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Um Caso de Assédio Moral no Espaço Público Simone A. Lisniowski 2004 1 Um Caso de Assédio Moral no Espaço Público 1 Simone A. Lisniowski Este artigo pretende analisar um caso de assédio moral em uma instituição pública que, neste caso, é uma universidade federal. Talvez o leitor encontre dificuldade em compreender completamente um caso complexo como este, pois escolhemos manter sob sigilo a identidade dos envolvidos e suas redes de relações. Esperamos que no futuro, uma aprendizagem moral e um ambiente mais democrático possibilitem um espaço mais acolhedor para debates como este. Tratar deste tema é muito delicado, pois tanto no setor público quanto no setor privado não existem regulamentações específicas. Falar sobre o tema é um tabu, tanto para os envolvidos quanto para os pesquisadores pois em todas as relações vivemos situações difíceis, de conflitos e de antagonismos, e mesmo assim preferimos não expô-las. Este constrangimento é sentido muito mais por aqueles que são vítimas de assédio moral pois vivê-lo é destruidor para a vítima, e enquanto esta se sente ameaçada pelo assediador, teme que ao denunciá-lo seja alvo de mais humilhações. No Setor onde ocorreu este estudo de caso descobrimos algumas vítimas de assédio, que relatam comportamentos característicos do comportamento perverso de um grupo contra certos indivíduos que não se adaptam ou não se submetem à lógica do grupo. O assédio foi sofrido por um professor assistente em uma Instituição de Ensino Superior entre os anos de 2001 e 2003. Apesar de termos conhecimento de quatro casos de assédio no mesmo departamento, no qual uma das vítimas mais graves foi uma professora que relata uma série de humilhações no trabalho, sendo posteriormente estigmatizada como louca e que vem realizando uma série de tratamentos de saúde, escolhemos o caso deste professor, vítima de assédio nos últimos 3 anos de trabalho, pois em relação a ele se configura um quadro complexo de relações e de comportamentos de assédio moral. O grupo assediador do Setor no qual ocorreu o caso de assédio, conquistou alguns cargos de muita importância na instituição, com a mudança de gestão em 2002, e respaldado por este poder vem exercendo uma série de comportamentos de abuso de poder. Assim, este professor está sendo alvo do assédio dos superiores no seu 1 Artigo produzido na disciplina “Direito do Trabalho”, ministrado pela Profa. Dra. Aldacy Rachid Coutinho no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR e publicado na Revista Jurídica da Faculdade de Direito de Francisco Beltrão em 2004. Site da Revista na Instituição: http://www.cesul.br/internas/revista_juridica.php

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Um Caso de Assédio Moral No Espaço Público

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Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 1Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico1 Simone A. Lisniowski Esteartigopretendeanalisarumcasodeassdiomoralemumainstituiopblica que,nestecaso,umauniversidadefederal.Talvezoleitorencontredificuldadeem compreendercompletamenteumcasocomplexocomoeste,poisescolhemosmantersob sigilo a identidade dos envolvidos e suas redes de relaes. Esperamos que no futuro, uma aprendizagemmoraleumambientemaisdemocrticopossibilitemumespaomais acolhedor para debates como este. Tratar deste tema muito delicado, pois tanto no setor pblicoquantonosetorprivadonoexistemregulamentaesespecficas.Falarsobreo tema um tabu, tanto para os envolvidos quanto para os pesquisadores pois em todas as relaesvivemossituaesdifceis,deconflitosedeantagonismos,emesmoassim preferimosnoexp-las.Esteconstrangimentosentidomuitomaisporaquelesqueso vtimas de assdio moral pois viv-lo destruidor para a vtima, e enquanto esta se sente ameaadapeloassediador,temequeaodenunci-losejaalvodemaishumilhaes.No Setorondeocorreuesteestudodecasodescobrimosalgumasvtimasdeassdio,que relatamcomportamentoscaractersticosdocomportamentoperversodeumgrupocontra certos indivduos que no se adaptam ou no se submetem lgica do grupo.OassdiofoisofridoporumprofessorassistenteemumaInstituiodeEnsino Superiorentreosanos de 2001e2003. Apesar de termos conhecimento dequatro casos deassdionomesmodepartamento,noqualumadasvtimasmaisgravesfoiuma professoraquerelataumasriedehumilhaesnotrabalho,sendoposteriormente estigmatizadacomoloucaequevemrealizandoumasriedetratamentosdesade, escolhemos o caso deste professor, vtima de assdio nos ltimos 3 anos de trabalho, pois emrelaoaeleseconfiguraumquadrocomplexoderelaesedecomportamentosde assdio moral.O grupo assediador do Setor no qual ocorreu o caso de assdio, conquistou alguns cargosdemuitaimportncianainstituio,comamudanadegestoem2002,e respaldadoporestepodervemexercendoumasriedecomportamentosdeabusode poder.Assim,esteprofessorestsendoalvodoassdiodossuperioresnoseu

1 Artigo produzido na disciplina Direito do Trabalho, ministrado pela Profa. Dra. Aldacy Rachid Coutinho no Programa de Ps-Graduao emDireitodaUFPRepublicadonaRevistaJurdicadaFaculdadedeDireitodeFranciscoBeltroem2004.SitedaRevistana Instituio: http://www.cesul.br/internas/revista_juridica.php Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 2departamentoe no setor, de alguns colegas ligadosa estes superiores, de uma comisso deavaliao(cujosmembrosforamescolhidosporestegrupo)edeumacomissode sindicncia.Esteprofessoriniciouem1999umprojetodeumcursoqueviriaasersua grandefontederealizaoprofissional,trabalhandoarduamenteat2002paraseu sucesso.Comasmudanasnoscargospolticossuasituaoficouinsustentvel.Oque aconteceu no seu caso que ele "teve o azar de no ter feito as alianas polticas corretas. Ou a boa rede de relacionamento, ou porque diferente, ou ento justamente porque suas qualidadesprofissionaisotornamameaadorparaalgum2.Aquiloquefoisuaauto-realizao profissional tornou-se em pouco tempo a fonte de suas frustraes, sua perda de auto-confianaedaconfiananainstituio,sofrimentos,doenasemaistardedeseu afastamento do trabalho. Atualmente vem sendo tratado por um mdico do trabalho e tem feitoleiturassobreassdiomoral,oquefacilitouacompreensodosataquessofridos, ajudando-oa sedefendereexpressar seu sofrimento. Ele vem realizandoum trabalhode desmascaramentodoassdionoSetor,queporumladooestigmatizacomoumlouco queexagerasobreosfatos,umparanicocomsndromedeperseguio,masque tambm quebra o silncio mantido por outras vtimas do assdio moral. Aatitudedesteprofessorpodemudarasrelaesdetrabalhonauniversidadee principalmente no seu setor, mas importante que estejamos conscientes da necessidade deleismaisrgidasemrelaoaorespeitodedireitosqueestoasseguradosna constituio,masquesofreqentementedesrespeitadosnasrelaesdetrabalho:o direito dignidade e intimidade. Recentemente foi aprovada uma lei municipal que legisla sobre o assdio moral nas instituiespblicasmunicipaisemCuritiba,quecertamentenotoconhecidaquanto deveria.Umdosintuitosdesteartigodivulgarosestudossobreotemaparaqueos trabalhadores venham a reconhecer seus direitos e a descobrir formas de como podem se defender de possveis assdios em seu ambiente de trabalho. Segundo Moura3, o assdio moral Noincioalgoinofensivoeo(a)trabalhador(a)agredido(a)noquersemostrar ofendido(a), levando tudo na brincadeira. Com a durao do quadro e da repetio dasagresses,avtimaficaacuadaesubmetidaaumasituaodegradantee, quandoreclama,chamadadeparanica.Oscolegasdetrabalhoficam

