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Ancilla Caetano Galera Fuzishima UMA ABORDAGEM CRÍTICA ACERCA DA REVELIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO Centro Universitário Toledo Araçatuba 2007

UMA ABORDAGEM CRÍTICA ACERCA DA REVELIA NO … · sob a orientação da Professora Doutora Iara Rodrigues de Toledo. Centro Universitário Toledo Araçatuba ... se ou não o ônus

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Ancilla Caetano Galera Fuzishima

UMA ABORDAGEM CRÍTICA ACERCA DA REVELIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2007

Ancilla Caetano Galera Fuzishima

UMA ABORDAGEM CRÍTICA ACERCA DA REVELIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

Dissertação de conclusão de Mestrado apresentada

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre

à Banca examinadora do Centro Universitário Toledo

sob a orientação da Professora Doutora Iara Rodrigues

de Toledo.

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2007

Banca Examinadora

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Araçatuba, 10 de agosto de 2007.

Meu marido, meus filhos e minha família

merecem a minha dedicação. Entretanto,

para finalizar este trabalho, a dedicação a

eles deixou de se dar da forma como eu

gostaria. Fiquei a desejar. Mas a causa era

boa, a despeito da minha angústia por não

poder estar, a contento, ao lado de quem

sempre me ampara, me acaricia e me enche

de alegria.

Por esta razão, são eles todos, sem exceção

– Marco Antonio, Guilherme, Henrique,

Fabio, Antonia, Rodrigo, Andréa, Giovana,

Marcos e Laura que merecem essa

dissertação.

Agradecimentos especiais à Professora

Doutora Iara Rodrigues de Toledo, pela

imensa cordialidade, lucidez e acuidade

com que me encaminhou nesses meses de

preparo, escrita, correção e apresentação da

presente dissertação. Pouco provável que

conseguisse finalizá–la sem a sua

colaboração inestimável; às acadêmicas

Cristiane Rodrigues e Larissa Satie

Fuzishima Komuro, pela preciosa

colaboração; a Danilo Hidemi Fuzishima

Komuro, pela carinhosa ajuda; à Jane

Meire G dos Santos, por ter feito o papel

que, em muitos momentos, deixei de

desempenhar junto aos meus filhos, e a

todos que, de uma forma ou de outra, me

auxiliaram e colaboraram para a conclusão

do presente trabalho.

Resumo

A dissertação trata da interpretação do instituto da revelia no direito processual civil brasileiro. A perspectiva foi feita sob o prisma processual-constitucional, e inicia-se com uma abordagem histórica acerca do instituto da revelia, desde os períodos históricos romanos até chegar ao instituto da revelia ante ao atual Código de Processo Civil brasileiro. Também são tratadas as teorias que explicam a revelia e os revezes terminológicos havidos na doutrina. A fim de melhor equacionar o instituto, e principalmente por conta da abordagem crítica quanto aos efeitos que dele decorrem – reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, dispensa de intimação do revel e julgamento antecipado da lide-, há um capítulo específico firmado sob a ótica constitucional, que trata sobre a ordem jurídica justa, o princípio do contraditório, a simbiose entre o direito processual e o direito material, a busca da verdade real, em confronto com a verdade formal, tudo diante da teoria das provas. Por fim, são tratados os efeitos da revelia, sempre sob a perspectiva crítica , objetivando alinhar os artigos do Código de Processo Civil à ótica constitucional, valendo-se da doutrina e da jurisprudência brasileiras.

Palavras-chave: direito processual civil, revelia, efeitos da revelia, busca da verdade real, ativismo judicial.

Abstract

The dissertação deals with the interpretation of the institute of the default in the civil procedural law Brazilian. The perspective was made under the procedural-constitutional prism, e is initiated with an ample historical boarding concerning the institute of the default, since the Roman historical periods until arriving in the institute of the default front at the current Code of Brazilian Civil action. Also the theories are treated that explain the default, the had terminologists reviles in the doctrine. In order better to equate the institute, mainly on account of the critical boarding how much to the effect that of it elapse - reputation of veracity of the facts affirmed for the author, dismissal of summon of the defaulter and anticipated judgment of deals-, it has a specific chapter firmed under the constitutional optics, that joust treats on the jurisprudence, the principle of the contradictory, the symbiosis between the procedural law and the material right, the search of the real truth, in confrontation with the formal truth, and the judicial activism front to the theory of the tests. Finally, the effect are dealt with the default, always under the critical perspective, objectifying to line up articles of the Code of Civil action to the constitutional optics, using itself the Brazilian doctrine and the jurisprudence. Keywords:. civil procedural law, default, effect of the default, search of the real truth, judicial activism.

Lista de abreviaturas

ag. - agravo

amp. - ampliado

art. - artigo

atu. - atualizado

cf. - conforme

CF - Constituição Federal

Const. - Constituição

CPC - Código de Processo Civil

CPP - Código de Processo Penal

DJU - Diário de Justiça da União

ed. - edição

HC - Habeas Corpus

inc. - inciso

LEP - Lei de Execução Penal

Min. - Ministro

n. - número

org. - organizador/organização

p. - página

rel. - relator

REsp. - Recurso Especial

RT - Revista dos Tribunais

rev. - revisado

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

ss. - seguintes

TACRIM - Tribunal de Alçada Criminal

vol. - volume

v. u. - votação unânime

SUMÁRIO

Introdução ..............................................................................................................

I. Breve escorço histórico sobre a revelia ..................................................................

1.1 Direito Romano: períodos históricos ...............................................................

1.1.1 Legis actiones ...............................................................................................

1.1.2 Per formulas ................................................................................................

1.1.3 Extraordinaria cognitio ..............................................................................

1.2 Direito Medieval ..................................................................................

1.3 Direito Canônico ..................................................................................

1.4 Direito Comum.....................................................................................

1.5 Direito na Península Ibérica e em Portugal .........................................

1.5.1 O Direito na Península Ibérica ..........................................................

1.5.2 O Direito em Portugal: Fase anterior às Ordenações ......................

1.5.3 Ordenações Afonsinas .....................................................................

1.5.4 Ordenações Manoelinas ...................................................................

1.5.5 Ordenações Filipinas .......................................................................

1.6 Direito Brasileiro ..................................................................................

1.6.1 Regulamento 737/1850 ....................................................................

1.6.2 Códigos Estaduais ............................................................................

1.6.3 Código de Processo Civil de 1939 ...................................................

II. A Revelia ..................................................................................................

2.1 Participação do réu na demanda: ônus processual civil. Breve análise acerca

da participação do demandado no processo civil brasileiro: respostas, inércia ou

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reconhecimento jurídico do pedido .......................................................................

2.2 Revezes da terminologia: contumácia x revelia ..................................

2.3 Conceito de Revelia: posicionamentos doutrinários discordantes ......

2.3.1 Revelia e ausência de contestação ..................................................

2.3.2 Revelia e ausência total de impugnação ..........................................

2.4 Teorias acerca da natureza jurídica da revelia ....................................

2.4.1 Teoria penal da contumácia .............................................................

2.4.2 Teoria da renúncia ............................................................................

2.4.3 Teoria da autodeterminação .............................................................

2.4.4 Teoria da Inatividade ........................................................................

III. Abordagem da presente dissertação: O Processo sob a ótica Constitucional ......

3.1 Breve evolução histórica acerca da jurisdição e do direito processual: da

autotutela à distribuição da justiça pelo Estado .....................................................

3.2 Democracia e Processo: respeito às normas, garantias e princípios

Constitucionais ..........................................................................................

3.3 Direito processual constitucional no Estado Democrático de Direito ..

3.4 Escopos do Estado Democrático de Direito-tutela constitucional do

Processo ....................................................................................................

3.5 Perspectiva instrumentalista / publicista do processo – escopos da

Jurisdição ..................................................................................................

3.6 Tutela constitucional do processo: garantia do acesso à justiça .........

3.7 Um “plus” ao acesso à justiça: o acesso efetivo ao processo e à ordem

jurídica justa (direito ao processo justo) .........................................

3.8 Processo x Direito Substancial: a simbiose necessária ......................

3.9 Princípio do contraditório: adequação à realidade ..............................

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3.10 O papel do juiz no processo civil contemporâneo – respeito aos

ditames e princípios constitucionais e a busca da verdade real ...............

3.11 O Processo Civil contemporâneo, os poderes do juiz e as provas –

o respeito às garantias, valores e princípios constitucionais .....................

IV. Efeitos da revelia ........................................................................................

4. 1 Dos sistemas que definem os efeitos da revelia ................................

4.1.1 Secundum praesentem ...................................................................

4.1.2 Ficta litiscontestatio ..........................................................................

4.1.3 Ficta confessio ..................................................................................

4.2 Breves Considerações no direito estrangeiro .....................................

4.2.1 Os efeitos da Contumácia na Alemanha: ........................................

4.2.2 Os efeitos da contumácia na Itália: ..................................................

4.2.3 Os efeitos da Revelia na Argentina: ................................................

4.2.4 Os efeitos da Revelia no Paraguai: .................................................

4.2.5 Os efeitos da Revelia na Venezuela: ..............................................

4.2.6 Os efeitos da Revelia no Código de Processo Civil -Tipo para a

América Latina ..........................................................................................

4.3 Os efeitos da revelia no ordenamento jurídico brasileiro: ..................

4.3.1 Reputação da verdade dos fatos afirmados pelo autor - artigo 319

do Código de Processo Civil: ...................................................................

4.3.1.1 A natureza jurídica do efeito previsto pelo artigo 319 do Código

de Processo Civil: confissão ficta, presunção absoluta ou presunção

relativa? .....................................................................................................

4.3.1.1.1 Confissão ficta: ..........................................................................

4.3.1.1.2 Presunção absoluta (iuris et de iure): ........................................

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4.3.1.1.3 Presunção relativa (iuris tantum): .............................................

4.3.1.1.3.1 Um “plus” à questão da natureza jurídica do artigo 319 do

Código de Processo Civil: sendo presunção relativa – ou não - inverte-

se ou não o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos do direito do

autor quando do julgamento da demanda? ..............................................

4.3.1.1.3.2 Análise conclusiva acerca do artigo 319 do Código de

Processo Civil a partir da perspectiva instrumentalista, do ativismo

judicial e da busca da verdade real ...........................................................

4.3.1.2 Exceções legais à presunção de verdade dos fatos ....................

4.3.1.2.1 Pluralidade de réus .....................................................................

4.3.1.2.2 Direitos indisponíveis ..................................................................

4.3.1.2.3 Ausência de instrumento público ................................................

4.3.1.2.4 Réu revel citado por edital ou com hora certa: a figura do

curador especial ........................................................................................

4.3.2 Ausência de intimação do revel para os demais atos do processo-

alteração legislativa do artigo 322 do Código de Processo Civil ...............

4.3.2.1 Atos que são comunicados ao réu, a despeito da revelia

Decretada ..................................................................................................

4.3.2.2 Contagem do início do prazo para o revel recorrer da sentença ..

4.3.2.3 Possibilidade ou impossibilidade de, no recurso de apelação, ser

suscitada questão nova pelo réu revel ......................................................

4.3.2.4 O efeito decorrente do atual redação do artigo 322 do Código de

Processo Civil,– não-intimação dos atos processuais – é regra legal

constitucional ou inconstitucional? ...........................................................

4.3.3 Julgamento antecipado da lide .........................................................

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4.4 Participação tardia do réu revel ..........................................................

4.4.1 Participação tardia do réu revel e o sistema de preclusão ...............

4.4.2 Revelia e produção de prova em tempo oportuno: Participação

tardia do réu revel e a possibilidade de provar fatos constitutivos

alegados pelo autor, bem como fatos modificativos, impeditivos e

extintivos do direito do autor ......................................................................

4.4.3 A contestação intempestiva deve ser desentranhada dos autos? ...

4.5 Cumprimento de sentença (artigo 475-J do Código de processo civil)

e o réu revel ..............................................................................................

4.6 Restitutio in integrum ..........................................................................

Conclusão ..................................................................................................

Referências ...............................................................................................

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INTRODUÇÃO

A dissertação em comento aborda o instituto da revelia no direito processual

civil brasileiro.

Optou-se por uma abordagem crítica do instituto da revelia, bem como de

seus efeitos (reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor; dispensa de intimação

do revel e julgamento antecipado da lide), tendo em vista que se pautou, em todos os

momentos, pelo viés constitucional que se descortinou ao longo do presente estudo.

O instituto da revelia e seus efeitos foram analisados sob a perspectiva das

garantias e diretrizes constitucionais que permeiam o atual Direito Processual Civil. Para

tanto, foram de curial importância as noções contemporâneas de jurisdição, instrumentalidade

do processo, escopos do processo, pacificação social com justiça, papel desempenhado pelo

magistrado e princípios constitucionais.

A escolha do tema se deu, em primeiro lugar, em razão da opção pela

abordagem do direito processual civil sob o prisma do réu/demandado. Muito já se falou sobre

o direito processual do autor – entendeu-se que era o momento de se optar pela análise das

faculdades e ônus da participação do réu no processo, considerando a importância da sua

participação em contraditório para a configuração da relação jurídica processual.

Em segundo lugar, a abordagem não poderia se limitar aos artigos do

Código de Processo Civil que tratam sobre os efeitos da revelia, visto a severidade do

tratamento que o réu revel possui no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, apresentadas as

premissas constitucionais, somadas à pesquisa jurisprudencial que apontava para a

relativização dos efeitos decorrentes da revelia, outra alternativa não houve que não se fazer

uma abordagem crítica, confrontando as normas e institutos com as matrizes político-

constitucionais que norteiam o processo civil contemporâneo. “Data maxima venia”, obras

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clássicas sobre o assunto – sempre valiosas, por certo - já não mais satisfazem, no todo, o

processualista contemporâneo, e as mais atuais, ao que se percebe, vêm, em sua grande

maioria, de encontro ao entendimento apresentado na presente dissertação de mestrado.

Assim, num primeiro momento, foram apontados os aspectos históricos da

revelia, desde os chamados períodos do Direito Romano (legis actiones, per formulas e

extraordinaria cognitio), passando pelo direito canônico, medieval (germânico), comum e

português.

Também foi feito um panorama histórico da revelia no Direito Brasileiro,

desde a utilização das Ordenações Portuguesas até se atingir o direito processual civil

brasileiro atual, por meio das previsões legais contidas no Código de Processo Civil de 1973.

A seguir, tratou-se do instituto da revelia, as teorias acerca da sua natureza

jurídica, dos revezes havidos na doutrina acerca da terminologia (contumácia ou revelia) e do

conceito de revelia.

O terceiro capítulo foi dispensado, exclusivamente, para discorrer sobre o

processo civil sob a ótica constitucional, notadamente a visão instrumentalista do processo, o

princípio do contraditório, os poderes de direção conferidos ao juiz no processo diante da

teoria da prova, a busca da verdade real e a reafirmação do princípio do livre convencimento

do juiz e da motivação das decisões judiciais perante o instituto da revelia, bem como quando

do enfrentamento de seus efeitos.

O quarto e último capítulo, por ser o culminante e mais importante, versa

sobre os efeitos da revelia, definindo, logo de início, os sistemas que os definem – e

apontando que o Brasil filia-se ao sistema da ficta confessio - bem como traçando breves

considerações sobre o direito alienígena (numa tentativa de poder demonstrar o entendimento

do instituto em alguns outros países, bem como para comparar os entendimentos dissonantes

ou concordantes acerca do tema em comento).

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A partir da abordagem inicial, tratou-se especificamente sobre os três efeitos

decorrentes da revelia, quais sejam: reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor;

dispensa de intimação do revel e julgamento antecipado da lide, sempre ponderando a

previsão legal com o viés principiológico e constitucional apresentado na presente

dissertação.

O tratamento dispensado ao réu revel, no Brasil, é austero, mormente se

comparado com alguns países que tratam da revelia sob o mesmo sistema (ficta confessio) ou

por sistemas diversos (ficta litiscontestatio).

A doutrina, a legislação alienígena e os julgados colacionados foram

significativos para a definição da linha norteadora da dissertação em comento, já que se

confrontou os variados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais com a previsão

legislativa da revelia e seus efeitos no Brasil. Valendo-se de todo o lineamento constitucional

apresentado em capítulo próprio, pode-se antever que, a despeito da austeridade no trato do

réu revel, o Direito Processual Civil brasileiro acabou por encontrar amparo nos princípios e

garantias constitucionais, para o fim de relativizar e abrandar os efeitos que decorrem da

revelia do réu.

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I. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE A REVELIA

Nunca é demais lembrar que

[...] o Direito Romano era de formação eminentemente processual; ou seja, era da atividade jurisdicional do Estado romano que – em escala apreciável – se ia constituindo o Direito Substantivo romano. (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 49).

E, antes mesmo de se adentrar nos períodos históricos do direito processual

civil romano, importante ressaltar que nos primórdios do direito romano, era inconcebível a

constituição do processo sem a participação de ambas as partes – autor e réu (TUCCI, 1964,

p. 19)1.

Não há como negar, outrossim, que a investigação histórica acerca do tema

abordado na presente dissertação, revelará a importância que o Direito Romano teve para a

formação do sistema jurídico romano-germânico ao qual o Brasil se filia, bem como a

evolução do instituto da revelia e de seus efeitos no decorrer dos períodos analisados.

Também não é demais dizer que, por intermédio desse escorço histórico,

pode-se antever a longa evolução da própria ciência processual civil, até que a mesma

atingisse a visão instrumentalista e publicista que contemporaneamente possui.

1.1 Direito romano: períodos históricos

O Direito Processual Civil Romano subdivide-se em três fases distintas -

embora nem sempre cronologicamente tão precisas (CUENCA, 1976, p. 12), a saber: a)

período das legis actiones, de 754 a.C. (data provável da fundação de Roma) até

1 “(...) Era dado àquele constranger o reus, até com a força (em capito) para obter sua presença in iure: pela in ius vocatio, a coação seguinte à intimação devia ser justificada na presença de testemunhas (antestatio), e acaso o demandado reagisse (si valvitur) ou tentasse fugir (pedemve struit) , tinha o autor direito à manus iniectio, isto é, o de arrastá-lo à presença do juiz.”

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aproximadamente 149 a.C; b) per formulas, também conhecido como período do processo

formulário, de 149-126 a.C até 209 -305 d.C (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 49.)2, e c) período

da extraordinaria cognitio, que se estende desde 209 d.C até o final do Império Romano do

Ocidente.

É oportuno observar que os dois primeiros períodos do Direito Processual

Civil Romano correspondem ao chamado ordo iudiciorum privatorum (GIANESINI, 1977, p.

3), ou “ordem dos processos privados”, de cunho eminentemente privatístico. Em ambos os

períodos da fase privatista, o processo se desenvolvia em duas fases, a saber: in iure e in

iudicio.

1.1.1 Legis actiones

Nesse primeiro período do Direito Romano, o das “ações da lei”, as lides

baseavam-se no ius civile. (GIANESINI, 1977, p. 3-4)3.

O caráter eminentemente privatístico do processo desse período fazia com

que ao autor cumpria chamar o réu a juízo (ius in vocatio), não havendo falar em revelia (ou

contumácia), uma vez que era inconcebível o processo sem a presença de ambas as partes. Se

imperiosa era a participação do réu no processo, notadamente para a formação da relação

jurídica processual de então, impensável falar-se em revelia ou contumácia no período das

“ações da lei”.

A propósito, Bresolin (2007, p. 12) destaca:

Determinava a Lei das XII Tábuas que“ se alguém é chamado a juízo, compareça; se não comparece, aquele que o citou tome testemunhas e o agarre; se procurar enganar ou fugir, o que citou pode lançar sobre o citado” (1.1 e 2) e conduzi-lo obtorto collo (pela gola da roupa) à presença do pretor. De qualquer modo, se o Réu

2 “fase esta coincidente com a expansão territorial do Direito Romano por toda a península itálica.” 3 “Constituíam formas sacramentais e solenes que deveriam, necessariamente, ser observadas pelas partes, sob pena de perderem a demanda.”

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fosse velho ou estivesse doente, deveria o Autor fornecer-lhe um cavalo ou carro, não necessariamente coberto (1.3).

As “ações da lei” compunham-se de duas fases, a saber: a) fase in iure, de

natureza pré-processual, fase esta em que era indispensável a presença do réu (TUCCI, 1964,

p. 24)4, ocasião em que se instaurava o contraditório de então e era definido o objeto do

processo. Nessa fase, “sempre obedecendo–se rigorosamente o ritual, formulado o pedido

pelo autor e ouvido o réu, o magistrado concedia ou não a ação, conforme fosse ou não o

pedido fundado no direito civil, e, no caso positivo, designava o iudex, ou arbiter. Concedida

a ação, estabelecia-se a litiscontestatio (SANTOS, 1999, p. 39)” ; b) fase in iudicio: nessa

fase, já definido os limites da lide, o procedimento ocorria perante o iudex (árbitro), ocasião

em que “designava-se uma audiência para três dias após, porque a falta de comparecimento de

quaisquer das partes, segundo a Lei das XII Tábuas, legitimava o iudex a prolatar sentença em

favor daquele que comparecera (sic) (SOUZA, 2003, p. 185)”.

Por essa explanação, constata-se que na segunda fase (in iudicio), já havia a

possibilidade de ocorrência da revelia no processo civil romano, e, como conseqüência da

ausência de quaisquer das partes, o julgamento secundum praesentem, ou seja, era vencedor

aquele que comparecesse, conforme se verá em momento oportuno.

1.1.2 Per formulas

Apenas para melhor compreensão dos períodos havidos no Direito

Processual Civil Romano, e nos valendo das lições sempre cristalinas e preciosas do professor

Arruda Alvim (2007, p. 50-51),

passou-se, nesse período, o processo a ter uma base escrita, continuando, porém, a

4 “(...) se o réu não se apresentasse no primeiro estágio do processo, era considerado confessus e, por isso, igualmente condenado, sem que se passasse ao procedimento in iudicio.”

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ser predominantemente oral. Coincidiu com esta fase evolutiva do processo romano, como já acentuamos, a expansão do Direito romano por toda a Península Ibérica. Antes dessa expansão, somente os romanos tinham o direito de invocar a jurisdição (isto é, o magistrado), dado que o ius civile abrangia exclusivamente os romanos. Com o expandir do Direito romano, houve a necessidade de se criar uma nova magistratura de molde a que o Judiciário também se fizesse presente nessa expansão, ao lado da conquista política. Surgiu o praetor peregrinus. Este não podia aplicar, aos não romanos, a sistemática da legis actiones, e, desta forma, se fez necessário um sistema adequado à distribuição da justiça. Encontraram-se as fórmulas, fornecidas pelo praetor, àqueles que viessem submeter-lhe um conflito de interesses. Dados os evidentes inconvenientes do sistema anterior, as fórmulas acabaram, inclusive, sendo estendidas aos próprios romanos. Esse novo sistema, adquirindo base escrita, deixou de ser sacramental, como era o anterior.

No período formulário, e ainda sob a égide da ordo iudiciorum privatorum,

o procedimento ainda transcorria em duas fases: in iure e in iudicio.

Na fase in iure, ao que se constata da bibliografia acerca do assunto, a in ius

vocatio ainda deveria ocorrer, e ainda podia se valer da força para que o réu comparecesse a

juízo. Ensina-nos Tucci (1964, p. 25):

Entretanto, a atividade privada do autor é substituída pela autoridade do magistrado que, para obrigar o réu a comparecer, comina-lhe multa, e até a imissão do demandante na posse de seus bens – a missio in bona.

E mais:

Já no momento da in ius vocatio, é instituída nova forma de vadimonium, qual seja, a promessa feita pelo demandado ao autor de comparecer pela primeira vez ante o Pretor, para cumprir os atos in iure” . O vadimonium nada mais era do que uma garantia do réu, pessoal ou por conta de um fiador (vindex), de que compareceria aos demais atos do procedimento. Comparecendo o réu na segunda audiência e ocorrendo a litiscontestatio, instaurava-se a relação jurídica processual, não podendo ser reproposta a ação. Fixados os limites da lide, as partes deveriam escolher um iudex privatus, de confiança de ambas, que era investido de poder pelo pretor (iussum iudicandi) (GIANESINI,1977, p. 6).

Vê-se, portanto, que além do uso da força, passam a se valer de multas e

constrição de bens do réu, na tentativa de fazê-lo comparecer ao processo.

Também nessa fase não há que se falar em contumácia, em razão da

imperiosa necessidade da presença das partes. Entretanto, muito embora não havendo a figura

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da contumácia nessa fase do período formulário, não se conseguia, muitas vezes, impedir a

ausência do réu. Registros doutrinários (GIANOZZI, 1963, p. 10 et al.) dão conta de informar

que, nesse caso, o réu que não comparecesse a juízo era considerado indefensus (mas não

contumaz), quer fosse latitans (aquele que, por dolo, se ocultava ao chamado), quer fosse

absens (aquele que simplesmente não era localizado), e acabava por sofrer sanções, como por

exemplo a imissão do autor na posse dos bens do ausente, “no mais das vezes com effectus

venditiones (TUCCI, 1964, p. 25)”.

Na fase in iudicio, o procedimento é idêntico ao do período das “ações da

lei”. Nessa fase, portanto, reconhece-se a ocorrência da contumácia, e o julgamento se dá

secundum praesentem.

1.1.3 Extraordinaria cognitio

A fim de melhor contextualizar o período mencionado, novamente as

sempre bem-vindas lições do mestre Arruda Alvim (2007, p. 51):

O processo chamado extraordinaria cognitio foi perceptivelmente marcado pelo agigantamento do Estado-juiz e a conseqüente ingerência estatal no processo, desde o início do litígio até a sentença final. Este tipo de procedimento foi a síntese de todo evoluir do processo romano, que se trasladou do campo do Direito Privado para inserir-se no campo do Direito Público e, conseqüentemente, inspirar-se, enquanto processo, em seus princípios.

É de se ver, portanto, que o terceiro período do direito processual civil

romano põe fim à ordo iudiciorum privatorum, proporcionando o fenômeno da publicização

(CALMON FILHO, 2006, p. 9)5 que o direito processual possui até hoje (ressalvadas, por

evidente, as diferenças para com o direito processual civil tal qual visto no mundo

contemporâneo).

5 “Essa característica é notada diante da oficialização das instituições processuais. O julgamento deixa de ter caráter arbitral, para ser atividade eminentemente estatal.”

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Na verdade, a história do direito processual é a da sua publicização. No início, individual, sentimental e religioso, um direito primitivo portanto. Na medida em que se racionaliza e se organiza o Estado, evolui paralelamente o direito. (LASPRO, 1995, p.29).

E é nesse período que se pode dizer da instituição propriamente dita do

fenômeno contumacial. (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 51)6.

Nesse período, deixam de existir as duas fases (in iure e in iudicio)

existentes nos períodos anteriores e o processo passa a ser administrado pelo magistrado,

agora não mais um particular indicado pelas partes, mas sim um funcionário do Estado

Romano (lembrando sempre que foi nessa fase que o Estado Romano se consolidou e

solidificou) (CRETELLA JUNIOR, 1980, p. 436), que passará a ser o responsável pela

evocatio – citação, (em substituição à expressão ius in evocatio, conforme se viu nos períodos

anteriores).

Se o réu, chamado a comparecer a juízo, não cumpre com o chamamento

agora realizado pelo magistrado (evocatio),

era novamente chamado, por intermédio de três éditos, com intervalo de 10 dias cada um, sendo o último denominado de peremptório. Poderia, dependendo da peculiaridade do caso, ser expedido um único édito – unum pro omnibus. Se, após o decurso do prazo do édito peremptório ou do único expedido, o chamado não comparecesse, era declarado contumaz, proferindo o juiz a sentença, que poderia ou não ser favorável ao autor (GIANESINI, 1977, p. 9).

Assim, ao contrário do que ocorria nos períodos anteriores (legis actiones e

per formulas), o julgamento não se dava secundum praesentem, já que, do exame do processo,

o magistrado poderia julgá-lo de forma favorável ao réu ausente (BONIFÁCIO apud

BRESOLIN, 2006, p. 14)7.

6 “Acentuou-se o perfil do instituto da revelia: o não comparecimento do réu não mais significava impedimento à constituição do juízo, nem à válida prolação da sentença. Ou, em outras palavras, suficiente, para a formação do processo, era só a citação e não o comparecimento.” 7 ... ainda que vencesse a causa, era necessariamente condenado nas custas. Acaso sucumbisse, era-lhe proibido da sentença apelar, restando-lhe tão somente a via da restitutio in integrum acaso quisesse rever a sentença contra si proferida.

23

E, ainda segundo Rita Gianesini (1977, p. 9), acaso fosse julgada procedente

a ação, se de natureza real, era o autor imitido na posse provisória do bem, posse essa que

passaria a ser definitiva ao cabo de um ano, caso o réu não comparecesse para reclamá-lo e

prestar fiança; se de natureza pessoal, o autor adquiriria a posse precária do bem e, a

posteriori, a posse definitiva, depois de decorrido certo lapso temporal, a não ser quando o réu

reivindicasse o bem pagando perdas e danos e fiança. Em não havendo a reivindicação pelo

réu e o pagamento das perdas e danos e fiança, poderia o autor vendê-lo e valer-se do preço.

No Direito Justinianeu, o procedimento iniciava-se por intermédio do

chamamento do réu (somente com autorização judicial) (TUCCI, 1964, p. 28) por um viator

ou executor litis. O réu, caso quisesse, poderia se opor ao libelo (excepciones por meio do

libellus contradictionis ou responsionis). Também poderia prestar caução, por intermédio de

um fiador, a fim de assegurar seu comparecimento a juízo e também a garantia de que

acompanharia o feito até o final. Se o réu não se apresentasse no dia aprazado, ao autor era

facultado dirigir-se contra o fiador, exigindo-lhe a paga do valor da demanda (embora fosse

conferido ao fiador apresentar o réu em até seis meses para se ver livre da pena, ou, caso

quisesse, assumir a defesa do réu).

Outrossim, caso o réu não tivesse sido citado, ou seja, não houvesse

recebido o libelo (ausência esta injustificada ou dolosa), ou não o tivesse querido receber,

declarava-se a sua contumácia, situação esta que levava o magistrado a proferir decisão ,

acolhendo ou rejeitando o pedido do autor, conforme seus fundamentos (GIANOZZI, 1963, p.

23)8 (decorrendo dizer, portanto, que mesmo com a ocorrência da contumácia, ainda assim o

magistrado deveria fazer a análise do mérito com base na prova dos autos, não influindo a

ausência do réu no resultado final da ação). Gianozzi (1963, p. 22) acentua, ademais, que se o

autor provasse as suas alegações, obtendo, pois, sentença favorável, só assim poderia vir a

8 “Nel primo caso il giudice procedendo in via sommaria e in contumacia esaminava il mérito della causa accogliendo o respingendo la domanda attrice, a seconda del suo fondamento”.

24

obter a missio in possessionem sobre os bens do contumaz, ou a posse provisória (e, após 01

ano, a definitiva) do bem disputado em juízo.

No mais, o contumaz também era condenado nas custas processuais, não lhe

sendo possível apelar da decisão. Entretanto, poderia se valer do instituto da restitutio in

integrum. (instituto que é tratado em momento oportuno – capítulo IV – na presente

dissertação).

1.2 Direito medieval ou germânico

Necessário delinear, mesmo que singelamente, o fenômeno contumacial no

Direito Medieval, tendo em vista que a queda do Império Romano do Ocidente se deu por

causa da invasão dos povos bárbaros (germanos invasores). Importa ressaltar que a

contumácia voltou a ser concebida como um conceito penal, e o réu voltou a ser obrigado a

comparecer em juízo, sob pena de severas punições. “A ausência em juízo assumiu caráter de

verdadeiro delito político, sendo cominada com multa a cada citação deserta, confisco de bens

e, até mesmo, o desterro do contumaz da sociedade.” (TUCCI, 1964, p. 33).

Portanto, contrariando notadamente o período da extraordinaria cognitio

romano, o processo medieval era rudimentar e oral (BRESOLIN, 2006, p. 16)9, e a

contumácia no direito medieval era tida como delito, e, por tal razão, impunha pesadas

punições ao contumaz, a saber: perda da demanda, pagamento de multas , custas processuais e

até mesmo o desterro.

O rigor do tratamento dispensado ao réu contumaz se explica notadamente porque, no antigo processo germânico, o ônus da prova incumbia não a quem alegava (como ocorria em regra no direito romano), mas sim a quem negava: onus probandi incumbit ei qui negat. Para que o processo pudesse atingir a fase de produção de provas, necessário que antes o réu negasse expressamente as alegações do autor; na

9 Acreditavam na intervenção divina no resultado da prova, e para tanto se valiam das ordálias, dos juízos de Deus e dos duelos judiciais.

25

primeira fase do processo o réu deveria negar diante do Tribunal os fatos alegados pelo autor para que, na segunda fase, pudesse ter a oportunidade de provar sua inocorrência. (BRESOLIN, 2006, p. 17).

No que concerne à lei dos francos- povo germânico , o processo se

distinguia conforme o tipo de ação: se era espécie de execução forçada, fundada em promessa

de pagamento, o juiz decidia sem respeitar o contraditório e ampla cognição; se era ação ex

delicto, o rito era o ordinário e havia ampla cognição (GIANOZZI, 1963, p. 30)10. Nesse

último tipo de ação, o réu era citado (mannitio) pelo próprio autor da demanda, na presença de

três testemunhas, para que o réu comparecesse em juízo dentro de um certo número de noites.

Em não havendo o comparecimento, a citação era repetida por três vezes, sendo certo que o

réu era condenado a pagar multa de 15 soldos a cada ausência. O processo era dividido em

duas fases, e na primeira fase já se preparava a segunda fase (cognitiva), que se realizava em

até 40 noites. Nesta audiência instrutória, o réu tinha o ônus de provar o direito do autor que

outrora negara. Claro está que, se o réu deixasse de comparecer já na primeira audiência,

fatalmente sofreria sucumbência total, tendo em vista que sua ausência geraria presunção

absoluta da verdade dos fatos alegados pelo autor. E, em decorrência dela, o banno, ou seja, o

contumaz e seus bens eram postos fora da lei. (GIANOZZI, 1963, p. 31).

Quanto às leis carolíngeas, algumas alterações ocorreram, por conta, é certo,

da influência do Direito Romano (SANTOS, 1999, p. 45 )11.

Os carolíngeos, porém, em suas capitulares, realizaram-nas diversas, modernizando as instituições. E dentre as suas inovações, cumpre destacar que a mannitio deu lugar

10 In verbis: “Il processo franco há caratteri uniformi e si distingue, nella sua primitiva struttura, in rapporto alla natura delle azioni : a) la procedura ex fide facta che è una sorta di esecuzione forzata, quindi senza cognizione e senza contraddittorio e si fonda ssula promessa di pagamento che impegna il debitore e autorizza il giudice a procedere esecutivamente contro costui, senza previo accertamento sulla esistenza, validità ed efficacia di tale promessa; (típico esempio di giustizia soggettiva legata alle consuetudino popolari, paragonabili, sai pur com minor “raffinement “ giuridico allá litiscontestatio dell ântico processo romano.b) il processo ex delicto, Che há allá base um vero e próprio contraddittorio e che finirà col divenire il solo e vero rito germânico, man mano che il concetto di stato riuscirà ad affermare la sua prevalenza sullo “ius popolare”” 11 “E se é certo que a ascendência do processo dos invasores, em razão da situação destes, se fez sensível e predominante, não menos o é que a cultura romana acabou por exercer manifesta influência, dando lugar à formação de um processo , misto de germânico e romano, em que as instituições germânicas se recompunham sob a influência dos princípios do direito romano”.

26

à bannitio, ou seja, à introdução do juízo por ato da autoridade; e que a missio in bonnum contra o réu que não comparecesse à primeira audiência foi regulada como medida cautelar (se ele se apresentasse dentro de um ano, readquiria o direito de defender-se, e a posse de seus bens; e só após decorrido esse prazo, os bens eram confiscados definitivamente, satisfazendo-se com eles o credor.) (TUCCI, 1964, p. 35)

Outrossim, na segunda fase processual, acaso ausente o autor, atribuía-se ao

réu o direito de produzir provas e obter o julgamento da demanda.

1.3 Direito canônico

A partir do século XI houve uma espécie de reflorescimento do Direito

Romano, em virtude da influência sempre marcante da Igreja e, por via de conseqüência, do

Direito Canônico (não se esquecendo do trabalho dos glosadores, que acabaram, também, por

revigorar e trazer novamente a lume o Direito Romano, notadamente o do período da

extraordinaria cognitio).

Elucidativa a lição de TUCCI (1964, p. 37):

Com efeito, ao princípio da oralidade, que dominava o processo franco-carolíngio, os canonistas sobrepuzeram a formalização dos atos processuais, exigindo forma escrita para a maioria deles; e em lugar do caráter inquisitório que o norteava, já se ressaltava que o juiz “debet secundum allegata et probata procedere.” A contumácia é, então, considerada não só desobediência, mas até pecado punido com excomunhão – pena pelo desprezo à autoridade.

É de se ver que o contumaz tinha tratamento similar às determinações do

direito romano do terceiro período, com o acréscimo da pena de excomunhão (já que

consideravam pecado a ausência do réu), havendo, ainda, a instituição da accusatio

contumaciae: a declaração da contumácia não mais poderia se dar de ofício pelo magistrado,

mas tão somente a pedido do autor. Segundo GIANOZZI (1963,p 39),

A questi due importanti istituti va poi aggiunto um genérico critério di prudenza, Che dettava ai giudici di non procedere a dichiarazione di contumácia, se non dopo aver dato ampie dilazioni e aver ripetuto più volte l invito a comparire, nonchè dopo

27

aver acquisito la certezza Che la mancata comparizione della parte non fosse cagionata da legittimo motivo (contumácia nunquam est praesumenda nisi probetur)(grifos nossos).

Ou seja, ao magistrado é sugerida a prudência no julgamento, ainda que com

a ausência do réu.

Outrossim, o contumaz passou a ter o direito de apelar da decisão.

Tucci (1964, p. 37), amparado em Rispoli e Gianozzi, faz a distinção dos

efeitos da contumácia acaso a ausência do réu ocorresse antes ou após a litiscontestatio. Se o

demandado fosse ausente antes mesmo da litiscontestatio, o autor da demanda, desde logo,

lograva a missio in possessionem sobre os bens do réu; se o demandado não comparecesse, no

prazo de um ano, para se defender, o autor, promovendo nova citação e após nova cognição

do juiz, recebia em definitivo a posse dos bens. Entretanto, se a contumácia ocorresse após a

litiscontestatio, poderia haver a ocorrência de duas situações, a saber: se já existisse nos autos

elementos de prova suficientes para julgamento, tal se dava de maneira definitiva

(eremodicium); caso não houvesse prova suficiente a que o juiz pudesse proferir a decisão,

havia a imissão provisória do autor na posse dos bens do demandado, que mediante petitório

poderia reavê-los. (GIANOZZI, 1963, p. 44)12.

Outrossim, outros efeitos eram sofridos pelo contumaz (1963, p. 46-47): a

ele eram atribuídas as despesas processuais, ainda que fosse vencedor da demanda, bem como

era conferido ao contumax fictus – desde, é claro, que provasse legítimo impedimento para o

comparecimento no processo - o direito da restitutio in integrum.

1.4 Direito comum

Do século XI, até o século XIII ou XIV, houve alterações sociais e jurídicas

12 “Ciò non pregiudicava al convenuto la possibilità di agire in petitorio.”

28

significativas na Europa Ocidental, notadamente por conta do reavivamento do Direito

Romano (graças ao papel importantíssimo desempenhado pelos glosadores, pós-glosadores),

aliado, é claro, ao Direito Canônico de fundo justinianeu e pelas influências da praxe

germânica. (TUCCI, 1964, p. 42).

Das obras consultadas, pode-se apreender o papel crucial que

desempenharam as Universidades (notadamente a de Bolonha, criada no ano 1088) e a própria

Igreja, fruto da atividade incessante de seus membros de conservar textos, manuscritos e

demais documentos em seus mosteiros e abadias, formando-se, assim, um remansoso e vasto

conjunto de normas processuais que deveriam ser aplicadas pela sociedade de então.

Oportuno anotar que o Direito Canônico teve papel de alta relevância na formação do direito

processual daquela época. (OLIVEIRA, 1997, p. 24)13.

Toda essa literatura processual, de glosadores, pós-glosadores, canonistas e práticos, condensada por Guilherme Duranti (anos 1237-1296), no seu Speculum iudiciale, representa uma época em que a ciência processual, ajustando o direito costumeiro, de fundo germânico, ao direito romano e ao direito canônico, retomou nova consistência, já disciplinada por princípios pacificamente assentes. A esse processo, em que se adaptaram as regras costumeiras do tempo ao direito construído pelos glosadores, pós-glosadores, comentaristas e práticos, com a cooperação sobremodo influente dos canonistas, costuma-se chamar romano-canônico.

Ademais, a esse direito miscelanizado, acrescentam-se as legislações

comunais (estatutos) (GIANOZZI, 1963, p. 47)14 que também acabaram por colaborar para a

formação do que comumente se passou a chamar direito comum.

Analisando mais detidamente acerca do tema da presente dissertação, é de

se perceber que a controvérsia era firmada ainda por meio da litiscontestatio. Caso ocorresse a

revelia do réu antes da litiscontestatio, o autor, após a accusatio contumaciae, obtinha a

imissão provisória (ex primo decreto) na posse dos bens do réu. A imissão definitiva ocorreria

13 “... o direito canônico procurava não só uma maneira de excluir as formas pouco seguras do procedimento bárbaro como também neutralizar as sutilezas excessivas do procedimento romano.” 14 “I giuristi dello ius civile formano la loro opinione intendendo restarei l più possibile fedeli al diritto romano, ma non possono certamente sottrarsi ormai alle influenze Del diritto delle decretali e della legislazione statutaria (la quale a sua volta non può non contenere qualche traccia di istituzioni germaniche).”

29

tão somente se o réu não comparecesse a juízo para se defender e para recuperar a posse de

seus bens no prazo de um ano, desde que prestasse caução e fizesse o reembolso das despesas

do autor (TUCCI, 1964, p. 42). Acaso ocorresse a revelia após a litiscontestatio, poderiam

ocorrer duas situações: havendo provas suficientes, o juiz poderia decidir de forma definitiva

e favoravelmente ao autor (si liquet); se não, o autor era apenas imitido provisoriamente na

posse dos bens do réu.

A apelação só caberia para o contumaz fictus, havendo também a

possibilidade da utilização do instituto da restitutio in integrum.

1.5 Direito na península Ibérica e em Portugal

Imperioso demonstrar a configuração do instituto da revelia na Península

Ibérica, notadamente no Direito Português, porque houve reflexos diretos na legislação

brasileira, em especial nos períodos das Ordenações do Reino, tendo em vista que o início do

domínio da Corte Portuguesa no Brasil se deu sob a égide das Ordenações Afonsinas.

1.5.1 O direito na península Ibérica

É certo que, antes mesmo da invasão do Império Romano, a Península

Ibérica era ocupada por povos de variadas espécies (BRESOLIN, 2006, p. 21), não havendo

que se falar em um direito único aplicável a todos os povos, de origens, etnias e costumes

diversos (considerando, ainda, a forte influência religiosa que lhes impingia múltiplas práticas

costumeiras).

Paralelamente ao Direito Costumeiro praticado por estes povos, evidente a

influência do Direito Romano, a partir da dominação da Ibéria pelos romanos (SANTOS,

30

1999, p. 49)15. E, como foi dito alhures, os povos germânicos também invadiram a Península

Ibérica, dando-se especial atenção aos visigodos, porque o Direito Visigótico influenciou

sobremaneira o Direito Português. Importa salientar que

Alarico, rei visigodo, em 506, baixou a primeira lei de que se tem conhecimento, depois da invasão dos bárbaros. Denominou-se esta lei Breviarum Alaricianum. Este breviário não é senão uma recopilação de algumas leis romanas; quer dizer, o invasor e dominador dobrou-se à cultura de origem romana e foi recolher nos povos conquistados, em grande parte, as leis para regular suas condutas. (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 55)

Em seguida, no ano 693, organizou-se o chamado Código Visigótico,

também conhecido por Forum Judicium, ou Fuero Juzgo, que recebeu influências do Direito

Germânico (anterior à formação do direito comum), de normas consuetudinárias, de Direito

Romano e de Direito Canônico (fruto da conversão dos visigodos ao catolicismo). O Código

Visigótico revogou o chamado Código de Alarico, e passou a ser aplicado indistintamente a

todos os povos da Península Ibérica.

No Código Visigótico, a contumácia era assim tratada: (TUCCI, 1964, p.

47),

A respeito da contumácia, a Lex Visigothorum estabelecia se propusesse a ação oralmente ao juiz, que este traduzia num escrito (epistola, sigillum), destinado ao réu por intermédio de um oficial da autoridade. Se o réu não comparecesse dentro de um termo fixado, e que variava conforme a distância entre o lugar onde vivia e a sede do Tribunal, incorria já nas conseqüências da contumácia, sem qualquer medida renovatória da citação: multa em favor do autor, em virtude da protelação, e outra concedida ao Juiz, pelo desprezo à sua ordem. Não se incorria, contudo, em infâmia; e o ausente podia escusar-se, provando alguma moléstia ou fato outro que o impossibilitasse de comparecer. Por fim, a coisa objeto da lide era conferida ao autor, salvo ao réu o direito de, pagando a multa, fazer valer suas razões e reavê-la.

Em 771, houve a invasão da Península Ibérica pelos árabes, cuja presença na

Ibéria perdurou até 1492, com a rendição do reino de Granada. Foi notável a influência moura

no tocante à cultura, às artes, à arquitetura, mas pouca influência se fez notar no mundo do

15 “Dominada pelos romanos, cerca de 200 a.C, os quais aí se mantiveram durante seis séculos, a península Ibérica , que lhes herdou a língua e os costumes, ao que tudo indica se adaptara ao direito dos vencedores. Mas suevos, alanos e vândalos a invadiram no século V, sendo subjugados pouco depois, no século VI, pelos visigodos.”

31

direito. É sabido que a cultura jurídica árabe tem na religião muçulmana a base de sua

normatividade. Os cristãos do Reino Visigótico, ao contrário do que se poderia imaginar

diante da invasão e ocupação mouras, continuaram a se valer de sua própria religião e também

do direito até então estabelecido (Forum Juditium e pelas cartas forais e cartas de privilégios,

que se destinavam a regular situações locais), motivo este que explica a pouca influência do

Direito Árabe na Península ibérica.

