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Eixo temático 1- Educação e diversidade cultural
UM OLHAR DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NO CONTEXTO
ESCOLAR
Simonise José da Silva
Verônica Danieli de Lima Araújo
FAINTVISA
Resumo: O presente artigo objetiva refletir sobre as representações que constroem as relações de gênero, bem
como conscientizar os profissionais da educação sobre a necessidade do tema (gênero) nos conteúdos e
práticas pedagógicas. Para tanto, investiguei a trajetória da educação, concomitantemente as relações de
gênero, de homens e mulheres, meninas e meninos ao longo da história na educação brasileira.
Compreendemos que o debate sobre gênero na educação está intrinsecamente atrelado a discussões sobre
ensino-aprendizagem no processo de formação dos sujeitos. E a nossa vivência hoje é de um mundo cada vez
mais excludente, onde pouco espaço há para formarmos seres humanos (na mais profunda essência da
palavra), e que mesmo não havendo um padrão adequado de prática pedagógica para solucionar todos os
problemas na educação, o papel do professor como formador de opinião e a necessidade de humanizar
espaços intelectuais, tem cada vez mais despertado o interesse dos profissionais comprometidos com práticas
educacionais mais humanizadas e menos excludentes. A partir de teorias construtivistas, que propõem a
igualdade, principalmente na formação intelectual entre homens e mulheres, e que buscam nos debates de
gênero reflexões sobre a prática de ensino. Baseada em autores como LOURO (1997); AUAD (2006);
ALVES e PITANGUY (1985); entre outros, proponho uma reflexão da importância das relações de gênero na
escola.
Palavras-chave: Relações de gênero; Escola; Práticas pedagógicas; Reflexão.
Introdução
O presente artigo objetiva refletir sobre as representações que constroem as relações
de gênero, bem como conscientizar os profissionais da educação sobre a necessidade do
tema (gênero) nos conteúdos e práticas pedagógicas.
As relações de gênero são construídas, mantidas ou modificadas pela sociedade a
partir de normas, valores, símbolos, instituições, da maneira de falar e da subjetividade de
homens e de mulheres e a educação é uma das principais agências de cultura do que é
masculino e feminino, do que é considerado relativo ao homem e à mulher, onde a escola
geralmente impõe os interesses e ideais – que em geral são homens heterossexuais, brancos
e ricos – das classes dominantes (GOUVEIA; CAMURÇA, 2000; LOURO, 1997; AUAD,
2006).
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Partindo desse pressuposto, olhar o gênero no contexto da escola, tem se mostrado
essencial para reflexão e conscientização de um discurso pedagógico sem desigualdade,
opressão, discriminação e injustiça.
Segundo Weller (1997 Apud ALVES; PITANGUY, 1985, p. 8), existem poucos
estudos no Brasil que abordam as relações de gênero levando em consideração o aspecto
educacional, a maior parte das pesquisas focam a questão do trabalho, família e papéis
sexuais. Os primeiros estudos sobre a situação educacional feminina no Brasil tiveram
início em 1970, tendo o Ano Internacional da Mulher em 1975 como a grande influência
para o seguimento desses estudos.
Contudo, ao longo dos anos muitas mulheres lutaram por direitos ao acesso
igualitário entre os sexos à educação, e a escola deve ser vista como uma forte aliada na
conquista por igualdade de direitos nas relações sociais entre homens e mulheres.
1.Fazendo um percurso nas relações sociais entre os sexos na educação brasileira
Se voltarmos para o período pré-colonial na América perceberemos que a sociedade
de caçadores e coletores não havia o controle de um sexo sobre o outro na realização de
tarefas ou nas tomadas de decisões (ALVES; PITANGUY, 1985). A cultura na América
Latina antes dos colonizadores era mais igualitária, o que nos leva a acreditar que o
machismo é um produto da colonização.
Encontramos na literatura que no Brasil colonial a maior parte da população era de
analfabetos, mas isso não fazia muita diferença, porque era uma sociedade essencialmente
agro-exportadora-escravocrata, assim o ensino foi conservado à margem desta sociedade,
sem utilidade prática visível. Só uma pequena percentagem da população tinha acesso ao
ensino, apenas ao branco colonizador cabia este direito, e mesmo assim, deveriam estar
excluídos dessa minoria as mulheres (é lógico, para que elas iam estudar? Se nessa
sociedade tinham apenas o papel de reproduzir? Mal tinham a primeira menstruação e já
casavam.) e os filhos primogênitos, aos quais eram reservados os negócios paternos.
