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ISSN 2177-8892 2355 UM ESTUDO DO RATIO STUDIORUM E A SUA INFLUENCIA NO PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA INTRODUÇÃO Nos séculos XIV e XV, começava-se a perceber um movimento contrário a supremacia da igreja, reivindicando alguns dogmas. Mesmo que estes movimentos fossem duramente punidos, eles retomam a força com Martinho Lutero, um sacerdote da igreja que resolve, por insatisfação das atitudes tomadas pela mesma, colocar em questão alguns destes dogmas já questionados, anteriormente, e comportamentos mantidos pelo clero, diante a sociedade. Este movimento de opor-se a Igreja Católica foi conhecido como Reforma Protestante e ganhou força no mundo. A igreja, com isso, ficou enfraquecida. Com a Reforma Protestante surge, então, o Protestantismo, ocasionando uma cisão religiosa intensa, e um movimento contrário a ele, provocando mudança na história do mundo, que segundo Matos (2011), são considerados pelos historiadores por dois aspectos: Contra-reforma e Reforma Católica: Ao analisarem as ações da Igreja Católica Romana após o surgimento do protestantismo, os historiadores falam em dois aspectos: Contra- Reforma e Reforma Católica. O primeiro foi o esforço da Igreja Romana para reorganizar-se e lutar contra o protestantismo. Essa reação ocorreu tanto no plano dogmático quanto político-militar. Já a Reforma Católica revelou a preocupação de corrigir certos problemas internos do catolicismo em resposta às críticas dos protestantes e de outros grupos. (Matos, 2011) A igreja católica lança mão de algumas estratégias interessantes a fim de que pudessem resgatar o máximo de fiéis possíveis aos seus domínios eclesiásticos. A maior delas foi a Sociedade de Jesus, depois conhecida como Companhia de Jesus, liderada por Inácio de Loyola e é dela que surgem os ideais pedagógicos debatidos neste artigo. A educação brasileira teve inicio no Brasil colônia através do método pedagógico dos jesuítas intitulado como Ratio studiorum ou simplesmente o Plano de estudos da Companhia de Jesus, esta foi sintetizada em um livro denominado “O método pedagógico dos jesuítas: introdução e tradução” escrito por Leonel Franca, S.J.,

UM ESTUDO DO RATIO STUDIORUM E A SUA INFLUENCIA … · importância social desde os primórdios da sociedade com as atividades físicas realizadas no cotidiano, perpassando depois

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ISSN 2177-8892 2355

UM ESTUDO DO RATIO STUDIORUM E A SUA INFLUENCIA NO

PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

INTRODUÇÃO

Nos séculos XIV e XV, começava-se a perceber um movimento contrário a

supremacia da igreja, reivindicando alguns dogmas. Mesmo que estes movimentos

fossem duramente punidos, eles retomam a força com Martinho Lutero, um sacerdote da

igreja que resolve, por insatisfação das atitudes tomadas pela mesma, colocar em

questão alguns destes dogmas já questionados, anteriormente, e comportamentos

mantidos pelo clero, diante a sociedade. Este movimento de opor-se a Igreja Católica foi

conhecido como Reforma Protestante e ganhou força no mundo. A igreja, com isso,

ficou enfraquecida.

Com a Reforma Protestante surge, então, o Protestantismo, ocasionando uma

cisão religiosa intensa, e um movimento contrário a ele, provocando mudança na

história do mundo, que segundo Matos (2011), são considerados pelos historiadores por

dois aspectos: Contra-reforma e Reforma Católica:

Ao analisarem as ações da Igreja Católica Romana após o surgimento

do protestantismo, os historiadores falam em dois aspectos: Contra-

Reforma e Reforma Católica. O primeiro foi o esforço da Igreja

Romana para reorganizar-se e lutar contra o protestantismo. Essa

reação ocorreu tanto no plano dogmático quanto político-militar. Já a

Reforma Católica revelou a preocupação de corrigir certos problemas

internos do catolicismo em resposta às críticas dos protestantes e de

outros grupos. (Matos, 2011)

A igreja católica lança mão de algumas estratégias interessantes a fim de que

pudessem resgatar o máximo de fiéis possíveis aos seus domínios eclesiásticos. A maior

delas foi a Sociedade de Jesus, depois conhecida como Companhia de Jesus, liderada

por Inácio de Loyola e é dela que surgem os ideais pedagógicos debatidos neste artigo.

