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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA DEPARTAMENTO DE TURISMO CURSO DE GRADUAÇÃO EM TURISMO BEATRIZ SOARES CRUZ DE SOUZA TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE NA FAVELA SANTA MARTA, RIO DE JANEIRO - RJ NITERÓI 2016

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: O CASO DA AGÊNCIA … Soares.pdf · Aos meus amigos Fernanda Rocha, Leonardo Brans e Renan Henrique que compartilharam comigo muitos desesperos e risos

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA

DEPARTAMENTO DE TURISMO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TURISMO

BEATRIZ SOARES CRUZ DE SOUZA

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE NA FAVELA SANTA MARTA, RIO DE JANEIRO - RJ

NITERÓI

2016

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BEATRIZ SOARES CRUZ DE SOUZA

TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE NA FAVELA SANTA MARTA, RIO DE JANEIRO - RJ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Turismo pela Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientador: Prof. Dr. Marcello de Barros Tomé Machado

NITEROI

2016

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TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA: O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE NA FAVELA SANTA MARTA, RIO DE JANEIRO - RJ

Por

BEATRIZ SOARES CRUZ DE SOUZA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Turismo pela Universidade Federal Fluminense como requisito parcial de avaliação para obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Professor: Prof. Dr. Marcello de Barros Tomé Machado, Orientador - UFF

____________________________________________________________

Prof. D. Sc. Helena Catão Henriques Ferreira

____________________________________________________________

Prof. Dr. Bernardo Lazary Cheibub

Niterói, 20 de dezembro de 2016

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar gostaria de agradecer aos meus pais que, não só me

apoiaram e me incentivaram nestes cinco anos de faculdade, como o fizeram

durante toda a minha vida. Obrigada por todo o esforço físico, emocional e financeiro

que despenderam durante todos estes anos para me proporcionarem sempre o

melhor ensino. Obrigada por acreditarem em mim quando eu mesma não acreditava.

Essa conquista é de vocês, por vocês e para vocês.

Ao meu orientador, Marcello Tomé, pelo auxílio e conselhos. A Sheila Souza

e Roberta Souza pela disponibilidade, paciência, por me ajudarem a concluir meu

trabalho e a trazer para a universidade um assunto tão importante.

Durante esses anos de faculdade fiz inúmeras amizades. Agradeço as minhas

amigas Joana Passos, Mariana Gimenes e Patrícia Barbosa por todos os trabalhos

realizados juntos, por todos os estudos pré-provas, e diversas histórias

compartilhadas. Aos meus amigos Fernanda Rocha, Leonardo Brans e Renan

Henrique que compartilharam comigo muitos desesperos e risos. Ao Higor Carvalho

e Emylai Brum por me incentivarem desde o início.

Aos meus amigos que acompanharam minha caminhada até aqui e torceram

por mim. Aos meus colegas de trabalho do Pão de Açúcar que me cobraram este

trabalho todos os dias, durante meses e me ajudaram a continuar.

Por último, porém não menos especial, meu grande agradecimento a Paula,

que foi minha maior incentivadora durante este período, sem a insistência dela, não

teria conseguido. A Taísa Diniz, Juliana Nunes, Nathalie Operti e a minha prima

Julyana Cruz que me ajudaram, aconselharam e me deram forças nos momentos

que mais precisei.

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RESUMO

O turismo de base comunitária é um segmento do turismo em que a própria

comunidade local é protagonista, tendo como objetivo preservar sua história e

memória cultural, sensibilizando os atores sociais desse processo quanto à

conservação ambiental em seu próprio espaço. O objetivo deste trabalho é verificar

a ligação entre turismo de base comunitária praticada por uma agência e a

comunidade receptora. O estudo em questão se apoia na pesquisa de natureza

qualitativa com entrevista descritiva. Os resultados consistiram na análise da

entrevista com perguntas estruturadas e indicam que existe uma relação muito forte

entre a comunidade e a agência Brazilidade no que se refere ao turismo existente na

favela Santa Marta. Ao priorizarem a população local e sua história na atividade

turística, o turismo é feito de forma mais sustentável para localidade e o turista se

beneficia ao receber de forma genuína a experiência do turismo em favela.

PALAVRAS-CHAVE: Favelas. Turismo de base comunitária. Santa Marta.

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ABSTRACT

Community Based tourism is a field of tourism in which the local community itself is

the protagonist. It aims to preserve its history and cultural memory, activating the

local community to preserve their own environment. The objective of this study is to

draw a link between Community Based tourism practiced by an agency and the

receiving local community. The study is based on qualitative research with a

descriptive interview consisted of structured questions. The results of it analysis

indicates that there is a very strong link between the community and the Brazilidade

agency, regarding the existing tourism in the favela Santa Marta. Tourism is more

sustainable for local community by prioritizing the local population and its history.

This kind of tourism provides a genuine experience of the favela.

KEYWORDS: Favelas. Community Based Tourism. Santa Marta.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Morro da Providência..........................................................................14

Figura 02: Tour em uma township, África............................................................19

Figura 03: Turismo em Soweto, África.................................................................19

Figura 04: Teleférico na estação do barrio Santo Domingo, Medellín.................20

Figura 05: Turista em Dharavi..............................................................................21

Figura 06: Filme “Cidade de Deus”......................................................................23

Figura 07: Filme “Tropa de Elite”.........................................................................24

Figura 08: Morro da Babilônia antes do reflorestamento.....................................34

Figura 09: Morro da Babilônia depois do reflorestamento...................................34

Figura 10: Galeria de Artes a Céu Aberto, MUF..................................................37

Figura 11: Mapa da favela Santa Marta...............................................................38

Figura 12: Estátua do Michael Jackson...............................................................42

Figura 13: Painel do Romero Britto......................................................................43

Figura 14: Praça Cantão......................................................................................44

Figura 15: Muro pintado pelo artista Swell...........................................................45

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................1

0

1. FAVELAS: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO COMO DESTINO TURÍSTICO....12

1.1 SURGIMENTO DAS FAVELAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO ............... 12

1.2 A PRÁTICA DO SLUMMING NO MUNDO ....................................................... 18

1.3 A ORIGEM DAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO COMO DESTINO

TURÍSTICO ............................................................................................................ 22

2. TURISMO DE BASE

COMUNITÁRIA..........................................................................................................27

2.1 HISTÓRIAS E DEFINIÇÕES............................................................................ 28

2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA .................. 32

2.3 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO..

............................................................................................................................... 34

2.3.1 O caso do Morro da Babilônia/Chapéu

Mangueira...........................................................................................................34

2.3.2 Vila Canoas................................................................................................36

2.3.3 Complexo Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e o

MUF.....................................................................................................................37

3. A FAVELA SANTA MARTA, SUA HISTÓRIA E O CASO

BRAZILIDADE...........................................................................................................39

3.1 A FAVELA SANTA MARTA: HISTÓRIAS E INTERVENÇÕES ........................ 39

3.2 O TURISMO NA FAVELA SANTA MARTA ...................................................... 43

3.3 O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE ............................................................ 46

3.4 ENTREVISTA COM A IDEALIZADORA DA AGÊNCIA BRAZILIDADE .......... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................53

REFERÊNCIAS..........................................................................................................56

APÊNDICES...............................................................................................................60

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INTRODUÇÃO

A exploração das habitações populares e suas comunidades como atividade

turística, encontra sua origem na prática do slumming, na Inglaterra.

Cenário recorrente no imaginário dos turistas, as favelas cariocas se tornaram

a partir da ECO-92, destinos de turistas internacionais. De acordo com Freire-

Medeiros (2006), "Foi então que a favela saiu das margens da cultura turística para

tornar-se uma atração altamente lucrativa."

Entretanto, é comum encontrar críticas relacionadas ao modo de realizar este

turismo. Encontra-se então no turismo de base comunitária uma forma de realizar a

atividade pensando nos benefícios que podem ser trazidos para a comunidade e

seus moradores.

Apesar de existir algumas ações de turismo de base comunitária no Brasil

desde a década de 1990, o tema é relativamente novo no meio acadêmico e

mercadológico, necessitando de novas discussões para que se possa abranger

todas as suas vertentes.

O presente trabalho trata do turismo de base comunitária utilizando-se como

estudo de caso a agência Brazilidade localizada na favela Santa Marta, zona sul da

cidade.

O estudo fundamenta-se na seguinte pergunta: qual a ligação entre o turismo

de base comunitária praticado por uma agência e a comunidade receptora?

Sendo assim, o objetivo geral do trabalho é verificar o vínculo gerado entre a

prática do turismo de base comunitária realizada pela agência Brazilidade e a

comunidade na qual ela está inserida, a favela Santa Marta. Os objetivos específicos

são descrever a história das favelas no Rio de Janeiro, analisar como as favelas se

tornaram um destino turístico divulgado, conceituar turismo de base comunitária,

identificar casos de turismo de base comunitária nas favelas do Rio de Janeiro e

analisar a agência Brazilidade e seus serviços prestados.

Para a realização do trabalho, a metodologia utilizada consistiu na pesquisa

qualitativa com entrevista descritiva. A primeira etapa foi levantamento bibliográfico a

fim de contextualizar o surgimento das favelas no Rio de Janeiro e sua relação com

o turismo, bem como a conceituação do turismo de base comunitária. Ainda nesta

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etapa, vale destacar que foram retratados exemplos de turismo de base comunitária

nas favelas do Rio de Janeiro.

A segunda etapa embasa-se na realização de uma pesquisa de campo com

perguntas estruturadas. Para cumprir com o objetivo geral do trabalho e

complementar a primeira etapa, realizou-se entrevista com a idealizadora e

administradora da agência Brazilidade, localizada na favela Santa Marta, Rio de

Janeiro. A entrevista buscou informações com o propósito de entender melhor o

funcionamento da agência, seus serviços, a relação da agência com a comunidade e

da comunidade com o turismo.

No primeiro capítulo foi abordada a gênese das favelas cariocas a partir dos

trabalhos de autores como Abreu (1994), Valladares (2005) e Vaz (1994), o início da

prática do slumming nascido na Europa e praticados em outros países, além das

favelas cariocas como destinos turísticos ao citar, por exemplo, Freire-Medeiros

(2009).

O segundo capítulo consiste em definir conceitos sobre turismo de base

comunitária e outros conceitos relacionados utilizando autores como Spampinato

(2009), informar sobre políticas públicas no Brasil que fomentem a atividade a partir

de informações fornecidas pelo Ministério do Turismo, e trazer casos da prática que

são utilizados nas favelas do Rio de Janeiro.

O terceiro e último capítulo fornece a história sobre a origem da favela Santa

Marta, informações encontradas no site da agência Brazilidade e a entrevista

realizada com a sua idealizadora e administradora, Sheila Souza. Para finalizar,

ainda neste capítulo, foi feita análise acerca da entrevista realizada.

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1. FAVELAS: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO COMO DESTINO TURÍSTICO

A busca da autenticidade na experiência turística vem se tornando cada vez

mais comum entre os turistas que buscam um turismo diferenciado. De acordo com

Freire-Medeiros (2006), o turismo se segmenta e organiza-se de modo a atender

tanto o turista que prefere as atividades tradicionais, quanto aquele que opta por

fugir do usual, rejeitando o título de turista.

Ao longo dos anos, as áreas mais pobres de alguns países começaram a

receber olhares de curiosos. Diversos pretextos para as visitas foram utilizados,

porém o interesse em conhecer aquilo que não fazia parte do seu habitual era um

dos maiores motivadores para essa locomoção.

Vendidas como destinos turísticos, as favelas cariocas recebem turistas que

buscam entrar em contato com uma realidade social, econômica e cultural

desconhecida para eles.

1.1 SURGIMENTO DAS FAVELAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Característica presente no cotidiano do habitante da cidade do Rio de Janeiro

e elemento de identificação, as favelas cariocas encontram sua gênese

provavelmente no final do século XIX. Segundo Abreu (1994), duas crises

inquietavam os governantes e mudavam a organização socioespacial da cidade, a

saber: as crises habitacionais e as crises políticas da recém República do Brasil.

Estas podem ser consideradas como desencadeadoras do processo de ocupação

dos morros do Rio de Janeiro.

Após a abolição da escravatura, no ano de 1888, e a proclamação da

república, no ano de 1889, o Brasil sofria transições em sua esfera política,

econômica e social. A cidade do Rio de Janeiro, que era capital do Brasil desde

1763, teve sua aparência de cidade comercial colonial transformada em cidade

industrial. Os escravos foram libertos e a mão de obra que antes era designada a

eles, se tornou mão de obra assalariada. Entretanto, o país estava passando por um

momento de modernização e além da transição por trabalho escravo para o

assalariado, a força escrava também foi substituída por novas tecnologias, como

carris de ferro e implantação de tubos para o transporte de água e esgoto. Com a

implantação de sistemas mais modernos, não era necessário o contingente de

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trabalhadores que existiam, além disto, a mão de obra deveria ser mais qualificada e

disciplinada. Os trabalhadores que antes exerciam trabalhos manuais viram seus

serviços sofrerem transformações e modernizações, não sendo mais necessária a

existência deles, ocorrendo uma onda de desemprego. (VAZ, 1994)

Sobre os trabalhadores existentes na cidade, Vaz (1994, p. 582) informa que:

Estes trabalhadores aumentavam o contingente de escravos, libertos e imigrantes nacionais e estrangeiros que, chegando à cidade à procura de meios de sobrevivência, buscavam a área central, onde se concentravam moradia e trabalho e fervilhava a vida urbana.

Segundo Abreu e Vaz (1991), entre os anos de 1870 e 1890 o número de

habitantes da cidade dobrou e a construção de novas moradias não conseguia

acompanhar este crescimento. Surgiam então, as habitações coletivas formadas

basicamente por estalagens e cortiços.

Ambas as moradias eram extremamente similares: seus cômodos eram de

dimensões pequenas; os banheiros eram de uso coletivo, incluindo mulheres,

homens e crianças; os tanques para a lavagem de roupas deveriam ser

compartilhados por todos os moradores; e o aluguel que deveria ser pago aos

proprietários, possuía valores excessivos (VAZ, 1994).

As habitações não possuíam boa reputação entre as elites. Valladares (2005,

p. 24) diz que, o cortiço era “Considerado o locus da pobreza, no século XIX era

local de moradia tanto para trabalhadores quanto para vagabundos e malandros,

todos pertencentes à chamada ‘classe perigosa’.”.

De acordo com Vaz (1994), o aumento da existência de cortiços e estalagens

e o número crescente de pessoas morando nestes tipos de habitação, onde as

condições de higiene eram precárias, propiciavam o surgimento de doenças dentre

elas, febre amarela, cólera e varíola. Valladares (2005) relata que estas habitações

populares eram vistas como ameaças e locais difusores das epidemias que

assolavam a cidade do Rio de Janeiro.

