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Um trabalho meticuloso. Restauro de uma flauta transversal de inícios do séc. XX Ana Sofia Silva Técnica da D. Caeiro, Lda. Resumo Introduz-se o texto com uma pequena abordagem ética ao conceito de restauro e segue-se uma breve descrição estética e histórica do instrumento, tendo em conta as principais características que o definem. Resumo descritivo das operações mais importantes realizadas durante o processo de restauro pela equipa D. Caeiro. Introdução Um instrumento musical pertence a um conjunto específico de objectos que possuem uma característica especial: a funcionalidade. É através dela que o mesmo transmite grande parte do seu valor. Por isso, quando se pensa em restaurar um instrumento, muitas questões éticas podem e devem surgir naturalmente. Ao fim e ao cabo, trata-se de um determinado património, seja ele particular ou geral, e o objectivo principal é sempre preservar e revelar o valor estético e histórico dessa propriedade cultural. A D. Caeiro tem demonstrado uma preocupação crescente com um grupo restrito de instrumentos antigos que vão aparecendo na oficina. Segundo a estrutura de pensamento de Barclay 1 , num restauro o instrumento é “restituído a” e mantido num estado que se assume que represente um período anterior da sua existência. Neste regime, qualquer acção sobre os instrumentos é restauro, seguido de manutenção (Barclay, 2004). Deste modo, qualquer intervenção que venha a ser feita implicará sempre a aplicação de determinados processos de restauro que vão além dos preceitos da conservação (dos quais, muitos podem ser extremamente invasivos na 1 Robert Barclay está desde 1975 no Canadian Conservation Institute (CCI) onde é, actualmente, Conservador Sénior, sendo também internacionalmente reconhecido como um dos mais conceituados peritos na área de conservação e restauro de instrumentos musicais. integridade física dos instrumentos 2 ) e também a substituição de alguns elementos, uma vez que se visa restituir também a funcionalidade do próprio instrumento. Assim sendo, é difícil (senão impossível), levar a cabo um restauro completo sem assumir um determinado compromisso. Por isso, estas questões devem ser sempre bem ponderadas e justificadas quando se pretende realizar um restauro. O Dr. Paulo Ennes é um coleccionador de flautas antigas que há muito confia as suas peças à D. Caeiro para serem submetidas a um restauro ou, como o próprio gosta de lhe chamar, o “habitual tratamento de beleza”. Desta feita, o instrumento confiado foi uma flauta transversal em madeira cujo construtor e marca são desconhecidos. Contudo, muitas das suas características nos permitiram afirmar que se trata de um modelo Schwedler-Kruspe (patente de 1895). Figura 1. Vista geral da flauta transversal. 2 Um exemplo mais simples desta “invasão” será o polimento, um processo abrasivo onde existe sempre remoção de material.

Um trabalho meticuloso - DCaeiro · Desta feita, o instrumento confiado foi uma flauta transversal em madeira cujo construtor e marca são desconhecidos. Contudo, muitas das suas

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Page 1: Um trabalho meticuloso - DCaeiro · Desta feita, o instrumento confiado foi uma flauta transversal em madeira cujo construtor e marca são desconhecidos. Contudo, muitas das suas

Um trabalho meticuloso. Restauro de uma flauta transversal de inícios do séc. XX

Ana Sofia Silva Técnica da D. Caeiro, Lda.

Resumo Introduz-se o texto com uma pequena abordagem ética ao conceito de restauro e segue-se uma breve descrição estética e

histórica do instrumento, tendo em conta as principais características que o definem. Resumo descritivo das operações mais importantes realizadas durante o processo de restauro pela equipa D. Caeiro.

Introdução

Um instrumento musical pertence a um conjunto

específico de objectos que possuem uma

característica especial: a funcionalidade. É através

dela que o mesmo transmite grande parte do seu

valor. Por isso, quando se pensa em restaurar um

instrumento, muitas questões éticas podem e devem

surgir naturalmente. Ao fim e ao cabo, trata-se de um

determinado património, seja ele particular ou geral, e

o objectivo principal é sempre preservar e revelar o

valor estético e histórico dessa propriedade cultural.