É importante notar, especialmente no tocante ao assunto específico da

presente dissertação, que a população ibérica facilmente se acomodou aos traços do Direito

Germânico . E, segundo Bresolin (2006, p. 24),

também a revelia do réu possivelmente produzia as mesmas conseqüências observadas no processo germânico: o revel sofria sanções pecuniárias, o autor poderia imitir-se na posse dos bens do revel, os fatos alegados pelo autor eram formalmente tidos por verdadeiros, de modo vinculante para o juiz e para as partes; em regra o réu perdia a demanda e desde logo se abria para o autor a via executiva para a satisfação de sua pretensão.

1.5.2 O direito em Portugal: fase anterior às ordenações

Do Reino de Oviedo, criado como centro de resistência aos árabes, separou-se o Condado Portucalense, erigido em reino independente no ano 1139. Sem embargo de continuar a reger-se pelo direito herdado dos castelhanos, instituiu-se rapidamente um novo direito, consistente em cartas do rei, ou de outros senhores, chamadas cartas de foro, ou simplesmente forais, pelas quais se regulava cada um dos distritos ou concelhos do reino. O direito foraleiro, diverso de lugar para lugar, e os costumes tradicionais acabaram por tornar olvidado o direito romano-gótico. Aquele se fez o direito das justiças senhoriais, enquanto nas justiças eclesiásticas, cada vez mais influentes, se aplicava o direito canônico. (SANTOS, 1999, p. 50).

Essa fase, anterior à influência do Direito Comum, eram acentuados os

regramentos obtidos junto do Direito Germânico, que era predominantemente oral, de

extremado cunho rígido, onde o revel sofria não poucas sanções pelo descumprimento de

comparecer a juízo. Ainda nessa fase valiam-se os portugueses de então dos juízos de Deus,

ordálias e duelos judiciais, acentuando-se sobremaneira a nítida influência do Direito

32

Germânico. (COSTA, 1989, p. 217).

A partir do século XIII vê-se uma alteração da conduta até então

propugnada pelo Processo Civil Português, como meio de ampliar os poderes da Coroa

Portuguesa, restando visível a influência do Direito Comum em Portugal e notadamente do

Direito Romano Justinianeu (SANTOS, 1999, p 50)16. Nunca é demais ressaltar que as

legislações acompanham, de perto, a luta pelo poder e pela consolidação do poder já

estabelecido, e não foi diferente com os reis portugueses.

A revelia e suas conseqüências são tratadas na Lei das Sete Partidas (de

origem espanhola) - especificamente na Lei VIII, Título VII, da Terceira Partida -, de origem

espanhola, de maneira muito semelhante ao Código Visigótico, ou seja, como desobediência

ao chamamento judicial, a saber:

a pena contra o rebelde que não atendia ao emplazamiento era a de multa, conferida ao rei, à parte contrária, e ao juiz, e que variava conforme a condição do revel.(...) Além das penas referidas, o réu que não comparecesse e, depois de mandado apregoar por trinta dias, permanecesse ausente, via o autor imitir-se na posse de seu patrimônio. [...] se o revel se apresentasse no prazo anual, devia ser ouvido e recobrar seus bens. Mas não ficava isento do pagamento das multas e despesas referidas anteriormente. E, em casos especiais, (traicion, aleue, etc), podia ele ser ouvido mesmo depois de passado um ano, sendo considerado quitado, acaso provasse suas alegações. Mas não cobrar os bens que lhe foram tomados em razão da rebeldia, a não ser por piedade do Rei. (TUCCI, 1964, p 47-49).

Além da Lei das Sete Partidas, é certo que a obra “Flores de las Leyes”, de

Jácomo Ruiz (também conhecido como Mestre Jacob das leis) também teve papel

preponderante na formação do direito processual civil português.

No tocante à revelia, a obra Flores de las Leyes explicita três maneiras pelas

quais poderia ocorrer o fenômeno contumacial. Segundo Bresolin (apud MERÊA, 2006, p.

28-29), 16 Contra esse regime e visando a fortalecer-se o poder real, inicia-se a reação no século XIII. Afonso III, educado em França, dá organização à justiça e disciplina o processo, ao mesmo tempo que incentiva o estudo do direito romano dos glosadores. Seu sucessor, D. Diniz, cria a Universidade de Lisboa, em 1308, onde se ensinava o direito romano, daí surgindo famosos juristas. Esse grande rei ainda torna obrigatório o uso da língua portuguesa em todos os documentos públicos, inclusive no processo judiciário, e faz traduzir a Lei das Sete Partidas, organizada a mandado de Afonso X, de Castela, de substância romana, o que iria refletir-se na legislação portuguesa.”

33

Interessa-nos de perto a “primeira modalidade de revelia”, a saber, a do réu citado que não comparece ao processo, que corresponde ao conceito atual do instituto. Se fosse real a ação, o autor era imitido provisoriamente na posse da coisa e, se a revelia não fosse purgada em um ano, tornava-se seu proprietário. Fosse a ação pessoal, o mesmo ocorreria com tantos bens quantos fossem estimados suficientes para a satisfação da pretensão do autor. Até aí parece nítida a tradição herdada do Direito Comum. A peculiaridade das Flores de las Leyes no que concerne à revelia, talvez por influência do direito romano justinianeu, é a recomendação para que o julgador buscasse a verdade, preocupação inexistente das demais fontes examinadas.

É de se concluir, portanto, sem sombra de dúvidas, de que o direito

processual civil português, e em especial o instituto da revelia, no período anterior às

Ordenações do Reino, sofreu, por certo, influência do Direito Romano, mas resta evidente que

acolheu, notadamente, as determinações do Direito Germânico, já que o revel era visto como

rebelde, faltoso, descumpridor de determinações judiciais, o que acabou por se lhe impingir

tratamento severo e rigoroso, a teor da legislação de origem barbárica.

1.5.3 Ordenações Afonsinas

É preciso lembrar que, até então, havia um bom número de legislações

esparsas que eram utilizadas pelo Reino Português, motivo de insegurança e de insatisfação

para a Coroa Portuguesa. Entretanto, no século XV, Portugal consolida-se como nação,

considerando o fato de ter expulsado os árabes de seu território, e, a partir daí, direciona-se

para a consolidação de uma legislação única portuguesa.

A tarefa iniciou-se com D. João I. Com a sua morte, D. Duarte fez continuar

o trabalho para a confecção de um Código único para Portugal, obra essa que foi concluída

em 1446 ou 1447, já sob o reinado de D. Afonso V, razão pela qual a compilação recebeu o

nome de Ordenações Afonsinas. Era dividida em cinco livros, sendo o Livro III o responsável

pelo direito processual civil.

A idéia, portanto, era agrupar o que havia até então (considerando as

34

influências múltiplas e as várias legislações aplicáveis no Reino Português), e instituir uma

legislação única. Todavia, embora mais bem engendrada (dada a profusão de legislação

existente até então), é certo que as Ordenações Afonsinas não se fizeram acompanhar de

relevantes modificações legislativas17. (OLIVEIRA, 1997, p. 31).

Segundo TUCCI (1964, p. 51-52), o Livro III, Título XVII trata da

contumácia do autor, dispondo que, o autor que fizesse citar o réu e deixasse de comparecer

em juízo, só teria direito a produzir nova citação após o pagamento das despesas do réu. E

mais: se o não comparecimento ocorresse por mais duas vezes, estaria perempto o direito do

autor de promover nova demanda.

Ainda segundo Tucci, a contumácia do réu era formulada no Livro III, no

Título XXVII, por meio das seguintes considerações: se o réu não comparecesse, por si ou por

procurador, duas seriam as situações: a) se a ação fosse pessoal, e fosse provado pelo autor

suas alegações, era o réu condenado, possibilitando-se a execução da sentença sobre seus

bens. O réu, outrossim, não podia embargar a sentença, salvo se houvesse pagamento ou

quitação; b) se a ação fosse real, o autor obtinha a imissão definitiva na posse dos bens do réu.

Também estava proibido o réu de embargar a decisão, salvo se comprovasse, por escritura

pública ou testemunha, relevante motivo, que o tivesse impedido de vir ou enviar um

procurador para defendê-lo anteriormente. (GIANESINI, 1977, p. 14-15)

Ainda segundo Bresolin (2006, p. 32), de se destacar que,

em ação pessoal, se o revel fosse menor de idade e citado na pessoa de seu tutor ou curador, a execução recairia sobre os bens destes últimos; se estes não os possuíssem, a execução recairia sobre os bens do juiz que houvesse nomeado o tutor ou curador; somente na hipótese de nenhum destes ter bens é que a execução recairia sobre os bens do menor, que poderia posteriormente buscar junto a estes o ressarcimento pelos prejuízos que lhe fossem causados.

17 Nas Ordenações manifestam-se reflexos da introdução do direito romano justinianeu e do novo direito canônico decorrente das decretais papais. Substancialmente, as Ordenações Afonsinas (1446 ou 1447) constituem uma compilação, atualizada e sistematizada, das várias fontes de direito com aplicação em Portugal, formadas em grande parte por leis anteriores, respostas a capítulos apresentados em cortes, concórdias e concordatas, costumes, normas das Siete Partidas e disposições de direito romano e canônico.

35

De qualquer modo, era proibido ao revel “verdadeiro” apelar.

1.5.4 Ordenações Manoelinas

Valendo-nos das lições preciosas dos doutrinadores portugueses Marcello

Caetano (1981) e Mario Julio de Almeida Costa (1989), é certo que em 1505, D. Manoel I

encarregou juristas de escol da época para revisar e atualizar as Ordenações do Reino. Assim,

em 1514 foram editadas as Ordenações Manoelinas, que acabou por ter seu texto definitivo

em 1521.

As Ordenações Manoelinas continuaram compostas por cinco livros, sendo

ainda o Livro III o responsável pelo direito processual da época.

A propósito da revelia do autor, poucas foram as alterações, comparadas ao

que já estava previsto nas Ordenações Afonsinas, fazendo-se tão- somente uma distinção

quanto ao não comparecimento do autor anterior ao recebimento do libelo (quando poderia o

réu, caso quisesse, pedir que a demanda prosseguisse e fosse por inteiro julgada, na tentativa,

pois, de absolver-se de toda a causa e a conseqüente condenação do autor das despesas

havidas) ou posterior ao libelo (quando então o juiz julgava o feito em favor de quem de fato

tivesse razão, exceção feita à ausência de elementos suficientes para formação de sua

convicção, quando também era o réu absolvido de toda a causa, e o autor, condenado nas

despesas processuais).

Todavia, é importante ressaltar que a revelia do réu apresentou, nas

Ordenações Manoelinas, alterações expressivas, na medida em que se distanciou dos

regramentos de Direito Germânico e se aproximou do Direito Romano do período da

extraordinária cognitio (GIANESINI, 1977, p. 15). Com isso, assim ficou estabelecido no

Livro III, Título XIV: a revelia, quer fosse ação real ou pessoal, não tinha como conseqüência

36

a condenação do réu como regra, já que o processo tinha o seu curso natural, o que, por

conseguinte, impedia a imissão do autor na posse dos bens do revel. Outrossim, ao revel foi

concedida a possibilidade de comparecimento tardio, antes da prolação da sentença, “tomando

o processo no ponto em que ele o encontrar”. Entretanto, ao revel verdadeiro mantinha-se a

proibição de apelar da sentença.

1.5.5 Ordenações Filipinas

Tendo sido a Coroa Portuguesa anexada pelo Rei D. Filipe II de Espanha e I

de Portugal (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 56), e com o avanço das relações sociais,

econômicas e jurídicas de então, nova Ordenação do Reino foi criada, com o nome de

Ordenações Filipinas, publicadas em 1603. Importa ressaltar que foi revogada, em Portugal,

em 1867 e, em razão do domínio português havido no Brasil, por aqui vigorou por longo

período, considerando a ausência de legislação brasileira própria – é sabido que até a edição

do Código Civil de 1917 fora utilizada em maior ou menor medida.

Continuaram os cinco livros, e o direito processual civil continuou a ser

tratado no Livro III, sem que mudanças substanciais tivessem ocorrido.

A revelia do autor veio tratada no Livro III, Título XIV, que reproduziu

quase que totalmente as previsões havidas nas Ordenações Manoelinas, exceção feita ao

acréscimo de que o autor tinha contra cada uma das absolvições de instância o direito de

agravo, por instrumento ou de petição (TUCCI, 1964, p. 56).

No tocante à revelia do réu, mantiveram-se as determinações das

Ordenações Manoelinas, ou seja, a contumácia do réu, quer ocorresse em ação real ou

pessoal, não tinha como conseqüência a condenação do demandado como regra, já que o

processo tinha o seu curso natural, o que, por conseguinte, impedia a imissão do autor na

37

posse dos bens do contumaz. Outrossim, ao revel foi concedida a possibilidade de

comparecimento tardio, antes da prolação da sentença, “tomando o processo no ponto em que

ele o encontrar”. Entretanto, ao revel verdadeiro mantinha-se a proibição de apelar da

sentença.

Em razão da abordagem da presente dissertação, importa considerar, antes

de se finalizar esse panorama histórico que se fez necessário acerca das Ordenações do Reino,

que, no tocante à matéria processual e ao papel desempenhado pelo juiz no decorrer do

processo.

[...] as Ordenações seguem a tradição da época. O procedimento era essencialmente escrito, com total distanciamento do juiz na produção da prova. Por isso, a inquirição das testemunhas era realizada por inquiridor, secretamente, perante tabelião que registrava os respectivos depoimentos, sem nenhuma parte ser sabedora, até as inquirições serem abertas e publicadas. Depois de acabadas as inquirições, o juiz perguntava às partes se podiam ser abertas e publicadas, facultando-se aos litigantes vir com embargos fundados em não terem sido perguntadas todas as testemunhas indicadas, quer sobre o principal, quer sobre as contraditas e reprovas, e requerer fossem admitidas outras em lugar destas.... ( ...) Concluso o feito, o julgador examinava as inquirições e podia, quando houvesse apenas meia prova (por uma só testemunha ou por confissão extrajudicial ou caso semelhante), deferir ao autor juramento decisório “em ajuda de sua prova”. Verifica-se, assim, a rígida valoração legal da prova, sem se deixar espaço ao juiz.... (....) Inexistia, portanto, livre convicção e segundo as Ordenações Filipinas, Livro 3, título. 66, o juiz deve julgar segundo o que achar alegado e provado de uma e de outra parte, ainda que lhe a consciência dite outra coisa e ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito for provado, porque somente ao Príncipe, que não reconhece Superior, é outorgado por direito que julgue segundo sua consciência. (OLIVEIRA, 1989, p. 31-32) (grifos nossos).

Assim, é certo que, no que concerne ao papel do juiz a ser desempenhado

junto das três seqüenciais Ordenações, o princípio dispositivo era a regra a ser observada. Isto

tanto é mais importante por ter o Brasil adotado por longo período o Livro III das Ordenações

Filipinas a ponto de se afirmar que o princípio dispositivo, tanto formal quanto material, foi o

que regrou, de forma absoluta, a participação do juiz nos primórdios do processo civil

brasileiro.

38

1.6 Direito Brasileiro

É sabido que no período do Brasil-Colônia e mesmo durante o período de

Império, o direito processual civil brasileiro se valeu das leis portuguesas, razão pela qual se

fez importante fazer menção às Ordenações do Reino.

A Independência do Brasil deu-se a 1822, época em que vigia em Portugal

as Ordenações Filipinas. Por não ter o Brasil legislação própria quando da sua independência,

continuou-se a adotar, no que se refere ao Direito Processual Civil, o Livro III das Ordenações

Filipinas (por força do Decreto de 20.10.1823, da Assembléia Geral Constituinte), juntamente

com eventuais leis extravagantes que tratassem sobre processo.

É oportuno lembrar que, mesmo com a Constituição Brasileira de 1824,

ainda assim valia-se o Direito Processual Civil Brasileiro da legislação portuguesa e das

esparsas leis havidas para dirimir os seus conflitos de interesse. Portanto, a partir de 1823 o

Livro III das Ordenações Filipinas e demais legislações esparsas passaram a regrar o processo

civil no Brasil.

A partir dos novos delineamentos sócio-políticos do Brasil, legislações

outras começaram a surgir, mas é de se ressaltar que até a Proclamação da República, as

Ordenações Filipinas foram responsáveis pelo processo civil brasileiro.

1.6.1 Regulamento 737/1850

Antes de se falar propriamente do Regulamento 737, de 25 de novembro

de1850, importa considerar que nesse mesmo ano fora promulgado o Código Comercial. O

Regulamento 737/1850 tinha inicialmente como função disciplinar as causas comerciais - já

que as causas cíveis estavam a cargo das Ordenações Filipinas – Livro III – e demais

39

legislações que a modificavam e complementavam.

Entretanto, as causas cíveis continuaram a ser reguladas pelas Ordenações e leis complementares ou modificativas. E tantas e tais foram estas, desde a Independência, que se impôs a necessidade de reuní-las num único corpo, que abrangesse toda a legislação referente ao processo civil, do que se incumbiu, por ordem do Governo Imperial, dando execução à Lei nº 2033, de 20 de setembro de 1871, o Conselheiro Antonio Joaquim Ribas, professor da Faculdade de Direito de São Paulo. Esse trabalho, sob a denominação de Consolidação das Leis do Processo Civil, passou a ter força de lei, pela aprovação que lhe deu a Resolução Imperial de 28 de dezembro de 1876 (SANTOS, 1999, p. 52).

Entretanto, é sabido que o Regulamento 737/1850 era demasiado mais

simples e preciso, e, por força do Decreto do Governo Provisório n. 763, de 19 de setembro de

1890, o Regulamento 737 passou a também reger as causas de natureza cível, continuando

apenas algumas poucas causas a serem regidas pelas Ordenações Filipinas (processos

especiais e causas de jurisdição voluntária não disciplinados pelo Regulamento).

(GIANESINI, 1977, p. 17).

No tocante à revelia, nada de relevante fora acrescentado àquilo já presente

nas Ordenações Filipinas.

A revelia do autor, prevista no artigo 58 do Regulamento 737/1850, seguia a

orientação do direito português:

se êste ou algum procurador seu não se apresentasse para fazer acusar a citação, ficava esta circunduta, sendo o réu absolvido da instância; e êste só poderia ser novamente citado para a mesma causa, depois que o autor pagasse as custas devidas. (TUCCI, 1964, p. 60).

A revelia do réu, prevista no artigo 57 do referido texto legislativo, ainda

segundo Tucci (1964, p. 60), assim previa:

acusada a primeira citação em audiência, se não comparecer a parte citada, por si ou por seu procurador, seguirá a causa à sua revelia até final; mas, em todo caso, comparecendo a parte lançada será admitida a prosseguir no feito nos têrmos em que este se achar.

A única inovação que merece destaque: possibilidade de se apelar da

40

sentença, no prazo de 10 dias a contar da sua publicação (artigo 648) e, decorrido esse prazo,

poderia o réu interpor embargos infringentes do julgado, desde que provasse o prejuízo (a teor

do artigo 577, § 8º, nº 2). Outrossim, caso fosse o revel menor, poderia valer-se ainda de

embargos de restituição (artigos 639 e ss).

1.6.2 Códigos estaduais

É certo que, por determinado período, a partir da promulgação da

Constituição de 1891 (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 58-59)18, o Brasil teve vários Códigos

Estaduais. Tal se deu em razão de que foi atribuído aos estados-membros a competência para

legislar sobre o direito processual, “remanescendo com a União a regulamentação do processo

na Justiça Federal.” (BRESOLIN, 2006, p. 36).

Assim, a partir de 1905, foi dado início às codificações estaduais, tendo sido

o Estado do Pará o primeiro a editar seu estatuto processual próprio, e, a partir daí, os demais

Estados da Federação passaram a também editá-los, exceção feita ao estado de Goiás. São

Paulo, a propósito, segundo nos ensina Arruda Alvim (2000, p. 55), foi um dos últimos a

promulgar sua legislação processual civil (1930).

Muito embora havendo várias legislações estaduais distintas, é certo que, no

que concerne à revelia, nenhum tratamento diferenciado fora dado ao instituto, visto que os

referidos Códigos Estaduais, seguindo as diretrizes traçadas até então, muitas vezes

reproduziram o texto das Ordenações Filipinas e do Regulamento 737.

18 Assevera que referido texto constitucional foi inspirado pela Constituição dos Estados Unidos do Norte, notadamente no que se refere à competência legislativa dos Estados, desde então, definidos como federados).

41

1.6.3 Código de processo civil de 1939

A existência, no Brasil, de variadas legislações estaduais sobre processo

civil, tiveram curta duração.

[...] a Constituição de 1934 determinava, no art. 11 das Disposições Transitórias, que o governo, uma vez promulgada a Constituição, nomearia uma comissão de três juristas, a fim de organizar um projeto de Código de Processo Civil e Comercial. Em conseqüência de um contragolpe de Estado, a Carta Constitucional de 1937 substituiu a Constituição de 1934. Reafirmou-se o propósito de reunificação do processo, trazendo-se, ainda, uma inovação, que teve, por sua vez, reflexos no campo de aplicação da Justiça: a supressão da Justiça Federal. (ARRUDA ALVIM, 2000, p. 55) (que, posteriomente, foi reinstituída).

É importante destacar que o Código de Processo Civil de 1939, ao contrário

do atual (1973), acabou por provocar grande divergência doutrinária sobre a revelia e seus

efeitos, visto que tratou da matéria em dispositivos esparsos, como o artigo 34 e artigo 209 do

mesmo estatuto processual.19

Quanto aos efeitos da revelia, é bom lembrar que contra o revel correriam os

prazos independentemente de intimação ou notificação, havendo, outrossim, como no atual

Código de Processo Civil brasileiro (artigo 322) – ressalvadas, evidentemente, as alterações

havidas em 2006 - a possibilidade de o réu revel intervir no processo em qualquer que seja a

fase em que se encontre.

Grande divergência doutrinária se fez por conta da previsão legal do artigo

209 do referido Código de Processo Civil de 1939, que versava sobre a admissão de

veracidade dos fatos alegados pelo autor. Assim prescrevia o referido artigo: “o fato alegado

por uma das partes, quando a outra não o contestar, será admitido como verídico, se o

contrário não resultar do conjunto da prova.”

Bresolin (2006, p. 38-39) bem aquilata a divergência doutrinária à época:

19 Cf (TUCCI, 1964, p. 15); (GIANESINI, 1977, p. 18); (BRESOLIN, 2006, p. 37-39).

42

Dentre tantos, Liebman, José Frederico Marques, Gabriel Rezende Filho, Pedro Batista Martins, e, principalmente, Calmon de Passos, entendiam que o artigo 209, e consequentemente a admissão de veracidade por ele determinada, não se aplicava aos casos de revelia, mas sim aos casos de apresentação de defesa lacunosa, na qual o réu comparecia ao processo mas, na resposta, deixava de impugnar um ou mais dos fatos alegados pelo autor. Buzaid compartilhava da mesma opinião. Segundo tal doutrina, remanesceria no ordenamento de então a tradição romana herdada pelo direito luso-brasileiro de exigir que, mesmo diante da revelia do réu, o autor fizesse prova dos fatos constitutivos de seu direito. (...) De outro lado, Guilherme Estelita, Lopes da Costa e especialmente Rogério Laura Tucci sustentavam a incidência do artigo 209 e, consequentemente, a admissão de veracidade por ele determinada, como efeito da revelia, vale dizer, defendiam a aplicação de tal dispositivo mesmo se o réu não comparecesse ao processo.

Independentemente da divergência doutrinária havida, é certo que havia a

ressalva final “se o contrário não resultar da prova dos autos”, o que dava uma margem muito

mais abrangente a que o magistrado, baseado no seu livre convencimento, pudesse se valer da

instrução probatória para melhor decidir.

É imperioso destacar, por fim, que o Código de Processo Civil de 1939 não

previa o julgamento antecipado da lide em decorrência da revelia, visto ser obrigatória a

audiência de instrução e julgamento. Outrossim, poderia o réu revel, desde que comprovasse

que sua ausência decorrera de força maior, requerer a concessão da restitutio in integrum20,

para que, assim, pudesse adentrar ao processo e realizar os atos processuais que deixaram de

ser praticados no prazo oportuno.

20 Sobre o assunto, com mais vagar, ver nosso Capítulo IV.

43

II. A REVELIA

2.1 Participação do réu na demanda: ônus processual civil. Breve análise acerca da participação do demandado no processo civil brasileiro: respostas, inércia ou reconhecimento jurídico do pedido

Sabe-se que o processo civil de conhecimento é fundado sob as bases do

princípio da bilateralidade da audiência, podendo-se concluir que ele é um instrumento que

disciplina os conflitos sociais regidos pelo princípio dialético do contraditório e da ampla

defesa.

Desta forma, tem-se que, apresentada a lide pelo autor em juízo, pela

petição inicial, a jurisdição, até então inerte, é instada a se manifestar acerca do(s) pedido(s)

da peça preambular, ocasião em que o autor apresenta os fatos e os fundamentos jurídicos

daquilo que está a requerer ao órgão jurisdicional apto a analisá-lo(s). O juiz, recebendo a

exordial, deverá cumprir com o estatuído na legislação, ordenando a citação do réu. Com isso,

ao réu – ou demandado - é dado ciência da ação ora proposta, triangularizando-se a relação

jurídica processual.

O réu, devidamente citado, poderá responder (comportamento mais

esperado, mas não o único), tornar-se inerte (revelia) ou até mesmo reconhecer o pedido.

Responder ao chamado processual é o comportamento mais esperado do réu:

Claro está que, ao ser regularmente citado da demanda proposta pelo autor,

em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, ao demandado é dada

oportunidade de responder ao(s) pedido(s) contido(s) na exordial, opondo ao(s) mesmo(s) as

razões que porventura tiver, por intermédio das respostas que queira produzir em juízo. Em

suma, lhe é dada oportunidade de defesa, de responder ao pedido (ou pedidos) contido(s) na

44

petição inicial. Inicia-se, aí, portanto, a participação do réu no processo, e desta participação

decorrem várias conseqüências e fenômenos processuais.

Assim, uma vez efetuada a citação válida do réu, compondo-se o pólo

passivo da demanda ora em curso, a relação jurídica processual entre autor-juiz e réu está

regularmente formada, surgindo ao demandado o ônus de oferecer a defesa contra os fatos e o

direito sustentados pelo autor na inicial.

Com isso, ao demandado é dada ciência da ação ora proposta. Outrossim,

também lhe é dado oportunidade de defender-se do pedido contido na exordial, opondo ao

mesmo as razões que porventura tiver. “Citação é o ato mediante o qual se transmite ao

demandado a ciência da propositura da demanda, tornando-o parte no

processo”.(DINAMARCO, 2002, p. 506).

Segundo Dinamarco (2002, p. 444), “Resposta é a reação a um estímulo

externo. Resposta à demanda inicial é a reação do demandado, em processo de conhecimento,

ao estímulo feito pela citação, a qual o tornou parte e deu-lhe ciência dos termos da demanda

do autor.”

Certo dizer, pois, que a comunicação processual, ou, mais especificamente

dizendo, a citação, efetiva o princípio do contraditório, já que, para que o réu possa tornar-se

parte no processo (DINAMARCO, 2002, p. 506)21, e para que tenha oportunidade de reação,

necessário se faz seja devidamente informado da ação. Sem a citação o sujeito sequer toma

parte no processo e, sem sê-lo, é absolutamente proibido impor-lhe os resultados deste.

(DINAMARCO, 2002, 506)22.

Quando instado a se manifestar acerca do pedido de tutela jurisdicional, a

jurisdição (Estado-Juiz), segundo o propugnado pela petição inicial do autor, dá início à

marcha do processo, que, por respeito aos ditames do Estado Democrático de Direito e aos

21 Já que antes de citado o réu é apenas parte na demanda, mas não no processo. 22 “Não sem razão a citação é um dos pressupostos processuais do processo (ou, como querem alguns autores, pressuposto de existência do processo)”.

45

princípios que o informam, passa pela concessão ao réu da oportunidade de defender-se.

Reação oportunizada, formada está a relação jurídica processual.

Em suma, ao demandado é dada a oportunidade de reação, formando-se

assim a trídica relação jurídica processual, surgindo ao réu o ônus de responder à demanda

contra si proposta. Responde, pois, se quiser, já que é pura faculdade da qual pode livremente

dispor.

Na lição sempre preciosa de Dinamarco (2000, p. 949):

Ônus, conceito vital na moderna ciência do processo civil, significa imperativo do próprio interesse, na elegante definição do pai do tema, James Goldschmidt. São condutas esperadas dos sujeitos, sem a obrigatoriedade ou penalidades a serem impostas - e portanto sem se confundirem com os deveres – mas, sob a sanção de conseqüências desfavoráveis. Ninguém tem a obrigação ou dever de provar, mas ou a parte cumpre o ônus de provar, ou o fato alegado é tido por inexistente; o vencido tem a faculdade de apelar ou deixar de fazê-lo, mas o vencido que não apela permite que passe em julgado a sentença desfavorável, etc. Nesse quadro situam-se os dispositivos legais que instituem o ônus da resposta no sistema brasileiro de processo civil.

Segundo Cretella Junior (2002, p. 330),

ônus é carga, encargo, fardo, gravame, imposição, peso. Incumbência da prática de determinado ato, quando se deseja resguardar interesse próprio; difere de obrigação, que é o dever de praticar determinado ato por exigência legal ou contratual, para satisfazer interesse alheio. À obrigação corresponde um direito, mas ao ônus não corresponde direito qualquer. (grifos nossos).

Assim, uma vez efetuada a citação válida do réu, compondo-se o pólo

passivo da demanda, a relação jurídica processual se estabelece, surgindo ao demandado o

ônus de oferecer a defesa contra os fatos e o direito sustentados pelo autor na inicial. De

plano, tem-se a impressão de que a marcha regular do processo faz-nos crer acerca da

imperiosa participação das partes parciais do processo – tanto autor quanto o réu - visto terem

estas mesmas partes o ônus de colaborar para com o regular andamento da demanda que, se

não cumprido, produz conseqüências processuais negativas.

A legislação possibilita ao réu reagir respondendo, tendo em vista que tal

46

possibilidade é inerente à garantia constitucional do contraditório, que, em relação às partes,

se manifesta no binômio informação-reação. Da propositura da demanda inicial o réu é

informado pela citação e, caso queira, reage a ela, respondendo. Ao responder, ele principia

sua participação no processo, que é essência do contraditório em relação às partes.

Sabemos que o réu poderá participar da demanda, adotando inúmeras

formas de conduta em juízo (por exemplo: contestação, reconvenção, exceções, ação

declaratória incidental, impugnação ao valor da causa, denunciação da lide, nomeação à

autoria, chamamento ao processo, argüição de falsidade documental), e cada qual destes

institutos processuais possui peculiaridades próprias que sustentam e justificam a participação

do demandado no processo civil.

Outrossim, também pode o demandado, no direito processual civil,

reconhecer o pedido apresentado pelo autor, ou, ainda, e para além desses institutos que

registram a participação efetiva do réu na demanda, também é certo que o réu poderá manter-

se inerte. “Na realidade, ao ser citado, cabe ao próprio réu definir sua conduta diante do

processo, não podendo ser obrigado a agir dessa ou daquela maneira”. (CALMON FILHO,

2006, p. 1).

A defesa é o comportamento que comumente se espera do réu, ante a ação

que lhe foi proposta. Mas pode ocorrer de o réu permanecer absolutamente inerte, ou não

exercitar algumas das modalidades de defesa. Por ser ônus, o réu não é obrigado a contestar a

ação. Não se desincumbindo o réu de contestar a ação, verificar-se-á a revelia, que, na lição

de Cândido Rangel Dinamarco (1986, p. 190), é uma situação de fato jurídica.

A contestação é, por excelência, a modalidade de resposta em que ao réu é

possibilitado o direito de resistir à demanda proposta pelo autor (embora não seria demais

dizer que, ainda que ao se opor ao pedido do autor, o réu o faça, por exemplo, por intermédio

da reconvenção, lógico está que estará(ão) controverso(s) o(s) fato(s) deduzido(s) pelo autor).

47

É por intermédio dessa modalidade de resposta - contestação - que ao réu é dado se defender

dos fatos e fundamentos jurídicos lançados pelo autor na petição inicial, refutando-se os

pedidos do autor. Portanto, por meio da contestação, o réu resiste à pretensão e ao(s)

pedido(s) do autor.

A definição precisa e certeira de Dinamarco (2002, p. 460), in verbis: “Peça

fundamental da defesa do réu, em que se concentram todas as razões de resistência à demanda

inicial do autor, que não são canalizadas às outras respostas.”

Ainda segundo o professor Dinamarco (2002, p. 461), o réu não possui

apenas o ônus de responder à demanda contestando. Não basta, tão-somente, contestar a ação.

É preciso, também, observar os regramentos processuais que informam a contestação. Além

de contestar, deve o réu atentar-se ao chamado princípio da eventualidade ou da concentração,

capitulado pelo artigo 300 do Código de processo civil, ou seja, incumbe ao réu formular, de

uma só vez, na contestação, todas as defesas de que dispõe, de caráter formal ou material. Se

alguma argüição defensiva for omitida nessa fase, impedido estará ele, portanto, a princípio,

de levantá-la em momentos ulteriores do procedimento.

Diante da preclusão consumativa a que fica sujeita a contestação, o réu deve

aproveitar o momento para contra-atacar todos os itens postulados pelo autor na inicial, isto,

de forma sucessiva, uma vez que, não aproveitando uma argüição, outra poderá servir, ainda

que, a princípio,incompatíveis entre si.

Gonçalves (2006, p. 406), assim preleciona:

[...] tem o réu o ônus de responder à ação, sob pena de sofrer os efeitos indicados no art. 319. Mas o art. 302 explicita melhor esse ônus, ao dizer que“ cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados. [...] Esse dispositivo imputa ao réu o ônus da impugnação especificada dos fatos. Não basta que ele responda à ação; é preciso que impugne especificamente cada um dos fatos mencionados pelo autor, sob pena de os não impugnados presumirem-se verdadeiros. Não se contenta a lei processual, salvo exceções que serão oportunamente estudadas, com a impugnação genérica do alegado. Não basta a contestação por negação geral, pois o réu precisa repelir, um a um, os fatos articulados pelo autor. Sobre os não impugnados incidirá a presunção de veracidade.

48

Além do réu atacar, deve especificar cada item da inicial, fundamentando as

suas alegações. A exceção ao princípio da eventualidade vem expressa no artigo 303 do

Código de Processo Civil, a saber:

Art. 303 - Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;( Ex: pressupostos, condições da ação, erro, dolo , coação, fraude, simulação; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo.

Portanto, pode-se concluir que, além do ônus de defender-se, o réu tem, no

nosso sistema processual, o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos porventura

apresentados pelo autor da demanda. Ineficaz, portanto, a contestação por negação geral23 ,

bem como a que se limita a dizer “não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor”.

A exceção legal a este regramento processual vem prevista no artigo 302 do

Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 302 - Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo: I - se não for admissível, a seu respeito, a confissão; II - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato; III - se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto. Parágrafo único. Esta regra, quanto ao ônus da impugnação especificada dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público.

Portanto, o ônus é complexo: além de responder, deve o réu impugnar

totalmente os fatos alegados pelo autor, lembrando sempre que, acaso ocorra a impugnação

parcial, pela dicção legal prevista no ordenamento jurídico, os fatos não impugnados, ou

impugnados de forma parcial, a princípio, presumir-se-ão verdadeiros , de acordo com o

sistema da ficta confessio ao qual se filia o direito processual civil brasileiro. (GIANESINI,

23 Exceção feita aos casos em que a legislação autorização a contestação por negativa geral mencionados.

49

1977, p. 69).24

Portanto, em respeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla

defesa, iniciada a ação pelo autor, e devidamente citado o réu, o direito processual civil

garante a ambas as partes parciais do processo uma igualização de armas, no sentido de que, a

partir daí, ambos poderão, caso queiram, se valer de todos os instrumentos que a legislação

lhes permite para tentar impor a sua verdade e o seu direito. E, por certo, qual o

comportamento processual mais aguardado por parte do demandado, senão a resistência à

demanda proposta pelo autor, por meio das modalidades de respostas do réu outrora

mencionadas?

E é por intermédio das modalidades de respostas, notadamente a

contestação, que o demandado opõe objeção e torna controversos os fatos alegados pelo autor,

fazendo nascer dessa controvérsia a necessidade de que sejam produzidas provas no processo,

para que, ao final, a sentença possa decidir sobre quem, de fato, tem razão. A máxima de

Dinamarco (2000, p. 126) – “pedir, alegar, provar” assim se justifica.

Por certo que esta regra comporta várias exceções, que serão tratadas na

presente dissertação em momento oportuno, a teor dos artigos 302 e 320 do Código de

Processo Civil. Outrossim, pelos delineamentos tratados no capítulo III, acerca dos poderes do

juiz, o respeito aos princípios constitucionais e a busca da verdade real (DINAMARCO, 2000,

p.133)25, não mais se tem tais preceitos como regras absolutas, notadamente quando se pode

24 Ao fazer menção a excerto doutrinário do Professor Arruda Alvim : “... pelo exame do art. 302, que estabeleceu não só o ônus de contestar, como, também, o ônus de contestar exaustivamente. Dissemos isto tendo em vista o art. 302, porque, se o réu não se manifestar cumprida e precisamente sobre os fatos narrados, presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados.” 25 “Outro dever do juiz moderno é o de ter iniciativas probatórias em certos casos. A visão tradicionalista do processo, com exagerado apego àquela idéia de um jogo em que cada um esgrima com as armas que tiver, levava à crença de que o juiz, ao tomar alguma iniciativa de prova, arriscar-se-ia temerariamente a perder a imparcialidade para julgar depois. Tal era o fundamento do princípio dispositivo, naquela visão clássica segundo a qual só as partes provariam e o juiz permaneceria sempre au-dessus de la mêlée, simplesmente recebendo as provas que elas trouxessem, para a final examiná-las e valorá-las. A vocação do solidarista do Estado moderno, no entanto, que não permanece naquele laissez faire, laissez passer da filosofia liberal, exige que o juiz seja o personagem participativo e responsável, não mero figurante de uma comédia. Afinal, o processo é hoje encarado como um instrumento público que não pode ser regido exclusivamente pelos interesses, condutas e omissões de seus litigantes...”

50

fazer a análise dos vários julgados apresentados na presente dissertação.

Além disso, reconhecida a necessidade de busca da verdade real para que o processo possa conferir tutela jurisdicional a quem tem razão à luz do direito material, superado assim o próprio fundamento que fazia depender o objeto da prova apenas e tão-somente da controvérsia das partes acerca dos fatos, também ingressam no objeto da prova, a nosso ver, os fatos que, alegados por uma das partes e mesmo que não impugnados pela outra, o juiz reputar ter mais motivos para descrer do que para crer, e ainda aqueles acerca dos quais o juiz não se considere suficientemente convencido da existência. Tal necessidade de busca da verdade real alarga portanto o objeto da prova, que deixa de ser relacionado apenas à atividade das partes e passa a levar em consideração também o convencimento do juiz. (BRESOLIN, 2006, p. 79-80).

Entretanto, é certo que o réu também poderá permanecer inerte com a

demanda contra si proposta. Revel é aquele que não contesta, na forma e no prazo legal. O

artigo 319 do Código de Processo Civil preleciona que “Se o réu não contestar a ação,

reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.”

A defesa é o comportamento que comumente se espera do réu, ante a ação

que lhe foi proposta.

Mas pode ocorrer de o réu permanecer absolutamente inerte, ou não

exercitar algumas das modalidades de defesa. Portanto, revelia é a situação em que se coloca

o réu que não contesta. Pouco importa tenha ele se utilizado dos outros modos de defesa

(exceção e reconvenção). Será revel se não praticar o ato processual consistente em contestar,

com todos os seus requisitos, ou seja, praticado no prazo, por intermédio de advogado

regularmente constituído.

Há entendimentos contrários acerca dessa afirmação26. Entretanto, conforme

acima explicitado, é por intermédio da contestação – uma das modalidades de resposta que o

réu pode produzir nos autos – que o réu impugna os fatos e os pedidos lançados na petição

inicial pelo autor. É também por esta modalidade de resposta que o réu ataca as defesas

indiretas e o próprio mérito da demanda, o que leva a crer que a revelia ocorre quando o réu

26 Vide itens 2.3, 2.3.1 e 2.3.2 da presente dissertação.

51

deixa, no prazo e na forma legal, de apresentar a contestação.

Eis o tema da presente dissertação de mestrado - o tratamento dispensado à

revelia e aos seus efeitos, tanto pela legislação, como pela doutrina e jurisprudência

brasileiras.

2.2 Revezes da terminologia: contumácia x revelia

Revelia provém do latim rebellis, ou seja, rebelde; contumácia provém de

contumax, ou seja, aquele que resiste. Clássica a definição de Hermogeniano a respeito da

contumácia: “Contumax est qui tribus edictis propositis, vel uno pro tribus (quodo vulgo

peremptoriam appellatur), litteris evocatus praesentiam sui facere se contemnit.” (TUCCI,

1964, p. 115).

Há, na doutrina, desde há muito, um revés terminológico que pontua a

revelia e a contumácia ou, mais especificamente falando, se são ou não sinônimas as duas

expressões. Há revezes, também, porque alguns autores entendem que um é gênero –

contumácia-, do qual o outro - revelia – seria espécie, havendo também quem diga ser a

revelia um efeito da contumácia (TUCCI, 1964, p. 115). Pensamos ser este último

posicionamento totalmente equivocado, o que nos restringe às duas primeiras colocações.

Vê-se que como há um grande número de posicionamentos dissonantes,

encontra-se ora a situação de similitude entre os dois termos (contumácia e revelia), ora como

um sendo gênero do qual o outro é espécie.

É majoritário o entendimento doutrinário acerca da não similitude entre os

dois termos ora noticiados, notadamente na farta doutrina brasileira. E, por conta da

dissonância entre os doutrinadores, prevalece o entendimento de que a contumácia é gênero,

do qual a revelia é espécie.

52

O dicionário de língua portuguesa on line Priberan define a revelia como

sendo a “não comparência do argüido no julgamento”.

José Cretella Junior (2002, p. 453-454) melhor especifica o termo revelia, a

saber:

REVELIA. Também denominada CONTUMÁCIA. Estado, qualidade ou situação do réu revel, isto é, daquele que, regular e validamente citado, não apresenta contestação, também regular e válida, dentro do prazo legal, de 15 (quinze) dias (CPC. art. 297), caso em que se reputarão verdadeiros os fatos alegados pelo autor(art. 319)...

Segundo nos ensina Arruda Alvim (2007, p. 330),

o termo contumácia pode ser empregado como gênero e designa a inatividade do autor e do réu, sendo a revelia uma espécie, a qual se deve usar para designar a inércia do réu em contestar, no prazo legal.

Em nota (2) feita à p. 140 do seu Manual do Processo de Conhecimento,

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2004, p. 140) afirmam:

Note-se, porém, que a idéia de contumácia, embora utilizada como sinônimo de revelia no direito processual civil brasileiro, pode muito bem assumir contornos mais amplos do que esta última. Enquanto é certo que a revelia apenas incide no pólo passivo da demanda (em relação ao réu), a contumácia também pode ser do autor. As conseqüências serão diferentes conforme se trate de contumácia do autor ou do réu; todavia, não se pode negar que a expressão contumácia possa ser utilizada para caracterizar fenômeno mais amplo do que a revelia, que seria daquela apenas uma espécie. (grifos nossos).

Assim também se pronuncia Rita Gianesini (1977, p. 66), em sua clássica

obra acerca do tema, para quem

Contumácia consiste na inatividade do autor, do réu (salvo no tocante à não apresentação de contestação), ou de ambos, ou de terceiro interveniente na prática de algum ato processual, na forma e prazo determinados. Revelia consiste na não apresentação de contestação na forma e prazos legais.

Por outro lado, autores há que entendem serem ambas as expressões –

contumácia e revelia – sinônimas, podendo-se, pois, empregar quaisquer delas para se falar da

53

inatividade, seja do autor, do réu ou de ambos. (TUCCI, 1964, p. 123).27

Moacir Amaral Santos (1999, p. 232) assim leciona: “A contumácia consiste

no fato de não-comparecimento da parte em juízo”. A contumácia pode ser do autor, do réu,

ou de ambos.

O mesmo se diga em relação a José Joaquim Calmon de Passos (2003, p.

343), para quem se está “em face de termos perfeitamente sinônimos que traduzem o

fenômeno do desatendimento.”

Vista d´olhos no direito comparado nos faz concluir que, dependendo da

legislação analisada, ora utilizam-se da expressão contumácia, ora se valem do termo revelia,

razão pela qual bem observou Calmon de Passos (2003, p. 343):

A preferência por uma ou outra expressão depende da tradição legislativa e doutrinária. Inutilmente se procurará no Código de Processo Civil italiano o instituto da revelia; nele só se conhece a contumácia. Por outro lado, inutilmente se procurará em nosso Código, como no revogado, e por igual no argentino ou no espanhol, o instituto da contumácia; eles só conhecem o da revelia. Também as Ordenações e os Códigos Estaduais mencionavam apenas a revelia.

Ao que parece, dependendo da legislação que se analisa, ora o termo

contumácia é sinônimo de revelia, ora não o é. Ora se valem de uma das expressões, ora da

outra, restando claro, muitas vezes, que a nomenclatura, em si, é mais uma questão de opção

legislativa deste ou daquele país.

Entretanto, concentrando-se na legislação brasileira, opta-se pela linha de

raciocínio que entende contumácia como inatividade, seja do autor, seja do réu, e revelia,

como sendo a inatividade do réu que especificamente não contesta a ação no prazo e forma

legais, a teor do expressamente previsto pelo artigo 319 do CPC.

27 “Assim, não se vê como possam ser distintos os conceitos de “contumácia” e “revelia”. Havendo, como há, sinonímia entre as expressões, devem elas significar a mesma coisa. Podendo empregar-se uma e outra, indiferentemente : contumácia do autor, contumácia do réu, revelia do autor, revelia do réu, contumácia de ambas as partes. (...) Daí a definição que propomos : Contumácia, ou revelia, é o não comparecimento em juízo da parte – autor, réu, ou ambos – omitindo-se totalmente na efetivação de suas pretensões.”

