Um perfeito exemplo de como se cozinham os dogmas em Roma

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  • 8/7/2019 Um perfeito exemplo de como se cozinham os dogmas em Roma

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    Um perfeito exemplo de como se cozinham osdogmas em Roma

    Na Sesso IV do Conclio Vaticano I (18 de Julho de 1870) se sancionou a

    Constituio Dogmtica I sobre a Igreja de Cristo, que em concreto fala doprimado e da infalibilidade papais. O seu captulo 3 se titula Da natureza e razo do

    primado do Romano Pontfice. Numa parte diz assim:

    [Da jurisdio do Romano Pontfice e dos bispos.] Ora, to longe est este poder doSumo Pontfice de danificar aquele poder ordinrio e imediato de jurisdioepiscopal pelo qual os bispos que, constitudos pelo Esprito Santo [cf. At 20,28],sucederam aos Apstolos, apascentam e regem, como verdadeiros pastores, osseus respectivos rebanhos; que pelo contrrio, este poder afirmado,robustecido e vindicado pelo pastor supremo e universal, segundo o dizerde S. Gregrio Magno: A minha honra a honra da Igreja universal. A minhahonra o slido vigor dos meus irmos. Ento sou eu verdadeiramente honrado,

    quando no negada a honra que a cada um devida.

    (Denzinger # 1828; negrito acrescentado)

    A citao de Gregrio Magno (bispo de Roma 590-604) parece, tal como apresentada, concordar perfeitamente com o que se vem dizendo de como oprimado do papa como bispo universal no afecta a autoridade dos demais bispos.

    No entanto, a verdadeira opinio de Gregrio sobre o primado se v quando aporo citada se l no seu contexto original. Trata-se de uma carta a Eulgio, bispode Alexandria, que na parte pertinente diz:

    Vossa Bem-aventurana tambm foi cuidadoso em declarar que no faz agora usode ttulos orgulhosos, que brotam de uma raiz de vaidade, ao escrever a certas

    pessoas, e se dirige a mim dizendo, Como tu o ordenaste. Esta palavra, ordenar,lhe rogo que a afaste dos meus ouvidos, j que sei quem sou eu e quem sois vs.Pois em posio sois meus irmos, em carcter meus pais. Eu no ordenei, ento,mas estava desejoso de indicar o que me parecia ser benfico. Contudo, no achoque Vossa Bem-aventurana tenha estado disposto a recordar perfeitamente estamesmssima coisa que trago sua memria. Pois eu disse que nem a mim nem amais ningum devia escrever alguma coisa do gnero; e eis que no prefcio daepstola que me dirigiu a mim que me recuso a aceit-lo, considerou apropriadofazer uso de um apelido orgulhoso, chamando-me Papa Universal. Mas rogo suadulcssima Santidade que no volte a fazer tal coisa, j que o que concedido a

    outro para l do que a razo exige subtrado de voc mesmo. Pois, quanto a mim,no busco ser prosperado por palavras, mas pela minha conduta. Nem considerouma honra aquilo pelo qual sei que meus irmos perdem a honra deles. Pois aminha honra a honra da Igreja universal; a minha honra o slido vigor dosmeus irmos. Ento sou verdadeiramente honrado quando no negada a eles ahonra devida a todos e cada um. Pois se Vossa Santidade me chama a mim PapaUniversal, nega que seja voc o que me chama a mim universalmente. Mas longeesteja isto de ns. Fora com as palavras que inflam a vaidade e ferem a caridade.

    (Epstola 8.30 a Eulgio, bispo de Alexandria)

    Como se pode notar, os bispos do Vaticano I realizaram, em prol do primado, a

    faanha de fazer dizer a Gregrio Magno exactamente o oposto do que eledisse. Este bispo de Roma se dava perfeita conta que nenhum bispo tinha

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    direito ao ttulo de universal, e de que conceder tal ttulo a um bispo emparticular implicava rebaixar a dignidade dos demais bispos.

    Em contrapartida, no Conclio Vaticano I se usou, com uma audcia que raia ocinismo, uma poro desta carta para demonstrar a tese de que o episcopadouniversal do bispo romano no somente era compatvel, mas tambm

    benfico para a autoridade dos demais bispos.

    De modo que, na constituio que definiu dogmaticamente o primado e ainfalibilidade, a Igreja de Roma deturpa at o dito por um bispo de Roma.