No entanto, quando nos deparamos com os estudos de Azevedo (1971, pp. 47-48),
descortinamos um mestre escola – os jesuítas – no Brasil colonial, mesmo com intenções de
ensino e de aprendizagem de catequização, sabiam do poder que a escola tem dentro da
sociedade. Segundo o autor
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Nesse país, de 1 milhão de habitantes... A Companhia de Jesus não se
limitava a doutrinar a todos com a palavra cristã, edificando-os com os
sacramentos e os exemplos de suas virtudes nem empregava somente os
meios religiosos para difundir o Evangelho e assegurar a coesão moral e a
fidelidade das tribos catequizadas: investia contra a prepotência e os
abusos dos colonos; desencadeava a ofensiva contra a dissolução dos
costumes, com que, pela acessibilidade das índias e pela escassez de
mulheres brancas, se abalava até os seus fundamentos a estabilidade
social; abria escolas de ler e escrever, chegando a edificar, com suas
próprias mãos, colégios como o da cidade de Salvador – o primeiro do
Brasil... Primeiro mestre do Brasil que, compreendendo o alcance desse
instrumento verdadeiramente eficaz de penetração que é a escola
elementar, criou escolas e ergueu colégios por toda parte, o jesuíta, com a
sua medicina e botica do colégio, - „reservatório geral de todos‟ – com
suas indústrias, as suas culturas e as suas fazendas de gado, tornou-se,
nestas paragens, um dos mais poderosos agentes de colonização.
Mas olhando a partir do século XIX, com a chegada da família real ao Brasil, o
ensino começa a ser mais incentivado. Entre as Leis (Ato Adicional de 1834) que foram
criadas no período do Império destacaremos a do ensino gratuito e público e a autorização
da abertura de classes femininas.
Nesta última lei as mulheres não eram formalmente proibidas de frequentarem as
escolas, porém a discriminação se apresentava na redução do conteúdo do currículo das
escolas femininas. Demonstrando que a “concepção de um currículo diferenciado
relacionava-se ao papel que era reservado à mulher nessa sociedade de costumes patriarcais
e aos preconceitos quanto à sua capacidade intelectual” (VILLELA, 2000, p. 109). Pois, as
meninas aprendiam a ler, escrever e fazer as quatro operações. A parte relativa à álgebra,
aritmética, geometria, eram aprendidas apenas pelos meninos. Em contrapartida, coser,
bordar e os demais trabalhos manuais próprios da educação doméstica eram partes
integrantes dos conteúdos de sala de aula para as meninas.
E ainda, a Constituição Brasileira da época só permitia o ensino das meninas por
professoras, assim o ensino público já nasce com a discriminação de professores e
professoras. Além do mais, as professoras mulheres aprendiam menos que os professores
homens, e era difícil encontrar professoras porque as que existiam, ou faziam parte da elite,
e por isso não trabalhavam, ou paravam de trabalhar quando casavam (por esse motivo
foram criadas as Escolas Normais). Desse modo o direito da mulher a educação é a
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primeira bandeira de luta dos movimentos feministas no Brasil, tendo Nízia Floresta1, como
precursora dessa luta, a qual é considerada como a primeira feminista do Brasil.
Há algo relevante para nossas reflexões no discurso de Nízia Floresta, é que mesmo
sendo uma mulher à frente de seu tempo, ela não contestava os papéis sociais das mulheres,
afirmando que as mulheres tinham que ser educadas, pois eram elas que educavam os seus
filhos (SADENBERG, 2004, p. 46).
Essas idéias indissociáveis da mulher-mãe-profissional, não trouxeram muitos
benefícios para as mulheres. Um exemplo disso foi o magistério, uma profissão, por
décadas, quase que exclusiva dos homens, quando passou a ser prioritariamente feminina2,
ocasionou a desvalorização do magistério primário, pois ele era visto como uma extensão
das funções maternas, a qual não se exige qualificação profissional.
