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7/30/2019 Uma Duzia de Tchekhov Contos Revisado
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Uma Dzia de Tchekhov - Contos
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No mar da CrimiaAs trevas tornam-se cada vez mais densas. A noite
esce. Gusief, antigo soldado, agora em baixaefinitiva, incorpora-se na sua rede e diz baixinho:
Escuta, Pavel Ivanytch: um soldado me contouue o barco dele chocou-se, no Mar da China, comm peixe que era do tamanho de uma montanha.er verdade?avel Ivanytch permanece calado, como se no
vesse ouvido nada.O silncio volta a reinar. O vento zune por entre asnxrcias. As mquinas, as ondas e as redesroduzem montono rudo. Mas quem tem ouvido habituado h j muito tempo, quase noercebe dir-se-ia, mesmo, que tudo ao redor est
mergulhado em profundo sono.O tdio gravita sobre os passageiros que sencontram na enfermaria. Dois soldados e um
marinheiro voltam doentes da guerra. Passaram oia inteiro jogando e agora, cansados, deitam-se eormem.
O mar torna-se um tanto agitado. A rede na quaGusief est deitado ora sobe, ora desce, lentamente,
omo um peito arquejante. Algo fez rudo ao cair aoolo; talvez uma caneca.
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O vento partiu as suas correntes e est a corrermar diz Gusief prestando ateno aos rumores
ue vm do convs.Desta vez, Pavel Ivanytch tosse e exclama com voz
rritada: Meu Deus! Que idiota que voc ! Quando no see a dizer que um barco se despedaou dencontro a um peixe, diz que o vento partiu asorrentes, como se fosse uma de carne e osso...
No sou eu quem diz isso, so as pessoas de bem. So todos uns ignorantes como voc. precisoaber ter a cabea no lugar e noacreditar em todass bobagens que se contam pelo mundo. precisoefletir bem, antes de aceitar uma idia alheia.avel Ivanytch sensvel ao enjo. Quando o navioomea a jogar, fica de mau humor e pr qualqueroisa se irrita. Gusief no compreende pr que oizinho de enfermaria se enerva tanto. No h nada
e extraordinrio no fato de um barco se despedaare encontro a um peixe, havendo, como h, peixesmaiores do que montanhas e de pele mais dura que
gelo. muito natural, tambm, que o vento rompas suas cadeias. H muito tempo contaram a Gusie
ue l longe, no fim do mundo, h enormesmuralhas de pedra, s quais esto presos os ventos;s vezes eles partem as correntes e lanam-se
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travs dos mares, uivando como ces loucos. Porutra parte, se no fosse verdade que estocorrentados, onde se escondem quando o mar estalmo?
Gusief fica a pensar longamente nos peixes doamanho de montanhas, e nas pesadas cadeiasecobertas de ferrugem. Depois aborrece-se disso eassa a pensar na sua aldeia, para onde, agora,egressa, depois de cinco anos de servio no
xtremo Oriente. Sua imaginao evoca um vastoique, recoberto de gelo e de neve. Numa das suas
margens ergue-se uma fbrica de louas, construdaom tijolos vermelhos, de cuja alta chamin saemegros rolos de fumaa. Na margem oposta estospalhadas as casas da aldeia.
Gusief imagina que est vendo sua casa. Seu irmoAlexey, que na sua ausncia se tornou o chefe damlia, sai do ptio num tren, acompanhado de
eus dois filhos, Vnia e Akulka, ambos com grossasotas; Alexey est um tanto bbedo. Vnia ri,Akulka traz um xale que quase lhe oculta o rosto. Pobres crianas, que frio devem sentir! pensaGusief. Virgem Santa, protegei os coitadinhos!
O marinheiro estendido ao lado de Gusief tem oono muito agitado e comea a sonhar em voz alta.
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preciso mandar pr meia-sola nas botas xclama. Se no melhor jog-las fora.
A aldeia natal desaparece da mente de Gusief, seusensamentos tornam-se desconexos. V a seguir
ma enorme cabea de boi, sem olhos; trens,avalos envoltos num espesso halo... Recorda,orm, embora vagamente, ter visto os seus, e isso
he provoca uma alegria to intensa que elestremece da cabea aos ps.
Vi a minha gente! Vi a minha gente! murmuraonhando, com os olhos bem fechados.
No mesmo instante incorpora-se bruscamente, abres olhos e pede um copo de gua. Depois de beber,orna-se a deitar e os sonhos retornam.
assim at raiar o sol.A escurido vai diminuindo e a cabina ilumina-se. A
rincpio v-se um crculo azul; o postigo. LogoGusief comea a distinguir o vizinho de maca, Pavel
vanytch, o qual dorme sentado porque estendidoufocaria. Tem o semblante acinzentado, o narizontiagudo e os olhos muito aumentados pelaorrenda magreza, vincadas as frontes, melenas
ongas... Pelo aspecto no se lhe adivinharia a
ategoria: intelectual, negociante ou clrigo? Pelasnhas do semblante e pela guedelha, parece umovio de qualquer convento; porm, quando fala,
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erifica-se que no frade. Aniquilado pela tosse,elo calor e pela doena, respira a muito custo eara falar precisa fazer grande esforo. Notando que
Gusief o observa, volve a cabea e diz:
Comeo a compreender... Agora, sim,ompreendo tudo, perfeitamente bem! Como, Pavel Ivanytch? Olhe... Parecia-me estranho que vocs, to
oentes, estivessem aqui, num barco em terrveis
ondies higinicas, respirando numa atmosferampura, exposto ao enjo,ameaados a todo
momento pela morte. Agora j no estranho isso. ma pea de mau gosto que os mdicos vosregaram. Meteram vocs neste barco para sevrarem de vocs. Estavam fartos de vocs. Almisso, no lhes interessa tratar de doentes dessa laia,ois vocs no pagam. E no queriam que
morressem no hospital, pois isso sempre causa m
mpresso. Para se desembaraarem de vocs,astava, em primeiro lugar, no possuir conscinciaem sentir amor humanidade; depois, snganar o comandante do navio. Quanto aorimeiro ponto, nem preciso falar; somos, a esse
espeito, artistas; e, com alguma prtica, o segundo sempre bom resultado. Ningum nota a falta deuatro ou cinco doentes entre quatrocentos soldados
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marinheiros em perfeita sade. Embarcados, vocso postos no meio dos saudveis; contados defogadilho e na confuso da partida, nada se v denormal. Inicia-se a viagem, percebem, como
atural, que todos vocs so paralticos euberculosos de ltimo grau, a se arrastarem....Gusief no compreende Pavel Ivanytch . Supondo
ue Pavel est desgostoso com ele, diz paresculpar-se:
No tenho culpa. Deixei que me embarcassemlegrando-me muito pelo fato de poder voltar parasa.
Oh! revoltante continuou Pavel Ivanytch.rincipalmente porque eles bem sabem que vocso podem suportar esta longa travessia.
Admitamos que vocscheguem at o Oceano ndico.depois? ... terrvel pensar nisso!... Eis a
ecompensa de cinco anos de fiel e irrepreensvel
ervio! Os jornais deveriam contar essas sujeiras! Serima boa lio para esses canalhas!avel Ivanytch, com expresso de ira e vozufocada, diz:
Os dois soldados e o marinheiro doente acordaram euseram-se a jogar baralho.
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O marinheiro est meio sentado na maca; osoldados, perto dela, sobre a ponta, em posioncmoda. Um tem o brao enfaixado e o pulsonvolto num verdadeiro monte de pensos, de tal
maneira que se vale da flexo de cotovelo paraegurar as cartas.O barco baloia violentamente, o que impede que
ente se levante para tomar ch. Voc era ordenana? pergunta Pavel Ivanytc
Gusief. Justamente. Meu Deus! Meu Deus! levanta-se Pavelvanytch. Arrancar um homem do seu ninho,brig-lo a fazer quinze mil verstas e apanhar auberculose, para... para que pergunto-lhes eu?...ara dele fazer a ordenana do capito Kopeikine oue um porta-bandeira Durka... Haver lgica nisso?
O trabalho no difcil, Pavel Ivanytch. s
evantar cedo, engraxar as botas, arrumar osuartos, e nada mais. O meu oficial ficava a traarrojetos o dia todo, eu podia dispor do meu tempo,odia ler, passear, conversar com os amigos.rancamente, no posso queixar-me.
Sim, de fato; o tenente esboava plantas e voccava a se aborrecer a quinze mil verstas da sua
erra, desperdiando os melhores anos da sua vida.
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raar plantas!... No se trata de plantas mas daida humana, meu caro. E o homem s tem umida; devemos poup-la.