A educação brasileira teve inicio no Brasil colônia através do método

pedagógico dos jesuítas intitulado como Ratio studiorum ou simplesmente o Plano de

estudos da Companhia de Jesus, esta foi sintetizada em um livro denominado “O

método pedagógico dos jesuítas: introdução e tradução” escrito por Leonel Franca, S.J.,

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em 1952. É interessante notar que este método trouxe à tona a educação tradicional

utilizada no período da Idade Média, demarcada de atitudes que aos olhos da atualidade

são incompreensíveis, mas, que se pensarmos no processo de construção da educação de

hoje, foi de importância para as análises críticas e mudanças convenientes à época, tudo

isso é ratificado pela importância dada ao criador e a organização de muitos colégios do

qual foi fundado e dirigido pelo método, por cerca de dois séculos, como foi respaldado

pelo Franca (1952).

Todavia, o mundo vivia em um momento conflituoso de disputas políticas, o

Brasil, que se encontrara no seu período colonial, também estava mergulhado por

disputas internas que causavam ao país cada vez mais o esquecimento da cultura que já

existia antes mesmo de ser uma colônia, muito desse “esquecimento” era proposital,

para que se formasse o homem do qual o europeu estava culturalmente associado, e

neste caso, a educação, de uma forma geral, era a porta para este progresso.

A Educação Física (EF), por sua vez, também já contava com um contexto

histórico, do qual, começava a firmar seus passos como algo constituído e de

importância social desde os primórdios da sociedade com as atividades físicas

realizadas no cotidiano, perpassando depois pela sociedade Grega, Ateniense e Romana,

onde em cada uma delas, se caracterizou a educação física de forma peculiar. No

entanto, a Idade média, foi um período que demarcou de forma, um tanto quanto,

negativa, uma vez que, a educação física passa de formadora de cidadãos e hábitos

saudáveis, para uma mera prática conduzida para cavaleiros.

Portanto, a relação entre a educação do Ratio Studiorum com o processo

histórico da educação física é de grande importância, porque, remete a questões de

formação e negação, uma vez que a educação física, também explora a cultura popular,

através da atividade física, dança, jogos populares, rituais, e na educação cristã, isso não

é levado em consideração, o corpo é deixado em segundo plano, e as atividades

culturais não são levadas em consideração.

No Brasil há uma espécie de etnocídio da população indígena e mais tarde dos

negros que são obrigados a se adaptar aos costumes dos europeus. O mesmo ocorre

dentro da educação, pois não há uma adequação, flexão da mesma, mas, sim, uma

imposição de método, hábitos, conceitos a serem seguidos pela sociedade, não só

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brasileira. Na educação física que vem se fortalecendo junto a sociedade pelas suas

expressões populares, praticas corporais e educação comportamental, a educação

idealizada pelo cristianismo, trás sérios problemas para a evolução da mesma, em

consequência disso, diz-se que este período é considerado “idade das trevas”,

principalmente, pelo seu declínio cultural. (AGUIAR & FROTA, 2002)

Por estas questões históricas e levando em consideração que o mundo vivia um

contexto de profunda reforma de pensamento: do medieval para o iluminista, tem-se a

redefinição de questões como o de entendimento do que seria o homem, sociedade e

educação, uma vez que o período iluminista era contrário ao clero e a nobreza, que se

faziam soberanos no período medieval, com seus ideais religiosos. Estes, que ratificam

o impasse no processo histórico da educação física pautada na sociedade.

Com isso, chega-se a uma resposta a pergunta que move esta pesquisa

caracterizada como bibliográfica, tendo o objetivo de desvendar a inserção da educação

física no período do Ratio Studiorum, advinda de inquietação do porque não identificar

a mesma dentro do método pedagógico jesuítico, sabendo que neste período a EF já

havia dados os seus primeiros passos na sociedade.

