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ProfMat 2014
UMA BREVE HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS
Teresa Costa Clain - Escola Secundária de Caldas das Taipas,
CIDMA-Universidade de Aveiro,
Maria Amélia Mendes - Escola Secundária José Falcão,
Dos algebristas italianos aos dias de hoje
Vale sempre a pena fazer uma breve pausa para olhar para uma descrição histórica
porque esta ajuda o leitor a revelar conceitos errados que muitas vezes ocorrem.
Contudo sabemos que, citando Ian Stewart em “Os problemas de Matemáticos”[pp.
138], “À medida que o tempo passa, a visão cultural do mundo modifica-se... Olhar a
história unicamente do ponto de vista da geração actual é uma fonte de distorções e
interpretações erradas”. As peripécias dos números complexos (impossíveis ou
imaginários) são disso um exemplo significativo, já que no séc. XVI e séc. XVII foram
considerados com desconfiança, acusados de misteriosos e até mesmo ridicularizados
directamente aqueles que acreditavam na existência destes assim chamados números
imaginários. O curioso termo imaginário, presentemente, remonta àqueles tempos. Se
bem que, hoje nós sabemos que não há nada de imaginário acerca daqueles números -
eles na verdade existem, e o nome permaneceu.
Usualmente define-se número complexo como par ordenado de números reais ou como
um “número” da forma a+bi. Esta definição não traduz a evolução tortuosa e as
dificuldades que se apresentaram, quer aos matemáticos quer aos físicos, durante quase
três séculos (desde o séc. XVI até ao séc.XIX). É desta evolução que faremos aqui uma
breve descrição já que o seu conhecimento e apreciação é, em nosso entender, essencial
para que os professores adquiram uma melhor visão da problemática envolvida.
Os números complexos, chamados “quantidades impossíveis” fizeram o seu primeiro
aparecimento durante o Renascimento. Em 1545, Girolamo Cardano, matemático
italiano, publica um livro que resume a álgebra da Renascença, Ars Magna, Sive de
Regulis Algebraicis (a grande arte das regras de álgebra), onde se descreve um método
para resolução de equações polinomiais do 3º e 4º graus.
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Cardano, (1501-1576), também trabalhou com equações do 2º grau tendo formulado, na
mesma obra, um problema que consistia simplesmente em dividir 10 em duas partes por
forma a que o produto fosse 40. Este problema conduz à equação 40)10( xx que,
por aplicação do método de completar o quadrado, se traduz na obtenção das soluções
155 e 155 . A expressões do tipo de 15 chamava Cardano “quantidades
sofísticas”. Contudo, dizia Cardano, ":... deixando de lado as torturas mentais
envolvidas, se multiplicarmos uma solução pela outra
40)15(251551551552
2
concluímos que se obtém o pretendido, contudo as soluções encontradas são tão subtis
quão inúteis”. Traduzindo o pensamento matemático da altura, a conclusão seria “não
tem significado, mas que funciona, lá isso funciona”.
O aparecimento das raízes quadradas de números negativos nas soluções de equações do
2º grau, apesar de terem sido rejeitadas, tiveram contudo interesse histórico, uma vez
que, pela primeira vez, surgiram explicitamente os números complexos.
É na resolução de equações cúbicas que os matemáticos se dão conta da existência de
uma nova espécie de números, os imaginários. Até esta data, não tinha havido
necessidade de considerar raízes quadradas de números negativos já que relativamente
às equações do 2º grau, as soluções podiam ser ignoradas dizendo simplesmente que
uma equação do tipo 012 x não é resolúvel.
Contudo, quando se utilizava a chamada fórmula de Tartaglia-Cardano para a resolução
de equações do 3º grau, com três raízes reais, esta conduzia sempre a raízes quadradas
de números negativos. Assim, aplicada ao exemplo clássico 4153 xx a fórmula
fornece
33 12121212x .
e por substituição directa podemos verificar que as três soluções desta equação são
4, 32 e 32 .
Ora, o objetivo era a obtenção de soluções reais e a fórmula parecia dizer que tal não era
possível sem ter em conta outra entidade, os imaginários.