Realmente, verdade, Pavel Ivanytch continu
Gusief que mal entende o raciocnio do vizinho. Um pobre diabo no bem tratado em partelguma, nem em casa, nem no servio. Mas se aente cumpre sua obrigao, como eu, no tem nadtemer, que necessidade haver de maltrat-los? Os
hefes so pessoas instrudas e compreendem asoisas... Eu, em cinco anos, nunca estive preso e,uanto a ser espancado... no o fui se Deus no
me tolhe a memria seno uma vez... E por qu? Por uma rixa. Tenho a mo pesada, Pavelvanytch. Quatro chineses, se bem me lembro,ntraram no ptio da casa. Acho que procuravamrabalho. Pois bem, para passar o tempo comecei a
ar neles. O nariz de um dos rprobos sangrou... Oenente, que tudo vira da janela, me deu uma boao.
Meu Deus! Que imbecil que voc ! murmuravel Ivanytch. Voc no compreende nada!
Completamente aniquilado pelo balano do barco,le fecha os olhos. A cabea ora se lhe inclina par
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rs, ora sobre o peito. Tosse cada vez mais. Depoise curta pausa, diz:
Por que que voc espancou aqueles coitados? toa. Estava muito aborrecido.
Reina de novo o silncio. Os dois soldados e omarinheiro passam horas e horas a jogar, por entrelasfmias e insultos. Mas as oscilaes acabam poratig-los. Acabam a partida e deitam-se. Mal fechs olhos, Gusief rev o grande lago, a fbrica, a
ldeia... sua aldeia, com seu irmo e seus sobrinhos.Vnia recomea a rir e a tola da Akulka, pondo as
ernas fora do tren, exclama: Olhe, gente, asminhas botas so novinhas e no como as deVnia! Ela vai para os seis anos delira Gusief einda no tem juzo. Em vez de mostrar as botas,evia trazer gua para o titio soldado! Depois, dar-
he-ei bombons.
Depois avista seu amigo Andron, pederneira aracolo. Carrega uma lebre que matou. Issaitchik,udeu, segue-o a propor-lhe a troca da lebre por umedao de sabo. Ali, porta da cabana, h umovilha negra. Eis que surge Domna, sua esposa,
ue costura uma camisa e chora. Por que chorala?... E eis, de novo, a cabea de boi sem olhos e aumaa preta.
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Adormece, mas um rudo no tombadilho o desperta.Algum, l em cima, est a gritar; acorrem diversosmarinheiros. Parece que alguma coisa enorme e
esada foi levada ponte ou, ento, aconteceu
ualquer coisa inesperada. Acorrem mais homens...er sucedido alguma desgraa?! Gusief ergueabea, espreita e v que os dois soldados e o
marinheiro recomearam o jogo. Pavel Ivanytch,entado, move os lbios como se quisesse falar; mas
o diz nada. Todos ofegam, sufocam, tm sede; oalor continua. Gusief tem a garganta a arder, mas agua morna causa-lhe repugnncia. E o barcoontinua a danar.
De repente, algo de anormal acontece a um dosoldados que jogam. Ele confunde o naipe de copasom o de ouros, erra na conta e deixa cair as cartas.
Depois, olha em torno de si com um sorrisoediondamente alvar.
Voltarei logo, camaradas... Esperem... eu... eu... estende-se no pavimento.Os companheiros interrogam-no, estupefatos; ele
o responde. Stepan! Sente-se mal? pergunta-lhe o soldado
o brao ferido. Hein? Quer que chame o padre,im?
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Stepan, beba gua, beba, camarada, beba! diz-he o marinheiro.
Mas por que voc lhe empurra a caneca boca? exclama Gusief, irritado. No vs, ento, seu
diota?... Como?... Como?.. repete Gusief arremedando; ele no respira... est morto. E ainda perguntas:Como? Que idiota, meu Deus!
Cessa o baloio. Pavel Ivanytch est de novo alegre,o se irrita mais por qualquer coisa. Tornou-se atanfarro, escarnecedor. Tem o ar de quem desejontar uma histria to engraada que provoqueor de barriga.elo postigo aberto, uma brisa suave passa sobreavel Ivanytch. Ouvem-se vozes; os remos ferem agua compassadamente... Sob o postigo, algumegouga; talvez um chins que se tenha aproximado
um bote. Sim diz Pavel Ivanytch, sorrindo zombeteiro eis-nos no ancoradouro. Um ms mais, estaremos na Rssia. Sim, cavalheiros, estamoshegando. Os soldados so muito acatados, sim
enhor. Chegando em Odessa, seguirei para Carcov,nde tenho um amigo escritor a quem direi:Vamos, amigo, deixa pr um minuto os teus
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scabrosos temas relacionados com mulheres e commor; deixa de cantar as belezas da natureza erocura divulgar as sujeiras dos seres de duas patas.rago-te esplndidos temas...
Depois de ter pensado um minuto em qualqueroisa, torna: Gusief, voc sabe como os enganei? A quem? Aos que mandam no navio...Compreende? Na
mbarcao no h seno duas classes: a primeira eterceira. De terceira s viajam os mujiks, tambm
hamados broncos. Se voc tiver um jaqueto e umerto ar de cavalheiro ou de burgus, obrigado aiajar de primeira. Dir-lhe-o: Arranje-se comouder, mas deve pagar quinhentos rublos. Qualazo desse regulamento? Querer o senhor elevarom isso o prestgio dos intelectuais russos?Absolutamente, no. No lhe permitimos viajar de
erceira pelo simples motivo de que no convm sessoas distintas; passa-se bem mal e repugnante.Muito agradecido, prezado senhor, pela suaolicitude para com as pessoas distintas! Mas, comouer que seja, no disponho de quinhentos rublos.
No fiz negcios escuros, no roubei o Estado, noxerci contrabando, no fiz morrer ningum sob ooite. Como posso ser rico? Ora, pense bem. Tenho
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u o direito de estabelecer na primeira classe e,obretudo, insinuar-me entre os intelectuaisussos? Dado, porm que no possvel venc-os pelo raciocnio, recorre-se a um ardil. Visto o
apote e calo as botas altas; tomando um ar debedo dirijo-me ao bilheteiro: Excelncia, desejo uma passagem de terceira e
ue Deus o abenoe. Qual a sua profisso? pergunta-me o
uncionrio. Sou do clero. Meu pai foi um pope honesto.Muito sofreu pr dizer sempre a verdade aos
oderosos deste mundo. Eu tambm sempre digo aerdade...
Sim, sempre digo a verdade sem rebuo... Noemo coisa alguma nem ningum. Nesse ponto, hntre mim e vocs considervel diferena. Vocs nonxergam nada. Ignorantes, cegos, esmaga-os o peso
a prpria inferioridade. Acreditam que o ventost amarrado com correntes e outras bobagens.Vocs beijam a mo que vos fere. Um espertalho
ualquer, vestido de pelia, rouba tudo que vocsm e depois vos atira quinze kopeks de gorjeta, e
ocs dizem: D-me, Excelncia, a honra de lhe beijar a mo.
rias, asquerosos... Quanto a mim, sou bem
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iferente. Levo uma vida consciente. Vejo tudo,omo a guia ou o abutre que se eleva muito acimaa terra. Compreendo tudo. Sou a encarnao dorotesto. Protesto contra o arbitrrio, contra o beato
ipcrita, contra os sunos triunfantes. E soundomvel. Nem mesmo a Inquisio espanhola mebrigaria a calar. Sim... Se me arrancassem a lngua,
minha mmica protestaria. Lancem-me numubculo, tranquem a porta: bradarei to fortemente,
ue serei ouvido a uma versta de distncia; ounto, me deixarei morrer de fome para quebrega conscincia dos carrascos sinta um peso a
mais. Todos os conhecidos me dizem: Pavel Ivanytch, na verdade voc nsuportvel! Mas eu me orgulho dessa reputao.nfim, que me matem! Minha sombra voltarterradoramente. Prestei trs anos de servio noxtremo Oriente, e l deixei uma reputao par
em, porque me incompatibilizei com todo mundo.Os amigos escrevem-me: No aparea!, poisonhecem meu carter belicoso. E eu embarco! eolto a despeito dos seus avisos!... Sim, essa a vidaue eu compreendo. Isso sim que se pode chamar
vida.Gusief deixa de escutar e olha atravs do postigo.Uma canoa oscila sobre a gua transparente, cor de
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urquesa plida, banhada em cheio pelo soeslumbrante e abrasador. Nela, de p e nus, algunshineses oferecem gaiolas de canrios e gritam:
Canta bem! Canta muito bem!
Outra canoa bate contra a primeira: passa ummbarcaozinha a vapor. E eis ainda outra canoa,m que se v um gordo chins, que come arroz comauzinhos. A gua gorgulha preguiosamente; haivotas brancas voando com indolncia.