A D. Caeiro tem demonstrado uma preocupação

crescente com um grupo restrito de instrumentos

antigos que vão aparecendo na oficina.

Segundo a estrutura de pensamento de Barclay1,

num restauro o instrumento é “restituído a” e mantido

num estado que se assume que represente um período

anterior da sua existência. Neste regime, qualquer

acção sobre os instrumentos é restauro, seguido de

manutenção (Barclay, 2004). Deste modo, qualquer

intervenção que venha a ser feita implicará sempre a

aplicação de determinados processos de restauro que

vão além dos preceitos da conservação (dos quais,

muitos podem ser extremamente invasivos na

1 Robert Barclay está desde 1975 no Canadian

Conservation Institute (CCI) onde é, actualmente,

Conservador Sénior, sendo também internacionalmente

reconhecido como um dos mais conceituados peritos na área

de conservação e restauro de instrumentos musicais.

integridade física dos instrumentos2) e também a

substituição de alguns elementos, uma vez que se visa

restituir também a funcionalidade do próprio

instrumento.

Assim sendo, é difícil (senão impossível), levar a

cabo um restauro completo sem assumir um

determinado compromisso. Por isso, estas questões

devem ser sempre bem ponderadas e justificadas

quando se pretende realizar um restauro.

O Dr. Paulo Ennes é um coleccionador de flautas

antigas que há muito confia as suas peças à D. Caeiro

para serem submetidas a um restauro ou, como o

próprio gosta de lhe chamar, o “habitual tratamento

de beleza”.

Desta feita, o instrumento confiado foi uma flauta

transversal em madeira cujo construtor e marca são

desconhecidos. Contudo, muitas das suas

características nos permitiram afirmar que se trata de

um modelo Schwedler-Kruspe (patente de 1895).

Figura 1. Vista geral da flauta transversal.

2 Um exemplo mais simples desta “invasão” será o

polimento, um processo abrasivo onde existe sempre

remoção de material.

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Ana Sofia Silva – Setembro 2007 2 / 9 

Schwedler-Kruspe

O flautista alemão Maximilian Schwedler (1853 –

1940), tendo desempenhado os papéis de Primeiro

Flauta na Orquestra do Gewandhaus, entre 1981 e

1917, e professor do Conservatório de Leipzig, entre

1908-1932, foi um dos maiores e últimos

representantes do modelo de flauta cónica, cujas

vantagens defendia ferozmente face ao novo modelo

de flauta Boehm. Assim, na procura de um modelo

ideal com as características das flautas cónicas,

colaborou intensamente com a família Kruspe tendo

produzidos diversos modelos dos quais se destacam o

primeiro modelo de 1885, a flauta “Schwedler-

Kruspe” (com a colaboração de F.W. Kruspe3), e o

modelo de 1898, a “Reformflöte” (com a colaboração

de C. Kruspe4), que sofreu diversos aperfeiçoamentos

(Waterhouse, 1993, 2006a e 2006b).

O modelo cónico é uma herança do século XVIII

que é praticamente igual ao modelo de diâmetro

interno das comuns flautas de bisel e flautas barrocas:

a cabeça tem diâmetro cilíndrico, enquanto que o

corpo e o pé da flauta contraem conicamente em

direcção à extremidade mais baixa, ou final (Baines,

1991).

O instrumento em questão é, portanto, uma flauta

transversal de modelo cónico que se divide em três

secções principais: a cabeça, o corpo (que contém os

seis orifícios fundamentais do instrumento) e o pé.