Detenhamo-nos um pouco mais sobre a equação do terceiro grau, uma vez que a história
da solução desta tem vários aspectos interessantes, a salientar:
a) O aspeto científico especificamente o grande problema geral da resolução de
equações por radicais, foi somente elucidado 300 anos depois, por Ruffini, Abel e
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Galois. Dos trabalhos de Cardano até ao início do séc. XIX, foram feitas tentativas para
encontrar fórmulas, semelhantes às do 2º,3º e 4º graus, para polinómios do 5º grau.
Com efeito, Ruffini provou em 1799 (1805?) a insolubilidade das equações em geral do
5º grau. Independentemente disto Niels Henrik Abel, pensou ter descoberto, em 1821,
uma fórmula que expressava as raízes de uma equação do 5º grau por meio de radicais.
Verificou porém que tinha um erro na sua demonstração e, retomando o problema três
anos depois, provou que as equações de grau superior a quatro não possuem fórmula
geral por radicais. A demonstração de Abel é considerada satisfatória enquanto que na
de Ruffini foram encontradas lacunas. O problema geral de determinar quais as
equações de grau n que têm as suas raízes expressas sob a forma de radicais em função
dos coeficientes, só veio a ter uma solução definitiva com o trabalho do genial
matemático francês Evariste Galois, em 1831. Galois desenvolveu uma teoria geral dos
corpos de extensão e as suas conexões com a teoria de grupos. Para ter uma ideia sobre
esta teoria, pode-se consultar por exemplo o livro ”Benjamim Fine”, capítulo 7.
b) Um segundo aspeto é o “lado humano, as figuras pitorescas e fascinantes dos homens
envolvidos nas descobertas e disputas daí decorrentes".
Vamos então agora falar um pouco das figuras envolvidas nas descobertas da resolução
da cúbica e dos ataques, entre os matemáticos da época renascentista, daí resultantes.
O verdadeiro autor do método para a resolução de equações do 3º grau foi Scipione
Ferro(1465-1526), professor universitário de Bolonha. Pouco se sabe sobre a sua vida.
Scipione Ferro nunca publicou a sua descoberta. Sabe-se que ele decidiu, antes da sua
morte, revelá-la aos seus discípulos Anniballe Della Nave (mais tarde seu genro e
sucessor na cadeira de matemática em Bolonha) e António Maria Fiore (um aluno
pouco brilhante a matemática). A descoberta ocorreu provavelmente por volta de 1515.
Em 1535 Fiore teve a infeliz ideia de desafiar Tartaglia para uma disputa matemática.
Naquela disputa, Fiore propôs 30 problemas, todos envolvendo, de um modo ou de
outro, equações do 3º grau. Tartaglia também fez a sua lista, de natureza bem mais
variada do que a de Fiore. A arma de Fiore era a fórmula de Ferro. Tartaglia dispunha
do seu sólido conhecimento e da sua inteligência. Oito dias antes do encontro, depois de
longas tentativas, ocorreu a Tartaglia a ideia de como deduzir a fórmula para resolução
da equação do 3º grau. Sem dúvida, isto foi uma notável descoberta, mas não tão grande
quanto a de Ferro, pois Tartaglia sabia, pelas questões que lhe tinham sido propostas,
que uma tal fórmula deveria existir, enquanto que Ferro não tinha essa certeza. Todos
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nós sabemos a diferença que isso faz. É a diferença que existe entre resolver um
exercício ou demonstrar um novo teorema. Seja como for, Tartaglia resolveu,
rapidamente, os 30 problemas de Fiore, tendo ganho a disputa e recusado,
magnanimamente, os 30 banquetes estipulados como prémio para o vencedor.
Notícias sobre o concurso e a natureza dos problemas resolvidos chegaram a Milão
onde vivia o Doutor Girolamo Cardano que ficou muito curioso por saber se e como
fora conseguido aquilo que Pacioli julgara impossível. Cardano usou de todos os meios
para atrair Tartaglia a sua casa e lá, mediante promessa de guardar segredo, obteve
deste, em 1539, a regra para resolver a equação do 3.º grau, dada sob a forma de versos
um tanto enigmáticos, sem nenhuma indicação de prova.
Depois da visita de Tartaglia, Cardano com algum esforço, conseguiu demonstrar a
validade da regra para resolver a equação qpxx 3 .