Oh! aquele gorducho... pensa Gusief. Seriozado dar uns sopapos nesse animal de carmarela.avel Ivanytch cansa-se de falar; respira comificuldade. Mas prossegue: Dormindo em p,parece-lhe que toda a natureza cabeceia com sono.
O tempo corre veloz. O dia se escoa sem que se dr isso e do mesmo modo a noite vem chegando...
O barco desamarrou e prossegue para destino
gnorado.assaram-se os dias. Pavel Ivanytch j no estentado, mas curvado. Tem os olhos fechados e oariz afinou-se ainda mais.
Pavel Ivanytch! grita-lhe Gusief. Ouviu, Pave
vanytch? Como ? Isso vai ou no vai?
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Assim, assim... responde Pavel Ivanytch,rquejante. Ao contrrio, vai at melhor... Olhe,asso at deitado... A coisa vai melhorando.
Ento, que Deus seja louvado!
Sim, estou melhor. Quando me comparo a vocs,into compaixo...Tenho os pulmes fortes; a tosseme vem do estmago... Sou capaz de suportar onferno. Por que falar no mar Vermelho? Alm do
mais, considera a minha doena e os remdios do
onto de vistacrtico... e vocs so uns pobresiabos... terrvel para vocs... muito, muito
errvel. Tenho verdadeira pena de vocs.As ondas j no fazem o barco jogar, mas atmosfera clida e pesada como um barco a vapor.
Gusief apia a cabea nos joelhos e pe-se a pensara sua aldeia. Com o calor que faz, um prazerensar na aldeia, completamente coberta de neveesta poca do ano. Sonha que est passeando de
roika atravs dos campos gelados. Os cavalosspantados sem motivo, correm como loucos etravessam o dique num nico salto. Os camponesesrocuram det-los, mas Gusief pouco se importa.ente-se possudo printensa alegria. com prazer
ue recebe no rosto e nas mos a glacial carcia doento, e a neve a lhe cair pelo cabelo, pelo pescoo eelo peito o imunda de felicidade.
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No se sente menos contente quando, em dadomomento, o carro vira, atirando-o na neve. Levanta-e satisfeito, coberto de neve da cabea aos ps, eca a se sacudir entre gostosas gargalhadas. Ao
edor, os camponeses tambm soltam risadas e osachorros, nervosos, ladram. Realmente formidvel.avel Ivanytch entreabre um olho, fita Gusief eergunta:
Teu oficial roubava?
No sei Pavel Ivanytch. Essas coisas no so deossa conta.
Volta a reinar profundo silncio. Gusief mergulhoue novo nos seus sonhos. De quando em quando
oma um pouco de gua. O calor to forte que eleo tem vontade nenhuma de falar nem de ouvir, e
eme que a qualquer momento algum lhe dirijaalavra.
Uma, duas horas transcorrem. tarde sucede
oite; mas Gusief parece no ter notado nada;ontinua na mesma posio, a fronte nos joelhos, aensar na sua aldeia, no frio, na neve.
Ouvem-se passos, vozes. Ao cabo de cinco minutosudo volta a cair no silncio.
Que a terra lhe seja leve! murmura o soldadoo brao ferido. Era um homem que deixava a genteervoso.
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Quem? pergunta Gusief esfregando os olhos. De quem que ests falando? Ora, de quem? De Pavel Ivanytch! Morreu.
evaram-no para cima.
Como? murmura Gusief como se noompreendesse. Fica longo tempo a meditar e porm, com um suspiro, diz: Ento tudo se acabou!
Que Deus o perdoe! O que que voc acha? pergunta o soldado.
oc acha que ele ser admitido no Paraso? Ele quem? Pavel Ivanytch, homem! Ah!... Creio que sim. Sofreu muito. Alm disso,ra do clero. Seu pai era pope e rogar a Deuselo filho.
O soldado senta-se na cama de Gusief e olhando-oxamente, diz em voz baixa:
Tambm voc, Gusief, no h de viver muito.
No voltar a ver a sua terra. Quem disse isso!? O mdico? O enfermeiro? Ningum, mas a gente v logo. Percebe-se muito
em quando uma pessoa est para morrer. Voc noome, emagrece dia a dia... causa medo. Enfim,
uberculose. No digo isso para o assustar, maspenas no seu prprio interesse. Deveria receber os
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acramentos... Alm disso, se voc tem dinheiroeve deix-lo com o comissrio do navio...
Nem escrevi para minha gente suspira Gusief.Morrerei e eles no sabero de nada.
Como no sabero? Quando voc morrer elesscrevero para as autoridades militares de Odessa,ue, por sua vez, avisaro sua famlia.
Gusief est profundamente perturbado. Vagosesejos o afligem. Toma um pouco de gua, volta a
erscrutar o mar atravs do postigo, porm nadaonsegue acalm-lo. Nem mesmo a lembrana daldeia consegue, agora, tranqiliz-lo. Temmpresso de que se permanecer mais um minuto nnfermaria cair sufocado.
Estou muito mal, meus irmos diz baixinho.No posso continuar aqui... Quero ir l para cima.Quem quer ajudar-me? Bom diz o soldado. Vou acompanh-lo, j que
o pode ir s. Apoie-se no meu ombro.Gusief obedece. O soldado segura-o com a sua mo e ambos sobem vagarosamente a escada queonduz ao convs.m cima, o tombadilho est cheio de marinheiros e
e soldados deitados no cho. So tantos que ifcil abrir caminho.
Sente-se diz o soldado. Eu o seguro.
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No se v muito bem. No h luz no tombadilho,em nos mastros, nem no mar. Uma sentinela, de pa extremidade do navio, est to imvel que parecedormecida. Dir-se-ia que o barco se encontr
bandonado ao seu prprio destino e que ningume importa em lhe dar um rumo. Vo atirar Pavel Ivanytch ao mar murmura ooldado. Vo costur-lo num saco e atir-lo sndas.
Sim responde Gusief suavemente. doegulamento.
melhor morrer em terra. De vez em quandome da gente vem chorar junto ao tmulo, ao passo
ue aqui... Sim, eu tambm preferiria morrer na minha casa,
a aldeia...enosamente, os dois se erguem e comeam a andar.m certo trecho sente-se pronunciado cheiro de
orragem e de esterco: vem de um curramprovisado no tombadilho, onde se encontram oitoacas. Um pouco mais adiante, h um potromarrado. Gusief estende a mo para acarici-lo,
mas o cavalo sacode furiosamente a cabea e mostr
s dentes, com eloqente inteno de mord-lo. Bicho do inferno! protesta Gusief.
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le e o soldado apoiam-se na balaustrada e ficamlhar em silncio ora o mar, ora o cu. Sobbbada celeste, calma e muda, reinamnquietao e as trevas. As ondas se entrechocam
uidosamente. Cada uma procura erguer-se mais doue a outra e se atropelam, e se Empurram, furiosasdisformes, coroadas de branca espuma.
O mar impiedoso. Se o navio no fosse to grandeto slido, as ondas o destroariam sem piedade,
ragando cruelmente todos quantos viajam nele, semistinguir os bons dos maus. O prprio barco no
menos cruel. Semelhando um estranho monstro,orta com a quilha milhes de ondas. No teme nemnoite, nem o vento, nem o espao infinito, nem a
olido. Se a superfcie do mar estivesse cheia deeres humanos, cort-los-ia da mesma maneira, semampouco, fazer distino entre os bons e justos e osecadores.
Onde estamos agora? pergunta Gusief. No sei. Acho que no oceano. No se v terra... Que dvida! Antes de oito dias no veremos nemombra de terra!
Ambos continuam perscrutando a espuma branca eosforescente, mergulhados no mais completo
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ilncio. Cada um parece perdido em remotosensamentos. Gusief o primeiro a falar:
Eu no tenho medo do mar. lgico que, deoite, a gente no v bem. Mas mesmo assim, se
gora me mandassem, num bote, a pescar a cemuilmetros daqui, iria com muito gosto. Ou, se porxemplo, tivesse que salvar algum que tivesseado na gua, eume atiraria sem vacilar. Isto , casoe tratasse de um cristo. claro que eu no
rriscaria a vida por um turco ou por um chins. No tem medo da morte? Tenho sim, principalmente quando penso nminha casa. Sem a minha presena tudo ir por gubaixo. Meu irmo uma verdadeira calamidade,m beberro que bete na mulher todo o santo dia eo respeita os pais. Sim, sem mim tudo ir mal.
Minha gente ver-se- obrigada, talvez, a pedirsmolas para no morrer de fome.
Cala-se por alguns instantes e por fim conclui: Vamos para baixo. No posso mais suster-me em. Alm disso, a atmosfera est muito pesada... J ora de dormir.
Gusief desce para a enfermaria e deita-se. Vagos
esejos, cuja natureza no pode precisar, continuamatorment-lo. Sente um peso no peito; di-lhe a
abea. Sua boca est seca que sente dificuldade em
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mover a lngua. Cai em profunda sonolncia e logoepois, esgotado pelo calor e pela atmosferarregada, adormece. Os mais fantsticos sonhosoltam a repetir-se!!!