2 HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, RJ: Bertrand Brasil, 2002, p.62. 3 MOURA, Mauro Azevedo. Assdio Moral, Disponvel em http://www.ismabrasil.com.br. Acesso em: 03.02.2003. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 3complacentes e nada fazem por medo de serem os prximos, o que cria um pacto de tolerncia e silncio. A Assemblia Nacional da Frana adotou uma definio ampla de assdio moral:Nenhumassalariadodevesersubmetidoaprocedimentosrepetidosdeassdio moralporpartedoempregador,deseurepresentanteoudequalquerpessoa abusandodaautoridadequesuasfuneslheconferem,[equetem]porobjetivo ouefeitoatentarcontraadignidadeecriarcondiesdetrabalhohumilhantesou degradantes4 Ocasoqueserapresentadotemumasriedefatosqueseencadeiam. Infelizmenteexporumquadrocompletoocupariamuitomaisdoqueumartigo.Portanto escolhemosalgunsfatossignificativosmaisrecentesqueestorelatadosemumaatade reuniodecolegiadodecursonaqualavtimaexpeacausadoseuafastamentodo trabalho,outrosrelatosfeitospelavtimaealgumastestemunhas.Estesfatossero analisados luz de leituras sobre intimidade, perversono trabalho e sobre assdio moral. Segundo Hirigoyen essa guerra psicolgicano localde trabalho agregadois fenmenos: o abusode poder,querapidamentedesmascaradoenonecessariamenteaceitopelos empregados;amanipulaoperversa,queseinstaladeformamaisinsidiosae que, no entanto, causa devastaes muito maiores5. Oassdioumaviolnciasub-reptcia,noassinalvel,masque,noentanto, muito destrutiva6. Muitas vezes eles comeam como indiretas de desqualificao da vtima, culminando em atitudes de humilhao.Aautoraescolhe,porlevaremconsideraoocomportamentodoassediador,a seguinte definio de assdio moral: oassdiomoralnotrabalhodefinidocomoqualquercondutaabusiva(gesto, palavra,comportamento,atitude...)queatente,porsuarepetioousistematizao, contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho7. Namaioriadoscasoselesnoacontecemempblicopoisoassediadorsabeque suaatitudeseriareprovadapelogrupo,seucomportamentosutilparaqueemcasode algum denunci-lo possa afirmar que no foi intencional, que a vtima est exagerando, ou queelaentendeuerradoouquefoisomenteumabrincadeira.Osperversosevitamse

4HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RJ:BertrandBrasil,2002,leitrabalhistacitadapela autora, p.17. 5 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.66. 6 HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, lei trabalhista citada pela autora, p.17. 7 HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, lei trabalhista citada pela autora, p.17. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 4expor em pblico pois temem ser desmascarados. Por acontecer apenas entre a vtima e o assediador,muitasvezesasvtimasdeassdiomoralnotemcertezadoqueest acontecendo,poisnoreconhecemclaramenteosmecanismosdaperversoeporisso no sabem como se defender.Oassdiotorna-sepossvelporquevemprecedidodeumadesvalorizaoda vtimapeloperverso,queaceitaeatcaucionadaposteriormentepelogrupo. Essa depreciao d uma justificativa a posteriori crueldade exercida contra ela e leva a pensar que ela realmente merece o que lhe est acontecendo.8 Quandoencontra-seemconfrontocomavtimafrenteaummediador,operverso mostra-sevtimadascircunstncia,justificaseusatos,defende-seeculpaavtimapelos atosquecometeu.Enestecasonofoidiferente.Nocasoquesegue,osassediadores freqentementedizemparaoutroscolegas,alheiosaosfatos,queoprofessordedifcil dilogo,queestexagerandoequeelesofredesndromedeperseguio.Estauma tentativa de estigmatizar a vtima como louca e retirar a legitimidade de sua fala.Quando o processo de assdio se estabelece, a vtima estigmatizada: dizem que de difcil convivncia, que tem mau carter, ou ento que louca. Atribui-se sua personalidadealgoqueconseqnciadoconflitoeesquece-seoqueelaera antes ou o que ela em um outrocontexto.Pressionadaaoauge, no raroque ela se torne aquilo que querem fazer dela9. O processo de estigmatizao redirecionao conflito como sendo algo causado pela personalidadedavtimaenodesituaesquelheforaminflingidas.Dessaforma, neutraliza-seumaorigemexteriorvtima,imputandoexclusivamenteaelaa responsabilidade por seu sofrimento.Acausadeseusofrimentoexterna,apesardealgumaspessoasestaremmais suscetveispornosaberemsedefender,porteremaprendidoasesubmeteraoschefes ouautoridadedecolegas.Masessacausaexternaumaagressopsicolgica,muitas vezesdifcilparaaprpriavtimarelatar,masquandoestaexplicaoquelhecausa sofrimento mais fcil detectar o assdio. De acordo com Hirigoyen a dificuldade nas transcries de casos clnicos, reside nofatodequecadapalavra,cadainflexo,cadaalusotemimportncia.Cada detalhe, se considerado isoladamente,parece insignificante, mas o seu conjunto que cria um processo destrutivo.10

8 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.68. 9 idem, p.69. 10 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p 20. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 5Oassdiodiferedoestresseprincipalmenteporqueapessoanorecebesuma sobrecargadetrabalhonumambientedesorganizadoouinsalubre,masporquealvoda mintenoalheia.Avtimacapazdeperceberestamintenoquandoarecusade comunicaomanifestaehumilhante,quandoascrticasarespeitodoseutrabalhose tornam maldosas e as atitudes e palavras se tornam injuriosas11. Noassdiomoraloquepreponderaahumilhaoeafaltaderespeito.Nas situaesdeestresseoquesequeraumentaraprodutividadeeotimizarosresultados; masnoassdiomoraloassediadorquerselivrardeumapessoa,humam-inteno direcionada a um indivduo. O conflito no trabalho tambm difere do assdio porque o conflito freqentemente abertoetemcomoobjetivomudarcertosaspectosdogrupoporumanecessidadede reorganizao,masquandonocompreendidocomosaudveltorna-seumproblema organizacionalquedificultaasrelaes,eposteriormentepodedesenvolver comportamentos assediadores no grupo . Enquantooconflitonoestiversolucionado,eletendeaseampliarpormeioda procuradenovosaliados.Pode-sefaze-loterminarespontaneamenteoucustade arbitragens ou mediaes sempre melhor do que deixar a situao se deteriorar. Os conflitosquedemoramaterminarsefortalecemeseestendemdemodovelado. Neste caso, h um risco de passarem para procedimentos de assdio12. O professor assediado coordenava um curso que no correspondia s ideologias de um grupo do seu setor. De acordo com relatos de vrios professores envolvidos no projeto, desdeseuincio,ocursonoobteveaceitaodossuperiores,masfoiaprovadoemum ConselhoSetorialabertoatodososdocentes,sendoquenapocaningumseops abertamente.Assimelefoiplanejado,aprovadonoCEPEeimplantado,apesardeuma resistncia no-verbalizada sua continuidade por parte de um segmento de professores. Isto dificultou a sua implantao pois o curso precisava de professores para as disciplinas, eestesnosedisponibilizaramprontamenteparaassumi-las,osassuntossobreocurso eramignoradosporestegrupoefazia-seopossvelparadificultarotrabalho.Alguns alunos relataram, para os professores vinculados ao referido curso, que alguns professores dosetorcriticavamabertamenteocursoemsala-de-aulaenoscorredores.Masnadaera dito em reunies departamentais ou setoriais. Apesar da resistncia deste grupo, a poltica

11HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.20 12 idem, p.25. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 6da reitoria assegurava seu andamento e alguns professores substitutos foram contratados nos dois primeiros anos do curso para que assumissem as disciplinas.Noinciode2002,comamudanadereitoredetodososcargosdeconfiana,o tratamento do grupo em relao ao professor-coordenador foi se agravando. O contrato dos professoressubstitutosestavaterminandoeoprofessorsolicitouemvriasinstncias superiores,incluindoadireodoSetor,adiscussodacontrataodeprofessores.No obteve resposta de nenhuma instncia, para o encaminhamento do problema. Percebendo queocursoestavacolapsandoporabsolutafaltadeprofessoresparacontinuidadedo semestrequeseaproximava,eleencaminhoutrsofciosaoConselhoSetorialparaque sua solicitao fosse oficializada. Sete meses depois desta situao ter sido colocada como emergencialparaosnovosrepresentanteseleitos(Reitor,Pr-reitordeGraduaoe DiretordoSetor),oConselhoSetorialpautouoproblemaemumareunio,naqualseis pessoasestavampresentesentrechefesdedepartamentoecoordenadores,asecretria do curso em questo e o professor coordenador. Um dos membros indagou sobre a razo detantosofcios,brandindonoarostrsofcioseperguntandooquesignificavaoenvio destes.Disseaindaqueeledeveriaparardeenviarofciospoisissonoadiantaria,afirmando que o problema de contratao era do coordenador do curso e no do Setor. O professor, sentindoquenohavia sido marcadauma reunio para solucionaroproblema, discordoudesteentendimentolembrandoatodosqueoSetortinhacompromisso institucional, estabelecido em um convnio, para o andamento do referido curso. Explicou, embora todos estivessem cientes, que ele no tinha autonomia para contratar professores e que este era um compromisso do Setor. J estava no final de 2002, haviam sete meses que oprofessorvinhatentandoencaminharocursocomosemprehaviafeitoeviviaasmais diferentessituaesdeindiferena,humilhaeseacusaes.Masestafoiumareunio ondeafaltaderespeitoeahumilhaonoerammaissutis,edestaformamostrou-se toda a agressividade do grupo em relao ao professor. O professor, em todas as situaes que tratavam desta problemtica, explicava que nesseconvnio,oprincipalcompromissodoSetoreraadisponibilizaodeprofessores para atender a demanda do curso, como constava no protocolo assinado pelo setor com os parceirosdoprojeto,aprovadonoConselhoSuperior.Frenteaisto,umdoschefesde departamentoalegouqueacontrataodeprofessoresiacontraoprincpiodeno-terceirizaodauniversidadeepediuqueessaquestofossecolocadaemvotao.O Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 7coordenadorexplicouumavezmaisque,anocontrataoiriaimplicarnocolapsodo cursoepossveisaescontraaUniversidadepelacomunidadedosalunoseinstituies conveniadas.ExplicoutambmqueestecompromissotinhasidoassumidopeloSetor,e que no havia simplesmente como se desobrigar da contratao de professores.Segundoorelatodeumdosprofessoresochefedodepartamentonopoderia encaminharumavotaoporqueeledeveriaencaminharessadiscussopelano-contraoplenriadepartamental,eleeraapenasumrepresentante...elenopode encaminharumavotaonocolegiadosemtirarumaposiododepartamentoparaque ento ele possa representar essa posio na setorial. No houve nenhuma discusso sobre acontraodeprofessoressubstitutosnasplenriasdepartamentais,instncianaqual deveria ter sido tomada esta deciso (sic).O chefe fez questo de defender um princpio deno-terceirizao,assumindo-ocomoumconsensodetodososprofessoresdo departamentoqueelerepresentavanaquelefrumSetorial.Naarbitrariedadedo encaminhamento e no aligeiramento da votao deste tema, a contratao de professores substitutosfoivotovencidonoConselhoSetorial.Oprofessorpediusetorialque encaminhasse esta e outras decises tomadas atravs de ofcio, para formalizar a deciso doSetor.Odiretor,noentanto,alegouserdesnecessrioesseprocedimentoequeno responderia por ofcio. Em relato, o professor explica que ao encaminhar os ofcios pretendia oficializar algo queestavasendodiscutidoamesesmasquenenhumadecisoeratomada.Elequis registraranecessidadedecontrataopoisemcasodeumeventualafastamentodesua funoficariaumdocumentodequeeletinhaesgotadotodasaspossibilidadesaoseu alcance para resolver o problema. Ademais, como j foi dito acima, existia um cronograma decursoemandamento,asdisciplinassesucedendoeoscontratosdosprofessores substitutos se encerrando. Era preciso que a nova gesto setorial atendesse s demandas sobpenadetotalcolapsodocurso,sobretudoporquenauniversidadenohaviauma polticainstitucionalexplcitaparaesteprojeto,queexigianovasregulamentaesparao exerccio de uma nova modalidade de ensino a educao a distncia. No haveria como responsabiliz-lo por descaso com o problema da falta de professores. Aqui podemos perceber que a fala do professor ignorada. Os membros da reunio interpretavam que a responsabilidade de contratao de professores era do coordenador e no do setor. Pelo menos na presena do professor eles sistematicamente ignoravam que Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 8estivessemfirmadasresponsabilidadesdosetoremumcontratocomoutrasinstituies. Almdisso,aorecusaremresponderosofciosesequerreconheceraseriedadedo problema,odiretordosetoreochefededepartamentodesconstruamoscanaisde comunicao,deformalidade,quesempreseencontraramapoiadosnosprocedimentos administrativos. Aprpriainformalidadedealgunsprocedimentosdosetorpblicocomprovaa facilidadeemcometeratosdeassdiomoralsemqueavtimapossasedefender.O assdio pode se configurar em uma prtica banalizada, mas que tem graves conseqncias noapenasparaofuncionriovtimadeassdio,masparaaempresacomoumtodo, tornado o trabalho improdutivo. Afinal, o indivduo ou grupo perversoagetantomelhoremumaempresaquantomaiselafordesorganizada,mal estruturada,depressiva.Basta-lheencontrarabrechaeelevaiamplia-lapara realizar seu desejo de poder13

Aseguirveremosquenaverdadeogruponoignoraaexistnciadestecontrato, masaoignorarafaladoprofessorsabequeestariainviabilizandooseutrabalhoe desestabilizando-o psicologicamente ao no dar nenhum tipo de apoio ou mesmo sinal de compreensoereconhecimentodeumanecessidade,eseuatendimento,parao desempenhodacoordenao.Otrabalhodoprofessorinviabilizadoenodadoaele formalmentenenhuma posiodo setorpois o Conselhodecideno responder seu ofcio. Porqueno?Paraque,peranteainstituioeosalunos,ofracassodocursopossaser visto como responsabilidade do coordenador e no do Setor. Nomesmodiaoprofessorprocurouomdicoparasequeixardeumasriede sintomasfsicosdeesgotamentonoltimoano.Esteorientouparaqueoprofessor entrasseemlicenamdicapoisseuestadoestavapiorandomuito.Entreseussintomas estavam:constantescefalias,insnia,ansiedade,inciodeproblemasgastrintestinais, dermatoses,cansaoedesnimoconstantes.Comopodemosperceber,oassdiomoral notrabalhoumaagressopsicolgicaquelevaavtimaadesenvolverumasriede sintomaspsicossomticos.Emalgunscasosesteumtraumatismoquepodegerarum burnout(depressoporesgotamento)edoenaspsicossomticascrnicas.Essadoena estsendofreqentementediagnosticadaempessoasquetrabalhamemsituaesde