1. O processo histórico do Ratio Studiorum

Segundo (HANSEN, 2001 apud LIMA, 2008) “Ratio” significa “razão”,

“ordem”, “organização”. Mais do que conteúdos específicos o Ratio demonstra os

processos de ensino e aprendizagem, portanto não é um tratado teórico de pedagogia,

mas um “código prático de leis pedagógicas”.

Diante do contexto histórico vivido (Reforma, Contra-Reforma e Reforma

Católica), surge a consolidação da Companhia de Jesus e a sua intermediação no campo

da educação através de um plano educacional que se estruturará, diante dos fatos, para a

reestruturação da imagem da igreja sobre a sociedade, que será desenvolvida através de

um plano pedagógico de ensino jesuítico, que terá o objetivo de se ter “Uma escola a

serviço do Senhor”. (CAMBI, 1999)

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A construção deste plano foi idealizada por Inácio de Loyola e constituída a

partir de um histórico de aplicações em escolas clássicas da Companhia de Jesus

(Colégio de Messina; Colégio de Palermo; Colégio Romano) assim como, uma

sequencia de aprimoramentos da organização do Ratio Studiorum, para que se chegasse

ao que estudamos hoje. Com base no texto de Leonel Franca (1952), caracteriza-se estes

momentos de construção em 6 pontos a seguir:

1- Colégio de Messina: Foi o primeiro suspiro do método, sendo o primeiro

colégio clássico da Companhia de Jesus, organizado com base no modelo do colégio de

Paris, modus parisiense, tinham-se aulas de hebreu, retórica, grego, lógica e gramática.

Através de relatórios enviados, foi constatado o êxito do colégio que passava a ter

demandas cada vez maiores, pelo número dos alunos que nele se interessava.

2- Colégio de Palermo: Diante ao sucesso do Colégio Messina , em 1549,

clamava-se por um colégio como aquele e em Novembro foi efetivado o desejo, o

colégio de Palermo, as diferenças entre eles, era basicamente a metodologia, mas desde

o seu princípio, o êxito era como o de seu irmão de Messina.

3- Colégio Romano: Perante o crescente sucesso da implementação dos dois

colégios, foi instituído o maior de todos, Colégio Romano, que também teve o sucesso

esperado dos dois anteriores, a frente dele 14 jesuítas, para professores, era necessário

apenas que demonstrassem competência e eficiência, o modo parisiense ainda era o que

vingara, e a partir desta experiência no colégio Siciliano, foi se constituindo o Ratio

Studiorum, um dos primeiros esboços do mesmo.

Com a expansão das experiências positivas dos colégios, cria-se a necessidade

de uniformizar o método, afim de que a prática seja realizada exatamente como

planejado pelos idealizadores, sendo em Roma, a centralização dos estudos em ordem.

Apesar de se pensar que a expansão era dos próximos colégios era precipitada, as

demandas políticas e até mesmo o entusiasmo pela aceitação do método foi maior,

chegou a ser considerada, por Bacon(apud FRANCA, 1952) uma referencia em

pedagogia: No que concerne à Pedagogia basta uma palavra: consulta as escolas dos

jesuítas; não encontrarás melhor”. A uniformidade, passa, então, de necessidade para

realidade.

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“É o próprio Inácio nas próprias constituições que determina se

elabore um Estatuto em que se trace, por miúdo, quanto se refere à

ordem e ao método dos estudos nos colégios e faculdades. Um Ratio

Studiorum na intenção do Fundador, deverá ser o complemento

natural e indispensável das Constituições” ( FRANCA, 1952, p. 17)

Para tanto, começam a analisar que se precisa um plano de ensino e estudo,

uniforme e sistemático para que se fortaleça o trabalho iniciado pela Companhia de

Jesus, o que consequentemente beneficiaria o Clero, que começa a perder espaço. Para

tanto prosseguimos até:

4- Ratio de 1586: Conta com materiais pedagógicos anterior ao período dela e

adiciona uma coletânea de diretivas e ordenações, descritas pelos professores do

Colégio Romano, contribuindo para a construção de um código geral do ensino. Mas

esta edição não tinha caráter de execução obrigatória, apenas de análise crítica e

examinação pelas autoridades mais competentes dos melhores colégios da Companhia,

para que se chegassem ao denominador comum, as críticas chegaram e apontaram a

imprecisão e prolixidade do documento e a exaustão do debatido tema pedagógico nela

exercido, como os deveres dos professores jesuítas.

