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Instituto Politécnico de Viseu Escola Superior de Educação de Viseu Um Olhar no FINTA - 2010 Processos de Criação Artística II Docente: Prof. Jorge Fraga João Nascimento Viseu, 2010 / 2011

Um olhar no finta 2010

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Page 1: Um olhar no finta   2010

Instituto Politécnico de Viseu

Escola Superior de Educação de Viseu

Um Olhar no FINTA - 2010

Processos de Criação Artística II

Docente: Prof. Jorge Fraga

João Nascimento

Viseu, 2010 / 2011

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Resumo

Com a realização desta análise pretende-se abordar a temática dos processos de criação artística

inerentes a um festival de teatro. A arte e a cultura como factores pertencentes ao indivíduo, a

criatividade pessoal ao serviço da imaginação social. A metodologia adoptada para ir de

encontro aos objectivos da análise, centraram-se na recolha de testemunhos criativos. Para o

desenvolvimento desta observação além de apontar as fontes e origens da vontade criadora do

ser humano e do próprio festival de teatro - FINTA, podemos encontrar depoimentos de alguns

artistas na área teatral que apontam para as diferentes formas e perspectivas de criar

individualmente mas a pensar na produção colectiva. No final são apontados algumas das

implicações socioculturais dos processos de criação artística.

Palavras-chave: Arte; Cultura; Imaginação Social; Processos de Criação Artística;

Abstract

With the accomplishment of this analysis it is intended to approach the thematic one of the

inherent processes of artistic creation of a theater festival. The art and the culture as pertaining

factors to the individual, the personal creativity, in service to the social imagination. The

methodology adopted to achieve the objectives of the analysis, had been centered in the

retraction of creative testimonies. For the development of this comment beyond pointing the

sources and origins of the creative will of the human being and the proper festival itself -

FINTA, we can find depositions of some artists in the theatre area who point, with respect to the

different forms and perspectives, to create individually but to think about the collective

production. In the end some of the sociocultural implications of the processes of artistic creation

are pointed.

Keywords: Art; Culture; Social imagination; Processes of Artistic Creation;

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............................................................................................................................................. 1

Introdução .................................................................................................................................... 2

1. – Naturalidades da Criação Artística .................................................................................... 5

2. – A Origem e a Filosofia do Festival Internacional da ACERT – FINTA ................................ 9

3. - Um Olhar nas Criações do FINTA – 2010 ......................................................................... 13

3.1. – Os Espaços Cenográficos .................................................................................................. 16

3.1.1. – Plasticidades Teatrais .................................................................................................... 18

3.1.2. – As Naturezas das Personagens ...................................................................................... 19

3.1.3. – Harmonização Expressiva .............................................................................................. 24

Implicações ................................................................................................................................. 27

Bibliografia .................................................................................................................................. 29

ANEXO I - Programação FINTA - 2010 ........................................................................................ 32

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2

Introdução

Como afirma o nosso compatriota e Presidente da Comissão Europeia, José

Manuel Barroso (2007), ―the Culture and creativity are important drivers for personal

development, social cohesion and economic growth. Today’s strategy promoting

intercultural understanding confirms culture’s place at the heart of our policies.‖

Esta análise-observação de uma criação artística num contexto global, parte da

―ideia de que a cultura pode ser um antídoto aos problemas que vivemos como

consequência da globalização neoliberal na qual estamos inseridos, pode parecer

disparatada para aqueles a quem tudo se reduz à economia e concebem o homem

fundamentalmente como homo económicus e homo consumer, acentuando a dimensão

de mero produtor e mero consumidor‖ (Ander-Egg, 2008:25).

O desenvolvimento das indústrias culturais promoveu dentro do sector cultural um

aumento progressivo, quer na sua expressão económica, quer na sua relevância social.

Analisando os recentes desenvolvimentos da sociedade global, particularmente, os de

origem económica, social, geográfica e política, podemos observar que eles mantêm

uma concordância geral. Isto é, a cultura aparece como principal reforço identitário para

a produção da sustentabilidade local, aquela que valoriza os factores intangíveis e

imateriais (Mateus, 2009).

Partindo do princípio de que temos que nos manter alertas e disponíveis para

continuar afirmar aquela que é a principal ferramenta de trabalho dos animadores

artísticos, a cultura e todos os recursos artísticos a ela inerentes. Afinal, o animador

deve ser mais que um entertainer, deve ser um educador que procurará estimular a

mudança de atitudes e a transformação social através de actividades/projectos onde as

realidades económicas e socioculturais, bem como, as vontades e desejos de cada

sociedade devem estar presentes, para que potenciem a participação e integração dos

cidadãos na decisão da vida sociocultural da comunidade.

Desde as primeiras culturas que o ser humano surge dotado de um dom singular,

mais do que "homo faber" ou ser criador, o homem é um ser informador. Ele é capaz de

estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao seu redor e

dentro dele mesmo. Relacionando os eventos, ele configura-se com as suas vivências

atribuindo-lhes uma significação. Nas questões que o homem levanta ou nas soluções

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que encontra, ao agir, ao imaginar, ao sonhar, o homem sempre se relaciona e forma

(Ostrower, 1977).

Os processos que envolvem a criação a partir da cultura e da arte são o foco desta

observação, o indivíduo enquanto agente criativo, uma particularidade intrínseca ao ser

humano, a vontade fabricadora de Marx preconiza o cidadão social à necessidade de

criar e exteriorizar as suas emoções, valores e sensibilidades que vai absorvendo do

meio social que o rodeia. O estudo centrou-se na premissa de que a arte e a cultura

podem ser o centro da nossa (animadores) actuação ao favorecimento da

descentralização sociocultural, afinal são dois factores gerados em exclusivo pela

vontade do Homem e que na sua essência transmitem mais que uma mera linguagem

artística, representam uma manifestação de cada indivíduo perante a sociedade e são

ainda um factor identitário da época em que foram criadas.

A questão central que concede a realização desta pesquisa é: será a cultura todos

os processos criativos com base na arte, uma ferramenta potenciadora do

desenvolvimento social das comunidades? Neste sentido, o presente estudo sugere um

olhar mais interno e de cariz pessoal ao conjunto de acções artísticas que estão inerentes

à produção/criação de um festival de teatro. Esta análise objectiva-se inicialmente de

enorme importância na minha opinião, pois permitira-me estabelecer um contacto e uma

constatação (pessoal) mais real e concreta dos processos e motivações individuais e

socioculturais de um criador, um actor, o encenador, o programador, entre outros,

alguém que de certa forma contribua regularmente para a afirmação dos processos de

criação artístico-culturais no quotidiano das sociedades actuais como um bem de

interesse individual e social.

Antes de partir para a descrição estrutural do presente trabalho, faço ainda

referência ao método de recolha de informações relativamente aos processos criativos

intrínsecos à produção/criação dos espectáculos presentes no festival. Estes foram

obtidos a partir de depoimentos escritos provenientes dos próprios criadores, sendo que

apenas dei alguns itens/questões orientadoras para que cada um pudesse descrever todo

o seu processo criativo.

Estando estruturado por três capítulos podemos observar na primeira parte desta

análise, aquilo que eu considero as fontes e raízes da actividade criadora no ser humano,

afirmações de vários autores que confirmam as minhas intenções de estabelecer uma

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relação próxima entre a criação artística e o meio sociocultural do indivíduo. Ainda,

neste capítulo exponho o contexto em que este trabalho se revela interessante do ponto

de vista profissional e pessoal, a problemática e a pertinência do desenvolvimento desta

análise e ainda a conjuntura teórico-prática referente a toda esta observação contextual.

No capítulo seguinte começo por identificar e contextualizar o termo festival, para

de seguida partir para a descoberta das origens que potenciaram a criação do FINTA –

Festival Internacional de Teatro ACERT. Dentro desta divisória do trabalho ainda

procuro identificar a filosofia do grupo promotor deste evento, no sentido, de perceber

as dinâmicas e os contributos que este tipo de criações artísticas infere nas comunidades

a nível sociocultural.