Dorme, assim, dois dias seguidos. Ao cair da tardeo terceiro, os marinheiros vm busc-lo e levam-noara o convs.
Costuram-no num saco, no qual introduzem,ambm, para torn-lo mais pesado, dois enormes
edaos de ferro. Metido no saco Gusief parece umaenoura: volumoso na cabea e afinado nas pernas.
Ao pr do sol colocam o cadver sobre uma pranchaue tem uma das extremidades apoiada nalaustrada e a outra num caixo de madeira. Aoedor enfileiram-se os soldados e os marinheirosodos de gorro na mo.
Bendito seja Deus todo-poderoso pelos sculosos sculos diz com tom solene o sacerdote.
Amm! respondem os marinheiros.odos fazem o sinal-da-cruz e ficam a olhar asndas. algo estranho ver um homem metido numaco e a ponto de ser lanado ao mar. No entanto, ma coisa que pode suceder a qualquer um de ns!
O sacerdotes deixa cair um pouco de terra sobreGusief a faz profunda reverncia. A seguir, canta-se
Ofcio.
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O oficial de planto soergue um dos extremos darancha. Gusief desliza de cabea para baixo, dma volta no ar e cai na gua. Por alguns instantesca a boiar, coberto de espuma, como se estivesse
nvolto em rendas; por fim, desaparece.ubmerge rapidamente. Chegar ao fundo?egundo os marinheiros, a profundidade do marestas paragens alcana quatro quilmetros.
Aps fazer vinte metros, comea a descer mais
entamente. O cadver vacila, como se hesitasse emontinuar a viagem. Finalmente, arrastado pelaorrente, prossegue a marcha diagonalmente.
No demora em tropear com um cardume deeixinhos dos chamados pilotos, os quais, aoivisarem o enorme vulto, estacam assombrados e,omo se obedecessem a uma ordem, voltam-se,odos ao mesmo tempo, e, como minsculas flechas,tiram-se a Gusief.
Minutos depois aproxima-se uma enorme massascura: um tubaro. Lentamente, com fleuma, comoe no notasse a presena de Gusief, coloca-se sob oaco de maneira a dar a impresso de que o cadverst de p sobre o seu ombro. Visivelmente
atisfeito, o tubaro d, depois vrias voltas na gu, sem se apressar, escancara a enorme boca, armade duas fileiras de dentes. Os pilotos esto
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ncantados. Mantm-se um pouco afastados edmiram o espetculo atentamente.
Depois de brincar um pouco com o corpo de Gusief,tubaro crava os dentes de mansinho, no tecido da
mortalha, a qual no mesmo instante abre-se de cimabaixo. Um pedao de ferro tomba no lombo doubaro, assusta os pilotos e desce rapidamente.nquanto isso, l no alto, no cu, onde o sol poucoouco se oculta, as nuvens vo-se acumulando.
Uma delas parece um arco-de-triunfo, outra umeo; outra ainda uma tesoura. Atravs de uma dasuvens projeta-se at o centro da abbada do cum amplo raio verde. Ao lado dele surge, poucoouco, um colorido de lils bem plido. Sob estesplndido cu, o oceano torna-se a princpiobscuro; logo, porm, passa, por sua vez, a tingir-see cores to suaves, alegres e belas que a lnguaumana incapaz de descrevlas.
VarkaAnoitece. Varka balana com o p um bero ondehora uma criana, cantarolando monotonamente:
Bain bainscki bain...
Uma lmpada verde brilha diante de uma imageme santo. Um par de grandes calas negras pende dema corda. A lmpada projeta uma mancha verde
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obre as coisas e as calas fazem danar sombras narede e no bero. A chama vacila como tocada peloendo. O ar sufocante, impregnado de um odor deapatos, de couro, de tinta.
O menino chora. No cessa de chorar e de gemer;st extenuado, sua vozinha tornou-se rouca; masle chora ainda, sem parar.
Varka tem sono. Seus olhos fecham-se, sua cabeanclina-se para o peito. Mal pode abrir os olhos tanto
he pesam as plpebras. Bain bainscki bain... murmura com vozxtinta, bain bain...
Um grilo estridula numa frincha do cho. Noposento vizinho, ouve-se a mquina do sapateiro.
O bero range lamentosamente. Varka cantarola, eudo se confunde num doce murmrio que convidao sono. Mas no se deve dormir! Varka resiste aoorpor que a invade, porque, se por desgraa
dormecer, o patro bater-lhe-ia. A chama dampada vacila. A mancha verde e a sombra negranam diante dos olhos fixos que Varka se esforor conservar abertos. Sonhos indistintos vagam noeu crebro amodorrado. Ela v nuvens negras que
e perseguem, gritando com voz infantil. As nuvense desfazem e Varka divisa uma estrada, longa,egra e lamacenta. Filas de carros avanam
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entamente; homens caminham vagarosamente,ombras se agitam aqui e acol! Atravs de umavoa cinzenta e fria ela entrev os albergues, dosois lados da estrada. As sombras se alongam, os
iajantes perdem-se na estrada lamacenta. Por qu? pergunta Varka. Para dormir, para dormir... Bain bainscki bain... canta Varka, e, sbito,cha-se numa msera isba negra, acanhada e
ufocante. No aquele seu pai, Efim Stepanov, queli jaz por terra e seestorce em sofrimentos atrozes?la v, mas no ouve os gemidos. a sua hrnia queatormenta. A dor to forte que ele no pode
alar; respira penosamente, com um gargarejoontnuo:
Groo... groo... groo...is a mulher, Pelgia, que se precipita para fora da
sba, para dizer ao patro que Efim moribundo.
Quando voltar? Saiu j h muito tempo e Varkspera-a. Varka est acordada perto do fogo, maso dorme e escuta o ofegar do moribundo:
Groo... groo... groo...inalmente, um rumor de rodas que se dirige para a
sba. Um mdico vem visitar o doente. Entra nouarto. A escurido tanta que Varka no o v, masuve a sua voz.
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D-me uma luz! exclama ela. A me acendema vela. Efim sufoca.
Que tem? pergunta o mdico curvando-se sobrele.
Que tenho? Morro. Est acabado. Ainda no. Salvar-te-emos. Havemos de curar-te. Se vossa senhoria acha, agradeo-lhe muito. Mase a morte est aqui, pacincia. O mdico examinavdoente. Os minutos corriam.
No posso fazer nada disse , precisomand-lo para o hospital para ser operado;mas isto
epressa, sem perder um minuto. tarde, e noospital devem todos estar recolhidos, mas eu darem bilhete de recomendao para o diretor.
Compreendeu? Mas ele no pode andar, senhor! Ns no temosavalo! gemeu a me.
Mandarei busc-lo disse o mdico, e foi-se, e a
ela apagou-se e Varka ouve novamente: Groo... groo... groo...Alguns instantes depois pram carro porta. Recebe Efim e parte... dia. O
empo est alegre. A me vai ao hospital saberotcias. E volta. Entrando na isba, faz o sinal-da-
ruz e chora. Operaram-no, e a princpio estava melhor, mas
epois, pela madrugada, morreu. Que Deus o tenha
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m sua paz. Disseram que era muito tarde, queeveramos t-lo mandado mais cedo para oospital.
dormem um sono de chumbo, profundamente,
nquanto sobre os fios telegrficos corvos gritam,om voz infantil, para acordar aqueles homens...is Varka no meio do bosque. Caminha ao lado d
me, e chora, chora amargamente.De repente ela recebe uma pancada na cabea, to
iolenta que cai e bate com a cabea numa rvore.Abre os olhos e v o patro, o sapateiro: Que fazes, preguiosa?! grita ele. O meninohora e tu dormes?
puxa-lhe as orelhas; ela recomea a balanar oero, cantarolando:
Bain bainscki bain...A mancha verde e a grande sombra negra danam
a parede, e o crebro dela se entorpece. Ei-la
ovamente na grande estrada lamacenta. Osiajantes dormem profundamente. Varka tem sonoambm, tem tanto sono e seria to feliz se pudesseormir... Mas sua me caminha sempre e arrasta-aela mo. Dirigem-se cidade em busca de trabalho.
Uma esmola, pelo amor de Deus! mendigame durante todo o caminho. Tende piedade...
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Depressa, d-me o menino! responde uma vozonitruante d-me o menino! Tu dormes, canalha!
grita a voz irritada e rude.Varka levanta-se, estremunhada. Sim, compreende:
o mais a longa estrada, os viajantes,a imagem dame. a patroa que aparece no meio do quarto, queem aleitar o menino. Aquele era o passado de
Varka, visto em sonho; este o presente.nquanto a gorda patroa aleita o menino,
rocurando adormec-lo, Varka, de p, lana oslhos pela janela. O cu empalidece, a sombra e
mancha verde esto quase desvanecidas: dentro emouco ser dia.