O discurso da época, é que ao
substituir a mãe, esperava-se que a preceptora assumisse uma conduta
materna, ou seja, „assexuada‟, „respeitável‟, „pura‟. Contraditoriamente,
por ser livre, solteira e desempenhar um trabalho assalariado representava
uma constante ameaça aos valores e à estrutura familiar (VILLELA,
2000, p. 119).
Indo além da afirmação da autora citada acima, ao observarmos as cláusulas de um
contrato (ver anexo A) de professora que data do início do século XX – as quais dizem por
exemplo, que as professoras não devem andar em companhia de homens, a menos que seja
seu pai ou irmão, que também não podem de modo algum fumar, beber, sair tarde da noite,
nem tampouco se maquiar. E se acaso casar, o contrato é imediatamente anulado –
perceberemos associações da mulher que busca um trabalho digno e remunerado a
mulheres loucas e/ou prostitutas.
Mas, avançando para o período da República Nova a qual traz para a educação
brasileira a “Escola Nova”, que tinha como projeto pedagógico o ideal de ensino oficial,
obrigatório, gratuito, leigo e misto. É somente nesse período com a “experiência da co-
educação, num momento em que o número de mulheres superava o de homens, vamos ter
um currículo unificado” (Idem, Ibidem, p. 109). Todavia mesmo durante o século XX, os
1 Seu nome original é Dionízia Gonçalves Pinto, que depois adotou o nome de Nízia Floresta Brasileira
Augusta. Nízia nasceu no Rio Grande do Norte em 1810, era letrada e tentou entrar na Faculdade de Direito
do Recife, mas por ser mulher, não pode, tornando-se autodidata. (SADENBERG, 2004) 2 Segundo Villlela (2000, p.119) “a formação profissional possibilitada por essas escolas (Escolas Normais)
teria papel fundamental na luta das mulheres pelo acesso a um trabalho digno e remunerado”.
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conteúdos e práticas pedagógicas do currículo anterior ainda faziam parte do cotidiano
escolar.
Daremos um exemplo para ilustrar esta afirmação, uma aula de didática em uma
escola de ensino normal-médio da rede pública, que data do ano de 1998, onde o conteúdo
(ver anexo B) observado são regras de etiqueta, podemos perceber com isso que o
rompimento com as idéias dos conteúdos e práticas pedagógicas para as meninas ainda não
faziam parte do ensino e aprendizagem no cotidiano das salas de aulas.
Todavia, indo para um período de transformação, que ocorreu a partir da década de
70, um período expressivo que provocou uma explosão com o ressurgimento do movimento
feminista, o qual ganha forças, principalmente políticas, como um movimento de massas e
com um enorme poder de transformação social. “Ao afirmar que o sexo é político, pois
contém também ele relações de poder, o feminismo rompe com os modelos políticos
tradicionais” (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 8) e busca ressignificar as relações sociais do
homem e da mulher, para que não tenham que se adaptar aos modelos pré-estabelecidos
pela sociedade, e aquilo que são ditos “próprios para homens” ou “próprios para mulheres”
sejam atributos do ser humano como um todo.
Isto leva a pensar (ou repensar) que o “masculino” e o “feminino” são criações
culturais, são comportamentos aprendidos e apreendidos através de processos sociais,
portanto, não sendo natureza, pode ser transformado.
Vimos até agora que as mulheres têm sido, ao longo da história, oprimidas
e discriminadas pela forma como se organizam as relações de gênero.
Porém, todo um mundo de afeto e sensações, de aconchego e carinho, a
nossa sociedade proíbe aos homens.
A obrigação de ser forte dificulta a vida e o desenvolvimento pessoal e
coletivo dos homens, tanto quanto o dever de ser fraca prejudica as
mulheres.
(...) Na verdade, o que precisamos acabar totalmente, é essa idéia de que
diferenças nos corpos – sejam elas sexuais, raciais ou de idade –
justifiquem desigualdades, opressão, discriminação e injustiça
(GOUVEIA; CAMURÇA, 2000, p. 20).