O terceiro capítulo é onde podemos observar os métodos criativos adoptados para

a programação/produção, bem como, os principais critérios de selecção dos grupos a

participar no referido festival. No fim desta análise e partindo dos testemunhos dos

criadores, encontram-se divididos em subcapítulos os depoimentos criativos dos agentes

que promovem a acção teatral, desde o cenógrafo ao técnico de luz/som, passando pelos

actores ao encenador.

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1. – Naturalidades da Criação Artística

―A Arte é o Social em Nós.‖ (Vigotski, 2001, p. 12)

Ao observarmos o estado actual da arte, podemos reconhecer que a multiplicidade

e o propósito da criação artística são imensas, a sua aplicação prática é apresentada

através de diversificados actos performativos e em contextos socioculturais

diferenciados. A cultura e a arte não devem ser dissociadas como uma parte integrante

do sistema socioeconómico de uma sociedade global, como afirma Vigotsky (2001, p.

12) ―a arte sistematiza um campo inteiramente específico do psiquismo do homem-

social – precisamente o campo do seu sentimento.‖

O desenvolvimento do contexto urbano a partir das práticas criativas foi

considerado como parte central desta breve observação, integrando os processos de

criação/produção artística com o evoluir da própria história da arte na comunidade, quer

a nível individual quer colectivo. Reforço a minha posição contextual de envolver as

práticas artísticas e culturais que na generalidade visam estabelecer vínculos e

dinamismos socioculturais nas comunidades, com as palavras de Carolina Campos

(2008, p. 70) para quem, ―o estar bem integrado a um grupo é o que confere sentido às

pessoas. Não se estará bem integrado, se alienado da criação e da expressão de

emoções. Tudo isso - criar, expressar-se, interagir e conviver - a arte também ensina. A

arte, dessa forma, antecede a vida, porque a gera (antecede em sua acepção, não

cronológica, mas lógica). A arte a transforma de mera sobrevivência em vida.‖

Importa por isso salientar que a concepção artística mantém a mesma

característica durante toda a sua história, isto é, a sua manifestação social é

normalmente caracterizada pela época em que se pratica e as questões políticas,

religiosas, económicas e socioculturais que particularizam as sociedades nesse

determinado período, fatores intrinsecamente ligados às expressões do criador.

Analisando a história da arte no geral, da fenomenologia e do estudo dos processos de

criação artística, podemos constatar que existem relações estreitas entre a produção

artística e o seu contexto social, realizado essencialmente a partir das funções de

percepção, como a memória, a imaginação, a criação e a expressão. (Cole, 2005)

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Reconhecendo o peso da noção de imaginação sugerida por Mecchia (1992), que

através da sua múltipla diversidade podem atingir-se pelo menos dois objectivos

convergentes, apesar da aparente diferenciação. Se por um lado, demonstra entre que

limites e consideração de que matérias terminológicas, se só aparentemente inocentes. A

partir do século XIX as teorias estéticas puderam aceitar ou contestar a temática que

relaciona a imaginação-arte. Noutro sentido, sugere que estrita e dependentemente a

esta pesquisa preliminar, de sondar o impacto e a coerência da conexão arte-

conhecimento, mais precisamente, procura demonstrar como se pode representar,

atualmente, ―uma recuperação dos valores cognitivos da obra de arte e,

correlativamente, da experiência estética‖ (Mecchia, 1992, p. 53).

Reforço esta minha posição teórica de alicerçar a vontade criadora como um

factor próprio de um qualquer indivíduo capaz de participar no meio sociocultural que o

rodeia, através da sua acção e envolvência criativa e dentro do seu campo de

intervenção socioprofissional. Olhando a proposta de Vigotsky (2001), para quem o

papel da imaginação criadora do indivíduo é evidente na produção de várias disciplinas

científicas, técnicas e artísticas. A vida imaginativa na arte diz respeito à flexibilidade

do mundo interior, das estruturas internas do sujeito. O ser humano é capaz de renovar o

meio, de sociabilizar a Natureza, porque acima de tudo tem a capacidade de se

transformar a si mesmo e esta alteração só é possível com a confluência da arte, a

imaginação criadora como substância do indivíduo social.

Esta análise pressupõe uma observação teórico-prática dos meios de construção

artística associados a actos performativos que se manifestam socialmente através de

criações com sentido global, que procuram um agir integrado em que o criar e o viver se

interligam, para afirmar a natureza criativa do homem como uma produção num

determinado contexto cultural. Afinal, o indivíduo desenvolve-se num determinado

meio/contexto social, um mundo real cujas necessidades pessoais e os valores culturais

que identificam o território, se moldam aos próprios valores da vida, relacionando

assim, a sua criatividade e o potencial único em cada cidadão, com a sua criação, o

operacionalizar das suas potencialidades dentro de uma determinada cultura (Ostrower,

1977).

Presumo ainda a possibilidade de interpretar alguns depoimentos individuais dos

processos de criação artística, os testemunhos teóricos do próprio criador, que podem

muito bem ser entendidos como registos transitórios de uma obra em constante

desenvolvimento, apresentando-se também como uma das principais conjunturas

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práticas desta observação teórica. Afinal, estas declarações textuais e algumas delas

verbais cumprem funções de ligação entre o individual e o coletivo, entre o

armazenamento das ideias e a sua experimentação. Esta metodologia desdobra-se como

uma possibilidade de observar o processo de criação colectivo, verificar os diferentes

procedimentos de interpretar uma correspondência entre o que se denominou

depoimentos de processo, no âmbito da criação de uma obra individual, e a confluência

das várias obras produzidas ao longo de todo o processo, na constituição da linguagem

do (s) criador (es) como uma expressão artístico-cultural de uma comunidade (Cole,

2005).

Contudo, ao designarmos uma determinada identidade colectiva corresponde,

desde logo delimitar o seu território e afirmar as suas relações com o meio ambiente e

social. Um imaginário social coerente e potenciado por uma comunidade é uma das

respostas que este processo colectivo dá aos seus conflitos, limitações e exclusões reais

ou possíveis. Todas as comunidades têm os seus modos de funcionamento e

singularidades a este tipo de representações, elaborando os seus meios de difusão e

formam o seu ―pessoal‖ e respectivos gestores socioculturais (Baczko, 1985).

Reforço a importância do imaginário social como uma das forças reguladoras da

vida colectiva, lugares onde as alusões a actos simbólicos que não se limitam a

identificar os indivíduos de uma determinada sociedade, mas indicam também um

caminho por vezes sinuoso, para acessibilidades de relacionamento mais íntimos, com

as divisões internas e outras organizações/instituições sociais (Gauchet, 1977, cit. por

Baczko, 1985). Assim, ―o imaginário social é, pois, uma peça efectiva e eficaz do

dispositivo de controlo da vida colectiva e, em especial, do exercício da autoridade e do

poder. Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objecto dos conflitos sociais‖

(Baczko, 1985, p. 310). Este lado construtivo mais ligado ao psicológico e ao individual

aparece sempre associado a uma expressão artístico cultural de presença social, isto

porque, na maioria das obras de criação artística sejam os quadros de um pintor, um

espectáculo de dança ou um teatro, o contexto inerente a cada obra é como um espelho,

o reflexo da sua vida cheia de significações e vivências obtidas no relacionamento com

o tecido sociocultural que rodeia o indivíduo.