Toma, segura o menino! ordena a patroa,botoando a camisa no peito. Ele chora sempre. Tuom certeza o maltrataste!
Varka torna a deitar o menino e recomea a embal-o. Que sono terrvel! Os olhos se fecham, a cabea
esa-lhe como chumbo. Varka, tempo de acender o fogo brada a vozo patro.
preciso levantar-se e trabalhar. Varka larga oero e vai buscar a lenha. Est contente de poder
mover-se, andar, espantar aquele sono tremendo.st pronto o fogo. Suas idias aclaram-se, seu rostoistende-se.
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Varka! o samovar! depressa! grita a patroa.Varka apronta o samovar e recebe nova ordem. Varka, vai limpar as botas do patro!
ela acocora-se para limpar as botas. Ah! como
eria bom meter a cabea dentro de uma daquelasotas e dormir! Varka escancara os olhos e sacode-seigorosamente.
Varka, vai lavar a sala! Est que uma vergonha!os fregueses no tardam!
Varka lava rapidamente o cho, varre tudo, limpaudo, acende o outro fogo! O tempo urge: no hm momento a perder.
O dia passa. Varka v com alegria a noite que chega.O ar fresco da noite promete-lhe um longo e
rofundo sono. Mas, quando a noite chega, chegamisitas.
Varka! grita a patroa depressa, o samovar!O samovar pouco, e Varka deve ferver mais gua,
nquanto os patres e os visitantes abancam-se emorno da mesa. Varka corre a buscar trs garrafas de cerveja!Varka, os copos! Varka! Vo-se finalmente os
isitantes. Apaga-se a luz; os patres vo deitar-se.
Varka! vai embalar o menino! dizem eles.
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O grilo canta, a mancha verde e a sombra negrgitam-se novamente ante os olhos sonolentos entorpecem-lhe o crebro.
Bain bainscki bain...
O menino grita... Varka rev a estrada lamacenta, osiajantes, a sua me Pelgia, seu pai Efim...Reconhece-os perfeitamente, mas no pode ver omonstro que a tortura, que a tem amarrada de ps emos, que a sufoca, que a impede de viver.
Volve a cabea de todos os lados e procura aquelenimigo infernal, para libertar-se. Em um esforoupremo, abre os olhos, v a mancha verde, aombra negra que se agita, quando, de sbito, umrito do menino fere-lhe os ouvidos.inalmente! Varka encontrou o inimigo que
mpede de viver. aquele menino o seu inimigompiedoso! E ela ri, espantada de o no haverescoberto antes. Que estpida! A mancha, a
ombra, o grilo, tudo ri com ela, to estpidos comola. Uma idia luminosa passa-lhe no crebroesado. Levanta-se vagarosamente do escabelo emue est sentada, com um claro sorriso no rostombrutecido, e d alguns passos. A idia de libertar-
e do menino aparece-lhe mais viva. Libertar-seaquele que a impede de viver! Precisa mat-lo, eepois dormir, dormir, dormir...
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orrindo, rindo e piscando os olhos para a manchaerde, Varka avizinha-se do bero, curva-se sobre o
menino: e sufoca-o. Depois estende-se rapidamenteo cho, sorrindo de alegria ao pensamento de que
nalmente poder dormir. E adormece logo.Varka dorme um sono profundo e pesado como amorte.
O vingador
ogo depois de haver surpreendido sua mulher emagrante, encontrava-se Fedor Fedorovich Sigaev na
oja de armas de Schmuks e Cia, a escolher oevlver que melhor lhe pudesse servir. Seu rostoxpressava ira, dor e deciso irrevogvel.Bem sei o que devo fazer!, pensava. Quando osundamentos de uma famlia so profanados, eonra arrastada pela lama e triunfa o vcio... eu,omo cidado e como homem honrado, devo ser o
ingador. Matarei primeiro a ela, depois ao amantefinalmente suicidar-me-ei.No havia ainda escolhido o revlver e nem sequerssassinara algum, mas na imaginao j se lhepresentavam trs cadveres ensangentados, de
rnios triturados, os miolos a flutuarem... Barulho,udo de curiosos e autpsia.
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ossudo pela insensata alegria do homemfendido, calculava o horror dos parentes e doblico, a agonia da traidora e at lhe parecia poder
er em pensamento os artigos da primeira pgina, a
omentarem a decomposio dos fundamentos daamlia.O empregado da loja, tipo inquieto, afrancesado, de
entre pequeno e colete branco, apresentava-lhe osevlveres e juntando os calcanhares dizia, sorrindo
espeitosamente: Eu aconselharia a Mousieur que levasse estemagnfico modelo do sistema Smith &Wesson. a
ltima palavra na cincia das armas. Possui trsropulsores e pode-se dispar-lo a uma distncia deeiscentos passos. Chamo tambm a ateno de
Mousieur para a limpeza do acabamento. Seuistema que est mais em moda. Vendemosiariamente dezenas deles, que so utilizados contr
s bandidos, os lobos e os amantes. Seu tiro reciso e forte, alcana distncias enormes e mata,travessando-os, a mulher e o amante. Quanto aosuicidas, Mousieur, no conheo, para eles, melhoristema.
o empregado, apertando e soltando o gatinho,oprando o cano e fingindo mirar, parecia prximo afogar-se de puro entusiasmo. A julgar-se pel
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xpresso extasiada de seu rosto, poder-se-ia pensarue ele mesmo, de boa vontade, pregaria um tiro nesta, se possusse uma arma to maravilhosauanto aquela.
E qual o preo? perguntou Sigaev. Quarenta e cinco rublos, Mousieur. Hum! muito caro, para mim. Neste caso, Mousieur, posso oferecer-lhe algomais em conta. Aqui est. Tenha a bondade de
xaminar. Temos estoque variado e de todos osreos... Este, por exemplo, do sistema Lefrauch,ue custa somente 18 rublos. Porm... ompregado fez um muxoxo de pouco caso umistema, Mousieur, demasiadamente antiquado.
Quem o compra so os pobres de esprito e ossicopatas. Suicidar-se ou matar a prpria mulherom um Lefauch considerado atualmente de mauosto. O bom-tom admite somente uma Smith &
Wesson. No necessito matar-me ou a algum mentiu,om acento sombrio, Sigaev. Compro-oimplesmente para a minha casa de campo... Parssustar os ladres.
No nos interessa o seu motivo sorriu ompregado, baixando modestamente os olhos. Se,m cada caso, buscssemos as razes, j deveramos
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er fechado a loja. Para espantar os corvos,Mousieur, o Lefauch no serve, pois produz rudo
m tanto surdo. Eu lhe proponho uma pistolaMortimer, das chamadas para duelos.
E se eu o provocasse para um duelo?, passou pelaabea de Sigaev. Porm... no... Seria honraemasiada. A essas bestas, devemos mat-las, comoachorros...
O empregado, revoluteando graciosamente e em
equenos passos, sem deixar de sorrir e deonversar, apresentou-lhe todo o monte deevlveres. O Smith & Wesson era o de aspecto maislido e justiceiro. Sigaev tomou um destes nas
mos, fixou-o e quedou ensimesmado. Amaginao desenhava-o destroando um crnio, oangue a escorrer como um rio sobre o tapete e ossoalho, a traidora, moribunda, agitando um ponvulso... Para a alma indignada, aquilo era pouco.
O quadro de sangue, os soluos e o estupor no oatisfaziam. Deveria pensar em algo mais terrvel.Isto o que farei, pensou. Matarei a ele e a mimm seguida, porm ela... deixaria viver. Que morrao arrependimento e do desprezo dos que a cercam!
ara natureza to nervosa quanto a sua, sermartrio maior que a morte!
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Comeou a imaginar o prprio funeral: ele, ofendido, estendido no atade, com um sorrisoondoso nos lbios... Ela, plida, torturada pelosemorsos, caminhando atrs do fretro, como uma
Nobe, sem poder escapa aos olhares depreciativos eniquiladores, lanados pela multido indignada... Vejo, Mousieur, que lhe agrada o Smith &Wesson comentou o empregado, interrompendo
devaneio. Se o acha muito caro, posso fazer uma
eduo de cinco rublos, embora tenhamos outrosmais baratos.A figurinha afrancesada girou graciosamente sobre
s prprios taces e alcanou na prateleira outrzia de estojos com revlveres.
