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DÉBORA XAVIER MARTINS
ANÁLISE DA ADOÇÃO À BRASILEIRA SOB A ÓTICA DO PROVIMENTO 63 DO
CNJ
Palmas - TO
2019
DÉBORA XAVIER MARTINS
ANÁLISE DA ADOÇÃO À BRASILEIRA SOB A ÓTICA DO PROVIMENTO 63 DO
CNJ
Trabalho de Curso em Direito apresentado
como requisito parcial da disciplina de
Trabalho de Curso em Direito II (TCD II) do
Curso de Direito do Centro Universitário
Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.
Orientador (a): Prof (a). Me. Priscila
Madruga Ribeiro Gonçalves
Palmas - TO
2019
DÉBORA XAVIER MARTINS
ANÁLISE DA ADOÇÃO À BRASILEIRA SOB A ÓTICA DO PROVIMENTO 63 DO
CNJ
Trabalho de Curso em Direito apresentado
como requisito parcial da disciplina de
Trabalho de Curso em Direito II (TCD II) do
Curso de Direito do Centro Universitário
Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.
Orientador (a): Prof (a). Me. Priscila
Madruga Ribeiro Gonçalves
Aprovado (a) em: 13/06/2019
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof (a). Me. Priscila Madruga Ribeiro Gonçalves
Centro Universitário Luterano de Palmas
__________________________________________________
Prof (a). Me. Ana Cassia Milaré de Carvalho
Centro Universitário Luterano de Palmas
__________________________________________________
Prof (a). Me. Fabiana Luiza Silva Tavares
Centro Universitário Luterano de Palmas
Palmas - TO
2019
Dedico este trabalho aos meus pais, pelo
incentivo, apoio e confiança em mim
depositados durante toda a minha jornada
acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por nunca ter me abandonado, estando sempre ao meu
lado, principalmente nas horas mais difíceis da minha vida.
Posteriormente, agradeço à minha família, em especial aos meus pais, por sempre estarem
presentes em minha vida, incentivando-me e apoiando-me a seguir sempre em frente.
Agradeço a minha orientadora, Professora Me. Priscila Madruga Ribeiro Gonçalves, por todo
conhecimento transmitido, desde a elaboração do tema à correção deste trabalho.
E por fim, aos meus colegas acadêmicos que, direta ou indiretamente, contribuíram na minha
formação.
Aqui fica a minha eterna gratidão!
“A verdadeira família é aquela unida pelo
espírito e não pelo sangue”.
Luiz Gasparetto
RESUMO
O presente trabalho busca analisar as mudanças ocorridas no tratamento dado a adoção à brasileira durante os últimos anos, através da doutrina e da jurisprudência. Tal adoção é considerada como ilegal no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, ainda é bastante praticada no país. Também será apresentada uma ampla discussão acerca do Provimento n° 63 do Conselho Nacional de Justiça, que veio com o intuito de extrajudicializar o reconhecimento da filiação socioafetiva. É válido ressaltar que também será discutida a estreita relação entre esses dois institutos, cuja interface concreta é o reconhecimento da filiação socioafetiva. Diante disso, ressalta-se também que, foi tão somente com o advento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que se pôde notar uma grande mudança nos paradigmas da adoção, tudo isso devido ao prevalecimento do vínculo afetivo em detrimento do vínculo biológico, fator este que vem corroborando significativamente para a ocorrência de tais práticas.
Palavras-chaves: Adoção à brasileira – Filiação socioafetiva – Provimento n° 63 do CNJ
LISTA DE SIGLAS
ARPEN – Associação dos Registradores de Pessoas Naturais
CC – Código Civil
CF – Constituição Federal
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNA – Cadastro Nacional de Adoção
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CP – Código Penal
CPF – Cadastro de Pessoas Físicas
DF – Distrito Federal
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
RG – Registro Geral
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 09
1 A ADOÇÃO NO BRASIL ............................................................................................... 11
1.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ....................................................................... 11
1.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM O INSTITUTO DA ADOÇÃO ........................................ 12
1.3 EVOLUÇÕES LEGISLATIVAS ................................................................................... 15
1.4 PROCEDIMENTOS DA ADOÇÃO .............................................................................. 22
2 ADOÇÃO À BRASILEIRA ............................................................................................ 25
2.1 DEFINIÇÃO E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS ........................................................ 25
2.2 VERDADE SOCIOAFETIVA X VERDADE BIOLÓGICA ........................................ 27
2.3 ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS ............................................................................... 34
2.4 ANÁLISES DO PROVIMENTO N° 63 DO CNJ .......................................................... 39
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 49
9
INTRODUÇÃO
A adoção à brasileira ocorre quando o homem e/ou mulher registra um filho alheio
como se seu fosse. A prática dessa conduta recebe esse nome por se tratar de uma adoção
realizada sem observar as exigências legais, ou seja, feita segundo o “jeitinho brasileiro”.
Esse tipo de adoção, considerada como uma perfilhação simulada, não atende as
exigências legais, e a prática dessa conduta está prevista atualmente no Código Penal como
crime, pelo fato de ser uma forma de supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil
de um recém-nascido.
Contudo, a prática desse delito muitas vezes não é punida, pois, na maioria delas, o
crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza, fazendo com que o juiz do caso em
concreto deixe de aplicar a pena, concedendo o perdão judicial à pessoa que o praticou, pelo
fato da conduta ser considerada um ato de filiação socioafetiva, onde a mesma só foi realizada
com o intuito de dar um lar à criança, por estar envolvida afetivamente com ela.
Com isso, o presente trabalho tem por objetivo analisar os casos de adoção à
brasileira existentes no país, para que se gere uma discussão acerca da norma legal que
considera a prática dessa conduta como crime, fazendo com que os operadores do direito
reflitam se a mesma será futuramente benéfica ou prejudicial à criança. Diante disso, também
será analisada a possibilidade de reconhecer extrajudicialmente a filiação socioafetiva, uma
vez que hoje já existe um regramento que autoriza esse feito (Provimento n° 63 do CNJ).
Vale ressaltar que, ao analisar esses casos de “adoção”, também será necessário
investigar a conduta de quem a praticou, pois a referida adoção pode ter sido utilizada para a
consecução de outros ilícitos, e o que se pretende é demonstrar que a mesma é realizada para
garantir o princípio do melhor interesse da criança.
O referido trabalho trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico, com finalidade
qualitativa. O método de desenvolvimento da pesquisa será por meio dedutivo, dialético,
histórico e comparativo, com técnicas indiretas especialmente elaboradas para esta pesquisa.
Dessa forma, tem-se que a presente pesquisa fundamenta-se em estudos doutrinários de
autores renomados na área do Direito de Família, com forma de desenvolvimento por meio de
legislação aplicada ao tema, com materiais disponíveis em meios eletrônicos, julgados,
jurisprudências e outras publicações que versam sobre o assunto em estudo.
Diante disso, como uma forma de melhor compreender o tema, no primeiro capítulo
do desenvolvimento do trabalho, serão apresentados os diversos conceitos da adoção, assim
como a sua natureza jurídica. Serão expostos os princípios constitucionais que regem o
10
instituto da adoção, dando ênfase ao princípio do melhor interesse da criança. Além disso,
também serão analisados o histórico e o procedimento da adoção no Brasil, junto com suas
atuais implicações.
Já no segundo capítulo será demonstrado o conceito de adoção à brasileira, onde será
relatado as suas possíveis consequências jurídicas. A partir daí, serão expostos conceitos
doutrinários acerca da filiação socioafetiva e da filiação biológica, com o intuito de evidenciar
qual delas está se prevalecendo nas relações familiares atuais. Na sequência, far-se-á uma
análise das jurisprudências que tratam sobre o assunto em estudo, onde será demonstrado o
posicionamento dos Tribunais.
Logo após, no terceiro capítulo, será analisado com mais profundidade o
reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva na via extrajudicial, conforme
Provimento n° 63 do Conselho Nacional de Justiça. Dessa forma, tem-se que a
extrajudicialização do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, por meio de registro no
Registro Civil de Pessoas Naturais, é uma questão importantíssima a ser desenvolvida no
presente trabalho de conclusão de curso, devido ao fato de se tratar de um tema atual e
polêmico, presente nas relações familiares e civis de muitos brasileiros, ainda mais das
famílias que estão se formando atualmente.
11
1 A ADOÇÃO NO BRASIL
1.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O instituto da adoção é aquele que tem o intuito de inserir nas famílias adotivas
crianças e adolescentes que foram desamparadas pela família natural e que necessitam de
conforto familiar para que preservem as suas condições físicas e morais.
Para melhor entender o conceito de adoção, Gonçalves (2018, p. 374) estabelece que:
“adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho,
pessoa a ela estranha”, rompendo barreiras de desconfianças entre as mesmas.
Neste sentido, Diniz (2002, p. 416) assevera que “adoção é o ato jurídico solene pelo
qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer
relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua
família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”.
Por sua vez, Sílvio de Salvo Venosa (2013, p. 279), também usando de seus
conhecimentos sobre filiação, apresenta o seguinte conceito:
A filiação natural ou biológica repousa sobre o vínculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção contemporânea é, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico.
De acordo com o autor, a adoção é reconhecida como uma espécie de filiação que
não necessita do vínculo sanguíneo para se concretizar, mas sim de manifestação de vontade
entre as partes e de sentença judicial, pois a mesma não resulta de uma relação biológica.
Dado o exposto, percebe-se que há inúmeros conceitos do referido instituto, que vêm
sofrendo alterações com o passar dos anos. Contudo, é preciso salientar que, atualmente, o
conceito de adoção está ligado ao princípio do melhor interesse da criança, visto que a adoção
só será admitida quando gerar benefícios para o adotando.
Outra questão a se analisar é sobre a natureza jurídica da adoção, pois a sua definição
sempre foi muito controvertida entre os autores, e isto se deve à evolução que o instituto tem
passado e também ao fato de não conseguirem encontrar a natureza e a origem desse ato.
Ressalta-se que, na vigência do Código Civil de 1916, a adoção tinha um caráter contratual,
pois se tratava de uma manifestação de vontade entre as partes e era realizado por meio de
escritura pública.
Para melhor elucidar essa questão, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 375),
12
lecionou sobre o respectivo assunto:
É controvertida a natureza jurídica da adoção. No sistema do Código de 1916, era nítido o caráter contratual do instituto. Tratava-se de negócio jurídico bilateral e solene, uma vez que se realizava por escritura pública, mediante o consentimento das duas partes. Se o adotado era maior e capaz, comparecia em pessoa; se incapaz, era representado pelo pai, ou tutor, ou curador. Admitia-se a dissolução do vínculo, sendo as partes maiores, pelo acordo de vontades (arts. 372 a 375).
Segundo o autor, o instituto da adoção nesse sistema tinha uma natureza negocial e
era visto como um contrato na área do Direito de Família, tudo isso devido à necessidade de
ser concretizada através de escritura pública. Destaca-se que nessa época, o referido instituto
visava beneficiar os adotantes, e não os adotandos, diferentemente do atual sistema, que busca
priorizar, em primeiro lugar, à pessoa do adotando.
Nessa seara, sobre a natureza jurídica da adoção no sistema atual, Sílvio de Salvo
Venosa estabelece:
(...) na adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente não se pode considerar somente a existência de simples bilateralidade na manifestação de vontade, porque o Estado participa necessária e ativamente do ato, exigindo-se uma sentença judicial, tal como faz também o Código Civil de 2002. Sem esta, não haverá adoção. A adoção moderna, da qual nossa legislação não foge à regra, é direcionada primordialmente para os menores de 18 anos, não estando mais circunscrita a mero ajuste de vontades, mas subordinada à inafastável intervenção do Estado. Desse modo, na adoção estatutária há ato jurídico com marcante interesse público que afasta a noção contratual. Ademais, a ação de adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado. (VENOSA, 2013, p. 284)
Assim, o autor deixou evidente em sua obra que a obrigatoriedade da sentença
judicial na adoção passou a ser exigida, eliminando de vez o caráter contratual que a mesma
estampava. Nessa adoção, há a intervenção do Estado, e o seu caráter é considerado
constitutivo.