O Brasil que vimos nos dias de hoje, pós-feminismo, passou por mudanças
expressivas, os desejos, os medos, os sonhos, as esperanças, isto é, os ideais que constroem
as identidades dos gêneros acompanharam essas modificações, os pensamentos de
dicotomias entre os sexos (ao que parece) tornaram-se pensamentos de pluralidade. “A
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masculinidade e a feminilidade passaram a serem oferecidas como estilos que as pessoas
seguem ou não” (informação verbal)3.
No entanto ao olharmos com mais atenção, a igualdade entre os sexos nas instâncias
educacional e social ainda não é algo resolvido, acabado e conquistado. O Brasil ainda é
uma sociedade patriarcal, que definem os papéis das mães, das mulheres e os meninos não
participam das tarefas domésticas (alguns consideram uma coisa humilhante outros que
ferirá a sua virilidade).
Se nos dias de hoje (século XXI), existe pessoas que acreditam que gênero,
sexualidade e educação é algo resolvido, a reportagem feita por Guimarães e Amaral (2009,
pp. 60-63) nos mostra que ainda há muito a ser debatido. Pois nos deparamos, com a
existência de um colégio situado no Rio de Janeiro, que não permite a entrada de meninas.
O Colégio de São Bento é provavelmente o único no Brasil que tem a entrada para meninas
vetada, é uma escola mantida pelo Mosteiro de São Bento, a qual segundo a supervisora
pedagógica, Maria Elisa Pedrosa, os monges decidiram não incluir as meninas apenas por
ser uma questão de tradição do local. Ainda é mencionado, na reportagem, que o colégio
possivelmente pague multa anual para se manter fechado para meninas, já que contraria
uma recomendação do MEC (Ministério de Educação e Cultura) que vigora desde 1971
para que todos os colégios fossem mistos.
Com toda a certeza isso é alvo de muitas críticas, na mesma reportagem Daniela
Auad (2009 apud GUIMARÃES; AMARAL, 2009, p. 62) diz que a “tradição não se
justifica: „Separar pelo gênero reforça um cenário de desigualdade‟ Se homens e mulheres
estão juntos em todos os espaços sociais em igualdade de valor e condições, por que não na
escola”.
Há também outros pontos relevantes nessa mesma reportagem, estudiosos e
estudiosas questionam sobre as relações entre os gêneros na sala de aula. Eles dizem que
Na sala de aula, as diferenças são, com frequência, marcantes. Na
experiência de José Salomão Schwartzman (2009), as meninas em geral
têm melhores notas, menor índice de repetência e menos problemas
comportamentais. Os meninos movimentam-se mais, têm menor tempo de
atenção e mais „problemas de aprendizagem‟... Para Marília Carvalho
(2009), em nossa sociedade é diferente, sim, ensinar para meninos e
meninas, porque os pensamos de forma diferente, esperamos atitudes
3 Dado fornecido por Sérgio Carrara na Série – A Construção dos Gêneros, Gravado no Espaço cultura -
CPFL, exibido em dezembro de 2009.
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diferentes de cada sexo e inclusive os avaliamos de maneira diversa, com
critérios subjetivamente diferentes. (...) Marília Carvalho entende que o
papel da escola e dos educadores é abrir o máximo de possibilidades para
o desenvolvimento e a realização de cada criança: „Ou a escola acredita
que tem um papel transformador e cumpre sua função de educar, ou se
parte do pressuposto de que existe uma natureza imutável e nada há de
fazer. (Apud GUIMARÃES; AMARAL, 2009, p. 63)
Agora nos perguntamos: à educação de mulheres e homens, meninas e meninos
deve ou não ser diferente?
Nos dias de hoje, já observamos mudanças nos sistemas de ensino, mas segundo
Louro (1997, p. 110) “Os processos escolares como formadores e reprodutores de
desigualdades sociais vêm ocupando a agenda política e acadêmica de muitos/as estudiosos
e estudiosas críticos/as há várias décadas”. Ao que parece, as questões que permeiam essas
discussões ainda precisam ser muito refletidas.