No final do século XIX, iniciou-se uma campanha contra tais habitações. A

Inspetoria de Higiene Pública juntamente a Academia de Medicina lideraram esta

caçada contra as estalagens e cortiços na cidade do Rio de Janeiro. A partir do ano

de 1890, diversos cortiços foram interditados ou demolidos. O mais importante deles

e que se tornou símbolo desta medida higienista, foi o Cabeça de Porco, que

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abrigava mais de 2.000 pessoas e foi demolido em 1893, na gestão do então

Prefeito Barata Ribeiro. (ABREU, 1994)

Após a demolição do cortiço Cabeça de Porco, localizado no início do atual

Morro da Providência, um dos proprietários do cortiço que possuía terrenos no

mesmo morro, concedeu estes espaços para os antigos moradores do Cabeça de

Porco com a finalidade de construir pequenas casas mantendo assim, seus

inquilinos e o pagamento do aluguel realizado anteriormente no cortiço. (VAZ, 1986

apud ABREU,1994)

O processo de destruição dos cortiços e estalagens é um dos acontecimentos

geradores da criação das favelas. Valladares (2005, p. 24) comenta que “Estudos

sobre os cortiços do Rio de Janeiro demonstram que esse tipo de hábitat pode ser

considerado o “germe” da favela”.

Paralelamente ao processo de destruição das habitações coletivas, a Revolta

da Armada acontecia na cidade do Rio de Janeiro nos anos de 1893 e 1894. De

acordo com Abreu (1994), o Governo encontrou dificuldade em alojar os militares

que retornavam da Revolta e foi ordenado então, que abrigassem os soldados no

convento de Santo Antônio. Porém, o convento não comportava a quantidade de

militares e uma nova ordem foi expressa. Desta vez, foi autorizado que se

construísse barracões nas encostas do morro do Santo Antônio. Segundo Abreu e

Vaz (1991), em 1897 já havia 41 barracões construídos neste morro.

Apesar de estes acontecimentos possuírem ligações diretas com a história da

constituição das favelas cariocas, é na Guerra dos Canudos que ela é reconhecida e

se torna a origem desta nova organização habitacional na cidade do Rio de Janeiro.

Valladares (2005) comenta que os antigos combatentes da guerra de

Canudos, ao retornarem da guerra, encontraram na ocupação do então Morro da

Providência (Figura 1), um modo de pressionar o Ministério da Guerra a pagarem os

soldos atrasados. Como a situação não era resolvida, os soldados permaneceram

na encosta do morro e construíram casebres no local. (VAZ, 1994)

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Figura 01: Morro da Providência

Fonte: Museu de Imagens, 2016

O morro da Providência, que recebeu este nome referente a providência que

os soldados tomaram (Museu de Imagens,2016), logo foi rebatizado e recebeu o

nome de Morro da Favella. Acredita-se que o nome também é derivado da guerra

dos Canudos. Valladares (2005, p. 29) observa que há duas razões para este nome:

1ª) a planta favella, que dera seu nome ao Morro da Favella – situado no município de Monte Santo no Estado da Bahia – ser também encontrada na vegetação que recobria o Morro da Providência; e 2ª) a feroz resistência dos combatentes entrincheirados nesse morro baiano da Favella, durante a guerra de Canudos, ter retardado a vitória final do exército da República, e a tomada dessa posição representando uma virada decisiva de batalha.

A obra de Euclides Cunha lançada em 1902, “Os sertões”, foi um fator

determinante para o entendimento do nascimento das favelas. Euclides da Cunha

conta em seu livro características do povoado de Canudos e, de acordo com a

autora, a obra foi lida por diversos intelectuais da época. Através de relatos de

jornalistas que visitaram os morros e os comparando com “Os sertões”, é possível

notar uma similaridade entre ambos (VALLADARES, 2005).

Simultaneamente ao lançamento da obra, diversos crimes foram registrados

na região do Morro da Favella. Abreu (1994) atribui estes crimes a localização

afastada do Morro e as particularidades do mesmo que inibiam a presença da força

policial no local.

De acordo com reportagem do Correio da Manhã (1902) citada por Abreu

(1994, p. 39): “Em 1902, o morro da Providência já é visto pela imprensa como ‘uma

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vergonha para uma capital civilizada’, como ‘o perigoso sítio que a voz popular

denominou morro da Favela’.”.

A cidade, que ainda possuía características e estruturas coloniais, apesar de

ser a capital do país, sofria renovações: a modernização na organização de

transporte de cargas por meio de trens colidia com a distância entre a malha

ferroviária e o porto do Rio além de seu transporte de conexão ser precário; no setor

industrial a cidade encontrava dificuldade, pois as indústrias não eram bem

localizadas e distantes entre elas, o que dividia a produção; as ruas eram estreitas e

escuras contradizendo com o que se esperava da capital do Brasil; cortiços eram

presentes no mesmo espaço que importantes edifícios e a classe operária convivia

com grandes empresários (ABREU, 2003).

De acordo com Abreu (2003), Pereira Passos (1902-1906), com a finalidade

de sanar problemas na cidade, realizou a maior reforma urbana que a cidade tinha

enfrentado até então.

Benchimol (1953) informa que o prefeito ingressou na área diplomática e foi

enviado a Paris, permanecendo na cidade no período de 1857 até os fins de 1860.

Durante este tempo, a cidade de Paris estava sofrendo modernizações e grandes

obras eram feitas pelo prefeito do Departamento de Seine, Georges-Eugène

Haussmann.

Benchimol (1953, p. 192) relata sobre o plano de obras de Paris: “Haussmann

rasgou, no centro de Paris, um conjunto monumental de largos e extensos bulevares

em perspectiva, com fachadas uniformes de ambos os lados, reduzindo a pó os

populosos quarteirões populares e o emaranhado de ruas estreitas e tortuosas [...]”.

Após regressar de Paris, Pereira Passos esteve à frente de obras no Brasil e

no exterior. Assumiu a presidência da Companhia de Carris de São Cristóvão, no

Rio de Janeiro, e no ano de 1884 convenceu seus acionistas a adquirirem um

projeto elaborado pelo italiano Giuseppe Fogliani que consistia na construção de

uma grande avenida. Este projeto era uma prévia das obras de abertura da Avenida

Central na cidade do Rio de Janeiro na gestão de Pereira Passos (BENCHIMOL,

1953).

Segundo Abreu (2003), a reforma empregada por Pereira Passos tinha dois

objetivos: controle da circulação na cidade e o controle urbanístico. Para realizar o

primeiro, foi iniciada a obra do porto do Rio de Janeiro para a facilitação da

importação e exportação de mercadorias; a criação de inúmeras ruas e avenidas

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para a melhor conexão entre as regiões da cidade; a derrubada de comércios e

casas da população operária e o desaparecimento de trabalhos manuais

relacionados aos transportes de mercadorias gerando desemprego. Quanto ao

controle urbanístico, o Prefeito promulgou leis e decretos proibindo qualquer obra de

melhoria nos cortiços que sobreviveram às derrubadas e proibiu as manifestações e

práticas populares, além de combater formas de trabalho da camada mais pobre

como ambulantes e trabalhadores de quiosques.

Ainda durante o governo de Pereira Passos, em 1904 houve a Revolta da

Vacina na cidade do Rio de Janeiro. A população estava insatisfeita com algumas

medidas do governo como a vacinação obrigatória e as demolições que

continuavam agravando a crise de habitação na cidade. As manifestações mais

sérias ocorreram aos pés do Morro da Providência, e muitos dos que participavam

da revolta se refugiavam no morro ou já moravam por lá. Diante da imprensa, o

morro mais uma vez possuía a imagem denegrida (ABREU, 1994).

Valladares (2005) informa que no ano de 1905 uma comissão foi criada para

sanar os problemas das habitações populares. Dentre os integrantes estava

Everardo Backheuser, engenheiro civil, que tinha como foco as instalações

insalubres e tinha sua atenção voltada também para o caso das favelas,

principalmente o Morro da Favella. Em seu relatório, o engenheiro incluiu a favela

como habitação popular insalubre e assinalava a necessidade de intervir no local.

Com essas intervenções de cunho urbanístico, econômico, político e social, a

população carioca mais pobre, que habitava as habitações populares, se espalhou

pela cidade, ocupando o subúrbio e outros morros próximos à região central da

cidade, expandindo assim, as favelas. Vaz (1994) comenta que há registros de

casas e barracões em Copacabana (1907), Morro do Salgueiro (1909) e na

Mangueira (1910).

Abreu (1994) relata que rapidamente as demais habitações populares que

surgiam em outros morros foram comparadas às iniciais, no Morro da Favella. A

partir de 1920, o nome “favela” se tornou comum e estendeu-se aos outros morros

sendo assim, não designada como nome próprio somente relacionado ao Morro da

Favella, mas agora também, como referência a todas as aglomerações do mesmo

caráter.

Nos anos seguintes outros planos de interferência nessas habitações foram

criados com a finalidade de resolver os problemas que ali se encontravam, porém, a

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propagação das favelas foi crescente se tornando uma das mais comuns formas de

habitação da cidade do Rio de Janeiro. As habitações populares presentes no

cotidiano carioca e ao redor do mundo transformaram-se em importantes atrativos

turísticos, como será analisado a seguir.

1.2 A PRÁTICA DO SLUMMING NO MUNDO

Não foi somente no Brasil, e na cidade do Rio de Janeiro, que pesquisadores,

jornalistas, sentiram a curiosidade de conhecer o que acontecia entre as camadas

mais pobres da população. Na era vitoriana1, a elite circulava entre os menos

favorecidos e acreditavam que, só assim, era possível discutir sobre os problemas

sociais existentes (KOVEN, 2004 apud FREIRE- MEDEIROS, 2009).

Valladares (2005, p.23) relata os responsáveis pelas primeiras medidas em

relação aos males que assolavam a população mais pobre:

No século XIX, quando a pobreza urbana se tornou uma preocupação para as elites européias, foram os profissionais ligados à imprensa, literatura, engenharia, medicina, direito e filantropia que passaram a descrever e propor medidas de combate à pobreza e à miséria.

A prática se tornou comum e logo foi denominado como slumming. O termo

surge da palavra “slum” que, na linguagem inglesa dos anos de 1840, era usada

para identificar as piores habitações com más condições sanitárias; um local que

servia como refúgio para os criminosos, viciados em drogas e totalmente diferente

de habitações decentes e saudáveis (UN HABITAT, 2003 apud NUISSL;

HEINRICHS, 2013).

Segundo Freire-Medeiros (2009), a definição do termo encontrada no

Dicionário de Oxford, 1884, caracteriza o slumming como sendo uma prática de

visitar as áreas pobres das cidades por motivos de realizar algum trabalho social ou

apenas por curiosidade. Alguns críticos consideravam que, na verdade, a

curiosidade estava disfarçada de filantropia e que a elite encarava a experiência

como um divertimento, ainda que tal diversão fosse observar a pobreza dos demais.

1 Consiste no período de reinado da Rainha Vitória, na Inglaterra, de 1837 á 1901. Seu reinado foi marcado por grandes transformações industriais e tecnológicas, divisões entre ricos e pobres, registros de crimes extraordinários, entretenimento para as massas e a luta para a diminuição da miséria e doenças. Disponível em: https://www.bl.uk/victorian-britain. Acesso em: 30. Nov.2016

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Freire-Medeiros (2009) informa que “[...] se a prática do slumming esteve na

moda na virada do século, duas décadas adiante já não ocupava o mesmo espaço

na agenda da elite.”. Foi somente no século XX que as camadas populares, suas

habitações e cotidiano voltaram a ser foco da alta sociedade. A prática que antes era

justificada como filantropia, no século seguinte retornou em forma de turismo.

O slumming ganhou força e se espalhou para outros países, como por

exemplo, a África do Sul. Entre as décadas de 1950 e 1990, o país sofreu com o

Apartheid, um sistema de segregação racial. Durante estes anos, o país era

conhecido pela violência policial, a violação dos direitos humanos, um país onde os

cidadãos eram classificados e separados pela sua cor, gerando então uma imagem

negativa no exterior. A visão dos colonizadores ainda perpetuava e África do Sul era

vista com um país exótico e primitivo se tornando um destino turístico internacional

(DONDOLO, 2002).

Segundo Dondolo (2002), o turismo no país é controlado pela South African

Tourism (SATOUR), órgão nacional que controla e regula a indústria do turismo na

África do Sul. Em 1960 e 1976 dois atentados ocorreram no país, em Shaperville e

Langa respectivamente, durante manifestações. As ações opressoras dos policiais

contra os manifestantes resultaram em mortes e foram condenadas em todo o

mundo. Como consequência destes atos e a condição política da época, houve

parcial isolamento de todos os níveis e setores da África do Sul, inclusive no turismo.

Enquanto isto, o SATOUR continuava promovendo o país, divulgando que

dentre as vantagens da África do Sul, a melhor era a diversidade de atrativos.

Entretanto, o número de turistas permanecia baixo devido as condições políticas e a

resistência da população ao Apartheid, gerando um clima hostil. Esta situação se

prolongou até a década de 1980, quando houve uma inovação no SATOUR

promovido pelo governo que estava insatisfeito com a situação (DONDOLO, 2002).

Entre os anos de 1976 e 1980, houve o crescimento das chamadas townships

na África do Sul. As townships são áreas residenciais separadas e formadas por

pessoas que não eram consideradas brancas ou não-europeus. Em 1980, as áreas

foram incluídas no turismo com a finalidade de trazer a população branca para as

áreas onde os negros moravam e que eles não conheciam, iniciando uma nova

atração turística (DONDOLO, 2002).

De acordo com Dondolo (2002), a prática do tour nas townships (Figura 2) se

tornou crescente no pós Apartheid na África do Sul tornando-se uma das maiores

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atrações e destinos para os turistas internacionais. Enquanto os city tours, mercado

em alta no país, apresentam o antigo setor não discriminado do país, é nos tours

das townships que o turista reflete sobre o outro lado das cidades mostrando os

efeitos da prática racial discriminatória do regime de Apartheid. Segundo Freire

Medeiros (2009), as townships mais conhecidas são Cape Flat e Soweto (Figura 3),

sendo esta última a mais famosa.

Figura 02: Tour em uma township, África

Fonte: Yes, please!, 2016

Figura 03: Turismo em Soweto, África

Fonte: Getty Images, 2016

Outro exemplo que pode ser citado é o caso da cidade de Medellín, Colômbia.