1.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM O INSTITUTO DA ADOÇÃO
Preliminarmente, cumpre ressaltar que antigamente os princípios eram entendidos
como meras metas, no entanto, percebe-se que hoje eles contêm força normativa, e a sua
estrutura em preceitos de maior generalidade permite uma maior facilidade de aplicação
prática. Assim, sua generalidade funciona como um componente de flexibilidade, para
oferecer às jurisprudências maiores possibilidades. O que se tem é uma orientação axiológica
bem definida em expressões de maior generalidade.
Para melhor esclarecimento, Nelson Rosenvald apresenta a sua definição:
13
Os princípios não são apenas a lei, mas o próprio direito em toda sua extensão e abrangência. Da positividade dos textos constitucionais alcançam a esfera decisória dos arestos, constituindo uma jurisprudência de valores que domina o constitucionalismo contemporâneo, a ponto de fundamentar uma nova hermenêutica nos tribunais. (ROSENVALD, 2005, p. 45-46)
À vista disso, é possível notar que os princípios representam todo o campo jurídico,
não só a legislação em si. Daí tem-se a ideia de que o seu surgimento não se deve somente ao
texto da lei, mas também a hermenêutica jurídica, como consequência da interpretação das
referidas expressões.
Em conformidade com o que foi apresentado, é imprescindível fazer uma análise
sobre os princípios encontrados na área do Direito de Família, mas especificamente no campo
da adoção. O instituto da adoção rege-se por vários princípios, tais como o princípio da
dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, o princípio
da prioridade absoluta e o princípio do melhor interesse da criança, princípios estes que
encontram respaldos em algumas normas jurídicas.
O princípio da dignidade da pessoa humana é a qualidade essencial comum a todas
as pessoas humanas, as quais devem ser tratadas como membros iguais do gênero humano,
com respeito e proteção. O princípio supramencionado é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, e é encontrado na Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo
1º, inciso III, o qual disciplina:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)III - a dignidade da pessoa humana
Essa regra da CF/88 também se aplica às crianças e adolescentes, de uma maneira
bem mais rigorosa, já que os mesmos são considerados seres humanos em desenvolvimento,
como também estabelece o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990):
Art. 6º. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Diante disso, fica claramente evidenciado que o referido princípio tem o intuito de
estruturar, constituir e indicar as ideias diretivas básicas de toda ordem constitucional. Dessa
14
forma, o princípio tem o poder/dever de declarar como inconstitucional qualquer norma que
entrar em conflito consigo mesmo. Devendo ainda levar-se em conta a condição individual
das crianças e dos adolescentes, por se tratarem de pessoas em fase de desenvolvimento.
O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos tem por objetivo proibir qualquer
conduta que enseje discriminação no que tange à filiação. O referido princípio encontra
respaldo no artigo 227, parágrafo 6º, da CF/88, veja-se:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Da mesma forma, o artigo 1.596 do Código Civil de 2002 – CC/02 (Lei nº 10.406, de
10 de janeiro de 2002) disciplina, in verbis:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Dessa forma, cabe mencionar que antigamente os filhos eram classificados entre
legítimos, ilegítimos e adotivos, fator este que era considerado extremamente discriminatório,
pois gerava uma situação de inferioridade no meio de ambos. Com isso a CF/88 aboliu as
regras que os distinguiam, para que assim houvesse igualdade entre todos eles,
independentemente da maneira como cada um fosse concebido.
O princípio da prioridade absoluta estabelece que, havendo ponderações e
indagações a respeito de sobre qual interesse tutelar, deverá, primordialmente, atender os
interesses das crianças e dos adolescentes, já que o referido princípio é interesse de toda uma
nação.
Adiante, pode-se observar o texto do artigo 100, parágrafo único, inciso II, do ECA,
que trata sobre o referido princípio:
Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas:
(...)II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer
15
norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares.
Esse princípio leva-se em conta a condição de uma pessoa em desenvolvimento, pois
as crianças e os adolescentes são considerados frágeis diante de uma pessoa já adulta. Com
isso, é dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar a
prioridade absoluta dos interesses das mesmas.
Da mesma forma que o princípio acima mencionado, o princípio do melhor interesse
da criança está ligado ao fato de que os interesses das crianças e dos adolescentes devem ser
tratados com prioridade pelo Estado, pela sociedade e pela família. Com isso, frisa-se que
atualmente toda situação que envolva os interesses dessas pessoas descritas, deverá se atentar
ao referido princípio, uma vez que o seu intuito é garantir o bem-estar das mesmas.
O referido princípio é encontrado no caput do artigo 227 da CF/88, veja-se:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o artigo 4º do ECA também refere-se a este importante princípio:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Com isso, há o entendimento de que o princípio do melhor interesse da criança trata-
se de uma orientação para o legislador no momento de elaboração das regras, assim como
para o aplicador no momento de aplicá-las, onde ambos devem priorizar as necessidades das
crianças e dos adolescentes diante de um caso em concreto ou de uma nova elaboração de
regras.
1.3 EVOLUÇÕES LEGISLATIVAS
O instituto da adoção ganhou relevância no Brasil com o advento do Código Civil de
1916. A adoção neste código tinha o intuito de beneficiar em primeiro lugar à pessoa do
adotante, fazendo com que o adotando ficasse em segundo plano. Nele, a adoção era vista
16
como uma instituição que tinha o objetivo de dar prole às pessoas que não tinham e nem
podiam ter filhos.
Para melhor esclarecimento, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 377), estabelece:
O Código Civil de 1916 disciplinou a adoção com base nos princípios romanos, como instituição destinada a proporcionar a continuidade da família, dando aos casais estéreis os filhos que a natureza lhes negara. Por essa razão, a adoção só era permitida aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, pressupondo-se que, nessa idade, era grande a probabilidade de não virem a tê-la.
De acordo com o autor, a adoção inserida neste código só era destinada a dar filhos a
casais impossibilitados de tê-los. Esse instituto não visava primordialmente à pessoa do
adotando, como o atual sistema o faz. Além disso, o instituto não integrava totalmente o
adotado em sua nova família, pois o mesmo continuava ligado a sua família natural, devido ao
fato dos direitos e deveres resultantes desse parentesco não se extinguirem com a realização
da adoção.
A adoção disciplinada pelo Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916) possuía dez
artigos (368 a 378), e neles continham as características e requisitos para o procedimento, tais
como: uma idade mínima de 50 anos para poder adotar, mas somente se a pessoa interessada
não tivesse prole legítima ou legitimada; o adotante deveria ser pelo menos 18 anos mais
velho que o adotado; ninguém poderia ser adotado por duas pessoas, somente se os adotantes
fossem marido e mulher; a adoção realizada pelo tutor ou curador só poderia ser realizada
depois que ambos prestassem as contas; a adoção também só poderia ser realizada depois de
consentida pela pessoa que mantivesse a guarda do adotando; o adotado poderia se desligar da
adoção quando cessasse a sua interdição ou menoridade; o vínculo da adoção se dissolvia
quando ambas as partes consentiam ou quando o adotado cometesse ingratidão para com o
adotante; a adoção era realizada por escritura pública; o parentesco limitava-se somente à
pessoa do adotante e à pessoa do adotado; a adoção mantinha o seu efeito mesmo quando o
adotante tivesse um filho biológico, mas somente se o filho não fosse concebido no momento
dela; os direitos e deveres resultantes do parentesco natural não eram extintos com a adoção,
somente o poder familiar, que deveria ser transferido ao pai adotivo pelo pai natural.
Posteriormente, passou a vigorar a Lei n. 3.133, de 8 de maio de 1957 (BRASIL,
1957). Foi com essa lei que a adoção pôde se tornar um instituto filantrópico, destinado a não
só atender os interesses dos adotantes, mas como também atender os interesses de crianças
desamparadas pela família natural. A referida lei permitiu que pessoas com idade mínima de
30 anos pudessem adotar independentemente de ter ou não prole natural, mas o casal adotante
deveria ser casado há, pelo menos, 5 anos. A diferença de idade exigida entre o adotante e o
17
adotando passou a ser de 16 anos. A dissolução do vínculo da adoção passou a ser permitida
nos casos em que se admitia deserdação. A sucessão hereditária não era permitida na relação
de adoção quando os pais adotantes tivessem filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. E
ficou estabelecido também que, a pessoa do adotado pudesse declarar quais os apelidos da
família iria usar, conservando os dos pais de sangue, ou acrescentando os do adotante, ou
ainda excluindo o apelido dos pais de sangue e permanecendo apenas com os dos novos pais.
Logo depois, surgiu a Lei n. 4.655, de 2 de junho de 1965 (BRASIL, 1965). Essa lei
dispôs sobre a legitimidade adotiva e teve o papel de integralizar e igualar o adotando no seio
familiar. Dentre as principais inovações, destaca-se o fato de ter sido permitido a legitimação
adotiva do infante exposto, cujos pais fossem desconhecidos ou declarassem por escrito que
ele poderia ser dado a outra família, bem como do menor abandonado propriamente dito até
sete anos de idade, cujos pais tivessem sido destituídos do poder familiar; do órfão da mesma
idade, não reclamado por qualquer parente por mais de um ano; e, ainda, do filho natural
reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover a sua criação.
Quanto à pessoa do adotante, ficou estabelecido que não fosse mais necessário o
prazo de 5 anos de matrimônio para ter direito a adoção se ficasse provada a esterilidade de
um dos cônjuges, por perícia médica, e a estabilidade conjugal. Também fora autorizado,
excepcionalmente, a legitimação ao viúvo, ou viúva, com mais de 35 anos de idade, desde que
provado que o menor estivesse integrado em seu lar e vivesse por lá há mais de 5 anos. Além
dos cônjuges desquitados que, se houvesse começado a guarda do menor, no período de
prova, na constância do matrimônio, e concordando sobre ela após a terminação da sociedade
conjugal, poderiam requerer a legitimação. A referida lei também estabeleceu a
irrevogabilidade da adoção e conferiu aos filhos adotivos os mesmos direitos e deveres dos
filhos naturais, além de ter excluído a ideia de qualquer vínculo deste com a família de
origem.
Mais adiante, surgiu a Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979 (BRASIL, 1979), mais
conhecida como Código de Menores. Essa Lei introduziu duas formas de adoção no sistema
jurídico brasileiro, sendo a adoção plena e a adoção simples. A adoção simples era regida pelo
Código Civil de 1916, e poderia ser realizada por escritura em cartório através de um contrato
entre as partes. Já a adoção plena era regida pelo referido Código de Menores, e através dela é
que foi possível a inserção integral do adotado na família adotiva, desligando-o da família
biológica.
Contudo, foi somente com o advento da Constituição Federal de 1988 que se pôde
perceber um grande avanço no instituto da adoção. Pois foi a partir dela que os procedimentos
18
de adoção no Brasil passaram a exigir sentenças judiciais, ao invés de serem realizados por
meio de escritura pública, igual era feito nas legislações anteriores.
Com a Constituição Federal de 1988, ficou proibido diferenciar os filhos adotivos
dos filhos naturais, pois essa era uma forma de discriminação no que tangia à filiação, sem
falar que isso era uma forma de ferir o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos,
explícito no art. 227, parágrafo 6°, da CF/88. A partir daí foram abolidas as regras que os
distinguiam, evitando, assim, uma situação de inferioridade no meio de ambos, e ao mesmo
tempo concedendo a igualdade aos mesmos, independentemente da maneira como cada um
fosse concebido.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990) foi
criado com a finalidade de garantir proteção integral às crianças e adolescentes de modo que
reconhecesse seus direitos essenciais e específicos. Para tratar sobre o assunto, o artigo 3º do
referido Estatuto estabelece que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
O artigo supracitado elenca os direitos assegurados às crianças e adolescentes do
país. Dessa forma, o referido aparece como uma solene declaração de princípios, comparada a
outras, contidas em Cartas Constitucionais e Convenções Internacionais. Assim, a norma
reconhece e coloca em primeiro lugar as crianças e adolescentes na ordem de prioridades do
Estado, com a finalidade de garantir aos mesmos todos os direitos fundamentais que lhe são
inerentes.
