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Universidade de Lisboa
Instituto de Ciências Sociais
A MULTIDÃO E A TELEVISÃOREPRESENTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA EFERVESCÊNCIA COLECTIVA
Mestre Eduardo Cintra Coimbra Torres
Tese orientada pelo Prof. Doutor Manuel Villaverde Cabral
Doutoramento em Ciências Sociais
Especialidade em Sociologia Geral
2010
A Multidão e a Televisão
ii
Resumo
A multidão ocupou desde sempre um lugar no pensamento político-social do Ocidente, mas
não originou paradigmas consistentes, devido à diversidade de representações teóricas e ao seu
carácter efémero. Todavia, a multidão é uma das mais tenazes formas sociais, necessária à vida
social. Considerada na sua repetição e diversidade, a multidão adquire um carácter estrutural.
Ocupando o espaço público para apresentar ou reavivar ideias e colectivos maiores, a multidão tem
intenção de representação, constituindo-se como uma prática de comunicação, como imagem. A
multidão não serve apenas para gerar satisfação dos indivíduos participantes, mas também para
gerar sentidos colectivos, construções simbólicas da sociedade. É para ser vista. Nela coincidem a
realidade do número e a representação simbólica. Na sociedade contemporânea, a multidão
normalizou-se enquanto forma de comunicação, mas mantém a dualidade expressa desde as obras
de Aristóteles e Platão: um dos seus rostos olha para o sistema vigente, o outro para a sua
substituição; um para o líder, outro para o seu derrube; um para a ordem, outro para a desordem; um
para a desordem carnavalesca, outro para a ordem carnavalesca; um rosto de consenso, outro de
dissensão; um de seguidismo cego, outro de criatividade colectiva; um de estrutura, outro de anti-
estrutura. Concomitantes até ao presente, a multidão apocalíptica e a multidão integrada estão não
só no pensamento ocidental como ditam a praxis mediática. As suas expressões políticas,
desportivas, musicais e outras na televisão, seja em conteúdos vernáculos, seja em emissões de
preparação sofisticada, permitem o acesso à essencialidade da multidão na sociedade
contemporânea. A crescente eventificação em “efervescência colectiva” (Durkheim) é uma
compensação da também crescente individualização do indivíduo. A multidão visível anula a
anomia invisível, cumprindo uma função curativa de regeneração social e de reconforto social do
indivíduo.
Palavras-chave: multidão, televisão, sociologia, estudos televisivos, efervescência colectiva
Abstract
The crowd has always played a role in Western social-political thought, but it has not given rise to
consistent paradigms, due to the diversity of theoretical representations as well as to its ephemeral
character. However, the crowd has been one of the most persistent social manifestations.
Considered in its repetitive and diverse nature, the crowd has a structural character necessary to
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social life. As it occupies public space to present and revisit ideas and larger collectives, the crowd
has representational intention and constitutes itself as practice of communication and as image. The
crowd not only generates satisfaction to its individual members, but also manages to
generate collective meanings and symbolic constructions of society. It needs to be seen. In it, the
reality of numbers and the symbolic representation overlap. In contemporary society, the crowd has
been normalized as a form of communication, but its duality, already observed by Plato and
Aristotle, still holds: one of its faces looks at the current system, the other at its substitution; one
looks at the leader, the other to his overthrow; one at order, the other at chaos; one at carnivalesque
order, the other at carnivalesque disorder; one at consensus, the other at dissent; one at
unquestioning indoctrination, the other at collective creativity; one at structure, the other at anti-
structure. Concomitant until the present, the apocalyptical crowd and the orderly crowd are present
not only in Western thought but also in media praxis. Its political, sports, musical and other forms of
expression on television, either through vernacular contents or sophisticated broadcasts, allow us to
have access to the essentiality of the crowd in contemporary society. The growing eventification in
“collective effervescence” (Durkheim) makes up for the, also growing, individualization of the
individual. The visible crowd neutralizes the invisible anomy, performing a healing role of social
regeneration and social recomforture of the individual.