Assim, as questões fulcrais que problematizam esta pesquisa são: qual a

importância da Criação/Produção Artística e o domínio das artes em geral numa

sociedade? Será o valor identitário do próprio festival no plano sociocultural da região

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reconhecido pela comunidade? Quais os diferentes processos de criação/produção

artística inerentes a alguns dos espectáculos teatrais presentes no festival? Estas

perguntas direccionam-me também para a principal oportunidade desta análise, centrada

na possibilidade de melhor apreender o papel da criação/produção artística, dos actos

representativos que geralmente se apresentam em acções capazes de criar algo de novo,

original, de (re) inventar manifestações de espírito criativo a nível individual e

colectivo, neste caso particular a 16ª Edição de um festival de teatro – FINTA, Festival

Internacional de Teatro ACERT. Uma metodologia que pressupõe a mim mesmo seguir

um raciocínio teatral de observação teórica, no caminho do que afirma Selman (2000,

cit. por Kuppers, p. 3, 2007),

―Experiencing myself and others dare to tell stories usually hidden, dare to face

one another, via theatrical expression, via the power, the danger and the safety of

theatrical process, about our differences, our unequal opportunities, our unequal

privilege. And to stay in the room together, via the theatre image, and tell the

truth, listen and hear each other as we hadn´t before.‖

Pertinentemente esta observação proporcionará ainda no plano profissional

perceber de que forma as coadjuvações socioeconómicos que este evento e todas as

criações artístico-culturais inerentes ao festival têm contribuído para o desenvolvimento

e afirmação da identidade cultural da localidade de Tondela e até da região. Num

aspecto mais pessoal (de formação) tenho a oportunidade de interpretar alguns

depoimentos sobre processos de criação individual (actor, encenador, cenógrafo, entre

outros) referentes a alguns dos espectáculos teatrais presentes no festival e também ao

nível da produção/origem de uma concepção colectiva de carácter artístico como é o

FINTA.

Finalizo este capítulo referenciando para a necessidade de olharmos a cultura e os

indissociáveis bens de produção artístico-criativos, como uma renovação dos

paradigmas no desenvolvimento económico e social das sociedades. Estes processos

integram uma ―onda‖ crescente de novas dimensões culturais e criativas, acções que

têm contribuído para fomentar a (re) construção de uma visão ampliadora do termo

cultura. Uma enorme variação de performances artísticas onde se encontram diferentes

particularidades identitárias que são verdadeiramente compartilhadas por um

determinado grupo/comunidade. Processos criativos onde o conhecimento desempenha

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o papel ―principal‖ contribuindo para a respectiva articulação socioeconómica (Mateus,

2009).

2. – A Origem e a Filosofia do Festival Internacional da ACERT – FINTA

―O FINTA é, antes de tudo, uma festa de sabor teatral…‖

(ACERT, 2001, p.)

A tendencial proliferação dos festivais sob múltiplas formas de representação que

entre muitos exemplos podemos observar desde a música à etnografia, do cinema à

gastronomia, do desporto ao teatro, este último e neste caso em particular vai ser

evidenciado com esta pesquisa. Mas o que é um festival? Analisando a opinião de

vários autores enciclopédicos de referência como a Porto Editora, (2011) e a Larousse,

(1980), o conceito de festival é, ―um espectáculo ou série de espectáculos artísticos ou

desportivos‖ e também ―uma série de representações consagradas a uma arte‖. Podemos

ainda dizer que o festival é uma ―importante concentração de pessoas que participam

activa ou passivamente (actuantes e observadores) em manifestações artísticas, míticas,

olímpicas, poéticas ou religiosas‖ (Lexicoteca, 1994, p. 154).

As origens desta manifestação artística e sociocomunitária que caracteriza a

maioria dos festivais do nosso quotidiano remontam aos tempos da Grécia Antiga,

grandes festejos onde se destacavam aqueles que prestavam homenagem ao Deus

Dionísio. Por essa altura, o Festival de Teatro mantinha com o tecido social uma

relação profundamente vinculada às práticas identitárias de todo um grupo/comunidade.

O Festival de Teatro Grego era sinónimo de uma democracia que apelava à

participação, não existia a competição propriamente dita e nos termos que hoje

particulariza a sociedade globalizada, o que se pretendia estabelecer na sua essência era

a glória aos Deuses, a honra artística para o bem social (Oliveira, 2004, cit. por Pinho,

2007).

Uma grande festa que alia o acto puramente artístico-cultural com o lado cívico de

participação social, uma festividade colectiva e que invoca à celebração, tendo esta

crescente aparição dos festivais de teatro na sociedade vindo a afirmar-se com maior

ênfase a partir da II Segunda Guerra Mundial. Com o fim deste período traumático a

todos os níveis na sociedade global, conseguiu-se readquirir o espírito festivo que

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origina o teatro, alargando-se as apresentações para um maior número de espectadores

na procura de uma descentralização que visou, essencialmente, democratizar as artes e a

cultura no geral para toda a sociedade. Começaram-se a (re) encontrar espaços e

temporalidades onde se pode estabelecer um contacto com diversas modalidades

artísticas, algumas verdadeiramente renovadoras e criativas do ponto de vista

performativo.

O caso do FINTA engloba-se nos festivais internacionais que ―frequentemente

incluem amostras de todos os géneros das artes cénicas, são uma oportunidade para o

intercâmbio de ideias e a discussão sobre experiências com novas linguagens‖ (Teixeira,

2005, p. 131). O nascimento do FINTA no dia 1 de Julho no ano de 1995, foi a origem

de um projecto criado a partir da imaginação colectiva com o comprometimento do

trabalho social e artístico do Trigo Limpo Teatro ACERT, um grupo teatral que desde a

sua criação detém um,

―carácter de inovação cultural que caracteriza a formação e o percurso do Trigo

Limpo Teatro ACERT resulta então da tomada de consciência, por parte de um

grupo minoritário de jovens da comunidade local, da vontade de se organizarem,

com vista a alterar uma tendência que tinha vindo a conduzir à agonia social,

económica e cultural do local‖ (Carvalho, 2004, p.34).

Este conjunto de pessoas sempre ambicionou e contribui decisivamente para a

descentralização artístico-cultural do nosso país, não só através da sua itinerância

artística, mas também pela programação regular que sempre procuraram apresentar à

comunidade. Este projecto artístico teve lugar,

―em Tondela, no Novo Ciclo (que é hoje um dos mais acolhedores espaços

cénicos do país, espelhando em a intensa actividade do grupo que o pôs em pé),

começou em grande o Festival Internacional de Teatro ACERT (FINTA).

Começou com “Liberdade”, a última produção do Bando, ao som de chuva

torrencial, mas com o auditório cheio. (…) há sempre um Portugal desconhecido

onde acontece o inesperado e a vida consegue passar o teatro sem dificuldade‖

(Gomes, 1995, citado por ACERT, 2001).

Foi um dia memorável para todos os que gostam de teatro, um festival

internacional de teatro no interior de Portugal. Segundo o depoimento de um dos

principais responsáveis e fundadores, o director artístico José Rui Martins (Zé Rui) e

atrevo-me a dizer a ―alma‖ deste projecto que engloba o Trigo Limpo e a própria

ACERT, para quem ―a cultura é um bem imprescindível e não um bem supérfluo. Seja

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para fortalecer a auto-estima ou a nossa capacidade empreendedora que faça de nós

produtores e não só consumidores; seja pela capacidade de criar pensamento produtivo e

conhecimento próprios; seja pela valorização solidária da entreajuda e responsabilização

cidadã na construção de futuros que não sejam a mera repetição de modelos ou de

receitas importadas, impostas e pensadas por outros‖ (Martins, 2011).

Os Primórdios do FINTA

Relativamente ao porquê da criação do FINTA, a origem da ideia de produzir um

festival internacional de teatro em Tondela, ―surge como um processo natural de

prolongamento da actividade do Trigo Limpo teatro ACERT. Uma origem centrada na

actividade de raiz amadora; a afirmação de uma componente profissionalizante como

forma de uma resposta a etapas que requeriam uma resposta mais consequente e

correspondiam a um desejo de realização integral dos actores à volta da sua arte; a

abrangência de novas relações de parceria, intercâmbio e cumplicidade com outras

estruturas congéneres‖ (Martins, 2011).

Uma ideia que nasceu de uma vontade colectiva, ―o desejo de configurar a etapa

de trabalho num patamar de correspondência de corrente de público, de projecção

artística de mais amplo reconhecimento e de congregar parcerias que advinham das

relações de permuta e troca de experiências que catapultaram o Trigo Limpo a

promover o FINTA — seu espaço de encontro, de festa e de celebração com criadores e

espectadores. Também um enorme propósito perante novos desafios de criação, levou a

que o Grupo apresentasse produções teatrais nacionais e internacionais de prestígio,

ainda que soubesse que, ao apresentá-las ao seu público, significaria aceitar o desafio de

criar expectativas de exigência mais substanciais para o seu próprio trabalho‖ (Martins,

2011).