54

2.3 Conceito de revelia: posicionamentos doutrinários discordantes

Da minuciosa análise de entendimentos de alguns autores destacados no

decorrer da presente dissertação, vê-se que a doutrina também não é unânime com relação à

definição propriamente dita do que vem a ser revelia, independentemente dos revezes

terminológicos havidos com a expressão contumácia. São elas:

2.3.1 Revelia e ausência de contestação

Segundo J.E Carreira Alvim (2004, p. 247), “Revelia é a situação em que se

encontra o réu que deixou transcorrer in albis o prazo para defesa. Diz-se réu revel; é a

contumácia do réu.”

José Carlos Barbosa Moreira (1993, p. 118) pontua: “Ocorre a revelia

quando o réu se abstém de contestar a ação”.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2004, p. 141-142),

valendo-se da diferença de ritos (ordinário e sumário) assim caracterizam a revelia:

De acordo com o direito brasileiro, há duas situações que podem ocasionar a revelia, cada qual dependente do tipo de procedimento que se adota. Dessa forma, em se tratando de procedimento ordinário, a revelia opera-se diante da falta de contestação produzida pelo réu no prazo que se lhe concede para a defesa (art. 319 do CPC); já se o procedimento adotado for o sumário, então a revelia decorrerá da ausência injustificada do réu à audiência preliminar e da não–apresentação de contestação.

Outro não é o entendimento de Eduardo Arruda Alvim (2000, p. 462): “A

revelia significa, pois, a não apresentação de contestação, dentro do prazo e validamente, por

réu que tenha sido regularmente citado.”

Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 473), assim define a revelia:

O art. 319 do Código de Processo Civil conceitua a revelia e não dá margem a dúvida quanto ao seu conceito. Revelia nada mais é do que a presunção juris tantum

55

de que os fatos afirmados pelo autor na petição inicial são verdadeiros, isso caso o réu não conteste a ação. ( grifos nossos).

O mesmo se diga quanto ao professor Vicente Greco Filho (2006, p. 156):

Nos termos do art. 319, a revelia é a situação do réu que não contesta a ação. Dessa omissão decorrem os efeitos relacionados nos arts. 319 e 322. Não apenas a falta de contestação acarreta a revelia. O abandono, em geral, gera a mesma conseqüência, ainda que posterior à contestação, se bem que, nesse caso, nem todos os efeitos se produzem. Assim, torna-se revel o réu que não providencia a regularização da capacidade processual. (art. 13, segunda parte), que não nomeia outro advogado quando o seu faleceu (art. 265, § 2º, in fine) ou quando não se promove a habilitação dos sucessores, no caso do art. 265,I. 28

2.3.2 Revelia e ausência total de impugnação

Gelson Amaro de Souza (1995, p. 187-188) perfilha do seguinte

entendimento:

Não obstante a esmagadora maioria, que apregoa a revelia como sendo a ausência de contestação, seguimos trilha diversa e pensamos tratar-se de ausência de comparecimento do réu e não simples falta de contestação. Não vemos como se possa imaginar revel aquele que comparece, confessa, reconhece o pedido ou sem esse, mas nomeia a autoria, denuncia a lide, chama ao processo ou apresenta reconvenção, pela simples ausência de contestação.

E arremata:

Seguimos, neste passo, os velhos, mas atualizados ensinamentos de Wach e Simoncelli, para os quais, não é a falta de contestação que configura a revelia, mas a falta de comparecimento ao processo para dar uma resposta (satisfação) ao Judiciário.

Para posicionar-se dessa forma, o autor supramencionado valeu-se de

afirmação – hoje, já superada – do Professor Cândido Dinamarco (1986), que chegou a emitir

declaração de que a revelia seria uma situação de fato jurídica, acrescida do fato de ser

28 No mesmo sentido posiciona-se Maria Lucia L. C de Medeiros (2003, p. 60).

56

oriunda de falta de contestação (mais especificamente falando, utilizou-se o ilustre professor,

na época, a expressão “verificação objetiva do não comparecimento da contestação em

processo civil”).

Atualmente, Dinamarco (2004, p. 456-457)29 professa outro entendimento,

valendo-se da argumentação de que, se o artigo 322 do Código de Processo Civil permite o

comparecimento tardio do réu – provocando, por evidente, a saída do estado de inatividade

até então operado- fazendo com que abandone a condição de revel e passe a receber todas as

intimações referentes àquele processo em que estava, até então, inerte (caso em que não haja a

presença de um advogado)– com mais razão não é revel aquele que, muito embora não tenha

se valido da resposta “contestação”, tenha efetuado qualquer outro tipo de resposta.

O mesmo se diga quanto a Bresolin (2006, p. 85):

[...] no processo civil de conhecimento, revelia do réu não é a ausência de contestação, mas sim a situação de inatividade total do demandado que, regularmente citado, desatende por completo o ônus de responder e não comparece ao processo.

2.4 Teorias acerca da natureza jurídica da revelia

Muitas foram as teorias que tentaram definir e dar os contornos acerca da

natureza jurídica da revelia. Urge noticiá-las, a mais para que se possa dimensionar o instituto

da revelia no decorrer do tempo, mormente se a análise for feita por meio das diversas

concepções que o processo teve e vem tendo da doutrina nacional e estrangeira30.

29 “Revelia, instituto próprio ao processo de conhecimento e ao cautelar, é a inércia consistente em não responder... só se dá a revelia quando o réu se omite por completo de toda e qualquer espécie de resposta: revelia não é a falta de contestação, mas de resposta. Acompanhado que está de BRESOLIN (2006, p. 85) e SOUZA (2003, p. 194). 30 “Interessante notar a evolução do conceito e o progressivo abrandamento dos efeitos, que se refletem diretamente nos diferentes ordenamentos processuais ao longo de sua história. Teorias mais antigas inspiradas em concepções privatistas do processo, por conceberem a revelia como insubordinação, tendem a atribuir severos efeitos punitivos ao revel, ao passo que teorias mais modernas, fundadas em premissas publicísticas,

57

(BRESOLIN, 2006, p. 58).

2.4.1 Teoria penal da contumácia

A chamada “Doutrina Penal da Contumácia” surge ao tempo em que se

fazia premente a presença do demandado para a formação do processo. O não

comparecimento do demandado era tido como ato de rebeldia. Assim ensina Rita Gianesini

(1977, p. 41): “O seu não comparecimento era considerado ato ilícito, uma reação ao poder do

magistrado, que ficava impedido de exercer sua função.”

Lógico está que, ao contrário do afirmado alhures, era tido como dever, e

não ônus, o comparecimento do réu a juízo, restando claro que tal teoria impingia ao réu

mecanismos que o obrigavam a comparecer em juízo, punindo-o, em caso de revelia

(RISPOLI, 1911, p. 242). Era o contumaz punido tão-só pelo fato da ausência, restando

evidente o caráter penal atribuído ao instituto da revelia.

A Doutrina Penal da Contumácia e seu caráter nitidamente punitivo e

sancionatorio é inaceitável no atual cenário processual, já que há muito não tem o réu o dever

ou a obrigação de comparecimento em juízo, mas sim o ônus de responder à demanda.

2.4.2 Teoria da renúncia

Tudo indica ter sido Gonner o primeiro doutrinador a se contrapor à

“Doutrina Penal da Contumácia”, no século XIX, ocasião em que já não se tinha o

comparecimento do réu como sendo um dever. Para tanto, referido autor criara a “Teoria da

Renúncia”. Como, na época, ainda não se tratava a relação jurídica processual

vêem a revelia como simples e lícita inatividade do réu, razão pela qual amenizam suas conseqüências nocivas ao ausente e criam mecanismos para evitar que seja injustamente desfavorecido.”

58

independentemente da relação jurídica de direito material, entendia-se que o não

comparecimento do réu a juízo era renúncia ao próprio direito material que se estava

discutindo nos autos. (RISPOLI, 1962, p. 242).

Anos mais tarde, foi Prasse quem reelaborou tal doutrina, dissociando

direito material do processual, informando que o não comparecimento do réu a juízo seria

renúncia ao direito processual, e não ao substancial, seguindo a seguinte linha de raciocínio:

se o autor poderia renunciar ao direito que estivesse perseguindo, também ao réu seria

possível renunciar ao seu direito de defesa (mas não ao direito substancial posto em questão).

Pescatore, na segunda metade do século XIX, reformulando tal teoria, assim

se pronunciou: o não comparecimento do réu a juízo – a revelia – seria renúncia apenas à

produção de prova (TUCCI, 1964, p. 109), mas não ao julgamento justo. Renunciava ao seu

direito de produzir provas, acreditando na justiça da decisão a ser proferida pelo juiz, mesmo

tendo deixado de produzir provas a seu favor.

Críticas surgiram a essa teoria (RISPOLI, 1962, p. 242), mormente pelo fato

de que ao revel é dado o direito de comparecer tardiamente ao processo. Ora, se se aceitasse a

teoria da renúncia, mesmo que unicamente renúncia ao direito processual, como conciliar

renúncia anterior com comparecimento ao processo “a posteriori”? (MEDEIROS, 2003, p.

45). Outrossim, a renúncia é ato de disposição de direito, e, por causa disso, deve vir de forma

expressa ou vir de forma inequívoca – o que não se coaduna, por certo, com um simples não

comparecimento do réu em juízo.

Por certo, tal teoria foi refutada, razão pela qual as subseqüentes surgiram

no cenário jurídico.

59

2.4.3 Teoria da autodeterminação

Segundo essa teoria, capitaneada por Rispoli nos primeiros anos do século

XX, e consubstanciada no fato de que todos são livres para se autodeterminar, o não-

comparecimento do réu em juízo é um ato negativo voluntário seu, ou seja, conseqüência da

sua vontade de não agir.

Por não trazer a lei nenhuma regra sancionatória que pudesse compelir o réu

a agir, e apenas para que o processo possa seguir adiante sua marcha normal, dentro das

formas e prazos predeterminados pela legislação, o não comparecimento do réu em juízo teria

como conseqüência curial a preclusão.

Segundo nos ensina Umberto Bara Bresolin (2006, p. 61),

Também não parece exato considerar a preclusão como o principal efeito da revelia. Além desta determinar conseqüência muito mais significativa em nosso sistema (a saber, o efeito da revelia do artigo 319 do Código de Processo Civil), a preclusão (temporal, no caso), a rigor, não decorre diretamente da revelia em si, mas da omissão da parte em praticar determinado ato processual no prazo que lhe é próprio. É evidente que, enquanto o réu for revel, não praticará ato algum e, se comparecer tardiamente em regra não poderá retroagir a momentos já superados do iter procedimental. Todavia, mesmo que não seja revel, tal preclusão operar-se-á de maneira idêntica se simplesmente o réu deixar de praticar tempestivamente o ato que lhe cabe.

Referida teoria pecou por acentuar exacerbadamente a voluntariedade do

comportamento do revel, visto que a revelia sempre se manifesta como uma situação objetiva

(e não subjetiva), que independe da vontade do réu (tanto assim é que tal teoria acabou por

acentuar a distinção entre revelia voluntária e involuntária).

2.4.4 Teoria da Inatividade

Ao contrário da Teoria da Autodeterminação, a Teoria da Inatividade - a

60

mais recente das teorias que tentam definir a natureza jurídica da revelia - leva em conta tão-

somente o caráter objetivo do não comparecimento do réu a juízo. É atribuída a Chiovenda e

Betti (1936, p. 297).

A revelia, portanto, é a ausência da parte ao processo, independentemente

do caráter voluntário ou subjetivo que se queira atribuir à ausência do réu em juízo. Relevante

será, pois, o simples e objetivo fato do não- comparecimento do réu a juízo, desconsiderando-

se por completo a voluntariedade do ato inercial.

O que distingue a teoria de Chiovenda é a desconsideração total do elemento subjetivo causador da atitude da parte em não comparecer ao processo. Não importa se se trata de gesto voluntário, desinteresse, rebeldia, ignorância, reconhecimento do direito adversário, falta de recursos materiais, ou qualquer outro motivo. Para o juiz, o único fato relevante é a inatividade (CALMON FILHO, 2006, p. 4).

É a teoria mais acatada pela doutrina, principalmente porque se abstém de

sancionar, penalizar o réu pela situação - de fato – do seu não comparecimento em juízo.

Entrementes, importa dar sentido às teorias ora perfilhadas, apenas para

tentar entender, ao menos, se o ordenamento jurídico brasileiro atual, que, por óbvio, filia-se

ao sistema da ficta confessio, está ou não afinado com a Teoria da Inatividade.

Há, portanto, posicionamento doutrinário segundo o qual a natureza jurídica

da revelia não é explicada pela Teoria da Inatividade (GIANESINI, 1977, p. 51)31.

Por outro lado, é de se ver que há os que perfilham entendimento diverso,

fazendo, para tanto, a seguinte explicação: a natureza jurídica da revelia se define pela Teoria

da Inatividade, desprovida que é do elemento subjetivo e da voluntariedade.

31 “Teoria da inatividade – também não foi adotada pelo nosso legislador, porque a revelia não constitui pura e simplesmente uma inatividade da parte, sem acarretar a alteração do procedimento e outras conseqüências... acreditamos que o réu tenha o ônus de se defender em juízo, mas não o “dever de comparecer”; (PASSOS, apud CALMON FILHO, 2006, p. 3), dizendo que “se a lei disciplina a revelia tendo em vista simplesmente o fato objetivo do não comparecimento, sem lhe emprestar qualquer qualificativo, é absolutamente desprovido de qualquer justificativa o tratamento que se dê à contumácia fazendo dela derivar confissão ficta, ou admissão dos fatos postos em Juízo pelo autor. Valendo a inatividade, com seu objetivismo, como explicação para a revelia, somente se deve reconhecer a procedência da demanda se bonam causam habet o autor, permanecendo ele com o ônus da prova dos fatos constitutivos de sua ação, como se presente estivesse o demandado apenas facilitada ela, como é óbvio, pela ausência de contraditório. Fora desse tratamento neutro da contumácia, a teoria da inatividade peca por ser inadequada”.

61

Os efeitos da revelia, mormente o principal deles, que é o de se reputarem

verdadeiros os fatos não refutados pelo réu, não é incompatível com a objetividade da Teoria

da Inatividade.

A revelia ou, mais precisamente falando, a sua natureza jurídica, não é

demonstrável por intermédio de seus efeitos – tanto assim o é para os que defendem esse

posicionamento, que eles dizem que a revelia é, sim, inatividade, marcada pela ausência de

comparecimento. Os efeitos que dela decorrem, embora incompatíveis com a referida teoria,

não os faz pensar que a natureza jurídica da revelia não se explique por intermédio da Teoria

da Inatividade (BRESOLIN, 2006, p. 61-62).

62

III. ABORDAGEM DA PRESENTE DISSERTAÇÃO: O PROCESSO SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL

3.1 Breve evolução histórica acerca da jurisdição e do direito processual: da autotutela à distribuição da justiça pelo Estado

É cediço que o processo, tal qual visto no mundo contemporâneo, muito se

distancia das priscas eras da humanidade, quando ainda não se falava na figura do Estado

como o órgão irradiador das decisões para se ver dirimido os conflitos de interesses

comumente gerados no seio social. A própria introdução histórica acerca do tema específico

dessa dissertação (Capítulo I), ainda que não tratando dessa questão de forma específica, dá

contornos suficientes acerca dessa questão, notadamente acerca do paulatino surgimento do

ainda incipiente Estado Romano e as conseqüências que daí advieram para o mundo do

direito.

Nunca é demais lembrar que nos primórdios da civilização (DINAMARCO,

2000, p. 27), ainda que em menor medida, havia conflitos intersubjetivos de interesses que, de

uma forma ou de outra, deveriam ser resolvidos. Como ainda não se conhecia a figura do

Estado (ao menos fundado como atualmente ele se põe), não era o ente estatal o detentor do

poder jurisdicional, não lhe sendo atribuído o poder de ditar regras e normas da sociedade

(destacando-se, inclusive, a inexistência, à época, de legislação).

Vigia, pois, o regime da autotutela (autodefesa), da vingança privada. Por

conseguinte, imperava o poder do mais forte sobre o mais fraco (seja esse poder

consubstanciado pela força física, bélica, econômica, etc) (DINAMARCO, 2000, p. 27)32. É

32 “ Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão.”

63

de se ver a precariedade da justiça de então.33

Ainda segundo os autores mencionados, num segundo momento, ainda nos

sistemas primitivos, e como meio de coibir a autotutela e os excessos perniciosos da justiça

privada do mais forte sobre o mais fraco, deu-se ensejo às formas de autocomposição

(desistência, submissão e transação), que não era totalmente satisfatória, dado o seu grau de

parcialidade e da imperiosa necessidade de concordância das partes para que isso de fato

pudesse ocorrer (embora também seja sabido por todos que tais formas de composição de

conflitos sejam exaltadas como forma razoável de apaziguamento social, e existam até hoje

nos ordenamentos jurídicos).

Dada a insatisfação com os regramentos possibilitados pelas formas de

autocomposição, surge a figura do árbitro, terceira pessoa indicada para assessorar e resolver

o conflito de interesses instaurado entre as partes, como forma de se implementar melhores

condições de justiça nas decisões (na medida que sairia das mãos das próprias partes a tarefa

de impor determinada solução, passando-se tal mister a um terceiro, de confiança e respeito

na comunidade de então). Nasce a figura do árbitro antes mesmo do legislador. Num primeiro

momento, era facultativa a opção pelo árbitro, e conforme o Estado se foi erigindo como

centro do Poder, passou a ser obrigatória (DINAMARCO, 2000, p. 28-30).

A jurisdição, tal qual se conhece, com seu caráter publicístico (e sabe-se que

o delineamento ora exposto não é seqüencial no tempo e no espaço, considerando as marchas

e contramarchas e as variantes históricas da época (DINAMARCO, 2000, p. 28-30)), passou a

vigorar tão-somente após o fortalecimento do poder estatal. Segundo Marinoni e Arenhart

(2004, p. 29),

Considerado o direito romano, sabe-se que a denominada Justiça Pública consolidou-se no período denominado cognitio extra ordinem. Foi nessa fase que o

33 Ainda que precárias as formas de autotutela, excepcionalmente o sistema jurídico positivo tolera a autotutela, como por exemplo o desforço imediato e a legítima defesa e o estado de necessidade, que no Código Penal são tidos como excludente de ilicitude.

64

Estado, por ter poder suficiente, passou a ditar a solução para os conflitos de interesse, não importando a vontade dos particulares, que na verdade já estavam submetidos ao poder do Estado, e deste seu poder de decidir os conflitos não podiam esquivar-se. O Estado, ao proibir a autotutela, assume o monopólio da jurisdição. Como conseqüência, ou seja, diante da proibição da autotutela, ofertou-se àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força o direito de recorrer à justiça, ou o direito de ação.

Importa considerar, portanto, que o processo, de cunho iminentemente

privativista (BRAGA, 2004, p. 31 e 32)34, por longa e nem sempre linear evolução, atingiu

seu caráter publicista na esteira do fortalecimento do Estado. E é o Estado que, a partir de

então, passa a ter o poder de dirimir os conflitos de interesses existentes, de modo a promover

a composição dos litígios e a pacificação social (CAMBI, 2001, p. 93)35.

O Estado, então, passa a deter a capacidade de decidir imperativamente e de

impor decisões. O Estado, pois, exceção feita às formas extrajudiciais de composição de

litígios, passa a deter o monopólio da jurisdição (BEDAQUE, 2006, p. 10)36.

Sendo a jurisdição monopólio estatal, também é sabido que o direito

processual passou por uma gradual evolução, que pode ser resumida a três fases

metodológicas (DINAMARCO, 1993, p. 17-24), a saber: a) a fase de sincretismo imanentista,

ou seja, de dependência do direito processual ao direito material37, quando o direito

processual era tratado como mero apêndice do direito substancial; b) a fase de autonomia do

direito processual38, que certamente produziu todo o arcabouço doutrinário e científico deste

ramo do direito, dando-lhe ares e contornos próprios, diversos, por óbvio, do direito

34 In verbis: “A visão privatista do processo dá desproporcional relevância a ele como um instrumento do direito material das partes, desprezando suas demais finalidades, públicas, como instrumento do Estado na consecução de seus fins precípuos, que vão além da atuação do direito material ao caso concreto.”. E, mais à frente : “ Pensamos que esses resquícios privatistas devem ser definitivamente alijados da ciência processual, substituídos pela noção de que o processo moderno deve visar, também, a tutela de valores superiores e distintos dos interesses controvertidos entre as partes.” 35 “Essa tendência de publicização do direito processual civil fica bastante perceptível a partir da estruturação axiológica e normativa que a Constituição confere ao processo.” 36 Imperioso, todavia, ressalvar, acompanhando posicionamento do autor: “... o Direito não é constituído de departamentos estanques. Sua compreensão exige seja analisado de forma global. Por isso não se podem admitir os exageros do privaticismo ou do publicismo. Todas as questões se intercalam.” 37 Durante séculos, o processo viveu à sombra do direito material. Não se conseguia distinguir com nitidez as noções de direito substancial, processo e ação. 38 Fase fecunda e promissora, fruto das pesquisas e teorias havidas acerca da própria natureza jurídica do processo, do direito de ação, dos pressupostos processuais, condições de ação, etc.

65

substancial a que até então estava atrelado; c) a chamada fase instrumentalista, de cunho

notadamente crítico, na medida em que, amparada pelas múltiplas teorias desenvolvidas na

fase anterior, consegue, com vistas aos resultados produzidos pelo processo, antever as falhas

do direito processual “na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade.”

(DINAMARCO, 2000, p. 48).

A fase instrumentalista, sobre a qual se irá deter mais pormenorizadamente

em capítulo próprio, mas que, se sabe, tem como função a busca de uma visão epistemológica

do direito processual, efetividade da tutela jurisdicional e a busca incessante da chamada

“ordem jurídica justa”, está longe de ter terminado. Importa considerar, nesse momento, que

para que tenhamos, hoje, uma visão instrumentalista do processo, de cunho iminentemente

deontológico, necessário se fez, também, um estudo simbiótico entre processo, democracia e

Constituição.

3.2 Democracia e Processo: respeito às normas, garantias e princípios constitucionais

Ainda que de forma breve, visto não ser esse o tema da presente dissertação,

importante ressaltar que o regime político brasileiro tem como premissa básica o princípio

democrático. Segundo José Afonso da Silva (1993, p. 114):

O regime brasileiro da Constituição de 1988 funda-se no princípio democrático. O preâmbulo e o art. 1º o enunciam de maneira insofismável. só por aí se vê que a Constituição institui um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, livre, justa e solidária e sem preconceitos (art. 3º, II e IV), com fundamento na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político. Trata-se assim de um regime democrático fundado no princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, ou diretamente (parágrafo único do art. 1º).

66

A democracia, portanto, pressupõe que o poder repousa na vontade soberana

de um povo, refugindo, por óbvio, do autoritarismo e do despotismo. Um regime de governo

autoritário tem como características a exacerbada concentração de poder e o conseqüente

repúdio à organização do Estado (com a clássica separação de poderes), a ausência de

previsão das garantias fundamentais e, por não respeitar a vontade de um povo, a

prescindibilidade do consenso dos governados que compõem a população deste Estado.

Ainda segundo lições preciosas de José Afonso da Silva (1993, p.116), a

democracia repousa sobre dois princípios fundamentais, quais sejam: a) o da soberania

popular, segundo o qual o povo é a única fonte de poder, (por isso a regra de que todo poder

emana do povo); b) a participação, direta ou indireta do povo no poder, para que este seja

efetiva expressão da vontade popular, além é claro, dos chamados valores democráticos, quais

sejam, a igualdade (substancial, repise-se) e a liberdade.

E é a Constituição que dá forma e conteúdo ao princípio democrático nela

inserido. É a Constituição, por intermédio de seus valores, garantias, princípios e normas que

estabelece os contornos, as nuances e impõe seja a democracia estabelecida, respeitada e

atingida39.

Dizer, hoje, que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático

de Direito, é dizer que a Constituição se impõe, de molde a que a sociedade brasileira seja

regida por normas democráticas, com respeito aos direitos, princípios e garantias

fundamentais (NERY JUNIOR, 2002, p. 20)40.

E que, acaso haja lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV da

Constituição Federal), a jurisdição deve dar guarida, já que é garantia constitucional o acesso

à Justiça para ver dirimido eventual ameaça ou lesão a direito (FUX apud CAMBI, 2006, p.

39 Ainda que se saiba que não é a mera enunciação de princípios, valores e garantias democráticos que irá instituir a democracia tal qual deseja o texto constitucional. 40 “O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema. Caso a lei infraconstitucional esteja em desacordo com o texto constitucional, não deve, por óbvio, ser aplicada.”

67

664)41.

O direito processual, para além de técnica jurídico-formal, tem essa função.

Não é outra a função da jurisdição que não estabelecer procedimentos, formas, regramentos e

princípios que possam concretizar, o mais que possa, os valores, princípios e garantias

constitucionais (DINAMARCO, 1993, p. 30)42. Segundo Eduardo Cambi (2001, p. 99 e 100):

O processo deve estar a serviço da concretização substancial da Constituição. E, para que possa ser visualizado como instrumento para a realização da justiça, precisa refletir as bases do regime democrático proclamadas na Constituição. Pode-se, então, afirmar que o processo deve ser o microcosmo democrático do Estado de Direito. [...] Entretanto, o Estado Democrático de Direito é caracterizado pelo exercício não-arbitrário do poder. Ao proibir a autotutela, o Estado assume o compromisso de limitar o exercício do poder, contendo eventuais abusos que não se compatibilizariam com a noção democrática de que suas funções são revestidas. Para que o exercício do poder se legitime socialmente, não basta que o Estado cumpra com seu escopo jurídico, atuando o direito nos casos concretos. O direito processual, para assegurar a realização da democracia, deve restringir o poder das autoridades estatais, contendo-o nos limites da lei, além de garantir, às partes, a ampla participação em contraditório, pelos instrumentos processuais idôneos.

3.3 Direito processual constitucional no Estado Democrático de Direito

Nunca é demais lembrar, apoiado que se está em Nery Junior, (2002, p. 19),

que por muito tempo (considerados os períodos ditatoriais vivenciados pela história brasileira)

que os chamados ramos do direito eram e se interpretavam tão-somente com fulcro na

legislação ordinária que o regulamentava. A análise estanque das disciplinas jurídicas (direito

41 É sabido que o atual estágio do direito constitucional brasileiro, no que se refere à previsão, no texto constitucional, de direitos e garantias fundamentais, teve como precursoras as Cartas políticas da Alemanha (1949), Itália (1947), Portugal (1976) e Espanha (1978). Nesse sentido, CAMBI, .in verbis, vários autores: “Os reflexos das alterações constitucionais, ocorridas na Europa, foram sentidos, significativamente, no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 que marca, historicamente, a transição para o Estado Democrático de Direito. Nestes quase 20 anos de Constituição, sem embargo as constantes reformas constitucionais operadas no texto original, permitiram a construção, paulatina, de uma importante cultura jurídica de valorização do sentimento constitucional. As sérias crises institucionais surgidas no país, nestas duas décadas, como o impeachment de um presidente aos gravíssimos indícios de corrupção que vêm sendo apurados pelas comissões parlamentares de inquéritos, encontraram na Constituição e na jurisdição constitucional as soluções políticas e jurídicas – criticáveis ou não – para a manutenção da estabilidade democrática.” 42 “É natural que, como instrumento, o sistema processual guarde perene correspondência com a ordem constitucional a que serve, inclusive acompanhando-a nas mutações por que passa. (...) o processo que nos serve hoje há de ser o espelho e salvaguarda dos valores individuais e coletivos que a ordem constitucional vigente entende de cultuar.”

68

civil, penal, processual) não dimensionavam ao intérprete e ao aplicador do direito que tais

ciências deveriam estar atentas às diretrizes traçadas pelo texto constitucional.

Com o presente trabalho, tenta-se fazer prova concludente de que tal estado

de coisas se alterou – considerando as altas indagações e estudos sistêmicos do direito

processual e do direito constitucional, ainda tão atuais e merecedores de considerações de

acentuada envergadura – e que, por si sós, merecem destaque. (PORTO apud FUX, 2006, p.

178)43.

Tratar dos efeitos da revelia perante a jurisdição contemporânea, mormente

no que se refere à prestação jurisdicional no Estado Democrático de Direito, a fim de que se

focalize tal fenômeno processual sob a relevante perspectiva constitucional, é a idéia

norteadora da presente dissertação.

Outrossim, há, como idéia motriz, confrontar a atual legislação ordinária

acerca do assunto em tela com os princípios, garantias e valores constitucionais que irradiam

por sobre o ordenamento jurídico brasileiro.

Não mais se concebe uma estrutura processual dissociada da diretriz

constitucional, e como se pode aferir, é essa a linha norteadora dos tribunais quando da

apreciação dos efeitos da revelia (vide Capitulo IV e julgados colacionados).

Daí a importância das considerações preambulares sobre o tema. Segundo

nos ensina Paulo Henrique dos Santos Lucon (apud TUCCI, 1999, p. 91),

Grande importância tem merecido o estudo do chamado direito processual constitucional, por meio do qual o operador do direito passa a se preocupar com os grandes temas constitucionais do processo civil. Torna-se, portanto, relevante a perspectiva do sistema processual a partir da observância dos princípios, garantias e regramentos que a Constituição impõe. Exige-se, sempre com uma visão crítica de todo o ordenamento jurídico, que as regras relacionadas com o processo subordinem-se às normas constitucionais de caráter amplo e hierarquicamente superiores. O respeito aos preceitos constitucionais torna-se premissa ética na aplicação do direito constitucional.

43 “... o processo aparece no Estado contemporâneo como instrumento integrante do Estado de Direito, na qualidade de garantia oferecida pelo Estado ao cidadão, e, portanto, como elemento essencial à democracia, já que forma legitimada constitucionalmente pela sociedade para o exercício da jurisdição.”

69

Com a publicização do direito processual, resta clara a importância e a

influência para a ciência processual dos valores e garantias constitucionais, o que veio a

ocorrer a partir do segundo quarto do século passado, sendo valiosas e ainda imperiosas as

lições dos grandes mestres que se impuseram o trabalho de aprofundar esse elo de ligação,

fazendo com que o processo fosse gradativa e meritoriamente se abastecendo de todo o

arcabouço de um Estado de Direito e, por conseguinte, respeitando de forma inconteste os

regramentos constitucionais (ARRUDA ALVIM, 2000, p. 105 e 110)44.

O abandono gradual (mas nunca total) do rigor (muitas vezes pernicioso e

exacerbado) e do formalismo que muitas vezes impede que a justiça seja prestada a quem de

fato tem razão45 deu ao direito processual civil uma dimensão há muito necessária, na medida

em que proporcionou o elo definitivo entre o Direito Constitucional e o Direito Processual

(RODRIGUES, 2003, p. 75)46.

Também se distinguem duas expressões há muito disseminadas pela melhor

doutrina. Ainda segundo Marcelo Abelha Rodrigues (RODRIGUES, 2003, p. 76),

Quando se fala em direito processual constitucional, entende-se por este termo a “condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo em geral”, aí se enquadrando os princípios do contraditório, isonomia, assistência judiciária, garantia do direito de ação, de competência, etc. De outro lado tem-se o direito constitucional processual, que cuida da jurisdição constitucional, aí compreendido o controle judiciário da constitucionalidade das leis e dos atos da administração pública e dos remédios tuteladores das liberdades públicas.

Acompanhando-se, já há muito, tendência contemporânea acerca dos

delineamentos do direito processual, é correto dizer que o sistema jurídico processual e todos

os institutos referentes ao direito processual devem ser observados, analisados e interpretados

44 “A realização da justiça é por excelência uma atividade pública. Sendo assim, é compreensível que ela radique seus traços fundamentais no Direito Constitucional. [...] O Poder Judiciário tem a tarefa primordial de fazer valer as leis (art. 5º, II, CF) e a suprema missão de garantir eficácia à Constituição. Toda e qualquer lei federal, estadual ou municipal, que contrariar a Constituição Federal, não poderá ser aplicada pelo julgador.” 45 A já clássica lição de Chiovenda, amplamente difundida . 46 A propósito, em que é feita alusão aos grandes precursores dessa simbiose processual-constitucional, a saber: Piero Calamandrei, Mauro Cappelletti, Vitório Denti, Liebman, Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Ada Grinover, Dinamarco, José Carlos Barbosa Mareira, Nelson Nery Junior,etc.

70

à luz da Constituição Federal, já que as normas, garantias e princípios constitucionais

inspiram e direcionam os institutos processuais e o próprio sistema processual brasileiro.

Se assim não fosse, certamente se estaria dissociando dos ditames políticos

ditados pela Carta Magna e, em última análise, não se estaria proporcionando uma tutela

jurisdicional que se veja e, por conseguinte, retrate o mais fielmente possível um Estado

Democrático de Direito.

Na medida em que o direito processual civil, assim como as demais

disciplinas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, buscam seu fundamento de

validade no texto constitucional, impossível dissociá-los e tratá-los de modo estanque

(CAMBI, 2001, p. 95-96)47.

3.4 Escopos do Estado Democrático de Direito-tutela constitucional do processo

O artigo 1º do atual texto constitucional afirma ser o Estado Brasileiro um

Estado Democrático de Direito.

Ainda que já dito alhures, com a promulgação da Carta Política de 1988, o

Estado Brasileiro passou a ter um novo modelo. Isso implica dizer que o atual modelo do

Estado Brasileiro obrigatoriamente vincula as ciências jurídicas e, por certo, os institutos

jurídicos a elas correlatos , ao texto constitucional e ao regime democrático. Vale dizer: a

partir da nova ordem constitucional, o direito processual e seus institutos devem ser

reanalisados e compreendidos sob esse novo paradigma.

Outrossim, o Estado Democrático de Direito impõe a tarefa de readaptação

dos institutos jurídicos, de molde a que os mesmos, muitas vezes arcaicos e instituídos sob

47 In verbis: “Nessa perspectiva, a Constituição deixa de ser mera fonte de validade formal das leis infraconstitucionais e passa a ser vista também como reserva axiológica da justiça. A Constituição, ao dar sentido axiológico ao ordenamento jurídico, permite que, na interpretação do direito e na sua concretização por intermédio do processo, a justiça seja realizada.”

71

uma já desposada ordem jurídico-constitucional, possam ainda ser utilizados, adequados,

agora, aos novos ditames do atual regime do Estado Brasileiro.

Se é verdade que se vive sob as ordens de um Estado Democrático de

Direito, com a clássica divisão de poderes, alargamento e dimensionamento dos direitos,

garantias e princípios constitucionais que foram estabelecidos de molde a que a democracia

fosse institucionalizada, imperioso destacar que o poder do Estado deve ser exercido a partir

desse paradigma (democrático).

Assim refletindo, pode-se afirmar que a jurisdição estatal se deve revestir

das premissas e finalidades que o Estado Democrático de Direito lhe impõe sejam cumpridas,

sob pena de afronta direta à Constituição.

Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (1989, p. 132):

O direito processual, como fenômeno cultural, produto exclusivo do homem, e, por conseqüência, empolgado pela liberdade, não encontrável in rerum natura, tem o seu tecido interno formado pela confluência das idéias, projetos sociais, utopias, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço.Impossível, portanto, assimilá-lo, apesar do seu caráter formal, a um mero ordenamento de atividades, dotado de cunho exclusivamente técnico, composto por regras externas, estabelecidas pelo legislador de modo totalmente arbitrário.A estrutura mesma do processo civil não é moldada pela simples adaptação técnica do instrumento processual a um objetivo determinado, mas especialmente por escolhas de natureza política, em busca dos meios mais adequados e eficientes para a realização dos valores que dominam o meio social, estes sim estruturando a vida jurídica de cada povo, de cada nação, de cada Estado.

E quando a jurisdição atua, evidente que deve estar plasmada, afeiçoada aos

objetivos e finalidades que o Estado Democrático de Direito busca atingir. Pode-se dizer, sem

medo de errar, que os escopos do Estado Democrático de Direito em grande medida

traduzem–se nos escopos da sua própria jurisdição.

E é assim que a jurisdição se legitima, ou seja, voltando os olhos ao modelo

de Estado e de regime (democrático), se amoldando àquilo que de fato deve se amoldar,

corrigindo e expurgando imperfeições da legislação infraconstitucional, consolidando-se

como um dos principais suportes da ainda jovem democracia brasileira. O respeito aos

72

princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, da

motivação das decisões judiciais permitem à jurisdição afeiçoar-se àquilo que de fato é

importante ao regime democrático.

Aderir às finalidades e aos valores do Estado Democrático de Direito é

tarefa, por óbvio, dos três poderes legalmente constituídos. Mas a jurisdição, em especial,

precisa estar imbuída dos escopos democráticos, de molde a que melhor possa traduzir os

anseios constitucionais (DINAMARCO, 1993, p. 151).

Acerca do papel da jurisdição, sabe-se que o poder do Estado sob as vestes

democráticas é tanto ou mais legítimo quanto maior o grau de eficiência que possa propiciar.

E, à medida que o direito processual possa estar traduzindo essa perspectiva – democrática –

mais estará legitimando o Estado Brasileiro a alcançar e solidificar os valores a que

atualmente se propôs.

Se ao Estado cabe a promoção do bem comum - e na lição sempre preciosa

de Marinoni e Arenhart (2004) “o Estado quer ser a providência de seu povo”, no sentido de

assumir para si certas funções essenciais ligada à vida e ao desenvolvimento da nação e dos

indivíduos que a compõem, é evidente o papel curial que a jurisdição ocupa nesse cenário.

Se for o bem comum o objetivo primeiro do Estado democrático de direito,

vale dizer que a projeção particularizada do bem comum na jurisdição é a pacificação com

justiça. Como a jurisdição, de regra, é inerte, necessário o instrumento adequado para que ela

atinja esse objetivo estatal – o processo passa a ser, portanto, o instrumento que irá fomentar e

concretizar a justiça.

Enquanto visto sob o prisma privatístico, o processo tinha a ação como eixo

central e irradiador de seus objetivos (DINAMARCO, 1993, p. 151-152)48. Hoje, ao contrário,

48 “Dizia-se, então, que o escopo do processo era a tutela dos direitos, naquela visão pandectista que colocava a ação como centro do sistema e a descrevia como o próprio direito subjetivo em atitude de repulsa à lesão sofrida. Hoje, com o reconhecimento da autonomia da ação (repudiada sua visão imanentista) e independência científica e conceitual do próprio direito processual, sabe-se que só se tutela o direito subjetivo material quando existente e

73

o processo, visto sob o prisma publicista/instrumentalista, tem na jurisdição o seu centro de

gravidade. Isso porque, a partir do exercício da função jurisdicional, adequada que está aos

anseios democráticos, o Estado brasileiro consegue obter a realização dos seus escopos, sejam

eles políticos, sociais ou jurídicos (DINAMARCO, 1993, p. 151-152).

Nunca é demais lembrar a lição sempre pontual de José Eduardo Faria

(1985, p. 17):

[...] do mesmo modo como todo esqueleto ósseo é revestido de um tecido orgânico, toda Constituição não é apenas um conjunto de regras ou mera síntese das condições formais de exercício do poder. Ela tem um caráter jurídico, é certo, mas também encerra uma natureza social – e ambos, o jurídico e o social, são conjugados por uma vontade política responsável pela regulação e pela repressão dos conflitos, pelas regras que procuram disciplinar a emergência de novas forças sociais, pelas normas que asseguram direitos às minorias e pelas leis que impõem limites e concedem prerrogativas ao sistema político. Toda Constituição encerra em suas prescrições, como veremos, valores e interesses socialmente determinados no processo histórico.

Por fim, é importante frisar que, por mais que se tenha a questão da

efetividade, celeridade49, justiça eficaz como mote do direito processual contemporâneo

(tendo em vista a importância e a dimensão que tais finalidades possam trazer de vital à

ciência processual), não se pode perder de vista que, num Estado Democrático de Direito,

devem ser respeitados os ditames constitucionais como um todo. Como um todo. Se algum

instituto, quando aplicado ou interpretado, ofender as garantias e princípios constitucionais,

ofendendo ele estará o Estado Democrático de Direito, ainda que sob a alegação de que é

premissa ontológica do atual direito processual a busca incessante pela celeridade e

efetividade processuais.

Não se pode buscar a simplicidade e eficácia processuais com sacrifício das garantias fundamentais do processo, com procura de sistema jurídico menos opressivo e menos gravoso economicamente. Os princípios constitucionais efetivam-

a tutela dos direitos não é o escopo institucionalizado da jurisdição, nem do sistema processual; constitui grave erro de perspectiva a crença de que o sistema gravite em torno da ação ou dos direitos subjetivos materiais.” 49 Veja-se, a propósito, alteração do artigo 5º da Constituição Federal propugnado pela Emenda Constitucional n. 45: "Art. 5º LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

74

se através de uma justiça menos gravosa, mas sem esquecer custo e qualidade. O juiz, como órgão terminal de apreciação da Constituição, deve ser objetivo e claro em garantir os direitos fundamentais, como pressuposto de qualquer outro direito ou interesse individual ou coletivo, nos termos dos procedimentos consagrados. [...] A gênese, os métodos de elaboração e os objetivos do processo constitucional ocorrem dentro das coordenadas constitucionais, através da fundamentação e determinação de seus pressupostos e da definição da Jurisdição Constitucional, que procura ampliar as possibilidades de efetivação dos direitos fundamentais em sua plenitude, sem qualquer restrição de ordem econômica ou social, bem como do direito de defesa. (BARACHO, 1999, p. 97-98).

3.5 Perspectiva instrumentalista / publicista do processo – escopos da jurisdição

Como já dito alhures, o direito processual passou por três fases

metodológicas fundamentais50, quais sejam: a fase sincretista, a fase autonomista, e, por fim, a

atual e contemporânea fase instrumentalista. E, claro, evidente o abandono da fase privatista

para a fase publicista. (DINAMARCO, 1993, p. 53)51.

No que se refere à fase instrumentalista do direito processual, assim melhor

explica Dinamarco (2000, p. 49) in verbis:

A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à população destinatária.

Evidente que a publicização do processo, e a conseqüente instrumentalidade

do processo nos permite alargar o olhar acerca da ciência processual, nos fazendo chegar aos

escopos da jurisdição (que, numa visão macrocósmica, nada mais são do que os objetivos

50 Ver item 3.1 da presente dissertação. 51 Nesse sentido: “De qualquer modo e apesar das vicissitudes e retardamentos apontados, o caráter público do processo hoje prepondera acentuadamente, favorecido pelo vento dos princípios constitucionais do Estado social intervencionista e pelo apuro técnico das instituições processuais. Chega a ser admirável até que no curto período de apenas um século de ciência tenha sido possível passar do intenso privatismo inerente ao estágio de sincretismo tradicional, ao elevado grau de publicismo que agora se vê na disciplina e na ciência do processo.”

75

traçados pelo próprio Estado).

Ainda se valendo das lições sempre precisas do professor Candido

Dinamarco (1993, p. 154)

O processualista, sem deixar de sê-lo, há de estar atento à indispensável visão orgânica da interação entre o social, o político e o jurídico. Há de estar informado dos conceitos e sugestões que outras ciências lhe possam fornecer e conhecer a vivência do processo como instrumento, conhecer a sua potencialidade a conduzir a resultados, ter sensibilidade para as suas deficiências, disposição a concorrer para seu aperfeiçoamento. A percepção e exame ordenado de todos os escopos que animam a instituição e exercício da jurisdição como expressão do poder político.

O vetor a orientar a presente dissertação acompanha, por certo, a visão

instrumentalista do processo, brilhantemente difundida no Brasil pelo eminente professor

Candido Rangel Dinarmarco. E não se pode descurar das suas lições, notadamente quando

afirma que, por ser o processo instrumento, isso não queira dizer que não haja objetivos a

perseguir.

Para melhor definir e contextualizar o papel que a jurisdição atualmente

ocupa no cenário nacional, imperioso destacar os seus escopos, os seus objetivos, as suas

finalidades. Sem mirar o caráter teleológico do processo e, por certo, a postura dos agentes

estatais que fazem atuar a jurisdição e o próprio processo, de nada vale dizer do seu caráter

instrumental. Estabelecidos os escopos da jurisdição e do processo, estabelecida estará a

finalidade da própria ordem jurídica e do sistema jurídico ao qual se atém e se alinha.

Fixadas as premissas, estabelecidos os propósitos, delineado o(s) alvo(s) em

que se mira o processo, é possível contextualizar a técnica processual, interpretando-a de

molde a que não se desvie do fim último da jurisdição, que se fixa na pacificação social com a

conseqüente promoção incontinenti da justiça.

Dinamarco (1993, p. 159 a 264), fixa três escopos: o social, o político e o

jurídico, que a seguir será brevemente analisado. Entretanto, antes mesmo de aferir

detidamente sobre os escopos mencionados, vale dizer que o chamado aspecto positivo da

76

instrumentalidade repousa no fato de que o processo é instrumento estatal à vista de buscar e

concretizar todos os escopos da jurisdição (CHIOVENDA apud DINAMARCO, 1993, p.

270)52. O processo, pois, há muito já deixou de ser um fenômeno exclusivamente jurídico,

visto que deve, hoje, ser analisado, interpretado e aplicado norteando-se pelas nuances sócio-

políticas, valendo-se de um sem-número de outras ciências que lhe dá sentido.

O chamado escopo social do processo resume-se em pacificar com justiça e,

mais do que isso, tem papel educativo fundamental no equacionamento de litigiosidades. Na

medida em que premia o lícito e sanciona o ilícito, por meio da jurisdição e do processo, a

sociedade passa a educar-se, a melhor conviver em sociedade, favorecendo a que as pessoas

deixem de ter condutas desagregadoras (estimulando-se, por óbvio, as condutas conciliatórias

e a paz social), eliminando-se, de um modo geral, as insatisfações. É certo, porém, que a

legislação também tem papel fundamental quando se faz a análise do escopo social da

jurisdição.

Entretanto, sabe-se que, por mais educador que seja o papel exercido pela

jurisdição, ainda assim haverá infindáveis conflitos que serão levados às portas do Judiciário e

terão que ser resolvidos perante os órgãos jurisidicionais.

Mais uma vez, o escopo social se pronuncia como forma de educar a

sociedade para que este conflito possa ser resolvido pela jurisdição estatal (exceção feita às

formas extrajudiciais de resolução de conflitos). Assim é que, além do papel de contenção de

arrivismo, é certo que o processo educa no sentido de fazer com que a sociedade passe a se

conscientizar de seus direitos e obrigações – o que,inevitavelmente, leva as pessoas a respeitar

e observar os alheios - confie na legislação que se lhes apresente, e aceite a aplicação desse

regramento sistêmico–processual, na medida em que os conflitos sejam eliminados com

52 “ ... o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais. Essa constitui a dimensão moderna de uma preocupação que não é nova e que já veio expressa nas palavras muito autorizadas de antigo doutrinador : “ na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.”