Em termos de adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990)
estabelece em seus artigos 39 a 52 as características e os requisitos para a adoção de crianças
e adolescentes.
A princípio, cumpre ressaltar que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável,
à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou
adolescente na família natural ou extensa. Além disso, ressalta-se que a mesma não poderá ser
concedida por procuração, e que quando houver conflito entre os direitos e interesses do
adotando e de outras pessoas, inclusive dos seus pais biológicos, deverá prevalecer os direitos
e os interesses deste.
Ressalta-se também que o adotando deverá possuir até dezoito anos na data do
pedido, exceto aqueles que já estiverem sob a guarda ou tutela dos adotantes. Dessa forma,
19
compreende-se que a maioridade ocorre aos 18 anos de idade, conforme estabelece o CC/02.
Sendo assim, este foi o parâmetro optado pelo legislador como sendo o limite para ser
procedida a adoção.
Na adoção será atribuída a condição de filho ao adotado, eis que restará contemplado
com os mesmos direitos, elidindo-se de qualquer vínculo biológico, exceto os impedimentos
matrimoniais. O cônjuge ou concubino poderá adotar o filho pertencente ao outro, criando a
filiação de maneira ampla, no que tange ao parentesco. É imperioso ressalvar que o direito
sucessório será recíproco.
O ECA estabelece que o adotante deva ter no mínimo dezoito anos para ter direito a
adoção, não importando o seu estado civil. No entanto, serão impedidos de adotar os
ascendentes e os irmãos do adotando. Além disso, deverá ter uma diferença mínima de 16
anos de idade entre o adotante e o adotado. Na adoção conjunta será necessário que os
adotantes sejam casados no civil, ou ao menos vivam em união estável; Os ex-companheiros
poderão adotar conjuntamente, mas é necessário que haja acordo sobre a guarda e o direito de
visita, por exemplo; A adoção somente restará deferida após inequívoca manifestação de
vontade do adotante, ainda que faleça no decorrer do procedimento.
Salienta-se que a adoção é uma medida de se colocar uma criança em uma família
substituta, de modo que sejam priorizadas as suas necessidades e os seus interesses. Assim,
compreende-se que a adoção só será deferida quando apresentar reais vantagens para o
adotando e fundar-se em motivos legítimos.
Não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado enquanto não der
conta de sua administração e saldar o seu alcance. Essa regra é uma medida protetiva à pessoa
do adotando. Dessa forma, será necessário que as pessoas mencionadas no texto da lei,
demonstrem que possuem condições de gerir ou administrar as verbas e o patrimônio dos
futuros adotados.
A ação dependerá da manifestação de vontade dos pais para que seja julgada
procedente, sendo dispensada apenas nos casos em que os pais não forem conhecidos, ou nos
casos em que se vislumbrar a destituição do poder familiar; O adotando somente se
manifestará nos casos em que possuir 12 anos de idade ou mais.
A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente,
pelo prazo máximo de 90 dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as
peculiaridades do caso. O prazo poderá ser prorrogado por até igual período, mediante decisão
fundamentada da autoridade judiciária; Será possível a dispensa do estágio de convivência
20
nos casos em que os autores já exercerem a tutela ou a guarda do menor. Porém, a simples
guarda de fato não autorizará, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.
Nos casos de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o
estágio de convivência será de, no mínimo, 30 dias e, no máximo, 45 dias, prorrogável por até
igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
O vínculo da adoção será constituído por meio de sentença judicial, que será inscrita
no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão; A sentença conferirá ao
adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação
do prenome. No entanto, caso a modificação do prenome seja requerida pelo adotante, será
obrigatória a oitiva do adotando; O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro
original do adotado. Dessa forma, nenhuma observação sobre a origem do ato deverá constar
na certidão do registro.
Terão prioridade de tramitação os processos de adoção em que o adotando for
criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica. O prazo máximo para
conclusão da ação de adoção será de 120 dias, prorrogável uma única vez por igual período,
mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária.
O adotado terá o direito de conhecer sua origem biológica, bem como poderá obter
acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após
completar 18 anos. O acesso ao processo também poderá ser deferido ao adotado menor de 18
anos, desde que ele receba orientação e assistência jurídica e psicológica.
É importante frisar que a morte dos adotantes não restabelecerá o poder familiar dos
pais naturais, pois o adotado não será mais considerado juridicamente filho dos pais
biológicos, uma vez que, com a homologação da adoção, passa a assumir a posição de filho
dos pais adotantes.
O ECA estabelece, ainda, que cada comarca ou foro regional deverá conter um
registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas
interessadas na adoção. Para isso, será necessário um controle rigoroso feito pelo Ministério
Público para inserir ou excluir o registro.
Quanto à adoção internacional, observar-se-á o procedimento previsto nos artigos
165 a 170 da Lei em apreço.
Diante da análise das regras de adoção previstas no ECA, percebe-se que após
finalizados os requisitos, o ingresso do adotado na família do adotante tornar-se-á completo,
passando a ser filho legítimo com todas as condições necessárias para um bom
desenvolvimento social e afetivo, uma vez que o ECA, em matéria de adoção, tem como
21
principal objetivo agregar de forma total o adotado à família do adotante, e de maneira
irrevogável, afastá-lo definitivamente da família biológica.
Por conseguinte, há que mencionar ainda a adoção prevista no Código Civil de 2002,
que após ter sofrido inúmeras reformas, está sendo disciplinada nos artigos 1.618 e 1.619,
veja-se:
Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei n. 12.010, de 2009)Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei n. 12.010, de 2009)
Os artigos mencionados estabelece que a adoção de crianças e adolescentes seja
regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Já a adoção dos maiores de 18 anos será
assistida pelo Poder Público, mas que também poderá ser delineada pelas regras gerais do
referido Estatuto. A adoção de crianças e adolescentes é chamada de adoção estatutária, e a
dos maiores de 18 anos é conhecida como adoção civil. Ambas são regulamentadas pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Atualmente, a adoção de crianças e adolescentes é regida pela Lei n. 12.010, de 3 de
agosto de 2009. Essa lei introduziu várias mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente
e no Código Civil de 2002, em matéria de adoção. A referida lei estabeleceu prazos para dar
mais celeridade aos processos de adoção, criou um cadastro nacional para facilitar o encontro
de crianças e adolescentes com pessoas devidamente habilitadas para adotar, limitando em
dois anos a permanência de crianças e jovens em abrigos, prorrogáveis em caso de
necessidade das mesmas. Também fixou o prazo de seis meses para reavaliar todas as crianças
e adolescentes inseridas em programas de acolhimento familiar ou institucional
(GONÇALVES, 2018, p. 380). Além disso, foram introduzidas diversas outras modificações
no instituto da adoção.
Sobre o Cadastro Nacional de Adoção - CNA, é importante ressaltar que o mesmo
foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, através da Resolução n. 54/08, com o
objetivo de dar cumprimento ao artigo 50, parágrafo 5°, da referida Lei de adoção. Assim,
segundo o CNJ, o cadastro nacional de adoção é uma ferramenta digital que tem por escopo
auxiliar os juízes das Varas da Infância e da Juventude a conduzir os processos de adoção
encontrados no território nacional.
Para melhor entendimento, o site do Conselho Nacional de Justiça dispõe:
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Lançado em 2008, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é uma ferramenta digital que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o país. No ano em que o Cadastro completa uma década de existência, uma nova versão entra em funcionamento para facilitar as adoções de nove mil crianças que aguardam por uma família em instituições de acolhimento de todo o país. O novo CNA - que tem como modelo o sistema criado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) - tem o objetivo de colocar sempre a criança como sujeito principal do processo, para que se permita a busca de uma família para ela, e não o contrário. Entre as medidas que corroboram essa intenção estão a emissão de alertas em caso de demora no cumprimento de prazos processuais que envolvem essas crianças e a busca de dados aproximados do perfil escolhido pelos pretendentes, ampliando assim as possibilidades de adoção. Além das crianças aptas à adoção, o novo sistema traz informações do antigo Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas, do CNJ, no qual 47 mil crianças que vivem em instituições de acolhimento em todos os estados estão cadastradas. Esse cadastro integra dados de todos os órgãos e entidade de acolhimento de crianças/adolescentes abrigados no País.
De acordo com o CNJ, o Cadastro Nacional de Adoção cruza automaticamente os
dados constantes no sistema, permitindo que sejam encontrados perfis de adotantes e adotados
parecidos, em regiões distintas. Diante disso, o Juízo competente recebe automaticamente,
através de mensagem eletrônica, sistemas de alerta que demonstram a compatibilidade entre o
menor e o pretendente. Ressalta-se ainda que a nova versão do CNA tem por objetivo colocar
como sujeito principal do processo as crianças que aguardam por uma família em instituições
de acolhimento. Assim, a ferramenta emite alerta quando houver uma demora no
cumprimento de prazos processuais, e ainda possibilita a adoção ao demonstrar os perfis
escolhidos pelos pretendentes.
Por fim, cabe mencionar ainda que recentemente foi sancionada a Lei n. 13.509, de
22 de novembro de 2017 (BRASIL, 2017). Esta lei também alterou o Estatuto da Criança e do
Adolescente, dispondo sobre entrega voluntária, destituição do poder familiar, acolhimento,
apadrinhamento, guarda e adoção de crianças e adolescentes. Também alterou a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), para estender garantias trabalhistas aos adotantes, e o Código
Civil de 2002, para acrescentar nova possibilidade de destituição do poder familiar.
1.4 PROCEDIMENTOS DA ADOÇÃO
Atualmente no Brasil, para ter direito a adoção, é necessário passar por uma espécie
de procedimento, que irá analisar se a pessoa do adotante está apta a receber no seio de sua
família o adotando a quem despertou o interesse de adotar.
Importa salientar que existem duas filas no procedimento para a adoção. Uma é a fila
de crianças que estão na espera da adoção, pelo fato de suas famílias terem sido destituídas do
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poder familiar, por não garantirem mais a segurança absoluta das mesmas. E a outra fila é a de
pessoas que pretendem adotar, que irão ser avaliadas estritamente para terem direito à adoção.
O procedimento da adoção tem a finalidade de garantir, antes dos interesses dos
adotantes, o bem-estar do adotado, evitando que aconteçam reais desvantagens para com o
mesmo, tal como o tráfico de menores. Por isso, mesmo com a quantidade de regras existentes
nesse procedimento, o referido busca garantir a segurança absoluta e o bem-estar ao adotando,
já que a família biológica não soube oferecer.
De acordo com as informações extraídas do sítio eletrônico do Conselho Nacional de
Justiça, nesse procedimento, o primeiro passo que a pessoa interessada deve fazer é procurar a
Vara de Infância e Juventude do munícipio em que reside. Lá eles irão informar os
documentos necessários para sua habilitação. É importante ressaltar que é preciso ter uma
idade mínima de 18 anos para se habilitar, pois deve se respeitar uma diferença de 16 anos
entre o pretendente e a criança escolhida. Ressalta-se também que a habilitação pode ser
requerida independentemente do estado civil da pessoa e da sua orientação sexual, este
último, ainda que não estabelecido em lei, vem tendo decisões favoráveis nos processos de
adoções.