5- Ratio de 1591: nesta edição foi possível visualizar mudanças bruscas quanto a

estrutura, uma vez que fora retirada a discussão pedagógica, da mesma, e justificou-se

em um conjunto de regras aos administradores, professores e estudantes, o que se

aproximava a um manual de instruções, desta forma pôs-se, este sistema em fase de

análise.

6- Ratio de 1599 e Edição de 1832: Após uma série de revisões feitas na ultima

versão, fora oficialmente ratificada e promulgada como uma lei. A edição de 1832

tratou-se de uma adaptação daquilo que já existia pelo tempo, já que o próprio Ratio

deliberava isto.

A expansão do método demonstra o incontestável êxito atingido pelo Ratio, que

segundo Franca (1952), não é um tratado de pedagogia e sim “uma coleção de regras

positivas e uma série de prescrições práticas e minuciosas.” (FRANCA, 1952, p.43),

assim, conseguiu direcionar de forma clara e concisa, a formação daquilo que se

buscava por homem, sociedade e educação, aproximadamente dois séculos.

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2. A Educação Física e os impasses da sua trajetória histórica na idade média

A Educação física (EF) conta com uma ampla teorização com os fundamentos da

mesma, e uma grande discussão de definição do que seria. Podemos dizer que existem

varias vertentes para se entender educação Física, que pode ser: uma educação por

intermédio de atividades corporais; sendo esporte de rendimento; sendo movimento;

sobre o movimento; pelo movimento. (COLETIVO DE AUTORES, 2012).

Hoje, para (Coletivo de Autores, 2012, p. 50), A Educação Física “é uma prática

pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais,

como jogo, esporte, dança e ginástica”.

Sendo a atividade física um componente da Educação Física, é caracterizado,

desta forma, o processo histórico, da mesma, iniciado desde os primórdios da sociedade

com os aspectos da vida cotidiana. Desta forma, o inicio da educação física no Brasil,

ocorre no período colonial com os índios que possuíam as relações estipulas por

atividade física. A atividade física, portanto, é considerada:

Como qualquer movimento corporal, produzido pela musculatura

esquelética, que resulta em gasto energético (7), tendo componentes e

determinantes de ordem biopsicossocial, cultural e comportamental,

podendo ser exemplificada por jogos, lutas, danças, esportes,

exercícios físicos, atividades laborais e deslocamentos. (PITANGA,

2002, p.03)

A partir das relações de atividade física, a EF processa ascendência de uma

importância social no mundo, passando pela antiguidade grega que educavam seus

jovens a exercícios rigorosos longe dos seus clãs, com o objetivo de prepara-los para as

atividades guerreiras que “pretendiam, sobretudo, disciplinar a alma, expulsar o

demônio e promover a aquisição do caráter masculino próprio do guerreiro primitivo”

(LUZURIAGA, 1990 apud AGUIAR &FROTA, 2002, p. 02). O exercício Físico teve

grande importância na constituição de sociedade grega. (AGUIAR & FROTA, 2002).

Desta forma, “De um modo geral, pode-se conceituar a Educação Física grega

como um conjunto de atividades com a finalidade de desenvolver a perfeição física e os

valores morais, buscando a formação do indivíduo forte, saudável, belo e virtuoso.”

(AGUIAR &FROTA, 2002, p. 03). Este tipo de caracterização da educação física é

voltado para o militarismo, formação de guerreiros, muito pautado no que

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posteriormente conheceríamos como a Educação física militarista. Esta Educação física

militarista foi a segunda fase da educação física (1930 – 1945) não pode ser confundida

com a educação militarista, no entanto, ela partia de objetivos afins, tentando obter uma

juventude capaz de suportar o combate, a luta, suficientemente rígida para “elevar a

Nação” à condição de servidora e defensora. (GHIRALDELLI, 1991)

Para Atenas, a Educação Física caminhou no sentido cívico. O físico não era o

único a ser levado em consideração, a formação do caráter ateniense era um dos

objetivos da educação física nesta sociedade. (AGUIAR & FROTA, 2002)

[...] compreender tanto o cultivo do corpo, a beleza física, com o

sentido moral e social. Ambos os aspectos predominam aqui sobre o

intelecto e o técnico. Os jogos e esportes, o canto e a poesia, são

instrumentos essenciais dessa educação, de tipo ainda minoritário,

embora com espírito cívico e, em certo sentido, democrático, por ser

patrimônio de todos os homens livres. (LUZURIAGA, 1990 apud

AGUIAR &FROTA, 2002, p. 04).