77

justiça. (DINAMARCO, 1993, p. 160). Não é mais possível desacreditar na profunda tarefa

educadora do adequado exercício do processo e da jurisdição.

Os escopos políticos são evidentes, visto ser a jurisdição decorrência lógica

do exercício do poder do Estado.

São evidenciados por três aspectos, a saber: a) asserção e legitimação do

poder do Estado (o Estado se sustenta quando consegue se impor aos jurisdicionados – de

nada adiantaria uma jurisdição pública se a população daquele Estado não a reconhecesse

como órgão de poder do Estado, a ela se submetendo nas ocasiões que assim se impuserem)

(DINAMARCO, 1993, p. 169)53 b) o culto às liberdades públicas, “especialmente das

garantias de preservação do princípio liberal nas relações entre o Estado e o indivíduo. O

Estado democrático faz a solene promessa de observá-las e limitar o exercício do poder de

modo a não invadir a esfera de liberdade deixada aos indivíduos sem dano à vida do grupo e

ao desenvolvimento dos objetivos comuns” (DINAMARCO, 1993, p. 170); c) asseverar,

garantir a participação dos cidadãos nos destinos políticos de seu país, decorrência lógica do

Estado Democrático de Direito.

Por fim, o escopo jurídico, que por certo perpassa pela atuação da vontade

concreta do direito, mas, por óbvio, deve estar permeada pelos escopos sociais e políticos

supramencionados. De nada valeria atribuir à jurisdição um caráter sócio-político, se estivesse

atenta, tão-somente, ao plano jurídico.

A instrumentalidade do processo se afasta, por certo, de uma visão

estritamente jurídica da jurisdição (WATANABE, 2005, p. 22)54.

53 “Sem dúvida, a organização e subsistência do Estado dependem do exercício organizado do poder legítimo, por meios legítimos. A isso concorre o processo, não agora encarado o resultado do exercício da jurisdição em cada caso concreto, mas na soma de todos os casos trazidos a exame.” 54 “Do conceptualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica... (...) O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos

78

Restou claro, até o presente momento da dissertação, que o direito

processual, imbuído que deve estar das garantias constitucionais – por isso, o caráter público

que a ele é conferido – deve refletir-se, o mais que o possa, numa interpretação que não o

restrinja a mero meio, mas sempre tendo em vista um fim maior, que são as diretrizes

fundantes do Estado Democrático de Direito.

A conseqüente publicização do direito processual faz com que a jurisdição

não seja mais analisada como tendo um caráter secundário, já que não mais interessa ao

processualista a análise de um caso particular, com partes predeterminadas – se é a jurisdição

um reflexo do poder do Estado, deve ela ser vista – ou revista, como queiram – como um dos

pilares que sustentam esse Estado. E, se esse Estado deve, em respeito aos ditames

constitucionais, ter em mente o interesse dos cidadãos como um todo, e não dar guarida a

interesses específicos desta ou daquela parte, a jurisdição se erige como mola mestra a fazer

cumprir os princípios e garantias constitucionais em sua plenitude, não mais servindo como

instrumento privado para resolver , isoladamente, um determinado conflito que se lhe

apresenta.

Assim, superada a visão individualista, e dando-se destaque à visão

solidarista do Estado de Direito, fácil perceber a mudança de rumos e de paradigmas a que se

propõe o sistema processual. Realizados os escopos sociais, políticos e jurídicos em sua

concretude, viabiliza-se a que o processo seja instrumento de legitimação do poder estatal,

respeitando-se, na integralidade, as garantias e os princípios constitucionais a que

contemporaneamente se propõe.

processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos – sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.”

79

3.6 Tutela constitucional do processo: garantia do acesso à justiça

De tudo que já foi dito até o presente momento, é certo que a tutela

constitucional do processo civil perpassa pela seguinte afirmação: supremacia constitucional

face às normas processuais civis. Quaisquer normas processuais que firam ou subvertam ou

queiram dar contornos desalinhavados com o texto constitucional padecerão da pecha de

inconstitucionais.

E, relevando o todo até o presente momento expendido, é de se dizer que o

direito processual deixou de ser mero “acessório” para a realização do direito material para,

muito mais que isso, ser alçado à categoria de instrumental adequado para a pacificação social

com justiça.

Em sintonia com a tutela constitucional do processo, imperioso falar acerca

do movimento de acesso à justiça, capitaneado por Mauro Cappeletti e Bryant Garth, em sua

clássica obra Acesso à Justiça (1989), amplamente divulgado e aceito no Brasil – como, de

resto, no mundo todo – tendo entre nós papel fundamental como instituidor de novos rumos

do pensamento jurídico acerca do direito processual.

Segundo os idealizadores do movimento de acesso à justiça (CAPPELETTI

E GARTH, 1989, p. 8), “a expressão "acesso à Justiça" é reconhecidamente de difícil

definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, o sistema

pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os

auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele

deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.“

Registram, todavia, que o enfoque sobre o acesso à Justiça é

primordialmente sobre o primeiro aspecto (acessibilidade), sem perderem de vista o segundo.

E concluem: "Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como

80

desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.”

Para tanto, os autores supramencionados lançaram mão das mundialmente

conhecidas “ondas cappellettianas” , quais sejam: a) assistência judiciária aos pobres; b)

representação dos interesses difusos; e c) acesso à representação em juízo, a uma concepção

mais ampla de acesso à Justiça e um novo enfoque de acesso à Justiça.

Segundo Horácio W. Rodrigues (1994, p. 28), é necessário destacar, diante

da vagueza do termo acesso à Justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes

sentidos, sendo eles fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o

mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à

Justiça e acesso ao Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da

expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de

valores e direitos fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais

amplo, engloba no seu significado o primeiro.

É evidente que novos rumos se descortinaram frente à obra de Cappelletti e

Garth, abrindo-se caminhos a uma justiça que, de fato, pudesse ser acessível a todos. Tanto

isto é verdade que, em maior ou maior medida, os óbices apresentados pelas “ondas” foram

sendo superados, constatação óbvia da influência marcante da obra em cotejo no Brasil.

O princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (ou direito de

ação)55 nos dá conta, portanto, de que o texto constitucional assegura a todos, indistintamente,

a possibilidade de acesso à justiça (ou, como preferem alguns, ao Poder Judiciário).

(BEDAQUE, 2002, p. 13).

Por acesso à Justiça vinha-se entendendo, até recentemente, o acesso aos tribunais. Uma Constituição cujo preâmbulo abriga a intenção de instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos e elege a justiça como um dos valores supremos de uma sociedade que se pretende fraterna e pluralista, não poderia também deixar de assegurar a inafastabilidade do controle jurisdicional (NALINI, 2007, p. 1).

55 Cf art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

81

Entretanto, o mero acesso à justiça ou ao Poder Judiciário não é o bastante.

A mera possibilidade de movimentação da jurisdição, de regra, inerte, não satisfaz.

Tutelar direitos como se deve está muito distante da mera possibilidade de

demandar perante o Poder judiciário. O elementar “garantismo do direito de ação” deixa

antever que ainda há muito por fazer, como se pode ver a seguir.

3.7 Um “plus” ao acesso à justiça: o acesso efetivo ao processo e à ordem jurídica justa (direito ao processo justo)

Como se pode antever, os obstáculos de acesso à justiça não mais se

alinham totalmente àquilo que Cappelletti e Garth propugnaram à época, – ainda que não da

maneira mais adequada, mas necessariamente amoldada ao atual ordenamento jurídico, não há

que se falar em problemas grandiloqüentes no que se refere à assistência judiciária aos

comprovadamente necessitados e tutela dos interesses coletivos e difusos, considerando

legislação própria56 acerca das duas primeiras ondas cappellettianas.

Problemas existem, por certo, no que se refere à terceira “onda”,

notadamente no que se refere à concepção mais ampla do acesso à justiça.

Quando outrora se destacou os escopos da jurisdição (sociais, políticos e

jurídicos)57, não se o fez por outra razão que não a possibilidade de apontar obstáculos a

serem vencidos para que se dê o efetivo acesso à jurisdição.

Valendo-se das sempre esclarecedoras palavras de Dinamarco (2000, p. 40)

acerca dos óbices ao acesso à justiça e aos escopos jurisdicionais, e mais de perto para aquilo

que interessa na presente dissertação – adequar os regramentos processuais acerca dos efeitos

da revelia às garantias e princípios constitucionais, fundamental reavaliar aquilo que os

56 Lei 1060/50; Lei 7347/85; Lei 8078/90; Lei 8429/92; 57 Ver nosso Capítulo 3, item 3.5, p. 84.

82

doutrinadores ora citados ensinam acerca do “modo de ser do processo” (Idem, p. 41)58 e a

“justiça das decisões” (DINAMARCO, 2000, p. 41)59.

É imperioso ressaltar o papel que há tempos já se descortina ao juiz – mais

participativo, atuante, cumprindo à risca os ditames que a jurisdição lhe impõe, o que

demanda uma visão um pouco distante do princípio dispositivo, que já fez com que o juiz

fosse um mero pronunciador da letra (fria) da lei.

Não se quer, com isso, eliminar o princípio dispositivo do ordenamento

jurídico brasileiro e fazer reinar uma exacerbada publicização do processso, com absoluta

preponderância do princípio da oficialidade. Antes de maiores considerações acerca do

assunto, é certo que o aumento dos poderes do juiz não significa indeterminação, no tempo e

no espaço, desses poderes, como se um déspota fosse. O ilimitado exercício do poder pelo

juiz geraria, por certo, perniciosos arbítrios, e não é isso que se está propugnando com a

presente dissertação.

O que é preciso levar em conta é que a justiça precisa se dar. Pelas mãos dos

juízes, que detém a direção do processo. Se é o magistrado o representante do poder

jurisdicional, a ele compete fazer cumprir as promessas, princípios e garantias do Estado de

Direito previstos no texto constitucional. É sobretudo um dever ético fazer da judicatura

muito mais do que a visão privatística outrora lhe impôs, sob pena de o acesso à justiça não se

efetivar.

58 “ II) o modo-de-ser do processo. No desenrolar de todo processo (civil, penal, trabalhista) é preciso que a ordem legal de seus atos seja observada (devido processo legal), que as partes tenham oportunidade de participar em diálogo com o juiz (contraditório), que este seja adequadamente participativo na busca de elementos para sua própria instrução. O juiz não deve ser mero espectador dos atos processuais das partes , mas um protagonista ativo de todo o drama processual.” (grifos nossos). 59 “III) a justiça das decisões: o juiz deve pautar-se pelo critério de justiça, seja (a) ao apreciar a prova, (b) ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas ou (c) ao interpretar os textos de direito positivo. Não deve exigir uma prova tão precisa e exaustiva dos fatos, que torne impossível a demonstração destes e impeça o exercício de direito material pela parte. Entre duas interpretações aceitáveis, deve pender por aquela que conduza a um resultado mais justo, ainda que aparentemente a vontade do legislador seja em sentido contrário (a mens legis nem sempre corresponde à mens legislatoris); deve “pensar duas vezes antes de fazer uma injustiça” e só mesmo diante de um texto absolutamente sem possibilidade de interpretação em prol da justiça é que deves conformar-se.” (grifos nossos).

83

A busca incessante pela “ordem jurídica justa” precisa descortinar-se no

cenário jurídico brasileiro, de molde a que a supremacia da Constituição possa ser

vislumbrada.

Em síntese, o direito de ação e o direito de defesa constituem aspectos inerentes à garantia de acesso à justiça, o que significa que todos têm direito à via constitucional de solução de litígios, livres de qualquer óbice que possa comprometer a eficácia do resultado pretendido por aquele cujos interesses estejam amparados no plano constitucional. Mas, mesmo quem não obtém a tutela jurisdicional, por não conseguir demonstrar a existência de proteção jurídica ao interesse deduzido, teve direito a esse instrumento, com todas as garantias a ele inerentes. Esse é o significado da expressão “ acesso à ordem jurídica justa”, que pretende representar o escopo máximo da atividade jurisdicional e de seu instrumento” (BEDAQUE, 1999, p. 162).

Se já não satisfaz a mera possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, é

preciso fazer do processo instrumento idôneo e adequado à tutela jurisdicional e a ordem

constitucional (BEDAQUE, 2006, p. 50)60.

Segundo Eduardo Cambi (2001, p. 106-107), em feliz passagem na sua obra

Direito Constitucional à Prova no processo civil, ao citar Luigi Paolo Comoglio,

A constitucionalização das garantias e princípios estruturantes do processo civil implica não a realização genérica do direito constitucional ao processo, mas o direito a um processo justo. O adjetivo justo dá identidade ao processo, porque compreende a dinâmica garantia dos meios e dos resultados, assegurando não somente a suficiência quantitativa dos meios processuais, mas também um resultado modal (ou qualitativo) constante. Com efeito, o direito ao processo justo deve ser compreendido em uma dúplice direção, garantindo, de um lado, a adequação e a efetividade dos instrumentos processuais disponíveis no curso do processo e, de outro lado, a efetiva e adequada tutela possível de ser alcançada ao final do processo.

Segundo Francesco Carnelutti (2000, p. 72),

a palavra processo serve, pois, para indicar um método para a formação ou para a aplicação do direito que visa a garantir o bom resultado, ou seja, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz e, portanto, seja justa e certa: a justiça deve ser sua qualidade superior ou substancial; a certeza, sua qualidade exterior ou formal; se o direito não é certo, os interessados não sabem; e se não é

60 “... postulou o método instrumentalista do processo a eliminação dos impedimentos ao efetivo acesso à Justiça, tais como a pobreza econômica e cultural, a visão individualista da legitimidade, a postura passiva dos juízes, etc.Mas não basta assegurar o ingresso em juízo, isto é, a mera possibilidade de utilização do processo. Requer-se a efetividade da proteção judicial e da ordem constitucional. Trata-se do acesso à ordem jurídica justa , a que se refere prestigiosa doutrina nacional.”

84

justo, não sentem o que é necessário para obedecer. Assim como para o objetivo de alcançar a regulamentação justa e certa é necessária uma experiência para conhecer os termos do conflito, uma sabedoria para encontrar seu ponto de equilíbrio, uma técnica para aquilatar a fórmula idônea que represente esse equilíbrio, a colaboração das pessoas interessadas com pessoas desinteressadas está demonstrada para tal finalidade como um método particularmente eficaz. Por outra parte, tal colaboração, sobretudo em razão da heterogeneidade das pessoas que a ela concorrem, determina necessariamente uma seqüência de atos que devem ser estritamente regulados e evocam a idéia de processo como mutação da realidade que se concretiza por uma sucessão de fatos causalmente vinculados. Nunca é demais lembrar: Segundo Chiovenda (1998, p. 84), “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir.” (grifos nossos).

3.8 Processo x Direito Substancial: a simbiose necessária

Não há como negar a simbiose necessária entre direito material e o

processo. A jurisdição, a princípio inerte, não seria movimentada por intermédio do direito de

ação (e, claro, em decorrência das garantias do acesso à justiça), não fosse necessária para

fazer valer o direito material (BEDAQUE, 1994, p. 11-12)61. De tudo até o presente

demonstrado, resta evidente ser o direito substancial, a princípio afirmado pelo detentor da

ação (BEDAQUE, 2006, p. 13)62, o objeto que anima e dá sentido às normas processuais.

A instrumentalidade do processo promove a simbiose necessária entre

direito processual e direito substancial. Se assim não fosse, qual a razão a animar o corpo de

normas processuais que não o direito material afirmado (ou contrariado pela defesa)?

Se a ciência processual, atualmente, está umbilicalmente jungida ao direito

constitucional, e se a jurisdição possui escopos que deve perseguir a todo custo (notadamente

os políticos e sociais, a despeito do escopo jurídico), mister que ela seja útil para o

ordenamento jurídico e para a pacificação social (BEDAQUE, 2006, p. 13), a despeito da já 61 “Quanto mais o provimento jurisdicional se aproximar da vontade do direito substancial, mais perto se estará da verdadeira paz social. Nessa medida, não se pode aceitar que o juiz, por respeito a dogmas inaceitáveis, aplique normas de direito substancial sobre fatos não suficientemente demonstrados.” 62 Ainda que, a posteriori, não se tutele, pela via processual, o direito afirmado pelo autor, é certo que o direito material justifica, num primeiro momento, por assim dizer, a existência de normas processuais. Segundo o autor: “Na concepção de direito processual não se pode prescindir do direito material, sob pena de transformar aquela ciência num desinteressante sistema de formalidades e prazos. Sua razão de ser consiste no objetivo a ser alcançado, que é assegurar a integridade da ordem jurídica, possibilitando às pessoas meios adequados para a defesa de seus interesses.”

85

escorreita constatação de autonomia do direito processual em relação ao direito material.

Segundo Marinoni e Arenhart (2004, p. 30-31),

A doutrina moderna abandonou a idéia de que o direito de acesso à justiça, ou o direito de ação, significa apenas o direito a uma sentença de mérito. Esse modo de ver o processo, se um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material, não se coaduna com as novas preocupações que estão nos estudos dos processualistas ligados ao tema da efetividade do processo, que traz em si a superação da ilusão de que este poderia ser estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material. O processo, hoje,deve estar atento ao plano de direito material, se deseja realmente fornecer tutela adequada às diversas situações concretas. Sem a predisposição de instrumentos de tutela adequados à efetiva garantia das diversas situações de direito substancial não se pode conceber um processo efetivo. (grifos nossos).

E, mais à frente, arrematam:

A doutrina processual civil e os operadores do direito estão obrigados a ler as normas infraconstitucionais à luz das garantias de justiça contidas na Constituição Federal, procurando extrair das normas processuais um resultado que confira ao processo o máximo de efetividade, desde, é claro, que não seja pago o preço do direito de defesa. É com esse espírito que o doutrinador deve demonstrar quais são as tutelas que devem ser efetivadas para que os direitos sejam realizados, e que a estrutura técnica do processo está em condições de prestá-las.

Fazer justiça, pacificar a sociedade de molde a que a justiça possa eclodir do

processo implica necessariamente nessa simbiose entre o direito processual e o material.

3.9 Princípio do contraditório: adequação à realidade

Se há garantia de acesso à justiça, garantia do direito de ação, vale dizer que

há garantia do princípio do contraditório e da ampla defesa, até por causa do inarredável

princípio da inafastabilidade da jurisdição. Se é certo que está assegurado o direito

constitucional de ação, impensável falar dele sem mencionar os princípios que o informam,

notadamente o princípio do contraditório.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LV, expressamente prevê

o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis:

86

art. 5º omissis. LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

É sabido, hoje, que, diferentemente das demais Cartas Políticas brasileiras, o

princípio do contraditório é também garantia constitucional do direito processual civil (o que,

sabe-se, já foi garantia irrestrita apenas do processo penal). Pode-se dizer que o princípio do

contraditório é espécie do qual o princípio do devido processo legal é gênero.

É correto dizer, também, que o princípio do contraditório, segundo clássica

concepção e renomada doutrina, realiza-se por intermédio do chamado binômio informação-

reação (lembrando sempre que o primeiro é sempre necessário, e o segundo somente possível

(DINAMARCO, 2000, p. 127). É por intermédio dos meios de comunicação processual

(notadamente a citação e a intimação) que a parte toma conhecimento dos atos ocorrentes no

processo, seja este o ato que dá ao réu conhecimento de que contra si há uma demanda

proposta e, caso queira, se defenda (citação), seja para que as partes tomem conhecimento, ao

longo do processo, de atos realizados pela parte adversária, oferecendo-se, desta forma, a

oportunidade de reação (intimação).

Entretanto, para aquilo que mais de perto se sustenta na presente

dissertação, não se pode ficar tão-somente com este posicionamento acerca do princípio do

contraditório, já que, de longe, é interessante traçar um panorama constitucional que aproxime

a participação do juiz frente ao princípio do contraditório (DIDIER JUNIOR, 2005, p. 75-

76)63.

63 “Atualmente, prestigia-se no direito estrangeiro – mais precisamente na Alemanha, França e em Portugal – e já com alguma repercussão na doutrina brasileira , o chamado princípio da cooperação, que orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras. Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação das decisões judiciais ( arts. 131 e 461, § 5° , CPC). O magistrado deve adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias, quando for o caso.Encara-se o processo como o produto de atividade cooperativa: cada qual com as suas funções , mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final)...) Traz-se o magistrado ao debate processual, prestigiam-se o diálogo e o equilíbrio. “

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Será preciso avançar, a fim de que haja escorreita adequação do conceito do

princípio do contraditório, até então informado pelo binômio acima descrito, para que o

processo passe a ser permeado pela realidade atual (BEDAQUE, 2002, p. 20-21).

Cintra (2000, p. 63):

Em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar inconstitucionais as normas que não o respeitem.

Se o princípio em comento se traduz em possibilidade de reação, pode-se

deduzir, sem medo de errar, que está a traduzir-se em participação. Se a jurisdição é poder

estatal, representada pelo seu agente – juiz – a ele deve também ser assegurada conduta

participativa na condução do processo. (DINAMARCO, 1993, p. 132) 64.

O contraditório, pois, não mais pode se resumir a uma mera formalidade que

deva ser respeitada no processo – deve, antes de tudo, ser visto e assimilado como postulado e

princípio constitucional, que leva a que o processo possa ser mais efetivo e justo. A satisfação

efetiva dos consumidores finais do direito deve sobrelevar-se, visto que os mesmos já não

mais se satisfazem como meras declarações formais advindas do Poder Judiciário que em

nada colaboram para a efetiva satisfatividade que de fato se espera da Justiça (BEDAQUE,

2002, p. 21)65.

Mais do que nunca, o amplo e irrestrito debate entre partes e juiz e juiz e

64 “ ...Essa participação constitui postulado inafastável da democracia e o processo é em si mesmo democrático e portanto participativo, sob pena de não ser legítimo. E falar em participação significa, no direito processual moderno, falar também no ativismo judiciário, que é a expressão da postura participativa do juiz – seja através da iniciativa probatória, seja do diálogo a que o juiz tradicional se recusa, etc.” 65 “ Visão moderna e adequada de contraditório, portanto, considera essencial para sua efetividade a participação ativa também do órgão jurisdicional. Tanto quanto as partes, tem o juiz interesse em que sua função atina determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. Os valores determinantes do modo de ser do juiz na condução da relação processual não são os mesmos vigentes no início do século. A crescente complexidade das situações regidas pelo direito substancial, a enorme disparidade econômica entre os sujeitos do processo, a integração cada vez maior de culturas jurídicas diferentes, determinada pelo que se convencionou chamar de globalização, tudo isso exige maior preocupação do representante estatal com o resultado do processo. Vem daí a idéia de juiz participativo. Não mais satisfaz a idéia do juiz inerte e neutro, alheio ao dramma della competizione. Essa neutralidade passiva, supostamente garantidora da imparcialidade, não corresponde aos anseios por uma Justiça efetiva, que propicie acesso efetivo à ordem jurídica justa.”

88

partes favorece a que a justiça não se aferre a dogmas hoje já superados, abrindo caminhos

para que o jurisdicionado possa ver concretizadas as garantias constitucionais que lhe são

asseguradas.

A garantia do contraditório, imposta pela Constituição com relação a todo e qualquer processo – civil, penal, trabalhista, ou mesmo não-jurisdicional (art. 5º, inc. LV)-, significa em primeiro lugar que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Mas significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se , portanto, num direito das partes e deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz.” (DINAMARCO, 2000, p. 124) ( grifos nossos).66

Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (2006, p.4/7),

revela –se inegável a importância do contraditório para o processo justo, princípio essencial que se encontra na base mesma do dialogo judicial e da cooperação. (...) O diálogo judicial e a cooperação, acima preconizada, tornam-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de democratização do processo, a impedir que o poder do órgão judicial e a aplicação da regra iura novit curia redundem em instrumento de opressão e autoritarismo, servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso.

Na medida em que o princípio do contraditório assim se efetive,

democratiza-se o processo e o próprio Poder Judiciário, ampliando as noções até então

desenvolvidas acerca do Estado Democrático de Direito.

3.10 O papel do juiz no processo civil contemporâneo – respeito aos ditames, princípios constitucionais e a busca da verdade real

É sabido que a ciência processual não acompanha pari passu a evolução a

que está sujeita a sociedade. É dizer, o direito processual ainda não está dotado da condição

66 Como bem observa Kazuo Watanabe (2005, p.74-75): “A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um elemento impostergável. Não seria , certamente, um exagero afirmar-se que o direito à cognição adequada faz mesmo parte do conceito menos abstrato do juiz natural. “

89

de se valer dos avanços políticos, sociais e jurídico-substanciais, razão pela qual, muitas

vezes, acaba por ficar distante e dissociado dos reais clamores que a sociedade insiste em

tornar público. Entretanto, ainda que legislativamente não se consiga diminuir o fosso que

costumeiramente se abre entre realidade e legislação processual, é certo que é preciso

equacionar ciência processual e a ordem atual das coisas, a fim de que a prestação da tutela

jurisdicional não se veja, cada vez mais, distante dos jurisdicionados e da realidade que se lhe

apresenta.

A ciência processual não conseguirá acompanhar os novos influxos sociais

– não, ao menos, no compasso e na cadência avassaladora das inovações do mundo

contemporâneo. Seria devaneio insensato acreditar que o sistema processual pudesse

aquilatar-se, de molde a acompanhar integralmente as mudanças sociais. Entretanto, não há

como negar que o papel desempenhado pelos juízes pode minorar – ou mesmo acertar – essas

discrepâncias e descompassos, que tantos malefícios causam, seja ao caso concreto que se está

a analisar e julgar, seja no que se refere ao salutar papel educador que o processo

indiscutivelmente possui.

No que interessa mais de perto, é certo que, por intermédio dos chamados

“poderes instrutórios do juiz”, esse descompasso pode ser ajustado, harmonizando-se, quando

possível, o ordenamento jurídico.

Se o objetivo da atividade jurisdicional é a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, deve o magistrado desenvolver todos os esforços para alcançá-lo, pois somente se tal ocorrer, a jurisdição terá cumprido sua função social. E, como o resultado da prova é, na grande maioria dos casos, fator decisivo para a conclusão do órgão jurisdicional, deve ele assumir posição ativa na fase investigatória, não se limitando a analisar os elementos fornecidos pelas partes, mas procurá-los, quando entender necessário. (BEDAQUE, 1994, p. 12-13)

Resta claro que a idéia da prova, não somente na seara processual, nos

remete à busca da verdade. Segundo nos ensina Marinoni e Arenhart (2004, p. 296-297),

90

Também o juiz, no processo de conhecimento, tem por função precípua a reconstrução dos fatos a ele narrados, aplicando sobre estes a regra jurídica abstrata contemplada pelo ordenamento positivo. (...) Ninguém duvida que o real (e, portanto, a prova) no processo é absolutamente essencial, razão mesmo para que a investigação dos fatos, no processo de conhecimento, ocupe quase que a totalidade do procedimento e das regras que disciplinam o tema nos diversos códigos processuais que se aplicam no direito brasileiro.

Evidente que a busca pela verdade seja tarefa inerente à ciência processual.

Todavia, não se está tratando da verdade absoluta, totalmente intangível e, nos dizeres dos

autores supramencionados, elemento mítico e utópico. (MARINONI E ARENHART, 2004, p.

304).

Se assim o é, pode-se dizer que o máximo de certeza e plausibilidade que o

juiz puder encontrar acerca dos fatos narrados na demanda, tanto melhor para a resolução do

conflito e para a pacificação social.

Isto, entretanto, não quer dizer que ele deva ser autômato, neutro, alheio aos

fatos que lhe estão sendo apresentados (que, muitas vezes, não os apresenta a contento ou

como deveria sê-lo) - é papel do juiz contemporâneo atuar de forma a solucionar a demanda ,

fazendo cumprir os ditames da jurisdição de um Estado de Direito. Para tanto, deve

desempenhar seu papel como garantidor do respeito a uma melhor instrução probatória, tendo

sempre consigo a idéia de que, mais do que das partes, também é sua a tarefa de fazer aflorar

a verdade e, assim, poder fazer justiça.

Assim preleciona com acuidade Ivan Aparecido Ruiz (2007, p. 2 e 3), in

verbis:

[...] como estabelecem os arts. 125, 130, 131, 342, 330 e 420, todos do Código de Processo Civil de 1973, alargados encontram-se os poderes instrutórios conferidos ao juiz brasileiro, facultando-se-lhe determinar, ex officio, a produção de provas que visem elucidar questões relevantes, ainda obscuras no processo, porque não bem-esclarecidas pelas partes, a quem geralmente se incumbe o múnus de providenciá-las. Aliás, isso faz parte do compromisso imposto ao juiz, de bem impulsionar, instruir e julgar a causa, sempre no objetivo de se encontrar a solução mais justa possível.

E também não se alegue que a atividade efetiva do juiz acabaria por ferir o

91

princípio dispositivo que, “entre outras restrições impostas à atividade do julgador, impede

tenha ele iniciativa probatória (BEDAQUE, 1994, p. 65)”, notadamente no que se refere aos

chamados direitos disponíveis, já que tais questões, atualmente, já vêm ganhando foros de

questão superada. (BEDAQUE, 1994, p. 70)67

Veja-se, a propósito:

No que respeita à atividade instrutória, leituras exacerbadamente “dispositivísticas” do Código podem reforçar os já numerosos fatores que contribuem para conter em níveis modestíssimos, na prática do foro, as iniciativas oficiais. Reconheça-se que as indicações literais nem sempre são unívocas, e que se sente falta, aqui e ali, de maior explicitude. Mas é necessária boa dose de alheamento ao texto para desprezar uma norma como a do artigo 130, princípio, e – vale acrescentar – boa dose de prevenção para teimar em reduzir-lhe o alcance a um resíduo inexpressivo de hipóteses acadêmicas. Que o juiz, na audiência de instrução e julgamento, não tem como limitar-se a uma postura de estátua, indica-o com toda a clareza uma série de disposições do Código (arts. 446, 451, 413, 416, 344...). Quanto ao mais, são igualmente nítidas as regras dos arts. 128, 458, 459 e 460, que balizam em termos categóricos a construção formal e substancial da sentença. (MOREIRA, 1987, p. 409) (grifos nossos).

Tratar do tema central da presente dissertação – efeitos da revelia –

analisado que deve ser sob a lente constitucional – passa inexoravelmente pela tarefa que cabe

ao contemporâneo juiz brasileiro. Não mais se concebe a judicatura como a atividade

desempenhada por um mero aplicador autômato das normas, alheio ao mundo à sua volta, à

realidade dos fatos levados – ou não - a cabo pelas partes parciais do processo, como

preconizado pelo individualismo da fase privatística do direito processual. (BRAGA, 2004, p.

22)68

67 “Mesmo aqueles que admitem um nexo entre a disponibilidade do direito e o monopólio da demanda pela parte, defendem a iniciativa oficial quanto à prova. Isto porque, ainda que provada a relação material, o Estado tem interesse em que a tutela jurisdicional seja prestada da melhor maneira possível. ”E, mais à frente, concluir o eminente doutrinador (p. 71): “ (...) O chamado princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual não tem razão de ser, pois entre os deveres do juiz, está o de assumir meios probatórios, nos limites dos fatos alegados.”: 68 ”Entre outras demonstrações deste “entulho” individualista, lugar de destaque pertence às posições que defendiam dever ser reduzida a participação e pobres os poderes do juiz, ficando o processo (e principalmente seus resultados) totalmente entregue à sorte decorrente da iniciativa (ou falta de iniciativa) das partes. Esta concepção, hoje ultrapassada, de repúdio ao juiz ativo e participativo era corolário da (já referida) filosofia preponderantemente liberal e individualista que dominava o pensamento do século passado e baseava sua visão de mundo nos conceitos de liberdade, igualdade formal e propriedade, os quais eram estudados sob o enfoque do indivíduo, ou seja, sem que houvesse uma maior preocupação com a repercussão que o exercício de tais direitos pudesse ter em relação à coletividade.

92

Dinamarco (1993, p. 36-37), com a lucidez de costume:

Um dos grandes serviços que o processualista prestou ao direito e à justiça nas últimas décadas foi a enérgica afirmação do comprometimento axiológico das instituições processuais: ele repensou o significado e a medida da “indiferença inicial” a que obrigado o juiz, o qual na realidade precisa estar iluminado pela visão dos resultados sócio-econômicos e políticos que a sua decisão poderá conduzir. Na Lei das Pequenas Causas, vê-se a patética recomendação ao juiz, para que não se retraia, para que participe da instrução, para que só se satisfaça com o resultado da experiência probatória quando o seu senso de justiça estiver tranqüilizado e para que dê aos textos legais a interpretação que seja capaz de fazer justiça no caso concreto. Tal é a postura instrumentalista esperada de todos os juízes.

E, mais à frente, arremata:

[...] o juiz moderno vai-se libertando do preconceito conservador... No Brasil, ainda que sem a colocação sistemática do problema, vê-se em muitos julgados nítida opção política, como em conhecida linha jurisprudencial instalada no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e como nos exemplos, já referidos, dos julgados sobre a atualização de créditos, sobre o efeito da revelia, sobre os créditos do Sistema Financeiro de Habitação, etc. (grifos nossos).

Como já se pôde observar no item supramencionado, o princípio do

contraditório se faz importante não somente aos chamados sujeitos parciais da demanda, mas

também ao juiz (sujeito imparcial).

Segundo José Roberto dos Santos Bedaque (1999, p. 106):

O contraditório interessa aos sujeitos do processo e não apenas aos sujeitos parciais do processo, ou seja, o juiz deve participar ativamente da preparação do julgamento a ser proferido. Isso porque é escopo da jurisdição a pacificação social com justiça. O juiz tem deveres primários de promoção e preservação da igualdade substancial entre as partes, neutralizando eventuais desigualdades. Essa é a idéia contida no art. 125 do Código de Processo Civil. Por esse motivo, hoje é inegável a possibilidade de o juiz adotar de ofício iniciativas relacionadas com a instrução da causa.

E, mais à frente, preleciona o autor:

Na mesma linha do Estado social de direito que participa através de seus órgãos ativamente na vida da sociedade, o juiz de hoje não é um mero expectador dos fatos diante do conflito de interesses estabelecido entre os seus jurisdicionados; deve preocupar-se com a sua incumbência de perseguir a verdade real, não se contentando, na medida do possível, com a meramente formal. (grifos nossos).

93

Impensável, por outro lado, não aceitar o ativismo judicial sob a deformante

idéia de que tal atitude acabaria por comprometer a imparcialidade do juiz. As lições de Ivan

Aparecido Ruiz (2007, p. 3) mais uma vez elucidam a questão:

De outro lado, o argumento de que a determinação da produção de prova, de ofício, fere o princípio da imparcialidade, pois o Juiz estaria advogando para a parte, suprindo a omissão desta, a nosso ver, é equivocado. De se registrar, inicialmente, que o destinatário da prova é o Juiz. Logo, a matéria relativa a prova é matéria processual, e, consequentemente, de natureza pública. Em sendo o Magistrado o destinatário da prova, quem irá avaliá-la para proceder ao julgamento é ele. Com efeito, no momento em que o Juiz determina a produção da prova, de ofício, é porque ainda paira dúvida em seu espírito para um julgamento justo e conforme o Direito. O argumento, a nosso ver, irrespondível para demonstrar que o Juiz, ao determinar a produção da prova de ofício, não está sendo parcial, é o de que ele não conhece, como destinatário da prova, o seu resultado. Aliás, é bom que se diga que a prova e ser produzida tanto pode vir em benefício do autor quanto do réu. É simples. Se na hipótese de determinar a prova de ofício, estaria o Juiz beneficiando o réu, a sua inércia a sua omissão, por acaso, não iria beneficiar a outra parte, no caso, o autor? Dessa forma, em qualquer das atitudes do Juiz, estaria sendo ele parcial. Agora, pergunta-se: ainda que se admita a parcialidade, seria melhor ser parcial agindo ou omitindo-se? No entanto, como já dito, entende-se que em nenhuma das hipóteses ocorre a imparcialidade, posto que o Magistrado não conhece, no momento que determina a produção de ofício da prova, o seu resultado.

O fato de o juiz atuar de molde a pacificar com justiça não ameaça sua

independência e imparcialidade funcionais. Juiz imparcial não significa juiz atávico, inerte,

alheio aos anseios das partes e, em última análise, a que sua sentença esteja em

desconformidade com a promoção da justiça.

Não sem razão, é também papel do juiz promover a necessária igualização

das partes no processo, como forma de manter o equilíbrio entre as partes e fazer justiça. Se é

essa a meta do processo – prestação de tutela jurisdicional a quem de fato tem direito a

recebê-la – é papel mais do que premente do juiz proporcionar a igualdade substancial das

partes e buscar a verdade real. Assim agindo, em nenhum momento estará ferindo sua

autonomia, independência e imparcialidade, mas certamente estará aprimorando a prestação

jurisdicional, acondicionando situações conflituosas de maneira a que a justiça sobreponha-se,

muita das vezes, sobre a norma.

Veja-se, a propósito, trecho de voto de julgamento do relator

94

Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis (2005, p.1), in verbis:

Os poderes do juiz se ampliam, ou seja, de simples diretor ou condutor do processo (sistema dispositivo), assume índole investigatória, partindo para uma atuação mais firme e direta no esclarecimento da verdade dos fatos controvertidos. O juiz moderno não pode ser um expectador inerte, um convidado de pedra, atento somente à elucidação do acontecimento. [...] A transição do liberalismo individualista para o Estado Social do Direito, assinala-se por substancial incremento da participação dos órgãos públicos na vida da sociedade. Projetado no plano processual, o fenômeno se traduz pela intensificação da atividade do juiz, cuja imagem já não se pode conter no arquétipo do observador distante e impassível das partes, simples fiscal incumbido de vigiar seus comportamentos, para garantir a observância das regras do jogo e, no fim, proclamar o vencedor. Ao juiz continua vedado, como tradição, dar partida na máquina judiciária sem provocação; no entanto, instaurada a demanda, desenvolve-se o feito por impulso oficial (CPC, artigo 125).Entretanto, o mais valioso instrumento corretivo, para o juiz, consiste na possibilidade de adotar, de ofício, iniciativas relacionadas com a instrução do feito. Os poderes instrutórios, a bem dizer, devem reputar-se inerentes à função do órgão judicial que, ao exercê-los, não se substitui às partes, como leva a supor uma visão distorcida do fenômeno. Mas é inquestionável que o uso hábil e diligente desses poderes, na medida em que logre iluminar aspectos da situação fática, até então deixados na sombra por deficiência da atuação deste ou daquele litigante, contribui, do ponto de vista prático, para suprir inferioridades ligadas à carência de recursos e de informações, ou à dificuldade de obter o patrocínio de advogados mais capazes e experientes.[...] O processo assume o compromisso de ultrapassar a noção de devido processo legal para atingir a meta do processo justo, aliado aos desígnios sociais e políticos, e que não aceita um juiz neutro, inteiramente entregue às partes, mas atento ao resultado da demanda. O processo moderno busca conciliar o princípio dispositivo e inquisitivo, mantendo a postura inerte do Judiciário à abertura do pleito e limitando a jurisdição ao pedido, mas reforçando os poderes na condução da causa em provimento da apuração da verdade. Assim, o acesso à justiça transmuda-se no acesso à ordem jurídica justa. O fenômeno da constitucionalização do processo civil, que aconselha a releitura de institutos fundamentais à luz da Carta federal, veio a contribuir para o fortalecimento dos poderes do juiz na direção e instrução do processo, pois, para se lograr a efetividade, é de rigor que tais atribuições sejam endereçadas. Com efeito, a postura burocrática e protocolar do juiz, que tecnicamente não se assemelha a qualquer outro funcionário ou servidor público, pois detém parcela do poder do Estado e o representa perante a sociedade, entra em conflito aberto com as tendências atuais do processo civil, devendo ser afastada, já que não se concebe que a parte seja prejudicada pelo apego ao fetichismo das formas e à dogmática tradicional.[...] Enfim, diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero expectador inerte da batalha judicial, passando a assumir posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardo do princípio do contraditório.

A imparcialidade do juiz, portanto, em nada é afetada pelas atitudes que o

juiz, enquanto detentor de parcela considerável do poder estatal, vier a ter no processo. Na

medida em que potencializa a igualdade substancial das partes e efetiva o princípio do

contraditório, muita das vezes, agindo – e não somente esperando que as partes parciais do

processo o façam, o juiz minora deficiências e aniquila, por certo, desigualdades.

95

3.11 O Processo Civil contemporâneo, os poderes do juiz e as provas – o respeito às garantias, valores e princípios constitucionais

Até o presente momento, é razoável lembrar da intrincada e importante

relação do direito processual com o direito constitucional, com o franqueamento que o

sistema processual nos dá à festejada expressão “acesso à justiça”, desde que respeitados

princípios e garantias constitucionais até então mencionados.

E, com a maestria que lhe é peculiar, assevera Dinamarco (2000, p. 592), in

verbis:

Acesso à justiça é, na sugestiva locução proposta por Kazuo Watanabe, acesso à ordem jurídica justa. Sentenças, decisões, comandos e remédios ditos heróicos concedidos por juízes e tribunais não passariam de puras balelas, não fora pelo resultado prático que sejam capazes de produzir na vida das pessoas e nas efetivas relações com outras e com os bens da vida. O pensador moderno não encara mais o processo, como dantes, a partir do aspecto interno representado pelos atos e relações em que se envolvem seus protagonistas, senão pelo ângulo externo a partir do qual seja possível sentir a sua utilidade. Daí falar Mauro Cappelletti na indispensabilidade de analisar o sistema processual pela óptica do consumidor dos serviços judiciários e não mais pensando exclusivamente nos seus operadores.

Eis aí o sempre atual e tormentoso dilema: efetividade do processo, desde

que respeitados os escopos que a jurisdição possui e deve fazer cumprir.

Assim é que o devido processo constitucional perpassa pela atuação da

jurisdição, que , como se sabe, se faz por intermédio dos juízes dela investidos. É o juiz que

terá a tarefa de pacificar com justiça. E pacificar com justiça implica no respeito às garantias,

valores e princípios constitucionais.

Entre as garantias que a Constituição assegura ao modelo processual brasileiro encontra-se a do contraditório. Trata-se de postulado destinado a proporcionar ampla participação dos sujeitos da relação processual nos atos preparatórios do provimento final. Sua observância constitui fator de legitimidade do ato estatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo têm de influir em seu resultado. Visão moderna desse princípio considera essencial para sua efetividade a participação ativa também do órgão jurisdicional. Tanto quanto as partes, tem o juiz interesse em que a atividade por ele desenvolvida atinja determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. (BEDAQUE, 1999, p. 170)

96

Afastar-se dos excessos perniciosos da burocracia da malha judiciária – “a

escassez de iniciativas probatórias oficiais, mesmo quando manifesta a sua conveniência, tem

sido apontada como uma das causas do mau funcionamento do mecanismo judiciário”

(BEDAQUE, 1999, p. 183) - talvez seja importante fator de fortalecimento da jurisdição. O

mesmo autor ressalta (BEDAQUE, 1999, p. 182) que juiz imparcial não é juiz passivo,

especialmente em relação a exercício de poderes que a própria lei lhe confere. Não é conferir

ao magistrado poderes maiores do que aqueles que ele deve ter enquanto detentor da função

diretiva do processo. Isso seria possibilitar arbitrariedade e descompasso perante os princípios

que norteiam a Constituição Federal.

Todavia, impossível imaginar o direito processual, jungido que está aos

princípios constitucionais, mormente o do contraditório e o da motivação das decisões

judiciais, sem a relevante iniciativa probatória dos magistrados,

concomitante à das partes, e não subsidiária ou dependente desta, e assim o fazem quer estejam em jogo direitos materiais disponíveis ou indisponíveis. Em regra, (...) a iniciativa probatória está limitada, apenas, pelo respeito ao objeto do processo, tal como demarcado pelas partes, pelo respeito ao princípio do contraditório e pelo dever de fundamentação das decisões judiciais. (BRAGA, 2004, p. 97)

Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (2006, p. 9),

Tudo, portanto, recomenda a quebra do monopólio das partes na instrução da causa, mesmo em se tratando de interesses puramente privados, pois não há por que alterar a estrutura do processo em função da natureza disponível ou indisponível do direito litigioso. Insustentável continuar tolerando-se o juiz inerte, de braços cruzados, e que encarava o processo como coisa exclusiva das partes.

Os processualistas tradicionais apontam o artigo 333 do Código de Processo

Civil 69 como sendo a regra processual que trata sobre o ônus da prova, ou seja, nada mais

seria do que “um limite estabelecido pelo legislador aos poderes de iniciativa do juiz na

produção da prova.” (BEDAQUE, 1994, p. 85), já que, se não se cumprir o estatuído no

69 Art. 133: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

97

referido artigo, estar-se-ia privilegiando uma das partes – a negligente ou a inerte – em

detrimento da outra.

Entretanto, não se concorda com tal afirmativa. Inadequada, portanto, essa

perspectiva extremamente dogmática, que por certo, se prevalecesse, deixaria o julgador,

sempre, como um mero expectador da contenda entre autor e réu, atado a dogmas processuais

atualmente superados.

[...] a lei que rege a forma deve ser interpretada e aplicada em função do fim. Nesta perspectiva, os malefícios do formalismo no processo resultam, em regra, de defeitos na interpretação da lei processual. A propósito, não me canso de verberar o mau vezo, infelizmente generalizado, de negar-se à norma de processo outra interpretação que não a literal, exatamente aquela que os mestres da hermenêutica consideram a mais pobre, a menos satisfatória, a menos inteligente. (...) Fala-se muito em interesse público na preservação do rito, do due process of law, como um valor absoluto e abstrato, para justificar as devastações concretas que a injustiça de um decreto de nulidade, de uma falsa preclusão, da frieza de uma presunção processual desumana, causam à parte inerme. Não. Não é isto fazer justiça. Não é para isto que existe o processo. Esquecem, os que assim pensam e agem, que os valores e os interesses no mundo do direito não pairam isolados no universo das abstrações; antes, atuam, no dinamismo e na dialética do real, em permanente conflito com outros valores e interesses. Certa, sem dúvida, a presença de interesse público na determinação do rito. Mas, acima dele, se ergue outro, também público, de maior relevância: o de que o processo sirva, como instrumento, à justiça humana e concreta, a que se reduz, na verdade, sua única e fundamental razão de ser. (LACERDA, 1983, p. 8-10)

Bedaque (1994, p. 86):

As regras referentes à distribuição do ônus da prova devem ser levadas em conta pelo juiz apenas e tão-somente no momento de decidir. São regras de julgamento, ou seja, destinam-se a fornecer ao julgador meios de proferir a decisão, quando os fatos não restaram suficientemente provados. Antes disso, não tem ele de se preocupar com as normas de distribuição do ônus da prova, podendo e devendo esgotar os meios possíveis, a fim de proferir julgamento que retrate a realidade fática e represente a atuação da norma à situação apresentada em juízo. (....) Não há dúvida de que a atividade instrutória por parte do juiz pode diminuir os casos em que seja necessário recorrer às normas de distribuição dos riscos pela obscuridade dos fatos. Ou seja, se além das partes, também o juiz desenvolve esforços para obtenção da prova, maior a possibilidade de esclarecimento dos fatos, o que diminui, na mesma proporção, a necessidade de se apelar para a distribuição dos encargos do art. 333. Na verdade, aumenta a probabilidade de um julgamento correto. (grifos nossos).