Note-se que nessa época, em rigor, não havia fórmulas mas sim receitas, explicadas com
exemplos numéricos: uma regra para qpxx 3 outra para qpxx 3 , outra para
qpxx 23 , etc..
Cardano era médico, astrónomo, astrólogo, matemático, filósofo, jogador inveterado e
um insaciável investigador, cuja curiosidade e interesse por todos os tipos de
conhecimentos não tinham limites. Escreveu muitos livros sobre todos estes assuntos,
inclusive uma autobiografia.
Tendo conseguido melhorar vários assuntos tratados por Pacioli, Cardano pretendia
publicar um livro de álgebra ajudado pelo seu brilhante e fiel discípulo Ludovico
Ferrari.
Os estudos de Cardano, feitos com a colaboração de Ferrari (que obteve a solução por
radicais da equação do 4º grau), conduziram a importantes avanços na teoria das
equações. Todos esses progressos justificavam a publicação de um livro sobre o
assunto. Mas isso Cardano estava impedido de fazer em virtude do seu juramento a
Tartaglia.
Em 1542, entretanto, Cardano e Ferrari visitaram Bolonha e lá obtiveram permissão de
Della Nave para examinar os manuscritos deixados por Ferro, entre os quais estava o da
solução da equação qpxx 3 . O juramento de Cardano proibia-o de publicar a
solução de Tartaglia mas não a de Ferro, obtida muito antes. Cardano considera-se
desobrigado de qualquer compromisso e volta-se, com energia, para a preparação do
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seu grande livro “Ars Magna”, publicado em 1545. O aparecimento dessa notável obra
foi recebida favoravelmente pelos entendidos mas provocou reacção bem desfavorável
por parte de Tartaglia.
Com efeito, no ano seguinte, 1546, Tartaglia publicou os “Quesiti e Inventioni
Diverse”, onde apresenta soluções para vários problemas que lhe foram propostos,
descreve factos autobiográficos e conta a história das suas relações com Cardano,
atacando-o asperamente pela quebra do seu juramento. A publicação dos “Quesiti” foi
respondida por um panfleto de Ferrari em defesa do seu mestre, o que provocou uma
réplica de Tartaglia, iniciando-se desta maneira uma polémica que durou mais de um
ano (Fevereiro de 1547 a Junho de 1548) e produziu mais de 12 panfletos, conhecidos
como “Cartelli di Sfida Mathematica”. O resultado do debate não ficou muito claro mas
as autoridades universitárias de Brescia, para onde Tartaglia acabara de se transferir,
não ficaram satisfeitas com o seu desempenho e anularam o seu contrato. Regressou a
Veneza, onde morreu humilde e esquecido, nove anos depois.
Feita esta narração, vejamos como se resolve a equação do 3º grau.
A equação geral do 3º grau reduz-se à forma
023 cbxaxx ..................................................... (1)
Fazendo a substituição 3
ayx , vem
0333
23
c
ayb
aya
ay
ou seja
0327
2
3
323
qp
caba
ya
by .
Voltando à variável inicial, x, ter-se-á:
03 qpxx .......................................................... (2)
O método consiste em procurar uma solução da forma vux . Assim, substituindo em
(2), obtemos:
03
qvupvu ...... 0333 qvupuvvu ................ (3)
Se conseguirmos obter os números u e v tais que 03 puv , o termo em u+v, na
equação (3), desaparece e x = u + v será solução de (2) se
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qvup
uv 33
3 ............................................ (4)
ou seja,
27
33333 p
vuqvu
Ora o problema de achar 3u e 3v conhecendo a sua soma e o seu produto é de fácil
solução: 3u e 3v são as raízes da equação do 2º grau 027
32
pqxx . Utilizando a
fórmula clássica de resolução da equação do 2.º grau, obtemos
2
27
4 32 p
x2742
32 pqqx
donde 2742
e 2742
323
323 pqq
vpqq
u .
Consequentemente
3
32
342
pqqu e 3
32
322
pqqv .
Então
3
32
3
32
322322
pqqpqqvux ........................ (5)
Assim vux , dada por esta fórmula, é uma raiz da equação 03 qpxx .