A Filosofia Criadora do Festival

Questionando sobre qual seria o principal gerador das criações artísticas, neste

caso em particular relativamente à filosofia de produção do FINTA, o próprio José Rui

Martins (2011) referiu que a principal razão criadora ―sempre assentou em pressupostos

de grande abrangência estética, representando uma aposta de apresentação de formas

plurais de abordagem do espectáculo teatral e nas suas transversalidades com as outras

disciplinas artísticas. Tudo seria admitido para surpreender o público e ao grupo que

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organizava o Festival: o espectáculo que privilegiava a interpretação de um bom texto

(clássico ou contemporâneo); a abordagem teatral onde a música representava papel

fulcral; o teatro gestual, de rua, de marionetas ou formas animadas; a revelação de

Companhias nacionais com um trabalho inovador, em paralelo com a apresentação de

grupos emblemáticos da cena mundial; a animação de espaços informais e não

convencionais; a proximidade do espectador com os criadores, criando momentos de

fruição e de diálogo informal; a conquista de novos públicos; a atração do público

escolar e a ligação do acontecimento com a comunidade — todas estas práticas

revelaram, em suma, preocupações de patentear o FINTA, não como mais um Festival

de Teatro, mas um acontecimento que contivesse a marca e personalidade artística

plural do grupo que o organizava.‖

Contextos de Identidades Socioculturais

Devo ainda salientar que os contextos socioculturais que pressuponho como uma

das questões centrais a esta observação teórica, se afirmam como um dos valores

identitários do próprio festival na comunidade. É por isso com naturalidade, ―que um

grupo como o Trigo Limpo, desde sempre determinado a desenvolver um projecto de

criação artística de forte componente compromisso social, senão mesmo de militância

cultural, o contexto sócio cultural representou sempre um eixo fundamental da definição

da estratégia filosófica do FINTA. Mais do que produzir um Festival que galvanizasse,

logo A priori, o público pela programação unanimista ou ―comercial‖, interessava

investir na mostra de espectáculos experimentais que fossem, também eles, geradores de

atitudes activas de análise e até de ―conflito‖ entre o espectador e a criação‖ (Martins,

2011).

Em simultâneo, ―desejava-se criar ementas teatrais que aproximassem, em

algumas vertentes, a comunidade e públicos mais afastados da fruição, abrindo espaço

de interesse para divulgar proposta estéticas mais ousadas. Também o cuidado na

heterogeneidade e qualidade da programação não podia impedir a criação de ―barreiras‖

de selectividade dos espectadores, pelo que se criaram pontes de comunicação e de

compromisso capazes de atingir sensibilidades, emoções e ambiências de fruição e

participação mais apelativas à participação de públicos diversificados nas referências,

nas geografias e nas exigências‖ (Martins, 2011).

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Mas a ambição do FINTA não era exclusivamente local, ―um facto de relevância

na produção do FINTA residiu no objectivo de atrair a Tondela, pela novidade e

projecção internacional da programação, públicos dos grandes centros urbanos,

elevando um sentimento de auto-estima ao espectador regular da ACERT que, desse

modo, se sentia ―privilegiado‖ de poder assistir a espectáculos que, normalmente, só

aconteciam nos circuitos centralistas das grandes cidades de Portugal‖ (Martins, 2011).

O privilégio das gentes de Tondela em receber na sua terra um festival de teatro

internacional ―permitiu que a própria comunidade que, na sua larga maioria, não assistia

à programação, se sentisse identificada com o festival, pelo apelo efectivo de

proximidade de actos de animação teatral nas ruas da cidade e nas freguesias e

localidades limítrofes. Inúmeros são os sinais de reconhecimento, demonstrados de

distintas formas: doação de materiais para a produção, oferta de géneros para refeições e

acolhimento dos grupos, donativos de empresas e uma grande cumplicidade da

comunidade, demonstrada de formas distintas, no acto de bem receber os artistas e o

público que a Tondela se deslocava para assistir ao também Seu Festival que, quanto

mais lhe era pertença, mais autêntico traduziria o sonho de quem o organizava‖

(Martins, 2011).

3. - Um Olhar nas Criações do FINTA – 2010

Os vários conceitos referidos anteriormente além de reforçarem as autenticidades

do acto criador propriamente dito, ganham uma especificidade motivadora quando

aplicados em actividades artístico-culturais que possibilitem ao participante relacionar o

seu passado, com o presente numa sociedade dita global, que se afirma mais através da

diferenciação do que pelas igualdades e a pensar num futuro acima de tudo mais

equilibrado socialmente. As experiências artísticas sempre que sugeridas de forma

regular e com um carácter indiferenciado podem ainda proporcionar no indivíduo a

capacidade de interpretar e conceber elos de ligação capazes de se traduzirem em

valores morais de participação, crítica e comunicativa com os outros.

Enquanto potenciais criadores/animadores artísticos devemos ser capazes de

desconstruir e seleccionar, para (re) elaborarmos a partir do existente de forma a

modificá-lo tendo por base o contexto e a necessidade individual e social. Devem ser

processos criadores desenvolvidos pelo fazer e ver a arte, como actos que potenciem a

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interpretação de como podemos sobreviver neste mundo quotidiano (Barbosa, 2005, cit.

por Silva e Simó, s/d).

Este contexto que é inalterável sugere o acto de criar como fundamentalmente, o

de formar, no sentido, de atribuir uma forma a algo novo e em qualquer que seja a

actividade profissional. Pretende-se com esta acção relacionar as novas coerências

estabelecidas pela imaginação humana, fenómenos que interagem com novos modos e

compreendem meios de actuação renovados. Por isso, ―o acto criador abrange,

portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar,

configurar e significar‖ (Ostrower, 1977, p. 2).

Processos como estes de desconstrução para uma ―nova‖ concepção a partir do

existente apresentam variáveis ao nível das metodologias aplicadas ao sector criativo,

estes métodos que se alteram de pessoas para pessoas, de comunidades para

comunidades, mas continuam sempre dependentes da conjunção de factores que podem

influenciar esses mesmos procedimentos artísticos. Para melhor perceber as diferentes

perspectivas criadoras inerentes a um evento global, como é o caso do FINTA – 2010,

vou apresentar de seguida as sínteses de alguns depoimentos que pude recolher,

relativos aos processos criativos numa perspectiva pessoal, do próprio criador, mas é

uma das somas de todas as partes que visa a construção/produção colectiva, todo o acto

imaginativo que abarca um espectáculo teatral. Em suma, estes testemunhos visam

apresentar os diferentes processos que cada indivíduo/criador utiliza para produzir o seu

―papel‖, realçando também a importância de outros actos criativos que um espectáculo

de teatro sugere, afinal o teatro não é apenas um espaço de acção para os actores.

Para existir algum evento de teatro tem que haver quem o planeie atempadamente,

o (s) responsável (eis) por toda a produção/programação de todos os espectáculos, no

fundo, este profissional deve articular os diferentes sectores da estrutura, quer no

contexto da preparação e exibição dos vários espectáculos, quer para assegurar e gerir

todos os compromissos previamente assumidos, (o orçamento, à coordenação dos meios

técnicos, os criativos, as infra-estruturas, entre outros sectores) (Teixeira, 2005).

Segundo o testemunho de um dos responsáveis pela programação/produção do

FINTA – 2010 (Anexo 1). Miguel Torres desempenha as funções de programador e

gestor cultural na ACERT, fazendo parte dos órgãos de direcção da associação e casa do

grupo de teatro que promove esta festa teatral no interior de Portugal desde a década de

90.

Page 17: Um olhar no finta   2010

15

―O FINTA, que este ano celebra a sua 16ª edição, traz-nos uma chave (de ouro)

para essa porta. Como nos tem vindo a habituar ao longo de mais de uma

década, este Festival oferece-nos um mapa repleto de pontos de interesse

artístico, desdobrando o universo teatral em Animações de Rua, Workshops,

Cafés Teatro e Aperitivos Teatrais. Um mapa cuja escala não pode ser outra que

não a da criatividade, imaginação e partilha entre os artistas (os guias do roteiro)

e o público (os viajantes à espera de rota). E para quem se sentir perdido durante

o percurso, oferecemos como garantia a orientação do nosso próprio GPS:

Grandes Performances Sempre!‖ (ACERT, 2010).