Braghittoni apud Moreira (1984, p. 75), assim se pronuncia:

Barbosa Moreira há muito já alertava para a possibilidade de que o juiz não se limitasse às provas trazidas pelas partes, bastando para tanto que não estivesse convencido de ter atingido a verdade real. E isso nada tinha a ver com uma possível

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infringência ao contraditório, porque tal prova de modo algum importa excluir as partes do procedimento probatório.

E nem se diga que o fato de o juiz requerer a produção de provas de ofício

venha a tutelar a parte negligente, porque não se está, na verdade, tratando de interesses

privados das partes (como pode parecer, à primeira vista).

[...] os interesses discutidos no processo são privados e podem até ser inteiramente diponíveis, mas o processo é público – e a função estatal decorre do monopólio jurisdicional que não tem nada de disponível. (BRAGHITTONI apud MOREIRA, 1984, p. 102).(grifos nossos).

Ademais, quando o juiz participa da produção de provas, não tem ele como

saber o que será apurado por intermédio da referida prova – o que implica dizer que não

estaria favorecendo a esta ou àquela parte – o juiz, quando participa de molde a determinar

produção de prova de ofício, o faz como agente público da jurisdição, devendo, o mais que

possa, colaborar para que se faça vir à tona a verdade real dos fatos tratados na demanda,

podendo, assim, decidir de maneira a pacificar com justiça.

O mesmo autor, Braguittoni apud Moreira (1984, p. 104), à frente, arremata:

O juiz não é parte, mas é peça fundamental para o contraditório num sistema processual informado pela instrumentalidade. Se se aceita que não pode ele ser simples espectador do processo, pois que este tem a função de pacificar a sociedade com justiça, atuando o direito material, o que é eminentemente função pública, não se pode aceitar que ele, passivamente, fique à espera de que somente as partes se encarreguem de trazer os elementos necessários a um julgamento que ele é que terá de fazer.

Se assim o é, também não é demais dizer, amparando-se em renomada

doutrina (BEDAQUE, 1994, p. 84-91), que as regras referentes ao ônus da prova não se

prestam a impedir a judicatura mais ativa, tendo em vista que a distribuição do ônus da prova

vale tão-somente como regra de julgamento, e não como regra a ser aplicada em momento

instrutório anterior à sentença. Por fim, não se esquecendo sempre do princípio da motivação

das decisões judiciais que , por si só, justifica e desmistifica toda a problemática em torno da

99

parcialidade do julgador. Se o magistrado, ao julgar, necessariamente necessita fundamentar,

nada mais consentâneo com a atual linha do direito processual civil propugnada pela presente

dissertação.

Outrossim, se é escopo da jurisdição pacificar com justiça, como admitir

que o juiz não busque, de forma ativa (mas não autoritária ou parcial), os meios de prova que

entende pertinentes? Ademais disso, e como se já não bastasse, o artigo 130 do Código de

Processo Civil70, desde sua entrada em vigor já estabelece que o juiz pode, em qualquer caso,

determinar a realização de provas Portanto, desde há muito, tem o magistrado a possibilidade

de instruir o feito de maneira a que a prestação da tutela jurisdicional venha ao encontro com

os ditames da justiça. Claro está que tal afirmação vem de encontro ao tema central da

presente dissertação, ou seja, se é ou não possível a busca da verdade real em casos de

ocorrência da revelia. (GONZALEZ, 1979, p. 41)71.

Medeiros (2003, p. 153) pontifica:

[...] não é sempre que a revelia implicará o julgamento antecipado da lide, havendo a possibilidade de o juiz determinar a produção de prova de ofício, bem como de deferir pedido de produção de prova formulado pelo réu revel visando, fundamentalmente, a demonstrar a inexistência do fato constitutivo do direito do autor.

Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira apud Tucci (1999, p. 140-141),

Essas considerações bem demonstram não só o inafastável caráter dialético do processo atual como também um novo alcance do antigo brocardo da mihi factum, dabo tibi ius. Antes de nada, afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a disquisição ou o juízo sobre o fato, como totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exibe artificial a distinção entre fato e direito – porque no litígio fato e direito se interpenetram - , mas perde força sobretudo no tema ora em exame, em virtude da necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato. Ademais, mostra-se evidente a relatividade da primeira parte do aforismo. A formação do

70 Art. 130 CPC: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.” 71 “En rigor de verdad, resulta asaz complicado el intento de desentranar si el silencio humano – como sinónimo de callar, ocultar, abstenerse de contestar o de expresarse – posee, em su proyección al plano procesal, algún grado de eficacia probatoria com respecto a los hechos cuya existencia material se afirma explicitamente, haber sucedido.

100

material fáctico da causa deixou de constituir tarefa exclusiva das partes. Muito embora devam elas contribuir com os fatos essenciais, constitutivos da causa petendi, não se mostra recomendável proibir a apreciação dos fatos secundários pelo juiz, dos quais poderá, direta ou indiretamente, extrair a existência ou modo de ser do fato principal, seja porque constem dos autos, por serem notórios, ou pertencerem à experiência comum. Por outro lado, conveniente se processe a apreciação dos fatos principais por iniciativa exclusiva do órgão judicial quando se refiram: a) a situação de direito público ou de ordem pública (assim, v.g., a matéria concernente aos pressupostos processuais e às chamadas condições da ação); b) a fatos jurídicos extintivos e impeditivos, incompatíveis com a pretensão exercida (v.g., pagamento, confusão, etc), salvo se representativos de verdadeira exceção em sentido substancial, isso sem falar dos fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, capazes de influir no julgamento da lide, passíveis de consideração pelo juiz, conforme determinado pelo art. 462 do CPC, até de ofício no momento de proferir a sentença. O mesmo sucede em relação ao aforismo iura novit curia, a impor ao juiz, na sua conceituação tradicional, conhecer o direito e investigá-lo de ofício, caso não o conheça, tornando-o também totalmente independente na sua aplicação dos pedidos e alegações das partes a respeito, permitindo-lhe extrair do material fático trazido pelas partes conclusões jurídicas não aportadas por elas nos autos.

Não se está a propugnar ilimitados poderes ao juiz , que possam porventura

apoucar as garantias constitucionais conquistadas no Brasil. Quer-se apenas dizer que o

magistrado atue em função da justa composição do litígio.Não seria demais lembrar o artigo

5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que desde há muito proclama: “Na aplicação da lei,

o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

De rigor, ademais, a citação:

De certo modo, nosso ordenamento processual contempla situação que bem pode ilustrar o equilíbrio no grau de atividade judicial que se está postulando. Trata-se do instituto da revelia que, nos termos do art. 319 do Código de Processo Civil leva a reputar verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. De um lado, atendendo à instrumentalidade (e ao próprio bom senso), tem-se o entendimento firmado no sentido de que serão tidos por verdadeiros fatos que guardem grau mínimo de plausibilidade, sendo certo que versões completamente inverossímeis não merecem, mesmo em hipóteses de revelia, a chancela do poder judicante. (BRAGA, p. 2004, p. 28).

A propósito, lúcida e pontual a saudação feita pelo 2º Vice-Presidente do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por ocasião da posse de juízes substitutos no ano de

2001, disponível no site www.tj.rs.gov.br – notícias/discursos,capturado em 03 de maio de

2007, in verbis:

[...] aumenta a exigência de zelo e atenção do juiz, já não mais visto como simples “convidado de pedra”, mero árbitro de questões, mas, sim, na linha da preceituação

101

constitucional brasileira, como órgão de poder, integrante que é de um dos três Poderes conformadores do Estado Democrático de Direito, feição única a viabilizar a realização do regime que elegemos como adequado ao desenvolvimento dos objetivos fundamentais da República, segundo os termos inequívocos dos arts. 1º, 2º e 3º da Constituição federal. Tais circunstâncias impõem ao magistrado de hoje conhecimentos para além do estritamente técnico, além de comportamento atuante, no processo e fora dele. [...] É que – penso não ser passível de dúvida – o legislador conferiu ao juiz brasileiro poderes-deveres que o situam, no processo, em posição protagônica, exigindo-lhe, por isso mesmo, que supere antigos vezos. Constitui isso epítome daquilo que se denominou de “viragem ideológica”: a superação, no curso do século XX, da concepção liberal pela concepção social do processo. Deixa esse de ser “coisa das partes” (sache der partein), segundo conhecida expressão que nos veio da doutrina alemã, para, reconhecida a sua função social, passar a ser assunto de interesse do Estado. [...] Ao magistrado brasileiro – a vós, portanto, colegas adventícios – definitivamente se impõem, realizando os princípios constitucionais da isonomia e do devido processo legal, a iniciativa em matéria probatória, quando dos autos evidencie-se, de modo inequívoco, a possibilidade de produção. À regra do ônus da prova, na sua função estática (art. 333, CPC), haveremos de aplicar como remédio extremo, como regra de julgamento que é. (grifos nossos).

102

IV. EFEITOS DA REVELIA

É certo que o viés constitucional descortinar-se-á no decorrer do presente

capítulo, que vem coroar o posicionamento da presente dissertação.

Todav7ia, não se pode perder de vista que as normas previstas no Código de

Processo Civil precisam ser analisadas, a fim de que se possa fazer o devido cotejo entre a

previsão legal, o entendimento jurisprudencial e o posicionamento firmado até o presente

momento.

Reportando-se ao segundo capítulo, é imperioso destacar que o instituto da

revelia não se confunde com os seus efeitos. Certo é que, ainda que ocorra a revelia, pode não

ocorrer um ou todos os efeitos dela decorrentes, o que, por si só, justifica a menção a tal

diferença.

É importante frisar que, além da abordagem dos efeitos da revelia, forçosa a

menção aos sistemas que os definem, bem como breve relato acerca do tratamento dispensado

ao tema em alguns ordenamentos jurídicos alienígenas.

Assim, antes mesmo de se falar acerca dos efeitos da revelia, destacou-se,

ainda que de forma breve, os sistemas que definem os efeitos da revelia, a fim de que reste

clara a opção do legislador brasileiro pelo sistema da ficta confessio, a despeito dos

posicionamentos jurisprudenciais destacados no presente trabalho – fruto da hermenêutica

processual-constitucional que até o presente momento é o mote e a linha de pesquisa desta

dissertação de mestrado.

103

4.1 Dos sistemas que definem os efeitos da revelia

Não é demais lembrar, amparado que se está nas obras de Gianozzi (1963, p.

57); Tucci (1964, p 69), e, mais atualmente, Bresolin (2006, p.42), que há três grandes

sistemas que definem os efeitos da revelia, quais sejam: sistema da decisão secundum

praesentem, sistema da ficta litiscontestatio e sistema da ficta confessio.

4.1.1 Secundum praesentem

O primeiro dos sistemas – praticamente em desuso nas legislações

contemporâneas

é inspirado nas regras originárias da Lei das XII Tábuas referentes à fase apud iudicem da ordo iudiciorum privatorum, preconiza justamente que a ausência em juízo determina automaticamente a perda de demanda. Foi essa a solução adotada pelo Código de Processo Civil de Genebra de 29 de setembro de 1819. (BRESOLIN, 2006, p. 43).

Por ser o sistema mais radical do ponto de vista dos efeitos da revelia – a só

ausência do réu determina, de pronto, a procedência da demanda do autor, independentemente

de quaisquer outros fatores ou regras - é praticamente inutilizado pelas atuais legislações, e

muito se deve, talvez, ao abrandamento dos efeitos que a revelia vem sofrendo ao longo da

sua evolução histórico-jurisprudencial.

4.1.2 Ficta litiscontestatio

Este sistema autoriza que, sendo revel o réu, ainda assim se exija que o autor

prove os fatos que eventualmente tenha alegado, já que a revelia não tem o condão de

104

produzir o efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (BRESOLIN, p.

43)72. Ainda segundo o autor ora mencionado, esse sistema tem como base de inspiração os

períodos da extraordinaria cognitio e justinianeu, ambos do direito romano, “e depois ao

direito canônico e comum” (TUCCI, 1963, p.69). Outrossim, traços desse sistema são

encontrados na legislação portuguesa antiga (Ordenações Manuelinas e Filipinas).

No Brasil, encontra-se referido sistema no Regulamento 737 de 1850 e nos

Códigos Estaduais. Conforme informa Umberto Bara Bresolin (2006, p. 43), ”Modernamente,

é adotado por países como a Itália, França, Espanha e países Ibero-Americanos em geral.”

Conforme se pode aferir no decorrer do presente capítulo, bem como da

conclusão do presente trabalho, este é o sistema que mais se coaduna com as diretrizes

constitucionais brasileiras, e deveria ser o sistema adotado pelo Brasil. Todavia, ainda que se

tenha feito, no Brasil, a adoção do sistema da ficta confessio (conforme a seguir descrito), é de

se ver, pelos julgados colacionados, que os Tribunais brasileiros, seguindo as diretrizes e

princípios constitucionais norteadores do contemporâneo processo civil, trataram de abrandar

os efeitos severos decorrentes da revelia, aproximando-se, em grande medida, do sistema da

ficta litiscontestatio.

4.1.3 Ficta confessio

O derradeiro sistema é o da ficta confessio que, diversamente do

anteriormente mencionado, faz com que os fatos alegados pelo autor sejam tidos por

verdadeiros no caso da ocorrência da revelia. Com isso, dispensa-se o autor do ônus da prova

dos fatos que eventualmente tenha alegado. Suas origens remontam ao antigo direito

germânico e à contumácia in respondendo dos canonistas. É o regime adotado pela Alemanha,

72 ... a expressão ficta litiscontestatio, nesse contexto, designa ficção de controvérsia sobre os fatos.

105

Áustria, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal e, claro, o Brasil, a partir da edição do Código

de Processo Civil de 1973. (BRESOLIN, 2006, p. 44 e TUCCI, 1964, p. 69).

Conforme abordado anteriormente, é certo que a doutrina brasileira não

deixou de apresentar dissenso acerca de qual sistema teria se filiado o Código de Processo

Civil de 1939. Alguns autores afirmaram estar este Código atrelado ao sistema da ficta

litiscontestatio, enquanto outros sustentavam opção diversa, apontando ter perfilhado o

caminho da ficta confessio.

Entretanto, no que se refere ao Código de Processo Civil de 1973 – atual –

nenhuma dúvida resta: acompanhou e filiou-se ao sistema da ficta confessio (BRESOLIN,

2006, p. 64)73.

Não sem razão Calmon de Passos (2000, p. 340) asseverava:

O Código catou aqui e ali o que de mais rigoroso havia com relação ao revel, somou tudo e disciplinou a revelia. Buscou nos sistemas alemão e austríaco a imposição da verdade dos fatos do autor, pelo só motivo da contumácia, mas teve o cuidado de não atribuir ao revel um recurso especial, como decorrência da revelia. Prevê o julgamento imediato do mérito, em virtude da revelia, mas silencia quanto à intimação pessoal da sentença ao revel, como exigido nos sistemas germânicos.

Por certo, excetuando o primeiro dos sistemas ora tratados - sistema

secundum praesentem, que não mais vigora em ordenamentos jurídicos ocidentais

contemporâneos - o sistema da ficta confessio, adotado pelo atual Código de Processo Civil

brasileiro, é, sem dúvida, de extremado rigor (CALMON DE PASSOS, 2000, p. 335)74.

Diante disso, está-se a repensar os efeitos da revelia, buscando-se equiparar a sistemática

73 “O Código de Processo Civil de 1973 não deu margem à permanência da discussão existente à luz do Código anterior. Desdobrou a regra da admissão de veracidade, do artigo 209 do Código anterior, cuja aplicabilidade à situação de revelia era controvertida, em dois dispositivos que atuam em consonância, compondo um único sistema :o artigo 302, aplicável quando o réu, em sua resposta, deixar de impugnar alguns dos fatos alegados pelo autor, controvertendo outros; e o artigo 319, que encabeça o capítulo específico destinado à revelia, dispondo expressamente que se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, aplicável se o réu omitir-se totalmente na impugnação dos fatos alegados pelo autor. Esse último dispositivo ( artigo 319) revela com clareza indiscutível a opção explícita do legislador de adotar, no que concerne aos efeitos da revelia, o sistema da ficta confessio, inspirando-se, nesse particular, no sistema alemão. ” 74 Por isso a já consagrada e festejada expressão de Calmon de Passos: “o revel, no direito brasileiro, deixou de ser um ausente para tornar-se um delinqüente.”

106

legislativa ao viés processual-constitucional da presente dissertação. Todavia, por força das

determinações legislativas acerca do assunto, tratar-se-á, em item próprio, dos efeitos da

revelia previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

Todavia, aproveitando a divisão conceitual apresentada, faz-se uma singela

menção a alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros, ressaltando a qual dos sistemas eles se

filiam, a fim de que se possa, ainda que modestamente, traçar uma breve comparação com o

direito processual civil brasileiro.

4.2 Breves Considerações no direito estrangeiro

4.2.1 Os efeitos da Contumácia na Alemanha

Embora a grande maioria da doutrina compartilhe do entendimento de que a

contumácia alemã tenha sido o modelo utilizado pelo Código de Processo Civil de 1973

brasileiro, notadamente no que se refere ao efeito preconizado pelo artigo 319, é certo que

algumas peculiaridades e diferenças entre os dois sistemas jurídicos existem, muito em razão

de que o Brasil deixou de seguir à risca a previsão legal alemã acerca do assunto.

Na Alemanha, pode haver contumácia do autor e do réu. Especificamente

quanto à contumácia do réu, que é o que de perto mais interessa ao presente estudo,

Se o réu, regularmente intimado, não comparecer ou não atuar na primeira audiência obrigatória para debate da causa, aplicam-se as regras do procedimento contumacial. Se a ausência ou a falta de atuação ocorrer em audiência posterior à primeira, pode o autor optar pelo procedimento contumacial ou pelo julgamento conforme o estado dos autos. (BRESOLIN, 2006, p. 45).

Assim, se o autor requerer a declaração de contumácia do demandado, o juiz

proferirá a decisão contumacial, ocasião em que o juiz deverá admitir como verdadeiros os

fatos afirmados pelo autor. (o que não implica dizer que o juiz deva, sempre, julgar

107

procedente a demanda). Mas, veja-se: o réu contumaz será, da sentença, intimado

pessoalmente, e pode dela interpor recurso de oposição. Isto decorre do fato de que a sentença

se deu em razão do requerimento do autor no sentido de que o juiz reconhecesse a contumácia

do réu.

Admitido o recurso de oposição, o próprio magistrado que a prolatou

examina as razões do recurso e, se entender pela admissibilidade do mesmo, retorna-se ao

estado anterior, ficando sem efeito a sentença contumacial outrora prolatada.

Conclui-se, portanto, que a contumácia, no direito alemão, possui aspectos

muito mais equilibrados (BRESOLIN, 2006, p.47-48) no trato do assunto, ainda que sejam

severas as conseqüências advindas da contumácia do réu (reputação de veracidade dos fatos

afirmados pelo autor). O Brasil, tendo o sistema alemão como modelo, apenas e tão-somente

“copiou“ o efeito da reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor (conforme

previsão expressa do artigo 319 do Código de Processo Civil), deixando de prever com

moderação e prudência as demais disposições que existem no Código de processo alemão.

(SOUZA, 2003, p. 228-230).

4.2.2 Os efeitos da contumácia na Itália

Segundo Bresolin (2006, p. 50-53) e Souza (2003, p. 227-228), é correto

afirmar que a Itália segue o sistema da ficta litiscontestatio na sua inteireza. Pode haver

contumácia do autor e do réu.

No que se refere à contumácia do réu, é certo que, a requerimento do autor,

a mesma é declarada, desde que comprovada a regular intimação do réu. Declarada a

contumácia do réu, o processo segue o rito contumacial. Entrementes, por seguir o sistema da

ficta litiscontestatio, poucos são os atos - de menor relevância - que não são comunicados ao

108

réu, já que dos principais ele é comumente intimado com regularidade.

O sistema propugnado pela Itália mais se coaduna com as diretrizes e

princípios constitucionais brasileiros, já que o fato da ocorrência da revelia, por si só, não

autoriza a que o juiz se abstenha da instrução probatória – como previsão expressa na

legislação adjetiva brasileira – devendo o autor provar, ainda que revel o réu, os fatos

constitutivos do direito que alega.

No que concerne propriamente aos efeitos da contumácia do réu, a grande peculiaridade do sistema italiano é a de conceber a contumácia como uma situação neutra, perfeitamente lícita e, por isso, não sancionável de forma alguma.(...) Do ponto de vista processual, portanto, a contumácia é uma situação totalmente privada de qualquer relevância decisória, permanecendo ao autor com o ônus de provar os fatos que alegou e só podendo o juiz proferir julgamento favorável ao autor se ele efetivamente provar os fatos constitutivos de seu direito. (BRESOLIN, 2006, p. 52).

4.2.3 Os efeitos da Revelia na Argentina

Conforme previsão expressa dos artigos 59 a 67 do Código Procesal Civil y

Comercial de la Nacion Argentina, “Considera-se revel a parte (autor ou réu) com domicílio

certo, que devidamente citada, não comparece em juízo ou abandona o processo depois de ter

comparecido; em regra, para que se decrete a revelia, há necessidade de requerimento do

adversário (artigo 59). (BRESOLIN, 2006, p. 54).75

No que se refere à revelia do réu, preleciona Gonzalez:

La declaración de rebeldía se halla subordinada, dentro del régimen del Cód. Proc. Civ. Y Com. de lá Nación, a la concurrencia de los siguientes supuestos procesales: 1º) la debida citación; 2º) la incomparecencia o el abandono; 3º) la falta de alegación y prueba de circunstancias que hubieran obstado a la comparecencia oportuna;4º) la petición de la contraparte. (GONZALEZ, 1979, p. 129).

Quanto aos efeitos da revelia, é certo dizer que a Argentina aderiu ao

sistema da ficta litiscontestatio, por influência da legislação espanhola, mas não de maneira

75 O mesmo se pode aferir de GONZALEZ (1979, p. 108 e 113).

109

absoluta. Segundo Bresolin (2006, p. 55):

A sentença será prolatada segundo o mérito da demanda e de acordo com as provas que foram produzidas. Contudo, quando da prolação da sentença (tratando-se, portanto, a nosso ver, de regra de julgamento), em caso de persistência de dúvida do juiz após finda a instrução, a revelia declarada e firme constitui presunção de veracidade dos fatos lícitos em favor de quem a declaração foi obtida (art. 60).

Conforme nos ensina Benucci (2003, p, 173),

No art. 60 estão os efeitos da revelia, que reza que a revelia não alterará o curso regular do processo, sendo a sentença pronunciada segundo o mérito da causa; mas, em caso de dúvida, a revelia declarada constituirá presunção de verdade dos fatos lícitos afirmados por quem obteve a declaração.(...) Temos então que o princípio utilizado na Argentina é o da ficta litiscontestatio (aplicado na generalidade dos casos), atenuado, nos casos de dúvida, pelo princípio da ficta confessio (aplicado subsidiariamente, quando há dúvida).76

Pela análise sucinta dos artigos do Código Procesal Civil y Comercial de la

Nacion Argentina, percebe-se que, na ocorrência da revelia do réu, este deixa de ser intimado

de alguns atos processuais, salvo a decisão que decreta a revelia e a sentença. O réu revel, por

conta de sua revelia, responderá pelas custas processuais, podendo, assim, adentrar ao

processo na fase em que ele se encontre, não podendo argüir matéria outrora preclusa, salvo

se justificar a revelia, demonstrando que decorre de causa invencível que não lhe pode ser

imputada.

Segundo o artigo 66 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nacion

Argentina, o revel que tomar o processo após passada a fase probatória na primeira instância,

poderá apelar da sentença e produzi-las em segunda instância, segundo determina o artigo

260, V, “a”. Caso haja a produção de prova em segunda instância e a parte contrária resultar

vencida, arcará o réu revel com as custas processuais, tendo em vista que foi ele quem deu

causa à revelia outrora ocorrida.76

76 Código Procesal Civil y Comercial de la Nacion Argentina. PRUEBA EN SEGUNDA INSTANCIA

110

4.2.4 Os efeitos da revelia no Paraguai

O Código de Processo Civil paraguaio, seguindo a mesma linha de conduta

do Código Procesal Civil y Comercial de la Nacion Argentina, conforme se pode aferir junto

ao artigo 69 do Codex deste país. Há, também, ao réu revel, a possibilidade de recurso da

sentença de primeira instância, podendo-se produzir prova em segunda instância, a teor do

que ocorre no sistema processual civil argentino (vide item acima). Segundo Benucci (2003,

p. 174), constata-se que tanto o sistema processual argentino quanto o paraguaio valem-se do

sistema da ficta litiscontestatio, mas há a ressalva da situação da dúvida, quando então o

magistrado poderá julgar segundo o sistema da ficta confessio.

Aliás, mencionado autor faz a reflexão de que há uma tendência mundial em

“se tratar o revel de modo mais severo”, conclusão com a qual não se concorda, tendo em

vista que tal conclusão dissocia-se do entendimento apresentado pela presente dissertação.

4.2.5 Os efeitos da Revelia na Venezuela

O Código de Procedimiento Civil, em seu artigo 362, prevê que o réu que

deixa de contestar a ação dentro do prazo estabelecido pela legislação venezuelana será tido

por confesso no que não seja contrário ao direito do autor, e desde que não produza nenhuma

prova que o favoreça. Benucci (2003, p. 175), ao citar Cuenca, informa que a legislação

venezuelana estabelece que, em não contestando a demanda, presumir-se-ão verdadeiros os

fatos alegados pelo autor da demanda (conforme previsão legislativa brasileira). Entretanto,

Art. 66. - Si el rebelde hubiese comparecido después de la oportunidad en que ha debido ofrecer la prueba y apelare de la sentencia, a su pedido se recibirá la causa a prueba en segunda instancia, en los términos del artículo 260, inciso 5, apartado a). Si como consecuencia de la prueba producida en segunda instancia la otra parte resultare vencida, para la distribución de las costas se tendrá en cuenta la situación creada por el rebelde.

111

poderá o magistrado decidir ou não pela condenação do réu revel, já que, ao que se percebe,

também nessa legislação a participação do demandado é ônus, e não dever ou obrigação, e,

por esta razão, contrariar o(s) pedido(s) do autor não é imposição ou encargo do qual o réu

tenha que, necessária e obrigatoriamente, se desincumbir.

Abaixo, in verbis, a legislação processual civil venezuelana:

Artículo 362 Si el demandado no diere contestación a la demanda dentro de

los plazos indicados en este Código se le tendrá por confeso en cuanto no sea contraria a

derecho la petición del demandante, si nada probare que le favorezca. En este caso, vencido

el lapso de promoción de pruebas sin que el demandado hubiese promovido alguna, el

Tribunal procederá a sentenciar la causa, sin más dilación, dentro de los ocho días siguientes

al vencimiento de aquel lapso, ateniéndose a la confesión del demandado. En todo caso, a los

fines de la apelación se dejará transcurrir íntegramente el mencionado lapso de ocho días si

la sentencia fuere pronunciada antes de su vencimiento.

Artículo 363 Si el demandado conviniere en todo cuanto se le exija en la

demanda, quedará ésta terminada y se procederá como en cosa juzgada, previa la

homologación del convenimiento por el Tribunal.

Artículo 364 Terminada la contestación o precluido el plazo para

realizarla, no podrá ya admitirse la alegación de nuevos hechos, ni la contestación a la

demanda, ni la reconvención, ni las citas de terceros a la causa.

4.2.6 Os efeitos da revelia no código de processo civil -tipo para a América Latina

O artigo 299 e subitens do Código de Processo Civil Modelo para a Ibero-

América trata da revelia e seus efeitos. Conforme concisamente explicitado por Bresolin

(2006, p. 56-57), é certo que referida legislação, desenvolvida pelo Instituto Ibero-Americano

112

de Direito Processual, tem como finalidade aprimorar a legislação e a justiça dos países da

América Latina.

Claro está que, no que se refere especificamente ao principal efeito da

revelia, o artigo 299.4 determina que os fatos alegados pelo autor somente serão tidos por

verdadeiros se não colidirem com as provas dos autos, prova esta que deverá ser produzida,

tendo os juízes amplos poderes instrutórios para buscar o esclarecimento dos fatos.

Veja-se que o Código Modelo, para além de ter sido criado para irradiar

eventuais mudanças nas legislações latino-americanas – e, espera-se que atinja também entre

nós seus objetivos, como o fez no Uruguai - certamente vem de encontro ao discorrido na

presente dissertação, dando à revelia (e principalmente ao seu principal efeito) um tratamento

mais consentâneo com os ideais de justiça das decisões, abandonando, por certo, a visão mais

severa contida nos ordenamentos jurídicos processuais que adotam o sistema da ficta

confessio.

Outrossim,

o decreto da revelia deverá ser comunicado ao réu, por meio de intimação pessoal em sua residência. Todos os atos subseqüentes, com exceção da sentença definitiva (a menos que publicada em audiência), serão comunicados pela imprensa oficial (artigo 299.3 c/c artigo 83 do Código Modelo e 339.3 c/c 78, 84 e 86 do Código Uruguaio). Por fim, poderá o revel comparecer em qualquer fase do procedimento, recebendo-o no estado em que se encontrar (artigo 299.6 do Código Modelo e 339.6 do Código Uruguaio). (BRESOLIN, 2006, p. 56-57)

4.3 Os efeitos da revelia no ordenamento jurídico brasileiro

Segundo Vicente Greco Filho (2006, p. 156),

Dois são os principais efeitos da revelia: a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor e a dispensa de intimação dos atos processuais, correndo os prazos sem a sua comunicação formal, inclusive a sentença.

Rita Gianesini (1977, p. 67), em sua clássica obra muitas vezes citada na

113

presente dissertação, ao tratar dos efeitos da revelia, assim se justifica:

Em sendo o réu revel poderão ocorrer, no procedimento comum ordinário, os seguintes efeitos: a) reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319); b) correrem os prazos, contra o revel, independentemente de intimação (art. 322, primeira parte); c) oportunidade de intervenção no processo a qualquer momento, recebendo-o no estado em que se encontrar (art. 322, segunda parte); d) julgamento antecipado da lide (art. 330); e) restrições com relação à instrução probatória; e f) nova citação do réu. No tocante aos procedimentos comum sumaríssimo e especiais regulados no Código ou previstos em leis extravagantes, poderão ocorrer alguns dos efeitos acima mencionados, além de outro ou outros específicos, correlacionados com as características próprias desses procedimentos. O mesmo ocorre com os processos de execução e cautelar.77

Assim ensina:

Segundo estabelece a concepção dogmática prevista nos arts. 319 e 322 do CPC, uma vez configurada a revelia, desencadeiam-se alguns efeitos jurídicos que poderão ser contrários aos interesses do revel. A norma processual prevê que a configuração da revelia autorizará a presunção de que os fatos narrados pelo autor serão reputados verdadeiros ; que contra o revel correrão os prazos processuais independentemente de intimação; que haverá julgamento antecipado da lide. (SOUZA, 2003, p 195).

Santos (1999, p 236-237) afirma que

o primeiro desses efeitos está expresso no art. 319 do referido Código: “Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”. A falta de contestação redunda na presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, ficando este, de tal forma, exonerado do ônus de prová-los.[...] Outro efeito da revelia consiste no prosseguimento do processo independentemente de intimação do réu. [...] Efeito, ainda de ordem processual, decorrente da revelia, é o da simplificação do procedimento. Visto que a falta de contestação faz reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, não havendo, assim, fatos a serem dependentes de prova, dar-se-á o julgamento antecipado da lide.

Marinoni e Arenhart (2004, p. 142-143), in verbis:

Verificada a ocorrência da revelia no feito, prevê a lei que o réu revel sofra inúmeras conseqüências em razão de sua renitência em colaborar com o Judiciário. Esses efeitos podem ser de ordem material, quando se destinem a influenciar a resolução do mérito da ação (como é o caso da presunção de veracidade dos fatos), ou processual, quando apenas alterem os critérios da relação jurídica processual (situação em que encaixa o julgamento antecipado da lide e o prosseguimento do processo sem a intimação do réu revel).

77 Repise-se que a autora faz questão de dizer que poderão ocorrer, o que, fatalmente, se leva a concluir que nem sempre os efeitos por ela mencionados ocorrerão.

114

Da análise da farta doutrina acerca do assunto, é de se perceber que há

poucas variantes acerca do entendimento doutrinário acerca do tema proposto.

Alguns autores apontam tão-somente dois efeitos que podem decorrer da

revelia, quais sejam: a presunção78 de veracidade dos fatos afirmados pelo autor (artigo 319

do Código de Processo Civil) e a dispensa de intimações (artigo 322 do Código de Processo

Civil), e autores outros acrescem a estes dois efeitos a questão do julgamento antecipado da

lide, previsto no artigo 330, II do Código de Processo Civil. Há autores que também apontam

como natural conseqüência da revelia a simplificação do procedimento.

4.3.1 Reputação da verdade dos fatos afirmados pelo autor - artigo 319 do Código de Processo Civil

O artigo 319 do Código de Processo Civil, acompanhando o sistema da ficta

confessio, estabelece o principal dos efeitos decorrentes da revelia, prevendo que “Se o réu

não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.”

É certo que o artigo 319 do Código de Processo Civil prevê o principal

efeito da revelia. Tal norma legal está relacionada ao ônus da impugnação especificada,

tratado alhures, dos fatos apontados pelo autor como constitutivos de seu direito. Também é

correto dizer que, da leitura dogmática do artigo supramencionado, descumprida a regra

(ônus) da impugnação, os fatos, a priori, permaneceriam incontroversos ou, como afirma

Dinamarco (2005, p. 463), pontos de fato, acompanhando entendimento de Moacir Amaral

Santos (1999, p. 498-499) e, por esta razão, impossibilitada estaria de haver, acerca desses

fatos incontroversos, a produção de prova, com fulcro no artigo 334, III, do Código de

Processo Civil.

Além disso, é bom ressaltar que o efeito da revelia previsto no artigo em

78 Embora, em item próprio, discutir-se-á se se está a tratar ou não de presunção propriamente dita.

115

comento, por óbvio, não alcança a matéria que o juiz possa conhecer de ofício, já que não se

trata de fatos, bem como fatos inverossímeis e improváveis.

À primeira, vista, e levando-se em conta uma interpretação dogmática do

texto da legislação ordinária brasileira, conforme se pode aferir da leitura do artigo

retromencionado, estabelece-se a reputação de que, em não havendo a contestação da

demanda proposta pelo autor, respeitando-se o ônus da impugnação especificada, verdadeiros

serão os fatos por este afirmados.

Bresolin (2006, p. 95) assim assevera, já para mais à frente criticar a postura

do legislador brasileiro da época:

[...] a interpretação do disposto nos artigos 319, 330 inciso II e 322 do Código de Processo Civil, preocupada exclusivamente com aspectos técnicos, numa visão introspectiva do processo pelo processo, sem qualquer preocupação com os resultados práticos produzidos na vida das pessoas, revela que o atual Código de Processo Civil disciplinou os efeitos da revelia de forma coerente e sistemática. Sob tal abordagem, uma vez caracterizada a revelia, tendo em vista que necessariamente o réu que não comparece ao processo deixa de impugnar os fatos narrados na inicial, resultariam todos eles incontroversos e reputados verdadeiros (artigo 319 do CPC). Isso porque, formalmente, todos os fatos alegados pelo autor remanesceriam como pontos de fato, não ingressariam no objeto da prova (artigo 334, III do CPC) e, salvo as poucas exceções expressamente trazidas pela lei, deveriam ser aceitos pelo juiz na fundamentação da sentença.

Portanto, e antes de maiores considerações acerca do assunto, é certo que a

opção do legislador brasileiro, na época, acabou por estabelecer uma previsão legal severa,

que não se coaduna com a abordagem processual-constitucional da presente dissertação.

Todavia, ainda que os julgados apresentados no presente trabalho tenham o escopo de

evidenciar a relativização dessa severidade legislativa, é preciso tratar do assunto, mormente

no que se refere à natureza jurídica do efeito previsto pelo artigo 319 do Código de Processo

Civil.

116

4.3.1.1 A natureza jurídica do efeito previsto pelo artigo 319 do Código de Processo Civil: confissão ficta, presunção absoluta ou presunção relativa?

Proliferam, na doutrina pátria, várias correntes acerca da natureza jurídica

deste efeito decorrente da revelia, que, por certo, é o principal deles. Parcela considerável da

doutrina perfilha o entendimento de que a natureza jurídica em questão seria a de

“presunção”. Outrossim, ora a tratam como sendo “presunção absoluta”, ora como “presunção

relativa”, dando margem a um sem-número de considerações doutrinárias acerca do assunto.

Há também quem entenda ser “confissão ficta”.

É evidente a importância de tal questão, na medida em que, traçada a

natureza jurídica do principal efeito da revelia, poder-se-á abordá-la segundo o propugnado

pela presente dissertação.

Segundo o Dicionário de Processo Civil (CRETELLA JUNIOR, 2002, p.

380), o verbete PRESUNÇÃO é assim definido:

Conclusão a que se chega a respeito de fato desconhecido ou duvidoso, com base no pressuposto de certeza quanto à existência e veracidade de outros fatos. Não é considerada meio de prova, e sim, quando absoluta, uma forma de que se vale o legislador para permitir que se considere válido determinado ato jurídico, sem a necessidade de prová-lo. E, mais à frente, melhor explicitando as modalidades ora mencionadas: PRESUNÇÃO ABSOLUTA (IURIS ET DE IURE). Aquela que, por imposição legal, não admite prova em sentido contrário. Tem por efeito fazer prova irrefutável dos atos e fatos a respeito dos quais é aplicável. Independem de PROVA os fatos em cujo favor milita PRESUNÇÃO legal de existência ou de veracidade (CPC, art. 334, IV). PRESUNÇÃO RELATIVA (IURIS TANTUM). Também denominada PRESUNÇÃO CONDICIONAL . Aquela estabelecida por lei, passível de ser contestada, mediante apresentação de prova em sentido contrário.

O mesmo dicionário (CRETELLA JUNIOR, 2002, p. 112-113), assim

define CONFISSÃO:

admissão ou reconhecimento feito por uma das partes do litígio, da verdade de um fato, simultaneamente contrário ao seu interesse, e favorável ao adversário. “e, mais á frente, define CONFISSÃO FICTA : Aquela que se presume, e é imposta como pena pelo juiz, devido à recusa da parte a comparecer ou a depor. Presumir-se-ão verdadeiros os fatos contra a parte alegados, caso compareça ou, comparecendo, se recusar a depor (CPC, art. 343, && 1° e 2°).

117

Ensina Vicente Greco Filho (2006, p. 193):

A presunção não é, portanto, um meio de prova, mas sim uma forma de raciocínio do juiz, o qual, de um fato provado, conclui a existência de outro que é o relevante para produzir a conseqüência pretendida. ( ...) A presunção legal absoluta é aquela que não admite prova em contrário, ou seja, a lei reconhece determinada situação proibindo que se faça prova em contrário ou tornando irrelevante qualquer tentativa de prova em contrário. O juiz não pode convencer-se em sentido contrário a uma presunção legal absoluta.

Ao tratar sobre confissão, assim se expressa o mesmo autor (CRETELLA

JUNIOR, 2006, p. 203):

A confissão é a admissão de um fato contrário ao próprio interesse e favorável ao adversário. A rigor, a confissão não é meio de prova, mas é a própria prova, que se produz através do depoimento pessoal, por documentos, etc. (...) A confissão judicial pode ser expressa ou tácita. A confissão expressa é a formulada efetivamente pela parte ou seu procurador; a confissão tácita ou presumida é a que decorre da revelia (art. 319), da falta de impugnação especificada dos fatos (art. 302), da falta de comparecimento ou recusa de depor (art. 343, § 2º), ou da recusa em exibir documento por determinação do juiz (art. 359).

É preciso definir e traçar os contornos e delineamentos acerca do assunto.

Perseguir a natureza jurídica do principal efeito da revelia não é de somenos importância,

principalmente quando há remansosa dissensão doutrinária e jurisprudencial79 perante os

Tribunais brasileiros – há utilização de todo tipo de terminologia para tratar a natureza

jurídica do principal efeito da revelia, e, com isso, entende-se importante traçar os

posicionamentos, a fim de que se aclare e se demonstre as imprecisões terminológicas que

acabam por acontecer no cotidiano forense.

Outrossim, não é demais lembrar que, fixado o teor da natureza jurídica do

efeito previsto pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, poder-se-á questionar se o

magistrado precisará ou não estar adstrito à admissão dos fatos alegados pelo autor, a teor do

previsto pela norma em comento.

79 Prevalece, contudo, nos Tribunais brasileiros, a tese de que seria presunção relativa a natureza jurídica do principal efeito da revelia preconizado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil.

118

4.3.1.1.1 Confissão ficta

Por certo que não se está a tratar, na espécie, de confissão, a teor do previsto

no artigo 348 do Código de Processo Civil.

Há confissão, conforme preconizado pelo artigo 348 , quando a parte admite

a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário, podendo ser

judicial como extrajudicial.

Conforme nos ensina Rita Gianesini (1977, p. 77),

Realmente, a definição de confissão contida no art. 348 não se coaduna com o efeito preconizado no art. 319, pois não se trata de uma “admissão” dos fatos por parte do réu, mas, sim, da elevação de uma determinada conseqüência da não apresentação, pelo réu, de contestação à categoria de presunção.

4.3.1.1.2 Presunção absoluta (iuris et de iure)

Rita Gianesini (1977, p. 74-75), em sua clássica obra sobre a revelia, é dos

autores que se filiam à tese de que a previsão contida no artigo 319 do Código de Processo

Civil é presunção absoluta. A saber:

O art. 319 do Código de Processo Civil estabelece uma presunção. Não se há de considerar de nenhuma valia ou efeito a expressão “presumirão”, usada pelo legislador no art. 285.(...) De acordo com o determinado pela lei adjetiva vigente, a revelia determina como presunção de verdade os fatos articulados pelo autor.” ( Apelação n. 230.435, RT 463/94; RF 246/349). Trata-se de presunção absoluta ou iuris et iure. Com efeito, a presunção legal absoluta decorre da própria lei, e, em ocorrendo, deverá ser aplicada pelo magistrado, não admitindo prova contra ela. É justamente o que ocorre na hipótese de o réu citado não apresentar contestação, e o caso concreto não se enquadrar nas exceções estabelecidas àquela regra. Isto é, serão reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor.

E faz a ressalva:

Com efeito, da afirmativa de que a presunção absoluta não admite prova em contrário, absolutamente não se infere que aquele que dela vai se beneficiar não deverá provar a ocorrência dos requisitos que compõem o auxiliar: citação do réu, decurso in albis do prazo para contestação; o caso concreto não se enquadrar nas

119

hipóteses capazes de elidir o efeito do art. 319.(...) Assim, o juiz considerará verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, não porque houvesse diretamente percebido o fato, nem porque os meios de prova representaram-no, mas porque a lei assim o estabelece. Além do mais, estabelece o art. 334, n. IV, que independem de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência de veracidade. (1977, p. 76).

Como se pode perceber, a visão perfilhada pela ilustre doutrinadora, talvez

fruto do entendimento doutrinário e jurisprudencial existentes à época, é dogmática e

extremamente rígida, visto que desconsidera, por completo, a busca pela verdade real e o

papel que o magistrado deve assumir frente à condução do processo e aos princípios

constitucionais que devem nortear o atual direito processual civil brasileiro.

Sendo o processo instrumento que deve servir à busca da verdade real, a fim

de que a justiça possa ser corolário da decisão propugnada por um magistrado, impensável,

atualmente, à vista do amplamente propugnado, fazer coro e aderir ao entendimento acima

demonstrado.

Ainda que mais não fosse, o entendimento jurisprudencial contemporâneo,

mais consentâneo à concepção publicista e instrumentalista do processo, demonstrado à

evidência, corrobora o acima mencionado.

4.3.1.1.3 Presunção relativa (iuris tantum)

A maioria da doutrina brasileira posiciona-se no sentido de ter o efeito

previsto no artigo 319 do Código de Processo Civil a natureza jurídica de presunção relativa.

Ademais, o mesmo se pode perceber quando da análise dos julgados dos mais variados

Tribunais brasileiros80.

80 Há julgados abaixo transcritos que bem demonstram o acima alegado : “Revelia – Efeitos – Presunção de veracidade relativa – Reconhecimento. Locação imobiliária comercial. Despejo por falta de pagamento c/c cobrança. Há contrato escrito de locação. O requerido tem legitimidade para figurar no pólo passivo da lide. Réu revel. Aplicam-se os efeitos da revelia, mas a presunção de veracidade das alegações contidas na exordial é “iuris tantum”. Assim, as parcelas efetivamente quitadas devem ser abatidas da condenação. Inexistência do

120

Certo é que, ainda que haja controvérsias acerca da natureza jurídica da

revelia, oportuno destacar que o previsto no artigo 319 do Código de Processo Civil deve ficar

adstrito à matéria fática alegada pelo autor na exordial, o que, por evidência, exclui a matéria

de direito. E, no que se refere aos fatos, importante frisar que nem todos os fatos trazidos aos

autos pelo autor da demanda serão tidos por verdadeiros, mas tão-somente os verossímeis,

críveis ou notórios. (MOREIRA, 2002, p. 98)81.