Esta será a primeira característica que nos permite

diferenciar esta flauta de modelos cónicos mais

contemporâneos. A sua estrutura é em madeira escura

3 Friedrich Wilhelm Kruspe (1838-1911): fabricante

alemão de instrumentos de sopro de madeira, de tradição

familiar sitiada em Erfurt. 4 Carl Kruspe (1865-?): filho mais velho de F.W.

Kruspe, que se estabeleceu como fabricante de instrumentos

de sopro de madeira em Leipzig a partir de 1893.

que será muito seguramente ébano5 (grenadilla –

Dalbergia Melanoxylon) e a cabeça da flauta é em

metal, cuja superfície niquelada possui ainda uma

embocadura em plástico (ebonite) aparafusada. O

orifício da embocadura possui uma certa elevação

superior (“Reform Mundloch”), introduzida por Otto

Mönnig em 1904. Esta característica não corresponde

às alterações efectuadas por Schwedler, mas permite-

nos situar temporalmente o instrumento6.

A rosca da cabeça da flauta é de sistema de

parafuso de madeira torneado, como podemos

visualizar na figura 3.

Figura 2. Pormenor da embocadura da flauta.

Figura 3. Pormenor da rosca da cabeça da flauta.

5 Correctamente, o termo ébano é utilizado para

designar qualquer espécie de árvore do género Diospyros.

No entanto, também é vulgarmente utilizado para designar

qualquer outra espécie de madeira não relacionada,

essencialmente por causa da cor escura, como por exemplo:

a cocus (Brya Ebenus) ou a grenadilla (Dalbergia

Melanoxylon), ambas utilizadas na construção de

instrumentos musicais. 6 Note-se que sendo o construtor desconhecido não

podemos afirmar com certeza absoluta a origem da flauta,

mas é normal que muitos construtores do início do séc. XX

tenham adaptado diversas características técnicas de

patentes diferentes aos seus instrumentos.

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Ana Sofia Silva – Setembro 2007 3 / 9 

Em relação ao mecanismo, a flauta possui um

sistema de 12 chaves e 4 anéis em alpaca (liga de Cu-

Zn-Ni). Foi neste sistema que se identificaram

algumas características da patente de Schwedler,

como por exemplo:

- O mecanismo do pé da flauta assemelha-se

ao da flauta Boehm, com os toques para as

chaves de Dó# e Dó à direita do toque para a

chave de Ré# (fig 4);

- Chave de trilo de Sol/Lá da terceira oitava

com haste situada entre os orifícios 4 e 5 e

accionada pelo médio direito (fig.5);

- Chave de trilo de Mi/Ré da terceira oitava

(diferente da usual chave longa), accionada

pelo indicador da mão direita (fig.6);

- Dispositivo de Cis Brille7 para a mão

esquerda, destinado a melhorar a afinação de

Dó#/Dó (fig.7);

- Uma variação do dispositivo de Fis

Meckanik para a mão direita, destinado a

melhorar a afinação de Fá#/Fá (fig.8).

Figura 4. Pé da flauta.

Figura 5. Corpo da flauta. As setas a azul indicam a chave

de trilo Sol/Lá.

7 Brille é o termo alemão para óculos, aos quais o

dispositivo se assemelha.

Figura 6. Pormenor da chave de trilo Mi/Ré.

Figura 7. Cis Brille.

Figura 8. Fis Meckanick.

O instrumento possui caixa própria em madeira,

interiormente forrada com veludo de cor arroxeada.

Como único acessório, existe uma pequena caixa

metálica em latão (liga Cu-Zn) onde se guarda a

gordura lubrificante do instrumento.

Intervenção

Feito o diagnóstico prévio, o instrumento

apresentava-se num estado de conservação bastante

razoável, não tendo grandes problemas a nível

estrutural à excepção de uma fractura de uma chave

do sistema (chave de Si grave), que seria necessário

reconstruir. E para além do habitual procedimento de

restauro, foi também solicitado que se efectuasse um

prateamento do sistema de chaves.