A preparação desta edição do FINTA teve como critérios fundamentais os

seguintes requisitos:

A qualidade dos espectáculos - Esta mede-se sobretudo pelo conhecimento

que temos dos projectos que convidamos a participar no festival;

A Novidade / Inovação - O FINTA é um espaço de algum "risco". Ou seja,

é um espaço de programação em que corremos o risco de programar

espectáculos ou companhias que não traríamos em outros períodos do ano.

O público do FINTA está disponível para descobrir novas propostas, para

conhecer novos projectos, é um público que vem toda a semana porque

sabe que há critérios mínimos de qualidade que estão garantidos, mesmo

quando vem ver propostas que lhe são desconhecidas;

A ligação com as escolas - O FINTA tem sempre uma programação

dirigida ao público escolar, mantendo assim, em registo de festival a

ligação que temos com as escolas ao longo de todo o ano;

Os espectáculos de Rua - Apesar de ser em Dezembro há uma tentativa de

ocupar com o teatro os espaços de rua, ou menos convencionais. Tenta-se

com isto envolver a comunidade Tondelense que não vindo ao Novo

Ciclo, pode beneficiar de um festival que transforma a sua comunidade;

A diversidade das propostas - Não há um FINTA de monólogos, ou de

teatro clássico, ou de comédia, tenta-se que as propostas pela sua

diversidade e diferença sejam atractivas;

A rentabilização dos protocolos que temos com outros grupos de teatro -

Tenta-se que os grupos com os quais temos protocolos de colaboração se

expressem no FINTA. Ou seja um grupo com o qual temos um

Page 18: Um olhar no finta   2010

16

intercâmbio o seu espectáculo é aqui apresentado durante o festival (desde

que cumpra os critérios atrás apresentados)

A identificação que fazemos com o grupo ou projecto que aqui se

apresenta - A ACERT tem uma filosofia de actuação, ao longo dos seus

35 Anos de história foi estabelecendo pontes com projectos ou

metodologias de trabalho com as quais mais nos identificamos,

naturalmente essas têm maior presença nas nossas organizações.

Apontados que estão os principais procedimentos que levam à produção deste

evento como é o FINTA, sugiro seguidamente um olhar mais próximo dos processos

criativos apresentados na primeira pessoa, por aqueles que contribuíram directamente

para a apresentação e realização de espectáculos teatrais na Festa do Teatro do FINTA.

3.1. – Os Espaços Cenográficos

O teatro inicialmente era apresentado ao ar livre, os anfiteatros da Grécia são um

bom exemplo disso, contudo esses espaços de representação que no princípio se

apresentavam mais numa perspectiva decorativa, rapidamente começaram a revelar a

sua importância no sentido da interpretação dramatúrgica. O espaço cenográfico é

portanto o local que foi idealizado para a apresentação do espectáculo, o lugar onde a

acção ocorre, que é delineado pelo cenário, como afirma Teixeira (2005, p75), a

cenografia passou ―a ser usada para designar os traços em perspectiva do cenário no

espectáculo teatral, a arte e técnica de conceber e projectar cenários.‖

A importância do cenário na actualidade teatral, define-se por uma ―tendência

ecléctica e democrática, sem predominância de uma linha estética, é aceitar todas as

linguagens e estilos, desde o abstracto e experimental até o naturalista radical, usando

materiais tradicionais ou não, dependendo, a escolha, mais da concepção do espectáculo

ou do encenador (Teixeira, 2005, p. 74).

O espaço delineado para a acção de representar é preparado pela pessoa

responsável pela cenografia, o cenógrafo, ―profissional com preparo adequado para

―encenar‖ plasticamente um texto dramático (…) O cenógrafo não só cria, como deve

acompanhar a construção dos cenários‖ (Teixeira, 2005, p. 76). O depoimento que

apresentarei de seguida diz respeito à construção cenográfica de dois espectáculos que

Page 19: Um olhar no finta   2010

17

estiveram presentes no FINTA – 2010, ―A Caixa Preta‖ do Trigo Limpo Teatro ACERT

e ―Remédios Santos‖ do Peripécia Teatro. O cenógrafo José Tavares é o responsável

gráfico pelo trabalho do Trigo Limpo e da imagem da própria ACERT, um artista que

além das cenografias para os espectáculos teatrais da companhia, também tem realizado

vários projectos no campo da imagem para outras entidades culturais.

O seu principal catalisador criativo depende em grande parte da área de

intervenção artística, segundo o próprio, o resultado final da execução colectiva é

repartida entre várias áreas de criação artística, que além de se encontrarem envolvidas

umas com as outras, dependem sempre dos ―diálogos‖ estabelecidos entre os diferentes

criadores do projecto colectivo (Tavares, 2011). Afirma ainda que ―nas artes plásticas,

escritas entre outras, o indivíduo (criador) é normalmente uma figura única que

congrega a ideia com a execução‖, sendo por isso o principal gerador da grande maioria

dos seus actos criativos, a procura de respostas a uma determinada inquietação criativa.

(Tavares, 2011).

A envolvência da metodologia criativa nos dois trabalhos foi distinta, “A Caixa

Preta” o desafio inicial foi convidar dois escritores, Mia Couto e José Eduardo

Agualusa, a escreverem um texto único e especial para este espectáculo. Os autores

empenharam-se em deixar ao grupo um texto que aborda o tema do pós-guerra civil, os

ex-combatentes, os desaparecidos, e outros mistérios que a guerra carrega consigo. A

partir daí o grupo, e em especial a encenação, desenvolveu uma ideia para as

personagens e o espaço onde iria decorrer a acção, na ideia geral de que deveria fugir de

uma ilustração sugerida pelo enredo da acção, sendo que foi nessa procura que se

chegou ao cenário e aos ambientes sonoros do espectáculo (Tavares, 2011).

No caso do espectáculo “Remédios Santos” a principal energia criadora, partiu de

uma ideia concreta, que passou pela noção de inverdade na indústria farmacêutica e a

tentativa de por a nu algumas verdades e ao mesmo tempo desmistificar alguns mitos.

Houve um grande trabalho de pesquisa sobre a temática farmacêutica, recolhendo-se

textos e artigos em vários países para se chegar a um conjunto de informações que

permitiu trabalhar cada uma das cenas. A construção do cenário procurou ir de encontro

à versatilidade do espectáculo e ao mesmo tempo atribuir uma mobilidade que

permitisse incluir momentos diferenciados ao longo do espectáculo (Tavares, 2011).

Como em cada um dos espectáculos se procuram respostas é natural que os

contextos socioculturais acabem por influenciar e muito as produções referidas

anteriormente, isto porque, são motivadas pela busca/procura de respostas e cada

Page 20: Um olhar no finta   2010

18

criador é dependente do meio sociocultural onde vive. Assim, cada uma das

problemáticas abordadas e a forma como foram tratadas, configuraram-se unicamente

por cada um dos projectos artísticos, enquanto conjunto diferenciado de pessoas, algo

que era inevitável. Por isso o próprio cenógrafo afirma não acreditar que ―o projecto

escolhido por cada companhia fosse abraçado pela outra nem no tema nem na

abordagem‖ (Tavares, 2011).

3.1.1. – Plasticidades Teatrais

Se inicialmente o teatro era apresentado à luz natural do dia, desde a chegada da

tecnologia às artes criativas que nos habituámos a dimensionar o espectáculo teatral

com um conjunto de recursos tecnológicos. Quando o teatro saiu da rua e entrou em

salas concebidas para receber espectáculos artísticos, sentiu-se a necessidade de

iluminar as cenas e o próprio espaço de participação e observação, sendo que no

princípio eram as velas e as lamparinas de azeite, para mais tarde aparecer a iluminação

a gás e a electricidade, como conhecemos actualmente.