Afirma Bresolin (2006, p. 126):

A presunção relativa, modalidade de presunção legal tal qual a presunção absoluta, também se caracteriza por ser um juízo lógico previsto em lei, por força do qual se considera ocorrido um fato não demonstrado (fato presumido), desde que provados os fatos que a lei considera como bases para a presunção (fatos auxiliares). Diferencia-se a presunção relativa da absoluta por admitir a primeira a prova em contrário, ou, mais precisamente, por ser eficaz a demonstração de inocorrência do fato admitido por presunção relativa. (grifos nossos).82

direito de retenção por benfeitorias. Dá-se parcial provimento ao apelo do inquilino/réu.( 2° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. s/ Rev. 704.080-00/0 – 3ª Câm. – Rel. Dês. Campos Petroni – J. 29.3.2005); “ Revelia – Efeitos – Presunção de veracidade relativa – decisão de acordo com o livre convencimento do juiz – admissibilidade.A presunção de veracidade da revelia não incide sobre o direito da parte mas sim sobre a matéria de fato, mas é relativa, pois a revelia não afasta o livre convencimento do juiz que tem o dever de rechaçar pretensões infundadas. ( 2° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. c/ Ver. 681.421-00/0, 2ª Câm. – Rel. Des. Felipe Ferreira – j. 21.2.2005); “Dano Moral – fornecimento de cartão de crédito sem prévia solicitação do consumidor. Legitimidade passiva ad causam do banco que efetua a cobrança de dívida não contraída. Administradora de cartão de crédito que faz parte do mesmo grupo econômico que a instituição financeira responsável pelo borderô. Responsabilidade solidária dos integrantes da cadeia de fornecimento de serviços por eventual cobrança indevida. Inteligência dos artigos 3°, 7°, parágrafo único e 14 do CDC. Revelia – presunção relativa de veracidade dos fatos alegados na inicial que não impede a fixação do valor da indenização aquém do estimado na pretensão inicial, haja vista que ao julgador cabe a análise da adequação com o fato danoso. Arbitramento que se dá por equidade e dentro dos limites de razoabilidade. Ação procedente. Recurso provido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 6ª Câm A da Seção de Direito Privado. Ap. 174.318.4/1. ). ( grifos nossos). 81 “A despeito do teor literal do art. 319, não fica o juiz vinculado, ao nosso ver, à aceitação de fatos inverossímeis, notoriamente inverídicos ou incompatíveis com os próprios elementos ministrados pela inicial, só porque ocorra a revelia; ademais, o pedido poderá ser declarado improcedente, v.g., em conseqüência da solução da questão de direito em sentido desfavorável ao autor. “ 82 Embora esse autor, p. 143-144, posicione-se no sentido de que o efeito do artigo 319 do Código de Processo Civil, a rigor, não se configura como presunção relativa, mas sim como hipótese específica de inversão do ônus da prova. Entrementes, mais à frente conclui: “Quer seja de presunção relativa a natureza jurídica do efeito da revelia determinado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, como entende a maioria da doutrina e a quase totalidade da jurisprudência, quer se trate de hipótese específica de inversão da regra de julgamento determinada pelo ônus da prova, como sustentado acima, o resultado concreto da aplicação de tal dispositivo é idêntico : inverte-se o ônus da prova e o réu que ingressa tardiamente no processo passa a ter o ônus de demonstrar a inocorrência dos fatos constitutivos do direito do autor, ou, mais precisamente, o réu será desfavorecido pela regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz, no momento de sentenciar, se não estiver convencido nem da ocorrência e nem da inocorrência dos fatos constitutivos alegados pelo autor; ao contrário do que faria normalmente, por força da inversão do ônus da prova, o juiz admitirá como existentes tais fatos, em que pese a dúvida sobre sua ocorrência. “

121

Gonçalves (2006, p. 407), filia-se aos doutrinadores que entendem ser este

efeito decorrente do artigo 319 do Código de Processo Civil como sendo presunção relativa.

In verbis:

A presunção de veracidade decorrente da revelia, no entanto, não é absoluta e sofreu atenuações que merecem ser analisadas.Cumpre lembrar, inicialmente, que a presunção de veracidade restringe-se às alegações dos fatos mencionados pelo autor, e jamais ao direito invocado. O que o juiz presume é a verdade dos fatos, mas nem por isso ele está obrigado a retirar deles a conseqüência jurídica pretendida pelo autor. O juiz, que conhece o direito, atribuirá àquela que for prevista pelo ordenamento jurídico.

Nesse sentido:

A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deve ser julgada procedente a ação. Isso pode não ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às conseqüências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem. (STJ, 3ª Turma, Resp 14.987-CE, Rel. Min. Eduardo Ribeiro).

Além disso, ainda segundo Gonçalves (2006, p. 407-408),

a presunção de veracidade dos fatos é relativa e não absoluta. O juiz nem sempre será obrigado a considerar verdadeiras as alegações do autor. Ele deve examinar-lhes a verossimilhança dando-lhes credibilidade se a merecerem. A simples ausência de contestação não pode fazer o juiz presumir verdadeiros fatos que contrariam o senso comum ou que se mostram inverossímeis, improváveis ou que contrariem outros elementos dos autos ou fatos notórios. A Lei do Juizado Especial, no artigo 20, estabelece que a revelia faz presumir verdadeiros os fatos narrados na inicial, “salvo se o contrário resultar da convicção do juiz.” Essa regra vale também para o CPC. “Mas, na sentença, o juiz deverá fundamentar o motivo pelo qual, apesar da revelia, não presumiu verdadeiros os fatos, indicando as razões de sua convicção. (grifos nossos).

Marinoni e Arenhart (2004, p. 143), ao fazerem a abordagem acerca dos

efeitos da revelia, o fazem, de antemão, ressalvando a injustiça da previsão legal insculpida no

artigo 319 do Código de Processo Civil, mormente quando se faz dela a interpretação literal,

tendo em vista a enorme disparidade social, econômica e cultural observada dentre as

camadas sociais brasileiras – ressalvando, in verbis, o grau de “ignorância”- de parcela

considerável da população brasileira, somado ao fato da dimensão geográfica nacional e a

122

dificuldade de acesso ao Judiciário. Mas, ainda assim, explicita o entendimento aqui

destacado. (2004, p. 143):

ainda que essa presunção possa ser considerada como válida, ela será apenas iuris tantum, advertindo-se, ademais, que o réu pode comparecer quando citado e apresentar apenas reconvenção e exceção (deixando portanto de oferecer contestação), comparecer no processo e nada apresentar como resposta, ou simplesmente não comparecer, ficando inerte.

Ainda que , ao que parece, fazendo menção à presunção relativa e à

confissão ficta, assim se pronuncia Vicente Greco Filho (2000, p. 142):

a presunção de veracidade decorrente da revelia não é absoluta. Se há elementos nos autos que levem a conclusão contrária não está o juiz obrigado a decidir em favor do pedido do autor. Na prática o que ocorre é que a falta de contestação e a conseqüente confissão ficta esgotam o tema probatório, de modo que, de regra, a conseqüência é a sentença favorável ao demandante. Não está, porém, excluída a hipótese da existência de outros elementos que levem à convicção contrária, daí se dizer que a presunção do art. 319 é relativa e não absoluta, tudo em consonância com o princípio da livre apreciação da prova e da persuasão racional (art. 131). [...] É necessário, ainda, observar que, conquanto presumidos os fatos em virtude da revelia, continua o juiz com a liberdade e responsabilidade de aplicar a eles a correta norma legal. Dos fatos alegados nem sempre decorrem as conseqüências jurídicas pretendidas, de modo que, nesse aspecto, a revelia nenhum efeito produz, porque de exclusiva atribuição do juiz, segundo o princípio iura novit curia (o juiz conhece o direito) ou da mihi facta, dabo tibi jus (dá-me os fatos que te darei o direito).

Eduardo Arruda Alvim (2000, p. 461-469), que conceitua a revelia como o

“não oferecimento válido e tempestivo da contestação”, e antes mesmo de tratar do efeito

previsto pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, insiste acerca da necessidade de se

fazer constar do mandado citatório a advertência de que, se não contestada a ação, presumir-

se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.

Ainda que fazendo a ressalva (ARRUDA ALVIM, 2000, p. 417), na mesma

obra acima citada, de que se trata impropriamente de presunção (ARRUDA ALVIM, 2000, p.

417), Eduardo Arruda Alvim entende que se trata

[...] como se vem insistindo, de presunção juris tantum, isto é, vencível por prova em sentido contrário, desde que, soberanamente à luz da convicção do juiz, resulte a não veracidade dos fatos constitutivos do pedido do autor.

123

Também se pode inferir da leitura atenta da obra Contraditório e Revelia

(SOUZA, 2003, p. 196-198) que não é outro o seu entendimento que não o de que seja

relativa a presunção decorrente do artigo 319 do Código de Processo Civil. Destaque-se, por

oportuno, o previsto a fls. 198, in verbis:

Não é pelo fato de o réu deixar de responder ao pedido formulado pelo autor, que o Juiz não poderá levar em consideração provas posteriormente inseridas no processo, até mesmo quando provenientes da própria iniciativa probatória do juiz, modernamente preconizada sem qualquer limite ou restrição, em face dos poderes instrutórios do juiz.

Também assim se pronuncia, atualmente, o professor Cândido Rangel

Dinamarco (2005, p. 533-534)83, in verbis:

É relativa e não absoluta a presunção estabelecida pelos arts 302 e 319 do Código de Processo Civil. Pela técnica das presunções relativas, a lei exclui a necessidade de prova sobre um fato, o que significa que ele permanece fora do objeto da prova e o interessado, dispensado do onus probandi (art. 334, inc. III: supra, n. 821). (...) Como toda presunção relativa, também essa não tem o valor tarifado e invariável próprio aos sistemas de prova legal. No sistema da livre apreciação da prova segundo os autos (livre convencimento, art. 131...), o juiz dar-lhe-á o valor que sua inteligência aconselhar, feito o confronto com o conjunto dos elementos de convicção eventualmente existentes nos autos e levando em conta a racional probabilidade de que os fatos hajam ocorrido como disse o autor. A Lei dos Juizados Especiais , que impõe o efeito da revelia ao réu que não comparece, faz a expressa ressalva : “salvo se o contrário resultar da convicção do juiz” (art. 20); essa é uma norma federal de direito processual, posterior ao Código de Processo Civil, que se impõe em todos os setores do processo civil nacional. A convicção contrária pode resultar da existência de prova nos autos, desmentindo ou pondo em dúvida as alegações do autor; essa prova pode ter sido produzida até por este mesmo (princípio da aquisição da prova) ou pelo réu que, embora apresentando resposta tardia e por isso sendo revel, haja trazido documentos aos autos. A relativização do efeito da revelia e do ônus da impugnação especificada dos fatos é uma constante na jurisprudência brasileira.

Aliás, cumpre destacar que Dinamarco (2005, p.192) assevera, no que

concerne à apresentação de contestação após o prazo legal.

83 É certo que referido autor alterou seu posicionamento, consoante o previsto na RePro41, p 191-192, “Ônus de Contestar e efeito da revelia”. Assim se posicionou, à época, o ilustre processualista das Arcadas: “Repugna-me considerar como presunção esta solução do art. 319, com relação a fatos que não integraram o objeto da prova, pois que incontroversos.(...) Parece-me que a situação é muito análoga à de presunção, porque há também o fato não controverso: dispensa concedida ao autor. Mas não é tecnicamente uma “presunção”, no ponto de vista ortodoxo do conceito.”

124

imagine-se, p. ex., a situação de um réu que não contestou no prazo. Ao cabo do 15° dia do procedimento ordinário, ele ficou revel. Aplicou-se o efeito da revelia. Estamos no 16° dia, e a contestação veio, com documentos. Os juízes de São Paulo, a meu ver com bom senso, adotaram o critério de fazer desentranhar a contestação somente, deixando os documentos nos autos. Isso me parece uma manifestação inequívoca de se considerar relativa essa presunção. Ela existe, mas não fecha as portas para a prova contrária. Se sobrevier prova contrária, estará desfeita a presunção.

Pode-se concluir que, majoritariamente, a doutrina, acompanhada da grande

maioria dos julgados atuais84 sobre o tema aponta que o principal efeito da revelia tem a

natureza jurídica de presunção relativa.

Entrementes, ainda que partilhando da afirmação acima apontada, não se

pode deixar de apontar os entendimentos abaixo apresentados, que, pela contemporaneidade

dos mesmos, merecem destaque e item específico.

4.3.1.1.3.1 Um “plus” à questão da natureza jurídica do artigo 319 do Código de Processo Civil: sendo presunção relativa – ou não - inverte-se ou não o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos do direito do autor quando do julgamento da demanda?

É certo que o ônus da prova é regra de julgamento, conforme amplamente

noticiado em capítulo próprio na presente dissertação.

84 “Citação – Nulidade – não caracterização – carteiro que não tem poderes para exigir a recepção da missiva por parte de sócio ou gerente da pessoa jurídica e verificar seus poderes – recurso provido por outro motivo. Indenização – perdas e danos – REVELIA. – Presunção Relativa – Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça – Ré que, apesar de revel, conseguiu demonstrar não ter se omitido na defesa dos autores. – Ação Improcedente – Recurso Provido. (TJ/SP Apelação Cível n. 131.742-4/1, 7ª Cam. Dir. Privado, 19/02/03); DANO MORAL – Indenização – Inadmissibilidade – Funcionário de empresa privada dispensada sem justa causa – ausência de pagamento de direitos trabalhistas – Inexistência de normas a agasalhar o pedido de indenização por danos morais e materiais reclamados pelo autor na inicial pela culpa da pessoa jurídica e da sócia da empresa pelo descumprimento do dever de quitar as verbas trabalhistas reclamadas perante a Justiça Federal (JCJ) REVELIA – Presunção relativa, e não absoluta – efeitos que incide sobre o direito das partes, mas tão-somente quanto à matéria de fato, cujo procedimento não afasta o exame de circunstâncias a possibilitar a entrega da atividade jurisdicional pelo mérito. O fato de estar o autor desempregado em difícil situação econômica face ao regime de recessão pelo qual atravessa o país não autoriza a procedência da ação porquanto o empregado da atividade privada não encontra-se amparado pelo regime da estabilidade. Por esse motivo pode ser dispensado com ou sem justa causa de acordo com as conveniências da empresa desde que observe os direitos dos empregados de acordo com a CLT – Recurso desprovido – Preliminares rejeitadas. ( TJ/SP apelação com revisão n. 061.495-4/9 – 7ª Câm. Direito Privado – 02/12/1998).

125

Apresentados os variados posicionamentos acima expostos, cumpre analisar

se o efeito previsto pelo artigo 319 do Código de Processo Civil inverte ou não o ônus da

prova quanto aos fatos que o autor apresenta como sendo os constitutivos do seu direito.

Ainda que haja dissensão entre alguns autores, notadamente os que

atualmente vêm tratando do tema com mais profundidade, em especial quanto à natureza

jurídica desse efeito (BRESOLIN, 2006, p 129)85 é importante destacar as posições

antagônicas acerca do acima mencionado, ou seja, o artigo 319 do Código de Processo Civil

inverte ou não o ônus da prova?

Candido Rangel Dinamarco (2005, p. 543-544), assim preleciona:

No momento da revelia ou da não–impugnação específica o autor ficou liberado do ônus de provar e seria contrário ao direito positivo considerar que essa presunção já consumada fosse neutralizada por um comportamento extemporâneo do demandado. Como toda presunção se resolve em inversão do ônus probatório, o réu que se dispõe a provar tem o ônus de convencer o juiz do contrário, não -obstante a regra que em tese atribui ao autor o ônus da prova dos fatos constitutivos de seu alegado direito (art. 333, inc. I); e nisso consiste a inversão do ônus da prova. A conseqüência prática é que, permanecendo a dúvida ao cabo da instrução, o juiz julgará os fatos constitutivos como ocorridos e não como não-ocorridos, como ordinariamente faria; a inversão do ônus da prova é, essencialmente, inversão da regra de julgamento.

Acompanhando entendimento acima mencionado, (BRESOLIN, 2006,

p.130) entende que há inversão do ônus da prova - muito embora reste claro seu

posicionamento acerca da natureza jurídica prevista pelo artigo 319 do Código de Processo

Civil como não sendo presunção relativa - o que se depreende com facilidade das ps 129 e

seguintes do seu trabalho.

Segundo Bresolin (2006, p 137), a natureza jurídica do artigo 319 do

Código de processo civil não é “presunção relativa”, mas sim “inversão da regra de

julgamento decorrente do ônus da prova”. Por conta disso, assinala:

85 Firma posicionamento no sentido de que não é presunção relativa, mas sim inversão da regra de julgamento decorrente do ônus da prova”; MEDEIROS, (2003), entende que não é presunção, nem mesmo relativa, pois se assim fosse inverteria o ônus da prova, com o qual ela não concorda, o que se pode aferir do que segue neste capítulo.

126

Nesse aspecto, aderimos integralmente à conclusão do ilustre professor das Arcadas: revel o réu e aplicado o efeito da revelia ora em exame, inverte-se o ônus da prova e ao final da instrução probatória, se o juiz não tiver elementos para aferir se ocorreram ou não os fatos constitutivos do direito do autor, permanecendo em estado de dúvida, decidirá pela ocorrência de tais fatos. (grifos nossos)

Todavia, esse autor (BRESOLIN, 2006, p 141) faz a ressalva de que, sendo

presunção relativa ou inversão da regra de julgamento decorrente do ônus da prova do fato

constitutivo do direito do autor – e, repise-se, somente do fato constitutivo do direito do autor

(art. 333, I, do Código de Processo Civil), a conseqüência é a mesma:

inverte-se o ônus da prova e o réu que ingressa tardiamente no processo passa a ter o ônus de demonstrar a inocorrência dos fatos constitutivos do direito do autor, ou, mais precisamente, o réu será desfavorecido pela regra de julgamento a ser aplicada pelo juiz, no momento de sentenciar, se não estiver convencido nem da ocorrência e nem da inocorrência dos fatos constitutivos alegados pelo autor; ao contrário do que faria normalmente, por força da inversão do ônus da prova, o juiz admitirá como existentes tais fatos, em que pese a dúvida sobre sua ocorrência. (grifos nossos).

Exposto dessa maneira, faz o mencionado autor a ressalva (BRESOLIN,

2006, p. 141) de que, aplicado o efeito da revelia contido no artigo 319 do Código de

Processo Civil, e não estando o juiz convencido dos fatos alegados pelo autor como

constitutivos de seu direito, e desde que esses fatos sejam ao menos prováveis e tenham um

mínimo grau de plausibilidade – ou seja, está o juiz ainda em dúvida quanto a estes fatos –

poderá, na medida do possível, permitir a investigação de tais fatos, determinando, até mesmo

de ofício, a produção de provas acerca deles, ressalvando, inclusive, que poderá o réu revel

ingressar tardiamente no processo e participar da instrução processual produzindo provas.

Bresolin (2006, p 142-143), in verbis:

como o ônus da prova funciona como regra de julgamento, a ser aplicada somente se o juiz não tiver outros elementos para crer ou descrer nas afirmações de fato feitas pelo autor, finda a instrução, no momento do julgamento, se o juiz permanecer em total estado de dúvida em relação a tais alegações, não existindo qualquer prova que conduza o seu convencimento num sentido ou em outro, por não poder pronunciar o non liquet, considerará ocorridos os fatos alegados pelo autor, nada obstante a ausência de prova, por força do disposto no artigo 319 do Código de Processo Civil , e aplicará o direito cabível a tais fatos.

127

Outro é o entendimento de Maria Lucia L C de Medeiros (2003, p. 107):

[...] realmente, o efeito da revelia de que trata o art. 319 do CPC não equivale à presunção nem mesmo relativa, pois, na presunção relativa, há a inversão do ônus da prova e, no caso da revelia, essa inversão não acontece necessariamente: ao autor continua cabendo o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito.” Mais à frente (MEDEIROS,2003, p. 110-111), arremata, ao citar julgados do STJ que: “... o que reforça nossa conclusão de que o efeito a que se refere a regra do art. 319 do CPC não é presunção relativa (em que há a inversão do ônus da prova), nem muito menos absoluta. Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, “se trata de um efeito processual, que não se assimila à idéia de presunção. (grifos nossos).

A doutrinadora, acima citada (MEDEIROS, 2003, p. 118), faz menção

expressa que

O que se evidencia, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, é que o rigor da regra do art. 319 do CPC tem sido atenuado por interpretação que se faz dessa regra à luz do princípio da ampla defesa e do contraditório, assegurados constitucionalmente, e do livre convencimento motivado , de maneira a não se impor ao juiz que, mesmo em face de dúvida séria a respeito de como os fatos se passaram – dúvida resultante da simples leitura da petição inicial ou da análise de elementos constantes dos autos – tenha que julgar a favor do autor, porque, por ficção legal, esses fatos não impugnados reputam-se verdadeiros.

Outrossim, quando, no item acima, faz-se menção a variados entendimentos

acerca da natureza jurídica da revelia, aos quais se pede venia para que a eles se reportem,

ainda que não de forma contundente, os mesmos aludem a tal assunto, o que leva a crer que

ainda há dissenso doutrinário. Veja-se, a propósito, entendimento de Eduardo Arruda Alvim

(2000, p. 467-468), que assim se manifesta:

é preciso ter presente que os fatos constitutivos invocados pelo autor deverão ser efetivamente havidos como verdadeiros, mas isto não significa que a mera revelia os torne verdadeiros. Do contrário, se assim fosse, o processo seria constitutivo de direitos, o que não se compadece com a natureza do processo. Por outras palavras, não é pela circunstância de ter ocorrido revelia que, pura e simplesmente, tornar-se-iam verdadeiros os fatos constitutivos, quando, evidentemente, não forem ou não possam ser havidos como verdadeiros.

Por tudo até o presente momento exposto, conclui-se que, a despeito de

alguns entendimentos contrários (BRESOLIN, 2006; MEDEIROS, 2003; ALVIM, 2000), a

natureza jurídica do principal efeito decorrente da revelia trata-se de presunção relativa.

128

Entretanto, a despeito da ampla discussão travada por Bresolin, mais correta

é a posição apontada por Medeiros (2003) visto que o juiz, por conta de seus poderes

instrutórios (e não arbitrários – registre-se), a busca da verdade real, o princípio do livre

convencimento, não pode decidir, pura e simplesmente, por conta da ausência do réu ao

processo – deve, antes de tudo, ao decidir, ter subsídios suficientes que possam motivar a sua

decisão.

O simples fato de ter sido decretada a revelia do réu não o impele – e não

faz com que o magistrado tenha o dever de julgar favoravelmente ao autor, quando ainda não

estiver convicto das alegações que constituem o mencionado direito do autor. Se não há

convicção, como fundamentar sua decisão? O fará tão-somente pelo fato de ter sido decretada

a revelia do réu?

Por tudo que já foi exposto, devem prevalecer o princípio da motivação das

decisões judiciais e a verdade real86. A formal, a despeito da previsão contida no artigo 319 do

Código de Processo Civil, deve ser rechaçada. O só fato de ser presunção relativa o

preconizado no artigo 319 não dá guarida a que o julgador tenha, obrigatoriamente, que

aceitar, formalmente, aquilo que não restou evidenciado nos autos.

Portanto, o autor, mesmo no caso da revelia do réu, deverá provar os fatos

que porventura tenha alegado, a despeito de entendimentos contrários.

86 “Apelação Cível – ação declaratória e sustação de protesto – revelia na demanda principal – relatividade dos efeitos – contestação na demanda acessória – documentos – princípios da busca da verdade real e da comunhão da prova – notas fiscais assinadas e acompanhadas de extrato das cobranças relativas ao mesmo negócio – contínuo pagamento das parcelas equivalentes às retratadas nas cambiais discutidas nos autos – coincidência de dados – procedência das assinaturas apostas nas faturas secundárias – reconhecimento dos contratos e da subsistência do débito – recurso conhecido e provido – sentença reformada – pedidos improcedentes.” ( TJ/SC, apelação cível 2003.017040-5, 3ª Câmara de Direito Comercial, Des.Rel. Gastaldi Buzzi, julgamento 23/10/2003).; “Indenização – Revelia – efeitos – a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face da revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz.” ( STJ, Resp n. 434866/CE, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 18/11/02).”

129

4.3.1.1.3.2 Análise conclusiva acerca do artigo 319 do Código de Processo Civil a partir da perspectiva instrumentalista, dos princípios constitucionais e da busca da verdade real

Não foi outro o intuito de inserir na presente dissertação o capítulo III que

não o de justificar a abordagem acerca dos efeitos da revelia87 frente à instrumentalidade do

processo, os princípios constitucionais e a busca da verdade real.

Outrossim, os Tribunais, de modo salutar, vêm tratando de relativizar o

severo efeito preconizado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, o que mais justifica a

abordagem que se quis dar à presente dissertação.

Não foi por outra razão que esta abordagem teve o intuito de demonstrar, na

medida do possível e desde que respeitados os limites que se impõem ao tema, que os poderes

do juiz na instrução do processo em que o réu seja revel não pode ser o de um mero

“convidado de pedra”, tão-somente em razão da ocorrência da revelia, aceitando formalmente

os fatos alegados pelo autor que não tenham, ao menos, um mínimo de plausibilidade e

credibilidade, a despeito de posicionamentos doutrinários que afirmam o contrário.

Ainda que ocorra a revelia, a interpretação que se deve dar ao artigo 319 do

Código de Processo Civil não mais se coaduna, por exemplo, com a admissão, pura e simples,

da verdade formal88 que decorreria das alegações fáticas apresentadas pelo autor, sem que este

fizesse, a contento, a prova de suas alegações (em especial, a prova documental que teria

juntado aos autos quando da interposição da demanda), já que não mais se concebe – e a

jurisprudência89 tanto ou mais evidencia o que ora se afirma – a aceitação passiva do

87 Em especial, o efeito preconizado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil. 88 Direito processual civil – revelia – efeitos – prova – 1 – Apesar da ocorrência da revelia, não está o juiz vinculado a julgar procedente o pedido, devendo, efetivamente, buscar a verdade real (REsp 151.924/PR, Min. Nancy Andrighi, DJ 08.10.2001). 89 AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ATO ILÍCITO - REVELIA - INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL E DA SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL PARA AGUARDAR O DESFECHO DA AÇÃO PENAL - DECISÃO REFORMADA - AGRAVO PROVIDO.I - A produção de provas não é feita no interesse

130

magistrado frente a fatos não provados pelo autor.

Tanto isto é verdade que o juiz, mesmo tendo ocorrido a revelia, pode

determinar provas de ofício, já que , a uma, decorre da leitura escorreita do art. 130 do Código

de Processo Civil90, há muito, portanto, já previsto em nosso ordenamento jurídico, e, a duas

porque o juiz, de há muito, possui poderes de participar efetivamente da instrução processual,

de molde a que, dos autos, possa brotar uma decisão justa e consentânea com as provas nele

contidas.

Da mesma maneira, observando o julgador, de plano, que o fato é inverossível ou improvável, não há falar em presunção relativa de verdade do fato indicado na petição inicial, tendo em vista sua incompatibilidade com o mundo fenomênico. (SOUZA, 2003, p. 198) Quanto ao contraditório, é de se observar que, mesmo diante da não-contestação do réu, haverá situações em que o próprio juiz, a quem aquela garantia constitucional é imposto um dever, também poderá determinar o correto esclarecimento do fato que, num primeiro momento, é reputado verdadeiro em razão da revelia. É o que ocorre, por exemplo, quando o fato articulado pelo autor, mesmo diante dos efeitos da revelia, não é verossímil, situação em que será exigido ao juiz o estabelecimento de contraditório através dos amplos poderes instrutórios que o CPC lhe confere (art. 130). (NEVES, 2006, p. 474).

O juiz, sobretudo, tem que ter a preocupação com uma maior e mais

aprofundada investigação da verdade que deve, o mais que possa, ser perseguida numa

determinada demanda. Segundo nos ensina Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (apud TUCCI,

exclusivo das partes, acima destas, está o interesse na adequada e justa aplicação do direito.II - Inobstante os efeitos da revelia, há de se deferir prova pericial indispensável ao deslinde da controvérsia, em homenagem à efetividade da prestação da tutela jurisdicional.III - É recomendável a suspensão da ação indenizatória durante o trâmite da ação penal, quando o julgamento desta interfere diretamente naquela, podendo redundar num conflito de decisões, observando-se o prazo máximo de um ano (art. 265, 5º. Do CPC).(Agravo de Instrumento nº 132.888-3 - 2ª Câmara Cível - rel. Desembargador Hirosê Zeni).PEDIDO DE FALÊNCIA BASEADO NA IMPONTUALIDADE - REVELIA - PRESUNÇÃO RELATIVA - PROVA PERICIAL DETERMINADA DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - CONDIÇÃO DA AÇÃO - ASSINATURA FALSIFICADA - NULIDADE DO TÍTULO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - APELAÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTÊNCIA - SNTENÇA CONFIRMADA. 1) A revelia conduz a uma presunção relativa de veracidade dos fatos, não levando necessariamente à procedência do pedido. 2) O juiz é o destinatário da prova podendo determinar a sua produção, independentemente de requerimento, para evidenciar o seu livre convencimento. 3) Cabe ao juiz analisar os requisitos de ordem pública necessários à instauração do processo, independente de argüição pela parte. 4) Não há cerceamento de defesa quando a prova oral não tem como modificar o resultado da prova técnica 5) O pedido de falência é de rito sumário, não sendo substituto da ação de cobrança. 6) Nulo o título que embasa o pedido de falência, não pode ela ser declarada (art. 4º, inc. III, Decreto-Lei nº 7.661/45). (Apelação Cível nº 141.337-0 - 3ª Câmara Cível - rel. Desembargador Leonardo Lustosa). 90 Artigo 130 do Código de Processo Civil: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”

131

1999, p 138):

[...] é importante ressaltar contudo que outra é, nos tempos atuais, a concepção dominante sobre a natureza e função do processo civil, principalmente porque a experiência desmentiu a crença na eficiência do trabalho desenvolvido somente pelos participantes do processo. Basta pensar em que a aplicação do princípio dispositivo em sua concepção clássica, impondo exclusiva contribuição das partes no aporte ao processo do material fático, relativiza para além do desejável apreciação da verdade pelo juiz, forçando-o a se contentar passivamente com a versão necessariamente parcializada trazida tão-só pelos interessados. Além disso, principalmente em função da tomada de consciência de que o juiz é também um agente político do Estado, portador do poder deste e expressão da democracia indireta praticada nos Estados ocidentais contemporâneos, inexistindo portanto razão para enclausurá-lo em cubículos formais do procedimento, sem liberdade de movimentos e com pouquíssima liberdade criativa, coloca-se no tablado das discussões o problema fundamental da dimensão dos poderes de iniciativa do juiz e das partes.

Como já se pode observar, o princípio do contraditório se faz importante

não somente aos chamados sujeitos parciais da demanda, mas também ao juiz (sujeito

imparcial). Segundo (BEDAQUE, 1994, p. 106):

O contraditório interessa aos sujeitos do processo e não apenas aos sujeitos parciais do processo, ou seja, o juiz deve participar ativamente da preparação do julgamento a ser proferido. Isso porque é escopo da jurisdição a pacificação social com justiça. O juiz tem deveres primários de promoção e preservação da igualdade substancial entre as partes, neutralizando eventuais desigualdades. Essa é a idéia contida no art. 125 do Código de Processo Civil. Por esse motivo, hoje é inegável a possibilidade de o juiz adotar de ofício iniciativas relacionadas com a instrução da causa.

E, mais à frente, arremata o autor:

Na mesma linha do Estado social de direito que participa através de seus órgãos ativamente na vida da sociedade, o juiz de hoje não é um mero expectador dos fatos diante do conflito de interesses estabelecido entre os seus jurisdicionados; deve preocupar-se com a sua incumbência de perseguir a verdade real, não se contentando, na medida do possível, com a meramente formal.

Portanto, é certo que se pode traduzir do tudo até o presente exposto que, a

despeito do ordenamento jurídico brasileiro adotar o sistema da ficta confessio, a teor do

artigo 319 do Código de Processo Civil, diverso tem sido o entendimento dos julgadores, que,

olvidando esforços no sentido de bem aquilatar os seus poderes instrutórios ao princípio do

livre convencimento e da motivação das decisões judiciais, estão dando ao principal efeito da

132

revelia os contornos constitucionais a que se fez referência em momento oportuno.

E nem se diga que a participação efetiva do juiz nos autos feriria o princípio

dispositivo ou a indispensável imparcialidade do julgador, o que já foi abordado e rechaçado à

exaustão na presente dissertação, dispensando-se, pois, nessa fase do presente estudo,

repetições supérfluas.

Estando o juiz compromissado com o resultado do processo – que vai além

do resultado entre as partes, já que é papel primeiro da jurisdição pacificar com justiça,

decidindo a favor de quem de fato tem razão – impensável sua atuação como mero expectador

da contenda. Quer se trate de direito material disponível ou indisponível. Por isso é que a

doutrina não se cansa de repisar que, numa situação de desequilíbrio, de desigualdades

latentes, com a imparcialidade que lhe é peculiar, deve o juiz garantir a isonomia real entre as

chamadas “partes parciais” da demanda, como forma de fazer justiça, ainda que revel o réu. E

o juiz o faz na produção da prova. Participando de forma a equacionar possíveis

desnivelamentos – tão comuns, infelizmente – entre as partes da demanda (notadamente

quando uma das partes é revel).

Se cabe ao magistrado a direção do processo, deve atuar de molde a que tal

direção o possa levar mais próximo da completude dos fatos (embora, se saiba, jamais

conseguirá atingir a plena verdade). E o juiz que acaso resvale para o arbítrio, para o

descaminho, certamente terá sua decisão anulada, já que, repita-se, os seus poderes deverão

estar sempre em compasso com a fundamentação da sua decisão.

E se assim o for, certamente estará cumprindo os ditames que o Estado de

Direito lhe impôs quando lhe investiu de jurisdição91. Nem por isso estará extrapolando o

papel que lhe é designado a cumprir. Não é demais lembrar que as decisões do juiz devem ser

fundamentadas, o que, por óbvio, lhe impede de ir além dos poderes que lhe são atribuídos

91 Que fique bem claro que o juiz não pode se olvidar das garantias constitucionais que permeiam o processo civil, quais sejam, o contraditório e a motivação de suas decisões. Mas também não é correto dizer que o juiz deva permanecer como mero pronunciador da letra da lei.

133

por lei.

4.3.1.2 Exceções legais à presunção de verdade dos fatos

O artigo 320 (e seus respectivos incisos)92 do Código de Processo Civil

excepciona, textualmente, situações em que a presunção de veracidade contida no artigo 319

do mesmo estatuto processual, embora essa enumeração não se esgote em si mesmo, a teor do

explicitado por Rogério Lauria Tucci (1988, p. 263): “Essa enumeração, contudo, não é

exaustiva...” , o que se verá melhor em momento oportuno.

4.3.1.2.1 Pluralidade de réus

Da leitura atenta do artigo 320, inciso I do Código de Processo Civil, se

infere que a falta de contestação não produz o efeito da presunção de veracidade dos fatos

alegados pelo autor se houver pluralidade de réus e algum deles a conteste.

Está-se aqui a tratar da figura do litisconsórcio. O litisconsórcio é a

cumulação de sujeitos em um mesmo processo, ou seja, a existência de vários autores ou

vários réus, cada qual ocupando ora a parte ativa ou a passiva, em uma mesma demanda.

Segundo Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes (2000, p. 149), “A essa reunião de duas

ou mais pessoas, assumindo simultaneamente a posição de autor ou de réu, dá-se o nome de

litisconsórcio”. Como se sabe, pode ter origem e aspectos variados, já que pode surgir logo no

início, com a propositura da demanda, ou então surgir no curso do processo, após ter-se

constituído a relação processual; ou se estabelecer a partir da vontade das partes, etc.

92 Artigo 320: A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato.

134

Segundo Moacir Amaral Santos (1999, p. 4-5), há várias espécies de

litisconsórcio. Havendo pluralidade de autores, o litisconsórcio será ativo; se a pluralidade for

de réus, será passivo; e também poderá ser misto, ocorrendo pluralidade simultânea de autores

e de réus. Quanto ao momento da formação do litisconsórcio, este pode ser inicial, ou seja,

surgir logo quando do início da demanda, ou ulterior, quando se der no curso do processo,

depois de constituída a relação processual. Quanto à natureza que une os litisconsortes, ele é

classificado em necessário (“quando a lei o determinar, o que ocorre, geralmente, no

litisconsórcio fundado no nº I do artigo 46 do mencionado Código, ou seja, quando entre duas

ou mais pessoas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide”) e

facultativo ou voluntário (nas demais hipóteses, de regra). Por fim, quanto à sentença a ser

proferida, o litisconsórcio será unitário quando o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme

para todos os litisconsortes, ou simples, quando a decisão possa não ser uniforme para todos

os litisconsortes.

Exemplos recorrentes de litisconsórcio necessário: a) a ação de nulidade de

casamento, proposta pelo Ministério Público, em que serão citados, obrigatoriamente, ambos

os cônjuges; b) ação de usucapião, em que devem ser citados, necessariamente, o proprietário

que conste do Registro de Imóveis do bem usucapiendo e todos os confinantes.. Exemplo de

litisconsórcio facultativo é da ação de cobrança contra o afiançado e o fiador, já que, não

havendo benefício de ordem, pode o autor, credor, demandar contra um ou contra o outro ou

contra ambos.

Eduardo Arruda Alvim (2000, p. 233) assim explicita:

Há hipóteses em que o autor é obrigado a acionar todos os litisconsortes, caso em que o litisconsórcio é necessário; outras, o litisconsórcio pode ou não ser formado, caso em que o litisconsórcio diz-se facultativo. O Código de Processo Civil cuida do litisconsórcio facultativo no art. 46 e do litisconsórcio necessário no art. 47.

Entretanto, a doutrina apresenta, a contento, algumas considerações que são

135

pertinentes ao assunto, já que, o só fato de, num litisconsórcio passivo, haver a contestação

por parte de um dos co-réus, a princípio, não elidiria, de plano, o efeito preconizado pelo

artigo 319 do Código de Processo Civil.

Segundo preconizado por Rogério Lauria Tucci (1988, p. 264-265),

valendo-se das lições preciosas de José Carlos Barbosa Moreira:

[...] apresenta-se o dispositivo focalizado, em nosso entender, como aplicável tão-só aos casos de litisconsórcio unitário, ou seja, quando a cumulação processual subjetiva, no pólo passivo, reclama solução uniforme do litígio para todos os interessados, quer sejam estes presentes, quer revéis. Nessa hipótese, a contestação do réu atuante, que impede em princípio a verificação da ocorrência do efeito material da revelia, referentemente ao litisconsorte revel, deve objetivar fato ou fatos comuns a todos os réus, de sorte que o ato decisório de mérito lhes seja uno, isto é, dotado da uniformidade ínsita à relação jurídica tornada litigiosa que os vincula.

Rita Gianesini (1977, p 87-88), a seu turno, assim se pronuncia:

Em nosso entender, o efeito da revelia previsto no art. 319 só será elidido em havendo pluralidade de réus e um deles contestar a ação, nas hipóteses de se tratar de litisconsórcio facultativo unitário ou necessário unitário, e de litisconsortes facultativo simples ou necessário simples, quando forem os fatos comuns. Isto porque, na hipótese de se tratar de litisconsórcio unitário, a sentença deverá necessariamente ser uniforme para todos os litisconsortes, no plano do Direito Material, não havendo que se falar em considerarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor com relação ao réu revel, que, porém, conserva essa qualidade, sofrendo todas as outras conseqüências daí decorrentes. E, na hipótese de litisconsórcio facultativo simples ou necessário simples, os fatos não comuns não foram contestados, não houve impugnação, devendo, portanto, ser reputados verdadeiros, por força do art. 302.

Dinamarco (1986, p. 194-195), discordando do entendimento do prof.

Rogério Lauria Tucci, acredita que o critério – litisconsórcio ser ou não unitário – não é o

mais apropriado. Para ele, o critério é o da utilidade da controvérsia. Para tanto, dá o

elucidativo exemplo:

Imaginem vocês uma ação de cobrança que eu movo, cobrando uma dívida do devedor e seu fiador – dos dois. O afiançado comparece, contesta, nega a existência da dívida. O fiador permanece revel. O afiançado conseguir provar tudo o que alegou. A ação é improcedente, portanto. Seria possível condenar-se somente o fiador? Punir alguém por obrigação acessória, se a principal não existe? Refiro-me à figura do fiador, não à do avalista que tem obrigação autônoma. A possibilidade de condenação do avalista repugna. Agora, pensemos noutra hipótese: o fiador contesta e alega apenas que prestou a fiança sozinho, quando era casado; portanto, a fiança é ineficaz. O afiançado revel não alega nada. Se o juiz acolher a alegação do fiador, de

136

que a obrigação dele não existe, não estará negando que a principal não exista. A controvérsia criada pelo fiador não foi útil ao afiançado.(...) O critério reside, então, segundo penso, na utilidade da controvérsia: se o fiador tivesse negado os fatos constitutivos da obrigação principal, teria criado uma controvérsia geral. A meu ver, repugna muito que o juiz possa dizer que por um é e para outro não é. Parece-me absolutamente irrazoável que o juiz possa julgar dessa maneira.

Não são outros os entendimentos previstos nos julgados destacados junto ao

Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (NEGRÃO E GOUVÊA, 2007, p

459), (notas 2 e 3 ao artigo 320 do CPC)93:

Outra não é a conclusão a que chegou Maria Lucia L. C. de Medeiros (2006,

p. 904), in verbis:

[ ...] mesmo numa situação de litisconsórcio facultativo e simples, em que um réu é revel, mas outro co-réu apresentou defesa que favorece a ambos, seja em relação à questão de direito, seja em relação à questão de fato, a defesa deste beneficiará aquele que foi omisso. O mesmo raciocínio pode e deve ser feito em relação ao recurso interposto por um dos co-réus que, se versar defesa comum àquele que foi revel e não recorreu, também deverá favorecê-lo. A homogeneidade de julgamento, no caso de o litisconsórcio ser facultativo e simples, decorre não da circunstância de ser incindível a relação jurídica subjacente, mas da circunstância de serem comuns as defesas apresentadas, buscando o operador do direito evitar o indesejável problema da coexistência de decisões diferentes para casos idênticos.

Ao que parece, sem dúvida, a posição encampada pelo Professor Cândido

Dinamarco é a que mais se coaduna com os propósitos do legislador, na medida em que, pela

contestação de um litisconsorte, tornou-se convertido o fato alegado pelo autor, e o fato diz

respeito, também, ao réu revel, nada mais razoável do que elidir, ao réu revel, o efeito

preconizado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil.

93 “A ressalva cuidada no art. 320,I, do CPC, tocante aos efeitos da revelia, alcança, apenas, os litisconsortes passivos necessários, não os facultativos.” ( TFR – 3ª Turma, AC 105.599-SC, rel. Min. José Dantas, j. 21.10.86, deram provimento parcial, v.u., DJU 27.11.86, p. 23.349); “ A revelia de um dos co-réus não conduz necessariamente à sua condenação , se a cada um é atribuída a prática de atos próprios. ( RT 626/175); “ A aplicação da regra do art. 320,I, do CPC pressupõe impugnação a ato comum ao réu atuante e ao litisconsorte revel( STJ – 3ª T., REsp 44.545.0 – SP, rel. Min. Costa Leite, j. 19.04.94, não conheceram, v.u., DJU 20.03.95, p. 6.112)..

137

4.3.1.2.2 Direitos indisponíveis

O artigo 320, Inciso II do Código de Processo Civil também elide a

incidência do principal efeito da revelia (artigo 319 do mesmo estatuto processual) quando o

litígio versar sobre direitos indisponíveis. Certamente o legislador quis oferecer proteção

maior aos referidos direitos, considerando o interesse público que dos mesmos decorre.

Segundo Lauria Tucci (1988, p. 266),

são indisponíveis os direitos relativamente aos quais os titulares não têm qualquer poder de disposição; nascem, desenvolvem-se e extinguem-se independentemente da vontade destes. Dentre eles alinham-se, induvidosamente, os direitos de personalidade e os referentes ao estado e capacidade da pessoa, assim também à família. São, outrossim, irrenunciáveis e, em regra, intransmissíveis.

Como a indisponibilidade pode ser absoluta ou relativa, referido autor, às

paginas 267, ressalta que, independentemente de ser absoluta ou relativa, não incidirá o efeito

preconizado pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, visto que o legislador não fez

distinção entre uma ou outra.94

Direito indisponível, segundo José Cretella Junior (2002, p. 160), é

aquele sobre o qual não pode a pessoa desistir, renunciar, confessar ou de qualquer forma dispor. A vontade do titular somente pode se manifestar de forma eficaz se satisfeitas determinadas condições. Não contestando o réu a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, exceto se o litígio versar sobre direitos indisponíveis (CPC, arts. 319 e 320,II).

Aliás, o autor ressalta, acerca da confissão que “não vale como confissão a

admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis (art. 351).”

Assim, ainda que o réu seja revel, se a matéria tratada referir-se a direito

94 Outro não é o entendimento apresentado por GIANESINI (1977, p. 89): ” O legislador, no nº II do art. 320, não distinguiu as hipóteses acima enumeradas. Usou tão –somente a expressão “direitos indisponíveis” , não cabendo ao intérprete distingui-las.“

138

indisponível, tais como anulação de casamento, ação de investigação de paternidade95, etc., o

autor terá de fazer prova dos direitos constitutivos de seu direito nos termos do artigo 333, I,

não podendo ainda o juiz julgar antecipadamente a lide, visto que, por disposição legal

expressa, nestes casos não incidirá o efeito da revelia previsto no artigo 319 do Código de

Processo Civil.

Veja-se, a propósito, que há dissenso na jurisprudência brasileira acerca, por

exemplo, da ação de separação judicial – estar-se-ia tratando ou não de direito indisponível, e,

portanto, incide ou não o efeito previsto no artigo 31996? (NEGRÃO, 2007, p. 459).

Maria Lucia L. C. Medeiros (2003, p. 128) assevera:

A “presunção” de veracidade dos fatos alegados pelo autor, nos termos do ar. 319 do CPC, também não incide, conforme lembra Arruda Alvim, quando a ação é proposta contra pessoa jurídica de direito público.