Em Roma a Educação Física era vista de uma forma diferente, seus aspectos

estavam voltados para a saúde corporal e higiene. Mais tarde este tipo de educação

física seria vislumbrado por outras sociedades, e era chamado de Higienista e foi a

primeira fase da educação física (até 1930) defende “Mente sã em corpo são.”

Enfatizando a questão da saúde, para a formação de homens e mulheres sadios, fortes e

dispostos ao trabalho, uma vez que esse tipo de homem é interessante ao mercado

capitalista vigente. (GHIRALDELLI, 1991)

No entanto, com o surgimento do cristianismo, o ideal de formação de homem e

sociedade foi modificado, portanto, a educação física passa a ser esquecida como uma

prática rica e importante para o mundo, tendo então o ideal das práticas esportivas como

o seu principal foco, mas, é necessário que se ressalte, que o conceito de esporte ainda

não era concreto neste período.

Durante a Idade Média, por sua vez, a construção de educação física

praticamente muda de foco, porque, a igreja nega o militarismo e o corpo, que nas

primeiras fases da educação física, eram os principais objetos de intervenção. Esta

reação da igreja se dá a fim de expandirem os seus ideais de perfeição do qual

necessitava que a sociedade seguisse e viam nas práticas realizadas anteriormente, algo

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que as impediam, portanto haveria de ter mudança, o foco agora era a mente e o

comportamento, todos subjugados pelos ideais cristãs postos pela igreja.

O corpo agora é objeto da ciência e a filosofia cartesiana contribuiu,

em grande medida, para essa nova abordagem culminando com o

dualismo psicofísico proposto por Descartes, em que o homem

constitui-se de duas substâncias distintas: a pensante (privilegiada), de

natureza intelectual – o pensamento, e a extensa de natureza material –

o corpo (ARANHA, 1993 apud AGUIAR &FROTA 2002, p. 06).

A educação física passa pelas “idades das trevas”, como é chamada a idade

média, longe daquilo que a conheciam, os novos rumos por ela tomados foram a

educação cavalheirescas, que perdurou durante toda a idade média e que Aguiar &Frota

(2002, p. 06) “preconizava a formação do homem valoroso e cortês, honrado e fiel”,

assim como, “Cultivava-se em grande medida as destrezas físicas e corporais, como o

manejo do arco e da lança, corrida, equitação, esgrima, natação e caça.” (AGUIAR

&FROTA 2002, p. 06).

No entanto, essas práticas não eram universais à sociedade, apenas

cavalheirescas, por isso, pode-se dizer que a educação física perpassa esse período,

escondida da sociedade, diferente do que era anteriormente, retardando um pouco a sua

expansão e confirmação como uma disciplina educacional, em vista que não fazia parte

da educação formal, porque não tinha a sua importância validade na Idade média.

A Idade Média é denominada de “idade das trevas” principalmente

pelo declínio cultural que se abateu sobre o mundo ocidental. No

campo educacional subsistiu apenas as escolas e mosteiros da

educação cristã primitiva, até o surgimento da Renascença. (AGUIAR

& FROTA 2002, p. 06)

Portanto, a construção do processo histórico da educação física retorna a todo

vapor no período da renascença onde a Educação Física irá iniciar o a sua consolidação

na sociedade e no âmbito educacional, desta forma ela ficará fora do Ratio Studiorum,

porque a igreja não consegue fazer a relação entre as importâncias destas práticas à

formação do homem que não julgava mais importante os desenvolvimentos dessas

atividades que eram características da educação física importantes para a formação do

homem que eles buscavam. Neste caso, há uma mudança de ideal pedagógico de

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homem, sociedade e mundo, do qual a educação física não fazia parte por ser pré-

concebida como educação para o corpo.

