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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória 1 Um Balanço da Ditadura oram duas décadas sob o governo dos militares. Essa classe creditou que seria capaz de assumir o Brasil em uma época de crise e conduzi-lo de volta ao rumo da “ordem e progresso” por meio de um modelo político e econômico original. A elite das Forças Armadas arrogou-se capacidade técnica e administrativa para fazer do Brasil “um país que vai pra Frente”, não acreditando que seu povo seria capaz de fazer as reformas necessárias. O plano, porém, saiu do controle. Uma facção das Forças Armadas decidiu deter o poder de forma mais radical, ao mesmo tempo em que as medidas econômicas adotadas acabaram em crise. F

Um Balanço da Ditadura

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Um Balanço da Ditadura

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Um Balanço da Ditadura

oram duas décadas sob o governo dos

militares. Essa classe creditou que seria capaz

de assumir o Brasil em uma época de crise e conduzi-lo

de volta ao rumo da “ordem e progresso” por meio de

um modelo político e econômico original. A elite das

Forças Armadas arrogou-se capacidade técnica e

administrativa para fazer do Brasil “um país que vai pra

Frente”, não acreditando que seu povo seria capaz de

fazer as reformas necessárias. O plano, porém, saiu do

controle. Uma facção das Forças Armadas decidiu deter

o poder de forma mais radical, ao mesmo tempo em

que as medidas econômicas adotadas acabaram em

crise.

F

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O resultado da administração militar foi uma grande

ameaça à ordem política sobre o qual o Brasil se

constituiu historicamente e a maior crise econômica

que o país já enfrentou.

“A insistência em uma política

econômica inadequada custou

muito caro ao Brasil. No final do

regime, chegou a hora de pagar o

dinheiro tomado emprestado por

anos a fio dos trabalhadores e

bancos internacionais, e não havia

retorno suficiente de tantos

investimentos e empréstimos de

favor”.

Jorge Caldeira

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Ditadura militar: atraso histórico

A “hora de pagar” a conta não poderia ser pior. Em

1982, já no final do regime, isto é, durante o governo

João Figueiredo, o mundo enfrentava nova crise

econômica. E não havia recursos para saldar os

empréstimos contraídos. “Rolava-se” a dívida

internacional pagando-se e negociando-se juros

elevados. Enquanto os banqueiros internacionais

esfregavam as mãos contando o dinheiro vindo do

Brasil, o país empobrecia. No final de 1983, o PIB

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recuara 2,5% em comparação a 1981 – ano que já

apresentava queda desse índice.

Repressão à sociedade civil: marca da ditadura

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Cartaz ufanista do início da ditadura: ilusão

Sem poder contrair novos empréstimos e com as

pesadas contas a saldar, o governo adotou uma política

agressiva de exportação e restrição de importações. O

esforço logrou aumentar as exportações de 20,1

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bilhões de dólares para 21,9 entre 1982 e 1983, ao

mesmo tempo em que as importações caiam de 19,3

bilhões de dólares para a significativa marca de 15,4

bilhões. Mesmo com o saldo comercial de 6,4 bilhões

de dólares (contra os magros 780 milhões atingidos

anteriormente) não foi possível pagar as contas, uma

vez que os juros da dívida externa chegavam a incríveis

9,5 bilhões de dólares. A diferença teve de ser

negociada a juros caros, aumentando ainda mais a

dívida.

Se no início do regime os militares

conseguiram afastar a influência

comunista, no final de seu governo

eles tinham entregado o Brasil aos

banqueiros internacionais.

Nessa posição debilitada, o Brasil teve de se submeter

à ingerência de seus credores. O Fundo Monetário

Internacional (FMI) fazia recomendações econômicas

que eram, de fato, imposições visando adaptar a

economia nacional à realidade mundial.

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... diziam os militares, ao que o povo respondia: "o último

que sair desligue as luzes do aeroporto"

A crise política que a administração militar causou foi

igualmente considerável. Jorge Caldeira observa que

“em vinte anos de governo, os militares, com sua

política fracassada, colocaram em perigo as bases

históricas que fizeram do Brasil um país”. Com efeito, o

Brasil vem de uma tradição democrática. Mesmo na

época do Império, o peso político da sociedade civil,

expresso no Parlamento, era considerável. Essa

tradição continuou com o advento da República –

embora as elites que detinham poder político

manobrassem para não compartilhar esse privilégio

com os trabalhadores e camponeses.