Esta constante modelação do espaço cénico, permitiu que a utilização da luz

coloca-se às claras determinada pormenorização dos cenários, exigindo também da

parte dos actores uma alteração na sua acção dramatúrgica, afinal a possibilidade de

abrilhantar a cena sugeria a exploração de diferentes formas e atmosferas dentro do

próprio espectáculo. Assim, para construir este jogo simbólico entre o actor e a acção, o

desenhador de luz é o responsável pela criação e funcionamento da iluminação do

espectáculo. É o profissional que em conjunto com o encenador e o cenógrafo escolhe

as cores e quais os ângulos e aberturas para o tipo de projecção, que melhor articula a

sua conjugação, de forma a criar diferentes ambientes para os distintos focos teatrais

(Teixeira, 2005).

O desenho de luz do espectáculo ―Remédios Santos‖ do grupo de Teatro Peripécia

foi idealizado pelo técnico Paulo Neto, iluminador profissional desde 1990 e que

trabalha no Trigo Limpo Teatro ACERT, mas regularmente vai realizando desenhos de

luz para outras companhias. De seguida apresento parte do depoimento escrito pelo

próprio, onde sugere a metodologia pessoal para o seu trabalho, não só neste caso em

particular como na generalidade dos projectos em que colabora.

À procura de uma ideia…

Page 21: Um olhar no finta   2010

19

―Sempre que me envolvo num processo criativo surge a mesma dúvida. Será que

consigo encontrar uma ideia que sirva de fio condutor ao meu trabalho e que vá de

encontro à proposta do espectáculo? Normalmente tento acompanhar o processo criativo

nas suas diversas fases. Oiço as ideias, reflicto sobre elas e sugiro novas ideias, ponho

questões, falo sobre as minhas dúvidas e certezas, sobre aquela nova proposta de

espectáculo. Assim que posso leio o texto, depois tento estar num ensaio de leitura para

ouvir os actores a interpretarem e a apropriarem-se do texto. Logo depois tento perceber

as ideias do encenador, dos actores, do figurinista e do cenógrafo para aquele

espectáculo. Assim começo a perceber a proposta estética que se pretende apresentar e a

partir daí vou pensando no ambiente plástico do espectáculo que cabe ao desenho de

luz. Depois procuro assistir a muitos ensaios e vou construindo ideias, umas que vão ser

utilizadas, outras que não prestam e outras ainda para explorar noutro processo criativo.

Finalmente chega o momento em que é possível experimentar as ideias e montar a

luz do espectáculo. Normalmente isso acontece perto da estreia e quando todos os

outros elementos estão praticamente prontos…é sempre uma corrida contra o tempo e

contra as más ideias…experimento, mudo coisas, falo com o encenador, com o

cenógrafo, com o figurinista, com os actores até chegar o momento em que estou

contente com o trabalho. Depois é aguardar pela estreia…é ficar com aquele nervoso

delicioso, é estar com os actores, é estar com o público, é maravilhoso…. Finalmente

está feito, agora é só esperar por mais desafios, por novas ideias‖ (Neto, 2011).

3.1.2. – As Naturezas das Personagens

O artista que representa, produz e interpreta uma acção partindo de um texto

dramático, seja em teatro, cinema ou televisão, é denominado de actor/actriz. Como

afirmei anteriormente o teatro não é um espaço exclusivo para a acção criativa dos

actores, mas a verdade é que também sem a presença física do actor, sem a sua acção

em palco perante o público não existiria o teatro tal como o conhecemos. Enquanto

actividade profissional o actor tem vindo a trilhar o seu caminho desde o séc. XVI, se

inicialmente era um labor marginalizado, a partir dessa altura começa a ser reconhecida

a sua capacidade de transfiguração a partir do seu próprio corpo, uma particularidade

que deslumbrou os espectadores e os torna na principal ―razão de ser do teatro, a

comunidade com a qual o acto teatral se faz‖ (Direcção Geral das Artes, 2007).

Page 22: Um olhar no finta   2010

20

É por isso o principal agente expressivo num espectáculo teatral, aquele que

estabelece uma comunicação entre o conteúdo textual e o espectador, emprestando o seu

corpo e a sua espiritualidade é ele que leva à existência ao texto do dramaturgo, a sua

voz e movimentos corporais interpretam a personagem e estabelecem uma comunicação

com o público. Podemos afirmar que o corpo é a principal ferramenta de trabalho do

actor e o seu principal compromisso é o de dar vida, actuando, no sentido de

transformar um texto literário num espectáculo artístico e teatral. Contudo, ―a maneira

de actuar do actor tem-se modificado muito através da História do Espectáculo,

acompanhando, sobretudo, as estéticas da representação, dependentes das tendências

políticas, filosóficas e até mesmo económicas, em voga‖ (Teixeira, 2005, p. 40).

Dentro do trabalho de criação da personagem, por norma cada actor escolhe e

determina a sua própria metodologia de trabalho para chegar à personagem que o

encenador pretende, assim e para melhor perceber as diferenças e o método pessoal de

criação da personagem, apresento de seguida dois testemunhos das actrizes do

espectáculo ― A Caixa Preta”. O primeiro depoimento é da actriz Sandra Santos, que

integra o Trigo Limpo Teatro ACERT desde 2003, onde participou em diversos

espectáculos, de seguida apresento o registo individual do seu processo de criação

artística referente a este projecto.

Vivências e Metodologia Pessoal de um Processo de Criação Artística – Sandra

Santos

―A primeira fase de ensaios correspondeu a um trabalho intensivo de leituras e de

entendimento do texto. Durante esta fase de trabalho, lemos e analisámos

pormenorizadamente o texto, e podemos contar ainda com o auxílio dos autores para

esclarecer dúvidas e fazer pequenas alterações textuais. Durante esta fase de trabalho a

minha maior preocupação é, num primeiro momento, compreender a história do texto, o

seu enquadramento histórico e social e qual o objectivo do encenador no que se refere à

adaptação do texto à cena. Como o texto é marcadamente africano umas das primeiras

preocupações é saber se o encenador quer restringir-se a esse universo, ou se quer que o

espectáculo seja mais universal, porque isso naturalmente altera a construção da

personagem. Assim, no espectáculo A Caixa Preta, a opção foi torná-lo o mais universal

possível. Um espectáculo que não fosse marcado nem por uma época, nem por um

tempo‖ (Santos, 2011).

Page 23: Um olhar no finta   2010

21

Porém, ―apesar da preocupação de tornarmos o espectáculo universal, e de a

própria história focar temas que são transversais a todas as épocas e culturas (como o

conflito de gerações; as máscaras que usamos; os medos que temos; etc...), a história

decorre num clima de pós-guerra, em que já se está a reconstruir o país, mas em que

ainda há violência nas ruas, situação esta que não se vive em Portugal mas que muitos

portugueses viveram e que muitos outros países continuam a viver e cuja informação

nos chega todos os dias através dos noticiários. Todas as questões que fui abordando até

agora, influenciam a construção da personagem. Deste modo, em todos os processos de

trabalho com texto, começo sempre por fazer um levantamento textual de tudo o que se

refere à minha personagem. Faço um estudo sobre o período histórico a que se refere o

texto e ao contexto social em que as personagens se inserem. E posteriormente vou criar

um questionário à minha personagem‖ (Santos, 2011).

―Aos poucos, e ainda durante as leituras vou descobrindo as intenções e as

motivações da personagem, o que a levam a dizer ou a agir de determinada maneira.

Esta descoberta é feita também com o auxílio do encenador que nos vai orientando nas

propostas que fazemos e que também nos faz novas propostas. Quando já tenho muitas

pistas de como é a minha personagem, visiono filmes, séries e documentários que me

possam ajudar na construção da personagem. Procuro, também, observar pessoas na rua,

que tenham atitudes, semelhantes às da personagem. Depois de um longo trabalho na

mesa, em que cada uma de nós já se apropriou do texto, e em que o encenador considera

que já não há dúvidas textuais e que o texto já só pode crescer com o auxílio do

movimento, passamos para os ensaios de palco‖ (Santos, 2011).