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Estabelecidos os objectivos principais da

intervenção, começou-se então com a desmontagem

integral das partes metálicas do pé e corpo da flauta,

cujos principais elementos incluem: chaves,

parafusos, eixos, molas (agulhas e planas), roletes,

cavaletes e anéis de segurança decorativos. Todos

esses elementos foram colocados em sítios

especificamente identificados de acordo com um

esquema feito propositadamente para o caso. Deste

modo, evitar-se-ia perder ou trocar algum elemento.

Figura 9. Desmontagem da flauta com registo e

identificação das chaves.

Figura 10. Desmontagem de cavaletes e anel de segurança.

Figura 11. Após a desmontagem completa.

Uma vez desprovidos de todo o apetrecho

metálico, o corpo e o pé da flauta em madeira foram

bem limpos e minuciosamente examinados para

verificar a existência de possíveis fissuras que

pudessem ter escapado no exame inicial. Não tendo

identificado nada que necessitasse de intervenção, a

madeira estaria então pronta para ser tratada. Após a

substituição das cortiças dos encaixes machos do

corpo por umas novas, procedeu-se então à nutrição

da madeira, recorrendo ao óleo de amêndoas doces8.

Nestes casos, a madeira recebe uma boa nutrição e

fica a descansar por algum tempo, de modo a permitir

que o óleo se infiltre bem nos seus veios e poros para

garantir uma protecção eficaz.

Figura 12. Colocação de nova cortiça no encaixe macho.

Figura 13. Nutrição da madeira com óleo.

Em relação aos elementos metálicos, os processos

foram mais longo e complicado. Como o sistema de

chaves iria ser sujeito a prateamento9, seria

necessário efectuar um polimento intensivo de modo

a preparar a superfície metálica para receber bem o

revestimento.

8 A escolha deste óleo está relacionada com o seu

tempo de secagem em relação ao clima português, que se

revela a melhor escolha. 9 Para além das chaves em si, também os cavaletes e os

anéis decorativos seriam sujeitos a prateamento.

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Ana Sofia Silva – Setembro 2007 5 / 9 

Deste modo, o polimento foi realizado por etapas.

Numa primeira etapa efectuou-se um polimento

utilizando uma lixa de granulometria fina nas

superfícies mais alteradas de algumas chaves e nos

cavaletes. Este primeiro polimento permitiria obter

superfícies mais homogéneas. Depois, o restante

polimento dos elementos foi realizado na polidora,

recorrendo às pastas de polimento. Começando com

uma pasta negra (polimento agressivo) e finalizando

com uma pasta verde (polimento extremamente fino;

avivamento). Após o polimento, todos os elementos

metálicos foram bem limpos para eliminar quaisquer

vestígios de pastas de polimento, e removeram-se os

batentes de cortiça e sapatilhas antigos.

Agora, os elementos estariam finalmente prontos

para serem sujeitos ao processo de prateamento

utilizado na oficina.

Figura 14. Polimento de cavalete com lixa fina.

Figura 15. Polimento de chave na polidora.

Figura 16. Nesta imagem é possível visualizar a diferença

de superfícies metálicas entre uma chave polida (à esquerda)

e uma chave original.

O prateamento é precedido de duas operações

fundamentais para preparar as superfícies a revestir:

um banho de ultra-sons e uma decapagem. O banho

de ultra-sons é composto por uma mistura de água,

uma solução de limpeza de metais e um pouco de

detergente neutro, que irá fazer uma limpeza via

química profunda nas peças, através de um processo

de implosão que provoca o choque de partículas junto

das superfícies metálicas. A decapagem é feita por

via electroquímica. Aqui, aplica-se uma solução

electrolítica, que irá eliminar as camadas de óxidos e

outras impurezas e gorduras presentes na superfície

das peças de modo a que a posterior deposição de

material (Ag - prata) constitua uma camada

perfeitamente aderente e homogénea.