Após a tomada de conhecimento sobre o que é necessário para se habilitar, a pessoa
interessada na adoção deve procurar também um advogado particular ou um defensor público
para fazer uma petição requerendo a inscrição de seu nome perante a Vara de Infância e
Juventude. Nesse momento, a pessoa deverá apresentar os documentos necessários para se
habilitar, tais como: RG, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de
residência, comprovante de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração
médica de sanidade física e mental, certidões cível e criminal. E só depois de apresentados
esses documentos, que a pessoa poderá ser aprovada e habilitada para que seu nome conste no
cadastro local ou nacional de adoção.
Logo em seguida, o candidato deverá, obrigatoriamente, fazer um curso de
preparação psicossocial e jurídica, e após comprovada a participação nesse curso, ele será
submetido a uma avaliação psicossocial com entrevistas e visitas domiciliares feitas pela
equipe especializada. O resultado dessa avaliação será encaminhado ao Ministério Público e
ao Juiz da Vara de Infância e Juventude. Salienta-se que durante essa entrevista, o candidato
deverá escolher o perfil da criança que se deseja adotar, podendo escolher o sexo, a faixa
etária, o estado de saúde e até mesmo se aceita os irmãos desta. Frisa-se que quando a criança
tem irmãos, a pessoa deverá adotar todos eles, pois a lei não permite que o grupo se separe.
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Assim que for emitido o laudo da equipe técnica da Vara e o parecer do Ministério
Público, o juiz poderá dar a sua sentença. Sendo favorável a sentença proferida pelo juiz, o
nome do candidato será inserido nos cadastros e ele estará automaticamente na fila de espera
da adoção e, a partir daí, poderá aguardar até que apareça uma criança com o perfil desejado
na entrevista em que deu à equipe especializada. Porém, o prazo para que o nome fique
inserido no cadastro é apenas de dois anos. E caso o nome não seja aprovado, o candidato
deverá procurar saber os motivos, que poderia ter sido provocado por causa do seu estilo de
vida, que seria incompatível com a criação de uma criança ou outras razões equivocadas que
inviabilizassem a adoção. Depois disso, o candidato pode se adequar e começar todo o
procedimento novamente.
Quando aparecer uma criança de acordo com o perfil escolhido pelo adotante, a Vara
de Infância irá avisá-lo, informando o histórico de vida da mesma e, havendo interesse, eles
serão apresentados. Contudo, a criança também será entrevistada após o encontro e dirá se
deseja ser adotada ou não pelo candidato. Se ambos concordarem, passarão a ter direito ao
estágio de convivência, que será monitorado pela Justiça e equipe especializada. Nesse
estágio de convivência, poderá ser permitido ao adotante visitar a criança no abrigo onde ela
se encontra e levá-la para pequenos passeios, onde terão mais oportunidades de se
aproximarem.
Por fim, se a relação da criança com o adotante correr bem, ela poderá ser liberada e
caberá ao pretendente ajuizar a ação de adoção. Durante esse processo, o adotante receberá a
guarda provisória do adotando, que ficará sob seus cuidados até o término do mesmo. Nesse
momento, a criança poderá ir morar com o adotante, desde que recebam sempre visitas
periódicas da equipe especializada, que irão apresentar uma última avaliação. Logo mais, o
juiz irá proferir a sentença de adoção, determinando a lavratura do novo registro de
nascimento com o sobrenome da nova família. A partir daí, o adotando passará a ter todos os
direitos de um filho biológico.
Em virtude do que foi mencionado, é possível perceber uma grande quantidade de
regras envolvidas no procedimento da adoção que, embora sejam necessárias para a segurança
do processo, acabam tornando-o moroso, fazendo com que muitos optem por outra saída, ou
até mesmo desistam de adotar. E apesar das inovações legislativas que ocorreram nos últimos
anos, no intuito de dar celeridade ao processo e garantir o melhor interesse da criança na
adoção, o trâmite processual do referido ainda é considerado muito lento por muitos, fator
este que deveria ser solucionado o mais depressa possível pelos operadores do direito, pois de
alguma forma acaba prejudicando os envolvidos na adoção.
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2 ADOÇÃO À BRASILEIRA
2.1 DEFINIÇÃO E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
A adoção à brasileira ou simulada é uma expressão utilizada pelo Supremo Tribunal
Federal para se referir às pessoas que registram filho alheio como próprio. Esse tipo de
adoção ocorre quando o homem e/ou mulher registra um filho alheio como se seu fosse. E a
prática dessa conduta recebe esse nome por se tratar de uma adoção realizada sem observar as
exigências legais, ou seja, feita segundo o “jeitinho brasileiro”.
Segundo Nancy Andrighi, a adoção à brasileira se caracteriza pelo reconhecimento
voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao
procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente
registra o menor como seu filho, sem as cautelas judiciais impostas pelo estado, necessárias à
proteção especial que deve recair sobre os interesses da criança.
Nessa adoção, o adotante sem se submeter aos trâmites legais dirige-se ao cartório e
registra a criança como seu filho biológico, não havendo a adoção em si prevista na legislação
brasileira. Com isso, dá para perceber que um dos fatores que colabora para a prática da
adoção à brasileira é o fato de o registro dessas crianças serem feitos pelo Cartório de
Registro Civil sem nenhuma investigação que comprove os laços biológicos ou a veracidade
dos documentos apresentados no momento do ato. Além disso, existem outros fatores que
contribuem para a prática da adoção à brasileira, sendo eles: a vontade de constituir uma
família, a comoção em ver crianças e adolescentes sendo abandonados pela família natural e,
o sentimento de afeto para com elas.
Para melhor elucidar o tema abordado, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 379),
leciona sobre a referida espécie de adoção:
Há, ainda, a adoção simulada ou à brasileira, que é uma criação da jurisprudência. A expressão “adoção simulada” foi empregada pelo Supremo Tribunal Federal ao se referir a casais que registram filho alheio, recém-nascido, como próprio, com a intenção de dar-lhe um lar, de comum acordo com a mãe e não com a intenção de tomar-lhe o filho. Embora tal fato constitua, em tese, uma das modalidades do crime de falsidade ideológica, na esfera criminal tais casais eram absolvidos pela inexistência do dolo específico. Atualmente, dispõe o Código Penal que, nesse caso, o juiz deixará de aplicar a pena.
De acordo com o autor, o Supremo Tribunal Federal - STF criou a expressão “adoção
simulada” para se referir a casais que, motivados pelo sentimento de afeto, registram filho
alheio como próprio. No entanto, é de extrema importância uma investigação detalhada da
conduta da pessoa que cometeu o ato, pois é através dessa conduta que será possível
identificar se houve realmente o dolo ou se apenas uma manifestação de afeto para com a
26
criança. Após isso, é que se deverá optar pela aplicação da pena ou pela aplicação do perdão
judicial.
Verifica-se que a prática dessa conduta é considerada ilícita na esfera criminal, pois
constitui crime contra o estado de filiação. A respeito disso, o artigo 242, do Código Penal –
CP (Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) disciplina, in verbis:
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:Pena - reclusão, de dois a seis anos.Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.
O artigo supramencionado caracteriza a prática de adoção à brasileira como uma
forma de parto suposto e supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-
nascido. Contudo, percebe-se que através do parágrafo único do referido artigo que existe a
possibilidade de aplicação do perdão judicial a quem praticou o suposto crime, pois cabe ao
juiz do caso em concreto verificar, como já foi mencionado, se houve motivo de reconhecida
nobreza na conduta “criminosa”.
É importante ressaltar também que o artigo 299 do Código Penal tipifica o crime
como falsidade ideológica. Veja-se:
Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:Pena - Reclusão, de um a cinco anos, e multa, e se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Diante da análise do artigo, frisa-se que no crime de falsidade ideológica o
documento pode até ser autêntico, porém o seu conteúdo será considerado falso, isto é, as
declarações inseridas no documento não ensejarão veracidade. Dessa forma, a prática da
adoção à brasileira consistirá em dar informações falsas para a confecção de um documento
público.
Insta salientar que os Tribunais Superiores têm se posicionado a favor de alguns
casos de adoção à brasileira, pelo fato de haver não só nobreza na conduta de quem a pratica,
mas também por existir um vínculo de afetividade entre os sujeitos envolvidos. No entanto,
embora a adoção à brasileira, na maioria das vezes, não representa torpeza de quem a pratica,
pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de
crianças para fins lucrativos.
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A prática da adoção à brasileira, por ser considerada como crime, sujeita o adotante a
sanções penais. Além disso, pode dar margem a outros crimes, como já foi mencionado. Com
isso, ao suspeitar de má-fé na conduta dos pais registrais, a autoridade judiciária deverá
intervir no caso, onde poderá decretar a busca e apreensão do menor envolvido, bem como
destituir o poder familiar dos pretensos pais. Ao realizar esse ato, ocorrerá o acolhimento
institucional do menor e posterior encaminhamento para a adoção.
Sobre o acolhimento institucional, o art. 101, inciso VII, do ECA estabelece:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:(...)VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009).
O acolhimento institucional é uma das medidas de proteção previstas no ECA e
aplicáveis a crianças e adolescentes sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados.
Além disso, o referido é utilizado como forma de transição para reintegrar ou colocar o menor
em família substituta. Vale ressaltar que o mesmo só deverá ocorrer em situações nas quais as
medidas protetivas mais brandas não forem eficazes, devendo ter um prazo estipulado para o
tal acolhimento, já que se trata de uma medida protetiva.
Mediante o exposto, há que se destacar que a autoridade judiciária, no momento do
julgamento dos casos de adoção à brasileira, deverá, de forma sistemática, analisar qual
decisão será mais benéfica ao infante envolvido, pois o que se pretende, antes de tudo, é
preservar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente nesses casos.
2.2 VERDADE SOCIOAFETIVA X VERDADE BIOLÓGICA
Preliminarmente, é mister ressaltar o conceito de filiação que, com o passar dos anos,
tem sofrido grandes modificações para se ater às normas jurídicas que tratam sobre a matéria
em estudo. Além disso, também é necessário apresentar as suas devidas espécies, que se
subdividem em biológicas e não biológicas.
Sobre o conceito de filiação, Carlos Roberto Gonçalves estabelece:
Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado. Todas as regras sobre parentesco consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos. Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade. Em linguagem jurídica, todavia, às vezes “se designa por paternidade, num sentido amplo, tanto a paternidade propriamente dita como a maternidade”. É
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assim, por exemplo, que deve ser entendida a expressão “paternidade responsável” consagrada na Constituição Federal de 1988, art. 226, § 7º. (GONÇALVES, 2018, p. 313)
Segundo o autor, a filiação é aquela relação entre pais e filhos derivada do vínculo
sanguíneo. A filiação em sentido estrito é aquela que liga o filho a seus pais. Quando
visualizada pelo lado do filho, será considerada como filiação propriamente dita. E quando
visualizada pelo lado dos genitores, se denominará filiação em sentido inverso, sendo o
vínculo designado como paternidade ou maternidade.
Posto isso, se faz necessário lembrar que a nova ordem jurídica transformou crianças
e adolescentes em sujeitos de direito, dando prioridade à dignidade da pessoa humana e
proibindo quaisquer designações discriminatórias no que tange à filiação. Todos esses fatores
estão elencados na chamada doutrina de proteção integral.
A respeito dessas mudanças, Maria Berenice Dias (2013, p. 363) enfatiza:
Todas essas mudanças refletem-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma nova linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, estado de filho afetivo etc. Ditas expressões nada mais significam do que o reconhecimento, também no campo da parentalidade, do novo elemento estruturante do direito das famílias. Tal como aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser identificada pela presença do vínculo afetivo paterno-filial. Ampliou-se o conceito de paternidade, que compreende o parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente de sua origem, se biológica ou afetiva. A ideia da paternidade está fundada muito mais no amor do que submetida a determinismos biológicos.