3. O ideal pedagógico de sociedade, homem e educação na idade média com o

Ratio Studiorum.

O ideal de sociedade, homem e educação pensado no período do Ratio, é

importante, para que se visualize como era atingido um determinado objetivo a partir

desta pedagogia, levando em consideração o contexto histórico e social, do qual, vivia-

se. Segundo LIMA (2008, p.60) é que “[...] para a Companhia de Jesus, quando

tratamos de virtudes existem três grandes pilares: espiritualidade, disciplina e trabalho

que também, na concepção da Ordem, significa ação.”. Desta forma o pensamento

pedagógico abordado pelo Ratio Studiorum, transpassa por questões da realidade,

principalmente pela cultura social que tinha a religião como um guia de

comportamentos. Tudo isso irá destinar-se as relações de homem, sociedade e educação

do qual se discutia neste período, seu objetivo maior era que se alcança-se estas três

vertentes para que obtivessem uma educação capaz de formar o homem perfeito

esperado pela igreja e a serviço dela e de Deus, a partir de uma sociedade concreta de

valores firmes, estruturados e vigentes.

Os comportamentos, neste período, eram muito previsíveis, até porque, havia um

limiar de comportamento que deveria ser seguido, Segundo Cambi (1999, p. 121):

[...] um novo “tipo” de homem (igualitário, solidário, caracterizado

pela virtude da humanidade, do amor universal, da dedicação pessoal,

como ainda pela castidade e pela pobreza), que do âmbito religioso

vem modelar toda visão da sociedade e também dos comportamentos

coletivos, reinventando a família [...], o mundo [ ...], e o da política

[...]

Para esta concepção do que deveria ser a sociedade, na realidade, é a visão de

mundo que advém das lentes da igreja, uma concepção pautada na sociedade perfeita

que tem, sobretudo, a Deus. É destes conceitos, que então, para CAMBI (1991), nasce

uma nova sociedade pautada nos princípios evangélicos que tem na igreja o seu ideal

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para guiar as suas vidas, já que buscam o tempo inteiro pela sua a perfeição das relações

entre estipulado e a ação.

Portanto, a sociedade que encontramos neste período, é aquele que se pauta nos

princípios de Deus e que busca esses princípios, na igreja, como um limiar de condutas

a serem seguidas para alcançar-se a glória eterna, ou seja, era uma sociedade que se

sustentava por intermédio da religião, a igreja era a instituição humana mais alta que se

tinha na época em todos os sentidos, projetando-se uma sociedade orgânica e

colaborativa, como afirma CAMBI (1991).

O homem, todavia era um espelho do que se tinha na sociedade, ele era temente

a Deus e que cumpria com os mandamentos exigidos pela igreja, a fim da sua salvação

eterna, ratificando a ideia de que a Companhia de Jesus formava o homem ajustado a

vida da sociedade do século XVI (LIMA, 2008). Portanto, a relação do que se pensava

por homem, neste período, era relacionada pela intermediação na sociedade pela

religião. Assim “O ensino segundo o Ratio busca desenvolver a capacidade de assimilar

e aplicar conhecimentos intervindo na sociedade em que está inserido. Nessa sociedade

tal intervenção não podia estar desligada das práticas das virtudes cristãs.” (LIMA,

2008, p. 61)

A pedagogia jesuítica pensava na formação do homem, pautado nos princípios e

valores religiosos com o intuito, não unicamente, de formação profissional, mas,

sobremaneira, de servidão a Deus. Além disso, percebe-se que é uma formação

hierárquica, até mesmo na maneira como estão dispostas as regras do mesmo do Ratio

Studiorum, tendo como o princípio “a centralização, a uniformidade e a invariância.”

(LIMA, 2008, p. 63)

Para que se alcance este homem, do qual a pedagogia jesuítica deseja formar a

educação precisará estar pautada nos princípios que foram pensados por eles, para tanto,

o método jesuítico é aquele que estará remetendo a este objetivo, defendido por LIMA

(2008, p.62) que: “A educação jesuítica segue dois princípios básicos: educação

humanista e educação ativa.”. Para FRANCA (1952 apud LIMA, 2008):

Na concepção do Ratio, o curso secundário deve ser essencialmente

humanista, pendente mais para a arte do que para a ciência. Sua

finalidade não é transformar os adolescentes em pequeninas

enciclopédias que depois de alguns anos já precisam ser reeditadas.