Vargas, apesar de ter estabelecido um ditadura,

procurou aumentar os direitos das classes

trabalhadoras. Mas o regime estabelecido pelos altos

oficiais das Forças com o golpe de 1964 ameaçou essa

ordem.

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De fato, A fórmula empregada pelos militares – isto é,

“aumentar o controle sobre o câmbio, concentrar

recursos nas mãos do governo, dirigir o avanço

industrial a partir do centro de poder político” –

fracassou. Na verdade, esse modelo trouxe o atraso

perpetrado pelas duas décadas de governo militar, uma

vez que criou uma estrutura social onde a divisão se

acentuou.

Volta à liberdade: ter de enfrentar a crise econômica

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No alto da pirâmide estava a classe empresarial que

fazia dinheiro em um mercado protegido, o qual excluía

concorrentes estrangeiros e pressupunha a submissão

dos consumidores internos, os quais pagavam muito

por produtos de qualidade inferior aos seus

semelhantes importados. Esse protecionismo incluía

um mecanismo de favores, onde lobbies políticos se

empenhavam em conseguir recursos públicos para

empresários amigos. Tais privilégios levaram a uma

exclusão de diversas camadas sociais. Os trabalhadores

financiavam o governo por meio de pesados impostos.

Os militares adotaram para o Brasil

um caminho contrário ao que o resto

do mundo seguia. Concentraram o

controle total das transações

cambiais e internacionais, fecharam

e restringiram a economia do país,

num momento em que a comunidade

internacional fazia o contrário.

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Quando se apagaram as luzes do regime militar, a

ordem baseada na desigualdade de direitos sociais –

crônica ao longo de toda a história do país –

prosseguia. Os militares reproduziram a eterna

relutância em romper com um modelo que preserva

diferenças entre os brasileiros. Conforme Jorge

Caldeira, “ao desvalorizar a flexibilidade, acelerar as

diferenças sociais a ponto de as partes não mais se

reconheceram como elementos do conjunto, a unidade

ficava em risco”. Caberia ao novo governo continuar o

processo de inclusão social no Brasil.

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No frigir dos ovos, o regime promovido pelos militares

no Brasil entre 1964 e 1985 atrasou o Brasil e seu

processo histórico rumo ao fortalecimento econômico

aliado à integração social. De acordo com a análise do

professor de Estudos Brasileiros da Temple University,

de Filadélfia, EUA, Philip N. Evanson, os ditadores

empossados pelas Forças Armadas promoveram “um

aumento significativo de crimes contra os direitos

humanos, [foram] socialmente irresponsáveis,

contraíram empréstimos excessivos no exterior,

promoveram concentração de renda e o aumento da

pobreza, implicando no dramático aumento da

criminalidade nos grandes centros urbanos”. Além

disso, a ditadura militar repercutiu de forma

tremendamente negativa para seus próprios

protagonistas.

A Revolução de 1964 enfraqueceu

seriamente as instituições

militares, as quais perderam

prestígio e tiveram o orçamento

reduzido

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Hoje, passadas mais de duas décadas e meia do fim do

regime, pode-se dizer que o Brasil retomou o caminho

da democracia e da realização econômica, buscando

ocupar seu espaço no cenário mundial. Fica, portanto,

a lição histórica trazida pela ditadura militar de que um

país é composto das diversas camadas sociais que o

integram e que jamais uma única classe será capaz de

ter sucesso em estabelecer tendências – sejam

políticas, econômicas ou sociais – que satisfaçam a

todas as outras classes da população. Esta é a grande

lição da democracia, uma democracia que –espera-se –

talvez tenha se fortalecido ainda mais pelo temor do

retorno de um governo autoritário.

Sindicato dos Padeiros

de São Paulo

Direito reservados: Sindicato dos Padeiros de São Paulo, 2012 Este artigo pode ser reproduzido para fins educativos e de pesquisa;

a fonte deve ser citada