Recorrendo ao cálculo diferencial, no estudo da variação da função
qpxxyx 3 e fazendo 274
32 pqD , concluímos facilmente que a equação (2)
tem:
uma raiz real e duas complexas conjugadas se 0D ;
tem três raízes reais sendo uma repetida se 0D ;
tem três raízes reais distintas se 0D .
Este é um aspeto paradoxal da fórmula de Ferro e Tartaglia. Quando 0D , a fórmula
exprime vux como soma de duas raízes cúbicas de números complexos. No
entanto é este o caso em que a equação possui três raízes reais distintas.
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Torna-se então necessário fazer a ligação entre a solução, formal e sem significado,
obtida a partir da fórmula de Cardano (onde estavam presentes os imaginários) e as
soluções reais.
Confrontados com estas dificuldades os algebristas italianos e os seus sucessores não
hesitaram, no entanto, em calcular sobre números a , em que a>0, como se estes
números existissem, isto é, aplicando-lhes as regras da álgebra com aa 2
.
A tendência em empregar expressões desprovidas de sentido é devida ao facto dos
algebristas encontrarem nestes cálculos a possibilidade de obter teoremas gerais, sem
terem de distinguir vários casos: uma equação do 2º grau tem sempre ou uma raiz dupla
ou então duas raízes simples, reais ou imaginárias. Uma equação do 3º grau com
coeficientes reais tem pelo menos uma raiz real (prova pelo método de Stevin) e
portanto escreve-se 02 qpxxax e a soma das multiplicidades das suas raízes
é sempre 3 se se admitirem as raízes imaginárias.
René Descartes (1596-1650), no 3º e último livro de La géométrie, observa que na
obtenção das raízes de equações se deve saber qual a natureza das suas raízes, tendo já
ideia que o número de raízes de uma equação é indicado pelo seu grau, mas o
aparecimento de raízes quadradas de números negativos apenas lhe indicava a
insolubilidade do problema.
Também Isaac Newton (1643-1727) é de idêntica opinião, afirmando que tais raízes
exibem os casos de problemas impossíveis. Refira-se ainda que é em La géométrie que
aparece a primeira referência ao termo "imaginário" com o sentido de "misterioso".
Albert Girard (1595-1632) em Invention nouvelle en l'Algébre, em 1629, reconhece
raízes negativas e imaginárias. Tal como Descartes parece que também se deve a ele o
princípio geral das equações algébricas que refere: “uma equação de grau n tem n
raízes” o que constitui o teorema fundamental da álgebra. A aceitação de raízes
imaginárias por parte de Girard, talvez se deva a este facto.
Também Leibniz (1646-1716) que estudou teologia, direito, filosofia e matemática,
contribuiu de algum modo para a compreensão dos números complexos, pois nos seus
escritos aparecem as identidades seguintes:
111144 axaxaxaxax
63131
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Estas decomposições eram, além de novas, surpreendentes para os seus
contemporâneos.
Os complexos foram largamente usados no séc. XVIII nomeadamente por Leibniz e
Johann Bernoulli (1667-1748) como ferramenta auxiliar do cálculo integral.
Também Euler (1707-1783) contribuiu para o desenvolvimento dos números
complexos. Este através do desenvolvimento em série de potências da função
exponencial xe e das funções trigonométricas sen(x) e cos(x) obtém em 1748 a
importante fórmula:
seniei cos .
Saliente-se que para esta fórmula fornece os cinco números mais significativos
da matemática, como se pode ver pela sua concretização:
01ie .
Os números complexos foram utilizados na hidrodinâmica por Jean D'Alembert e por
Euler, D'Alembert e Lagrange em provas erradas na demonstração do teorema
fundamental da álgebra (conjecturado por Girard).
Como vimos, os números complexos foram considerados pelos matemáticos como
"impossíveis" e "inúteis" pelo que constituíam um problema do foro filosófico como é
visível em afirmações proferidas por Leibniz, como por exemplo: “O espírito divino
encontrou uma expressão sublime nesta maravilha de análise, nesse portento do mundo
ideal, nesse anfíbio entre o ser e o não-ser, a que chamamos raiz imaginária da
unidade negativa”.