Assim, a autora quis demonstrar que o conceito de paternidade está atualmente
relacionado com o parentesco psicológico, e este deve se prevalecer sobre a verdade
biológica. Essa paternidade se deriva do estado de filiação, independentemente de sua origem,
fundando-se nos sentimentos de amor e afeto. A partir daí, verifica-se que o conceito de
filiação tem se expandido com o passar dos anos, não se atendo somente à relação de
consanguinidade.
Nesse ínterim, é de suma importância fazer uma análise sobre a posse do estado de
filiação que, segundo Paulo Lôbo (2010), “é a exteriorização da convivência familiar e da
afetividade. Desse modo, trata-se de conferir à aparência os efeitos da verossimilhança, que o
direito considera satisfatória”.
Para tratar sobre o assunto, Paulo Luiz Netto Lôbo define a posse do estado de
filiação da seguinte maneira:
A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de
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pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua. (LÔBO, 2010)
De acordo com o autor, a posse do estado de filiação se dá quando uma pessoa
assume o papel de filho diante daqueles que ocupam os lugares de pais, independentemente de
existir vínculos consanguíneos entre eles. Dessa forma, pode-se dizer que o estado de filiação
de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência
familiar, ainda que derive biologicamente dos pais.
No que tange a prova do estado de filiação, é necessário afirmar que a legislação
brasileira é bastante tímida nessa questão. Com isso, a doutrina tem um importante papel para
apontar quais são os aspectos da posse do estado de filiação.
A respeito dessa questão, Maria Berenice Dias os aponta da seguinte forma:
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três aspectos: (a) tractatus – quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio – usa o nome da família e assim se apresenta; e (c) reputatio – é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Trata-se de conferir à aparência os efeitos da verossimilhança que o direito considera satisfatória. (DIAS, 2013)
Diante do exposto, verifica-se que os três elementos são o nome, o tratamento e a
fama. O nome é aquele que se alude ao apelido da família, ou seja, é o sobrenome dos pais
dado aos filhos; O tratamento é aquele conferido ao filho, caracterizado pela assistência
financeira, psicológica, moral e afetiva; E a fama é o reconhecimento da relação entre pais e
filhos perante a sociedade. Esses três elementos configuram a posse do estado de filho mesmo
que os envolvidos não desejem serem reconhecidos como tais.
Para melhor elucidar o assunto em estudo, Luciana Leão Pereira Viana explica:
A posse de estado de filho é, de fato, requisito essencial para configuração da paternidade socioafetiva, contudo não é o único. Imperioso se faz avaliar criteriosamente se existe o elemento determinante para estabelecimento, qual seja: vontade. Assim, presentes os requisitos já trabalhados – fama, tratamento e nome – e a vontade de serem pai e filho, com base no reconhecimento recíproco e exercício da função paterna estar-se-á diante de uma verdadeira relação paterno-filial. (VIANA, 2014)
Dessa forma, a autora ensina que deve haver os elementos da posse do estado de
filho para o seu reconhecimento, não bastando apenas o afeto para sua configuração. Assim,
deve-se observar alguns critérios, tais como os elementos da posse de estado de filho, a
vontade de exercer a paternidade e o reconhecimento recíproco entre supostos pais e filhos. E
caso esses requisitos não estejam presentes na situação em apreço, o que se terá é a mera
aparência que não retratará de forma alguma a realidade. Diante disso, tem-se que o estado de
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posse de filho é apenas um requisito para a configuração da filiação socioafetiva, devendo
este estar acompanhado da vontade recíproca entre pais e filhos em serem considerados como
tais.
Em consonância com o que foi apresentado, resta salientar que, com o advento da
CF/88, muita coisa mudou na área do Direito de Família, principalmente no que tange à
filiação. A principal mudança foi que, atualmente, os laços afetivos estão sendo considerados
mais importantes do que os laços sanguíneos. Essa mudança se deve à chegada dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica de todos os filhos.
Com isso, a filiação socioafetiva passou a ser reconhecida pelo ordenamento jurídico,
assegurando aos sujeitos envolvidos todos os direitos que lhe são inerentes.
Para discorrer sobre o tema, Paulo Luiz Netto Lôbo assevera:
O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies a paternidade biológica e a paternidade não biológica. Tradicionalmente, a situação comum é a presunção legal de que a criança nascida biologicamente dos pais que vivem unidos em casamento adquire o status jurídico de filho. Paternidade biológica aí seria igual a paternidade socioafetiva. Mas há outras hipóteses de paternidade que não derivam do fato biológico, quando este é sobrepujado por outros valores que o direito considera predominantes.
Diante disso, ressalta-se que existem duas espécies de filiação, sendo uma a filiação
biológica e a outra a filiação não biológica. A filiação biológica é aquela definida pelo vínculo
consanguíneo, e que pode ser comprovada geneticamente. A filiação não biológica é aquela
que não necessariamente conta com o vínculo biológico, mas sim com o afeto, onde os
sujeitos envolvidos na relação irão assumir a posição de pais e filhos.
Precipuamente, tem-se que a filiação biológica é aquela derivada dos laços
sanguíneos, como bem já foi mencionado. Esta é de suma importância tanto para os sujeitos
envolvidos na relação, quanto para as pessoas que os cercam. Contudo, essa espécie de
filiação leva-se em conta apenas o vínculo sanguíneo, desconsiderando os vínculos de amor e
afeto existentes entre pais e filhos.
A filiação biológica foi considerada a primeira e mais comum forma de filiação na
história do mundo, também era a mais aceita pelas legislações, inclusive pelo Código Civil de
2002, que determinava que a filiação fosse tão somente a biológica. A respeito disso, Maria
Berenice Dias (2014, p. 372) afirma que “até hoje, quando se fala em filiação e em
reconhecimento de filho, a referência é à verdade genética. Em juízo sempre foi buscada a
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verdade real, sendo assim considerada a relação de filiação decorrente do vínculo de
consanguinidade”.
Contudo, ressalta-se que a era da despatrimonialização do Direito Civil, a qual
priorizou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil,
tornando o foco da ordem jurídica na pessoa, fez com que a família perdesse força como
instituição patrimonial, passando-se a valorizar cada membro da família, de acordo com o
advento do art. 226, § 8º da Constituição Federal de 1988, caracterizando-se como o princípio
da afetividade. (PEREIRA, 2013)
Por conseguinte, há que se falar na filiação socioafetiva que é aquela consistente na
relação entre pai e filho, ou entre mãe e filho, ou entre pais e filho, em que inexista um
vínculo de sangue entre eles, havendo, porém, o afeto como elemento aglutinador, tal como
uma sólida argamassa a uni-los em suas relações, quer de ordem pessoal, quer de ordem
patrimonial. (BARBOSA et al. 2008, p. 203)
É válido salientar que uma questão bastante discutida no âmbito da filiação
socioafetiva é a possibilidade de sua consolidação em se tratando da prática denominada
“adoção à brasileira”, que consiste em registrar um filho alheio como próprio, sem observar
os procedimentos legais. A respeito disso, os Tribunais possuem entendimentos consolidados
no sentido de que a referida adoção pode dar origem ao vínculo socioafetivo entre os pais
registrais e o filho registrado, o qual deve prevalecer em detrimento da ausência de vínculo
biológico.
Em vista disso, é importante ressalvar que ainda existe nos dias de hoje um conflito
envolvendo os casos de adoção à brasileira, que é o que acontece entre a verdade sociafetiva e
a verdade biológica. Dessa forma, há uma dúvida sobre qual deve se prevalecer. Diante disso,
percebe-se que são dois lados da moeda: uma é a verdade biológica, que pode ser comprovada
através de exame laboratorial que afirmará com absoluta certeza a existência de um vínculo
biológico entre duas pessoas. Por via reflexa, uma filiação decorrente da estabilidade dos
laços de filiação, construída no cotidiano de pai e filho, que não pode ser desprezada. (DIAS,
2013)
Atualmente, muitos doutrinadores e aplicadores da lei têm se posicionado a favor da
verdade socioafetiva nos casos de adoção à brasileira. No entanto, é importante salientar a
importância de analisar estritamente cada um desses casos, pois a socioafetividade não deve
se sobrepor automaticamente sobre o critério biológico. Para isso, é preciso levar-se em conta
o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Diante disso, Paulo Luiz Netto Lôbo (2010, p. 62) ensina:
32
O princípio inverte a ordem de prioridade: antes no conflito entre a filiação biológica e a não biológica ou socioafetiva, resultante de posse de estado de filiação, a prática do direito tendia para a primeira, enxergando o interesse dos pais biológicos como determinantes, e raramente contemplando os do filho. De certa forma, condizia com a ideia de poder dos pais sobre os filhos e da hegemonia da consanguinidade-legitimidade. Menos que sujeito, o filho era objeto de disputa. O principio impõe a predominância do interesse do filho, que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os pais não biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência familiar, constitutiva da posse do estado de filiação, pois ela é prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, da Constituição Federal).
De acordo com o autor, é possível verificar que antigamente tutelava-se o interesse
dos pais, e por esse mesmo motivo é que a filiação biológica se prevalecia sobre a filiação
socioafetiva. Contudo, verifica-se que atualmente a filiação socioafetiva vem sendo mais
priorizada nessas questões, pois o judiciário deve tutelar, antes de tudo, o interesse dos filhos.
Dessa forma, percebe-se que houve uma inversão na posição do filho na família. Ao invés de
ocupar um lugar na escala mais baixa, o menor vem sendo inserido no centro das relações
familiares, tudo isso devido ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Ainda sobre o conflito, Maria Berenice Dias afirma:
A necessidade de manter a estabilidade da família faz com que se atribua um papel secundário à verdade biológica. A constância social da relação entre pais e filhos caracteriza uma paternidade que não existe pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva. Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo quando desligado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade. Em matéria de filiação, a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado, que prova o vínculo parental. Não é outro o fundamento que veda a desconstituição do registro de nascimento feito de forma espontânea por aquele que, mesmo sabendo não ser o pai consanguíneo, tem o filho como seu. (DIAS, 2013, p. 381)
Segundo a autora, a verdade socioafetiva se sobressai em cima da verdade biológica
em algumas relações familiares pelo fato do judiciário querer sempre manter a estabilidade
das mesmas. Nessas relações, a convivência entre pais e filhos faz com que a afetividade se
materialize, fator este que atribui um papel secundário à verdade biológica.
Nesse mesmo entendimento, Maria Berenice Dias ainda comenta:
A chamada “adoção à brasileira” também constituiu vínculo de filiação socioafetiva. Ainda que registrar filho alheio como próprio configure delito contra o estado de filiação (CP 242), nem por isso deixa de produzir efeitos, não podendo gerar irresponsabilidades ou impunidades. Como foi o envolvimento afetivo que gerou a posse de estado de filho, o rompimento da convivência não apaga o vínculo de filiação que não pode ser desconstituído. Assim, se depois do registro, separam-se os pais, nem por isso desaparece o vínculo de parentalidade. Persistindo a certeza de quem é o pai, ou seja, mantida a posse de estado de filiação, não há como desconstituir o registro. (DIAS, 2013, p. 382)
33
Do ponto de vista da autora, a filiação socioafetiva, na maioria das vezes, está
presente nos casos de adoção à brasileira. E como nesses casos há a existência do vínculo
afetivo entre os sujeitos envolvidos, seria de extrema irresponsabilidade dos Tribunais
julgadores desconstituir o registro ali realizado. Portanto, verifica-se que, mesmo que a
adoção à brasileira seja contrária à lei, esta tem o suporte de princípios constitucionais como o
do melhor interesse da criança, da afetividade e da convivência familiar.
Para tratar sobre o assunto, Fabiola Santos Albuquerque leciona:
Somos da opinião que a desconstituição do registro civil de uma relação já consolidada no tempo acarretará muito mais danos que benefícios aos envolvidos. Importa na vitória da desconsideração e do desprezo à segurança jurídica das relações familiares. É o afeto perdendo espaço para critérios deterministas e descomprometidos com a tutela da dignidade da pessoa humana. Repise-se que a desconstituição do registro civil colide frontalmente com a tábua axiológica e principiológica do melhor interesse da criança, da convivência familiar, do direito a um ninho (lar) e da paternidade responsável.