Entretanto tem-se dado um passo importante para que os conteúdos dos materiais
escolares, livros didáticos, os valores, atitudes e as relações entre educadores/as, alunos/as e
famílias sejam estabelecidas a partir da/na vivência desses sujeitos. Com isso poderia-se
trabalhar para a
a eliminação dos estereótipos ainda existentes. Ela pode ajudar a superar
preconceitos e desmistificar teses anticientíficas. Pode contribuir também -
para desmascarar falsos dilemas e incutir novos valores, mais solidário, no
relacionamento entre mulheres e homens (TABAK, 2004, p. 27).
O tema gênero atravessa os diferentes campos de conhecimento, por isso é um
Tema Transversal (TT) dos Parâmetros Curriculares Nacionais e traz a necessidade de
refletir e atuar na escola.
O tema sexualidade e gênero passou a ter importância no conteúdo escolar, e foi
assim introduzida em um dos tópicos dos TTs, e espera-se que sejam temas debatidos no
interior das disciplinas escolares, pois este é um assunto que até nos dias atuais, é
oficialmente esquecido, silenciado ou minimizado nas práticas escolares e sociais. “Talvez
por esse motivo as professoras tenham tal aspecto como uma lacuna em sua formação”
(AUAD, 2009, p. 5), e ainda não se buscam alternativas para solucionar esse problema no
currículo da formação docente.
Por outro lado estudos feitos por Daniela Auad (Idem) apontam muitas lacunas na
estrutura dos PCNs e TTs, pois segundo ela esses direcionamentos para a educação
fundamental foram construídos através de generalizações das escolas brasileiras, sem ouvir
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os atores que constituem os espaços escolares. E acrescenta que a escola não pode ser
pensada como “a única instituição social responsável pela transformação social. Assim, a
escola é percebida como se estivesse „acima‟ da sociedade e, portanto, não sofresse a ação
de causas externas para o fracasso escolar” (op. cit. p. 3), como por exemplo a desigualdade
social. Diz ainda que “os PCNs não levam tais fatores em conta” e que
na introdução aos PCNs. não há alternativa de correção ou reformulação a
partir do que já existe como experiência nas escolas brasileiras. Optou-se
por substituir toda e qualquer orientação pedagógica pelo modelo que as
pessoas que escreveram os PCNs pensam ser o ideal.(...) Finalmente,
ainda que o documento de Apresentação afirme que o alvo do „ensino de
valores‟ não é o controle do comportamento dos alunos, os TTs podem
reforçar ainda mais a escola como espaço de defesa de valores da cultura
dominante e de posturas autoritárias (id, ibid, p. 3).
Um exemplo de mudanças sociais são as estruturas familiares, estruturas essas que
não são as mesmas do século anterior. Hoje nos deparamos, por exemplo, com famílias
compostas por pais e mães que assumem outras orientações sexuais. “A ampla diversidade
de arranjos familiares e sociais, a pluralidade de atividades exercidas pelos sujeitos, o
cruzamento das fronteiras, as trocas, as solidariedades e os conflitos são comumente
ignorados ou negados” (LOURO, 1997, p. 70).
Diante disso, qual o papel da escola? Como a comunidade intra e extra escolar estão
lidando com este cenário? Quais seriam as atitudes dos alunos e os seus pais, tendo um
professor travesti?. Será que as relações dos/as educadores/as com os alunos/as e famílias
são guiadas por estereótipos irreais? E como a escola deve agir diante dos comentários e
críticas dos pais e educadores/as para com os casais homossexuais? Quando deve ser o
momento de debate sobre sexualidade na escola? Só em momento de conflito? Num dia
especial do ano?
Veiga (2001, p. 62) diz que “Se, por um lado, parece difícil compreender a dinâmica
existente no interior das famílias e seus filhos, por outro, analisar as condições de trabalho
da escola é também um problema que precisa ser muito refletido”. Portanto, mães, pais,
professores e alunos, todos e todas devem ser conduzidos ao questionamento, a reflexão e
ao debate dentro e fora da escola. Louro (op. cit., p. 59) nos mostra a importância de
observarmos com muito cuidado aquilo que consideramos “naturais” no nosso dia-a-dia, na
escola, afirmando que
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Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver, ouvir,
sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos implicadas na
concepção, na organização e no fazer cotidiano escolar. O olhar precisa
esquadrinhar as paredes, percorrer os corredores e salas, deter-se nas
pessoas, nos seus gestos, suas roupas; é preciso perceber os sons, as falas,
as sinetas e os silêncios; é necessário sentir os cheiros especiais; as
cadências e os ritmos marcando os movimentos de adultos e crianças.