―No palco tudo muda. Dar vida à personagem. Misturar o texto e acção. Há no

início uma sensação de que o trabalho com o texto se perde quando começamos a

mover-nos em cena, porque nesse primeiro momento a atenção passa a estar mais

direccionada para o movimento e não para a palavra (ainda que sejam o complemento

uma da outra) mas com o tempo vamos interiorizando as duas e criando um equilíbrio

entre elas. Assim no palco começamos por definir os espaços, no caso do espectáculo

―A caixa preta‖ temos dois espaços distintos, um que corresponde ao quarto, e outro que

corresponde à cozinha/sala. Depois definimos as aberturas deste espaço (janela e porta)

ou seja, os sítios por onde entram as personagens. Todo o espaço é definido de acordo

com as necessidades do texto. Para uma melhor percepção do espaço em que as

personagens se encontram, e para neste caso criar um espaço mais intimista e em que

Page 24: Um olhar no finta   2010

22

haja uma coerência estética, o cenógrafo, que acompanhou ainda alguns ensaios de

leitura e que sabe exactamente o que o encenador pretende, elabora uma cenografia.

Depois de definida a cenografia começamos a desenhar no palco o movimento das

personagens. Encontrando, assim, em cada gesto e em cada andar uma motivação, uma

justificação para o fazer‖ (Santos, 2011).

―O próprio espaço em que as personagens se encontram influência o seu estado de

espírito. Por exemplo, apesar de todo o espectáculo se passar dentro de casa, a casa para

a minha personagem é de algum modo o estar refém em casa, presa à avó, dentro de

casa a memória do passado está mais viva. Por outro lado, todas as referências à rua, ou

aos barulhos exteriores são sensações agradáveis, mesmo que o som sejam de tiros.

Dentro de casa, o quarto é o único espaço onde ela encontra conforto, o quarto é um

refúgio. Vou ainda referir mais um elemento que é também importante para a

caracterização de uma personagem – os figurinos. Neste caso em particular, os figurinos

foram decididos por nós próprios, não havendo um figurinista que criasse as roupas das

personagens‖ (Santos, 2011).

―Depois de conjugados todos estes elementos e de repetirmos várias vezes as

mesmas cenas, há um momento em que o espectáculo já está montado, mas em que

ainda lhe faltam alguns ingredientes que não influenciam a construção da personagem,

mas que ajudam a criar dentro do mesmo espaço diferentes ambientes, refiro-me à

iluminação e à sonoplastia. Elementos que além de complementarem o espectáculo,

enriquecem em muito todo o espaço de representação. Após estarem afinados todos os

elementos que compõem um espectáculo falta-nos o momento mais importante, o dia

em que se estreia o espectáculo. O momento em que todo o trabalho tido ganha o seu

verdadeiro sentido e cumpre a sua função‖ (Santos, 2011).

Para melhor observar algumas diferenças no método pessoal de cada actor para

construir a sua personagem, apresento de seguida o testemunho escrito por outra das

actrizes da ―Caixa Preta‖, neste caso, Ilda Teixeira que integra o elenco residente do

Trigo Limpo desde 1999, tendo realizado diversos trabalhos e também prestado um

serviço público na área da formação teatral para grupos de teatro amadores da região.

Vivências e Metodologia Pessoal de um Processo de Criação Artística – Ilda

Teixeira

Page 25: Um olhar no finta   2010

23

―Segui neste e noutros processos o método geral do encenador porque parto sempre de

uma relação de absoluta confiança relativamente às suas ideias e direcção. Numa fase

inicial poderei até questionar uma série de métodos, o texto, determinadas opções, mas

isso acontece sempre numa fase inicial e poderá servir, até, de alerta. Remeto-me depois

unicamente ao trabalho de actriz porque acredito que só poderei concretizar um bom

trabalho se me focar unicamente nele, confiando absolutamente na pessoa que me dirige

e que melhor noção tem do espectáculo como um todo― (Teixeira, 2011).

O Trabalho de Texto

―Na primeira etapa de trabalho vou fazendo eu própria um trabalho de texto que passa

pela minha análise pessoal e repetição do texto, pensando na imagem que as palavras

traduzem. Como método costumo fazer uma leitura do texto antes de deitar e outra antes

de levantar por ser o momento em que nos encontramos mais adormecidos, relaxados e

sem capacidade de questionar, ou de encontrar defesas. Experimento sempre ler ou dizer

o texto num registo bastante baixo e intimista usando sotaques variados para não me

viciar em registos ou musicalidade‖ (Teixeira, 2011).

A Construção da Personagem

―Depois da etapa de mesa e de implantação de cena, a personagem vai-se adivinhando,

vai surgindo sem que eu tenha grande influência nisso; vai - se clarificando; Só depois

disso é que começa o processo de construção de personagens. Início uma fase louca de

busca desordenada, vejo filmes, vejo fotografias, sigo gente que eu identifico com a

personagem, experimento vozes, formas de caminhar e vou praticando em casa, nos

meus momentos quotidianos, a personagem e a sua forma de reagir em algumas

situações. E muito naturalmente a pesquisa e as conclusões vão-se afunilando e ficando

mais claras e precisas. Sinto sempre que o meu trabalho cresce consideravelmente com

os ensaios e espectáculos que me permitem habitar as histórias, as emoções e

contracenar com os outros actores‖ (Teixeira, 2011).

Trabalho de Palco

―Acrescento a tudo o resto um trabalho de cena, de manipulação técnica dos objectos,

de experimentação de registos e ritmos diferentes dependente de cada cena, que dará

maior fluidez e riqueza à interpretação‖ (Teixeira, 2011).

Page 26: Um olhar no finta   2010

24

3.1.3. – Harmonização Expressiva

A arte de harmonizar as ideias contidas no texto literário, o conjunto de estórias

que reflectem vivências do escritor têm que passar pela fase de transformação de um

manifesto escrito num acto expressivo e teatral, por em prática (teatro) um registo

teórico (texto). Esta colocação em cena de um espectáculo teatral diz respeito à

encenação, ―a verdadeira encenação dá um sentido global não apenas à peça

representada, mas à prática do teatro em geral. Para tanto, ela deriva de uma visão

teórica que abrange todos os elementos componentes da montagem: o espaço (palco e

plateia), o texto, o espectador e o intérprete‖ (Teixeira, 2005, p. 117).

Este desempenho engloba todo o conjunto de acções e movimentações do actor

em palco, complementa o acordo entre a ideia e a acção do espectáculo teatral, necessita

por isso de um profissional capaz de dimensionar e marcar o desenho espacial do

espectáculo. Alguém capaz de orientar e dirigir os movimentos e atitudes do actor no

palco, responsável pela linha artística do trabalho criativo de todo o espectáculo, o

artista que harmoniza e articula todos os actos criativos inerentes à produção teatral.

O encenador Pompeu José integra o elenco do Trigo Limpo desde 1993, onde é

também actor e director artístico, foi o responsável pela encenação do espectáculo da

casa – Trigo Limpo Teatro ACERT, “ A Caixa Preta”. A mais recente produção teatral

do grupo, apresenta, ―do ―lado da história‖, o reencontro de Mia Couto e José Eduardo

Agualusa para juntos escreverem uma dramaturgia a partir do conto ―Eles não são como

nós‖, que parece inserido no livro Fronteiras Perdidas – Contos para Viajar, assinado

pelo último autor. E do ―lado do palco‖, as três actrizes da Companhia ACERTina –

Ilda Teixeira, Raquel Costa e Sandra Santos – levam o enredo a cena. Um enredo que,

subvertendo o conto, pretende reflectir sobre a necessidade (ou não) do esquecimento,

bem como sobre as muitas máscaras que cada um de nós utiliza‖ (ACERT, 2010).