Key words: crowd, television, sociology, television studies, collective effervescence
A Multidão e a Televisão
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A multidão e a televisãoRepresentações contemporâneas da efervescência colectiva
Índice
Introdução: a multidão e as suas representações ……………………………………………….. 1
Representações teóricas e mediáticas ………………………………………………………. 5
Metodologia………………………………………………………………………………... 12
Os Estudos Televisivos e a Sociologia ……………………………………………………. 16
Primeira Parte
Representações teóricas da multidão
1º capítulo: Da era das multidões à era dos públicos …….……………………………………. 27
Atenas e Roma: alea jacta est ……………………………………………………………... 27
A confirmação evangélica …………………………………………………………………. 35
A multidão normalizada …………………………………………………………………… 37
A multidão anglo-americana ………………………………………………………………. 43
A multidão continental …………………………………………………………………….. 49
A multidão na emergência das ciências sociais ………….………………………………… 53
Le Bon: um plagiador muito original …………………….………………………………... 58
O impacto da concepção tremendista da multidão ……….………………………………... 64
Gabriel Tarde: a era dos públicos e as multidões diversas .………………………………... 69
Durkheim: a importância da multidão ex-denominada ….………………………………… 76
Durkheim: as formas elementares da multidão no centro da vida social ...………………... 82
A multidão na teoria americana: de Sidis e Park aos anos ’60 …………………………….. 92
2º capítulo: No centro da era dos extremos …………………………………………………… 109
O marxismo e o leninismo: da multitude ao partido …..………………………………….. 109
Perplexidades democráticas ……………………………………………………………… 113
Freud e a relação da multidão com o meneur ………………………………………………….. 118
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Nacionalismo e multidões ………………………………………………………………... 126
A multidão silenciosa de Salazar …………………………………………………………. 128
A multidão são todos: Ortega y Gasset …….……………………………………………... 135
Hanna Arendt e a multidão no totalitarismo ……………………………………………... 139
Elias Canetti e a multidão independente do poder ……………………………………….. 147
3º capítulo: A era dos eventos, das audiências, do entretenimento e das redes ……...……… 155
Comunidade, comunhão, ritual, festa …………………………………………………….155
Rituais e eventos de multidão ……………………………………………………………. 161
A opinião pública entre público e multidão ……………………………………………… 166
Os media de massas e os espectáculos, próximos da multidão ………………………….. 172
A eventificação do quotidiano …………………………………………………………… 183
Pão e circo, outra vez e sempre ………………………………………………………….. 186
A articulação da multidão política com o espectáculo e os media ..………….………….. 192
A categorização incerta das audiências mediáticas ………………………………………. 195
Duas variações sobre o tema das massas: Shils e Williams ………………………….….. 197
A omnipresença e a nova normalização da multidão …………………………………….. 201
A difícil normalização da multidão para a autoridade policial …………………………... 202
A multidão da era das redes ……………………………………………………………… 206
Segunda Parte
Representações mediáticas da multidão
4º capítulo: Introdução: análise de imagens fixas ……………………………………………. 213
Representações fotográficas da multidão: análise de uma fotografia ……………………. 215
Representações fotográficas da multidão: análise de uma série fotográfica ……...……… 221
Uma multidão entre a realidade e a ficção ……………………………………………….. 228
5º capítulo: As representações televisivas da multidão ………………………………………. 233
Análise das imagens em movimento ……………………………………………………. 233
A presença multitudinária na televisão …………………………………………………… 235
Os eventos multitudinários e os Estudos Televisivos ……………………………………. 236
Uma tipologia do dispositivo espectacular das multidões na televisão ………………….. 246
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Criando a dupla identificação do Eu/Nós do espectador ………………………………….249
A multidão no estúdio ……………………………………………………………………..251
Multidões políticas na televisão …………………………………………………………...272
Manifestações globais contra a globalização (1999, 2001, 2005) ………………..277
Marchas brancas em Bruxelas (1996) e Portugal (2003) ………………………… 286
Ataque a milheiral transgénico em Silves (2007) ………………………………... 289
Manifestações de professores (2008) …………………………………………….. 291
Multidões musicais ………………………………………………………………………. 308
O último dos concerto Promenade na BBC (2004-5) ……………………………. 312
MTV European Music Awards (2005) …………………………………………… 323
Multidões religiosas católicas ……………………………………………………………. 330
Fátima (2004, 2006) ……………………………………………………………… 338
Jornada Mundial da Juventude (2005) …………………………………………… 341
Multidões desportivas ……………………………………………………………………. 345
Campeonato Europeu de Futebol (2004) ………………………………………… 349
Conclusões ………………………………………………………………………………………. 365
Bibliografia ………………………………………………………………………………………377
Anexos ……………………………………………………………………………………………400
Índice de quadros e gráficos
Quadro 1. Ocorrência de “crowd” em notícias do New York Times (%) ………………………… 201
Quadro 2. Níveis de representação dos signos multitudinários em fotografias centrais do Público (%) ( N=48) ………………………………………………………………………223
Quadro 3. Motivação principal da multidão nas fotografias centrais do Público ……………….. 224
Quadro 4. Programas com público/multidão na TV portuguesa, 07-13.10.2006………………… 258
Quadro 5. O estudo da multidão em monografias e ensaios, 1832-1912 (em Anexo) ……………400
Quadro 6. Manifestações de professores, Fev. Mar. 2008 (em Anexo)……………………………402
Gráfico 1. Tempo dedicado a manifestações de professores nos noticiários generalistas (%) …...302
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