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Todo o esforço do educador deve concentrar-se, nesta fase da vida, em

desenvolver as capacidades naturais do jovem, em ensinar-lhe a servir

se da imaginação, da inteligência e da razão para todos os misteres da

vida. Os conhecimentos positivos de geografia ou de física poderão

estar antiquados no cabo de poucos lustros; o raciocínio seguro, o

critério na apreciação dos homens, a capacidade de expressão exata,

bela e enérgica de uma alma harmoniosamente desenvolvida

representam aquisições humanas de valor perene.

É importante notar que a educação é voltada aos olhares e vigília da Igreja e de

Deus e para se caracterizar ainda mais o tipo de educação autoritária e hierárquica que

se tinha através do Ratio, Lima (2008, p. 63-64) afirma:

De acordo com a Igreja,a autoridade vem de Deus, a hierarquia é

entendida como uma verdade revelada e a obediência ao superior é

legitima, é obedecer a Igreja Católica. Para que esta obediência seja

alcançada o sacerdote deve representar entre seus alunos a pessoa de

Cristo.

Se pensarmos sistematicamente, como este ideal está organizado, perceberemos

que ele é um só. Não se pode estudar a educação jesuítica sem entender a sociedade e o

homem, e vice-versa. Tudo porque eles se completam, a ideia de nenhum deles não

pode estar desvinculada, das demais. No entanto, uma ideia está acima deles, a religião.

Sem esta, portanto nenhuma destas três vertentes teria sentido. Portanto, estudar o Ratio

Studiorum é entender as relações sociais nele inseridas e como estava sendo formado o

ideal de homem, no período vigente do Ratio Studiorum.

METODOLOGIA

A presente pesquisa é classificada como bibliográfica, pois, segundo Gil (2008),

é produzida através de material já elaborado anteriormente, sendo este, constituído,

principalmente, de livros e artigos.

O desenvolvimento da mesma iniciou-se a partir de uma reunião teórica de

estudos que debatiam o início do processo histórico da educação no Brasil, dentro da

disciplina Educação Brasileira, que faz parte do curso de Mestrado em Educação da

Universidade Federal do Pará. Este conhecimento serviu de base para a construção de

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um seminário de embasamento teórico para se compreender o pensamento pedagógico

brasileiro que entoa a trajetória da educação no Brasil.

Após, o termino da disciplina os estudos em torno da educação no período

colonial tomou um caminho mais focado a responder a indagação de como estaria

inserida a educação física neste contexto, uma vez que, conhecia ao histórico da mesma

e sabia que já estava em um processo de construção, mas que nos debates da educação

brasileira ela não estava inserida.

Desta forma, dividi o artigo em três tópicos: um que define o processo histórico

de construção do Ratio Studiorum para que se entenda a educação no período do qual

estudaríamos; o segundo trata da trajetória da educação física e os impasses, que no

período histórico em questão, impactou no trajeto de solidificação da EF como uma

disciplina educacional e de importância para a formação do homem; o terceiro tópico

analisa como é o ideal de homem, sociedade e educação inserido no Ratio Studiorum, o

que ratifica a exclusão da educação física e a ascensão dos novos ideais cristãos. Para

isso foram fundamentais autores que classificaram definições e expuseram o processo

histórico aqui pautado como, principalmente: Franca (1952), que teoriza o Ratio

studiorum; Cambi (1999) e Lima (2008), que nos contextualiza nos ideais pedagógicos

vigentes no Ratio; Aguiar & Frota (2002); Coletivo de Autores (2012); para

entendermos as definições e processo histórico da educação física.

Foi a partir desta organização lógica e destes principais autores, assim como

outros, que transpassaram por esta pesquisa, é que se pautaram as definições sobre o

tema proposto, chegando a resposta da indagação realizada sobre a inserção da

educação física no período do Ratio Studiorum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ratio Studiorum foi constituído dentro de um processo histórico que

necessitava ascender os ideais cristãos mais precisamente a igreja católica, que sofria

pelas mudanças ocorridas por conta da Reforma Protestante. Mas com o que se via no

contexto, era necessário que houvesse uma reconstituição no pensamento da população,

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para que se chegasse a alcançar este objetivo. É neste momento que a educação começa

a aparecer, nesta relação que será decisiva para a sua constituição. O processo histórico

da EF, já havia sido iniciado, mas, que entraria num estado de estagnação no período da

idade média, exatamente, no período que irá vigorar o Ratio Studiorum.