Nas décadas de 80 e 90 a cidade ficou mundialmente conhecida pelas presenças

dominantes das drogas e atividades criminosas, além de ser local de moradia e

reinado de um dos maiores narcotraficantes do mundo, Pablo Escobar. Porém, a

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cidade começou a sofrer transformações durante o governo de Sergio Fajardo como

prefeito nos anos de 2004 a 2007 (HERNANDEZ – GARCIA, 2013)

De acordo com Hernandez – Garcia (2013), os assentamentos informais na

Colômbia são dominados pela pobreza, uma característica presente nas favelas do

Rio de Janeiro, por exemplo. Este aglomerado de assentamentos, denominados

barrios, foi o foco do então prefeito com a criação de programas sociais, obras nas

comunidades mais pobres com arquiteturas de alta qualidade. Destaca-se dentre

estas obras o teleférico (Figura 4) que atua como complemento da linha principal do

metrô da cidade, alcançando os barrios com maior dificuldade de acesso. Além

disto, bibliotecas, escolas e locais públicos foram construídos com a assinatura de

famosos arquitetos. Nos governos seguintes, o ideal foi mantido e gradualmente

Medellín foi se transformando em uma nova cidade. Tais transformações

despertaram os olhares de autoridades, acadêmicos e turistas com a finalidade de

observar de perto as mudanças fortalecendo então, o turismo na cidade.

Figura 04: Teleférico na estação do barrio Santo Domingo, Medellín

Fonte: The Gondola Project, 2016

Na cidade de Mumbai, na Índia, está localizada a maior favela da Ásia

denominada Dharavi. São cerca de 5 milhões de pessoas vivendo em 2 mil favelas

em Mumbai (Dyson, 2012 apud World Bank, 2012). As habitações populares fazem

parte da paisagem da cidade resultando na facilidade dos turistas entrarem em

contato com as áreas mais pobres (DYSON, 2012).

Para Meschkank (2010), o slum tourism em Mumbai é recente se comparado

ao turismo em favelas e o turismo nas townships. Como exemplo disto, até 2010

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somente uma agência de turismo realizava os tours até Dharavi (Figura 5). A

criação da empresa denominada Reality Tours and Travel, fundada em 2005 por

Christopher Way e Khishna Poojari, foi inspirada devido ao passeio realizado por

Christopher na favela da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro. Este mesmo

entrevistado relata que 80% dos lucros dos tours são revertidos para Dharavi e que

seu intuito é desconstruir o preconceito existente em relação a essas localidades

(FREIRE – MEDEIROS, 2009).

Figura 05: Turista em Dharavi.

Fonte: Getty Images, 2016

Imagens das favelas indianas se tornaram cada vez mais presente na mídia

ocidental gerando curiosidade sobre estes locais. O livro “Shantaran” e o filme

“Quem quer ser um milionário? ” são exemplos desta reprodução midiática. Ambas

as histórias transcorrem na cidade de Mumbai, particularmente em favelas

(MESCHKANK,2010).

1.3 A ORIGEM DAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO COMO DESTINO TURÍSTICO

O Rio de Janeiro, como cidade que serviu de berço para o crescimento das

favelas no Brasil, observou suas comunidades se tornarem objetos de curiosidade,

estudo e origem do turismo em favelas no Brasil.

Apesar de não haver concordância sobre quem iniciou a exploração da favela

como um destino turístico, é de aceitação coletiva que foi durante a realização da

ECO – 92, no Rio de Janeiro, que as favelas se tornaram locais de interesse dos

turistas. Durante o evento na cidade, o governo acreditou não ser conveniente expor

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este outro lado da população carioca para os estrangeiros que estavam presentes

escondendo assim, as favelas cariocas com o apoio do Exército (FREIRE –

MEDEIROS, 2009).

De acordo com Freire – Medeiros (2009), o dono da agência Jeep Tour,

empresa que realiza tours na Rocinha, relata que a ideia surgiu enquanto um grupo

que realizava um tour na Floresta da Tijuca, teve sua atenção desviada para a favela

da Rocinha que contava com a presença de seguranças, carros blindados e

canhões. A curiosidade dos turistas foi despertada e adentraram na favela dentro de

jeeps.

Desde então, o turismo na Rocinha se expandiu. No ano de 2006, criada pela

vereadora Lilian Sá, sancionada pelo prefeito César Maia e apoiada pela RioTur, foi

promulgada a lei que incluiu a Rocinha no guia turístico oficial do Rio de Janeiro. Até

2006, a comunidade possuía, no mínimo, sete agências de turismo cadastradas pela

RioTur. Algumas destas empresas inovaram na realização dos tours como a agência

Be a local, Don’t be a gringo que aluga moto táxis como meio de transporte durante

o passeio. Entretanto, outras mantiveram o uso de jeeps, assim como, era realizado

os primeiros tours na comunidade. Dentre elas, a Jeep Tour, Indiana Jungle Tours e

Exotic Tours (FREIRE – MEDEIROS, 2007).

O uso das palavras como jeep, jungle (selva), exotic (exótico) retrata o tipo de

turismo realizado por tais agências. Um turismo observador, que trata a favela como

um produto, como algo exótico, um local de perigo. O uso das palavras jungle e

jeep remete aos safáris feitos na África no qual os turistas visitam animais

selvagens. (MACHADO, 2007). Criticados por tratarem o turismo como uma forma

de safari humano devido à utilização dos jeeps, Freire – Medeiros (2007) destaca

que os donos de agências acreditam que as críticas não são coerentes pois com

este tipo de veículos os turistas obtêm uma vista mais detalhada da favela.

Observando esta prática do turismo, é possível notar uma característica

marcante: o desejo do turista em conhecer o diferente, vivenciar experiências

distintas. Para satisfazer esta vontade, foram criados os chamados reality tours, que

são divididos em duas categorias: os tours sociais e os tours sombrios. Este último

consiste na prática de visitar locais que remetem a sofrimento, mortes e desastres

como busca da vivência de uma experiência inusitada. Já a concepção dos tours

sociais possui como finalidade o contato com a realidade e seus destinos são

países, cidades ou localidades não desenvolvidas, com baixo crescimento

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econômico. É neste conceito no qual o turismo em favelas é incluído (FREIRE –

MEDEIROS, 2007).

A procura pelo inusitado transforma as favelas e localidades mais pobres,

como as townships, no alvo de turistas ávidos por experiências diferenciadas. “Tanto

para turistas nacionais, como para os estrangeiros, pobreza, habitações precárias e

tráfico de drogas são as três principais coisas que eles esperariam encontrar em

uma visita à favela. ” (COELHO; FREIRE-MEDEIROS; MONTEIRO, 2012).

Uma parcela desta expectativa pode ser atribuída ao fato de que a favela foi

tema de alguns filmes de produções nacionais e internacionais criando-se deste

modo, uma imagem destas localidades. No ano de 2002, foi lançado o filme Cidade

de Deus (Figura 06), dirigido por Fernando Meirelles e baseado no livro de Paulo

Lins, ex morador da favela que dá nome ao longa metragem, atingiu o sucesso

internacionalmente retratando o cotidiano de um personagem morador da Cidade de

Deus. O filme conta a história através de cenas com violências gratuitas,

assassinatos e brigas entre bandos (BENTES, 2002).

Em 2007, outro filme foi lançado com a mesma temática violenta. O filme

Tropa de Elite (Figura 07) apresentava a favela na ótica do Capitão Nascimento,

capitão do Batalhão de Operações Especiais. Além de revelar a corrupção em todas

as camadas da sociedade carioca, o filme reafirmou no imaginário das pessoas o

estereótipo da favela como local de violência (FREIRE-MEDEIROS, 2009).

Figura 06: Filme “Cidade de Deus”

Fonte: Adorocinema, 2016

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Figura 07: Filme “Tropa de Elite”

Fonte: Adorocinema, 2016

Na contramão dos filmes citado, encontra-se o documentário Favela Rising,

dirigido por Jeff Zimbalist e Matt Mochary. De acordo com Freire Medeiros (2009), o

documentário retrata a história do grupo Afro Reggae e de seu vocalista, Anderson

Sá que foi nascido e criado em Vigário Geral. O objetivo do filme é modificar a

imagem da favela a tratando como “espaço de resistência e criatividade, beleza e

produção simbólica, confrontando os estereótipos que a associam à violência e à

miséria. ” (FREIRE – MEDEIROS, 2009).

A questão da violência nas favelas sofreu uma reviravolta no ano de 2008

quando foram implantadas, pela Secretaria de Estado de Segurança do Rio de

Janeiro, as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP’s) nas comunidades do Rio de

Janeiro como política de segurança. As UPP’s possuem o conceito de “polícia de

proximidade” que tem como objetivo se aproximar da população com a finalidade de

recuperar locais ocupados pelo tráfico evitando confrontos. A primeira favela

contemplada foi a do Santa Marta, no final de 2008, e no ano seguinte, 2009, mais

quatro comunidades contavam com a presença da UPP. (VALDUGA; MOURA,

2013). Informações obtidas no site da UPP (UPP, 2016), atualmente existem 38

UPP’s instaladas no Estado do Rio de Janeiro.

Segundo Valduga e Moura (2013), após a pacificação, os moradores

começam a enxergar a presença da segurança como forma de lucro relacionado à

pratica do turismo. Valduga e Moura (2013) complementam:

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A pacificação não somente transmite segurança ao turista da “cidade” como abre as possibilidades de expandir o espaço turístico para a favela, com a oferta tradicional do turismo: atrativos turísticos naturais e culturais, gastronomia, eventos, entretenimento, transporte e até mesmo hospedagem.

A combinação destas ofertas turísticas, juntamente a sensação de segurança

proporcionada pela presença das UPP’s faz com que a presença do turista nas

favelas cariocas seja mais frequente nos últimos anos alavancando este segmento

do turismo. Entretanto, apesar da seguridade transmitida pela presença das UPP’S,

notícias recentemente divulgadas internacionalmente sobre a situação da cidade e

do país em relação à segurança, fez com que alguns turistas evitassem as

comunidades, diminuindo o fluxo nas comunidades, inclusive durante um

megaevento como Os Jogos Olímpicos RIO 2016, sediada no Rio de Janeiro. 2

Apesar de ser uma forma muito comum de turismo encontrado nas favelas do

Rio de Janeiro, o favela tour recebe críticas por ser realizado por agentes exógenos,

não gera lucro significativo para a população local e dificilmente existe uma relação

aprofundada entre os turistas e moradores. Para Freire-Medeiros (2009), os

moradores das favelas avaliam a proposta do turismo em favela de forma positiva,

contudo acreditam que deva existir distintos modelos de realização do turismo, que

maximize os efeitos positivos da atividade junto à comunidade local. O turismo de

base comunitária se apresenta como um desses modelos posicionando a população

local como agente principal da atividade, como será verificado a seguir.

2 Notícias negativas derrubam passeios em favelas do Rio. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias-negativas-derrubam-passeios-em-favelas-do-rio/ . Acesso em: 03. Nov. 2016.

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2. TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Durante mais de um século o turismo de massa foi uma prática dominante. De

acordo com Barreto (2004), o turismo de massa teve seu início após a Segunda

Guerra Mundial, na década de 1950. Nesta época acreditava-se que o turismo era

uma ferramenta para a troca de culturas entre os visitantes e visitados. O que se

observou posteriormente foi que a atividade turística agregou problemáticas

referentes a sociedade e, ao invés de realizar tal troca, mantiveram questões como

“[...] colonialismo cultural e a xenofobia, e que as relações interpessoais acabam

seguindo a lógica mercantil, ou seja, são comercializadas como bem de consumo. ”

Caracterizado pelo grande contingente de turistas se deslocando para um

mesmo destino, pelos roteiros previamente elaborados, o turismo de massa é

criticado pela falta de interação entre visitante e visitado além dos problemas

ambientais que causa. Krippendorf (1989) apud Spampinato (2009, p. 28) comenta

que “a massificação da viagem, a organização racionalizada e o desenvolvimento

padronizado impedem mais uma vez as relações calorosas e qualquer tipo de troca

intelectual”.

Entretanto, o mercado turístico observou seus consumidores ganhando uma

nova perspectiva sobre a atividade. Atualmente, os turistas buscam maior

aprofundamento sobre a experiência. Zaoual (2009, p. 57) explica que: “A demanda

turística tornou-se mais exigente, variada e variável. Ela tende a se focar cada vez

mais sobre a qualidade e exprime as necessidades da cultura e do meio ambiente. ”,

refletindo valores opostos ao turismo de massa que visa o lucro e é realizado em

grande escala.

Com a finalidade de suprir estas necessidades, o turismo mais uma vez se

inova e são criados novos segmentos para atender esta nova demanda de turistas

conscientes e ávidos por conhecimento. Segundo Zaoual (2009, p. 58):

Em um mundo atormentado pela perda de referências, a necessidade de pertencimento, bem como de um intercâmbio intercultural, exprime o desejo de uma procura de sentidos da parte dos atores. Esta constatação está bem presente atrás das mudanças que se operam na superfície da área do turismo. Os turistas querem ser atores, responsáveis e solidários em seus intercâmbios com outros mundos.

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E assim, como forma alternativa à prática do turismo de massa, surge-se o

turismo de base comunitária no qual visa-se trazer benefícios para as comunidades

visitadas através da atividade turística.

2.1 HISTÓRIAS E DEFINIÇÕES

Em 1980 foi realizada a Conferência de Manila3, nela foram definidos os usos

de novos termos como “novas formas de turismo” e “turismo alternativo”. Através de

tais termos é possível perceber o início da preocupação com a comunidade que

recebe os turistas e com as questões que a envolvem como, preservação dos seus

patrimônios e sua cultura. Nesta época o mundo começava a se tornar consciente

da crise ambiental que se vivia e consecutivamente, o turismo também começou a

repensar os impactos que suas atividades provocavam. (SPAMPINATO, 2009).

Spampinato (2009) explica que

Nesse momento, de fato, começaram a serem evidenciados os impactos físicos e sociais de um turismo (de massa) descontrolado e ambientalmente desregulado e despreocupado. Começou, portanto, a se falar a respeito dos limites físicos das localidades, de capacidade de carga, tanto física quanto social; dos limites da natureza e das externalidades negativas do turismo de massa.

Maldonado (2009) completa ao declarar que “O turismo é uma atividade

invasora e exigente; frequentemente geram graves efeitos negativos. ”.

Paralelamente a este debate, os turistas se tornaram mais conscientes e exigentes

em relação ao tipo de turismo praticado por eles. Assim, outras formas de turismo

surgiram em contraposição ao turismo de massa para atender esta demanda, dando

origem ao chamado turismo alternativo.

Fenell (2002) apud Spampinato (2009) acreditam que o turismo alternativo

pode ser definido como “formas de turismo que advogam um enfoque oposto ao

turismo convencional de massa”, reforçando assim o contraste com o turismo de

massa. O turismo alternativo sofreu alguns desdobramentos, com um grande

número de segmentos derivados dele.