Atentas/os aos pequenos indícios, veremos que até mesmo o tempo e o
espaço da escola não são distribuídos nem usados – portanto, não são
concebidos – do mesmo modo por todas as pessoas.
Louro (op. cit. 86) defende que a escola não é onipotente na resolução desses
entraves, afirmando que
Para que possamos pensar em qualquer estratégia de intervenção é
necessário, sem dúvida, reconhecer as formas de instituição das
desigualdades sociais. A sensibilidade e a disposição para se lançar a tal
tarefa são indispensáveis, mas as teorizações, as pesquisas e os ensaios
provenientes dos estudos feministas (e também do campo dos Estudos
Negros, dos Estudos Culturais, dos Estudos Gays e Lésbicos) podem se
tornar elementos para afinar o olhar, estimular inquietações, provocar
questões.
Sem alimentar uma postura reducionista ou ingênua – que supõe ser
possível transformar toda a sociedade a partir da escola ou supõe se
possível eliminar as relações de poder em qualquer instância – isso
implica adotar uma atitude vigilante e contínua no sentido de procurar
desestabilizar as divisões e problematizar a conformidade com o „natural‟;
isso implica disposição e capacidade para interferir nos jogos de poder.
Dentro dessa mesma perspectiva questionadora nos deparamos com a pergunta: e o
que fazer? Como fazer? Bem, não encontraremos na educação um livro de receitas que nos
mostre passo a passo o que devemos fazer para alcançarmos bons resultados, contudo,
(mesmo sabendo que para inovar na educação no Brasil é preciso discutir políticas públicas,
vamos focar diretamente na escola, nos reais atores da educação) quando o professor
começar a perceber que existem vários aspectos na aprendizagem que precisam contemplar
a diversidade e que ele não é meramente o informante, mas um formador de opiniões, e que
mesmo em um mundo globalizado e tecnológico, precisamos formar pessoas e não robôs,
que como seres humanos precisamos de espaços intelectuais humanizados e que mesmo
não podendo existir um padrão pré-estabelecido para as práticas educacionais, a educação
brasileira, tão machista em sua origem, precisa refletir e inovar as estratégias para
construção de práticas de ensino menos excludentes e mais igualitárias, porque precisamos
ter em mente que a diferença não está ligada a desigualdade. Perrenoud (2000, p. 149 apud
JUNQUEIRA, 2009, p. 31) diz que
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Se um jovem sai da escola obrigatória persuadido de que as mulheres, os
negros ou os mulçumanos (e, acrescente-se, pessoas LGBT) são categorias
inferiores, pouco importa que saiba gramática, álgebra ou língua
estrangeira. A escola terá falhado drasticamente.
Considerações finais
Encontramos na literatura que as desigualdades presentes hoje em dia na sociedade
brasileira, atravessam “os muros” das escolas e repercutem no fracasso escolar, na (má)
construção dos sujeitos sociais. Por isso a escola não detém o único poder de transformar
essa realidade, outros fatores devem ser levados em consideração. Talvez, se os estudiosos
e pesquisadores da área partissem da vivência dos/as professores/as e alunos/as no interior
das escolas, ao invés de se prenderem a “tendências pedagógicas” que muitas vezes são
apenas de domínio acadêmico.
Os estudos de Guacira Lopes Louros no livro Gênero, sexualidade e educação: uma
perspectiva pós-estruturalista, do ano de 1997, nos mostram que a estruturação da escola
que temos hoje não mudará as desigualdades e discriminações, principalmente as de gênero
que é algo tão intrínseco em nós que até parece ser natural, mas ela não nega que a escola
tem o poder de transformação do social. Já Daniela Auad (2006) além de defender a
importância dos/as professores/as na criação de uma educação e sociedade para homens e
mulheres com os mesmos direitos, ela aponta vinte sugestões (ver anexo C) que podem
ajudar-nos na construção dessa sociedade menos desigual. Como: estimular na sala e no
pátio atividades e brincadeiras de meninas e meninos em conjunto; encorajar meninas e
meninos igualmente a serem líderes em grupos de tarefas e brincadeiras e a falarem em
público.