Mas esta relação não é tão simples de se identificar, uma vez que, nem antes,

muito menos neste período, ainda não se tinha a educação física constituída como uma

disciplina educacional com objetivos claros à formação do ser humano. O que se tinha,

era um conjunto de práticas que projetavam a futura educação física que posteriormente,

fora conhecida pelo mundo, de forma organizada e precisa dos seus objetivos, é verdade

que estes variarão a época da qual estaremos nos posicionando.

O ideal de homem Pré-Ratio Studiorum, todavia, modificará, e então, aquela

formação de homem viril defendida por Aguiar & Frota (2002), do qual cultuava o

corpo, cuidava da higiene, preparava-se para as batalhas e valorizava a cultura popular,

será alterado para o homem perfeito, intelectual, que busca construir uma família e é um

servo de Deus, defendido por Lima (2008).

A sociedade e a educação tomariam, também, novos rumos, concomitantemente.

Se o ideal de homem modificará, a sociedade, consequentemente será diferente, e acima

de tudo para que essas mudanças aconteçam é necessário que a formação, ou seja a

educação seja vista de outra maneira. É desta forma que a educação influenciada pelo

cristianismo, o Ratio Studiorum, irá fortalecer a mudança. A sociedade passa a ter

novos conceitos cívicos e objetivos de vida, como a busca incansável pela família

perfeita e a obrigação cristã. Mas esta concepção inicia dentro das escolas, neste caso as

escolas jesuíticas que reafirmarão a importância de um intelecto bem estruturado, que

será usado para Deus.

Apesar de toda a importância dada ao protótipo de educação física anteriormente

a construção do Ratio Studiorum, ela não fará parte do método, porque este método

mudará as concepções de homem, sociedade e educação, e por conta das questões

relativas ao que era conduzido como educação física (lembrando que ainda não era

constituída como disciplina educacional) não seria vista com grande importância para a

formação do homem buscado pelo método jesuítico, e portanto, seria remetida ao ideal

de formação esportiva, a educação cavalheiresca, que pretendia formar um homem

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cortez com destrezas físicas, como denominado por Aguiar & Frota (2002). Esta

educação muito remete ao que seria a Educação Física pós 1964, que não objetivava a

formação do ser, mas sim, neste caso, da superação do individual, sendo este um valor

da sociedade moderna, obtendo o culto ao atleta-herói e buscando a valorização da

competição e do individualismo. (GHIRALDELLI, 1991)

O êxito alcançado pelo Ratio Studiorum é incontestável, por ter sido, um método

de ensino bem estruturado e renovador para a época. A educação sempre foi vista um ar

de superação da realidade, e o Ratio, foi a busca pela melhoria da sociedade e da

ascensão da, o entendimento de que pela educação jesuítica existiria a elevação do

homem à Deus. Contudo, é necessário que se analise os lados negativos do qual ela

trouxe, e a influencia que ela provocou no processo histórico da educação física foi um

retardo e uma perda lastimável não só a educação e especificamente a educação física,

mas, de uma forma geral, as relações culturais que já haviam sido estipuladas antes do

seu processo de construção. O que pode ser considerado um etnocídio dos povos

indígenas no Brasil, que no período colonial tiveram que se adequar aos costumes

europeus e métodos de ensino exportado deles, sem que a sua cultura popular fosse

levada em consideração.

A educação física também discute a cultura e se no Ratio Studiorum, ela fosse

estabelecida com bons olhos, poderia ter tido uma relação diferente, e o processo

histórico da mesma haveria de ter caminhado de forma significativa, como, uma

disciplina educacional, pautada na cultura popular, nas práticas corporais e no ensino da

formação do cidadão conveniente e idealizado para o período em que se vigorou o

método pedagógico dos jesuítas, o Ratio Studiorum.

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