3 Realizada pela Organização Mundial de Turismo, em Manila, Filipinas, a Conferência tinha como objetivo esclarecer a natureza do turismo, seu papel no mundo dinâmico atual, e a atribuição do Estado no desenvolvimento da atividade. Assim, a relação entre população local, turista e provedores da atividade turística é destacada. Verifica-se a preocupação com a preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural e histórico. Disponível em: http://www.e-unwto.org/doi/pdf/10.18111/unwtodeclarations.1980.6.4.1. Acesso em: 30. Nov. 2016

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Zaoual (2009) exemplifica alguns destes segmentos ao citar o “turismo

solidário, turismo intercultural, turismo da natureza, eco-turismo, turismo durável,

turismo de proximidade, turismo de memória e de história, turismo de valores”.

Spampinato (2009) dá mais exemplos ao comentar que: “O turismo de natureza, o

turismo cultural, o turismo étnico, o turismo ecológico, o turismo rural são apenas

alguns exemplos desses “novos” turismos resultados da relativamente nova

tendência no turismo global.

A demanda deste turismo é diferenciada dos consumidores do turismo de

massa. Segundo Zaoaul (2009), “a clientela procura verdadeiros sítios que

combinam a autenticidade e a profundidade do intercâmbio intercultural de uma

parte e a harmonia com a natureza e a memória dos lugares visitados em outro

lugar. ”. A busca pelo excêntrico, desconhecido também é um fator diferencial na

escolha do turista. Spampinato (2009) completa, “Ou seja, nas formas de turismo

que chamamos de “alternativo”, temos outras necessidades a ser supridas, entre as

quais a de aventura, a busca do exótico, a busca por experiências autênticas, o

encontro intercultural. ”

O homem da sociedade industrial vive em procura de um sentido para sua

existência. “A emergência de um turismo de profundidade baseado em novas

relações com a cultura dos sítios e com o meio ambiente natural é um dos sinais da

crise da civilização industrial” (ZAOUAL, 2009). Neste momento surge então o

“turismo em profundidade” ou “turismo situado” nos quais pode-se encontrar uma

troca de culturas entre visitado e visitante e que desperta no visitante um novo olhar

sobre a natureza. Estes aspectos, além de reforçarem a busca do homem por um

encontro com si mesmo, refletem características do turismo alternativo em que é

possível perceber que, tanto o local visitado quanto o turista são valorizados e

criando o intercâmbio entre ambos (ZAOUAL, 2009).

Outro desdobramento surgido do turismo alternativo que pode ser citado é o

chamado turismo responsável. Alfredo Somoza (2008), ex-presidente da

Associazione Italiana di Turismo Responsabile, define o turismo responsável como4

Um turismo que respeita as três dimensões da sustentabilidade, ambiental, socioeconômica e cultural. Um turismo, de fato, e não um turista, considerando, portanto, a interação entre o organizador de viagem, o

4 Disponível em http://www.ivt-rj.net/ivt/indice.aspx?pag=n&id=9796&cat=%C2%A0&ws=0. Acesso em 20.Nov.2016

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viajante e a comunidade local. Estes três agentes devem ser “responsáveis” e encarregados dos impactos do turismo.

Segundo WWF (2003) apud Ministério do Turismo (2010), esta prática, que

possui como segmento interno o ecoturismo de base comunitária, pode ser definida

como: “Turismo realizado em áreas naturais, determinado e controlado pelas

comunidades locais, que gera benefícios predominantemente para estas e para as

áreas relevantes para a conservação da biodiversidade. ”

Analisando as características e definições de ambos os desdobramentos do

turismo alternativo, observam-se alguns pontos em comum como a relevância da

comunidade na interação com aquele turista visitante. Tal enaltecimento da

comunidade é encontrado no turismo de base comunitária. Segundo Somoza (2008),

“O turismo comunitário é um desdobramento indispensável do conceito de turismo

responsável. Não existe turismo responsável, na integridade do termo, sem uma

comunidade envolvida e participativa. ”

Existe certa dificuldade em se definir e diferenciar estes novos conceitos de

turismo, dentre eles o turismo comunitário ou turismo de base comunitária. De

acordo com o Ministério do Turismo (2010), estes conceitos vêm sendo utilizados a

nível mundial e principalmente na América Latina.

Segundo Maldonado (2009), o turismo comunitário pode ser entendido como

[...] toda forma de organização empresarial sustentada na propriedade e na autogestão sustentável dos recursos patrimoniais comunitários, de acordo com as práticas de cooperação e equidade no trabalho e na distribuição dos benefícios gerados pela prestação dos serviços turísticos

É possível pensar os recursos patrimoniais comunitários ou simplesmente

patrimônio comunitário como o conjunto de crenças, hábitos, conhecimentos e

práticas e todas as manifestações, sendo elas tangíveis ou intangíveis, de um povo

(MALDONADO, 2009).

Há uma organização não-governamental (ONG) chamada Projeto Bagagem,

que possui como objetivo semear o turismo comunitário no Brasil e, em parceria com

outras ONG’s, levam a pessoa que deseja conhecer melhor o país para

comunidades onde possa ter contato direto com a população local.5 De acordo com

eles,

5 Disponível em http://www.projetobagagem.org/images/bagagem_2002_2013.pdf Acesso em 22. Nov.16

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"Turismo comunitário é a atividade turística que apresenta gestão coletiva, transparência no uso e destinação dos recursos e na qual a principal atração turística é o modo de vida da população local. Nesse tipo de turismo a comunidade é proprietária dos empreendimentos turísticos e há a preocupação em minimizar o impacto ambiental e fortalecer ações de conservação da natureza"

O Projeto Bagagem relaciona sete princípios que norteiam o turismo

comunitário. São eles:

1 – Turismo da comunidade – Participação - A comunidade deve ser

proprietária dos empreendimentos turísticos e gerenciar coletivamente a atividade.

2 – Turismo para a comunidade - Comunidade deve ser a principal

beneficiária da atividade turística, que existe para o desenvolvimento e

fortalecimento da Associação Comunitária.

3 – Atração Principal = Modo de Vida - A principal atração turística é o modo

de vida da comunidade, ou seja, sua forma de organização, os projetos sociais que

faz parte, formas de mobilização comunitária, tradição cultural e atividades

econômicas.

4 - Partilha Cultural - As atividades são criadas para proporcionar intercâmbio

cultural e aprendizagem aos visitantes e aos anfitriões.

5 – Conservação ambiental - Os roteiros respeitam as normas de

conservação da região e procuram gerar o menor impacto possível no meio

ambiente, contribuindo para o fortalecimento de projetos e ações de conservação

ambiental na comunidade

6 – Transparência no uso dos recursos - Comunidades e visitantes

participam da distribuição justa dos recursos financeiros

7 – Parceria Social com Agências de Turismo - Busca por envolver todos os

elos da cadeia do turismo no benefício das comunidades

A Rede Tucum é uma rede de comunidades associadas localizadas no Ceará

com o propósito de fomentar o turismo comunitário no estado, fortalecendo o vínculo

entre sociedade, natureza e cultura.6 Para eles,

O Turismo Comunitário se traduz na capacidade da população local possuir o controle efetivo sobre o seu desenvolvimento, sendo diretamente responsável pelo planejamento das atividades e pela gestão das infraestruturas e dos serviços turísticos.

6 http://projetobagagem1.tempsite.ws/arquivos/livreto_tucum-04.pdf

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Seus objetivos são o fomento de formas de turismo locais para a manutenção

da população e das suas atividades econômicas tradicionais, proporcionar uma

experiência de turismo comunitário juntamente a população tradicional. A Rede

Tucum também elaborou oito princípios sobre turismo comunitário:

1. As atividades de turismo são desenvolvidas por grupos organizados e os

projetos são coletivos, de base familiar;

2. O turismo se integra à dinâmica produtiva local, sem substituir as atividades

econômicas tradicionais;

3. O planejamento e a gestão das atividades são de responsabilidade da

organização comunitária local;

4. O turismo comunitário baseia-se na ética e na solidariedade para

estabelecer as relações comerciais e de intercâmbio entre a comunidade e os

visitantes;

5. O turismo comunitário promove a geração e a distribuição eqüitativa da

renda na comunidade;

6. O turismo comunitário fundamenta-se na diversidade de culturas e

tradições, promovendo a valorização da produção, da cultura e das identidades

locais;

7. O turismo comunitário promove o relacionamento direto e constante entre

grupos que também desenvolvem a experiência de um turismo diferente,

estabelecendo relações de cooperação e parceria entre si;

8. O turismo comunitário fundamenta-se na construção de uma relação entre

sociedade, cultura e natureza que busque a sustentabilidade socioambiental.

Nota-se em ambas as definições e constituições de princípios que o turismo

comunitário, como diz seu nome, exalta a importância de comunidade na construção

do turismo desenvolvido na sua própria localidade, preservando sua cultura, seus

patrimônios, meio ambiente, modo de viver e um retorno financeiro que possa ser

reaplicado na comunidade.

2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA

Segundo o Ministério do Turismo (2010), apesar de datada as práticas de

turismo de base comunitária no Brasil desde a década de 1990, somente após a

criação do Ministério do Turismo, em 2003, que tais práticas foram reconhecidas

como fenômeno social e econômico. Nos primeiros anos do Ministério houveram

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algumas ações isoladas e alguns apoios a projetos. Nos anos de 2006 e 2007,

pesquisadores e profissionais envolvidos com o turismo de base comunitária

requisitaram ações melhores estruturadas e o reconhecimento da prática.

Durante estes anos, depois de longos debates, o Ministério do Turismo

resolveu apoiar o turismo de base comunitária. Tal apoio se encontra registrado no

Plano Nacional de Turismo 2007-2010. Em 2008, abriu-se o Edital de Chamadas

Públicas de Projetos no qual projetos de fomento ao turismo de base comunitária

seriam aprovados. A expectativa era de que, no máximo, seriam recebidos 150

projetos com a média de 15 projetos aprovados, entretanto, foram recebidos mais de

500 projetos resultando na aprovação de 50 projetos. Um dos projetos aprovados foi

o Projeto Bagagem além da consolidação da Rede Tucum, ambos anteriormente

citados (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010).

A partir de 2009 o Ministério do Turismo iniciou ações promocionais com a

finalidade de promover o turismo de base comunitária no Brasil. Foram elaborados

materiais informativos, folders e vídeos sobre a ação do MTur e sobre os projetos

apoiados pelo mesmo com o propósito de destacar o diferencial da prática tanto

para o turista quanto para a população local. Criou-se então a Mostra de Turismo de

Base Comunitária que foi exposta em três eventos: o IV Salão do Turismo – Roteiros

do Brasil; Adventure Sports Fair, o mais importante evento de turismo de aventura

da América. Por se tratar deste segmento e do ecoturismo, foram apresentados

alguns projetos neste evento; Festival de Turismo de Gramado, evento exclusivo

que reúne profissionais do trade turístico da região sul e do Mercosul, no qual os

organizadores requisitaram a presença da Mostra em seu evento e como se tratava

de um momento oportuno para a divulgação da prática, foi aceito (MINISTÉRIO DO

TURISMO, 2010).

No Rio de Janeiro recentemente, em 2015, foi realizado o I Congresso de

Turismo de Base Comunitário da Rocinha, um evento realizado pelo Rio+Social, em

parceria com o Sebrae/RJ (Serviço de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro), o Fórum de Turismo da Rocinha

e a Biblioteca Parque da Rocinha. O objetivo do evento era repensar a prática do

turismo em favelas buscando uma forma mais sustentável de fazê-la e gerar um

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debate entre profissionais da área, pesquisadores, professores, estudantes e

membros de órgão públicos relacionados.7

2.3 TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO

Como foi citado anteriormente, o turismo nas favelas do Rio de Janeiro

enfrentou algumas críticas pela forma como é praticado. Por ser realizado

inicialmente em jeeps, os turistas não tinham a oportunidade de entrar em contato

com a população local vivenciando então, uma experiência superficial. Além deste

fato, as agências que exploravam as comunidades também não possuíam nenhuma

relação com as mesmas, e não deixavam nenhum legado para elas.

Com a disseminação do turismo de base comunitária e sua preocupação em

colocar a comunidade local como protagonista da atividade, o turismo nas favelas

começou a ser repensado e surgiram casos desta prática nas favelas cariocas.

2.3.1 O caso do Morro da Babilônia/Chapéu Mangueira

Localizado entre a Praia de Copacabana e o Pão de Açúcar, mais

precisamente no bairro do Leme, o Morro da Babilônia obteve visibilidade após sua

aparição no filme francês “Orfeu Negro”. (FREIRE – MEDEIROS,2007 apud Stam,

1993). Além de abrigar a favela da Babilônia, está presente no Morro da Babilônia

também a favela do Chapéu-Mangueira. Sua associação de moradores realiza

projetos para impulsionar o turismo na região, promove trilhas ecológicas além de

feiras de arte. Tanto a associação quanto os moradores possuem um envolvimento

com a questão ambiental. Foi devido aos seus esforços que o Morro da Babilônia foi

transformado em Área de Preservação Ambiental (APA) e criaram a a Cooperativa

de Reflorestadores da Babilônia. Uma das suas principais ações é o reflorestamento

da área (Figuras 1 e 2). (RAWET, 2014)

A CoopBabilônia tem como objetivo realizar uma atividade sustentável onde,

além da localidade ser beneficiada, o meio ambiente não seja ameaçado. São

jovens moradores do Morro que realizam tours, apesar de não serem guias

profissionais. (FREIRE – MEDEIROS, 2007)

7 Rio+Social realiza "I Congresso de Turismo Comunitário" na Rocinha Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=5300541 Acesso em 22. Nov.2016

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Figura 08: Morro da Babilônia antes do reflorestamento

Fonte: CoopBabilônia, 2009

Figura 09: Morro da Babilônia depois do reflorestamento

Fonte: CoopBabilônia, 2009

De acordo com o site da CoopBabilônia, os tours contam com idas ás ruinas

históricas, tours ecológicos na área da APA, uma visita guiada na comunidade e

visitas aos projetos na área ambiental e educacional. Além disto, a comunidade

conta com algumas ajudas internacionais. A escola da Tia Percília recebe

financiamento de uma ONG da Suécia e possui alguns padrinhos que realizam

doações anuais. Desta forma, as crianças apadrinhadas da comunidade recebem

subsídios que mantem seus estudos até a universidade (SPAMPINATO, 2009).