Aqui est outro, Mousieur. O preo, trinta rublos.No caro, se lembrarmos que o cmbio est baixo e
ue os direitos alfandegrios sobem cada dia mais...uro-lhe, Mousieur, que sou conservador, porm j
omeo a protestar! Imagine que o cmbio e a tarifaa alfndega so o motivo de que somente os ricosossam adquirir armas! Para os pobres nada maisesta que as armas de Tula, e os fsforos. E as armase Tula so uma desgraa! Se algum pretender
isparar uma arma de Tula sobre a prpria mulher,penas consegue atingir a prpria omoplata...
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Repentinamente Sigaev entristeceu-se com a idie morrer e no contemplar os sofrimentos da
raidora. A vingana unicamente doce quandoxiste a possibilidade de ver e tocar seus frutos.
ois, que sentido encontraria em estar deitado notade, se nada poderia perceber?!E se eu fizesse isto?... mat-lo, ir a seu enterro, verudo e depois me suicidar?... Sim. Porm... antes donterro eu seria preso e me tirariam a arma... Bem...
O que farei ser mat-lo e deixar que ela viva. Eu...nquanto no decorra um certo tempo, no me
matarei. Serei preso. Para suicidar-me, sempre terecasio. Estar preso ser melhor, pois que ao prestareclaraes, terei possibilidade de demonstrar, ante
poder e a sociedade, toda a baixeza do seuomportamento. Se eu morresse, ela, com seuarter desavergonhado e embusteiro, jogariaulpa sobre mim, e a sociedade acabaria por
bsolv-la.... de outro lado, talvez caoe de mim, seontinuo a viver... Ento....Um minuto depois, pensava:Se... Talvez me acusem de sentimentos mesquinhose eu me matar... E, depois, para que suicidar-me?
sso em primeiro lugar. Em segundo... o suicdio ovardia. Ento, o que farei ser mat-lo, deix-laiver e eu irei para o crcere. Serei julgado e el
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gurar como testemunha... Veremos seuobressalto e vergonha, quando precisar enfrentar
meu advogado! Por certo que as simpatias doribunal, do pblico e da imprensa estaro ao meu
ado!...nquanto assim devaneava, o empregadoontinuava a expor a mercadoria e considerava deeu dever, entreter o comprador.
Veja aqui, outros, ingleses, de sistema novo, que
ecebemos h pouco. Porm, previno-o, Mousieur,e que todos os sistemas empalidecem diante domith & Wesson. Por certo, ter lido, h poucosias, acerca de um militar que comprara um Smit
& Wesson em nossa casa, e que o usou contra omante... E que imagina tenha acontecido? A baltravessou primeiro o amante, alcanou, depois obajur de bronze, em seguida o piano de cauda eeste, como uma carambola, matou um cachorro
equins e roou a esposa... As conseqncias foramrilhantes e honraram nossa firma. O militar estreso agora... Por certo o condenaro a trabalhos
orados!... Em primeiro lugar, porque temos leismuito antiquadas , em segundo, porque j se sabe
ue o tribunal sempre toma o partido do amante.or qu? Muito simples, Mousieur. Porque tambmjurado, os juzes, o procurador e o advogado de
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efesa se entendem com esposas alheias e maisranqilos esto quando sabem de que um marido na Rssia. A sociedade se encantaria, caso o
Governo desterrasse todos os maridos para a ilha de
ajalin. Ah! Mousieur! No pode o senhor imaginarindignao que me desperta este desmoronar dosostumes morais contemporneos!... Nestes tempos,ortejar mulheres alheias causa tanto prazer quantolar cigarros os outros ou pedir livros emprestados!
Cada ano que passa, o nosso comrcio declina,orm no significa que haja menos amantes...ignifica que os maridos reconciliam-se comituao e temem os trabalhos forados e ompregado, olhando em torno de si, sussurrou: Euem o responsvel, Mousieur? O Governo!Acabar em Sajalin, por causa de um porco... no,o razovel, refletiu Sigaev. Se me condenamos trabalhos forados, somente conseguirei dar
minha mulher a possibilidade de casar-se outra vezde enganar tambm ao segundo marido. O lucroer todo dela! O que farei ento ser isto: deix-laiver, no me matar e nem matar a ele... Devo
maginar algo mais prudente e sentimental. Castig-
os-ei com meu desprezo e encetarei escandalosorocesso de divrcio...
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Aqui est, Mousieur, um sistema novo omentou o empregado, recolhendo de outrrateleira mais uma dzia de revlveres.
Chamou-lhe a ateno para o mecanismo origina
o co...orm, uma vez tomada aquela deciso, Sigaev nomais necessitava de revlver. Em compensao, ompregado, cada vez mais inspirado, no cessava de
mostrar-lhe os artigos que tanto elogiava. O marido
fendido envergonhou-se de que, por sua causa, oujeito estava trabalhando em vo, a entusiasmar-sea perder tempo.
Bem balbuciou. Ser melhor que eu voltemais tarde ou mande algum...Conquanto no visse a expresso do rosto dompregado, compreendeu que, para suavizariolncia da situao, no havia outra sada queomprar algo. Porm, o que? Seus olhos
ercorreram as paredes da loja, em busca de umaoisa barata, e se detiveram numa rede de cor verde,endurada junto porta.
E isso? Que isso? perguntou. uma rede para caar codornas.
Qual o preo? Oito rublos. Pois pode mandar embrulhar.
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O marido ofendido pagou os oito rublos, passoumo na rede para lev-la e, cada vez mais ofendido,aiu da loja.
Um caso mdicoUm telegrama enviado da fbrica dos Lialikov pediao professor que viesse o mais depressa possvel.
A filha da Senhora Lialikov, que devia ser aroprietria da fbrica, estava doente; era tudo o
ue se podia perceber num longo telegrama maedigido. Por isso o professor no esteve para sencomodar; contentou-se em enviar, para oubstituir, o seu ajudante Koroliov. Tinha que seescer na terceira estao para l de Moscovo endar em seguida, de carro, quatro verstas. Nastao, esperava o ajudante um carro de trsavalos. O cocheiro tinha um chapu de penas deavo e, com voz vibrante, como um soldado,
espondia sempre a todas as perguntas: De modolgum! ou Exactamente!.ra num sbado de tarde. Punha-se o Sol. Da fbricara a estao vinham grupos de operrios queumprimentavam para o carro onde seguia o
mdico. Aquele fim de dia, os palacetes senhoriais es casas de vero, dos dois lados da estrada, osmieiros, a calma impresso que de tudo se exalava,
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a hora em que, j quase a repousarem, os campos,s bosques e o Sol pareciam preparar-se paraescansar e talvez at para rezar ao mesmo tempoue os operrios tudo isto encantava Koroliov.
Nascido e educado em Moscovo, o mdico noonhecia o campo e nunca se tinha interessado pelasbricas; nunca tinha visitado nenhuma; mas, depoiso que tinha lido sobre este assunto, tinha-lhecontecido estar em casa de proprietrios e falar
om eles. E, quando via de longe ou de perto umabrica, pensava que por fora tudo parecia calmo eacfico, mas que l dentro deviam reinar
mpenetrvel ignorncia e o egosmo obtuso dosroprietrios, o trabalho aborrecido e insalubre dosperrios, e as intrigas, e o vodka e a bicharia...agora, medida que se afastavam do carro com
espeito e medo, lia no rosto do operrio, nos bons,o andar, a porcaria, o alcoolismo, o enervamento, o
tordoamento em que viviam.ntrou pelo porto grande da fbrica. Aparecerame ambos os lados as pequenas casas dos operrios,guras de mulher, e, s cancelas da entrada, rouparanca e mantas. O cocheiro, sem segurar os cavalos,
ritava: Cuidado!.Num ptio grande, sem o mnimo sinal de erva,evantavam-se cinco grandes corpos de edifcios
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om altas chamins, afastados uns dos outros, comrmazns e alpendres, tudo mergulhado numaspcie de neblina cinzenta, como uma flor deoeira. Aqui e alm, como os osis no deserto, havia
ns jardinzitos enfezados e os telhados verdes eermelhos das casas da Administrao. O cocheiro,ofreando de repente os cavalos, parou diante dumaasa que fora h pouco pintada de cinzento. Oslases do jardim estavam cobertos de poeira, e o
rtico, pintado de amarelo, cheirava fortemente anta.
Faa favor de entrar, Senhor Doutor disseramozes de mulher porta da entrada e no limiar dantecmara.
Ouviram-se depois suspiros e murmrios. Faa favor de entrar... Estamos sua espera j hanto tempo... Foi mesmo uma desgraa. Por aqui,aa favor...