Neste sentido, a autora afirma ainda que:
A desconstituição em si, não gera apenas a exoneração das obrigações alimentares e sucessórias, mas uma ruptura com todos os vínculos, com todo o histórico de vida e condição social que nortearam uma realidade fática consolidada no tempo. Sentimentos apequenados, mesquinhos e patrimoniais, geralmente servem de fundamentos aos pedidos de desconstituição do registro. Nestas hipóteses torna-se imperioso a sensibilidade do julgador no sentido de identificar um pedido desfalcado de legítimo conteúdo moral e assim evitar uma decisão colidente com toda a moldura princípiológica que preside o novel direito de família, sem contar com as consequências danosas à dignidade da pessoa.
Assim, verifica-se que uma desconstituição posterior da filiação socioafetiva tornar-
se-ia impossibilitada, pois eventuais desentendimentos não podem causar incertezas nas
pessoas relacionadas na referida filiação. A respeito disso, o Enunciado 339 da IV Jornada de
Direito Civil diz que a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser
rompida em detrimento do melhor interesse do filho. Com isso, uma eventual ruptura
significaria uma violação ao direito de personalidade do indivíduo, consequentemente, do
principio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, acrescenta-se também que para invalidar um registro de nascimento é
necessário comprovar que houve erro ou falsidade na sua elaboração. Entretanto, mesmo
havendo alguns desses vícios no registro, a sua desconstituição só poderá ser realizada se
provar a inexistência da filiação socioafetiva.
Insta ressaltar que, na adoção à brasileira, o vínculo socioafetivo constituído com a
família registral não impede o filho de ter o direito ao reconhecimento da filiação biológica ou
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a obrigação patrimonial, pois o reconhecimento ao estado de filiação trata-se de um direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível assentado no princípio da dignidade da pessoa
humana.
A respeito disso, o artigo 48 do ECA, assim, dispõe:
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
Portanto, se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico,
não seria nada razoável impor a prevalência da verdade socioafetiva para impedir a sua
pretensão. Contudo, se a adoção é realizada pelos trâmites legais, haverá o rompimento
definitivo do vínculo familiar. Nesse caso, o adotado até poderia conhecer sua origem
biológica através da investigação, porém não ensejaria obrigação patrimonial para os seus pais
naturais, diferentemente da adoção à brasileira, onde é assegurado aos filhos o direito à
verdade biológica e a todas as suas consequências, incluindo as de caráter patrimonial.
Dito isso, percebe-se que, na adoção à brasileira, a responsabilidade da família
biológica não se desfaz, independentemente da nobreza de quem a praticou. Nesse sentido, é
importante ressalvar que a filiação socioafetiva não afasta os direitos dos filhos em relação a
sua família natural, pois a adoção ilegal não se equipara a adoção regular. Diante disso, fica
claro que a filiação socioafetiva só irá prevalecer sobre a filiação biológica quando a mesma
for para garantir direitos ao pretenso filho, mas quando for ele quem decidir ir atrás da
verdade biológica, o prevalecimento não deverá ocorrer.
2.3 ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS
Diante o exposto, é possível verificar que há um grande número de jurisprudências e
doutrinas que estão se posicionando a favor da aplicação do perdão judicial em alguns casos
de adoção à brasileira. Contudo, também é possível verificar que os doutrinadores e
aplicadores da lei têm analisado estritamente cada um desses casos, pois é necessário que se
identifique a forma privilegiada prevista no parágrafo único do artigo 242 do Código Penal.
A respeito dessas decisões, observa-se que os Tribunais visam, primordialmente, o
principio do melhor interesse da criança e do adolescente. Além disso, tentam prevalecer o
vínculo socioafetivo em detrimento da verdade biológica. Por isso, há a concessão do perdão
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judicial, para que a criança se mantenha em sua relação já construída, evitando qualquer tipo
de dano psíquico a ela.
Para melhor elucidar o tema abordado, menciona-se o entendimento do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul - TJ-RS:
EMENTA: APELAÇÃO CRIME. DEMAIS INFRAÇÕES PENAIS. CRIMES CONTRA A FAMÍLIA. PARTO SUPOSTO. FORMA PRIVILEGIADA DA INFRAÇÃO. MANUTENÇÃO. Os elementos de convicção constantes dos autos revelam que a acusada, ao registrar filho alheio como próprio, agiu amparada por motivação nobre, considerando que pretendia dar uma vida melhor ao recém-nascido, em face da precária situação econômica que a família natural enfrentava e do contexto social no qual estava inserida. Assim, deve ser mantida a forma privilegiada prevista no parágrafo único do art. 242 do Código Penal. APELAÇÃO DESPROVIDA... (TJ-RS - ACR: 70042425280 RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, internet em 2019).
De acordo com o julgado, percebe-se que nesse caso foi identificada a forma
privilegiada prevista no parágrafo único do artigo 242 do Código Penal. A acusada agiu de
forma nobre ao registrar o filho alheio como próprio, pois o que pretendia era somente dar
uma vida melhor à criança devido à situação econômica em que sua família biológica se
encontrava.
Nesse mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça – STJ concedeu uma
ordem de Habeas Corpus, com fundamentos no princípio do melhor interesse da criança:
EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 1- O propósito do habeas corpus é definir se deve ser mantida a ordem de acolhimento institucional da menor diante do reconhecimento, pelos graus de jurisdição ordinários, de que houve tentativa de burlar o cadastro nacional de adoção. 2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. 3- Hipótese em que o casal de pretensos adotantes havia se submetido, em passado recente, às avaliações e formalidades necessárias para integrar o cadastro nacional de adotantes, estando apto a receber e despender os cuidados necessários a menor e convicto da escolha pela adoção. 4- O convívio da menor com os pretensos adotantes por um significativo lapso temporal induz, em princípio, a provável existência de vínculo socioafetivo que deve ser amparado juridicamente, sem prejuízo da formação de convencimento em sentido contrário após regular e exauriente cognição. 4- Ordem concedida. (STJ - HC: 385507 PR 2017/0007772-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, internet em 2019).
36
Diante da ementa, percebe-se que ocorreu o perdão judicial com base no princípio do
melhor interesse da criança. Nessa situação, ficou evidente que já existia um vínculo
socioafetivo entre a criança e os pretensos adotantes, fator este que deve ser amparado
judicialmente, independentemente das regras de adoção, pois o que se pretende nesses casos é
garantir a efetivação do referido princípio.
Ademais, nesse mesmo julgado, é possível averiguar o voto favorável da
Excelentíssima. Sra. Ministra Nancy Andrighi, que aduziu que tal ato vem a ser ilícito.
Contudo, no caso exposto, “a família preenche os requisitos necessários para o seu pleno
desenvolvimento e para a sua mais adequada formação humana, ética e social”. Veja-se:
Voto: É indiscutível, pois, que a infante se encontra, desde o seu nascimento, em ambiente seguro e no seio de uma família que preenche os requisitos necessários para o seu pleno desenvolvimento e para a sua mais adequada formação humana, ética e social. De outro lado, o lapso temporal transcorrido desde o nascimento e inclusão da menor na família dos pretensos adotantes – aproximadamente 02 (dois) anos –, sobretudo em ambiente em que a menor encontra tamanho aconchego, amor e carinho, sugere, ao menos neste momento e sem prejuízo do profundo reexame da questão em cognição exauriente, que já se formaram suficientes vínculos socioafetivos entre todos os envolvidos. Por esse motivo, é razoável crer que uma brusca ruptura desses laços formados a partir do amor, da convivência, do respeito e do carinho, sem que haja juízo de certeza acerca da possibilidade, ou não, de destituição do poder familiar biológico e da regularização da adoção, é potencialmente devastadora à menor, com risco concreto de que lhe sejam causados danos irreparáveis ou de difícil reparação. Diante desse cenário, sendo verossímil a fundamentação de que se estabeleceu, entre o casal e a menor, uma verdadeira relação de filiação socioafetiva, que deve ser reconhecida e amparada juridicamente, ainda que em caráter provisório, é amplamente recomendável que não seja realizada nenhuma alteração de guarda, ou uma medida de acolhimento da infante, até que se delibere sobre a possível adoção pelo casal em juízo de certeza ou, ainda, até que eventualmente se verifique a existência de modificação das circunstâncias de fato acima apresentadas e que torne nociva ou imprópria a convivência da infante com os pretensos adotantes. Forte nessas razões, CONCEDO a ordem de habeas corpus, confirmando a liminar anteriormente deferida.
Em seu voto, a Relatora esclareceu que caso a criança continuasse em sua família de
origem, a mesma iria correr riscos de uma realidade diferente da qual estava tendo há dois
anos com seus pais adotivos, onde estava sendo criada com amor, carinho e atenção. Na
sequência, a Relatora continuou esclarecendo que os sentimentos ofertados pelos pais
adotivos para com a criança, foram suficientes para a formação do vínculo socioafetivo, e que
o voto foi baseado na verdadeira relação de filiação socioafetiva entre ambos, sempre visando
o melhor interesse da criança.
Na sequência, outro entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ-
RS:
37
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO CONSOLIDADO COM O PAI REGISTRAL. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Em casos como o do presente feito, típica adoção à brasileira, em já existe uma relação jurídica de parentalidade estabelecida perante o Registro Civil e confirmada na realidade da vida, sua desconstituição não se pode operar como simples decorrência de uma demanda de retificação de registro civil que exclua o nome do pai registral em relação ao filho. Embora o proceder dos apelantes esteja à margem do ordenamento jurídico, o fato é que o infante reconhece a tia materna e o pai registral como o seu referencial parental, não se mostrando de forma alguma vantajoso à criança que, neste momento, se faça toda uma alteração no seu registro civil, excluindo o pai registral e os avós para fins de estampar uma verdade registral , que, por força de outro comando judicial (reconhecimento da socioafetividade/ deferimento da adoção pretendida), seria novamente alterada. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJ-RS - AC: 70077040822 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, internet em 2019).
Nesse julgado, verifica-se que o Tribunal decidiu por manter o sobrenome do pai
registral, pois uma retificação de registro civil que excluísse o nome do mesmo em relação ao
filho, só iria causar constrangimento a ele, uma vez que o infante já era reconhecido perante a
sociedade como sendo filho dele. Igualmente, não se mostraria de forma alguma vantajoso à
criança uma alteração no seu registro civil, excluindo o pai registral e os avós, bem como
modificando o seu nome, apenas para estampar uma “verdade registral” que, por força de
outro comando judicial, seria novamente alterada, situação que representaria absoluta
insegurança jurídica à criança, em descompasso com a sua realidade e com o seu melhor
interesse.
A respeito disso, a Ministra Nancy Andrighi quando do julgamento do RESP n.º
1000356/S, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, salientou que o
descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que
desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação
falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que
realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a
manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa
hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior
interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por
pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha.
Ressalta-se que a chamada "adoção à brasileira", muito embora seja expediente à
margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de
registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por
mera liberalidade, tampouco avença submetida à condição resolutiva consistente no término
do relacionamento com a genitora.