13 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.87. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 9presso psicolgica no trabalho, sempre em profisses que as obrigam a estar em contato constante com outras pessoas.Mesesdepoisdeseuafastamento,eleprocurouaatadareuniodoConselho Setorialnaqualhaviasidovotadaano-contrataodeprofessoressubstitutos,quando descobriuque,emreuniessubseqenteseapstersidoindicadoumcoordenador substituto,estemesmoConselhoSetorialaprovaraacontrataodeprofessorese solucionaraoproblemadocurso.Suacondiopsicolgica,apesardeestarafastadodo trabalho, continuou se agravando por perceber que todo seu trabalho estava sendo exposto nasreuniescomoincompetenteeineficaz,eseunovosubstitutoeracolocadocomo aquelequeorganizariaocursoeresolveriatodososproblemasqueelenoresolvera.A seguir o grupo passou a dizer sistematicamente que o professor era de difcil dilogo e que por isso o problema de contratao no tinha sido resolvido antes. Segundoumaprofessoradodepartamentoonovocoordenadormeafirmouquea diretoradosetorsempreestevedisponvelparasolucionaroproblema,masoprofessor tinhaumtemperamentomuitocomplicadoapontodeterseisoladoeinviabilizadoo dilogo(sic). Oprofessorpassouasentirfortesdoresgastrintestinaisequeriaencontraruma maneira de ser reconhecido pelo grupo por todo esforo que tinha feito para o sucesso do curso. Umadasformasmaiseficientesdedesestabilizarumapessoanoambientede trabalhocriarsituaesparaqueseevidencieumasupostaincapacidadeemresolver problemas,colocandoobjetivosimpossveisdeseremrealizadosetarefasabsurdas.A impossibilidadesentidapelavtimafreqentementevividacomoumalimitaopessoal. Aoafirmaremqueeradedifcildilogooprofessorfoiaospoucossendodesestabilizado porquantoadvidaarespeitodesuaauto-imagemedesuaimagemperanteoscolegas deixava-orefmdeumasriedesintomasauto-destruidores,queelerelata:angstia, ansiedade, constrangimento, raiva, dores corporais, etc.Sem conseguir trabalhar, abala-se sem compreender completamente o que aconteceu. No fornecer a uma pessoa conscienciosa os meios para que ela possa trabalhar umamaneiraeficaz,principalmenteseforfeitosutilmente,delhepassaraimagem que ela uma nulidade e que incompetente.14

14HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.55. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 10 Comamudanadereitoredoscargosdeconfiana,instalou-seumacomissode avaliao do ncleo de ensino ao qual o curso estava ligado. Encarregada de reestruturar o ncleodeensino,aComissopassouentoainvestigartodooncleofazendoum levantamentodocumental,principalmentenoaspectofinanceiro.Aolongodaqueleltimo anodeseutrabalhonoCurso,estacomissoparaavaliaoorganizacionalparalisouas atividadesdocursoem2002,poisfoipostergadopelasinstnciassuperioresqualquer decisoquesereferisseaomesmo.Seriaprecisoesperaroresultadodaavaliao.As pendnciascomearamaseacumular,levandooprofessoraumagrandepreocupao com o quadro docente do curso, como foi apresentado anteriormente, este problema no se resolveu at o momento em que o professor entrou em licena mdica.Aofinaldetrsmesesacomissoapresentouoresultadodainvestigaoemum conselhosuperiorsemquenenhumenvolvidofossechamadoparaouvirorelatoda comisso.Asesperanas,dosprofessoresenvolvidosnoprojeto,dequeacomisso pudesseterlevantadoosproblemasepropostosoluesaossuperioresforamfrustradas no momento que todos perceberam que a avaliao tinha como proposta retaliar todo grupo que trabalhava no projeto, indiscriminadamente. Segundoorelatodoprofessor,foidevidoimpossibilidademinhaedetodosos profissionaisquetrabalharametrabalhavam,sobretudoaquelesqueocuparamalgum cargo de chefia, de manifestarem-se a respeito do documento, o qual no tivemos qualquer acesso, [que criou-se] uma situao de extremo estresse coletivo e individual (sic). Segundo Hirigoyen15 A confuso geradora de estresse. Fisiologicamente, oestressechegaaomximoquandoseestimobilizado,prisioneirode uma grande incerteza. As vtimas dizem muitas vezes que o que faz nascer a angstia no so tanto as agresses ostensivas quanto s situaes que elas no esto certas de serem em parte responsveis. Quando o agressor desmascarado, elas se dizem aliviadas importante citar que esta Comisso era composta por alguns professores do Setor que j haviam se posicionado contra o projeto do curso, no de forma explcita nos fruns, mas nas salas de aula e nos corredores. Vrios boatos tinham como inteno desqualificar o curso no setor ao qual pertencia. Aps a avaliao da comisso, estes boatos adquiriram umtomoficialporseremassociadosaostrabalhosdacomisso.Oprpriorelatrioda

15 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p 170. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 11comisso foi usado como referncia para fundamentar boatos e acusaes insidiosas, que nunca foram formalizadas.No seu discurso registrado em ata o professor declara que: AComissoapresentouseudocumentonoConselhoSuperioredaemdianteo ambientedetrabalhotornou-sedeverasinsuportvel.Porque?Porqueseinstaloucom essaatitudeumclimadetotaldescrditoperanteosquetrabalharamno[projeto],mas, sobretudo,osqueestavameestotrabalhando.Acomunidadeexterna[Universidade] completamenteperplexaindagavaoquesepassavano[projeto].Semqualquer possibilidade de defesa fui, includo subjetivamente, na verso apresentada pela Comisso, ouseja,nesterelatriofala-sedetudoedetodos,semcitarnomes.Contudo,todosso colocados em suspeio na medida em que o discurso genrico. A Universidade mostrou sua face perversaassumindo uma prtica autoritria, no permitindo que, antes que fosse aoConselhoSuperior,queaspessoascertasouerradas,pudessemserouvidas,que pudessem cotejar os dados levantados etc. (sic) SegundoHirigoyen16asavaliaessobreotrabalhoexecutado,conquantoque sejam explcitas, e no utilizadas com um propsito de represlia, no constituem assdio moral. HaviaumaexpectativadequeaComisso,responsvelpelaavaliaodoprojeto, ouvisseasdemandasdosprofessores,coordenadores,alunosefuncionriospara solucionar os problemas. Mas a comisso enfatizou somente a administrao financeira do projetocomoumtodo,enestainvestigaoenvolveutodososprofessores indiscriminadamente.Oprofessorquestionaofatodetodosteremsidocolocadoscomo suspeitos, sendo que o acesso ao controle financeiro do projeto era restrito.UmavezqueaComissonuncaapresentouorelatrioaosprofessoresenvolvidos para que estes pudessem tambm se manifestar sobre suas concluses estabeleceu-se um clima de segredo em torno do contedo do relatrio, intensificando os boatos no Setor que prejudicaramaindamaisumacomunicaoclaraediretasobreoquerealmenteestava acontecendo.OrelatriofoiapresentadoapenasnoConselhoSuperior,restritoaosseus membros. Deacordocom o relato deum dos membrosdesta instncia,o relatrioestava escrito de modo a sugerir um escndalo administrativo, sendo pedido pela comisso uma

16HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.34-35. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 12auditoriapblica.OConselhoSuperiordecidiuinstalarumacomissodesindicnciapara apurarasirregularidadespoisorelatriodacomissodeavaliaonoofereciafatos concretosquejustificassemestamedida.Serianecessrioapurarinternamenteas acusaes atravs de uma comisso de sindicncia. Esta comisso no levou o trabalho a termo,vindoasedesarticularpordesacordosentreseusmembros.Emborasemfinalizar seus trabalhos, foi apresentado um relatrio do que foi possvel investigar (at o momento a 1comissodesindicnciaousejaseurelatornoapresentounada.Foiinstaladaum2 comisso de sindicncia que est no momento ouvindo vrios professores que participaram do NEAD).EsterelatrioapresentadonoConselhoSuperiorconcluaqueorelatrioda comissodeavaliao(1comisso)erairregularemseusprocedimentosparao levantamentodosdados,segundorelatodochefedacomissodesindicncia(2 comisso)aoprofessor.Segundoorelatoacomissodeavaliao(1)considerava irregularprticasquesousuaisdentrodainstituio,comocontrataotemporria, tranferenciasderecursosentreprojeto,etc.Seaprimeiracomissotinhacomointuito apurarasirregularidades,produziuumrelatrioirregular,explicitandoseusobjetivos contraditorios, por um lado apurar prticas irregulares, por outro, retaliar professores srios quetrabalhavamnocurso(equeporconseqnciaestavamvinculadosaoprojetocomo um todo). Podemos nos perguntar qual era a real inteno da comisso de avaliao. Por que ela no deixa claro os fatos apresentados em seus relatrios e no cita nomes? Um outro fato importante frizar: o chefe da comisso de sindicncia no tem ligao poltica com o grupodosetor,masnacomissodeavaliaoexistiamdoisprofessoresdomesmo departamentodoprofessorassediado;umdeleserachefedacomissoetinhaum antagonismo declarado ao professor e o outro membro j havia encaminhado um pedido de moo de repdio ao professor, que foi recusada pela plenria. curioso que se constitua umacomissodeavaliaocomdoismembrosdeummesmodepartamentoedeum mesmosetor.Asdesavenasdoprofessorcomessesdoiscolegasdetrabalhohaviam acontecidonomesmoanoemqueinstalouacomisso,anoquesedeuamudanade reitor, de diretor e dos cargos de confiana.Podemosperceberquearedederelaesondeosassediadoresseapiam poderosa e se ampliou de tal forma com a mudana de gesto que ela sai da relao direta, Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 13setorialedepartamental,paraumarelaoinstitucionalmaisampla.Destaformao professorseviuassediadoemduasinstnciasaparentementedesvinculadas,osetorea comisso. Lembremos porm, que os trabalhos da comisso paralisaram o andamentodo curso,afastaramnovoscolaboradoresdoprojeto,elanaramumasombradesuspeita sobreocursosemcontudooferecerumaconclusorpida.Abrindoumprocessode desqualificaoquevemsearrastandodesdeagostode2002paraprejuzodocurso,do projeto e dos professores que colaboram no mesmo. Esta segunda comisso foi substituda por uma outra comisso que est iniciando a investigaodasacusaesfeitasnorelatriodacomissodeavaliaoeintimandoos professores a prestarem depoimentos. Por no citar nomes o primeiro relatrio envolveu a todos os professores do projeto de forma vaga, referindo-se genericamente a todos de uma s vez. Isto contribuiu para um esvaziamento do prprio curso, pois muitos professores do Setor temiam serem associados ao relatrio que colocava em dvida a probidade dos membros do projeto como um todo. Oprofessor,emdiscursolavradoemata,relataquefoiprocuradoparaexplicaro porqu da comisso e diz que A partir da, muitos professores do Setor [...] em conversas comcolegasficaramextremamentepreocupadoscomsuapossvelparticipaono [projeto].Houveumprofessorquemeprocuroupreocupadoemeperguntousehaveria algumprejuzoparasuaimagemprofissionalcontinuartrabalhandono[projeto]. Provavelmente, esse clima tomou conta de outros profissionais que passaram a declinar de participarem no [curso]. (sic) Porserocoordenador,etambmoidealizadordocurso,oprofessorfoimuito atacado,principalmenteporprofessoresdoseuSetor,pormeioderumoressobresua honestidade e compromisso com a instituio. Embora o professor sentisse a necessidade desedefendereesclarecerumasriedeinsinuaes,nohaviaumfrumnoqualele pudessetrazeresteassuntoemdiscusso.Porissoestabeleceu-seumclimade desconfiana que foi se consolidando por meio de atitudes sub-reptcias. Umprofessorentrevistadorelataqueemumaligaoocoordenadorsubstituto acusaabertamenteoantigo coordenador,o professorassediado:Elechegoua ligar para minha casa para falar mal do primeiro coordenador dizendo que este estava envolvido em um enriquecimento ilcito, que ele tinha ganhadomais do que merecia como coordenador. Quandodiscordeiedissequeoprofessoreraumapessoacorretaequenoera Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 14dinheirista,elefezaseguinteafirmao:Quandoagentefalaningumacredita,mas quando a gente mostra o relatrio as pessoas ficam boquiabertas Pornoterdireitoaumadefesapblicaosprofessoressentiramqueorelatrio prejudicou a sua imagem profissional no ambiente de trabalho e portanto sua relao com oscolegasecomosalunos.Apesardenotersetornadopblico,orelatriofoicitado comobasedemuitasacusaeseinsinuaesfeitasporcolegas.Afaltadeumespao para a rplica figurou como se o relatrio fosse um veredicto, sem direito a defesa. Olugarocupadopelacomissoumlugardepoder,noqualaspessoaspodem abusardeumaautoridadeparadesmoralizarumapessoaouatmesmoumgrupo.O relatrioparecenotertidooutrafunoanoserdesqualificarosprofessores colaboradoresnoprojeto,umavezqueelenoconclusivo.Noentantoelepareceestar servindo a uma outra finalidade, talvez antes implcita, de desmoralizar os colaboradores do projeto. Umalutapelopoderlegtimaentreindivduosrivaisquandosetratadeuma competio em que cada um tem sua oportunidade. Certas lutas, no entanto, so, de sada, desiguais. o que sucede no caso de um superior hierrquico, ou quando um indivduoreduzsuavtimaaumaposiodeimpotnciaparadepoisagredi-lacom total impunidade, sem que ela possa revidar.17

UmoutroboatodifundidofoiodequeoCursonotinhaColegiado,oquefalso, poisoColegiadodoreferidoCursotemrepresentaodosdepartamentosdesdeasua implantao.Ehouveramreuniesbimensaisparadeliberaodediversosassuntosdo curso.Nasreuniesdepartamentaisoprofessorsemprelevouinformessobreocurso, enfatizandoa necessidade de uma maior participao do Setorno curso. Ele fazia relatos por meio de incluses de pauta, sempre em meio um silncio que no oferecia qualquer tipo de ressonncia aos temas apresentados. Segundo relato de um dos professores, esta uma prtica freqente, uma tentativa de desconfigurar a histria do curso, dizendo que antes no tinha organizao, que no haviam reunies para tomada de deciso.Segundorelatodeumdosprofessoresumaformadedesacreditaromritodo curso e do desempenho do coordenador e dos professores. O coordenador que o substituiu chegouaafirmaremumareuniodecolegiadoqueestavainaugurandoarepresentao destecursojuntoaoFrumdeCoordenadores,jqueocursonuncatinhasido representadonessainstncia.Tivequeintervireexplicarqueoprimeirocoordenador

17 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.82. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 15sempre participou do Frum de Coordenadores e que era muito complicado ele fazer este tipo de afirmao.Parecequeocorreumdiscursoquebuscadesqualificaredesconstruira coordenaoanterioreoprpriovalordeatendimentoqueocursoofereciaemsua primeira gesto por meio de acusaes de mal gerenciamento ou de natureza tica. Nosmomentosemqueoprofessorbuscouexporasquestesdocurso,eabriro debatenosfrunscompetentes,elefoirechaadoporumsilncio.Tantonassetoriais abertasquantonasreuniesdepartamentaisosprofessoresnofaziamnenhum comentrio aos informes, exposies e apelos que o professor fazia, relata outro professor domesmodepartamento.Apsseuafastamento,elefoiacusadodeserumapessoaque se isolava e que era de difcil dilogo.Nas relaes perversas no se quer ouvir o que ooutro tem a dizer, desqualifica-se ooutro.Verdadeoumentira,istoimportapoucoaosperversos:verdadeiroaquiloque eles dizem no momento18 . Estes fatos do a idia de um quadro maior deassdio moral infligidoaoprofessor durante os trs anos em que trabalhou no projeto, principalmente no ltimo ano. O assdio sofrido pelo professor causou umaferidanoamor-prprio,umatentadocontraadignidade,mastambmuma brutaldesilusoligadaperdasbitadaconfianaquesetinhadepositadona empresa,nahierarquiaounoscolegas.Otraumatismoaindamaior,poisa pessoa havia empenhado fundo no seu trabalho19. Emseudiscurso,oprofessordemonstraumtomamargodedesencantoemrelaoa instituioeaosseuscolegas:AUniversidadeestdoenteporquepermitequeoestado dedireitodemocrticosejaquebradoporpersonalidadesperversasquenoadmitemo contraditrio,quenoreconhecemooutro,queperseguempolticaeideologicamenteos quepensamdiferente.Noestouaquidefendendoprevaricao,amutilizaodo dinheiropblico,amadministraoetc.claroquetudodeveserapuradoeo(s) servidor(es)pblico(s),envolvidosemcondutaanti-tica,responsabilizados.Todavia, acreditoquenopossamos,nodevamosaceitaracrucificao,acalniaeadifamao