A Senhora Lialikov, j de idade e corpulenta, vestidae seda negra e com mangas moda, mas, pelo quearecia, simples e pouco instruda, olhava para ooutor com receio, sem se atrever a estender-lhe a
mo; no ousava faz-lo.
erto dela, encontrava-se uma criatura de cabelosurtos, magra e j nada nova, que trazia uma blusaolorida e usava luneta. Os criados chamavam-lhe
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Cristina Dmitrievna e Koroliov adivinhou serovernante. Como era a nica pessoa instruda daasa, tinham-na sem dvida encarregado de receber
mdico, porque logo se apressou a expor, com
ormenores de todo inteis, as causas da doena,mas sem dizer quem estava doente nem de que seratava. Koroliov e a governante falavam sentados,nquanto a dona da casa esperava, Imvel, junto daorta. No decurso da conversao, veio Koroliov a
aber que a doente era uma rapariga de vinte anos,isa, filha nica da Senhora Lialikov. Estavanferma h muito tempo e j a tinham tratado vrio
mdicos. Na noite anterior, sentira, desde a tarde,ais palpitaes que ningum em casa tinhormido; chegara-se a recear que morresse.
Ela, na verdade, tem sido doentinha desderiana contava Cristina Dmitrievna com umaoz cantada e limpando ininterruptamente os lbios
om a mo. Os mdicos dizem que so nervos,mas ainda em pequena meteram-lhe para dentro osumores frios, e da que vem todo o mal, acho eu.assaram ao quarto da doente. J mulher, alta, bem
eita, mas feia, parecida com a me, com os mesmos
lhitos e a parte inferior do rosto larga exageradamente desenvolvida, despenteada, osobertores puxados at ao queixo, a rapariga deu de
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rincpio a Koroliov a impresso de uma pobreriatura, enferma, recolhida por piedade. Ningumcreditaria que fosse a herdeira dos cinco enormesdifcios da fbrica.
Venho tratar de si disse Koroliov. Bom dia,Menina. Disse o nome e apertou-lhe a mo, morande, feia e fria. Ela soergueu-se e, j muitocostumada aos mdicos, indiferente nudez dasspduas e dos braos, deixou-se auscultar.
Sinto umas palpitaes disse ela. Toda aoite... foi uma coisa terrvel... julguei que morria de
medo. D-me qualquer coisa, a ver se isto acaba. No tenha receio, vou j receitar.Koroliov examinou-a e encolheu os ombros. O corao est bom disse ele , tudo vai bem,st tudo em ordem. Os nervos talvez um poucobalados... mas tambm coisa vulgar. A crise jassou, parece. Deite-se e veja se dorme...
Neste momento trouxeram um candeeiro. A doenteiscou os olhos e, de repente, pousando a cabea nasmos, ps-se a chorar.
a impresso dum ser infeliz e feio desapareceu.Koroliov j no dava pelos olhos pequeninos nem
ela parte do rosto anormalmente desenvolvida. Viama suave expresso de sofrimento, muitoomovedora e espiritual, e a rapariga, no conjunto,
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pareceu-lhe elegante, feminina e simples. E j aueria acalmar, no por medicamentos ouonselhos, mas por uma simples palavra graciosa. A
me puxou a si a filha e beijou-lhe a testa. E n
xpresso da face, quanta tristeza, quanto desgosto!inha criado e educado a filha sem se poupar aada; tinha posto todo o cuidado em lhe mandarnsinar francs, msica e dana. Tinha-lhe dadoma dzia de mestres, tinha chamado os melhores
mdicos, tomado uma governante e noompreendia donde vinham aquelas lgrimas eantos sofrimentos! No compreendia, atrapalhava-e e tinha uma expresso de culpabilidade; e andavaesolada, inquieta, como se tivesse esquecidolguma coisa de muito urgente, como se tivesse tidolguma negligncia, como se no tivesse chamadolgum. Quem? No sabia...
Lisaunka disse ela, apertando a filha ao peito -,
minha querida, minha pomba, minha filhinha, queens tu? Diz mezinha... Tem pena de mim... Diz...Ambas choravam amargamente. Koroliov,entando-se na borda da cama, pegou na mo deisa.
Vamos, no chore mais disse-lhe ele com umom de carcia. H l razo para isso... No h nad
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o mundo que seja digno dessas lgrimas. V, nohore mais. Assim no pode ser...pensou:
J era tempo de a casar...
O mdico da fbrica dava-lhe brometos disseovernante mas notei que s lhe faziam mal. Eucho que para o corao o bom so umas gotas... ai,squece-me o nome... Junquilho, hem?recomeou com os seus pormenores. Interrompia
Koroliov, impedia-o de falar e lia-se-lhe no rosto oormento que lhe causava pensar que, sendo a
mulher mais instruda da casa, devia falar semnterrupo com o mdico e falar de medicina,laro.
Koroliov estava embaraado. No acho nada de especial disse ele me aoair do quarto. Como o mdico da fbrica tratou sulha, pode continuar. O tratamento que lhe deu at
qui foi bom; novejo que seja preciso mudar. Paru? uma doena vulgar; no tem nada de grave...alava sem pressa e ia calando as luvas; a Senhorialikov olhava-o de lgrimas nos olhos, imvel.
Ainda tenho meia hora at o comboio das dez;
erei tempo de apanh-lo, no...?
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O Senhor Doutor no desejaria ficar? erguntou a me, e de novo as lgrimas lheorreram pela cara.
Custa-me tanto incomod-lo; mas, pelo amor de
Deus continuou, a meia voz e voltando-se para aorta -, faa-me esse favor. S tenho esta filha...Assustou-nos tanto a noite passada... Nem estouinda em mim... Pelo amor de Deus, no se vmbora!
Koroliov ainda quis dizer que tinha muito que fazerm Moscovo, que a famlia estava espera, que lhera muito difcil passar uma tarde e uma noite fora clnica; olhou para ela: suspirou e ps-se aescalar as luvas, silencioso.
Acenderam todas as velas e todos os candeeiros daala e da saleta; sentado junto do piano de cauda,
Koroliov folheou a msica, depois foi contemplar osuadros e os retratos. Os quadros, com suas
molduras douradas, eram vistas da Crimeia, ummar encapelado com um barquito, um mongeatlico com um clice de licor tudo pobre,ambido, sem talento... Nos retratos, nenhumagura bela, interessante: faces largas, olhos
spantados. Lialikov, o pai de Lisa, tinha a testaixa e um ar satisfeito; o uniforme ficava-lhe comoma espcie de saco sobre o corpo grande e vulgar;
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o peito uma medalha e a insgnia da CruVermelha. Cultura estreita, luxo de ocasio, um luxo
ue no tinha motivos nem vinha a propsito omo aquele uniforme. O brilho dos soalhos irrita, o
ustre tambm; e pensa-se, nem se sabe porqu, naistria do comerciante que ia tomar banho demedalha de honra ao pescoo... Na antecmara
avia murmrios e algum ressonava suavemente.De sbito, no ptio, ressoaram uns sons agudos,
acudidos, metlicos, que Koroliov nunca tinhuvido e no soube explicar. Ecoaram na sua almaum modo bem desagradvel e estranho.
Acho que no ficava aqui por nada deste mundo pensou ele. Senhor Doutor, pode vir jantar...?
tornou a folhear a msica.A governante entrou e chamou a meia voz: Korolioeguiu-a.
A mesa, grande, estava coberta de aperitivos e deinhos; mas s havia duas pessoas: ele e CristinDmitrievna. Ela bebia madeira, comia depressa ealava contemplando-o pela luneta.
Os operrios esto muito satisfeitos connosco.
odos os invernos do nesta fbrica espectculos emue eles prprios representam. H tambm,aturalmente, conferncias com projeces, uma
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ala de ch magnfica; e tudo o mais... Tm muitaedicao por ns; quando souberam queisaunka estava pior, mandaram fazer umas rezas.o pouco instrudos mas tm muito bons
entimentos. Parece que no h nenhum homem em casa, no? Nenhum. Piotre Nikanorytch morreu h ano emeio e ficmos sozinhas. Vivemos astrs, no Veroqui, no Inverno em Moscovo. J estou nesta casa h
nze anos. como se estivesse em minha casa.erviram esturjo, croquetes de frango e umaompota. Os vinhos eram caros, vinhos de Frana.
Faa favor, Senhor Doutor... No faerimnias... Coma dizia Cristina Dmitrievnomendo e limpando a boca mo (via-se questava realmente vontade). Faa favor de comer.
Depois do jantar, levou o mdico a um quarto ondehe tinham preparado uma cama. Mas no tinh
ono; o quarto era quentssimo e cheirava a tintas;estiu o sobretudo e saiu.ora, havia fresco. J havia um prenncio delvorada e, no ar hmido, desenhavam-se os cincodifcios, com as chamins, os barraces e os
rmazns. Como era domingo, no se trabalhava; asanelas estavam escuras e s duas, num dos edifciosnde ainda estava aceso um forno, pareciam
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ncendiadas; de quando em quando, saa lume pelhamin, de mistura com o fumo. Ao longe, para lo ptio, coaxavam rs e um rouxinol cantava.