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Para melhor esclarecimento, veja o entendimento do Superior Tribunal de Justiça –
STJ:
EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA". IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A chamada "adoção à brasileira", muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva consistente no término do relacionamento com a genitora. 2. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 3. No caso, ficou claro que o autor reconheceu a paternidade do recorrido voluntariamente, mesmo sabendo que não era seu filho biológico, e desse reconhecimento estabeleceu-se vínculo afetivo que só cessou com o término da relação com a genitora da criança reconhecida. De tudo que consta nas decisões anteriormente proferidas, dessume-se que o autor, imbuído de propósito manifestamente nobre na origem, por ocasião do registro de nascimento, pretende negá-lo agora, por razões patrimoniais declaradas. 4. Com efeito, tal providência ofende, na letra e no espírito, o art. 1.604 do Código Civil, segundo o qual não se pode "vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro", do que efetivamente não se cuida no caso em apreço. Se a declaração realizada pelo autor, por ocasião do registro, foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com o infante, vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade social em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 5. A manutenção do registro de nascimento não retira da criança o direito de buscar sua identidade biológica e de ter, em seus assentos civis, o nome do verdadeiro pai. É sempre possível o desfazimento da adoção à brasileira mesmo nos casos de vínculo socioafetivo, se assim decidir o menor por ocasião da maioridade; assim como não decai seu direito de buscar a identidade biológica em qualquer caso, mesmo na hipótese de adoção regular. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. (STJ, RESP Nº 1352529, Relator: Luis Felipe Salomão, internet em 2019).
No caso em análise, ficou evidente que o pai registral reconheceu a paternidade
voluntariamente, mesmo sabendo que a criança não era seu filho biológico. Além disso,
construiu vínculos afetivos com o infante, que só cessaram com o término do relacionamento
com a genitora do mesmo, fator este que já seria suficiente para a irretratabilidade do ato.
Com isso, o pedido de anulação do registro civil seria uma afronta ao art. 1.604 do Código
Civil, segundo o qual não se pode "vindicar estado contrário ao que resulta do registro de
nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro", o qual não constava no caso em
apreço. Portanto, cabe esclarecer que, para se desconsiderar o reconhecimento espontâneo da
paternidade, é necessário que seja demonstrado, de forma inequívoca, vicio de consentimento
no sentido de que o pai registral tenha sido induzido ou coagido a erro.
39
Em análise, outro entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ-
RS:
EMENTA: APELAÇÃO CIVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral, mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade, se configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. RECURSO IMPROVIDO. (TJ-RS, Apelação Cível n° 70035307297, Relator: Claudir Fidélis Faccenda, internet em 2019).
Esse julgado trata-se de uma ação negatória de paternidade, cumulada com anulação
de registro civil de nascimento ajuizada pelo pai registral. Nesse caso, sustentou o autor que
se casou com a genitora da criança quando esta já estava grávida, registrando a menina como
sua filha biológica, embora soubesse não ser. Contudo, se separou da mãe da demandada em
2004, e a partir daí afirmou que, com a separação do casal, não mais se justificava manter o
registro que não representava a realidade biológica. Porém, a sentença foi de improcedência, e
isso fez com que o autor entrasse com o recurso de apelação reiterando os mesmos
argumentos. No entanto, negaram provimento ao recurso, pelo fato de não ter havido vícios
no registro, e também pela afetividade que já existia entre as partes.
Em vista do que foi mencionado, vale ressaltar que, ao registrar um filho, o
perfilhante pronuncia a sua afetividade em relação a ele, mesmo sabendo que não existe
vínculo biológico entre ambos e, com o correr do tempo, será caracterizada a filiação afetiva
ou socioafetiva. Com isso, frisa-se que nos casos analisados, os autores não possuíam
legitimidade para promover ação negatória de paternidade e nem a anulação do registro, pois
restou evidente que não havia vícios de consentimentos nas ocasiões dos registros realizados.
Em virtude dos fatos mencionados, percebe-se que os Tribunais Superiores têm
mantido entendimento de que deve sempre prevalecer o melhor interesse da criança nas
práticas de adoção à brasileira. Além disso, fica claro que não há de forma alguma nenhuma
inconstitucionalidade nas decisões proferidas por eles, uma vez que o parágrafo único do art.
242 do Código Penal permite a aplicação do perdão judicial nos referidos casos, pois o que se
pretende é garantir o bem-estar do adotado.
2.4 ANÁLISES DO PROVIMENTO N° 63 DO CNJ
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça editou um regramento que altera
diversas questões relacionadas ao registro de pessoas naturais, dentre as quais a possibilidade
de reconhecimento extrajudicial das filiações socioafetivas e o registro dos filhos havidos por
métodos de reprodução assistida. Trata-se do Provimento nº 63 do CNJ, de 14 de novembro
40
de 2017. Esse Provimento está sendo uma forma de extrajudicializar o direito privado que,
anteriormente, era de competência somente do Poder Judiciário.
Logo no início, o Provimento trouxe diversos “considerandos” para explicar a
natureza de suas deliberações. Veja-se:
(...) CONSIDERANDO a existência de regulamentação pelas corregedorias-gerais de justiça dos Estados do reconhecimento voluntário de paternidade e maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais;CONSIDERANDO a conveniência de edição de normas básicas e uniformes para a realização do registro ou averbação, visando conferir segurança jurídica à paternidade ou à maternidade socioafetiva estabelecida, inclusive no que diz respeito a aspectos sucessórios e patrimoniais;CONSIDERANDO a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, contemplando os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como fundamento da filiação civil;CONSIDERANDO a possibilidade de o parentesco resultar de outra origem que não a consanguinidade e o reconhecimento dos mesmos direitos e qualificações aos filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, proibida toda designação discriminatória relativa à filiação (arts. 1.539 e 1.596 do Código Civil);CONSIDERANDO a possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade perante o oficial de registro civil das pessoas naturais e, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, de reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva;CONSIDERANDO a necessidade de averbação, em registro público, dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação (art. 10, II, do Código Civil);CONSIDERANDO o fato de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (Supremo Tribunal Federal – RE n. 898.060/SC);CONSIDERANDO o previsto no art. 227, § 6º, da Constituição Federal e no art. 1.609 do Código Civil;CONSIDERANDO as disposições do Provimento CN-CNJ n. 13, de 3 de setembro de 2010, bem como da Resolução CNJ n. 175, de 14 de maio de 2013;CONSIDERANDO o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família, com eficácia erga omnes e efeito vinculante para toda a administração pública e demais órgãos do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal, ADPF n. 132/RJ e ADI n. 4.277/DF);CONSIDERANDO a garantia do direito ao casamento civil às pessoas do mesmo sexo (Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 1.183.378/RS);CONSIDERANDO as normas éticas para uso de técnicas de reprodução assistida, tornando-as dispositivo deontológico a ser seguido por todos os médicos brasileiros (Resolução CFM n. 2.121, DOU de 24 de setembro de 2015);CONSIDERANDO a necessidade de uniformização, em todo o território nacional, do registro de nascimento e da emissão da respectiva certidão para filhos havidos por técnica de reprodução assistida de casais homoafetivos e heteroafetivos; (...)
Note-se que os “considerandos” acima mencionados estão tratando apenas sobre o
reconhecimento da filiação socioafetiva, que é um dos pontos centrais do Provimento. Logo,
fica evidente que a intenção do regramento é tão somente a de que seja dada interpretação do
mesmo sob a ótica de que o seu surgimento veio à tona somente para facilitar o registro dos
vínculos socioafetivos.
41
Ademais, dentre as inovações trazidas pelo Provimento, destaca-se o reconhecimento
voluntário da maternidade e paternidade socioafetiva no próprio cartório (arts. 10 a 15). Com
o Provimento, hoje não é mais necessário uma decisão judicial para o reconhecimento da
filiação socioafetiva, basta apenas que o pai ou a mãe socioafetiva compareça ao cartório
munido de documentos de identificação e solicite a averbação.
Considerando a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da filiação socioafetiva
e se baseando nos princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana, o Provimento
n° 63 do CNJ busca modificar a realidade sobre o assunto em estudo. Diante disso, o referido
Provimento autoriza em todo o território nacional o reconhecimento voluntário da
parentalidade socioafetiva perante os cartórios de registro civis, tornando desnecessária a
provocação das Varas de Família e da Infância e Juventude.
O Provimento traz em seu artigo 10 alguns requisitos para o reconhecimento da
paternidade ou maternidade socioafetiva, veja-se:
Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.
Dessa forma, caso algum desses requisitos elencados não venha a ser atendido, o
reconhecimento da filiação socioafetiva não poderá ser realizado pela via extrajudicial.
Assim, as partes interessadas só poderão pleitear o reconhecimento perante o Poder
Judiciário. Frisa-se que o reconhecimento voluntário é considerado como um ato irrevogável,
podendo ser desconstituído apenas pela via judicial, mas somente se tiver havido vício de
vontade, fraude ou simulação.
Na sequência, o artigo 11 estabelece alguns critérios para o reconhecimento da
paternidade ou maternidade socioafetiva:
Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
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§ 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais.§ 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado.§ 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor.§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.§ 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.§ 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil).§ 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento.
Diante do exposto, percebe-se que o pedido de reconhecimento poderá ser realizado
em localidade diversa de onde foi lavrada a certidão de nascimento. Deverá, ainda, haver o
consentimento expresso da mãe e do pai da criança, sendo obrigatório o consentimento desta,
quando se tratar de criança maior de 12 anos. Também é necessário que as partes declarem o
desconhecimento de discussão judicial envolvendo a filiação, pois o reconhecimento
voluntário em cartório não poderá ser realizado se os requerentes tiverem processos judiciais
em andamento. Nesse caso, o reconhecimento deverá ser remetido para as vias jurisdicionais.
Insta salientar que se o registrador suspeitar de fraude, má-fé, vício de vontade,
simulação ou dúvida sobre a configuração da posse do estado de filho, deverá fundamentar a
recusa e terá que encaminhar o pedido para ser analisado pelo juiz competente. Dessa forma,
estará evitando que aconteçam fraudes e burlas. (art. 12 do Provimento n° 63 do CNJ)
Por representar questão prejudicial, eventual discussão judicial sobre o
reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da
filiação socioafetiva pela via extrajudicial (art. 13 do Provimento n° 63 do CNJ). Nesse
diapasão, o parágrafo único da referida norma também prevê que o requerente deverá declarar
o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do
reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.
Logo depois, o artigo 14 do Provimento n° 63 do CNJ dispôs que "o reconhecimento
da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral
e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento
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de nascimento". Dessa forma, o referido artigo suscitou dúvidas sobre a possibilidade de
poder haver ou não a multiparentalidade, fazendo com que diversos órgãos públicos se
manifestassem.
Ao tomar ciência disso, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas
Naturais (Arpen), emitiu uma nota técnica de esclarecimento dizendo que “o referido
provimento autorizou a realização diretamente no cartório de Registro Civil das Pessoas
Naturais de todo o Brasil, do reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva, bem
como o estabelecimento da multiparentalidade, ou seja, a possibilidade de se ter mais de dois
genitores no assento de nascimento”. (BRASIL, 2017)
Nessa toada, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) também se
manifestou pela manutenção do Provimento n° 63 do CNJ em sua total integralidade,
alegando que:
Reconhecida a multiparentalidade e concedido tratamento paritário aos vínculos biológico e afetivo da filiação, indispensável a certificação registral destes fenômenos como única forma de emprestar-lhes efetividade. Assim sendo, oportuna e salutar a criteriosa regulamentação levada a efeito, de modo a dar segurança jurídica a situações pré-constituídas que geram direitos e impõem deveres e obrigações em prol do único segmento de cidadãos que goza de proteção integral com prioridade absoluta: crianças e adolescentes. A melhor forma de dar efetividade a dito comando constitucional é a uniformização de procedimentos a nível nacional para o reconhecimento da multiparentalidade, matéria sumulada pelo órgão supremo da Justiça.
Segundo a Assessoria de Comunicação do IBDFAM, a manifestação decorreu da
intimação feita pelo CNJ, devido ao Pedido de Providência que requereu a manutenção ou a
revogação deste, realizado pelo Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos
Tribunais de Justiça do Brasil.