18 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.118. 19HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.20. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 16feitasantesdequalquerjulgamentoesemamplapossibilidadededefesa,comoprevo RJU, sob pena de desmoralizao completa da instituio. (sic) Podemosperceberqueoprofessor,aonoseadequarlgicadogrupo,marcauma diferenaqueoisoladogrupodepessoasquejseadaptaramsregrasimplcitas.O assdio um dos meios de impor a lgica do grupo20. Isolado torna-se um alvo mais fcil para os assediadores que contam com o silncio do grupo. O conflito se estende a ponto de passar de um embate aberto para procedimentos de assdio moral, a arma dos perversos. No grupo o indivduo perverso procura reunir as pessoas sua volta, os membros maisdceisaospoucossoseduzidosporsualgicaesesubmetemao pensamentodominante.Masquandoumdelesdiscordaenosedeixaenvolver torna-seobodeexpiatrio,aoqualtodoogrupovolta-separaatacarcom insinuaes, ironias e todas as formas sutis de agresso. Estando sob a influncia de um perverso, o grupo passa a agir como ele. Oscomportamentosdeassdiosopraticadosporprofessoresquesemantmno poder e que tm ao seu lado a omisso da maioria dos colegas envolvidos. Procura-se isolar a pessoa, pois os perversosnarcisistasinstigamosmembrosdogrupomaisdceis,oscarneiros contra a pessoa isolada. O silncio se estende aos colegas, mesmo que estes no queiram tomarpartido. Para eles, no se trata deincio,deum silencio hostil mas deumsilencioconstrangido.Avtimainterpretaasituaocomosefosseum silenciohostil.Oprocessosetornaentocircular,pois,porsuareao,avtima atrai a hostilidade das testemunhas, neutras no princpio.21 Oprofessorfazmenosuareputaojuntoaoscolegasdetrabalho,queo defenderiam uma vez cientes das acusaes. No entanto, a omisso da maioria no parece fruto do desconhecimento mas de um estado de anestesia que ocorre no grupo quando se estabelece uma relao assimtrica de poder. OSetor[...]quetemassentonosConselhosSuperiores,peloquemeconsta,nose posicionou frente quebra dos direitos democrticos, ao direito de expresso e, sobretudo, sabedordeminhadedicaoeseriedade,assisteaolinchamentopolticoeideolgico compassivo. Ainda quero crer que se a Comunidade Setorial soubesse de tudo o que est acontecendo,sabedorademinhadedicaoeseriedadefrenteatudooquetenhofeito, nopermitiriaessaposiodeneutralidadee,sobretudonocompactuariacomo discurso perverso. (sic).

20HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.39. 21 HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p53. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 17Osseuscolegasconcordamqueelenoestariaenvolvidoemdesviodeverbas, conhecemseutrabalho,masmesmoassimsecalamfrenteaopoderdogrupo,ficam isentos, neutros. Os professores passam a temer se opor queles que esto no poder e ser alvo de excluses e humilhaes. Cada indivduo no perde com isso todo o seu senso moral, mas, tornando-se dependente de um indivduo sem escrpulos, perde todo o senso crtico.22

Oassdiomoralencaradocomonormal,fazpartedavidapolticada universidade, dos sindicatos, dos governos federais, estaduais e municipais. A discordncia deidias,deracionalidades,adiscussodetemaspolmicossaudvelparaavida pblica;masatentativadehomogeneidadeautoritria,agressivaedestruidora.Este grupo no o nico na universidade que abusa do poder para submeter seus colegas, na buscadeeliminarasdiscordnciastericas,ideolgicasepolticas.Estapareceseruma prticaconstrudadentrodasrelaesdepoder,assimiladasnaculturaorganizacionaldo ambientedetrabalho.Porissootemadoassdiomoraldeveserdiscutidonoapenas quando ele ocorre, mas como um problema institucional permanente, exigindo uma reflexo sobreacondutaticaquedesejamosenecessitamos,noapenasnodiscurso,masna prtica da universidade. Quando o grupo rejeita uma opinio diferente ou contrria, no o faz tanto por esta ser diferente, mas por que enquanto grupo, seus integrantes no so mais capazes de ter umaopinioindependentedalgicadogrupo.Oqueincomodaogruponotantoa opinio em si, mas o fato da pessoa ter autonomia e no estar submetida lgica do grupo, lgica esta que todos tiveram que se submeter abrindo mo de possveis discordncias. Quandoarecusaseoriginadeumgrupo,paraeledifcilaceitaralgumque pensaouagedeformadiferenteouquetemespritocrtico:Oquedetestam naquelequepensadeoutramaneiranotantoaopiniodiferentemanifestada, masadesenvolturacomquequerjulgarporsiprpriooque,comcerteza,eles nuncafazeme,noforontimo,tmconscinciadenofaz-lo[Shopenhauer,A., LArt davoir toujours raison, Mille et une nuits, 1998]23. Esteprocessodeassdiosentidopeloprofessordeformaglobalsendoqueele passa a perceber mais claramente todas as conseqncias do assdio na sua sade fsica epsquica,familiaredetrabalhodepoisdeterlidosobreassdiomoralporconselhode

22 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.86. 23 idem, p38 Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 18uma colega de trabalho. Em discurso ele declara: Quem vai pagar pelos prejuzos fsicos, mentais,morais,profissionaisepsicolgicosperpetradosedesencadeadosportodaessa situao?Quemvaiseresponsabilizarpelosprejuzosfamiliares?Quemvaise responsabilizar pelos problemas de sade que afetaram minha esposa? (sic)SegundoHirigoyen,fundamentalparaasvtimasqueoagressorreconheaa violnciadeseuato,poiselasficamperturbadasporumatodeviolncianegado,queas leva a duvidar de suas percepes, do que por um ato franca e visivelmente hostil, o qual mais fcil de enfrentar24 . Recentemente,noinciodesteano,estandoafastadoportranstornosemolstia provenientesdotrabalhoconformeatestadomdicocorroboradoporjuntamdica,oprofessorsolicitouaoreitordainstituioparaparticipardeumareuniodoConselho Superiormximodauniversidadeenelaelepediuparaque,apsostrabalhosda ComissodeSindicncia(3comisso),areferidainstnciaredijaumdocumentode retrataoaosprofessoresinocentesqueforamprejudicadospeloprocessodeavaliao dacomisso.ElepedeaindaqueestedocumentosejalidonoConselhoSetorial,pois somenteaotornarpblicaainocnciadestesprofessores,serpossvelretornarao trabalho. No se morre diretamente de todas essas agresses, mas perde-se uma parte de simesmo.Volta-separacasa,acadanoite,exausto,humilhado,deprimido.E difcilrecuperar-se...Osqueestoemtorno,porpreguia,egosmooumedo, preferemmanter-seforadaquesto.Masquandoessetipodeinterao assimtricaedestrutivaseprocessa,stendeacrescerseningumdefora intervier energeticamente.25

Para o professor a leitura de livros sobre assdio moral ajudou-o a compreender os mecanismosdoassdioecomopoderiasedefender,masfreqentementepergunta-se porque existe essa constante inteno em querer prejudic-lo.importanteestarsempreatentoparaasconseqnciasdosatosquetemos.Ao realizar este artigo preferi no citar os nomes dos envolvidos pois as vtimas acreditam que muito difcil reunir provas que comprovem o assdio, e temem no ter uma legislao que asdefenda,tememqueseusdepoimentosaprejudiquemaindamaisnogrupo.Acredito queestaaodevepartirdasvtimas,acompanhadasdeumprofissionalexperienteem

24HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.63. 25 idem, p.66-67 Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 19casosdeassdiomoralnoespaopblico.Esteprovavelmenteumcasodeassdio misto, e em relao ao professor foi um assdio estratgico pois tinha como objetivo tir-lo dacoordenaodocursoassimcomotirartodososmritosdoseutrabalho,paraque peranteainstituioonovocoordenadoreseugrupofossemconsideradososgrandes salvadores de um projeto que eles apresentam como falido e mal conduzido.Em2001aUNESCOeumrgodeAvaliaodoMECavaliaramocursocomo nvel de excelncia, como referncia para outros cursos na mesma modalidade, mas estas avaliaesnosodivulgadaseossuperioresapresentamsomentesuasavaliaesdo curso, sempre com insinuaes e provocaes aos professores envolvidos. Segundo Hirigoyen No que diz respeito ao assdio misto, necessrio identificar o agressor principal, queoiniciadordoprocesso,dosquesoconduzidospelascircunstnciasater comportamentoshostis,comoporexemplonocasodapessoaassediadaque comea a cometer uma poro de erros no trabalho e acabando por deixar todos os colegasextremamenteirritados,ouentoquandoapessoaassediadasetorna difcil e os colegas tm de suport-la.26 Com o tempo a vtima de assdio torna-se difcil de conviver e todo o grupo d razo ao assediador. O grupo encontra justificativas para desqualificar as aes do professor. Um dos membros do grupo disse a um dos professores que o mdico que prescreveu a licena ao professor no um profissional srio. Todas as falas so no sentido de desqualificara vtima, desestabilizando-a ainda mais. Porqueasvtimastmtantomedodeexporoassdiomoralnotrabalho?Porque quandoumfuncionrioassediadoeletemequeaforadeseuassediadoresteja respaldada por amigos poderosos. H uma poltica de favorecimento na universidade, so histrias longas, redes de relaes de interesses que no so totalmente aparentes. Como reclamarnainstituiopelaagressopsicolgicaseoscargosinstitucionaisso conquistadospelaforapoltica?precisoquetodosaquelesquejsofreramesofrem assdiomoralseorganizem,estudemsobreoassunto,conversemcomseumdico,seu advogado e com colegas paraque no sejam mais uma vtima doabusodos grupos pela luta de poder. Aoouvirasvtimaspossvelperceberumreceioaoafirmarquesovtimasde assdio,umadelaschegouaafirmarqueseelativesseumafamliaqueaapoiasseno

26 idem, 112. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 20precisariaestartomandoantidepressivos,masafirmaqueashumilhaesnotrabalho foram as que mais contriburam para desestabiliz-la psicologicamente. Ela coloca a causa da sua depresso na falta de uma famlia que a apoiasse, mas como ela pode garantir que setivesseumafamlianoviriaasofrerasmazelasdoassdiomoralqueviveuno trabalho?Asvtimasdeassdioseisolamesefecham,umdosprofessores,atualmente aposentado,ficousurpresoaoserdefendidoemumaplenriaporumaprofessoraque havia sido recentemente admitida. A nica solidariedade que recebeu foi de uma estranha poisnogruponohavianingumquereconhecesseasinjustiasdequeeraalvo,elej haviaseconformadocomestasituao,estavaemtratamentohvriosanospor depresso e aguardava a aposentadoria. Uma outra vtima conta detalhadamente as humilhaes que sofria, as excluses, os linchamentosmorais,masasconsideraoracomoaesisoladasaparentementesem intenodeprejudica-la,oracomocomportamentossistematicamenteavassaladorespara suasade.Todasestasvtimasrelembramconstantementeasinjustias,sabemqueo assdio comprometeu seu avano profissional mas vivem num estadode dvida sobreos motivosdasagresses.Estasvtimassotodasdomesmodepartamento,pormseus casosnoforamaprofundadosnestetrabalho.Podemosafirmarquehumaculturade permissividadeemrelaoaoassdiomoral,constantementepresenteebanalizadonas relaes cotidianas. preciso que haja um processo de reconhecimento do assdio moral, para que ele sejadenunciado,masseogrupocontinuaromissooutroscasosdeassdioocorrero porque o assediador no pra erepete seu comportamento em todas as circunstncias de sua vida, em casa, no trabalho, com os alunos e em todos os ambientesque possa exercer seu abuso de poder. SegundoHirigoyen,osestudosrealizados(comoomeu)compessoasquese definemcomoassediadasconcentramcasosmuitomaisseverosdeassdiodoqueos feitos em uma populao total27. Alm disso, no setor pblico o assdio moral tende a se prolongar por anos pois no pode-se dispensar um funcionrio como no setor privado e por isso os mtodos de assdio so,nestecaso,maisperniciososeproduzemresultadosdramticossobreasade,bem

27HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.117. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 21como sobre a personalidade das vtimas28. No setor pblico o assdio est atrelado a uma dimenso psicolgica fundamental: a inveja e a cobia que levam os indivduos a controlar o outro e a querer tir-lo do caminho29. A inveja uma das razes dos assdios. Invejam-se coisas pequenas e coisas de valor,masainvejanoserefereaovalordoobjeto.Algumassentemumainvejamuito grande de pequenos detalhes que ela valoriza. E este sentimento a impulsiona para tentar tomar o lugar do outro, destitu-lo de sua posio e finalmente oprimir a vtima.Hirigoyencitavrioscomportamentosobservadosnasinstituiesquepodemser caracterizadoscomoassdiomoral,esuasmotivaespodemserdiversas,comopor exemplo:oscomportamentosderejeiodogrupoemrelaoquelequesedifereda lgicadogrupo,assimogrupotentaenquadr-lonumcertoestiloquedogrupo;a competioemnveisexageradospodelevarumempregadoatentardesestabilizarseu colega por temer perder o emprego; tambm o medo de ser criticado em grupo pode levar aspessoasasecalaremfrentescrticasexageradasdeumchefeautoritrioaum subordinado, pois ele sendo o alvo os outros esto protegidos; as regras informais so to importantesquantoasregrasformais,mesmoquesejamilcitasouimoraisogrupono aceita que algum queira trazer a verdade tona.Osetorutilizaosprivilgioscomoformadeagregarosmaisdceis.Estauma cultura organizacional considerada normal no setor, afinal somente os projetos que seguem umalinhatericacondizentecomadefendidapelochefeoupelodiretorganha financiamento. Somente atravsdetrocasde favores possvel conquistarum espaode liderana.Aquelesqueatendemlgicadogruposochamadosparaoscargosmais importantes,tmapoioquandocandidatosaoscargosdechefia,sochamadosparaos melhores projetos, e assim por diante. Este sistema colonialista mantm o poder nas mos deumgruporestritodepessoas,sendoqueamaioriasecalaparanoserperseguidoe aquelasqueosenfrentamdealgumaformasoindesejadaselogosetornamvtimasde humilhaes e excluses. DeacordocomadoutoraMargaridaBarreto,daPUC/SP,nasrelaes hierrquicasdepoderemquehoautoritarismo,semprehoassdiomoralque passa,namaioriadasvezes,despercebido,atqueassuasconseqncias devastadoras comeam a denunci-lo30.