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A CoopBabilônia também formou uma empresa de turismo comunitária, a

Chapéutour, responsável por organizar os passeios para os turistas. A ideia surgiu

quando, durante o reflorestamento da região, perceberam que haviam trilhas que

poderiam ser usadas por turistas que estivessem interessados. O passeio conta com

4 (quatro) mirantes e é possível fazer paradas na favela para conhecê-la, visitando

bares, assistindo apresentações de dança e até conhecendo o trabalho das

associações. Os guias receberam capacitação para realizarem os tours nas trilhas

além da carteira de guia, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Turismo

(EMBRATUR). O passeio dura entorno de duas horas e custa R$40,00. O dinheiro

recebido é revertido em projetos da comunidade (RAWET, 2014).

2.3.2 Vila Canoas

Surgida na década de 1920, após o Clube Gávea Club construir e doar casas

para os seus funcionários, a favela de Vila Canoa observa seu cotidiano ser

explorado por agências de viagens, em especial, a agência Favela Tour. Em 2005

surge o projeto do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da faculdade PUC-Rio,

com duração de 6 meses. O projeto que recebeu o nome de “A construção de uma

cidadania ambiental em Vila Canoas a partir da identidade cultural local” tinha como

objetivo conhecer através dos moradores, a história e patrimônios da localidade.

Desde projeto, nasceu a Oficina de Turismo com a finalidade de debater o tipo de

turismo que explorava Vila Canoa e integrar a comunidade com a prática de forma a

beneficiá-los (MACHADO, 2007).

Outro caso presente em Vila Canoas é o da Favela Receptiva. Segundo

Spampinato (2009), no período dos jogos Pan Americanos na cidade do Rio de

Janeiro, em 2007, a hospedagem domiciliar recebeu um incentivo maior. Para

atender aos turistas que vinham para os jogos foi criada, com o apoio da Prefeitura,

a Rede Carioca de Anfitriões. A Favela Receptiva é a única hospedagem domiciliar

localizada em uma favela e uma das três cadastradas pela RioTur.

A ideia foi construída junto com a comunidade que inicialmente estava

receosa quanto ao fato de receber pessoas estranhas em suas casas. Quando os

primeiros moradores assentiram, o projeto começou a ser aceito pelos demais. A

idealizadora foi outra moradora, Eneida, que junto com a Prefeitura e incubadoras

como a Incubadora Afrobrasileira e a Incubadora Gênesis da PUC-RJ, encontraram

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a melhor forma de executar o projeto, realizando ações de capacitação e criando um

plano de negócios eficaz. Entretanto, tal ação não seria possível sem a aceitação

dos moradores (SPAMPINATO,2009).

Segundo Spampinato (2009), ao utilizar o serviço da Favela Receptiva, o

turista é recebido pela Eneida que o conduz até a casa do anfitrião. A escolha do

morador que receberá o turista é feita também pela Eneida que cruza os dados do

cadastro dos anfitriões registrados com as preferências que o turista opta no

momento da reserva pela internet. As experiências são positivas pra ambos os

lados: para os moradores, é uma chance de melhorar de vida através do turismo

além da convivência com outras culturas; para os turistas, é possível vivenciar o

cotidiano de uma favela carioca, desfrutar do local com segurança e estarem sendo

recebidos por uma família acolhedora. Quanto ao lucro recebido pelo projeto, 35%

fica com a Favela Receptiva e 60% é destinada ao anfitrião.

2.3.3 Complexo Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e o MUF

Assim como o Morro da Babilônia e a Vila Canoa, o complexo de morros do

Pavão, Pavãozinho e Cantagalo contou com seus moradores para a organização do

turismo na comunidade.

Inicialmente, os líderes da comunidade tiveram a idéia de criar um museu na

favela e que ao mesmo tempo pudessem trabalhar com o turismo. A empresa Kal,

que era responsável pelas obras do PAC teve conhecimento do projeto através dos

moradores e procurou o professor da UNIRIO, Mario Chagas, que possuía ligação

com o Museu da Maré, para ajuda-los na sua concepção (SPAMPINATO, 2009).

O principal objetivo do Museu de Favela é:

Transformar o morro de Pavão, Pavãozinho e Cantagalo em monumento turístico carioca da História de Formação de Favelas, das Origens Culturais do Samba, da Cultura do Migrante Nordestino, da Cultura Negra, de Artes Visuais e Dança. (Museu de Favela,2009)

Apoiado pelo PAC e pela sua Base de Inserção Social e Urbana (BISU),

foram criados cursos como empreendedorismo e formação de garçons. Após a

fundação, o curso de Turismo da UNIRIO iniciou um projeto de extensão chamado

Turismo no MUF (TURISMUF) com o objetivo de incentivar o turismo nas

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comunidades, capacitar os moradores para atuarem como guias locais e auxiliá-los

na elaboração de roteiros que incluam a comunidade (MORAES, 2010).

Como diferencial do MUF pode-se citar o fato de que ele é um museu a céu

aberto, o chamado museu de percurso. De acordo com o site do Museu de Favela,

são realizados dois tipos de tour: o Circuito Casas- Tela que consiste em um tour

pela Galeria de Artes a Céu Aberto (Figura 10) que, através de três portais, levam ao

turista a entrar em contato com 27 de telas de arte grafiti/naif feitas por variados

artistas. As telas contam a história e a cultura do local; o outro tour é chamado de

Eco-Trilha MUF,no alto do morro o turista toma conhecimento sobre a memória da

natureza antes da favela, memórias ecológicas da favela além de mostras de

plantas medicinais. O roteiro foi elaborado em conjunto com os moradores.

É possível verificar que está se tornando frequente a preocupação da

atividade turística nas favelas cariocas e também, o interesse da população local de

conduzir tal atividade em suas comunidades. Como exemplo, será tratado a seguir,

a história da agência Brazilidade, localizada na favela do Santa Marta, no Rio de

Janeiro.

Figura 10: Galeria de Artes a Céu Aberto, MUF

Fonte: Museu de Favela,2016

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3. A FAVELA SANTA MARTA, SUA HISTÓRIA E O CASO BRAZILIDADE

Neste presente capítulo, são apresentadas a história da favela Santa Marta,

informações sobre a agência Brazilidade, objeto de estudo deste trabalho, e

entrevista realizada com a idealizadora e administradora da Brazilidade.

3.1 A FAVELA SANTA MARTA: HISTÓRIAS E INTERVENÇÕES

A favela do Santa Marta está localizada no bairro de Botafogo, no Rio de

Janeiro (Figura 3). Sua principal via de acesso é pela Praça Corumbá, na Avenida

São Clemente, no mesmo bairro. Segundo censo do IBGE de 2010, a favela conta

com 3.908 moradores.8

Figura 11: Mapa da Favela Santa Marta

Fonte: G1, 2016

Sua ocupação data da década de 1930 e não há relatos corretos sobre como

os primeiros residentes chegaram até a comunidade. Entretanto, alguns moradores

antigos relatam que houveram grandes doações realizadas por fazendeiros da

região na época. (FREIRE – MEDEIROS; VILAROUCA, MENEZES, 2013 apud

ROCHA, 2005). Já Ost (2012) relata que a versão mais conhecida é a de que os

padres jesuítas do Colégio Santo Inácio, presente nas proximidades da favela até os

dias atuais, permitiram que operários das obras da construção do colégio se

instalassem no local com suas famílias. Após a crise do café, no ano de 1929,

8 Rio + Social, Santa Marta. Disponível em http://www.riomaissocial.org/territorios/santa-marta/ Acesso em 20. Nov. 2016

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chegavam a comunidade também trabalhadores do interior do Estado do Rio de

Janeiro.

Segundo Ost (2012) existem duas vertentes sobre a origem do nome da

comunidade: alguns acreditam que é devido ao fato de uma moradora ter fixado uma

imagem da Santa Marta no alto do morro (OST, 2012 apud Cunha; Mello 2011);

outros creditam a origem do nome à antiga proprietária das terras e responsável

pelas doações, Dona Marta, denominando assim o morro. Vale ressaltar a diferença

entre as denominações de Dona Marta e Santa Marta: o primeiro é referente ao

morro que abriga a floresta, mirante e a comunidade da favela; o segundo é

relacionado a comunidade e a população em si. (TENÓRIO, SOARES, ZARCONI,

2013). Após confusão sobre os nomes na mídia, o então prefeito César Maia,

decretou em 2007 as definições acima citadas (OST, 2012).

Assim como em outras favelas do Rio de Janeiro, o morro Santa Marta se

encontrava no centro de uma intensa disputa de território entre facções rivais na

década de 1980. Assim, a favela se tornou foco da mídia pelos constantes embates

entre tais facções e pelas visitas da polícia carioca (MEDEIROS; VILAROUCA;

MENEZES, 2012).

Entretanto, em 1996, o morro Santa Marta ganhou atenção por outro motivo:

recebeu a visita ilustre do Michael Jackson, um dos músicos mais influentes do

século XX, considerado o Rei do Pop. A favela foi escolhida, juntamente ao

Pelourinho, na Bahia, para servirem de cenário para a gravação do clipe “They don’t

care about us”. A nova música do astro traz em suas letras críticas ao retratar o

preconceito existente com as camadas mais pobres da população, o descaso das

esferas públicas com os mesmos e a indiferença dos mais ricos aos problemas

recorrentes nas favelas (FREIRE-MEDEIROS, 2009).

Segundo Freire-Medeiros (2009), apesar de permanecer apenas 12h no

Santa Marta, a presença de Michael Jackson no local virou manchete de notícias por

dias tanto nas mídias nacionais e internacionais. A esfera pública não viu com bons

olhos a gravação e autoridades alegaram que o vídeo denegria a imagem do Rio de

Janeiro, reforçava o estereótipo das comunidades como um local de miséria e

violência, e inclusive o Pelé, argumentou que o clipe prejudicaria a indicação da

cidade como sede dos Jogos Olímpicos em 2004. A situação se tornou pior quando

surgiram notícias de que a produtora do Michael Jackson havia negociado com o

famoso traficante Marcinho VP, bandido responsável pelo tráfico de drogas no

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morro, os locais para a gravação do seu vídeo. Marcello Alencar, então governador

do Rio de Janeiro, acreditava que o clipe poderia afastar os turistas estrangeiros.

Independentemente da confusão, os moradores demonstraram entusiasmo

com a visita do Michael Jackson e receberam o astro com alegria e simpatia. Tal

demonstração de afeto pode ser percebida em um documentário que foi produzido

pelos moradores do Santa Marta onde é possível ver o contato do cantor com os

mesmos (FREIRE-MEDEIROS, 2009).

Nos anos de 2003 e 2004, a infraestrutura começou a chegar ao Santa Marta

e em maio de 2008, foi instalado o plano inclinado. (FREIRE-MEDEIROS;

VILAROUCA; MENEZES, 2013). No mesmo ano de 2008, a favela recebeu o

Programa Estadual de Urbanização que consistia em realizar obras de infraestrutura

do morro, pavimentar as ruas, construções de novas casas e melhorias de outras,

construção da segunda etapa do plano inclinado e contenção de encostas

(CARVALHO; SILVA, 2012).

Apesar dos serviços estarem sendo inseridos na favela, os moradores tinham

que lidar diariamente com conflitos entre traficantes e policiais. (FREIRE-

MEDEIROS; VILAROUCA; MENEZES, 2013). A situação da violência nas favelas do

Rio de Janeiro era um tema complicado: elas eram comandadas pelo narcotráfico, a

polícia por sua vez vivia um momento de corrupção interna e o governo alegava que

não podia resolver tais problemas devido a impossibilidade de adentrar neste

território dominado por traficantes. Além disto, a população que vivia fora da favela

se afastava cada vez mais (CARVALHO; SILVA, 2012).

Entretanto, também em 2008, iniciou-se o processo de pacificação nas

favelas cariocas e a favela Santa Marta foi a primeira a ser ocupada através das

UPP’s. De acordo com Menezes (2014), a ocupação se deu de forma silenciosa não

sendo explicada a população o que estava acontecendo. Moradores acreditavam ser

mais uma operação da polícia contra os traficantes, que já fazia parte da rotina,

quando representantes das associações de moradores da zona sul se reuniram com

o então Secretário de Segurança para entenderem a situação e foram informados

que a polícia na verdade, tinha se instalado na favela. Carvalho e Silva (2012)

explicam o porquê da favela Santa Marta ter sido a primeira comunidade escolhida

para a implantação da UPP:

A escolha de começar pela Santa Marta deu-se por diversos fatores, entre eles a necessidade de sucesso desta primeira intervenção, que contaria

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com a facilidade de ser um território menor e com poucos acessos. Além, claro, da visibilidade e localização privilegiada deste morro.

É importante ressaltar que tal política tem, para algumas pessoas, caráter

duvidoso. Carvalho e Silva (2009) informam que as implantações das UPP’s

possuíam a intenção de preparar o Rio de Janeiro e suas comunidades para os

grandes eventos, iniciando justamente pela Zona Sul, local de maior concentração

de turistas. Ademais, existe um decreto que permite a estadia da polícia pelo menos

até 2016, ano das Olimpíadas no Rio de Janeiro.

Apesar dos esforços das autoridades em tornar as comunidades mais

seguras com a finalidade de atrair mais turistas, em pesquisa encomendada pelo

Ministério do Turismo para a Fundação Getúlio Vargas (FGV) no ano de 2011, é

observado que a opinião dos turistas quanto a segurança na cidade é positiva. Ao

visitarem a cidade, mesmo recebendo notícias sobre violência, concluíram que a

situação era menos dramática do que aparentava ser. Dos turistas entrevistados,

42,8% consideravam a cidade segura e os outros 27,8% que tinham opinião

contrária relataram que não interferia sua ida a favela. Ao serem perguntados sobre

o policiamento no Santa Marta, poucos turistas informaram que sabiam da existência

da polícia na localidade e 57,2% não sabiam. Destes que não sabiam, 18,1% não

consideraram a informação relevante e somente 24,7% informaram que a presença

da polícia poderia interferir, de algum modo, a escolha do Santa Marta como

comunidade visitada (FREIRE-MEDEIROS; VILAROUCA; MENEZES 2013).

Em 2009, a favela Santa Marta continuou recebendo investimentos. De

acordo com o site Observatório de Favelas, a comunidade foi a primeira de 19

(dezenove) a receber a construção de muros. O Governo do Estado alega que o

projeto tem o objetivo de conter a expansão da favela. De acordo com Silva (2015)

esta construção é questionável posto que, segundo o censo de 2000 a população do

Santa Marta era de 4.520 moradores e de acordo com o censo de 2010, como já foi

citado aqui antes, a população havia diminuído para 3.908 moradores. Tal

diminuição se deve ao fato de que as comunidades cariocas recebiam na época

intervenções de remoção e controle.