Luiz Antonio de Souza (2001, p. 508-525), opinando acerca das ações civis

públicas que versem sobre direitos difusos e coletivos, entende que se está a tratar de direito

indisponível. E, em se tratando de direito indisponível, tendo sido decretada a revelia do réu

regularmente citado, há que incidir a regra do artigo 319 do Código de Processo Civil de se

reputarem verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Vai mais além, alegando, inclusive, que,

95 “Legitimidade. MP – Custos legis – investigação de paternidade – a atuação do Ministério Público não se restringe à defesa do interesse do menor. Como custos legis, ele defende o interesse público, que busca a verdade real, a qual prevalece sobre o particular, seja o investigado ou o investigante. Assim, a revelia do investigado não impede ou exclui a intervenção do parquet. Na espécie, houve a revelia e não foram apresentados outros elementos comprobatórios da relação ou vinculação da mãe do investigante com o investigado. Logo, pode o MP intervir no feito, impugnar os efeitos da revelia aplicados pelo juiz singular, requerer provas, etc. A Turma deu provimento ao recurso, e , consequentemente, determinou o processamento da apelação. ( REsp 172.968-MG, Rel. Min. Aldir Pssarinho Junior, julgado em 29/6/2004). 96 (nota 6 ao artigo 320 do CPC)72: “Aplica-se a regra do art. 319 às separações litigiosas : a separação não constitui direito indisponível, tanto que pode ser feita por mútuo consenso (RT 491/179. 508/106, 614/55, 615/168, 737/338, RF 254/269, RJTJESP 49/59, 103/244, 105/143, 106/150, Bol. AASP 987/142, 2323/2716, RP 4/405, em. 187). Contra: Os reflexos da separação judicial litigiosa não se restringem à esfera dos cônjuges, mas também refletem no âmbito do interesse público, de sorte que a revelia não deve ser motivo suficiente à dispensa de qualquer instrução processual , seja por prova material ou oral, incorretamente procedendo-se ao julgamento antecipado da lide, com a decretação da culpa do réu, sem que sequer se tenha oportunizado ao menos a colheita do depoimento pessoal das partes em audiência “(STJ-RT 826/173 e RSTJ 192/444; 4ª T., REsp 485.958; SIMP – concl. LXXVI, em RT 482/273; RT 594/64; 710/65, RJTJESP 105/139, 105/141). Não admitindo o julgamento antecipado da lide: RJTJESP 93/167, 104/175, 104/177, JTJ 159/172, RJ 214/53.

139

ao não contestar uma demanda coletiva dessa natureza, estaria o réu “reconhecendo

juridicamente o pedido”.

Por certo que se está a tratar de direito indisponível. Quanto a isso, nenhum

reparo. Entretanto, em que pese o entendimento acima apontado, não há que se falar em

reconhecimento jurídico do pedido ou mesmo de reputação da verdade dos fatos afirmados

pelo autor o só fato de não ter sido contestada a ação. Claro está que, por se estar a tratar de

assuntos de tão alta magnitude, é certo que o julgador tem ainda mais responsabilidades

quando do proferimento de uma decisão, razão pela qual deve, sim, refutar o julgamento

antecipado da lide e requerer a instrução probatória. O contrário seria dissonante das diretrizes

processuais e constitucionais.

4.3.1.2.3 Ausência de instrumento público

Conforme se pode aferir da leitura do artigo 283 do Código de Processo

Civil, “ A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da

ação.”

Por esta razão é que Lauria Tucci (1988, p. 268) afirma:

Esse o motivo, por certo, pelo qual se entendeu vedar, no inc. III do art. 320, a incidência do efeito material da revelia sempre que desacompanhada a petição inicial de instrumento considerado pela lei como indispensável à prova do ato.

Trata-se, aqui, da prova legal, prevista no artigo 366 do Código de Processo

Civil: “Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma

outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.”

Quando o documento público for da essência do ato, o autor

necessariamente deverá fazer com que acompanhe a inicial. A ausência de tal documento,

ainda que revel o réu, ou mesmo na ocorrência da apresentação de contestação pelo réu, mas

140

sem a manifestação sobre o ato, ainda assim não se presumirão verdadeiros os fatos alegados

pelo autor, em virtude da inicial não estar acompanhada do documento indispensável à prova

deste ato.

Resta evidente que, jungido que está o magistrado às provas produzidas nos

autos, a fim de que melhor se convença acerca de quem de fato tem razão na contenda

judicial, é bem verdade que alguns fatos só poderão ser provados por intermédio da

apresentação de documento público (por exemplo, casamento, propriedade imóvel,

procuração pública). E até mesmo o instrumento particular deve assim ser tratado, acaso

exista.Por esta razão, a excludente de incidência do principal efeito da revelia.

4.3.1.2.4 Réu revel citado por edital ou com hora certa: a figura do curador especial

Também não ocorrerá o efeito previsto pelo artigo 319 do Código de

Processo Civil se o réu foi citado por hora certa ou por edital, já que, observado e constatado

o não comparecimento do réu citado por uma dessas modalidades de citação, o juiz,

necessariamente, lhe nomeará um curador especial para que seja realizada a sua defesa (ainda

que o curador especial tenha, a seu favor, o benefício de não ter que impugnar

especificadamente os fatos articulados pelo autor na petição inicial).

O artigo 9º, inciso II do Código de Processo Civil assim preceitua: O juiz

dará curador especial: ...II – ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora

certa.

Tal regra decorre do fato de que as modalidades de citação mencionadas no

artigo supramencionado são as chamadas citações fictas ou presumidas – logo, não existe a

certeza de que o ato tenha realmente chegado ao conhecimento do réu, sendo, pois,

estabelecida simples presunção de que o réu tenha tomado conhecimento da demanda contra

141

si proposta. 97

Logo, não sofrerá os efeitos da revelia, sendo obrigatória a constituição em

seu favor de um curador especial, que passa a ter a incumbência de formular a sua defesa nos

autos (defesa formal obrigatória), sob pena de descumprimento do princípio do contraditório e

conseqüente nulidade do processo. (DINAMARCO, 2002, p. 459).98

4.3.2 Ausência de intimação do revel para os demais atos do processo- alteração legislativa do artigo 322 do Código de Processo Civil

O atual artigo 322 do Código de Processo Civil vem assim expresso:

Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único: O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra. 99

Veja-se que o artigo em comento foi alterado pela Lei 11.280, de 16 de

fevereiro de 2006, publicado no Diário Oficial da União em 17 do mesmo mês e ano, tendo

entrado em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação. Em vigor, portanto. E alteração que

acompanha o entendimento majoritário da jurisprudência e da doutrina brasileiras, em

respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

97 “Revelia – Presunção relativa quanto à matéria fática – não incidência sobre o direito da parte – Inteligência do art. 319 do CPC – Curador especial – contestação por negativa geral – possibilidade – art. 302, § único, do CPC – recurso improvido. (TJ/SP apelação cível n. 142.559-4/1, 3ª Câmara de Direito Privado – relator Waldemar Nogueira Filho, julg. 03/02/2004).” 98 “Só se legitima o trato processual instituído pelo art. 322 do Código de Processo Civil , em relação aos revéis que hajam sido trazidos à relação processual mediante citação real e não, ficta. Se o revel fora citado por edital ou com hora-certa, a incerteza quanto à efetividade do conhecimento da demanda inicial desaconselha que se lhe imponha essa grave conseqüência, bem como aquela, talvez mais grave ainda, estabelecida no art. 319 ( efeito da revelia).Para harmonizar a necessidade de fazer uma citação em condições precárias e os reclamos das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, o Código de Processo Civil exclui essas sanções em relação ao “revel citado por edital ou com hora-certa”, a quem o juiz dará curador que o defenda ( art. 9º, inc. II). Essa função de curadoria de ausentes, que no passado foi exercida pelo Ministério Público, hoje incumbe ao profissional da advocacia que o juiz nomear.” 99 Veja-se, a propósito, a antiga disposição legal do artigo 322: Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.

142

Enquanto não tiver advogado nos autos não haverá razão para a intimação do réu revel; porém, este poderá intervir no processo a qualquer momento, mas sempre o receberá no estado em que se encontre. Tal regra, antes prevista na segunda parte do caput , foi, com a Lei 11.280/2006, inserida no parágrafo único do art. 322 do Código de Processo Civil. Houve, portanto, somente um deslocamento do dispositivo, já que permaneceu inalterada a sua redação. (...) Ainda, ocorrendo o desentranhamento da contestação por intempestividade, deverá o advogado do réu ser intimado, permanecendo a contestação nos autos para as intimações de todos os atos subseqüentes do processo. A revelia, verificada pela não –contestação (ainda que exceções tenham sido usadas), não dispensa a intimação desse revel, na pessoa de seu advogado. (ARRUDA ALVIM, 2007, p. 333-335).

Referida alteração legislativa é uma dentre as muitas alterações havidas no

Código de Processo Civil, por conta das atuais reformas que o referido estatuto processual

vem sofrendo, e, ao que parece, teve como mote a mitigação do chamado segundo efeito

decorrente da revelia, qual seja, a não–intimação do réu revel para os demais atos do processo

(ainda que não o tenha suprimido na integralidade).

Antes de se falar sobre o segundo efeito decorrente da revelia, é importante

frisar que o réu, regularmente citado, poderá: a) comparecer ao processo e promover alguma

ou algumas das respostas que lhe são possibilitadas; b) quedar-se inerte por completo, ou seja,

nem mesmo aparecer nos autos; c) comparecer aos autos, através de advogado regularmente

constituído, mas não necessariamente contestar ou utilizar-se das demais modalidades de

respostas do réu. Nada obsta, portanto, que o réu, por exemplo, tome ciência da ação que

contra si é proposta, constitua advogado, apresente-se nos autos por intermédio de seu

procurador, (o que se comprova pela juntada de instrumento de procuração), mas, no prazo

legal, deixe de contestar. A revelia, por certo, será confirmada. Imagine-se, por exemplo, que

o advogado seja regularmente constituído, retire os autos para ulterior análise, mas deixe de

ofertar contestação. Ainda que revel o réu, há nos autos advogado constituído.

Da leitura atenta do dispositivo legal retromencionado, percebe-se que o

legislador reformista acabou por abrandar o efeito que ora se analisa, na medida em que,

atualmente, o réu revel que tenha patrono nos autos deverá necessariamente ser intimado de

todos os ulteriores atos e termos processuais que ocorrerem na demanda, o que já era

143

confirmado pela jurisprudência brasileira. A ocorrência do efeito preconizado – dispensa de

intimação dos demais atos processuais – somente ocorrerá ao réu revel que não tenha patrono

nos autos.

Veja-se que, antes da reforma, entendia o legislador, por certo, que, como o

réu, regularmente citado, não contestou a ação (ou nem mesmo a respondeu por outras

modalidades de respostas), deixando, pois, de comparecer ao processo, estaria deixando de

agir com a atenção e a diligência que dele se esperava. Por certo, então, despiciendo a

intimação dos demais atos processuais que ocorreriam a partir de então. (BRESOLIN, 2006,

p. 159).

Não é demais lembrar, a propósito, segundo entendimento corroborado por

Bresolin (2006, p. 159), seguindo a mesma direção doutrinária apresentada por Rita Gianesini

(1977, p. 110), de que o efeito da revelia que ora se analisa só tem aplicação se o réu for

pessoalmente citado (ou seja, citado pelo correio ou por oficial de justiça), já que, se ficta a

citação,

a opção do legislador é de protegê-lo, nomeando-lhe curador especial. Tal curador deverá ser regularmente intimado dos atos e termos do processo, não incidindo, nesse caso, o efeito da primeira parte do artigo 322 do Código de Processo Civil.

Outrossim, segundo ensinamentos do referido autor (BRESOLIN, 2006, p

179), in verbis:

Tal dispositivo igualmente não tem aplicação se o réu desincumbir-se tempestivamente do ônus de responder, mesmo que por intermédio de mera juntada de procuração nos autos e ainda que tenha deixado de impugnar quaisquer das alegações do autor, situação na qual, como já frisado, não é revel. Nessas hipóteses, deverá o réu ser intimado de todos os atos e termos processuais. Sua atitude não é de inércia processual, não revela desinteresse absoluto, razão pela qual não se lhe aplica o efeito da revelia ora investigado. Tal entendimento, largamente preponderante na jurisprudência, foi confirmado pela ressalva inserida no caput do artigo 322 (redação dada pela Lei 11.280/06), de que somente se o réu não tiver patrono nos autos é que os prazos correrão independentemente da intimação.(sic)

Com a alteração processual, percebe-se que o legislador encampou o

144

entendimento último acima apresentado, ou seja, ainda que não tenha apresentado a

contestação, mas tenha constituído advogado, o efeito previsto no artigo 322 será mitigado,

visto que o advogado constituído nos autos passará a receber as intimações referentes aos

autos e termos processuais subseqüentes. Modificou-se a legislação, acompanhando-se os

entendimentos jurisprudenciais que há muito já assim decidiam.

Segundo Neves (2006, p.484), in verbis:

[...] o novo art. 322 trouxe uma importante inovação substancial, que foi a exigência de intimação do revel quando ele se fizer representar no processo por advogado, o que naturalmente faz com que somente a partir dela (intimação) comece a fluência do prazo. Essa modificação corrigirá a vacilação da jurisprudência a respeito do assunto e afastará a nociva interpretação que permitia o antigo art. 322, no sentido de não ser necessária a intimação mesmo diante da presença de advogado do revel nos autos. Num só golpe, o novo art. 322 deixa de considerar o revel como um “delinqüente” (Calmon de Passos) e confere o efetivo respeito que na hipótese merece a figura do advogado como sujeito processual facilitador do contraditório e da ampla defesa em favor dos litigantes em geral. (...) Daqui em diante está clara uma coisa: contra o revel só correrá o prazo processual independentemente de intimação caso ele não tenha advogado constituído nos autos. Do contrário, ou tão logo se faça representar, os respectivos prazos só começarão a fluir a partir da intimação via imprensa oficial.

Portanto, pela atual letra da lei adjetiva, ainda que não tenha o réu

contestado a ação, a presença de seu advogado nos autos altera o efeito decorrente da revelia,

qual seja, que o processo correrá independentemente de intimação do réu revel, já que, insista-

se, o advogado constituído será intimado de todos os ulteriores atos processuais havidos

naquela demanda, nada obstante a revelia do réu.

Por certo, um abrandamento legal e uma conseqüente conquista do direito

processual civil brasileiro, que, em verdade, está tentando amoldar-se, o mais que possa, aos

princípios e garantias constitucionais.

A reforma do art. 322, resultante da Lei nº 11.280/2006, trata da nova sistemática de decurso de prazo, quando o revel não tenha patrono nos autos, ou seja, das hipóteses em que, embora revel, não tenha se utilizado da faculdade de intervir no processo antes da prolação da sentença. Na sua nova redação, o antigo art. 322 foi desdobrado em duas partes, passando uma a compor o caput e outra, o parágrafo único. (..) Na verdade, a reforma operada pela Lei 11.280/06 mais não fez do que adequar a redação do art. 322 ao que já vinham entendendo os tribunais.(...) Após a reforma, passou o preceito a falar apenas em revel “que não tenha patrono nos autos”,

145

estabelecendo como termo a quo da revelia a data “da publicação de cada ato decisório. (CARREIRA ALVIM, 2007, p.1).

O efeito da não–intimação dos atos e termos processuais, portanto, só

ocorrerá ao réu revel que não tenha patrono nos autos. Relativização legislativa expressa do

chamado segundo efeito decorrente da revelia do réu.

4.3.2.1 Atos que são comunicados ao réu, a despeito da revelia decretada

Cumpre ressaltar, outrossim, que em algumas situações, no entanto, mesmo

sendo revel e não tendo advogado constituído nos autos, o réu deverá ser novamente citado ou

pessoalmente intimado.

Segundo Maria Lucia L C Medeiros (2003, p. 136-137),

nos termos do art. 321 do CPC: (a) o réu deverá ser novamente citado se o autor modificar o pedido ou a causa de pedir. O réu deverá ser novamente citado e, aí, terá o prazo de 15 dias para apresentar contestação, que deverá ser restrita àquilo que foi alterado. Poderá, ainda, ao invés de contestar, não consentir com a alteração.(...) (b) o réu deverá ser novamente citado, também, caso o autor ajuíze ação declaratória incidental... que pressupõe que exista controvérsia sobre o ponto (relação subordinante) de que depende o julgamento sobre a relação subordinada, de maneira que, se o réu tiver sido revel, para que o autor tenha interesse em propor ação declaratória incidental, terá que ter havido contestação pelo curador especial ou pelo assistente (nos termos do art. 52 do CPC, que estará atuando como gestor de negócios do réu revel).

Além disso, o réu também deverá ser intimado, ainda que revel: para se

pronunciar sobre pedido de desistência formulado pelo autor (art. 267, § 4º, do CPC); sobre

ação declaratória incidental proposta pelo autor; sobre pedido de alteração do pedido pelo

autor ; para prestar depoimento pessoal (art. 343, § 1º do CPC), caso em que a intimação deve

ser pessoal; para exibir documento ou coisa que esteja em seu poder (art. 357 do CPC); ou

ainda se um terceiro oferecer oposição (art. 57, parágrafo único).

Por último, e para que não se deixe de tratar sobre o assunto, cumpre

146

perguntar : há necessidade ou não de ser o réu revel intimado da sentença? Faz-se essa

indagação por causa de uma minoria de doutrinadores que é favorável, a despeito da revelia

decretada do réu, seja este intimado, ao menos, da sentença proferida nos autos.

Tal questão é apontada pelos doutrinadores que a ela se filiam em razão de

que o sistema germânico exige tal procedimento (por isso se falou, em momento oportuno,

que o Código de Processo Civil brasileiro seguiu o sistema alemão, mas não na sua

integralidade). O mesmo se diga, atualmente, do Código Italiano e do Código Tipo para a

Ibero-América.

Seguindo a linha perfilhada pela legislação estrangeira, bem como todo o

entendimento encampado até o presente momento, seria salutar que, ao menos da sentença

fosse o réu revel intimado, mormente em respeito ao contraditório real.

Calmon de Passos (2000, p. 387-388) é uníssono em dizer que, muito

embora contra o réu revel (e, atualmente, sem advogado constituído nos autos) corram os

prazos processuais, deverá este ser intimado da sentença.

A sentença, num paralelismo com a lei, não obriga antes de conhecida. A publicação da sentença é, por conseguinte, ato indispensável para a sua existência e eficácia. E não há publicação enquanto não há ciência. Pouco importa que dessa ciência também corra o prazo para recurso e o Código tenha dito que para o revel os prazos correm independentemente de intimação. Essa norma só vale para as hipóteses em que a ciência pessoal não seja da essência mesmo do ato, para que exista e seja eficaz. Nesse caso não está a sentença. O comando singular que ela contém exige a ciência do que a ele se deve submeter, para o fim mesmo do seu atendimento. E para esse fim a ciência é indispensável e sobrelevará à limitação do art. 322. se a sentença foi proferida em audiência, a publicação do despacho que designou a audiência vale como ciência por parte do revel, porquanto a audiência era de instrução e julgamento. Se a sentença foi proferida em oportunidade outra, a ciência do revel é exigida, nos mesmos termos em que foi exigida a ciência do autor. E o prazo que o revel tem para o recurso encontra o seu termos a quo nessa publicação.

4.3.2.2 Contagem do início do prazo para o revel recorrer da sentença

Conforme alteração legislativa ocorrida em 2006, a atual redação do caput

do artigo 322 do Código de Processo Civil assim preleciona: “Contra o revel que não tenha

147

patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da

publicação de cada ato decisório.” (grifos nossos).

Antes mesmo de tratar sobre o assunto ora destacado, é importante assinalar

que as partes podem tomar ciência da sentença em ocasiões diversas, quais sejam: a) se a

sentença foi proferida em audiência, as partes dela tomam ciência na própria audiência; b)

caso a sentença tenha sido proferida em outra oportunidade, a ciência se dará a ambas as

partes no Cartório ou através da publicação no Diário Oficial.

Da leitura atenta do anterior artigo 322 do Código de Processo Civil, (contra

o revel correrão os prazos independentemente de intimação) a jurisprudência se pronunciava

no sentido de que o prazo para eventual recurso a ser interposto contra sentença proferida em

audiência, pelo réu revel, necessariamente começava a correr a partir da data dessa audiência,

mesmo que não tivesse havido a prévia intimação das partes - enquanto que para o autor só

iniciava o prazo recursal a partir da intimação.

Ao que parece, diante da nova redação dada ao artigo 322 do Código de

Processo Civil, (correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação

de cada ato decisório – grifos nossos), o prazo para recurso da sentença proferida em

audiência começará a fluir, para o réu revel que não tenha advogado constituído nos autos, a

partir da sua publicação, em igualdade de condições com o autor, já que é comum o prazo

para ambas as partes.

Da análise do artigo 463 do Código de Processo Civil, decorre dizer que a

publicação do ato decisório se dá com a entrega da sentença em cartório. Assim, não se faz

necessária a intimação da sentença a fim de que ela se torne inalterável. E ocorrerá a

publicação quando o juiz a entrega em cartório ou quando aos autos é juntada.

A pergunta que se faz: o réu revel teria prazo para recorrer a partir da

entrega da sentença em cartório, e o autor, que está mais afeto aos autos, posto que participa

148

ativamente do mesmo, teria prazo recursal a contar da publicação da sentença nos órgãos

oficiais? É certo que essa distinção de prazos não é correta, já que, se assim fosse, o princípio

da isonomia processual estaria seriamente comprometido, razão pela qual pode-se argumentar

que o prazo para recurso, tanto para o autor quanto para o réu revel, tenha fluência a partir da

publicação nos órgãos oficiais (Diários Oficiais), respeitando-se, por certo, entendimentos

contrários como, por exemplo, Arruda Alvim (2007, p. 333), que ainda se filia ao

entendimento jurisprudencial majoritário, qual seja, de que começa a fluir o prazo para o

revel, sem advogado constituído nos autos, a partir da publicação da sentença em cartório,

independentemente da sua intimação.

Ousa-se discordar de tal entendimento. Portanto, em prestígio ao princípio

da isonomia processual, decorre dizer que o novel artigo 322 do Código de Processo Civil

institui que o prazo para recorrer só terá início, para ambas as partes, se revel o réu e sem

advogado constituído nos autos, a partir da publicação de cada ato decisório no órgão oficial.

Segundo Carreira Alvim, é bom lembrar que, caso ocorra a intimação dos atos processuais por

outra forma que não por intermédio da publicação no órgão oficial (Diários Oficiais), o revel

sem advogado constituído será intimado como o autor, ou seja, por intimação pessoal ou por

carta registrada.

Bresolin (2006, p. 167-168), in verbis:

Com as alterações promovidas pela Lei nº 11.280/06, segundo pensamos, pretendeu o legislador reformista tomar partido de tal discussão e prestigiar a tese minoritária, estendendo-a expressamente aos atos decisórios, ainda que estes não gerem prazos comuns. Dessa forma, quer no que concerne aos prazos decorrentes de atos decisórios (por força de previsão no caput do artigo 322 do Código de Processo Civil), quer ainda conforme vimos sustentado, no que tange aos prazos comuns decorrentes de atos meramente ordinários (pela idêntica ratio: assegurar a isonomia entre os litigantes), o termo inicial de sua fluência será, também para o revel, o da intimação do autor, que normalmente ocorrerá por meio de publicação na imprensa oficial) artigo 236 do Código de Processo Civil), e não mais da publicação em sentido estrito, como insistia a maior parte da jurisprudência.

Pode-se aferir, por conseguinte, que, caso ocorra a ciência da sentença que

149

não tenha sido proferida em audiência, o prazo para eventual interposição de recurso, tanto

para o autor como para o réu revel sem advogado constituído nos autos deve se dar da forma

acima mencionada, ou seja, a partir da publicação nos órgãos oficiais.

Eis alguns julgados100 proferidos anteriormente à edição do novel artigo 322

do Código de Processo Civil que firmam o entendimento de que a fluência do prazo inicia-se

a partir da decisão em cartório101, e não da publicação em órgãos oficiais.

100 Processual Civil. Réu revel. Termo inicial para recorrer. Publicação da decisão em cartório, independente de intimação. Art. 322 do CPC. (REsp 549919/MG; 1ª T., j. 16.09.2003, DJ 20.10.2003, p. 238, RNDJ vol. 50, p. 144. Precedentes. 1 – Conforme a vasta e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e nos termos do art. 322 do CPC, começa a correr o prazo recursal para o réu revel a partir da publicação da sentença em cartório, independentemente da sua intimação. – “De acordo com a orientação da 2ª Seção, “contra o revel corre o prazo desde o momento em que publicada em cartório a sentença, independentemente, pois, de intimação (por todos, REsp. 48-991, DJ de 12.9.94)”. (Ag. Reg no AG n. 255419/SP, Rel. Mins. Nilson Naves). – “Contra o revel, o prazo para interposição do recurso de apelação corre independentemente da intimação (art. 322 do CPC). (REsp nº 57536/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo). – “Caracterizada a revelia, tal fato, contudo, não obsta que o réu revel intervenha no processo. De acordo com a norma insculpida no art. 322 do CPC, para ele, porém, o prazo para interposição de recurso corre, independentemente, de intimação e a partir do momento em que o ato judicial é publicado em cartório, recebendo o processo no estado em que se encontra. (REsp. nº 50062/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter). “No sistema do Código de 73 não é obrigatória a publicação da ntença em audiência, mesmo porque, havendo julgamento antecipado da lide não há lugar para realização daquela. Em tais circunstâncias, tem-se por publicada com sua entrega em cartório, momento em que ganha a natureza de ato processual. Coisa diversa é a intimação, ato de comunicação para dar às partes ciência de que aquela foi proferida. Ocorre que, tratando-se de revel, os prazos correm independentemente de intimação (CPC art. 322). Desse modo, publicada a sentença em cartório, daí fluirá o prazo para apelação.” (REsp nº 48991/ES, Rel. Min. Eduardo Ribeiro) - “Consoante a jurisprudência de nossos tribunais, não sendo publicada a sentença em audiência (art. 506, CPC), o prazo para interposição de recurso, mesmo para o revel, contar-se-á da intimação.” (REsp nº 31037/RJ, Rel. Min. José de Jesus Filho)- “Contra o revel corre o prazo desde o momento em que publicada em cartório a sentença, independentemente, pois, de intimação. Precedentes da 2ª Seção do STJ: REsp's 1.694, 4.784, 16.879 e 24.908.” (REsp nº 31681/RJ, Rel. Min. Nilson Naves) - “O prazo de recurso para o revel começa a fluir da publicação da sentença em cartório, independentemente de qualquer intimação ( art. 332 do CPC), salvo se após a caracterização da revelia tenha cessado a contumácia.” (REsp nº 31914/SP, Rel. Min. Assis Toledo) - “Entregue em cartório a sentença, publicada fica, e o termo inicial do prazo para recurso independe de sua intimação ao revel.” (REsp nº 16879/SP, Rel. Min. Fontes de Alencar) - “O prazo de recurso para o revel começa a correr a partir da data de publicação da sentença em cartório, independentemente de qualquer intimação. Inteligência do art. 333 do CPC do CPC.” (REsp nº 1694/SP, Rel. Min. Barros Monteiro). 2. Precedentes das 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Turmas desta Corte Superior. 101 “Agravo de Instrumento. Apelação. Prazo, Termo a quo réu revel. Ausência de prequestionamento. Súmulas 282 e 356/STF AI nº 641.505 – SP ( 2004/0163147-7) Rel. Min. Castro Filho. Negou provimento ao agravo, Brasília, 14 de fevereiro de 2005. deste Tribunal é assente no sentido de que o prazo inicia-se a partir da publicação da sentença em cartório, independentemente da intimação. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.CPC ARTS. 125, I E 322. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. REVEL. PRAZO RECURSAL – APELAÇÃO - 'DIES A QUO'. INTIMAÇÃO. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM CARTÓRIO.1. A alegada violação à matéria constante do CPC, art. 125, I não pode ser apreciada nesta instância excepcional, porquanto não requestionada;2. O prazo para a interposição de Apelação pelo réu revel A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 –Art.. 6º e Ato nº 172 Art.. 5º) começa afluir da publicação da sentença em cartório, e não da publicação da intimação no órgão de publicação oficial (CPC, art. 322).3. Especial não provido." (RESP nº 318.242/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 20/08/2001); “PROCESSO CIVIL. RÉU REVEL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. TERMO A QUO PARA RECORRER. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 322 DO CPC.1. A revelia dispensa a futura intimação do réu, na forma do disposto n art. 322 do CPC, permitindo-o intervir no processo, tempestivamente,

150

4.3.2.3 Possibilidade ou impossibilidade de, no recurso de apelação, ser suscitada questão nova pelo réu revel

A apelação é, sem dúvida, o recurso que, por excelência, se interpõe da

sentença do juiz de primeira instância, ou seja, atualmente, contra ato que implica numa das

situações previstas pelos artigos 267 e 269, ambos do Código de Processo Civil brasileiro. 102

Segundo Gonçalves (2006, p. 91), a admissibilidade deste recurso depende

do preenchimento dos mesmos requisitos dos recursos em geral, havendo apenas um

específico: o de que ela não seja interposta contra sentença que esteja em conformidade com

súmula do STJ ou do STF (art. 518, par. 1º). Portanto, cabe ao juiz apreciar , quando do

recebimento de eventual recurso de apelação – já que é ele, juiz de primeiro grau, quem faz o

exame dos requisitos de admissibilidade do recurso – se a questão impugnada não foi

sumulada.Caso tenha sido, e o recurso tiver por objetivo contrariar a súmula, o juiz não o

receberá.

A apelação possui a chamada “devolutividade ampla”, ou seja, permite a

impugnação de quaisquer vícios encontrados na sentença monocrática, quais sejam: “error in

procedendo”, ou seja, erro de procedimento e “error in iudicando”, ou seja, erro de

julgamento. Conforme nos ensina José Cretella Junior (2002, p. 181),

recebendo-o no estado em que se encontra. 2. Deveras, não se deve confundir 'publicação com intimação'. A primeira visa a conferir eficácia natural à sentença, como ato da autoridade, oficializando a resposta ao conflito. Isto se opera ou pela prolação de sentença em audiência, ou pela inserção da mesma nos autos. A intimação é o ato de tornar a sentença 'íntima' às partes entre as quais é dada. Opera-se essa intimação pela leitura em audiência ou pela publicação no órgão oficial. 3. Timbrada a distinção e assentado que contra o revel os prazos correm independentemente de intimação (art. 322 do CPC), conclui-se que o termo 'a quo' para o revel recorrer inicia-se com a 'publicação' da sentença na forma acima apontada. Desta sorte, publicada a decisão, pela inserção da sentença nos autos, inicia-se o prazo legal do revel para recorrer. 4. Intempestividade. Recurso desprovido. (RESP. nº 399.704/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 04.11.2002)”;“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. PRAZO. CONTAGEM. RÉU REVEL. PUBLICAÇÃO EM CARTÓRIO. TEMPESTIVIDADE. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE NÃO PREENCHIDO. I. Tratando-se de réu revel, sem intervenção anterior nos autos, o prazo para interposição de apelação conta-se da publicação da sentença em cartório( art. 322 do CPC). Precedentes.II. Recurso conhecido em parte e provido. (RESP nº 440.855/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 19/05/2003). 102 Exceção feita às sentenças proferidas em processo de execução fiscal de até 50 OTNS, da qual cabem embargos infringentes (art. 34 da lei 6830/80); e as sentenças proferidas nos processos em trâmite nos Juizados Especiais, das quais cabem o chamado recurso inominado, (artigos 41 e ss. da lei 9099/95).

151

erro cometido pelo juiz relativamente à relação processual, utilizando incorretamente a norma processual que regula o procedimento, comprometendo a forma dos atos processuais. O resultado prático do erro de julgamento é o mesmo do erro de procedimento: ambos conduzem à nulidade do processo, podendo a sentença ser rescindida, como, por exemplo, no caso de impedimento ou incompetência absoluta do juiz que prolatou a sentença“; e error in iudicando - (Idem, p. 180), “Erro cometido pelo juiz relativamente à relação de Direito Material, e que viola as normas jurídicas que a regulam. Pode ocorrer de três formas: a) pela interpretação de uma norma em sentido diverso do verdadeiro; b) pela aplicação da norma jurídica a fato ao qual não é aplicável; ou c) pela submissão de um fato a norma jurídica inaplicável, em lugar da correta. O erro de fato é espécie de error in iudicando. A conseqüência é a sentença injusta, rescindível com fundamento na nulidade (CPC, art. 485, IX, e § 1º).

Portanto, é certo que as questões de direito podem ser suscitadas pelo réu

revel que adentra ao processo somente na fase recursal, interpondo o recurso de apelação.

Poderá, é claro, apresentar impugnação das matérias que o juiz pode conhecer de ofício.

Poderá, até mesmo, procurar evidenciar que o direito fora mal aplicado quando da

interpretação dos fatos narrados na peça vestibular.

Mas, o que de mais importante se apresenta é a previsão contida no

parágrafo primeiro do artigo 515 do Código de Processo Civil . O artigo 515 e seu parágrafo

primeiro Civil assim estabelecem: Art. 515: A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento

da matéria impugnada. Parágrafo Primeiro: Serão, porém, objeto de apreciação e

julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a

sentença não as tenha julgado por inteiro. (grifos nossos).

A questão a ser feita, no que concerne à revelia, é a seguinte: o réu revel

pode intervir no feito após a prolação da sentença. Poderá se valer de todas as modalidades

recursais. E também poderá fazê-lo por intermédio do recurso de apelação. Resta saber se a

apelação do réu revel poderá abordar questões novas.

Segundo Medeiros (apud MOREIRA, 2003, p. 161), é certo que “no que

tange às questões não apreciadas na primeira instância (nem apreciáveis ex officio), exige o

art. 515, § 1º, do CPC que hajam sido “suscitadas e discutidas”. Não basta que uma das partes

as tenha argüido: é mister que a outra haja impugnado a argüição. Se o réu permaneceu revel,

152

evidentemente não discutiu questão alguma; logo, na apelação do revel, só terão relevância as

questões efetivamente apreciadas pelo juiz e aquelas que, não o tendo sido, caiba ao tribunal

apreciar de ofício. (NEGRAO, 2007, p. 666-667).103

Respeitando entendimentos contrários, entende-se que, no que se refere

especificamente à apelação, é certo que o réu revel poderá discutir matéria de direito e de fato,

ainda que não propostas no juízo inferior, desde que, a teor do previsto no artigo 517 do

mesmo estatuto processual (“As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser

suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”), o

réu revel provar que não o fez por força maior; ou que o seja matéria que o juiz poderia

conhecer de ofício.

4.3.2.4 O efeito decorrente do atual redação do artigo 322 do Código de Processo Civil, – não-intimação dos atos processuais – é regra legal constitucional ou inconstitucional?

Artur César de Souza, ao longo de toda a sua obra (2003), faz

questionamentos relacionados ao efeito previsto pelo então artigo 322 do Código de Processo

Civil (hoje alterado), seguindo a seguinte linha de raciocínio: se no processo penal e

administrativo o réu revel tem assegurado a nomeação de defensor dativo, a fim de que o

princípio do contraditório seja plenamente observado, por que não ocorre o mesmo no direito

processual civil, considerando que tais princípios são prerrogativas constitucionais? Já que o

princípio do contraditório é garantia fundamental de todos, indistintamente falando, como

concordar com o preconizado pelo artigo 322 do Código de Processo Civil, segundo a qual

contra o réu revel correrão os prazos independentemente de intimação?

103 “No caso de revelia, como o réu não discutiu coisa alguma no processo, a sua apelação somente poderá ter por objeto as questões que a sentença apreciou ou as que devem ser conhecidas de ofício pelo tribunal (JTA 90/320). Não pode suscitar questão nova (RT 610/86, JTJ 156/155).”, nota 8 ao artigo 515).

153

Referido autor apregoa que a atual Constituição Federal assegura o

contraditório efetivo por todo o arco procedimental, razão pela qual entende que em qualquer

hipótese, ao réu revel deve ser nomeado defensor, bem como ser intimado de todos os atos do

processo, em respeito aos princípios da igualdade substancial e a busca da verdade real.

Conclui sua dissertação (2003, p. 267), asseverando que

a falta de defensor ao revel, bem como a desnecessidade de sua intimação para os demais atos do processo, não estão de acordo com a natureza ontológica do processo, nem mesmo com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que garantem aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa.

A edição da referida obra deu-se anteriormente à alteração legislativa havida

em 2006, por força da edição da Lei 11.280/2006.

Conforme afirmado alhures, ainda que não se valendo dos entendimentos

apresentados pelo referido autor, o legislador já avançou - ao menos, minimamente –

alterando o texto do artigo 322, fazendo constar que, havendo advogado constituído nos autos,

este deverá ser intimado de todos os atos e termos processuais havidos na demanda, a despeito

da revelia do réu.

Todavia, o novel artigo 322 do Código de Processo Civil faz a ressalva de

que somente ao réu sem advogado nos autos é que correrão os prazos independentemente de

intimação. O efeito da não–intimação dos atos e termos processuais, portanto, ainda ocorrerá

ao réu revel que não tenha patrono nos autos

Posto desta forma, é correto afirmar que, em respeito à saudável ousadia do

referido trabalho, que de forma brilhante traça contornos e nuances constitucionais de forma

contagiante, o legislador brasileiro não alcançou – e nada impede que alcance a extensão do

entendimento do autor em momento oportuno - para quem, a despeito da revelia do réu, e em

respeito ao princípio do contraditório, deve ser intimado de todos os atos do processo, tendo,

inclusive, que lhe ser nomeado defensor dativo, caso não haja patrono nos autos, consoante o

154

que acontece no direito processual penal.

Conforme dito acima, é certo que, quando o réu é citado fictamente, a ele é

nomeado curador especial. Até aqui, nada de novidade, já que assim já ocorre . Entretanto,

ocorrendo citação real (pelo correio ou por oficial de justiça), discorda-se do propugnado pelo

referido autor, no tocante a que a este réu revel, citado pelas modalidades de citação real,

tenha nomeado para si um defensor dativo (ou curador especial), já que, a despeito do

brilhantismo do trabalho do referido autor, o magistrado, valendo-se dos poderes de direção

do processo, poderá e deverá fazer a busca da verdade real, ainda que o réu revel esteja sem

patrono (constituído ou nomeado) nos autos, respeitando-se, pois, as garantias e princípios

constitucionais mencionados.

4.3.3 Julgamento antecipado da lide

Segundo preleciona o artigo 330, II, do Código de Processo Civil, o juiz

julgará antecipadamente a lide quando ocorrer a revelia (artigo 319 do mesmo estatuto

processual).

Mais uma vez, é bom lembrar que, da simples leitura do artigo

retromencionado, e sem uma acurada análise interpretativa do mesmo à luz da abordagem da

presente dissertação, é de se perceber que, reconhecendo o juiz a revelia da réu, e, por

conseguinte, configurado o primeiro dos efeitos dela decorrentes – presunção de veracidade

dos fatos afirmados pelo autor – artigo 319 do Código de Processo Civil – conclui-se,

rasteiramente, que o juiz estaria, sempre, por força da previsão legal, obrigado a assim julgar,

ou seja, de forma antecipada.

Segundo Gianesini (1977, p. 115- 118),

Se o réu não apresentar contestação no prazo dado, ou apresentá-la

155

extemporaneamente, o juiz verificará se ocorrem os requisitos indispensáveis para a incidência do art. 319 do Código de Processo Civil. Em ocorrendo aqueles requisitos, o juiz julgará antecipadamente a lide (art. 330, n. II). Em não ocorrendo, mandará que o autor especifique as provas que pretende produzir em audiência (art. 324). Como referida autora entende que a previsão legal do artigo 319 do Código de Processo Civil é presunção absoluta, conforme dito exposto alhures, conclui: “[...] deverá o magistrado, em princípio, julgar antecipadamente a lide, com base no art. 330, n. II, se ocorrer o efeito da revelia e estiverem presentes os requisitos indispensáveis para julgamento de mérito. Excepcionalmente, poderá determinar a produção de provas, somente em casos raros, repita-se: por exemplo, quando ficar em dúvida quanto ao conjunto de provas trazidas pelo autor com sua inicial, desde que não esteja suprindo a atividade da parte, pois, caso contrário, infringiria o ônus da prova. Mas isto não quer dizer que deverá o juiz julgar a ação necessariamente procedente, pois vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento do magistrado. (art. 131). Entretanto, forçoso é reconhecermos que raros ou mesmo “raríssimos” serão os casos de improcedência.

Percebe-se que a referida doutrinadora, muito embora excepcione algumas

situações “raras”, como bem mencionado, apresenta uma posição dogmática acerca do tema,

dissonante da doutrina contemporânea, mais adequada aos atuais rumos que vem tomando o

Direito Processual Civil brasileiro.

Arruda Alvim (2007, p. 339), in verbis:

Muita discussão doutrinária existe, e é grande a divergência na jurisprudência no que diz respeito às limitações da atividade do réu revel, que comparece ao processo, especificamente no que tange à produção de provas. A tendência que parece estar se tornando dominante é a de que o revel possa até produzir contraprovas dos fatos alegados pelo autor (já que ele não fez alegações, pois não contestou). Assim, aproxima-se o máximo possível a “verdade formal” da substancial, decorrente esta da atividade das partes, em carrear o maior número de elementos probatórios ao processo, apesar da letra do art. 324, o que é cada vez mais marcante na atividade e no pensamento do processualista atual.

Em que pesem os entendimentos contrários, é certo que, independentemente

ou não da ocorrência da revelia, a teor do artigo 330, II, do Código de Processo Civil, o juiz

só poderá julgar antecipadamente a lide – e, veja-se, o julgamento antecipado da lide nada

mais é do que julgamento de mérito, e não, por exemplo, julgamento de extinção do processo

sem resolução de mérito (artigo 267 e incisos do mesmo estatuto processual) ou então

julgamento com resolução de mérito com fulcro no artigo 269 do referido Código – se

entender que há, nos autos, prova suficiente para que o mérito da demanda possa bem ser

analisado, de molde a que a decisão a ser proferida possa estar revestida dos requisitos

156

mínimos de plausibilidade, credibilidade e justiça.

Se é função primeira da jurisdição a busca da verdade real e pacificação

com justiça, tendo ou não ocorrido a revelia, não está o juiz adstrito, sempre e em qualquer

situação104, a que a lide seja julgada antecipadamente, sob pena de afronta a toda a

argumentação feita até o presente momento.

Outrossim, resta evidente que, se o réu comparecer ao processo em

momento oportuno, ainda que tardiamente, e desde que não tenha ocorrido a preclusão para a

produção de provas, poderá o mesmo refutar ou contra-argumentar os fatos constitutivos

alegados pelo autor para a constituição do direito que alega. Também é bom lembrar que o

artigo 320, incisos I, II e III do Código de Processo Civil impede a ocorrência do efeito

preconizado pelo artigo 319 – reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor –

impedindo, por conseguinte, o julgamento antecipado da lide.

Ademais, há matérias que o juiz pode conhecer de ofício, e, por esta razão, o

revel tem possibilidade de argüi-las, ainda que ingresse tardiamente ao processo, o que

impediria, de plano, o julgamento antecipado da lide.

E, por fim, não se pode esquecer que o juiz, diante dos seus já mencionados

poderes instrutórios, poderá determinar a produção de provas, quer se trate de direito

disponível ou indisponível, justificando-se plenamente o respeito aos princípios

constitucionais e a busca da verdade real, respeitados os limites legais que lhe são impostos.

Elucidativas as palavras de Maria Lucia L C de Medeiros (2003, p. 146):

As regras dos arts. 324 e 330, II, do CPC devem ser analisadas em conjunto. Na fase das providências preliminares, que se inicia findo o prazo para apresentação da defesa, os autos devem ir conclusos ao juiz. Verificará, então, o juiz se o réu foi revel, ou não, e, tendo sido revel, se é ou não caso de incidirem os efeitos da revelia. É nesse momento, por exemplo, que o juiz terá que se pronunciar sobre o desentranhamento da contestação que tenha sido oferecida intempestivamente pelo réu. Fundamentalmente, o que verificará o juiz, nesse momento, é se é caso de

104 “Na ação revisional de aluguel, ocorrendo a revelia, fica a critério do juiz julgar antecipadamente a lide, acolhendo o objeto da demanda, ou determinar a realização de perícia para verificar se o pedido está em consonância com o conteúdo jurídico da própria norma de direito.” ( RT 633/134).

157

incidência do efeito do art. 319 do CPC, de se reputarem verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Se o for, procederá ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, II, do CPC. Se não, determinará ao autor que especifique as provas que pretende produzir. Para formação do seu convencimento, poderá o juiz, ainda, determinar ele próprio a produção de alguma prova que entenda necessária para elucidação dos fatos narrados na petição inicial, ou, se for o caso, segundo entendemos, poderá deferir o pedido de produção de prova que tenha sido formulado pelo réu. Poderá o juiz fazê-lo quer se trate de lide envolvendo direito indisponível ou disponível.105

4.4 Participação tardia do réu revel

Atualmente, é o parágrafo único do artigo 322 do Código de Processo Civil

que estabelece a possibilidade da participação tardia do réu revel no processo.106

Veja-se, a propósito, que anteriormente à alteração legislativa, não se fazia

menção à possibilidade de patrono nos autos, e, consequentemente, da sua intimação de todos

os ulteriores termos e atos processuais.

Atualmente, com ou sem patrono constituído nos autos, poderá o réu revel

ingressar no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontre. Claro que,

se havia advogado nos autos, pode até ser que, a despeito da não-oferta de contestação em

tempo oportuno, tenha o mesmo, por conta das intimações realizadas, tomado alguma

providência processual a favor do réu revel. Ou, então, ainda que sem ter constituído

advogado nos autos, ingressa o réu no processo, constitui um patrono (NEVES, 2006, p.

105 O entendimento acima mencionado é acompanhado por Artur César de Souza (2003, p. 203) e BRESOLIN (2004, p. 176-177), que vai um pouco mais além, in verbis : “ ... se as alegações de fato feitas pelo autor forem relevantes para o julgamento do pedido e não estiverem suficientemente demonstradas (livre convencimento, nos moldes do artigo 131 do Código de Processo Civil ), vale dizer, se o juiz permanecer em estado de dúvida, ainda que considere prováveis as alegações, mesmo no caso de revelia e ainda que aplicável o efeito do artigo 319, não julgará antecipadamente a lide e determinará, em decisão motivada, a produção de provas, da qual poderá participar o revel que comparece tardiamente ao processo; solução que igualmente deverá ser adotada se o revel, antes da oportunidade do saneamento do processo, deduzir seu requerimento de prova, convencendo o juiz de sua relevância e pertinência para o julgamento do pedido.” 106 Artigo 322 CPC :(...). Parágrafo único: O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.”

158

485)107, e passa, a partir de então, a tomar providencias que entenda possam ser feitas.