O prateamento realizado é no fundo uma

electrodeposição metálica, ou um revestimento

electrolítico localizado, um processo selectivo de

electrólise sem imersão em que o princípio é o

seguinte: o ânodo, ou o dispositivo anódico10, é

impregnado com uma solução electrolítica especial e

é depois colocado sobre a peça a revestir que

constitui o cátodo. O metal deposita-se sobre a peça

10 Constituído por um suporte que contém um

ânodo de grafite revestido por uma esponja, através

da qual se efectua a electrólise. Esse suporte é ligado

ao gerador de corrente e a electrólise ocorre com o

esfregar da superfície metálica.

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Ana Sofia Silva – Setembro 2007 6 / 9 

pela acção da corrente eléctrica (Prioux, 1989). O

resultado final é uma camada de revestimento de

prata muito fina (na ordem dos 5 mícron), compacta e

quase isenta de porosidades.

Figura 17. Nesta imagem é possível visualizar a diferença

entre as chaves prateadas (mais claras) e não prateadas após

a decapagem (mais escuras).

Para finalizar a sessão, as peças prateadas são

então lavadas e escovadas num banho de água tépida

e detergente neutro. Após a lavagem, as peças são

secas com pressão de ar, evitando o uso de panos ou

toalhas para não riscar a superfície.

É importante dizer também que este processo de

prateamento não irá ter apenas efeito a nível estético

das superfícies metálicas, mas também terá um efeito

secundário benéfico no prolongamento da “vida” da

peça, uma vez que nos obriga a nós, técnicos, a

rectificar, uniformizar e proteger o metal que

frequentemente sofre agressões provocadas quer pelo

meio ambiente, quer sobretudo pela acidez de suor do

músico.

Após o prateamento, efectuou-se uma limpeza

imediata das chaves com parafusos, que também

foram logo tratados11 para impedir o enferrujamento.

E no final, fez-se uma passagem com um pano azul

(que contém químicos abrilhantadores) para

11 Sequência de tratamento: remoção de parafuso,

rectificação da cabeça do mesmo, colocação de óleo na

rosca e montagem do parafuso. O óleo aplicado irá

constituir uma boa protecção.

abrilhantar as superfícies metálicas. Neste ponto, as

chaves estariam então prontas para receber os novos

batentes em cortiça.

Outros elementos como os parafusos de fixação,

os eixos, os roletes e as molas espátula foram também

rectificados antes de serem montados.

Uma operação bastante meticulosa no restauro

deste instrumento foi ainda a reconstrução de parte da

chave de Si grave.

Figura 18. Pormenor da chave de Si grave fracturada.

Partindo de uma pequena chapa do mesmo

material da chave (alpaca), cortou-se um pedaço que

iria ser adaptado à chave. Bastaria um pequeno

pedaço que prolongasse o comprimento da chave até

ao próximo mecanismo/chave que esta iria accionar

(como podemos constatar na figura 21).

Figura 19. Escolha de chapa de alpaca para a reconstrução.

Figura 20. Corte da chapa.

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Figura 21. Pequeno pedaço cortado para a reconstrução.

Para estabelecer uma ligação estrutural segura,

utilizou-se uma solda forte (Ag) para unir o pequeno

pedaço à chave.

Figura 22. Solda a prata (Ag).

A partir daí, restaria o trabalho manual de

adaptação do pedaço acrescentado ao formato da

chave e, depois, ao mecanismo correspondente.

As figuras seguintes, em conjunto com as suas

legendas, ajudam a perceber melhor a sequência desta

adaptação:

Figura 23. Moldagem do pedaço acrescentado ao formato

da chave original, através do uso de limas e lixas.

Figura 24. Montagem da chave e verificação do tamanho

correcto.

Figura 25. Marcação de sítios-chave para corte e desgaste

para adaptar correctamente a chave ao mecanismo.

Figura 26. Corte do excesso da chave.