É a ideia de representação geométrica dos números complexos no plano que faz com
que os matemáticos vençam os escrúpulos que tinham em relação a eles e se sintam
mais à vontade. Com o desespero de “ver para crer” nos números imaginários, algumas
tentativas de representação geométrica foram ensaiadas. Em 1673, John Wallis (1616-
1703) tenta, sem êxito, representar geometricamente, as soluções imaginárias, no caso
b2c
2 , da equação do segundo grau x
2+2bx+c
2= 0 (b 0, c0), estando presente no
seu trabalho uma geometria inerente à representação dos números na recta real.
A ideia fundamental, que vai permitir ultrapassar as dificuldades epistemológicas e
permitir a aceitação dos números imaginários como entidades geométricas, consiste em
tomar expressamente um eixo para representar os imaginários puros, o eixo Oy. Dá-se a
Caspard Wessel a prioridade de trabalhar sobre o assunto.
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Em 1797, Wessel publica um ensaio sobre a representação analítica de direcção, onde é
conseguida a realização visual dos números então considerados imaginários, contudo,
este trabalho foi ignorado durante cem anos, o que não deixa de ser um acontecimento
triste na história dos números complexos. Wessel nasceu em Vetsby, no ano de 1745 e
faleceu na cidade de Copenhaga em 1818. De 1757 a 1763 estuda no liceu de Christiana
(antigo nome de Oslo) e na Universidade de Copenhaga até 1764, quando obtém o
posto de assistente na Academia Real da Dinamarca, onde trabalhou em cartografia.
Trabalhou também em geodesia até à sua reforma em 1812.
Michael J. Crowe Cro,1993 apresenta de forma sucinta as ideias de Wessel
relativamente à soma e ao produto de segmentos orientados, tal como passamos a
descrever:
Dois segmentos podem adicionar-se se os juntarmos de tal modo que o segundo
segmento começa na extremidade do primeiro; o segmento que começa na origem do
primeiro e se termina com a extremidade da linha que faz a união das duas linhas, é a
soma das duas linhas juntas.
O produto de dois segmentos complanares, admitindo a existência de uma unidade
positiva (+1), tem comprimento igual ao produto dos comprimentos dos dois factores e
tem inclinação, ou ângulo de direcção, definido por referência à unidade positiva, igual
à soma das inclinações dos segmentos factores e é complanar com os segmentos
factores.
Designando por (+1) o segmento unidade positiva e por (+) uma outra unidade,
perpendicular a (+1), a direcção angular da primeira unidade é 00
e da segunda é 900
.
(1) tem direcção angular 1800
e (), tem direcção angular (900
) ou 2700
.
Utilizando a regra do produto, Wessel obtém as igualdades seguintes:
(+1).(+1)=(+1)
(+1).(1)=(1) (1).(1)=(+1) (+1).(+)=(+)
(+1).()=( )
(1).(+)=()
(1).()=(+) (+).(+)=(1) ().()=(1)
fig. 1 Regras do produto segundo Wessel
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Wessel generalizou os seus resultados, estabelecendo que todo o segmento do plano
com comprimento A e ângulo de direcção , pode escrever-se na forma
)sin(cos A ou ba , tal que cosAa e sinAb . Para estas expressões,
define as operações de adição, multiplicação, divisão e potenciação.
Além de Wessel, outros matemáticos trabalharam sobre a representação geométrica dos
números complexos, como Gauss (1777-1855), Argand (1768-1822), Buée (1748-1826)
e Warren (1796-1852), o último dos quais citado por Hamilton (1805-1865) Ham,
1844.
Gauss pressente a existência de um plano complexo, contudo não se apressa a publicar
os seus resultados, que vêm a ser conhecidos em 1831 em “Theoria Residuorum
Biquadraticorum” . A designação de Números Complexos é atribuída a Gauss.
Em 1806, Argand publica Essai sur une manière de représenter les quantités
imaginaires dans les constructions géometriques. Este trabalho passou despercebido
naquela época e foi conhecido a partir de 1813, a propósito de uma polémica exposta no
jornal Annales de Mathématiques Pures et Appliquées. O êxito e aceitação do trabalho
de Argand consiste em considerar a unidade imaginária i, a meia proporcional
geométrica entre (+1) e (1), tendo-se 12 i .