Estas construções não devem ser restritas ao conhecimento de professores e
professoras, é preciso que sejam envolvidos nesse processo as mães e pais, adultos e
adolescentes, e que dessa forma estes possam estimular na escola, nas salas de aulas, no
pátio da escola, e em casa, atitudes menos discriminatórias e igualitárias entre meninos e
meninas.
Contudo, não acreditamos ser um discurso utópico defender a escola, com o poder
que tem de construção dos sujeitos sociais, como um meio de inserir na educação, nas
escolas, nas salas de aulas... atividades, posturas, posicionamentos não discriminatórios, os
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quais reflitam: que as diferenças entre homens e mulheres, não justificam as desigualdades.
Enfim, que possibilitem que as identidades dos sujeitos sejam mais igualitárias.
Pois, é na escola que se aprende sobre gênero, a mesma que tem a força social de
moldar e mudar a nossa realidade, mesmo não sendo a única instância que deva combater
os valores das culturas dominantes e posturas autoritárias, ela é sem dúvida a mais
importante.
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AUAD, Daniela. Os parâmetros curriculares nacionais e os temas transversais.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
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12
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Teixeira; FILHO, Luciano Mendes de Faria; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de
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15
ANEXO C – Abaixo estão vinte sugestões que podem ajudar mães, pais, professoras,
professores, adultos e adolescentes em geral na construção de uma sociedade menos
desigual.
1. Evitar fazer "fila de meninas" e "fila de meninos" e outras divisões por sexo nas
atividades;
2. Estimular as meninas, quando brincarem no pátio da escola e na educação física, para
que tenham atividades movimentadas como os meninos geralmente têm;
3. Estimular, nas meninas, valores como a coragem, a curiosidade e a inteligência. Nos
meninos, estimular a afetividade, o respeito, a organização;
4. Evitar criticar e dar bronca nos meninos dizendo "você parece uma menina". Evitar
chamar a atenção das meninas com frases como "você é bagunceira como um menino".
Esse tipo de humilhação só reforça características negativas sobre os sexos;
5. Estimular na sala e no pátio o trabalho e brincadeiras de meninas e meninos em conjunto;
6. Encorajar meninas e meninos igualmente a serem líderes em grupos de tarefas e
brincadeiras e a falarem em público;
7. Discutir e eliminar piadas racistas e com preconceitos contra mulheres e homossexuais;
8. Intervir em situações em que meninos e meninas estejam sendo preconceituosos;
9. Fazer as mesmas perguntas e usar o mesmo tom de voz para se dirigir tanto aos meninos
quanto às meninas;
10. Desencorajar a competição entre meninos e meninas e estimular a cooperação;
11. Pedir para que os meninos sirvam o lanche e as meninas carreguem livros e caixas,
fazendo rodízio das atividades entre meninos e meninas;
12. Pesquisar e destacar mulheres importantes na História Geral e do Brasil;
13. Incentivar igualmente meninas e meninos para as práticas esportivas e para as
atividades de ciências, matemática, arte e música, por exemplo;
14. Incentivar, igualmente, meninos e meninas brincar de boneca, cozinhar, fazer
marcenaria, costura e todo tipo de trabalho manual;
15. Estimular meninas e meninos a conhecerem e a gostarem do próprio corpo;
16
16. Orientar e esclarecer, sem ameaças e terrorismo, sobre gravidez indesejada e doenças
sexualmente transmissíveis;
17. Ensinar o respeito às diferentes opções sexuais;
18. Encorajar meninos e meninas a expressarem afeto com colegas do mesmo sexo e do
sexo oposto, sem fazer piadas maliciosas. Manifestações de carinho entre crianças (e entre
adultos) do mesmo sexo e do sexo oposto não são erros e portanto não precisam ser
reprimidos;
19. Propiciar o conhecimento da existência de outras formas de amor entre pessoas de
sexos opostos e do mesmo sexo. Saber que homossexualismo existe não fará com que a
criança escolha ser homossexual quando for adulta;
20. Explorar, debater e construir a idéia e o sentimento de que as pessoas são mesmo
diferentes entre si e que a diferença deve ser cultivada e respeitada.