Segundo o próprio Pompeu José (2011), falando-me acerca do processo criativo,

neste caso um espectáculo de texto, ―é a partir do texto que se originam os primeiros

impulsos no que o texto deixa de primeira marca nos criadores intervenientes no

processo.‖ ―Depois é descodificar tudo o que se diz e não diz, o que funciona no

raciocínio mesmo quando não falas, que palavra ou palavras o outro disse que te faz

pensar e depois dizer algo. Um trabalho de mesa moroso e desmultiplicador de sentidos

e das pessoas (personagens) que vão representar aquele pedaço da vida que será o

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25

espectáculo. Depois ―onde se passa aquilo‖, a descoberta desse espaço mágico, que não

tem que ser naturalista mas que tem de ter vida própria e regras como os espaços da

vida. Depois o começar a criar esse mundo, onde as pessoas e as falas existam sempre

como se fosse a primeira vez e tudo não pudesse ser de outra maneira.‖

A metodologia que apresento de seguida foi descrita por uma das actrizes, no caso

Ilda Teixeira, método este que fiz questão de o apresentar ao encenador, tendo o próprio

concordado com o método que passo a presentar. Faço ainda referência que esta

metodologia é referente ao espectáculo ―A Caixa Preta‖ e aparece numa fase já de

laboração com os actores, o que pressupõe um trabalho de preparação e desconstrução

do texto da parte do encenador.

Metodologia do Encenador - “Pompeu José”

1ª Etapa – Trabalho de Mesa

―Neste e noutros processos de criação artística o encenador opta por iniciar o

trabalho com uma fase, a que chamamos ―trabalho de mesa‖, que consta num trabalho

de análise pormenorizado do texto - interpretação da história geral, identificação das

personagens e do ambiente sociocultural e político, etc. Em alguns casos é nesta etapa

que se faz uma dramaturgia de conjunto, ainda que o encenador a tenha feito e pensado

anteriormente.‖

―No caso de “Caixa Preta” iniciámos esta etapa de ―mesa‖ com o texto ainda

numa fase aberta, de ―fabrico‖ ou construção, o que tornou possível fazer, sugestões de

mudanças ou mesmo de criações para novas cenas aos escritores. Novos textos que nos

pareciam essenciais para que a história se tornasse mais consistente, ou pelo simples

facto de o encenador ter já uma ideia muito definida relativamente a algumas cenas. É

ainda nesta etapa que a par e passo se vai fazendo uma descodificação do subtexto,

intenções e identificação da trama emocional das personagens; trabalha-se a chamada

―verdade‖ do texto e das personagens; trabalha-se, a partir das intenções diversas, o lado

coloquial do texto, o ―texto conversado‖.‖

―É uma fase, digamos, de um verdadeiro processo arqueológico em que durante

quase um mês se vai escavando dia a dia, retirando o pó para que tudo fique mais claro,

mais definido. Muito naturalmente o texto vai ficando na memória anulando muitas

vezes o trabalho de casa para a memorização do mesmo.‖

Page 28: Um olhar no finta   2010

26

2ª Etapa – Implantação no Palco

―Esta é uma fase muito mais rápida, mais física e de maior relação com o espaço

de cena. Na maior parte das vezes o cenário está ainda em fase de execução pelo que se

substitui por peças diversas – mesas, cadeiras, caixas e até objectos que depois,

determinam por vezes os adereços de cena que irão ser usados no espectáculo.‖

―No processo da ―Caixa Preta” o trabalho de marcações, isto é, as deslocações

dos actores no espaço de cena e a interacção e contracena entre eles e o espaço, que

surge, normalmente, por proposta do encenador, foi mesclado com várias propostas dos

actores intervenientes. Á medida que se foi fazendo a ―marcação‖ do espectáculo foi-se

repetindo as cenas, não só para memorizar as deslocações e interacções mas,

fundamentalmente, para as tornar mais fluidas, orgânicas e credíveis. Quando chega,

finalmente o cenário é necessário habitá-lo, torná-lo próximo, fazer dele a nossa casa. E

o mesmo acontece em relação aos figurinos.‖

3ª Etapa – Afinação e Ensaios Gerais

―Nesta última fase fazem-se as afinações de cena, isto é, trabalham-se cenas

específicas no sentido de melhorar as dinâmicas, os ritmos, a interpretação ou questões

mais técnicas, seguidas de um ensaio geral do espectáculo para afinar, também a

dinâmica geral do espectáculo. É normalmente nesta fase que se incluem os ensaios com

luz e com som que são mais técnicos que interpretativos.‖

4ª Etapa – O Espectáculo

―Faltou às 3 etapas anteriores o vector fundamental para o crescimento do

espectáculo – o público. Os espectáculos que sucedem a estreia são fundamentais para

melhorar todas as questões de interpretação, interacção, contracena e dinâmica do

espectáculo.‖

Page 29: Um olhar no finta   2010

27

Implicações

Como o teatro é resultado de esforços e criações de várias pessoas, construído sob

o próprio conceito de comunidade é ao mesmo tempo capaz de interrogar os valores e

os traços identitários da mesma sociedade. Mas também possui dentro de si a força de

ser ―o lugar de onde se (pode) ver‖. De um lado podemos observar o acto criativo do

indivíduo criador, a manifestação artística que nasce de raízes no meio social e

fundamentalmente do poder imaginativo que une a vontade humana de procurar

respostas com actos expressivos no tecido sociocultural da própria comunidade.

A dinamização do sector cultural e criativo em Portugal assume cada vez mais

relevância quer na criação de empregos e de riqueza, quer também ao nível da

promoção dos territórios, sejam eles rurais ou urbanos, sendo exemplo disso um festival

de folclore ou a criação de um ―cluster‖ das indústrias culturais e criativas, como

podemos comprovar com o caso da ADDICT - Agência para o Desenvolvimento das

Indústrias Criativas, sediada na cidade do Porto. Este último exemplo afirma-se pela

criação de uma plataforma multidisciplinar do sector das Indústrias Criativas, que visa

essencialmente contribuir para o desenvolvimento do sector económico criativo,

potenciando o empreendimento cultural e artístico.

É portanto reconhecido por todos o papel sociocultural que a arte e a cultura

possuem na dinamização do património artístico-cultural das comunidades, além de ser

também um factor de competitividade capaz de atrair pessoas e investidores. Isto

implica por si só um crescimento económico e social sustentável, consciente das

realidades de cada sociedade, ao mesmo tempo que desenvolve e transforma o tecido

social, humano e institucional dos territórios.

Com a observação dos processos criativos inerentes ao FINTA, constato que a

arte e a cultura determinam em parte uma relação com o meio sociocultural onde estão

inseridos, promovendo ao mesmo tempo a criatividade individual e colectiva. São

também geradores de mobilização comunitária determinantes na sensibilização dos

cidadãos para a participação e consequente resolução dos problemas socioeconómicos.

Esta envolvência potenciada através da cultura pressupõe a construção de uma

cidadania interessada e activa na procura de resolução dos seus próprios problemas,

sendo que para isso é indispensável que os órgãos de poder local, nacional e

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internacional, reconheçam e arroguem de uma vez por todas a arte e a cultura como uma

mais-valia institucional, de interesse público e com benefícios sociais.

No plano pessoal a oportunidade de observar os processos criativos dos vários

intervenientes no FINTA, possibilitou-me obter uma real percepção relativamente à

adaptação dos métodos criativos dependentemente de cada um dos criadores. Isto é, o

indivíduo tem ao seu dispor vários processos para chegar ao resultado final, mas o

caminho para lá chegar pode ser realizado por diversos trajectos.

Posso por isso concluir que a criação artístico-cultural e todo o acto criador do ser

humano, contribui significativamente, para a afirmação não só da cultura, mas também

das outras áreas científicas. Afinal, a criatividade pressupõe uma funcionalidade da

inteligência humana, que por norma insuperável, quer ao nível pessoal como colectivo.

É necessário que essa atitude criadora individual não se sobreponha aos valores da

comunidade, mas que potencie essas construções fantásticas e desbloqueie o

pensamento social para a racionalidade, a participação cívica, algo que a arte e a cultura

contêm no seu interior, mas que teima em continuar fechada em si mesmo.

Constato ainda que a criação deste festival ao nível interno (da comunidade e da

organização), continua a ser uma ―imagem de marca‖ do território, fundamentalmente,

porque ir ao teatro significa, de facto, entrar num mundo ―privado‖, que é habitado por

personagens fantásticas, histórias surpreendentes de linguagens múltiplas, mas que nos

fazem saltar da cadeira onde estamos sentados e nos capacitam para olhar o mundo que

nos rodeia de uma outra forma.

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ANEXO I - Programação FINTA - 2010

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