Trinta anos mais tarde, Hamilton, inspirado nos trabalhos de Warren, reforça o estatuto
dos números complexos, apresentando a teoria dos pares de números reais.
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fig. 2 Hamilton (autor da teoria dos pares)
Hamilton nasceu em Dublin em 1805 e faleceu, nesta cidade, em 1865. Com três anos
de idade vai viver com um tio que possui uma instrução elevada e o motiva para o
estudo das línguas. Em 1823 Hamilton entra no Trinity College of Dublin e, em 1827,
obtém os postos de astrónomo real no Observatório de Dunsink e de professor de
astronomia no Trinity College.
Em 1837, Hamilton publica um ensaio sobre Theorie of Conjugate Functions, or
Algebric Couples; with a Preliminary and Elementary Essay on Algebra as the Science
of the Pure Time e aí define um conjunto formado por pares ordenados de números,
),( ba , sendo a e b números reais. Naquele conjunto, o autor define a adição, a
subtracção, a multiplicação e a divisão tal como passamos a descrever:
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2222,
),(
),(
),(),).(,(
),(),(),(
),(),(),(
dc
adbc
dc
bdac
dc
ba
adbcbdacdcba
dbcadcba
dbcadcba
( supondo que 022 dc )
fig. 3 As regras operatórias na teoria dos pares de números reais
Hamilton chama unidade primária ao par (1,0) e unidade secundária a (0,1) e afirma que
todo o par de números, ),( ba , pode ser escrito na forma a(1,0)+b(0,1).
Considerando a multiplicação definida, existe um par cujo quadrado é igual a (1),
referimo-nos a (0,1).(0,1) = (1). Neste contexto, a unidade imaginária identifica-se
com o par (0,1), perde o seu carácter misterioso
A teoria dos pares convenceu Hamilton sobre a legitimidade do sistema de Números
Complexos e preparou, ao mesmo tempo, o salto para dimensões superiores a dois.
Adotamos que o conjunto C pode ser definido por
1,,: 2 ibaibazz RC
Ora também é verdade que a cada número complexo corresponde um ponto do plano,
ou seja, baibaz , .
Neste conjunto mantêm-se as operações definidas por Hamilton e, podemos escrever,
com esta nova nomenclatura, as operações:
idc
adbc
dc
bdac
idc
iba
ibcadbdacidciba
idbcaidciba
idccaidciba
2222
.
(supondo que 022 dc )
fig. 4 As regras operatórias no conjunto dos números complexos
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A relação de ordem no conjunto C
Um aspeto fundamental da teoria dos números reais está relacionada com a
possibilidade de os podermos ordenar. Esta ordem, no caso de um conjunto munido de
duas operações que anotaremos por + e . , notações meramente convencionais, pode
expressar-se do seguinte modo:
Definição
Um conjunto K diz-se ordenado relativamente a duas operações adição e
multiplicação se for possível destacar um subconjunto P K, chamado conjunto dos
elementos positivos de K, que satisfaz as seguintes condições:
1. A soma e o produto de elementos positivos são positivos;
2. Dado x K, só é válida uma e uma só das três alternativas: ou x=0, ou x P ou
-x P.
Sabe-se que o conjunto dos números reais possui uma relação de ordem (x < y) que se
define facilmente por intermédio do conjunto, R , dos números reais positivos. Este
conjunto verifica as propriedades referidas na definição anterior. No entanto, aquela
relação de ordem não se transmite ao conjunto dos números complexos, como iremos de
seguida poder constatar.
De acordo com a definição dada, para que C seja um conjunto ordenado, exige-se a
possibilidade de encontrar um conjunto CC , dos elementos positivos de C, tal
que:
.,0:,.2
;,,.1 212121
CzouCzouzouasalternativtrêsdassóumaeumaválidaésóCzDado
CzzeCzzCzz
Admita-se, pois, que C é ordenado.
Como i 0 , por 2.) tem-se que ou i C ou –i C .