Figura 27. Nova marcação para adaptar a chave à saliência

do anel de segurança decorativo, na junção do corpo com o

pé da flauta.

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Figura 28. Utilização de limas para o desgaste final das

zonas assinaladas para adequação correcta ao mecanismo da

flauta.

Figura 29. Resultado final da reconstrução da chave após os

devidos acabamentos de polimento, avivamento e

prateamento.

Na montagem do instrumento, o maior desafio foi

exactamente a adaptação dos consumíveis de

desgaste rápido (como as sapatilhas, cortiças, feltros,

molas, etc.), de construção industrial e actual, ao

mecanismo e corpo existentes sem de forma alguma

alterar posições ou funcionamento mecânicos

elaborados e definidos aquando da construção desta

peça.

No caso particular das sapatilhas, foi necessário

adaptar cada sapatilha utilizando normalmente feltros

e cartão finos muito utilizados em flautas topo de

gama actuais ou instrumentos de palhetas duplas.

Note-se que antigamente era frequente que os

próprios luthiers/construtores fabricassem as suas

próprias sapatilhas. É importante que se perceba que

o que parece evidente nos nossos dias não tem de ser

obrigatoriamente aplicado, e sobretudo, alterado na

sua primeira forma. Há que respeitar primariamente o

construtor, as suas medidas e nunca comprometer

quer a pureza da construção, quer futuras operações

de restauro ou manutenção.

Em relação ao mecanismo da flauta, adaptaram-

se ainda os níveis de tensão de molas, com vista à

melhor adaptação (e gosto) do seu proprietário, Dr.

Paulo Ennes.

Figura 30. Montagem de molas agulha.

Figura 31. Montagem de sapatilhas.

Figura 32. Montagem de chaves.

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Ana Sofia Silva – Setembro 2007 9 / 9 

Conclusão

Uma vez terminada, constatou-se satisfação plena

a nível do funcionamento mecânico do instrumento,

sendo necessário provavelmente (e posteriormente)

uma readaptação das sapatilhas, uma vez que os

bordos das chaminés que as receberam estavam

naturalmente pouco precisos e a sua rectificação tem

limites muito apertados sob o risco de comprometer a

afinação da flauta.

Constatou-se ainda a sonoridade própria das

flautas cónicas da época e apesar da qualidade

“menos nobre” da cabeça, o resultado tímbrico foi

muito interessante mesmo nos graves, onde estas

flautas, devido ao corpo cónico, têm falta de

projecção.

Deste modo, conseguiu-se atingir os objectivos

inicialmente propostos que, no geral, se resumem

num restauro com funcionalidade plena do

instrumento.

Bibliografia

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• Barclay, Robert: The Preservation and Use of

Historic Musical Instruments, Earthscan, 2004, p. 15-25.

• Hoadley, R. Bruce: Identifying Wood, The Taunton Press, 1990.

• Prioux, Daniel: Revêtements électrolytiques

localises au tampon, in Revêtements Métalliques par voie Électrolytique, © Téchniques de l’Ingénieur, traité Métallurgie, M1592_04_1989.

• Schwedler, Maximilian: Flöte und Flötenspiel – Ein Lehrbuch für Flötenbläser, Faksimilierte Ausgabe von 1923.

• Waterhouse, William: The New Langwill Index, Tony Bingham, London, 1993.

• Waterhouse, William: 'Schwedler,

Maximilian', Grove Music Online, ed. L. Macy (acedido em 14.04.2006a), <http://www.grovemusic.com>

• Waterhouse, William: 'Kruspe, Friedrich

Wilhelm', Grove Music Online, ed. L. Macy (acedido em 14.04.2006b), <http://www.grovemusic.com>

Sites Consultados

• Grove Music Online

http://www.grovemusic.com

• Rick Wilson's Historical Flutes Page

http://www.oldflutes.com

• CAMEO: Conservation & Art Material

Encyclopedia Online

http://cameo.mfa.org/index.asp