4.4.1 Participação tardia do réu revel e o sistema de preclusão

É importante lembrar que o parágrafo único do artigo 322 em comento

permite que o revel se utilize de quaisquer expedientes processuais impugnatórios, desde que

respeitado o respectivo momento processual em que passa a fazer parte efetivamente do

processo. Isto quer dizer que deve observar as preclusões eventualmente havidas no processo,

já que está adentrando no processo em momento posterior àquele normalmente esperado.

(NEVES, 2006, 485).108

Rogério Lauria Tucci (1964, p. 177), ainda que fazendo alusão ao Código de

Processo Civil de 1939, bem pondera:

Reza o parágrafo único do artigo 34: - “qualquer que seja a fase em que se encontre o processo, nele poderá intervir o revel.” Contempla-se aí a possibilidade de purgação da contumácia, ou o comparecimento tardio, que faz cessar o estado de revelia do demandado. A concessão legal é-lhe, porém, outorgada, com a vedação de qualquer efeito restitutório, ou seja, restrita aos atos a serem ainda praticados, sofrendo o revel a preclusão correspondente aos pretéritos.” Mas não há qualquer limitação referentemente ao tempo, podendo ele intervir na fase em que o processo se encontre, até mesmo depois de proferida a sentença.

Portanto, esclarecedoras as lições extraídas da obra de Bresolin (2006, p.

170), in verbis:

em razão da rigidez característica de nosso procedimento, marcha à frente que não admite retrocesso a fases já superadas, a atuação do réu que comparece tardiamente ao processo fica limitada pelas preclusões que se operaram até então, à medida em que o procedimento tenha caminhado. (...) Quanto mais demorar o réu para comparecer ao processo, mais o procedimento terá avançado, mais preclusões terão ocorrido e mais estreitos serão os limites de sua atuação. Tais preclusões só poderão ser relevadas se o réu obtiver restitutio in integrum, provando justa causa para não ter praticado tempestivamente o ato que lhe cabia, conforme previsão do artigo 183

107 “O ingresso de advogado em favor do revel imediatamente fará cessar esse respectivo efeito da contagem do prazo independentemente da intimação. Prevalecem apenas a presunção de veracidade do fato narrado na petição inicial e o encargo de receber o processo no estado do efetivo ingresso.” 108 “Receber o processo no estado em que se encontra evidentemente impede o revel de trazer aos autos alegações que já não são mais cabíveis em razão da preclusão que encerra as etapas lógicas do procedimento.”

159

do Código de Processo Civil.

Por esta razão é que vários autores entendem que o sistema brasileiro que

trata dos efeitos da revelia é ainda mais gravoso ao réu revel do que o modelo germânico que

o inspirou (MEDEIROS, 2003, p. 150).109

4.4.2 Revelia e produção de prova em tempo oportuno: Participação tardia do réu revel e a possibilidade de provar fatos constitutivos alegados pelo autor, bem como fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor

Fatos constitutivos alegados pelo autor:

Nenhuma dúvida há na doutrina no sentido de que o réu revel poderá, ainda

que tenha ingressado tardiamente aos autos, fazer alegações e tentar provar que as alegações

de direito do autor são infundadas ou inexistentes, desde que respeitados os limites que a lei

lhe impõe (e que, repita-se, vem apresentação uma correta relativização, a bem do acesso

pleno ao Judiciário, da verdade real e da realização da justiça).110

109 Assim preleciona: “No sistema alemão, a revelia produz o efeito de serem considerados verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Em face da revelia do réu, o autor poderá pedir a declaração de contumácia ou o julgamento conforme o estado da causa. Se pedir a declaração de contumácia, a sentença se assentará na “presunção” legal de que o revel admitiu os fatos. Ocorre que o réu, nesse caso, tem a oportunidade de ir a juízo, depois de proferida a sentença contumacial, e, mesmo sem precisar justificar a sua revelia, reabrir o contraditório por meio do recurso de oposição. Se o autor pedir o julgamento conforme o estado da causa, não se beneficiará com a “presunção” de veracidade dos fatos que alegou, mas, de outro lado, o revel terá direito apenas aos recursos comuns e não ao recurso de oposição.” 110 O Colendo Superior Tribunal de Justiça, à propósito, proclamou:PROCESSO CIVIL - REVELIA - CONTESTAÇÃO - INTEMPESTIVA - REQUERIMENTO DE PROVAS PELO RÉU REVEL - POSSIBILIDADE - LIMITES - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS AFIRMADOS NA INICIAL - CPC, ARTS. 322, 319, 320 E 330 - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - RECURSO DESACOLHIDO. I - A presunção de veracidade dos fatos afirmados na inicial, em caso de revelia, é relativa, devendo o juiz atentar para a presença ou não das condições da ação e dos pressupostos processuais e para a prova de existência dos fatos da causa. Desse modo, pode extinguir o feito sem julgamento de mérito ou mesmo concluir pela improcedência do pedido, a despeito de ocorrida a revelia. II - A produção de provas visa à formação da convicção do julgador acerca da existência dos fatos controvertidos, conforme o magistério de Moacyr Amaral Santos, segundo o qual "a questão de fato se decide pelas provas. Em conseqüência, a prova visa, como fim último, incluir no espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado" (Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol. I, 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1952, nº 5, p. 15).III - Comparecendo antes de

160

Arruda Alvim (2007, p. 339), in verbis:

Muita discussão doutrinária existe, e é grande a divergência na jurisprudência no que diz respeito às limitações da atividade do réu revel, que comparece ao processo, especificamente no que tange à produção de provas. A tendência que parece estar se tornando dominante é a de que o revel possa até produzir contraprovas dos fatos alegados pelo autor (já que ele não fez alegações, pois não contestou). Assim, aproxima-se o máximo possível a “verdade formal” da substancial, decorrente esta da atividade das partes, em carrear o maior número de elementos probatórios ao processo, apesar da letra do art. 324, o que é cada vez mais marcante na atividade e no pensamento do processualista atual.

Entretanto, o enfrentamento maior da doutrina refere-se à participação tardia

do réu revel e a sua possibilidade de fazer prova de fatos alegados pelo autor.

Dependendo da fase em que ingressar e das provas que eventualmente produzir, poderá o réu contribuir para a formação do substrato fático a ser considerado na fundamentação da sentença, quer provando a inocorrência dos fatos constitutivos alegados pelo autor, quer provando a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos que puderem ser conhecidos de ofício pelo juiz. (BRESOLIN, 2004, p. 191).

Considerando todo o substrato apresentado na presente dissertação acerca da

natureza pública do processo, os princípios constitucionais, a busca da verdade real e a

instrumentalidade do processo, é impensável acompanhar entendimento que proíba que o réu

possa, dependendo da fase em que adentre ao processo e respeitado o sistema de preclusão

previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro, fazer prova contrária aos fatos constitutivos do

autor.

O réu revel que comparece tardiamente ao processo pode fazer prova

contrária aos fatos constitutivos alegados pelo autor, desde que limite-se aos fatos alegados na

inicial, sob pena, também, de total desvirtuamento do instituto da revelia e os seus

iniciada a fase probatória, incumbe ao julgador sopesar a sua intervenção e a pertinência da produção das provas, visando a evidenciar a existência dos fatos da causa, não se limitando a julgar procedente o pedido somente como efeito da revelia.IV - A produção de provas requeridas pelo revel limita-se aos fatos afirmados na inicial.V - Sem o cotejo analítico entre o acórdão impugnado e os arestos trazidos a confronto, não se caracteriza a divergência jurisprudencial hábil a ensejar o acesso à instância especial.(REsp nº 211.851/SP - 4ª Turma - rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ 13/09/1999); REVELIA - PRODUÇÃO DE PROVAS - REQUERIMENTO EM TEMPO OPORTUNO - ADMISSIBILIDADE - EXEGESE DA SÚMULA 231 do STF TA 99/310).PROVA - Revelia - Produção permitida, se ainda na oportunidade processual - Nulidade da sentença que não permitiu fizesse o réu as provas que havia requerido - embargos infringentes rejeitados (TJ/SP RJTJESP 45/207).Essa Corte, a respeito do enfoque, tem inúmeros precedentes:

161

conseqüentes efeitos.

È de se reconhecer, portanto, que o revel que comparece ao processo tem amplas possibilidades de produzir prova tendente a demonstrar a inocorrência dos fatos constitutivos alegados pelo autor, observados os limites impostos por eventuais preclusões. (BRESOLIN, 2006, p. 174).111

O julgado em comento, proferido em 04 de abril de 2006, pela 5ª Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por ser elucidativo o bastante, é merecedor da

transcrição de trechos abaixo apontados: (capturado em 30 de maio de 2007, in

http://www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/listaTextoProcesso.)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 169.203-7/01, DE NOVA LONDRINA, VARA CÍVEL

EMBARGANTE: DIONÍSIO MAZOTTI ; EMBARGADO: LEURYE DOUGLAS MAZZOTTI E OUTROS

RELATOR: DESEMBARGADOR LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

- INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL - MATÉRIA DECIDIDA -

REJEIÇÃO.

“[...] Entretanto, inobstante a revelia do apelante, induvidoso que ocorreu, na espécie,

cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide.Com efeito, estabelece o artigo 322, do CPC,

que contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no

processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.Referida norma processual, creio, deve ser

interpretada de forma ampla, a fim de permitir ao revel não apenas acompanhar o andamento do feito de forma

contemplativa, mas sim de modo ativo e atuante, respeitando sempre a fase procedimental alcançada, sendo

inaceitável obstar completamente a possibilidade de prova por parte do revel, por manifesta ofensa aos princípios

do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. In casu, o réu, ora apelante, compareceu aos autos logo

após o transcurso do prazo legal para a apresentação de defesa (precisamente um dia após), tendo formulado o

requerimento de produção de provas documentais, testemunhal e pericial, ressaltando-se que mesmo após a

decretação de sua revelia, por duas outras vezes (fls. 161/162 e fls. 170/171), reiterou o pedido de produção de

111 Merece transcrição o que o mesmo autor, às fls. 197 de seu trabalho, apresenta: “De há muito, porém, vêm a doutrina e a jurisprudência flexibilizando a aparente rigidez de tais regras. É incontestável a tendência de relevar preclusões em matéria de prova, em razão da importância atribuída à descoberta da verdade e de sua relevância para que o processo possa pacificar com justiça. Evidente que tal flexibilização há de encontrar limites. Mais uma vez, conflitam aqui os valores de certeza e celeridade. Simplesmente desconsiderar as preclusões em matéria de prova, sob a justificativa de uma busca desenfreada da verdade real, abriria as portas do processo a inaceitáveis chicanas e eternizaria sua duração. De outro lado, preclusões muito rígidas nessa seara agravariam em muito o risco de degenerar a prestação jurisdicional numa injustiça célere, totalmente desapegada da realidade dos fatos.”

162

provas, ou seja, em momento oportuno, não sendo lícito ao juiz vedar tal pedido com amparo na revelia, sob

pena de cerceamento de defesa, mormente relativamente ao usucapião argüido em defesa, limitando-se, neste

aspecto, a consignar, verbis:

[...] Segundo magistério de Wellington Moreira Pimentel (1979, p. 348):quanto à produção

de provas pelo revel que compareça posteriormente, a questão foi pacificada pelo STF, cuja jurisprudência

dominante (Súmula 231) é no sentido de que "o revel, em processo civil, pode produzir provas, desde que

compareça em tempo oportuno". A mesma inteligência aplica-se ao novo diploma processual, pois nele não há

dispositivo algum que impeça o revel de produzir suas provas, qualquer que seja a natureza delas,

condicionando-se, apenas, a que sejam pertinentes à causa e requeridas em tempo oportuno .

RelatorEmbargos de Declaração nº 169.203-7/01 fls. 2

(grifos nossos)

Fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor:

Conforme remansosa doutrina, é certo que, para que o réu possa apresentar

fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, deverá fazê-lo por

intermédio da contestação (artigo 300 do Código de Processo Civil).

Todavia, está-se a tratar de réu revel. Portanto, de réu que não contesta. E

que ingressa de modo tardio no processo. Está ou não precluso o direito de alegar fatos novos,

modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor?

Quem, atualmente, tratou com mais vagar acerca do assunto foram os

doutrinadores Umberto Bara Bresolin e Maria Lucia L C de Medeiros, nas obras tantas vezes

citadas na presente dissertação. E diversos são os posicionamentos de ambos.

Para Bresolin (2006, p. 175-176), o réu revel que surge tardiamente nos

autos não poderá opor exceções em sentido próprio, ou seja, aquelas que representam

verdadeiro “contra-direito“ do réu, já que estas deveriam ter sido apresentadas em momento

oportuno e não o foram. Portanto, tardiamente comparecendo aos autos, impedido estará o réu

163

revel de alegá-las a posteriori. Entretanto, se forem matéria que o juiz possa até mesmo

conhecer de ofício (por exemplo, fatos relacionados à ordem pública, fatos secundários e

exceções que fulminem ipso iure o direito do autor), com mais razão poderá o réu alegar.

Além do mais, também pode o réu fazer prova de todos os fatos que puder alegar após a

contestação, a teor do previsto pelo artigo 303 do Código de Processo Civil.

Medeiros (2003, p. 154), ao contrário, apresenta entendimento de que o réu

revel que comparece tardiamente ao processo poderá fazer prova da inexistência do direito

constitutivo do autor – mas não poderá o réu revel fazer prova de um fato referente a direito

seu (por exemplo, compensação, direito de retenção por benfeitorias). Outrossim, indo um

pouco mais além, entende que deve ser afastada a preclusão, no caso do comparecimento

tardio do réu revel após o término da fase instrutória, se ainda fomentar dúvida no espírito do

julgador. O magistrado, assim, deverá reabrir a instrução probatória e acatar pedido de prova

requerido pelo réu revel.

Bresolin (2004, p. 176-181), apresenta sua opinião acerca de cada espécie de

prova, a saber: não vê nenhum problema em se flexibilizar ao máximo a produção da prova

documental, pelo réu revel que tardiamente adentra ao processo, até por conta de que há

previsão legal de que, a qualquer tempo podem aos autos serem juntados documentos novos

ou destinados à contrapor-se aos que foram produzidos nos autos; quanto à prova

testemunhal, entende que o réu revel poderá produzi-la desde que apresente tempestivamente

o rol testemunhal até 10 dias antes da audiência de instrução e julgamento (artigo 407 do

Código de Processo Civil), bem como , ainda que não apresente o rol no prazo acima

assinalado, poderá o revel fazer reperguntas às testemunhas do autor; no que se refere à prova

pericial, o revel pode indicar assistente técnico e apresentar quesitos, desde que até cinco dias

contados da intimação do despacho de nomeação do perito, bem como formular quesitos

suplementares e fazer questionamentos em audiência.

164

Faz a ressalva, ademais, com relação a essa modalidade probatória,

alegando que, já que o juiz, ex officio, pode determiná-la, se entender que somente um

profissional técnico habilitado para esclarecer determinado fato poderá aclará-lo, nada impede

que o revel, a despeito da observância do prazo de cinco dias acima mencionado, também

poderá fazê-lo, tudo de molde a que se possa melhor esclarecer os fatos da demanda; o

depoimento pessoal do autor pode ser requerido pelo réu revel desde que em tempo hábil para

que aquele possa ser intimado a prestá-lo na audiência de instrução e julgamento; a inspeção

judicial, por expressa previsão legal, nenhuma preclusão sofre. Por fim, (2006, p. 181), in

verbis:

[...] mesmo que a preclusão com relação a determinado meio de prova possa ter atingido o réu que comparece tardiamente ao processo, não atingirá o juiz, que pode, a qualquer momento do trâmite procedimental, determinar a realização de uma prova, ainda que não requerida oportunamente ou mesmo que já ultrapassado o seu momento ideal de produção. Por tal razão, havendo fato relevante a ser esclarecido, sempre restará ao revel, desde que compareça antes da sentença, a possibilidade de tentar convencer o juiz a determinar, de ofício, a produção de determinada prova.

O que importa considerar, para finalizar a questão da prova a ser realizada

pelo réu revel que comparece tardiamente ao processo é que, se possível a flexibilização das

regras processuais pertinentes (e desde que não atente absurdamente contra o devido processo

legal, já que o processo deve visto sob a ótica de abordagem da presente dissertação), é de se

pensar que, a priori, respeitadas as mínimas limitações que cada espécie probatória possui,

nada obsta a que sejam produzidas (TUCCI, 1964, p.182)112, a bem da verdade real e da

pacificação com justiça (NEGRAO, 2007, p. 461-462).113 Esse o posicionamento adotado pela

112 Ainda que analisando o Código de Processo Civil de 1939,: “... pode-se concluir que, purgada a contumácia, ao revel é facultado produzir qualquer prova, cuja solicitação lhe não esteja preclusa, seja documental, seja pericial, seja oral. Admitido no processo, e aceitando-o no estado em que se encontra, daí para a frente deve ser-lhe conferido tratamento paritário ao do autor, idênticas que passam a ser as posições de ambos.” 113 “No direito anterior, vigorava a Súmula 231 do STF: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em tempo oportuno.”Atualmente, a situação do réu é bem mais difícil. Pode alegar toda a matéria de direito que independa de provas ou que deva ser apreciada de ofício pelo juiz ( p. ex., 13,113, 219,§ 5º, 267,§3º, 295, 301, §4º), impedimento e suspeição, prescrição (art. 193 do CC; CC. Ver. 162). Mas, recebendo o processo no estado em que se encontra (RT 521/267, em.), pode, se ainda estiver na oportunidade processual (RF 295/307) , produzir prova contrária aos fatos alegados pelo autor (não sobre fato novo). Pode

165

presente dissertação.

4.4.3 A contestação intempestiva deve ser desentranhada dos autos?

Um dos pontos destacados em algumas obras utilizadas como sustentáculo e

apoio à presente dissertação é a questão da apresentação intempestiva da peça contestatória,

pelo réu revel, e se a mesma, bem como os documentos que a acompanham, devem ou não

permanecer nos autos.

Candido R. Dinamarco (2000, p. 953), assim preleciona, com a acuidade

que lhe é pertinente:

[...] ao revel é facultado ingressar no contraditório apesar da revelia, inclusive produzindo as provas que tiver. Até admito que essa sua chegada não afaste o próprio efeito da revelia, nem o livre da presunção estabelecida no art. 319 do Código de Processo Civil. Admito também que não se abram, em seu favor, as oportunidades probatórias inerentes à fase instrutória do procedimento ordinário. O juiz julgará antecipadamente, sim, mas não desconsiderará a prova documental que ele tiver logrado trazer. Essa relativização do efeito da revelia não prejudica o intuito de aceleração que está à base do instituto. O contrário, sim, prejudicaria a solene promessa constitucional de dar tutela jurisdicional a quem tiver razão, negando-a a quem, sempre no dizer de Liebman, estiver ostentando um direito inexistente. Segundo ponto, intimamente ligado ao primeiro, é a manutenção, nos autos, de documentos eventualmente trazidos pelo réu em contestação intempestiva. Repito: com isso, o juiz não perderá tempo, nem reduzirá a celeridade do processo. Mas manifestará a disposição a julgar com realismo e justiça, cumprindo sua missão institucional sem rancores ou preconceitos irracionais.

E, mais à frente, arremata (2000, p. 953-954):

pedir perícia,se ainda não houve o saneamento do processo; formular quesitos, se no prazo; arrolar testemunhas e pedir o depoimento pessoal do autor, se ainda for oportuno.No direito atual, a jurisprudência é um tanto contraditória. Em JTA 49/131, ficou declarado que o revel pode produzir provas, mas com ressalvas que praticamente impossibilitam essa produção; em RT 493/111 e RJTJESP 45/207, foi permitida a produção de prova ao revel, por maioria de votos; em JTA 34/253, ficou decidido que o revel não pode forçar a designação de audiência, para ouvir suas testemunhas; em RT 500/77 e RJTJESP 45/159, que pode arrolar testemunhas para contraprova dos fatos articulados pelo autor; no Bol. AASP 913/70 e em RT 512/150, que poe participar da audiência, contraditar testemunhas, formular perguntas, impugnar documentos, debater a causa, etc. admite-se que o réu revel produza contraprova aos fatos narrados pelo autor, na tentativa de elidir a presunção relativa de veracidade, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória.” (STJ-3ªT., REsp 677.720, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10.11.2005, deram provimento, v.u., DJU 12.12.05, p. 375);” Em processo civil inexiste dispositivo que impeça o revel de produzir provas, qualquer que seja a natureza delas, condicionando-se , apenas, a que sejam pertinentes à causa e requeridas em tempo oportuno.” (JTA 99/310, com fundamentado voto vencido), nota 5 ao artigo 322).

166

A generalizada tendência a desentranhar dos autos a contestação intempestiva corresponde a um dos preconceitos irracionais que envolveram o instituto do efeito da revelia desde os albores de sua implantação na ordem processual brasileira. Sem embargo de não haver o réu cumprido tempestivamente o ônus de responder, a exibição de uma contestação fora do prazo representa aquele ingresso do revel no processo, insistentemente autorizado pelos tribunais brasileiros. Não estou a sustentar que essa contestação produzisse todos os efeitos ordinários de uma resposta regular, inclusive o de tornar controvertidos os fatos alegados pelo autor. Isso, não. Mas, respeitada sempre a presunção ditada pelo art. 319, a manutenção da peça de resistência poderá ser de utilidade em prol dos verdadeiros objetivos do processo justo e équo, [...], na medida em que (a) alertará o juiz em relação a eventuais fatos impossíveis ou improváveis alegados na petição inicial e (b) esclarecerá seu espírito quanto a dispositivos de lei, conceitos amadurecidos em doutrina, linhas jurisprudenciais nos tribunais do país, etc.

Há posicionamentos doutrinários (BRESOLIN, 2006, p. 185 e MEDEIROS,

2003, p.142) que confirmam a tese acima mencionada, ou seja, tanto a peça contestatória

como os documentos que a acompanham devem permanecer nos autos (já que a busca da

verdade real e o princípio do livre convencimento do julgador perpassam por esta

abordagem), mas a jurisprudência (NEGRAO, 2007, p. 502)114 ainda se apresenta dúbia, já

que há julgados favoráveis e julgados desfavoráveis a que a contestação e documentos

permaneçam no processo.

De qualquer modo, ainda que a jurisprudência assim se manifeste, é certo

que a contestação e os documentos que a acompanham deverão permanecer nos autos, em

respeito a todo o exposto até o presente momento.

4.5 Cumprimento de sentença (artigo 475-J do Código de processo civil) e o réu revel

A Lei 11.232/2005 alterou dispositivos legais, dentre outros, referentes à

execução de título judicial. Houve uma modificação substancial das regras pertinentes à

114 Veja-se, a propósito, julgados: nota 3 ao artigo 397): “No caso de apresentação intempestiva da contestação ou da réplica, os documentos com ela juntos não devem ser desentranhados do processo, aí permanecendo para que sejam levados na consideração que merecerem. (STJ – 4ª T., REsp 556.937-SP, rel. Min. Barros Monteiro, j. 9.12.03, não conheceram, v.u., DJU 5.4.04, p. 272; RT 764/275. RJTJESP 125/349, RJTJERGS 179/261). Mais liberal, acórdão em JTAERGS 92/99, por maioria, permitiu que, sem prejuízo dos efeitos da revelia, permanecesse nos autos também a própria contestação.

167

execução do julgado. Introduziu-se um novo Capítulo (X) no Título VIII do Livro I do

Código de Procedimento.

Atualmente, em decorrência da previsão do art. 475-I, os chamados

“cumprimentos das sentenças” dar-se-ão das seguintes formas, a saber: as sentenças de

obrigação de fazer e não fazer se valem dos regramentos do artigo 461 do Código de processo

Civil: as sentenças de obrigação de entrega de coisa ficaram a cargo do artigo 461 – A do

mesmo estatuto processual; c) as sentenças, por exclusão, que determinam o pagamento em

dinheiro, caberão a este novo Capítulo – artigos 475-I a 475-H - introduzido no Código de

Processo Civil pela Lei 11.232/2005.

A novel legislação - e veja-se, não há norma anterior revogada por este

artigo - criou o artigo 475-J, que reza:

Art. 475-J: Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou

já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da

condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento

do credor e observado o disposto no art. 614,II, desta Lei, expedir-se-á mandado de

avaliação.

§ 1°: Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o

executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu

representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer

impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

§ 2: Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender

de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe

breve prazo para a entrega do laudo.

§ 3: O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a

serem penhorados.

168

§ 4°: Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo,

a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.

§ 5°: Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz

mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.

Conforme ensinamentos de Cássio Scarpinella Bueno (2006, p. 72), começa

a fluir o prazo de quinze dias para pagamento do quantum definido na sentença, sem

necessidade de início de qualquer providência jurisdicional substitutiva da vontade do

devedor, desde o instante em que a decisão jurisdicional a ser cumprida reúna eficácia

suficiente, mesmo que de forma parcial (vide artigo 475-I, § 2º) e mesmo que a hipótese

comporte “execução provisória”[...]

Portanto, inicia-se o prazo de quinze dias a partir do momento em que ela

estiver liquidada e não contiver nenhuma condição suspensiva, ou seja, desde que ela tenha

transitado em julgado ou desde que dela se admita sua “execução provisória”, sob pena de

terem início as providências descritas nos parágrafos do art. 475-J, com acréscimo de 10%

(multa).

Ressalte-se, ademais, que, conforme previsão do § 4° do artigo 475-J, na

hipótese de a ordem ser atendida parcialmente, a incidência da multa irá se dar sobre a parte

não observada.

Cássio Scarpinella Bueno, inclusive, faz alusão a que o devedor, no prazo

mencionado, pode ele mesmo fazer os cálculos e pagar o determinado na decisão, o que

decorre dizer que não é preciso aguardar o credor apresentar os cálculos, nos termos do artigo

614,II do Código de Processo Civil. Caso o devedor deposite valor incorreto, da parte restante

iniciar-se-á atos de execução, e sobre essa diferença incidirá a multa de 10% (dez por cento).

Dorival Renato Pavan (2006, p.140), questiona, face à nova preceituação do

artigo 322, como fazer para compatibilizar os dois artigos, ou seja, como fará o credor para

169

obter o cumprimento da sentença em processo de conhecimento em que o réu revel não tenha

advogado constituído nos autos? Nessa hipótese, deverá o réu ser intimado pessoalmente para

o cumprimento da sentença ou não?

E mais. (PAVAN, 2006, p 141), in verbis:

A revelia pode decorrer do fato de ter sido o réu citado pessoalmente, e deixado fluir in albis o prazo para resposta, ou, então, ter sido citado por edital ou com hora certa, caso em que foi também decretada a revelia, mas nomeado curador especial, na forma do art. 9°, II, do CPC, curador este que contestou por negativa geral, sobrevindo posteriormente sentença de procedência da pretensão deduzida pelo autor na inicial. Será que as situações processuais são idênticas e comportam uma mesma linha procedimental, na fase de cumprimento da sentença, em relação ao réu citado pessoalmente, que se quedou silente, e para aquele que foi citado por edital ou com hora certa? Será, ainda, que tendo sido pessoalmente citado, ou mesmo citado por hora certa ou por edital, e tendo juntado procuração nos autos, embora não tivesse ofertada contestação, haverá que ser dado um mesmo tratamento procedimental na fase de cumprimento de sentença?

Considerando que o atual processo de execução judicial é sincrético –

portanto, não estamos mais a falar em dois processos distintos, mas sim em “fases” distintas,

mas de um “único” processo – como conciliar o artigo 475-J (considerando, notadamente, a

questão da multa de 10% aplicável), e a nova redação do artigo 322 , ambos do Código de

Processo Civil? Em suma, poderá ou não ocorrer a dispensa de intimação pessoal ao réu revel

na fase de “cumprimento de sentença”?

O autor em testilha enumera algumas situações de ocorrência da revelia,

partindo da premissa de que, independentemente da previsão legal de que o procedimento do

“cumprimento da sentença”, para fins de intimação, deve ser feita pessoalmente ao réu

regularmente citado, e não a seu advogado, conforme previsto no artigo 475-J, § 1º do Código

de Processo Civil.

Outrossim, no que concerne ao réu revel, afirma textualmente que o mesmo,

citado pessoalmente ou por edital, com advogado constituído nos autos, desinteressou-se tão

somente pelo contraditório na fase de conhecimento, mas não na fase de “cumprimento da

sentença”, o que implica dizer que, na fase de cumprimento da decisão emanada da fase de

170

conhecimento, até por conta da multa de 10% prevista pelo artigo 475-J, deve o réu revel ser

citado pessoalmente (e não na pessoa de seu advogado), ou novamente ser citado por edital, se

ficta foi a citação (e não na pessoa de seu curador especial).

O mesmo se diga quanto ao réu que compareceu aos autos, mas deixou de

impugnar especificamente os fatos narrados – ou seja, também deve ser citado pessoalmente,

“ainda mais quando esteve presente na relação processual do processo de conhecimento e ali

mostrou resistência à pretensão do autor.” (PAVAN, 2006, p. 147).

Transcrição na íntegra da manifestação do referido autor (PAVAN, 2006, p.

147), no que concerne ao réu revel citado por edital:

Agora, sob o novo sistema, o devedor haverá de ser instado a cumprir o julgado, também por edital e, permanecendo silente, o curador especial que já havia sido designado para a primeira fase, antes da sentença, será intimado na forma do art. 475-J, § 1°, para oferecer, agora, impugnação, após o ato constritivo, na forma prevista no mesmo dispositivo legal.

Dorival Renato Pavan só faz a ressalva do réu citado pessoalmente ou o réu

revel citado por hora certa (para o autor, é o réu que tentou frustrar a citação), que não

constituiu advogado nos autos, antes da sentença, valerá a simples intimação a ser veiculada

pelo Diário Oficial, do despacho do juiz deferindo a pretensão do credor de obter o

cumprimento da sentença ou do acórdão, por força da interpretação do artigo 322 do Código

de Processo Civil.

Por fim, se o réu foi revel a todo tempo, mas apelou da sentença – o que

implica dizer que constituiu advogado nos autos – qualquer pretensão executiva, seja

provisória ou definitiva – haverá de ser sempre realizada mediante intimação pessoal do

devedor (PAVAN, 2006, p. 148).

Considerando todo o exposto até o presente momento na presente

dissertação, e ainda que se acredite que a novel legislação que trata sobre cumprimento de

sentença surgiu para agilizar o tormentoso processo de execução, concorda-se que , a despeito

171

da previsão legal contida no artigo 475-J, §º do Código de Processo Civil, de que o executado

deva ser intimado na pessoa de seu advogado, sendo o réu revel, deve o mesmo,

independentemente da forma como foi citado, ser nova e pessoalmente citado para a fase de

cumprimento da sentença, cumprindo-se rigorosamente as determinações constitucionais

aplicáveis ao Direito Processual Civil contemporâneo.

4.6 Restitutio in integrum

Segundo preleciona o artigo 183 do Código de Processo Civil, “Decorrido o

prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato,

ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa”.

O parágrafo primeiro do aludido artigo vem deduzir o que seria a justa

causa: “Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que a impediu

de praticar o ato por si ou por mandatário.”

A grande maioria dos doutrinadores que foi mencionado ao longo da

presente dissertação, dentre eles Calmon de Passos, Rita Gianesini, Rogério Lauria Tucci

(1988, p. 1); Umberto Bara Bresolin (2004, p 193); Maria Lucia L C de Medeiros (2003, p.

160); são unânimes em afirmar que o instituto da restitutio in integrum, desde que

configurados os requisitos abonadores, é aplicável ao réu revel.

Rita Gianesini (1977, p. 152-153):

Este dispositivo aplica-se, também, ao revel. Com efeito, poderá ele demonstrar que deixou de oferecer contestação em virtude da ocorrência de evento imprevisto, alheio à sua vontade, como, por exemplo, acidente, grave enfermidade, e, requerer a devolução do prazo para oferecê-la. 121

120 “A doença do advogado pode constituir justa causa, para os efeitos do art. 183, § 1º, do CPC. Para tanto, a moléstia deve ser imprevisível e capaz de impedir a prática de determinado ato processual. Advogado não é instrumento fungível. Pelo contrário, é um técnico, um artesão, normalmente insubstituível na confiança do cliente e no escopo de conseguir-se um trabalho eficaz. Exigir que o advogado, vítima de mal súbito e transitório, substabeleça a qualquer um o seu mandato,para que se elabore às pressas e precariamente um ato processual, é forçá-lo a trair a confiança de seu constituinte.” (RSTJ 42/145, 99/87). No mesmo sentido: STJ –

172

É preciso ressalvar que o réu revel deverá ingressar nos autos antes do

trânsito em julgado, a fim de postular o dispositivo em comento, no prazo de cinco dias115 a

contar da data em que cessou o impedimento.

A partir do requerimento do réu revel, que deve ser feito por petição escrita,

demonstrando ao juiz os motivos que ocasionaram a justa causa para sua ausência ao

processo, valendo-se, para tanto, de todos os meios de prova que entenda pertinentes -, será

instaurado um incidente processual.

Em respeito ao princípio do contraditório, deverá o autor ser intimado para

se manifestar, “o que, em princípio, não suspende o curso do processo”116. Após a efetivação

do contraditório, poderá o juiz, caso entenda pertinente, determinar audiência para poder,

afinal, decidir se concede ou não a restitutio in integrum ao réu revel (decisão interlocutória

que, segundo se entende, é atacável por meio do recurso de agravo de instrumento, e não

agravo retido).

Tendo sido admitida, é certo que “todas as preclusões serão relevadas, o

processo será reconduzido ao momento anterior ao da verificação da revelia e será assinalado

novo prazo para o revel responder e impugnar os fatos alegados pelo autor.” (BRESOLIN,

2006, p. 194).

Caso já tenha havido sentença, o instituto da restitutio in integrum será feito

RT 829/170 (advogado internado e submetido a angioplastia coronariana), RT 613/128 (advogado que se submeteu a cirurgia de urgência), 811/457 (enfermidade grave do advogado), RT 738/324 e Bol. AASP 1989/45j( falecimento da mãe do advogado), Lex-JTA 148/173 (falecimento de parente próximo do advogado), julgados buscados junto a NEGRÃO (2007, p. 301). 115 Por não existir prazo estabelecido por lei para tal mister, o instituto da restitutio in integrum vale-se da regra geral insculpida no artigo 185 do Código de Processo Civil, qual seja, o de cinco dias a contar da data em que cessar a justa causa .(acompanhando esse entendimento, Rita Gianesini, op cit. 153). Bresolin, p. 216, nota 692 entende que a exigüidade de tal prazo poderá ser relativizada pelo magistrado, desde que passados poucos dias do prazo retro aludido, em respeito à equidade , que é o que justifica o instituto em exame. Assim se pronunciam os tribunais : “A justa causa prevista no art. 183 e §§ do CPC deve ser devidamente comprovada no prazo de cinco dias após o encerramento do impedimento (art. 185 CPC)” ( STJ – 1ª T., AI 438.144 – SP-AgRg, rel. Min. Denise Arruda, j. 23.3.04, negaram provimento, v.u., DJU 19.4.04., p. 154)., julgado encontrado junto a NEGRÃO (2007, p. 301). 116 Outro é o entendimento de BRESOLIN (2003, p. 216) – “Embora a lei não diga, durante o processamento da restitutio é conveniente que o juiz determine a suspensão do processo, evitando a prática de atos que se revelem inúteis se esta for concedida.”.

173

junto ao Tribunal competente, por intermédio do recurso de apelação.

174

CONCLUSÃO

A presente dissertação teve como objetivo primeiro fazer uma abordagem

crítica acerca do instituto da revelia no direito processual civil brasileiro, podendo-se extrair

dela algumas imperiosas conclusões.

À primeira vista, no que se refere à abordagem histórica, é de se ver que o

instituto sofreu várias alterações ao longo do tempo, tanto no que se refere às previsões legais,

quanto à interpretação que era dada ao próprio processo e à revelia.

Pode-se perceber, pela abordagem histórica traçada, que o Direito Romano

teve papel fundamental para a instituição do sistema jurídico romano-germânico ao qual o

Brasil está filiado . E, como se mais não fosse, ao enfrentar a evolução histórica do instituto

da revelia, conseguiu-se fazer, ainda que de forma modesta, um breve relato sobre a evolução

da própria ciência processual civil.

Tratando apenas dos últimos ordenamentos jurídicos brasileiros que

versaram sobre a revelia (Código de Processo Civil de 1939 e Código de Processo Civil de

1973), pode-se perceber que, no que se refere ao primeiro estatuto processual, houve uma

séria e polêmica divergência doutrinária acerca do principal efeito decorrente da revelia, qual

seja, a reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, já que doutrinadores de escol

afirmavam que, pelo Código de 1939, tal não se dava, e outros, ao contrário, afirmavam que a

reputação de veracidade ocorreria.

Certo mesmo é que o Código de 1973, que adotou o sistema da ficta

confessio, acabou por extinguir essa discussão doutrinária, já que seu artigo 319 prevê

expressamente a reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor. Adotou-se, pois, ao

menos legislativamente, uma vertente que dispensa ao revel um tratamento severo e, por

certo, em alguns momentos, incondizentes com as diretrizes da atual Constituição Federal e

175

princípios e garantias que a mesma preconiza.

Num segundo momento, tratou-se do instituto da revelia, e, logo à primeira

vista, restou claro que o instituto da revelia é diferente dos efeitos que dela decorrem.

Outrossim, ainda há na doutrina contemporânea divergência quanto à

terminologia – contumácia ou revelia – bem como com relação à sua natureza jurídica e ao

conceito de revelia.

É majoritário o entendimento doutrinário acerca da não similitude entre os

dois termos ora noticiados, e, em razão da discordância doutrinária havida no Brasil,

prevalece o entendimento de que a contumácia é gênero, do qual a revelia é espécie. O mesmo

não se pode dizer acerca do direito estrangeiro, já que alguns países (como, por exemplo, a

Itália e a Alemanha), se valem da expressão contumácia, e não revelia.

A partir do esboço histórico, da definição de revelia, bem como de sua

natureza jurídica, o presente estudo resolveu traçar o enfoque constitucional que quis fosse

dado ao tema, a fim de que o tratamento severo deferido ao réu revel , ao que parece, não

mais se coaduna com as nuances e a perspectiva constitucional que o direito processual civil

necessita ter.

Para tanto, apresentou-se um estudo sistêmico entre o direito processual e o

direito constitucional – abordagem contemporânea há muito difundida pela doutrina – para

tentar justificar as novas nuances que o instituto da revelia , bem como seus efeitos –

notadamente o mais importante deles – vem tendo da doutrina e dos Tribunais brasileiros.

A idéia norteadora da presente dissertação foi a de tratar dos efeitos da

revelia perante a jurisdição contemporânea, principalmente quanto à prestação jurisdicional

no Estado Democrático de Direito, a fim de que se focalize tal fenômeno processual sob a

relevante perspectiva instrumentalista e constitucional .

Outrossim, houve, como idéia motriz, a confrontação entre a atual legislação

176

ordinária acerca do assunto em tela com os princípios, garantias e valores constitucionais que

irradiam por sobre o ordenamento jurídico brasileiro, o que foi amplamente demonstrado, seja

pelos julgados colacionados, seja pela doutrina mencionada nos itens que compõem, em

especial, o terceiro e quarto capítulos, já que, como já foi mencionado alhures, não mais se

concebe uma estrutura processual dissociada da diretriz constitucional, e como se pode aferir,

é essa a linha norteadora dos Tribunais quando da apreciação dos efeitos da revelia .

O apego ao formalismo cedeu espaço a uma visão sistêmica entre o direito

processual e o direito constitucional, de molde a que a justiça possa ser prestada sob a

perspectiva dos princípios constitucionais e da verdade real, dando guarida a quem de fato

tem razão, a despeito de ter ou não o réu contestado uma demanda contra si proposta.

Por esta razão é que a abordagem crítica do instituto da revelia, bem como

dos seus principais efeitos ( reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor ; dispensa

de intimação do revel e julgamento antecipado da lide) pautou-se, em todos os momentos,

pelo viés constitucional que se descortinou ao longo do presente estudo.

E, para coroar o tratamento publicista, instrumentalista e constitucional que

se quis dar ao presente estudo, tratou-se do princípio do contraditório – não somente visto sob

o prisma das partes parciais do processo, mas, notadamente, sob o prisma do julgador -, dos

poderes instrutórios do juiz e do princípio do livre convencimento, podendo-se, assim,

justificar a participação efetiva – e não meramente burocrática – do magistrado na condução e

direção do processo.

Se o processo é instrumento público de pacificação com justiça, nada mais

importante do que conceder ao magistrado, desde que respeitados limites que por óbvio não se

deve olvidar, o papel que efetivamente tenha que desempenhar , mormente na condução da

instrução probatória , para que, dos fatos, se possa fazer emergir a verdade real e a justiça.

O enfrentamento dos efeitos decorrentes da revelia assim se deu, e não

177

poderia ter se dado de outra forma, visto que os Tribunais , por intermédio de seus julgados,

muitas vezes tratam de relativizar os efeitos severos – e quase sempre perversos – que a

legislação ordinária quis atribuir ao réu revel ( é bom ressaltar que o Código de Processo Civil

de 1973 se valeu da legislação alemã para tratar da revelia, filiando-se, de forma inconteste,

ao sistema da ficta confessio - mas, conforme ressaltado na presente dissertação, a legislação

alemã possui uma outra sistemática para o trato do assunto, que , por certo, é muito mais

plausível e aceitável do que a que acabou por dar ensejo à legislação brasileira).

Quanto ao primeiro dos efeitos da revelia - reputação da verdade dos fatos

afirmados pelo autor - , previsto pelo artigo 319 do Código de Processo Civil, é correto dizer

que a doutrina e jurisprudência utilizadas apontam para a conclusão deste estudo: o tratamento

legislativo ordinário dispensado ao réu revel é por demais austero, inconciliável com as

diretrizes constitucionais que permeiam o direito processual civil contemporâneo, mas a

jurisprudência amplamente coletada acabou por encontrar amparo nos princípios e garantias

constitucionais, para o fim de relativizar e abrandar os efeitos decorrentes da revelia do réu.

Não é por outra razão que os Tribunais vêm tratando de minorar o severo efeito preconizado

pelo artigo 319 do Código de Processo Civil.

E, a fim de que se pudesse chegar a esta conclusão, é certo que a atuação do

julgador junto ao processo, fazendo valer os seus poderes quando da instrução probatória em

casos em que o réu seja revel não deve ser o de um mero espectador, tão-somente em razão

da ocorrência da revelia, aceitando formalmente os fatos alegados pelo autor que não tenham,

ao menos, um mínimo de plausibilidade e credibilidade, a despeito de posicionamentos

doutrinários que afirmam o contrário. Ainda que o artigo em comento dê a entender que a

verdade formal é o que basta, vê-se que a jurisprudência tratou de amenizar o rigor de tal

previsão legislativa, amoldando o principal efeito da revelia às diretrizes traçadas pelo

presente estudo.

178

Concordar, pura e simplesmente, com a verdade formal é incondizível com

a garantia de acesso à justiça e o papel que deve ser desempenhado pelo Processo Civil

brasileiro, mormente pelos juízes investidos de jurisdição e munus público.

Tanto isto é verdade que o juiz, mesmo tendo ocorrido a revelia, quer se

trate de direito disponível ou indisponível, pode determinar provas de ofício,desde que

respeitados os limites legais a ele impostos, sem que com isso se fira o princípio da

imparcialidade do magistrado ou o devido processo legal.

Estando o juiz compromissado com o resultado do processo – que vai além

do resultado entre as partes, já que é papel primeiro da jurisdição pacificar com justiça,

decidindo a favor de quem de fato tem razão – impensável sua atuação como mero expectador

da contenda. Quer se trate de direito material disponível ou indisponível. Por isso é que a

doutrina não se cansa de repisar que, numa situação de desequilíbrio, de desigualdades

latentes, com a imparcialidade que lhe é peculiar, deve o juiz garantir a isonomia real entre as

chamadas “partes parciais” da demanda, como forma de fazer justiça, ainda que revel o réu.

E o juiz o faz na produção da prova. Participando de forma a equacionar

possíveis desnivelamentos – tão comuns, infelizmente – entre as partes da demanda

(notadamente quando uma das partes é revel).

Quanto ao segundo efeito decorrente da revelia - dispensa de intimação do

réu revel -, em razão da alteração legislativa havida no artigo 322 do Código de Processo

Civil, percebe-se que o legislador acabou por minorar a severidade do efeito que ora se

analisa, na medida em que, atualmente, o réu revel que tenha patrono nos autos deverá

necessariamente ser intimado de todos os ulteriores atos e termos processuais que ocorrerem

na demanda ( aliás, o que já era determinado pela jurisprudência majoritária dos Tribunais ).

A ocorrência do efeito preconizado – dispensa de intimação dos demais atos

processuais – somente ocorrerá ao réu revel que não tenha patrono nos autos. Outrossim, há

179

também algumas considerações do início do prazo, atualmente, para o réu revel recorrer da

sentença , optando-se pelo inicio do prazo a contar da publicação no órgão oficial , a despeito

do entendimento majoritário dos Tribunais, que vem decidindo pelo início da contagem o dia

em que se tornou público o ato em cartório.

Quanto ao terceiro efeito decorrente da revelia – julgamento antecipado da

lide – novamente há que se mencionar que, se o juiz, a despeito da revelia do réu, não estiver

convencido, pelas provas nos autos, de que tem condições de proferir uma decisão justa ,

impensável o julgamento antecipado da lide. Se é função primeira da jurisdição a busca da

verdade real e pacificação com justiça, tendo ou não ocorrido a revelia, não está o juiz adstrito

a que o processo seja antecipadamente julgado, sob pena de afronta a toda a argumentação

desenvolvida no presente estudo. Outrossim, o juiz pode conhecer matérias de ofício, o que,

em algumas situações, impediria o julgamento antecipado da lide.

Ademais, é certo que, se o réu comparecer ao processo tardiamente, mas em

momento adequado, e desde que não tenha ocorrido a preclusão para a produção de provas,

poderá o mesmo refutar ou contra-argumentar os fatos constitutivos alegados pelo autor para a

constituição do direito que alega (não se esquecendo que o artigo 320, incisos I, II e III do

Código de Processo Civil impedem a ocorrência do efeito preconizado pelo artigo 319 –

reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor – impedindo, por conseguinte, o

julgamento antecipado da lide).

Por fim, provando justa causa, poderá o réu revel requerer o benefício do

instituto da restitutio in integrum, tendo o direito de ingressar no processo, provar a justa

causa, e fazer a prova de suas alegações.

183

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