margem das disputas
políticas sua retórica tem se demonstrado como a mais adequada para levar adiante o
projeto das elites econômicas nacionais. As eleições apresentaram-se atípicas, sendo que o
candidato com maior apoio popular, Lula da Silva, ter sido eliminado da corrida presidencial
com um processo judiciário crivado de vícios de origem e desenlace e o súbito
escamotearem das propostas do candidato vitorioso já é suficiente para desenhar o cenário.
A disseminação de um discurso de ódio para aqueles que defenderem pautas igualitárias e
sua tendencial criminalização torna-se o terreno propício para legitimar a crescente
violência. Do início o atual governo tem demonstrado interesse em eliminar os espaços de
transparência nas informações estatais, levar adiante a agenda privatizante neoliberal e
fechar os espaços remanescentes de participação política no âmbito do Estado.
No contexto sucintamente esboçado as perspectivas de participação politica voltam a tornar
o Estado e o governo como alvo preferencial. Os laços de interlocução com a sociedade
civil, particularmente dos movimentos sociais e das organizações provindas da esquerda –
inclusive os partidos e sindicatos –, construídos pelas administrações anteriores têm sido
anulados. A composição social deste governo abriga os herdeiros e recentemente chegados
à oligarquia latifundiária e o setor financeiro, de forma secundária os setores ligados à
indústria; assim como as igrejas evangélicas e seus porta-vozes. Essa aliança,
conjuntamente com vastos setores da institucionalidade estatal e os meios corporativos de
comunicação, tem capturado a sociedade política e instalado uma hegemonia ideológica e
cultural no país.
Os espaços de reação organizada a esse vendaval neoliberal e conservador ainda não
estão delineados. Mesmo porque as dificuldades de caracterização pelos setores
oposicionistas apresentam-se como incipientes, o qual pode ser decorrente da
fragmentação experimentada pelos mesmos, assim como a tentativa da principal corrente
política oposicionista em persistir no seu modelo de intervenção social.
3 CONCLUSÃO
Analisar o devir da participação política, considerando o seu potencial no âmbito do
processo decisório, nesta quase duas décadas do presente século é um desafio que
transborda deste sucinto ensaio. Ao considerar esse período, tanto em nível da América
Latina, quanto para o caso brasileiro é possível apontar a diversidade e intensidade de
modalidades participativas que desabrocharam no seu início e a paulatina diminuição do seu
vigor.
A mudança de sinal, ainda que heterogêneo se considerarmos Latino América, a partir do
inicio da atual década quiçá surpreenda verificar que os retrocessos dessa ofensiva
neoliberal se apresentam em terras brasileiras com particular força. As medidas
crescentemente autoritárias que o atual governo vem tomando conduzem a vislumbrar a
tentativa de criminalizar o protesto social.
As aproximações para compreensão do fenômeno em curso devem considerar o contexto
internacional e o jogo de forças em âmbito regional e nacional. As tensões pela disputa
hegemônica no sistema mundial repercutem decisivamente para a dinâmica contemporânea
do exercício do poder.
Considerando o antes exposto torna-se premente avançar para a análise do fortalecimento
do conservadorismo e neoliberalismo, e estar atentos para a fase ditatorial na sua
implantação. Nessa tendencial diminuição dos espaços de consenso, democráticos, a
participação somente será tolerada enquanto não interferir nos planos do capital; senão, a
tendência, será o fortalecimento da coerção. A incitação à violência desde o inicio da
campanha do atual presidente visa legitimar o terror de Estado contra os pobres e todos
aqueles que eventualmente ofereçam resistência ao modelo em curso.
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