28 idem, 124. 29 idem, 125. 30BERNARDO,KtiaC.&BEZERRIL,SylviaT.OAssdioMoralesuasConseqnciasnaAuto-EstimaeMotivao.Disponvelem: www.castroalves.br, acesso em 03.03.2003 Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 22 Seumapessoaimpedidadeexercersuaprofisso,decrescer,perde rapidamenteaauto-estima.Juntocomotrabalhoperdemosaidentidade,poisnossa identidadedependemuitodoquefazemos[...]muitosdosquesopostosnageladeira dizemquesoignorados,portodoserelegadosaoabandono31.Comoestaidentidade profissionaldestasvtimasdeassdiomoral?Porqueaculturaorganizacionaloprime profissionais que poderiam exercer brilhantemente seus papis de professor, pesquisador e colaborador? A finalidade de umindivduo perverso chegar aopoder, ou nele manter-se,no importaporquemeios,ouentomascararaprpriaincompetncia.Paraissoele precisadesembaraar-sedetodoaquelequepossaconstituirumobstculosua ascenso, ou que seja demasiado lcido quanto s suas formas de consegu-lo. Ele no se contenta em atacar algum que est fragilizado, como no caso do abuso de poder:elecriaafragilidadeafimdeimpedirqueooutropossadefender-se. ...Quemestemtornoteme,casosemostresolidrio,serestigmatizadoever-se jogadonaprximaondadedemisses.Emumaempresa,nosepodelevantar ondas. preciso vestir a camisa da firma e no se mostrar demasiado diferente.32

Oprofessoraoserforadoadestituirdeseucargoporteremtornadoinvivelseu trabalho,sentequeogrupoperversotentadestitu-lonosomentedocargoqueexercia, masdetodootrabalhoqueexecutou.Atividadesquesempreforamexecutadasporelee suasecretriasodeclaradascomoinditasnanovagesto.Abuscaderealizao profissional que todos almejam negada a ele pois o grupo no reconhece seu trabalho e seuesforoemrelaoaocurso,noreconhecesuaindividualidade.Omovimentodo grupo de negar em todos os aspectos a vtima, a pontode que ela, se no tiver o apoio de alguns colegas, da famlia e de mdicos, possa chegar a adoecer ou enlouquecer. Comocombateressa prticanefasta dentro da organizao? Acreditamos que s atravs do desenvolvimento de valores morais e ticos que coloquem o ser humano comocentro,prioritriodentreasfuneseconmicasesociaisexercidapela organizaopoderemosviveremsociedadeondeaesperanadedemocraciae participaonoterminadaportaparaforadaempresa(ououtrotipode organizao), e sim permeia toda a vida social.33 Odireitodesedefenderdeassdiomoralumdireitosocialrecente.Como surgimentodaDeclaraoUniversaldosDireitosHumanos,tornou-sepossvelo

31HIRIGOYEN,Marie-FranceMal-EstarnoTrabalho:redefinindoassdiomoral,RiodeJaneiro:BertrandBrasil,2002,leitrabalhista citada pela autora, p.129. 32 HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.86-87. 33 BOMFIM, Juarez Duarte. Assdio Moral: O Poder Nas Organizaes. Disponvel em: www.castroalves.br. Acesso em 23.02.2003 Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 23conhecimento dos chamados direitos sociais, reconhecendo os direitos dos cidados e os protegendo, incluindo os direitos dos trabalhadores e as relaes em matria de trabalho. SegundoRiskalla,noProjetodeLeiquehoratramitanoCongressoNacional,h uma tendncia em tratar o Assdio Moral como Dano Moral, j com vasta jurisprudncia nos tribunais de justia dos estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina, por considerar que a agresso dignidade pessoal lesiona a honra e indenizvel. Valores como o trabalho e a inteligncia no podem sofrer danos... Talvez seja este o caminho para tipificar o Assdio Moral como ato delituoso.34 Adignidadedaspessoasumaespciedecondensaodosdireitosda personalidade,edevemserrespeitadasemtodosostiposdesituaeserelaes jurdicas. Na relao de trabalho a hierarquia uma das situaes que mais atinge o direito dignidadeasseguradopelaconstituiopoisquandoantidadistribuiodesigualde poder torna-se tambm abuso de poder. SegundoPachs35Avignciadetaisdireitos,nombitodotrabalho,supea manifestao mais importante de uma nova relao de trabalho, que a qualidade de vida e a satisfao da pessoa do trabalhador. importante sempre se perguntar: que conseqncias eu tenho se agir desta forma? Onde quero chegar ao defender o que defendo? Por que tenho estes valores e no outros? precisoquesetenhaconscinciadasatitudesquetomamospoispodemosnosflagrar agindo de forma perversa, seja nos calando diante de uma situao de perversidade, seja sendo o prprio causador. A escolha do termo moral implicou uma tomada de posio. Trata-se efetivamente debemedemal,doquesefazedoquenosefaz,edoqueconsiderado aceitvel ou no em nossa sociedade. No possvel estudar esse fenmeno sem selevaremcontaaperspectivaticaoumoral,portanto,oquesobraparaas vtimasdoassdiomoralosentimentodeteremsidomaltratadas,desprezadas, humilhadas,rejeitadas...Comrelaoaosagressores,diantedagravidadedessa violncia,spodemoscolocaraquestodesuaintencionalidade.Tinham realmente inteno de prejudicar?36

importante que este caso no caia no esquecimento como todos os demais. Esto sendo dados os primeiros passos para que a lgica institucional se modifique. Segundo Hirigoyen, principalmente no setor pblico

34 RISKALLA, Jorge Silva Assdio Moral: O "Iter Criminis". Disponvel em: www.castroalves.br. Acesso em 03.03.2003 35PACHS,FernandodeVicenteElDerechoDelTrabajadorAlRespetoDeSuIntimidad.Madrid:ConsejoEconmicoySocial,1998, p.39. 36 HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.16 Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 24importantequeapessoadenuncieobsessivamenteasmalversaesdas administraespblicas,masterqueserbastanteforteparanosedeixarlevar pelas dificuldades no caminho. De reclamaes a memorandos, de memorandos a recursos, torna-se impossvel retroceder depois de um certo tempo; preciso ir at o final sem recuar37. Temos que ter um projeto tico de universidade. Os interesses em curto prazo esto comprometendooprojetodauniversidadeemlongoprazo.queesquecemosquepara almdaslutasdepoderentreosgruposexisteumatarefaqueestauniversidadese comprometeu a realizar para o benefcio da sociedade como um todo. Existe uma perverso do trabalho, no sentido de que se perdeu de vista a finalidade do trabalho, para reter exclusivamente a luta pelo poder. Qual poder? Um poder subjetivo, umpoderimediato,umavitriaaparente,sejamquaisforemasconseqnciasemlongo prazo.38 Seointeriordauniversidadeestdoente,elaperdeemeficcia,emcapacidade inovadoraesucumbereproduodasprticasestagnantes.Quantosprojetosa universidadeiniciouenolevouatermoporcausadalutadepoderentregruposrivais? Quantoinvestimentohumano,desonhos,ideaisetrabalhoestodeixandodeatingirsua finalidade?Aquelesqueestonauniversidadejhalgumtempopoderocontabilizaro prejuzo que j testemunharam. O abusodepoder uma amargalio para se aprender em umauniversidadeque deveria ser um ambiente acolhedor de todas as racionalidades. Qual o nus quando no h um ambiente para a pluralidade e a diversidade? REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BERNARDO, Ktia C. & BEZERRIL, Sylvia T. O Assdio Moral e suas Conseqncias na Auto-Estima e Motivao. Disponvel em: www.castroalves.br. Acesso em 03.03.2003. BOMFIM,JuarezDuarte.AssdioMoral:OPoderNasOrganizaes.Disponvelem: www.castroalves.br. Acesso em 23.02.2003

37 idem, p130. 38 idem, p.62. Um Caso de Assdio Moral no Espao Pblico Simone A. Lisniowski2004 25HIRIGOYEN, Marie-France Assdio Moral: a violncia perversa no cotidiano, 3 edio, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. HIRIGOYEN, Marie-France Mal-Estar no Trabalho: redefinindo assdio moral, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. MOURA, Mauro Azevedo. Assdio Moral. Disponvel em http://www.ismabrasil.com.br. Acesso em: 03.02.2003. PACHS,FernandodeVicenteElDerechoDelTrabajadorAlRespetoDeSuIntimidad. Madrid: Consejo Econmico y Social, 1998. RISKALLA, Jorge Silva Assdio Moral: O "Iter Criminis". Disponvel em: www.castroalves.br. Acesso em 03.03.2003