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3.2 O TURISMO NA FAVELA SANTA MARTA

Após investir na segurança, o governo decidiu promover a favela como

atração turística. Em junho de 2010, foi inaugurada a Laje do Michael Jackson, local

onde ele gravou seu clipe. Neste espaço foram inauguradas a estátua de bronze do

cantor (Figura 12), criação do cartunista Ique, e um mosaico do Michael Jackson

feito pelo artista plástico, Romero Britto (Figura 13).9 Ainda em 2010 foi lançado o

programa Rio Top Tour, um projeto elaborado pelo Ministério do Turismo e a

Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer do Estado do Rio de Janeiro e sua

inauguração contou com a presença do então presidente Luís Inácio Lula da Silva, o

governador do Estado Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Quanto ao objetivo

do programa:

“A ideia é aproveitar o potencial turístico do local a partir da inclusão dos próprios moradores, que terão condições para se qualificar e apostar em suas atividades econômicas, sociais e esportivas. ” (MINISTÉRIO DO TURISMO ,2010)

Figura 12 – Estátua do Michael Jackson

Fonte: Acervo Pessoal

9 Estátua de Michael Jackson é inaugurada no morro Santa Marta. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/06/estatua-de-michael-jackson-e-inaugurada-no-morro-santa-marta.html. Acessado em 08. Nov. 2016

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Figura 13 – Painel do Michael Jackson

Fonte: Acervo pessoal

De acordo com Freire-Medeiros; Vilarouca; Menezes (2013), a iniciativa

incluiu outras ações: foram reconhecidos e mapeados 30 (trinta) pontos turísticos na

favela; um quiosque de informações foi instalado na entrada da favela, na Praça

Corumbá, com informações turísticas e mapa bilíngue; linhas de crédito foram

abertas para a reforma de quiosques, oficinas de artesanato e outras atividades

locais; um selo, chamado “Selo amigo do Turista”, foi criado para oferecer aos

chamados “promotores do turismo local” que consistem em moradores que possuem

seu próprio comércio, artistas locais que desejam trabalhar com o turismo na

comunidade. Com o crescimento do turismo depois da pacificação, a favela Santa

Marta passou por um processo de regulamentação do seu comércio. Em parceria

com o Sebrae, a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro fundou a Empresa Bacana

responsável por esta legalização.

Estava presente na comunidade também a Agência Olhares, um

desdobramento da associação Olhares do Morro, existente desde 2012 no Santa

Marta. O projeto consistia em criar uma rede de fotógrafos com o objetivo de

fotografar dentro de suas próprias comunidades criando um grande acervo de fotos

do Rio de Janeiro que depois seria disponibilizado via internet. A busca era por

fotógrafos profissionais também. Logo, diversos jovens de outras comunidades

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estavam inseridos no projeto e a agência se retirou do Santa Marta e ganhou sede

na Lapa (CARVALHO; SILVA, 2012).

Eventos como a roda de samba Morro da Alegria, festivais de jazz, funk, arte

grafite, hip hop movimentam o turismo na comunidade. O bloco de carnaval Spanta

Neném é outra manifestação importante. Em 2009 ele se fortaleceu com a criação

da Escola de Música Spanta Nenén oferecendo aulas para os jovens da

comunidade. No mesmo ano foi criada a Oficina de Repercussão Spanta Nenén

onde pessoas de fora da comunidade poderiam se inscrever podendo atrair novos

visitantes para o Santa Marta (CARVALHO; SILVA, 2012).

A empresa Tintas Coral iniciou no ano de 2010 um projeto piloto na

comunidade com a pintura da Praça Cantão (Figura 14), porta de entrada da

comunidade. No ano de 2013, a empresa voltou ao Santa Marta com o projeto “Tudo

de Cor pra você”. Além da pintura de casas, a comunidade recebeu pintura em um

muro do artista Swell, morador do Santa Marta. (Figura 15). O muro possui a

extensão de 12km e possui desenhos dos pontos turísticos da cidade, brincadeiras

das crianças da comunidade e símbolos da cultura.10

Figura 14 – Praça Cantão

Fonte: Brazilidade, 2013

10 Conheça o projeto que está levando arte para dentro de uma favela no RJ. Disponível em

http://www.hypeness.com.br/2014/10/conheca-o-projeto-que-esta-levando-arte-para-dentro-de-uma-favela-no-rj/ Acessado em: 20. Nov. 2016

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Figura 15 – Muro pintado pelo artista Swell

Fonte: Hypeness, 2016

Com diversas ações de incentivo ao turismo no Santa Marta, a presença dos

turistas e das agências de turismo realizando o favela tour se tornou frequente no

cotidiano da favela. Observando a oportunidade, alguns moradores investiram na

possibilidade de trabalhar com a atividade turística. Assim, surgiram guias locais e

agências criadas por moradores da favela, como é o caso da Brazilidade que será

tratado a seguir.

3.3 O CASO DA AGÊNCIA BRAZILIDADE11

A empresa Brazilidade, localizada na favela Santa Marta, foi fundada em

1992. Sua idealizadora, Sheila Souza, é moradora da comunidade, formada em

Turismo e com MBA em Turismo e Negócios. “Mas a principal formação da Sheila

para gerenciar a Brazilidade foi ter nascido e crescido no morro Santa Marta, ter

olhado para a favela e acreditado nela. ” (BRAZILIDADE, 2016). Em 2010 a empresa

formalmente se tornou pioneira em turismo de base comunitária na favela Santa

Marta.

A Brazilidade foge do estereótipo de favela tour promovendo experiências

mais aprofundadas para o turista. Além de promover serviços turísticos, um dos

grandes focos da empresa se encontra no morador e nas suas relações com os

turistas. Um dos objetivos da empresa é romper com o imaginário sobre os

11 As informações constantes desta seção foram obtidas em: Brazilidade.Disponível em: http://brazilidade.com.br/ Acesso em: 15.Nov.2016

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moradores da favela e permitir que haja uma interação entre eles e os turistas

promovendo respeito e identificação.

Ainda sobre o foco nos moradores, a empresa busca fomentar o trabalho local

criando novas oportunidades para os empreendedores da favela e simultaneamente,

proporcionando ao turista uma vivência maior.

São oferecidos quatro tipos de serviços:

Experiência guiada: O ponto de encontro entre os turistas e o guia da

Brazilidade é a Praça Corumbá, localizada em Botafogo. Neste local há uma

conversa entre o guia e o grupo onde são esclarecidas algumas informações.

O tour pode ser realizado a pé pela favela ou usando o plano inclinado para

que o turista tenha esta experiência. Os tours são realizados todos os dias, de

07h ás 18h e tem a duração média de 2h. Os preços são diferenciados para

brasileiros e estrangeiros: para turistas nacionais, o passeio custa R$60,00 e

para internacionais, R$90,00. Alimentos e bebidas não estão inclusos no

passeio, porém, se o turista desejar este adicional, a empresa realiza a

conexão com prestadores destes serviços. O preço do tour com almoço é de

R$85,00 para brasileiros e R$115,00 para estrangeiros.

Palestra Favela Santa Marta: O objetivo do tour é romper com os rótulos

sobre a favela e tornar o morro e os asfalto mais próximos. A palestra é

ministrada pela Sheila Souza e possuem como público alvo os estudantes,

professores e pesquisadores. Dentre os temas abordados estão os processos

de urbanização na favela, sua pacificação e o impacto que o turismo traz para

a localidade. O valor é de R$300,00 por 1h de palestra e podem ser

realizadas diariamente entre as 07h e 18h.

Experiência guiada + palestra: Este serviço é a reunião dos dois serviços

descritos anteriormente. São oferecidos o mesmo tour e a palestra, com a

mesma duração cada totalizando 3h deste serviço. Para esta atividade os

valores são divididos por grupos: os grupos menores são compostos de 10 –

20 pessoas com o valor de R$55,00 para brasileiros e R$70,00 para

estrangeiros, por pessoa; nos grupos maiores, a atividade custa R$50,00 para

turistas nacionais e R$65,00 para turistas internacionais, compostos de 20 –

30 pessoas. Para grupos maiores é necessário entrar em contato com a

agência. O serviço é disponibilizado de 07h ás 18h, todos os dias.

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Educatour: Este serviço é oferecido a estudantes, professores e

pesquisadores, podendo ser realizado através de palestra ou experiência

guiada. O objetivo é proporcionar uma experiência além da turística. Os

assuntos abordados são divididos de acordo com tópicos: turismo, sociologia

– antropologia, geografia, arquitetura – engenharia e serviço social. O mínimo

de participantes é de 15 pessoas e o máximo de 40. O serviço dura 3h, entre

as 07h ás 18h. Para estudantes brasileiros a atividade custa R$50,00 0e para

estudantes brasileiros o valor é de R$60,00. Se for desejado a inclusão de

almoço, os preços são alterados para R$70,00 e R$80,00, respectivamente.

Turismo de base comunitária: A Brazilidade busca divulgar e apoiar as

atividades locais. Dentre estes apoios, a agência proporciona aos turistas a

oportunidade de desfilarem juntamente com a escola de samba da

comunidade, a Mocidade Unida do Santa Marta. São disponibilizadas 25

vagas para quem deseja participar do desfile interagindo com os moradores

do Santa Marta de modo diferenciado. É oferecido transporte e para mais

informações, é necessário entrar em contato com a agência por e-mail.

Para a realização dos tours a agência recomenda o uso de tênis, roupas

leves, boné e óculos escuros. Além disto, é aconselhável passar protetor solar, levar

máquinas fotográficas, lanches, água e dinheiro extra caso os turistas desejem

comprar alimentos ou souvenirs.

A empresa não possui sede fixa. Para entrar em contato com a Brazilidade, o

turista pode enviar e-mail para [email protected] ou

[email protected]. Os telefones são +55 21 98871-1228/ 98139-

6544/ 99236-5196. É possível também entrar em contato via Skype pelo

“brazilidade”.

É possível avistar belas paisagens da cidade do Rio de Janeiro do alto do

Santa Marta, “Mas quem faz o tour da Brazilidade se surpreende com algo que vai

além dos cartões postais: a própria favela, sua história, sua gente, sua cultura. ”

(BRAZILIDADE, 2016).

A agência tem como característica a abordagem diferenciada das demais,

aproximando turista e comunidade, possui como vantagem o fato de ser gerida por

moradoras do morro Santa Marta que conhecem com propriedade sua história,

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vivenciam seus problemas e reconhecem nos seus moradores a solução para uma

melhor experiência turística.

3.4 ENTREVISTA COM A IDEALIZADORA DA AGÊNCIA BRAZILIDADE

Para a conclusão deste trabalho foi realizada uma entrevista com perguntas

estruturadas com a fundadora e atual administradora da agência Brazilidade, Sheila

Souza. A entrevista foi feita por meio do aplicativo para smartphone, whatsapp, no

dia 14 de novembro de 2016 pois, a entrevistada não dispunha de tempo para um

encontro presencial.

Por se tratar de um dos poucos casos de turismo de base comunitária em

favelas na cidade do Rio de Janeiro, a entrevistadora iniciou as perguntas

procurando conhecer melhor sobre a concepção da agência, seu cotidiano e

serviços.

A Brazilidade surgiu através de um trabalho de pós-graduação da Sheila com

outra aluna, a Cris, que mais tarde viria a se tornar sua sócia. A Sheila já realizava

guiamentos na comunidade, porém de modo informal. Ao realizar tal trabalho

observou a oportunidade de transformar seu trabalho individual em um serviço de

uma empresa regularizada. É comum encontrar esta visão empreendedora nos

moradores da favela em relação ao turismo tendo em vista que, muitas

oportunidades surgem a partir da atividade nas comunidades, como já foi visto.

Atualmente, quem trabalha na Brazilidade realizando os tours são a própria

Sheila e a Roberta, guia internacional pela EMBRATUR e também moradora do

Santa Marta. Sheila comenta que tem intenção de ampliar o quadro de funcionários

futuramente, assim que possível financeiramente. É interessante destacar dois

aspectos quanto a esse assunto: o primeiro trata do fato de que ambas são

profissionais da área de turismo, qualificadas e conhecedoras da atividade; o outro

aspecto é encontrado no momento em que é relatado que a Sheila e a Roberta são

moradoras do Santa Marta, trazendo a importante discussão do turismo nas favelas

ser realizado por pessoas que são da comunidade.

Quanto aos serviços prestados, no início eram oferecidos muitos produtos,

porém, durante a participação da agência na incubadora Rio Criativo, as

idealizadoras afinaram a proposta e os serviços foram aprimorados, indicando a

preocupação com o serviço prestado aos turistas. Quanto ao objetivo deles, a ideia

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de todos os serviços, palestras e guiamentos, “[...]é desconstruir essa imagem

estereotipada da favela”.

Sendo mais específica sobre o serviço de palestra, a entrevistadora pergunta

sobre o interesse de universidades, professores e colégios quanto a este tipo de

serviço. É informado que existe uma procura, inclusive de empresas e cursos. Sheila

acredita que é uma oportunidade de levar a favela para meio acadêmico porque é

um espaço de educação e, este tipo de espaço de educação, é importante para a

desconstrução de estereótipos. Ela comenta “Então por isso que a gente colocou a

palestra como fundamental nesse processo porque quem não puder vir aqui, a gente

vai levar um pouco do Santa Marta pra dentro desses espaços”. É importante

observar que a procura reflete o crescimento do interesse em debater este assunto e

com a Brazilidade, é possível obter conhecimento por meio de agentes locais que

possuem conhecimento aprofundado sobre o tema.

Característica presente no turismo de base comunitária, a relação entre

morador e turista é uma das perguntas direcionadas a idealizadora da agência.

Sheila comenta que durante os tours é possível perceber que os moradores se

sentem à vontade com o turista e disponível para esta interação, no entanto, por

parte do turista há certo receio não os deixando abertos para troca tanto quanto os

moradores.

Como apresentado anteriormente neste trabalho, ao ser citado filmes que

realizam ligação entre favela e violência, a idealizadora acredita que grande parte

deste receio é originado pela mídia. O turista recebe muitas informações antes do

tour “[...]e a maioria das informações é negativa: “ah, não vai na favela”, “ah, a favela

é perigoso”, ‘ah, a favela é isso, a favela é aquilo’. ” Como agente intermediador

entre turista e morador local, a agência tenta durante seu tour proporcionar o

máximo de informações possíveis ao turista para que haja uma desconstrução desta

imagem, eles se sintam seguros e confortáveis para voltarem e realizarem esta

interação por si só ou com a agência. Apesar da busca crescente pelo turismo em

favelas, observa-se por meio das falas da entrevistadora que a atividade não está

desconstruída no nível que se imaginava. As favelas são alvos de muitas notícias

negativas e, consecutivamente, os turistas ainda se sentem receosos de realizar o

tour ou até mesmo estabelecer um contato com os moradores, prejudicando a troca

de conhecimentos e experiências.