Posteriormente, em resposta as dúvidas suscitadas, a Corregedoria-Geral de Justiça
do Estado do Ceará requereu providências ao CNJ, para pedir esclarecimentos sobre a
interpretação da referida norma. Diante disso, o CNJ, em decisão de 18 de julho de 2018,
realizou os esclarecimentos para corrigir os rumos daquela interpretação sobre a
multiparentalidade em procedimento administrativo. Veja-se:
Decisão: Trata-se de pedido de providências instaurado pela CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA após a CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ encaminhar cópia de resposta à consulta sobre a correta interpretação do art. 14 do Provimento 63/2017-CNJ. Entendeu a Corregedoria local que a utilização da expressão “unilateral”, com o propósito de elidir a possibilidade de declaração de reconhecimento de paternidade e maternidade a um só tempo e no mesmo procedimento, não foi a melhor opção. Sustenta, ainda, que a leitura
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conjunta dos arts. 10 a 15, que disciplinam a paternidade socioafetiva, permite extrair a conclusão da admissão de situação de multiparentalidade que possa resultar do reconhecimento administrativo de paternidade/maternidade. Pontuou, por fim, que não há restrições quanto à adoção da via administrativa por casais homoafetivos com vistas ao reconhecimento da paternidade socioafetiva. É o relatório. Decido. Em que pese o acerto da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Ceará em tornar clara a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva por casais de sexo semelhante, o mesmo não se pode dizer quanto à interpretação que conferiu a Corregedoria local quando aponta para permissivo que admite situação de multiparentalidade no registro da paternidade socioafetiva. Não é essa alternativa a que se volta o Provimento n. 63/2017-CNJ. Basta uma mera interpretação autêntica para lançar luz sobre a questão. A adoção do termo “unilateral” se revelou necessária e adequada na medida em que o Provimento buscou promover o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva de um modo menos burocrático, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, sem, com isso, abrir mão da reserva à segurança jurídica e sem possibilitar a subversão do procedimento criado, não conferindo espaço para a prática de atos tendentes a propiciar uma “adoção à brasileira”. Dessa forma, o termo unilateral presente no art. 14 do Provimento 63/2017-CNJ limita o oficial de registro civil das pessoas naturais a anotar apenas pai ou mãe socioafetivos, não possibilitando o registro de ambos ao mesmo tempo. Ante o exposto, para fins de uniformização e adoção de interpretação do Provimento 63/2017-CNJ, oficie-se às Corregedorias-Gerais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, para ciência do entendimento adotado pela Corregedoria Nacional de Justiça quanto ao art. 14 do referido Provimento. Após, arquive-se o presente feito.
Assim, restou evidente que a multiparentalidade não é cabível em procedimento
registral de natureza administrativa, pois o CNJ esclareceu que não seria permitido o registro
de dois pais e duas mães para um mesmo filho no referido procedimento. A partir daí, todas as
Corregedorias-Gerais da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios foram
oficiadas acerca do entendimento adotado pela Corregedoria Nacional de Justiça quanto ao
artigo 14 do Provimento n° 63 do CNJ.
Para tratar sobre o assunto, Regina Beatriz Tavares da Silva assevera que:
A única hipótese de multiparentalidade é aquela onde ocorre um processo judicial, e não meramente administrativo em Cartório de Registro Civil, quando um homem apaixonado registra o filho de sua amada como seu, o que se chama adoção à brasileira, ocultando-se do pai biológico o nascimento de seu filho, sendo que posteriormente o filho sabe da verdade e procura obter o registro de sua verdadeira paternidade, ou o próprio pai registral quer descartar o filho por separar-se da mãe daquele filho e anular o registro quando se inicia a busca da verdadeira paternidade, ou ainda se o pai biológico descobre que tem um filho e busca o reconhecimento da paternidade. É o Poder Judiciário, após ampla produção de provas, que deve decidir e segundo o Supremo Tribunal Federal no RE 898.060/SC, de relatoria do ministro Luiz Fux, de repercussão geral, poderá definir o duplo registro: do pai socioafetivo (adotante a brasileira) e do pai biológico. (SILVA, 2019)
Dessa forma, entende-se que a multiparentalidade não é cabível em procedimento
registral de natureza administrativa. As únicas hipóteses administrativas aceitas nos Cartórios
de Registro Civil são a monoparentalidade e a biparentalidade.
Na sequência, faz-se necessário analisar o art. 15 do referido Provimento, que dispõe
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que o reconhecimento espontâneo e extrajudicial da paternidade ou maternidade socioafetiva
não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Dado o exposto, observa-se que o objetivo do Provimento nº 63 do CNJ é nobre, pois
busca oferecer maior celeridade aos processos de adoção socioafetiva, além disso, contribui
com o desaforamento dos Juizados da Infância e da Juventude do País. Entretanto, basta fazer
uma análise detalhada das demandas presentes nesses Juizados e nas Varas de Família para
saber que os interesses dos pretensos pais nem sempre atendem aos interesses da criança. E é
por esse motivo que o Poder Judiciário deixa de acolher as pretensões de adoção, pois o
interessado na maioria das vezes é considerado inapto.
Para melhor esclarecimento, Carlos Eduardo Rios do Amaral leciona:
Nem tudo são flores nessa seara da paternidade socioafetiva. Muitas pretensões de adoção não resistem a um primeiro relatório psicossocial levado a efeito pela Justiça. Muitos autores dessas ações judiciais abandonam o processo sem deixar o paradeiro, há muitos casos de mero interesse patrimonial em benefício previdenciário percebido pelo menor, interesse sexual pelo adotando, entre outras mazelas que poderiam ser discorridas na forma de uma enciclopédia. Mas há outros muitos espinhos. Muitos relatórios psicossociais da Justiça revelam por parte do interessado na adoção o uso de grandes quantidades de substâncias entorpecentes e uso imoderado de álcool, envolvimento em atividades criminosas, prática reiterada de violência doméstica dentro do lar, desequilíbrio mental desacompanhado de tratamento etc. (AMARAL, 2018)
Salienta-se que todo procedimento envolvendo filiação socioafetiva era obrigado a
passar pelo controle rigoroso do Poder Judiciário, sendo de extrema importância em todas as
fases do processo a intervenção do Ministério Público, visto que os órgãos mencionados
tinham como objetivo garantir o melhor interesse da criança e do adolescente.
Com o advento do Provimento n° 63 do CNJ, hoje qualquer pessoa alegando laços de
afinidade com a criança ou com o adolescente poderá registrá-los em um cartório de registro
civil e, assim, assumir a posição de pai e/ou mãe dos mesmos. Com isso, o referido
Provimento deixa entender que hoje não é mais necessário a atividade jurisdicional, a
fiscalização do Ministério Público e a avaliação psicossocial.
Ressalta-se que o Provimento é considerado inconstitucional, pois somente a União
Federal (Congresso Nacional), por meio de suas duas casas legislativas, com suas respectivas
Comissões especializadas, e a participação popular, que tem a competência para legislar sobre
Direito Civil, Direito de Família e Registros. No âmbito das competências legislativas, a
União é dotada de atribuição privativa para legislar sobre Direito Civil.
Para melhor elucidar essa questão, o art. 22, inciso I, da CF/88 disciplina, in verbis:
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Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.
Diante da análise da norma, nota-se que a competência expressa pela Constituição
abrange os mais diversos temas do Direito de Família, firmando-se desde as regras
procedimentais mais específicas, à definição de conceitos e de institutos que lhe são próprios.
Por outro lado, a fim de evitar contradições insolúveis dentro da federação, veda-se ao Estado
e ao Município dispensar tratamento a tais temas – salvo, no caso dos Estados e DF, se
houvesse específica delegação legislativa da União, por meio de lei complementar (art. 22,
parágrafo único).
Dessa forma, somente uma Lei Ordinária Federal é que poderá regulamentar a
questão do reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetivas da pessoa
humana. No entanto, é necessário que todos os interesses da criança e do adolescente estejam
resguardados. Ressalta-se ainda que somente uma Lei Federal que possui a competência para
estabelecer procedimento extrajudicial de adoção nos casos de socioafetividade, mas para isso
será necessário uma elaboração de estudo psicossocial e a participação do Ministério Público.
Diante disso, tem-se que o reconhecimento da filiação socioafetiva prevista no
Provimento n° 63 do CNJ deve contar com o assentimento de todos os interessados, eis que se
trata de um procedimento de natureza administrativa. Além disso, ressalta-se ainda que todo
litígio deva ser resolvido em ação própria, contenciosa, como bem estabelece o artigo 113, da
Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973).
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CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou uma melhor elucidação do
contexto da adoção à brasileira e das suas atuais implicações. Ficou demonstrado que através
dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, que teve como base os princípios da
afetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente, que foi possível a adoção à
brasileira ser vista não só como crime, mas também como um ato de nobreza realizado pelos
pretensos pais para com os filhos.
O trabalho também possibilitou uma análise acerca do princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente, que atualmente está previsto em quase todas as legislações. Logo,
é possível verificar que o referido princípio vem sendo reconhecido tanto nacionalmente
quanto internacionalmente, onde deverá ser aplicado em toda relação e situação que versar
sobre crianças e adolescentes. Assim, há o entendimento de que o princípio tende a encontrar
a melhor resposta para o infante quando o litígio o envolver.
Em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente,
surgiu a filiação socioafetiva, que trouxe consigo a necessidade de aprimorar toda legislação
que trata sobre o assunto em estudo. Como a referida filiação tem se mostrado cada vez mais
presente nas relações familiares, devido ao alto grau de famílias recompostas e outras
situações que acabam por gerar a parentalidade vinculada pelo afeto, o que se pretende
atualmente é buscar uma forma de possibilitar o seu reconhecimento. Diante dessa
necessidade, foi surgindo várias normas com o intuito de facilitar essa questão, dentre elas,
cita-se o Provimento n° 63 do Conselho Nacional de Justiça.
O Provimento n° 63 do Conselho Nacional de Justiça veio com o intuito de
desburocratizar e dar facilidade ao reconhecimento da filiação socioafetiva. Dessa forma,
verifica-se que o reconhecimento da parentalidade socioafetiva realizado pela via extrajudicial
trouxe mais celeridade e discrição ao procedimento, pois somente os sujeitos envolvidos na
relação que poderão ter acesso ao registro.
No entanto, ressalta-se também que o referido Provimento trouxe vários riscos à
integridade física, emocional e moral das crianças e adolescentes envolvidas nessa questão,
pois, na maioria das vezes, pode acontecer de os interesses dos pretensos pais não atenderem
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aos interesses dos filhos. Como já mencionado, muitos autores dessas ações judiciais
abandonam o processo sem deixar o paradeiro, há muitos casos de mero interesse patrimonial
em benefício previdenciário percebido pelo menor, interesse sexual pelo adotando, entre
outras mazelas. Esse conjunto de fatores coloca em risco o bem-estar dos infantes envolvidos
na relação, e é por esse motivo que não há a possibilidade de reconhecer a filiação
socioafetiva pela via extrajudicial.
Diante do exposto, verifica-se que a produção desse trabalho teve como objetivo
analisar e, posteriormente, produzir transformações. Por isso a discussão sobre o perdão
judicial previsto nos casos de adoção à brasileira e sobre as inovações trazidas pelo
Provimento n° 63 do CNJ tem muita importância para o meio acadêmico e até mesmo para a
sociedade, pois é de grande valia que todos se atentem a essas novidades presentes no
ordenamento jurídico. Com isso, o estudo de diversos posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais em relação ao tema pode ser o início de uma transformação que se inicia na
academia e se estende para a realidade social.
Por fim, tendo em vista os aspectos observados, o que se denota do estudo sobre a
adoção à brasileira sob a ótica do Provimento n° 63 do CNJ é que todo procedimento
envolvendo os interesses de crianças e adolescentes, deverá ser apreciado pelo Poder
Judiciário, sendo sempre necessária a fiscalização do Ministério Público, uma vez que esses
órgãos tem o poder/dever de garantir o melhor interesse da criança e do adolescente.
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REFERÊNCIAS
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