Por outro lado, por 1.) vem Ci2 ou Ci 2)( . Em qualquer dos casos ter-se-á
sempre
–1 ,C o que implica, por aplicação de 1.) que .1)1( 2 C
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Tem-se assim que CeC 11 o que é absurdo, tendo em conta 2.) logo, C não
pode ser ordenado no sentido referido.
Verificamos assim que o número i não pode ser considerado nem positivo nem negativo
sem que o efeito nos conduza a uma contradição. Deste modo desigualdades em C do
tipo 1z > 2z não fazem sentido.
Sugerimos algumas atividades
1- Euler, matemático do século XVIII, escreve nos seus Elementos de Algebra:
Como –a significa +a multiplicado por –1, e que a raiz quadrada de um produto é igual
ao produto das raízes quadradas dos factores, daí podemos escrever a como sendo o
produto de a por 1 . Ora a é um número possível ou real, por consequência, o
que há de impossível numa quantidade imaginária, pode sempre reduzir-se a 1 . De
acordo como que dissemos, 4 é igual a 4 multiplicada por 1 , o que é o
mesmo que 12 , porque a 4 é igual a 2. Pela mesma razão 9 reduz-se a
1.9 ou 3 1 e 16 significa 4 1 .
E ainda, a multiplicada por b é igual a ab , logo podemos dizer que 6 é igual a
2 multiplicada por 3 .
Aplicando as regras enunciadas por Euler, que são análogas às do cálculo usual, calcule
a)
2
1
1.1
Pensa que os dois resultados são coerentes?
b) Euler escreve 63.2 ou ?3.1.2.13.2
Poder-se-á continuar a aplicar as regras do cálculo usual a estes novos números?
2- Porque é que a resolução da cúbica foi tão importante para reforçar a
necessidade de utilização dos Números Complexos?
(Uma resposta de B. J. Caraça – Conceitos Fundamentais da Matemática –
Gradiva, 1998)
Um grande embaraço
Ponhamos o seguinte problema: seja v o volume de um cubo de aresta x, e v’ um de
um paralelepípedo rectângulo cuja área da base é 3 e cuja altura é igual à aresta do
cubo; determinar x de modo tal que seja v = v’+1.
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Como xvexv 3'3 o problema leva imediatamente à seguinte equação
133 xx , ou seja ...0133 xx
Temos, neste caso
A resolução do problema depende, como se vê, do cálculo de 4
3 ; mas esta raiz
não existe...
...a não existência de 4
3 quer apenas dizer que o nosso problema é impossível
(tendo em conta o mesmo problema quando pensamos na equação do 2º grau).
Mais devagar! O nosso problema não é impossível; ora vejamos: quando a aresta x
do cubo é muito pequena, o volume 3xv é também muito pequeno e menor que
a soma 3x+1, mas, à medida que x aumenta, v vai-se aproximando de v’+1 = 3x+1,
e chega mesmo a ultrapassá-lo; por exemplo, para x = 1 é v = 1 e v’+1 = 4, mas
para x = 2 é já v = 8 e v’ + 1 = 3 x 2 + 1 = 7. Conclui-se deste raciocínio que deve
haver uma altura em que os dois volumes se igualem e o valor de x para o qual
isso se der é raiz do problema: 133 xx . Esta, deve, portanto, ter uma raiz1
(utilizando a calculadora gráfica, podemos confirmar as afirmações de B. J.
Caraça).
Que concluir daqui? ...o nosso instrumento de cálculo – conjunto dos números
reais – não chega; há uma raiz que ele não permite calculá-la; há que ir mais além.
Que essa necessidade imperiosa tenha sido posta em relevo pelas equações do 3º
grau, e não pelas do 2º (nas quais, porém, o facto da impossibilidade analítica já
aparecera muitos séculos antes), mostra bem que o progresso da Matemática se não
realiza sempre em obediência a um plano lógico de desenvolvimento interno, mas,
muitas vezes, pelas pressões exteriores, que a obrigam a procurar, às apalpadelas, o
seu caminho.
1 Podemos afirmar que essa raiz está compreendida entre 1,8 e 1,9 visto que para x = 1,8 é v = 5,832
v’+1 = 6,4 e para x = 1,9 é já v = 6,859 v’+1 = 6,7.
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ProfMat 2014
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Referências Bibliográficas
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