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Quanto ao fato da Brazilidade ser a primeira agência de base comunitária no

Santa Marta, foi questionado qual a importância deste tipo de turismo pra

comunidade. Sheila responde que “a gente ser uma empresa de turismo de base

comunitária significa dizer que a gente preza muito o modo de fazer da favela, tá?”.

O objetivo da empresa é preservar a identidade da favela, a cultura, sua memória, o

modo de se viver e de fazer as coisas do morador da favela. Além de mostrar ao

turista que não há motivo de vergonha do morador agir e interagir com a sociedade

da forma que o fazem.

Em relação a ligação da empresa aos projetos da comunidade, as

responsáveis pela Brazilidade fazem parte do coletivo “Eu quero o Santa Marta

limpo” e estão presentes nas discussões promovidas pela associação de moradores.

Além disto, parte do dinheiro do guiamento é direcionada para a associação e para o

grupo ECO que trabalha com os jovens no qual a Brazilidade apoia. Sheila frisa que

“É um volume pequeno, mas a gente acredita que é só dessa maneira também que

a gente pode caminhar junto no desenvolvimento local.”.

Por se tratar de uma agência idealizada e composta por moradoras do Santa

Marta, a Brazilidade encontrou seu diferencial justamente neste quesito. Sheila

afirma que as agências querem falar da favela, porém não vivenciam a favela. Sheila

comenta: “Então, eu sou favelada, sou nascida na favela, então a ideia é um pouco

trazer essa perspectiva de quem tem um processo aqui dentro”. Sendo assim, a

ideia da Brazilidade é dar voz para quem é a voz da comunidade, que são os

moradores, mantendo a representatividade deles.

No que se refere a estas últimas perguntas e respostas descritas acima,

encontra-se os princípios do turismo de base comunitária nos quais norteiam-se o

turismo realizado por moradores, a preservação da cultura, identidade da

comunidade, e o retorno financeiro para a localidade na qual se realiza o turismo.

A entrevistadora traz o assunto da presença da UPP localizada no Santa

Marta e o que isso influenciou no turismo na localidade. Quanto a isto a entrevistada

informa que teve uma grande mudança na atividade turística do Santa Marta.

Antigamente, existia uma demanda reprimida pois não havia uma via de contato

entre turista e comunidade. Após a implantação da UPP, o turismo na comunidade

ficou mais viável e o turista mudou a imagem que tinha da favela. No entanto, no

início quem ganhava mais com o turismo era quem estava fora do espaço favela.

Isto é explicado pelo fato de que não houve muito preparo para os moradores

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lidarem com a atividade turística, porém ao longo dos anos, algumas pessoas se

qualificaram e hoje são hábeis para trabalhar com o turismo.

Indagada sobre os projetos que foram aplicados no Santa Marta no início do

processo de pacificação, Sheila informa que o governo investiu em uma

infraestrutura para vender este modelo de pacificação e no Santa Marta houve a

presença do Rio Top Tour. Foram realizados cursos de capacitação para os

moradores trabalharem com o turismo, então segundo a Sheila, “Algumas pessoas

que antes tavam sem trabalho, sem emprego, viram nisso também uma

oportunidade crescer profissionalmente, né? ”. Apesar dos investimentos iniciais,

alguns projetos não deram continuidade. A idealizadora do Brazilidade acredita que

um aspecto negativo foi a necessidade da legalização de certos negócios como um

incentivo ao micro empreendedorismo. Assim, havia certa criminalização das

iniciativas populares que até então, encontravam seu próprio modo de lidar com os

assuntos.

Desde a década de 1990, a comunidade do Santa Marta recebe diversos

famosos. A entrevistadora questiona então, se essas visitas juntamente com as dos

turistas estrangeiros, influenciou na autoestima do morador. Sheila acredita que por

ser um lugar onde há mídia negativa, é difícil para o morador sentir orgulho, mas que

as visitas mexem com o ego dos mesmos. De um outro lado, a presença do turismo

traz questões já conhecidas como a invasão ao cotidiano do morador, o uso de

câmeras durante o tour a linha tênue entre quando é momento certo e quando não é

de usá-las. A idealizadora informa que em entrevistas com moradores do Santa

Marta, teve conhecimento de que “[...]as pessoas tem essa sensibilidade que elas

são vistas como estivessem em um zoológico”. Então, é necessária essa

desconstrução principalmente por parte do visitante para que haja um respeito com

a população.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho apresentado mostra a importância de se pensar em uma forma de

turismo diferenciada do turismo de massa, onde não há preocupação com o local

visitado, com a população que recebe os turistas e com o legado que esta prática

deixará para moradores e visitantes. No turismo de base comunitária, a comunidade

e os assuntos que a envolvem como sua história, cultura e tradições se tornam os

protagonistas da atividade. A troca de experiência e vivência é mútua para os

participantes desta prática de turismo.

Com os resultados da entrevista alguns aspectos similares foram notados

entre os casos de turismo de base comunitária em favelas no Rio de Janeiro, citados

no segundo capítulo, e o caso da agência Brazilidade. Apesar de algumas

interferências exteriores no início da concepção das atividades, as ações se

tornaram totalmente coordenadas por moradores. Para a qualificação dos seus

empreendimentos, tanto Brazilidade como o Favela Receptiva de Vila Canoas

buscaram incubadoras, o que reflete que existe um mercado de empresas dispostas

a ajudar na formação de microempresas voltadas para o turismo e principalmente

em favelas.

Um assunto importante ressaltar é o fato de que existiu uma grande

campanha de turismo realizada pelo governo e voltada para o turismo na favela

Santa Marta. Todavia, através da entrevista com a Sheila, foi possível observar que

as ações promovidas pelo poder público não duraram muito tempo e algumas se

tornaram inacabadas. Gera-se então o questionamento acerca do que havia por trás

destas ações: o objetivo era qualificar os moradores para que os mesmos pudessem

trabalhar com o turismo ou estas ações foram meios de abrir o caminho do Santa

Marta para as agências de turismo de massa?

Entretanto, a busca externa dos moradores por qualificação reflete a

importância do turismo como fonte de emprego. No caso das favelas, se simultâneo

a prática do turismo de base comunitária, pode gerar rendas não só para o

trabalhador como para a comunidade na qual ele vive.

Destacando a atuação dos moradores, nota-se durante a entrevista uma

diferença na forma no qual o turismo em favelas é conduzido quando coordenado

por pessoas que vivem aquela realidade, que não estão apenas interessadas no

valor econômico da atividade, mas sim, na transformação que pode ser feita através

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dela. A vivência é mais profunda e verdadeira. Como a Sheila afirmou, “Se você

quer uma experiência da favela então, você vai vir pra ver o modo de vida da favela.

”. Sendo assim, a atividade ganha um caráter distinto quando existe uma

preocupação em manter e enaltecer a identidade local, transmitindo-a ao visitante.

Em relação a questão na qual este trabalho se apoia, “qual a ligação entre o

turismo de base comunitária praticado por uma agência e a comunidade receptora?

”, foi possível concluir que existe uma forte conexão entre a agência Brazilidade e a

comunidade na qual o turismo de base comunitária está inserido.

Algumas respostas da entrevista concedida pela Sheila Souza, corroboram

para esta conclusão: uma delas é o fato de que a agência é composta por

moradoras, o que pode ser considerado a questão principal e diferenciado no fazer

turismo em favelas; em um segundo momento é reforçado o propósito, o grande

objetivo da Brazilidade, que seria a desconstrução do imaginário da favela na mente

do visitante; ainda encontra-se um diferencial na entrevista no que se refere ao

conhecimento sobre a comunidade, sendo moradora, a entrevistada tem ciência dos

problemas enfrentados pela comunidade e sua trajetória com o turismo, assim, é

possível encontrar meios de realizar um turismo que beneficie a localidade; o apoio

a grupos organizados dentro da favela e o retorno financeiro, ainda que parcial, para

a associação de moradores, é um princípio básico do turismo de base comunitário e

presente na agência Brazilidade.

Quanto ao contato para a realização da entrevista, o contato com a

idealizadora da Brazilidade foi um pouco difícil, a mesma estava em viagem quando

os contatos começaram a ser realizados e ao chegar, sua agenda estava cheia

devido aos compromissos pós viagem, impossibilitando uma entrevista presencial na

qual se acredita que poderia ser mais aprofundada. Entretanto, ao consegui entrar

em contato com a mesma, se mostrou muito solícita, cordial e disponível para

responder as perguntas.

O objetivo inicial do trabalho era realizar também uma pesquisa com os

turistas que realizassem o tour com a agência porém, como não trabalham com

turismo de massa e sim, com indicação, a realização dos tours não é frequente

impossibilitando esta parte da pesquisa.

O tema de turismo em favelas é especial para a autora que sempre acreditou

que era possível realizar a prática deixando legados para a comunidade receptora e

uma transformação no modo de se pensar em favela do turistas. Ao tomar

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conhecimento do turismo de base comunitária e do trabalho da agência Brazilidade,

o surgimento do tema foi instantâneo pretendendo-se então permanecer no campo

de estudo sobre este segmento e possivelmente, realizar uma conexão entre a

agência e universidades como modo de trazer o assunto para o espaço acadêmico

através das palestras oferecidas.

Como recomendação para trabalhos futuros, pesquisadores poderiam se

aprofundar ao aplicarem pesquisas com os turistas como forma de entender o perfil

do turista que procura o turismo de base comunitária, qual a percepção dele quanto

a favela antes e depois do tour podendo então concluir se este segmento do turismo

possui alguma influência na experiência dele. Outra recomendação seria o estudo

dos demais casos de turismo de base comunitária nas favelas do Rio de Janeiro

para que assim, possa obter um panorama completo da atividade.

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APÊNDICES

Entrevistadora: Como surgiu a ideia de criar a Brazilidade e qual a motivação

principal?

Entrevistada: A Brazilidade, na verdade, ela surgiu, é, quando eu tava

fazendo MBA de Turismo e Negócios na Candido Mendes que foi parte da minha

pós graduação, né? Então ela apareceu lá. A gente precisava criar um modelo de

negócio e a gente afinou essa proposta de empresa no...durante o MBA. Então fiz

isso junto com quem foi minha primeira sócia que tava fazendo curso comigo, que

era a Cris, então ela foi a minha primeira sócia. E assim surgiu a ideia de se fazer

tudo que eu já fazia informalmente é, tomou uma cara mais de negócio, né? Então

foi assim que surgiu, né? Eu já tava trabalhando, eu já tava fazendo guiamento mas

a ideia de formar uma empresa com CNPJ e tudo mais, surgiu no MBA de Turismo e

Negócio,tá? Então, foi basicamente isso e a motivação na verdade, é assim, a gente

teve que fazer uma pesquisa e tudo mais,né? Então o que basicamente motivou a

oportunidade tinha sido a questão da pacificação, que foi uma coisa também exigida

pelo professor lá, né? Então a gente colocou isso como uma oportunidade mas

principalmente, a motivação principal de formalizar era realmente poder dar uma

cara mais de negócio ao que eu tava fazendo de maneira informal. Então essa foi a

ideia principal né? Mas a minha motivação sempre foi essa, poder de alguma

maneira contribuir pra desconstruir essa imagem da favela. Então fazer uma

empresa formalizada, direitinha, organizada foi a principal motivação, entendeu?

Entrevistadora: Quantas pessoas estão envolvidas nas atividades da

Brazilidade e quais são as suas funções?

Entrevistada: Na verdade, sou eu, né? Eu sou formada e pós-graduada em

turismo e a Roberta, ela é turismóloga também e ela tem também...ela é guia, né?

Ela é guia internacional. Então a Roberta tem a carteirinha de guia da EMBRATUR,

né? Então somos nós duas trabalhando na Brazilidade hoje, né? A ideia é que a

gente possa ampliar, mas a gente precisa também gerar volume pra poder contratar

né?

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Entrevistadora: Como foram desenvolvidos os roteiros e serviços que hoje

são oferecidos pela Brazilidade? Qual o foco/objetivo de cada um deles?

Entrevistada: Então, Beatriz a gente participou, a Brazilidade participou de

vários processos de editais, né? Porque a Cris sempre tinha isso na cabeça dela,

minha primeira sócia, que a gente precisava tá em uma incubadora de empresa que

era pra dar mais corpo pra nossa proposta né? Então, tudo que você vê na

Brazilidade hoje em termos de proposta, de prestação de serviço, de produtos né?

Ele foi, ele foi aperfeiçoado durante o nosso processo de incubação, na incubadora

do Rio Criativo. Então foi lá que a gente desenvolveu melhor, né, que a gente já

fazia antes. Quando a gente tinha começado, a gente tinha muita coisa, a gente

oferecia muita coisa e foi na incubadora de empresa que a gente afinou nossa

proposta de negócio, de valor né? Então foi assim que a gente...foi durante o

processo da incubadora, a gente fez muitos cursos e ai a gente afinou muito a nossa

proposta de valor. Então tudo que você vê hoje tem muito a ver com esse processo

dentro da incubadora que pra gente foi muito importante. O objetivo de cada

prestação de serviço, foi como eu falei pra você, a ideia de trazer as pessoas no

Santa Marta é desconstruir essa imagem estereotipada da favela. Então quando a

gente faz o guiamento aqui, essa é a nossa abordagem principal. Quando a gente

vai fazer a palestra, essa é a nossa abordagem principal. Então assim, quando a

gente faz o tour de educação, essa é a nossa ideia principal. Então falei pra você os

quatro produtos: o guiamento, a palestra, a palestra mais o guiamento e o tour de

educação. Então todos eles têm a mesma função que é exatamente fazer essa

desconstrução, fazer uma discussão mais profunda do espaço favela. Então é isso

que a gente tenta objetivar com cada uma dessas prestações de serviço, tá bom?

Entrevistadora: Além do tour, vocês oferecem outros serviços, como

palestras. Existe uma busca por parte das faculdades, professores ou colégios por

este tipo de serviço?

Entrevistada: Existem uma busca por parte das faculdades, professores ou

colégios, sim, por este tipo de serviço, sim! A gente...na verdade é uma maneira

também de levar a favela pra dentro dos espaços acadêmicos né? Então por isso

que a gente colocou a palestra como fundamental nesse processo porque quem não

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puder vir aqui, a gente vai levar um pouco do Santa Marta pra dentro desses

espaços. Tentar fazer a desconstrução lá, entendeu? Não necessariamente precisa

ir até a favela pra fazer essas discussões, a gente vai nos espaços acadêmicos

também porque são espaços de educação. E espaços de educação pra gente é

muito importante nesse processo de fazer desconstrução dos estereótipos e tudo

mais. Então por isso que a gente...tem uma busca muito grande sim por palestras. E

a gente faz muita palestra pra universidade, pra cursos, pra empresas. Na verdade,

qualquer pessoa pode solicitar um pouco...E a gente tem uma abordagem bastante

social, bastante política, bastante crítica então por isso também os professores

gostam muito de nos convidar. A gente tem um processo de discussão de base que

ele é muito profundo, ele é muito longo também, eu já venho fazendo isso há muito

tempo então por isso que a gente é bastante solicitado nos espaços acadêmicos pra

falar, pra dar nosso depoimento.

Entrevistadora: Existe alguma relação morador com o turista? Caso sim,

como é esta relação e qual o papel da Brazilidade como intermediadora?

Entrevistada: Então, Beatriz o que a gente tenta na verdade é criar uma

situação onde o visitante se sinta à vontade pra interagir com a população local.

Nem sempre isso é possível no primeiro momento, na verdade tudo depende

também da experiência do visitante, a experiência anterior e principalmente como

ele tá vivenciando essa visita. Á vezes tem gente que vem pra favela pela primeira

vez, então não vai fazer essa interação no primeiro contato. Vi fazer a

desconstrução depois. A gente precisa dar o tempo pra pessoa fazer as reflexões,

pensar. Desconstruir também não é muito fácil né? Até porque também a favela tem

muita mídia, muita carga negativa. Mas o morador sempre tá muito aberto pra

interagir, isso na nossa experiência, a gente percebe. O visitante é que não tá muito

aberto assim, tá um pouco com medo porque recebe muita informação antes de vir e

a maioria das informações é negativa: “ah, não vai na favela”, “ah, a favela é

perigoso”, “ah, a favela é isso, a favela é aquilo”. Por isso também não é uma coisa

fácil, né? Pra você trabalhar. Então a gente como intermediador, a gente tenta munir

a pessoa com o máximo de informação possível para que depois ela se sinta mais

segura pra depois fazer essa interação por conta própria. Ás vezes faz de novo com

a gente, entendeu? Tem gente que já fez o guiamento com a gente várias vezes,

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gosta de voltar, gosta de ver, nunca é a mesma coisa. Então nesse sentido é o que

a gente tenta fazer um pouco como intermediadora nessa interação da população

local com o visitante.

Entrevistadora: Vocês são a primeira agência de turismo de base comunitária

do Santa Marta, qual o impacto desse modo de fazer turismo para a comunidade?

Entrevistada: Sexta pergunta: Vocês são a primeira agência de turismo de

base comunitária do Santa Marta, qual o impacto desse modo de fazer turismo para

a comunidade? Bom, Beatriz, a gente ser uma empresa de turismo de base

comunitária significa dizer que a gente preza muito o modo de fazer da favela, tá?

Então o que acontece, é um pouco essa mensagem que a gente tenta passar pro

visitante. A gente não precisa se descaracterizar no nosso modo de fazer do dia a

dia pra agradar nem A, nem B, nem C. Se você quer uma experiência da favela

então, você vai vir pra ver o modo de vida da favela. O modo de vida da favela não é

o modo de vida da rua, não é o modo de vida do subúrbio, é muito diferente,

entendeu? Então cada lugar, cada espaço tem suas particularidades. Então assim,

a nossa ideia na verdade é fazer as pessoas entenderem que essas são as nossas

maneiras de interagir com as pessoas, de interagir com a gente mesmo, de interagir

com quem ta visitando. Nossa maneira de fazer as nossas coisas, nossas

construções, nossas maneiras de se relacionar. Então assim, a ideia é preservar

esse modo de fazer e não só isso: é preservar, é qualificar, qualificar no sentido de

dizer que não é ruim. “Ah, porque eu faço dessa maneira significa que a outra

maneira de fazer é melhor que a minha. ” Não, são só maneiras de se fazer uma

coisa. Então, o café da manhã na favela é, sei lá, pão, manteiga e café. Não é café

da manhã do hotel entendeu? A arquitetura da casa das pessoas não é a arquitetura

do hostel da rua, do hotel da rua. Então a gente quer muito valorizar, valorizar esse

modo de fazer, tá? É valorizar, é preservar, entendeu¿ A gente não tem que se

sentir envergonhado por essas coisas. Então, a ideia na verdade é um pouco essa

que a gente não se sinta com vergonha. “Ah, porque a gente mora na favela”, “Ah,

porque favelado faz isso”, “Ah, porque favelado aquilo outro” entendeu? É uma

maneira de viver, de ser e de interagir com a cidade que as pessoas precisam

entender que não é nada que a gente deveria se sentir envergonhado de tá fazendo.

Então nossa função como empresa de turismo de base comunitária é exatamente

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preservar a memória, a identidade e a história e o modo de fazer e do modo de viver

das favelas

Entrevistadora: Vocês possuem algum projeto voltado para os moradores do

Santa Marta?

Entrevistada: Olha, ô Beatriz, a gente sempre tenta impactar socialmente aqui

dentro então a gente participa de todas as discussões de base aqui, de melhoria de

base. Então a gente faz parte do coletivo “Eu quero Santa Marta limpo”, por

exemplo. A gente participa das discussões da associação de moradores então no

que diz respeito, por exemplo, a prestação de serviço do plano inclinado, que é o

bonde, das contas de luz na favela. Então assim, a gente tenta participar de todas

essas discussões. E a gente também apoia projetos dentro do Santa Marta. Então a

gente apoia um projeto que trabalha com os jovens aqui dentro, que é o grupo ECO,

a gente contribui com a associação de moradores. Então o dinheiro do guiamento,

parte do dinheiro do guiamento, ele vai pra associação de moradores e pra esse

projeto social, entendeu? Que é o que hoje a gente dá conta de ajudar, a ideia é de

ajudar com mais projetos, entendeu? É um volume pequeno, mas a gente acredita

que é só dessa maneira também que a gente pode caminhar junto no

desenvolvimento local.

Entrevistadora: O fato da Brazilidade ser composta por moradores do Santa

marta constitui um diferencial da agencia? De que forma?

Entrevistada: Bom, a gente tá tentando trazer uma perspectiva de quem tá

dentro da favela, de quem vive a favela. Porque tem muita gente falando de favela

sem viver favela. E eu acho que a gente precisa um pouco valorizar e dar voz de

quem é a voz, entendeu? E isso eu sinto muito porque as agencias querem fazer

voz sem valorizar a voz de quem realmente deveria tá falando, entendeu? Então,

quem vive na favela é que é melhor pra falar sobre favela, né? Então, infelizmente a

gente tem muita gente de fora fazendo esse papel. Então a gente precisa dar voz

pra quem tem muita coisa pra dizer, muita coisa pra compartilhar, muita coisa pra

trocar né? Então a ideia é assim, a gente é um diferencial no sentido de que a gente

tá tentando manter a coisa da representatividade ne? Então, eu sou favelada, sou

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nascida na favela, então a ideia é um pouco trazer essa perspectiva de quem tem

um processo aqui dentro. É diferente de quem tem um processo fora, é outra fala

entendeu? Então o que a gente tá tentando é um pouco isso, dar voz pra cá pra

dentro né? Trazer a voz pra cá pra dentro.

Entrevistadora: Você já fazia tours antes da pacificação em 2008, o que

mudou no turismo na comunidade após este evento?

Entrevistada: Olha só, na verdade assim, a gente tem que pensar o seguinte,

mudou muito aqui no morro depois que teve o processo de pacificação. O governo

realmente investiu muito pra fazer o projeto pacificação um projeto aceitável na

sociedade então, tipo assim, investiram muita grana pra implementar atividade

turística dentro do Santa Marta. Até porque também era uma demanda reprimida,

tinha muita gente querendo conhecer mas você não tinha canais, esse canal de

comunicação que facilitava esse contato, essa visita. Então assim, mudou bastante.

É claro, você deveria pesquisar a Bianca Freire, ela fez uma pesquisa aqui pra saber

os impactos do turismo e tudo mais, é bastante interessante. Você vai perceber que

no início, quem ganhava mais era quem tava fora. E a percepção do visitante em

relação ao espaço favela era muito ruim, entendeu? Impactou muito pra fora, na

verdade. Não ficou muita coisa aqui dentro no início. Agora acho que equilibrou mais

um pouco porque a gente tem mais personagens locais desenvolvendo atividades

aqui dentro entendeu? Então, nesse sentido modificou muito do início até hoje, são 8

anos, por conta disso né? Por conta de a pacificação ter aberto possibilidades, mas

não teve muito filtro, Beatriz. A gente não foi preparado pra isso então ficou essa

coisa assim, a gente ficou muito tempo pra conseguir dar uma ajustada. Tá muito

longe do ideal assim, mas se você comparar, já melhorou bastante eu acho. Na

minha opinião, melhorou bastante. Então assim, acho que hoje você tem outro nível

de interação dentro do morro, até com a questão do turismo mesmo em si, de quem

desenvolve turismo aqui dentro. As pessoas estão muito mais qualificadas, mais

preparadas né? Então teve essa mudança toda, promoveu esse tipo de ação aqui

dentro. Muita gente que tava trabalhando com turismo se qualificou então, hoje

temos pessoas fazendo cursos de outros idiomas, por exemplo, pra poder falar

outros idiomas porque isso era um problema aqui. E as agencias falavam que não

dava pra trabalhar porque “ah, as pessoas não estão qualificadas”, esse tipo de

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situação entendeu? Então, realmente mudou muito né? E espero que tenha mudado

a percepção também do visitante a favela.

Entrevistadora: Com a instalação da UPP o governo investiu no turismo nas

favelas, principalmente no Santa Marta, com muitos projetos lançados. Qual a

importância desses projetos dentro da comunidade? Qual a relação atual do

governo com o Santa Marta?

Entrevistada: Bom, é como eu falei pra você, Beatriz. Não foram muitos

projetos não, entendeu? Eles investiram em uma infraestrutura pra poder vender o

projeto pacificação. A gente foi a primeira favela pacificada então assim, a ideia era

vender esse projeto como projeto pra ser reaplicado em outras favelas, né? Então, a

gente teve o Rio Top Tur aqui né? Como projeto do governo, eles fizeram curso de

capacitação pra poder capacitar moradores pra desenvolverem atividade turística,

então assim, foi nesse sentido. Algumas pessoas que antes tavam sem trabalho,

sem emprego, viram nisso também uma oportunidade crescer profissionalmente né?

Então, hoje a gente tem pessoas que deram um outro rumo a sua carreira

profissional trabalhando com turismo que antes elas não tinham. Então tudo isso foi

possibilitado por causa desses investimentos, eles fizeram investimentos em alguns

cursos aqui dentro né? Então assim, muitos desses cursos, assim...a gente não tem

muita coisa boa pra falar, muita coisa não deu continuidade, há quem reclame da

qualidade dos cursos, do conteúdo. Mas teve gente que correu atrás pra melhorar

seu empreendimento, os bares, algumas pessoas investiram dinheiro pra

melhorarem sua prestação de serviço, qualificar o espaço onde tava oferecendo sua

prestação de serviço então, restaurante, bares, entendeu? Então isso mudou muito

aqui dentro. Muita gente fez esse tipo de investimento pra poder se adaptar a essa

nova demanda de mercado né? Então assim, a relação do governo com o Santa

Marta é isso. A gente é a primeira favela pacificada, então a gente é menininha,

queridinha dos olhos, pelo menos a gente era, do governador. Então é claro que

eles queriam que esse modelo desse certo pra ele poder reaplicar, né? Então foi um

pouco o que aconteceu. Então nesse sentido, a gente teve gente que se qualificou,

voltou a estudar. Nesse sentido eu acho que foi bacana porque você incentiva as

pessoas a retomar sua vida profissional e não ficar na informalidade, né? Mas tinha

muita coisa informal que era bacana e que também foi engolida por essa coisa de

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você ter que ser microempreendedor. Isso também massacrou um pouco as

pessoas. Então, um pouco isso. Essa coisa de criminalizar a informalização eu achei

que foi um processo negativo, entendeu? É porque se você não tá nisso, você não

tá em porcaria nenhuma. E a gente aqui sempre teve um modo de fazer que é

informal mesmo né? A gente faz de acordo com as nossas possibilidades então... O

governo nem sempre atende essas demandas então você não pode criminalizar

essas iniciativas populares né? Então é o que eu acho, pessoalmente, é como eu

vejo.

Entrevistadora: Com o desenvolvimento do turismo no Santa Marta e a

procura constante de turistas estrangeiros, acreditam que este fator influenciou na

visão que o próprio morador tem sobre a favela? De que forma?

Entrevistada: Você tá falando de que visão? Isso não entendi...influenciou na

visão que o próprio morador tem sobre a favela? Olha, se é o que eu tô entendendo

o que você tá falando, assim, claro que a ideia de aumentar a autoestima do

morador da favela é uma coisa importante que precisa ser trabalhada, Beatriz.

Porque a gente, infelizmente, a mídia é muito negativa então não tem como você se

sentir orgulhoso de um espaço que só aparece na mídia de uma maneira negativa.

Não tem como né? Então é claro que a auto estima do morador é muito ruim, é claro

que a gente... a palavra favelada é cheia de carga negativa. Então assim, a coisa

das pessoas famosas virem aqui e tudo mais, é claro que de alguma maneira mexe

com o ego do morador, mexe com a auto estima mas assim, de alguma maneira

também, o desenvolvimento do turismo tem afastado também as pessoas. Então a

percepção do morador em relação ao turismo aqui dentro, aqui no Santa Marta, e a

gente conversou com algumas pessoas a respeito disso é que a tipo assim, as

pessoas têm essa sensibilidade que elas são vistas como estivessem em um

zoológico. É esse o sentimento da maioria das pessoas que a gente entrevistou aqui

dentro. Ainda tem muita coisa que precisa ser trabalhada, tem muita coisa que a

gente precisa discutir e a gente não tá fazendo essa discussão. Então por isso hoje

o nível de tolerância do morador com aquele visitante que não respeita a privacidade

local é muito grande. As pessoas pensam que vem pra favela podem fazer tudo, tô

pagando então posso fazer tudo que eu quero, não! Aqui é um espaço público-

privado entendeu? Isso tem limite e ás vezes nem a gente consegue dar conta

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desses limites. Quando é que você pode tirar foto? Quando que você não pode tirar

foto? Quando é que você perturba a privacidade das pessoas e quando você não

perturba quando você tá, por exemplo, com uma câmera? Então, você entra muito

na privacidade das pessoas quando você tá caminhando por aqui. Então assim, a

gente tem muita coisa que tem que desconstruir, principalmente fora. A gente tem

que educar as pessoas pra visitar esses espaços, pra você não deteriorar ainda

mais as relações entre as pessoas.