Ao olhar os casares da fbrica e as barracas dos
perrios, Koroliov voltou aos seus pensamentos doostume. Tinham-se institudo espectculos para osperrios, projeces, mdicos privativos, todaspcie de melhoramentos: mas os operrios que eleira de tarde, na estrada, em nada diferiam dos que
nha visto na sua infncia, quando no havia parles nem espectculos, nem melhoramentos.ra mdico e tinha sido obrigado a fazer uma ideiaxacta das doenas crnicas, cuja causa inicial ncompreensvel e incurvel; considerava do mesmo
modo as fbricas como um equvoco cujas causaso tambm obscuras e inelutveis. Todos os
melhoramentos da sorte dos operrios no lhepareciam, claro, como suprfluos, mas comparava-
s ao tratamento das doenas incurveis. H certamente um engano nesta coisa toda... ensou olhando as janelas purpreas. Mil euinhentos ou dois mil operrios trabalham semescanso, num ambiente insalubre, para fabricarem
ssima chita. Vivem na fome e s de tempos aempos a taberna os liberta do pesadelo. Umaentena de pessoas vigia-lhes o trabalho e a vida
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estes contramestres passa-se a aplicar multas,roferir injrias e a cometer injustias. E s duas ou
rs pessoas, chamadas patres, aproveitam com osucros, apesar de no trabalharem e de terem
esprezo pela chita ordinria. Mas que lucros! E deue maneira os aproveitam! A Lialikov e a filha somas infelizes e mete pena v-las. S a solteirona,stpida Cristina Dmitrievna vive vontade! Erabalha-se numa fbrica destas, com cinco oficinas,
vende-se m chita nos mercados do Oriente, paraue uma Cristina Dmitrievna possa comer esturjo eeber madeira.
De repente, repetiram-se os sons estranhos queKoroliov tinha notado antes do jantar. Perto de um
os edifcios, algum batia numa placa metlica eogo amortecia a ressonncia, de modo que os sonsram breves, speros, mal definidos, qualquer coisomo d... d.. d.... Depois, meio minuto de
ilncio. E, perto do outro edifcio, outros sonsacudidos, mas mais baixos, graves: dran... dran...ran....
Repetiram-nos onze vezes. Eram, evidentemente, osuardas a darem as onze horas. Junto do terceiro
difcio, ouviu-se: jak... jak... jak.... A mesma coisiante de cada um dos edifcios, depois por detrsas barracas e s portas.
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arecia que, na calma da noite, os sons eramroduzidos por um monstro de olhos de prpura: orprio Diabo, que era aqui o senhor de patres e deperrios e que a uns e outros enganava.
Koroliov saiu para os campos. Quem est a? gritaram-lhe, com voz grosseira. Exactamente como numa priso pensou ele.
no respondeu nada.ora, ouviam-se melhor os rouxinis e as rs. Sentia-
e o cheiro da noite de Maio. Da estao vinhamudos de comboios; para outro lado, cantavamalos sonolentos; contudo, a noite estava calma:atureza dormia pacificamente.
No campo, no longe da fbrica, erguia-se osqueleto duma casa de toros; ao lado,ncontravam-se materiais de construo. Korolioentou-se numas tbuas e continuou a pensar.
S a governante vive aqui a seu gosto e a fbrica
rabalha para a satisfazer. Mas apenas umaparncia; uma personagem imaginria: o patroara quem tudo se faz aqui o Diabo.
pensava no Diabo em que no acreditava. Eoltava-se para as duas janelas que o lume
uminava.arecia-lhe que, por estes olhos de prpura, orprio Diabo o olhava: numa palavra, a fora
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esconhecida que estabeleceu as relaes entre osracos e os fortes, o errogrosseiro que nada agorode emendar. necessrio que o forte impea o
raco de viver: tal a lei da natureza. Mas isto no
ompreensvel e no entra facilmente no espritoeno luz dum artigo de jornal ou dum manual.No tumultuar da vida quotidiana e no entrelaar deodos os nadas de que se entretecem as relaesumanas, no parece uma lei; um absurdo lgico,
o qual o forte e o fraco so vtimas das suaselaes mtuas e se submetem involuntariamente ama fora condutora desconhecida, que reside fora vida e estranha ao homem.
Assim pensava Koroliov, sentado sobre as tbuas,nvadido pouco a pouco pela impresso de que essora desconhecida e misteriosa estava realmenteerto dele e o contemplava.ntretanto, o cu a leste empalidecia; os minutos
recipitavam-se. Os cinco edifcios da fbrica e ashamins tinham, sobre o fundo cinzento damadrugada, nessa hora em que no se via alma
iva, em que tudo parecia morto, os edifcios e ashamins tinham um aspecto especial, diferente do
e dia. Esquecia-se por completo que houvesse lentro motores a vapor, electricidade e telefones;
mais depressa se pensava nas habitaes lacustres e
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a cidade de pedra; sentia-se a presena de umora grosseira, inconsciente...
de novo se ouviu: D... d... d... d...
Doze vezes.Depois o silncio meio minuto de silncio -, e, nautra extremidade do ptio:
Dran... dran... dran... bem desagradvel, esta coisa... pensou
Koroliov. Jak... jak... jak... Jak... jak...Para dar a meia-noite foram precisos
uatro minutos.Depois, silncio completo. E, deovo, a impresso de que tudo estava morto olta.Koroliov, depois de estar ainda algum tempoentado, voltou para casa. Mas ficou ainda
muito tempo sem se deitar.Nos quartos vizinhosonversava-se. Ouvia-se o perpassar de pantufas e
e ps descalos. Ser uma crise? pensou o mdico.aiu para ir ver a doente. No quarto havia l muitlaridade; na parede da sala tremia um fraco raio deol, atravs do nevoeiro da manh. A porta estava
berta e Lisa sentara-se numa poltrona perto doeito, de roupo, envolta num xale e com os cabelosados. Os estores das janelas estavam corridos.
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Como se sente? perguntou-lhe Koroliov. Obrigada...
omou-lhe o pulso, depois arranjou-lhe os cabelosue tinha sobre a testa.
No dorme? Est um tempo limpo, rimavera... L fora cantam os rouxinis, e a Meninaca a sentada, s escuras, a pensar no se sabe emu...la escutava-o e olhava-o. Tinha uns olhos tristes,
nteligentes e via-se que queria dizer qualquer coisa. Isto d-lhe muitas vezes? perguntou ele. Elamexeu os lbios e respondeu: Muitas vezes... Quase todas as noites me sintomal. Neste momento, os guardas, no ptio,omearam a dar as duas horas.
Ouviu-se: D... d... Lisa teve um sobressalto. Estes sons incomodam-na? perguntou omdico.
No sei... respondeu ela, reflectindo aquudo me incomoda, tudo me aborrece. Sintoompaixo na sua voz; pareceu-me desde o primeiro
minuto, no sei porqu, que consigo podia falar deudo...
Fale, faa favor. Vou dar-lhe a minha opinio. Parece-me que nostou doente, mas atormento-me e tenho medo
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orque isto tem que ser assim e no pode ser deutra maneira. O ser mais saudvel no pode deixare inquietar-se quando um bandido lhe ronda aorta. Tm todos os cuidados comigo continuou
aixando os olhos e sorrindo timidamente. Estoumuito reconhecida e no contesto a utilidade damedicina; mas desejaria falar, no com um mdico,mas com algum que estivesse perto do meusprito: um amigo que me compreendesse e me
emonstrasse que tenho ou no tenho razo. No tem amigos? Sinto-me s... Tenho minha me e gosto dela.Mas sinto-me s. Calhou assim a minha vida...Quem est s l muito, mas fala pouco e ouve poucoambm; a vida -lhemisteriosa. -se mstico e v-se
Diabo onde ele no est; a Tamara de Lermontora s e via o Demnio.
L muito?
Muito. Tenho todo o tempo livre, de manhoite. De dia leio, noite tenho a cabea vazia; emugar de ideias, passam-me vagas sombras...
V qualquer coisa de noite? perguntouKoroliov.
No... mas sinto.logo ouviu, num terceiro lugar:
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O rudo era sacudido, spero, exactamente como sestivesse aborrecido.orriu de novo e levantou os olhos para o mdico. Oeu olhar era cheio de melancolia e cheio de
nteligncia. Pareceu a Koroliov que Lisa tinhonfiana nele, lhe queria falar sinceramente e tinhaensamentos semelhantes aos seus. Mas ela calara-e e esperava talvez que ele falasse.
sabia bem o que tinha a dizer-lhe. Era evidente
ue se tornava necessrio que ela abandonasse omais depressa possvel os cinco edifcios da fbrica e
seu milho, se acaso o tinha, e deixasse aqueleDiabo que de noite a olhava. Era igualmente claro
ara Koroliov que ela tambm o pensava e quesperava que lho dissesse algum em quem elavesse confiana.
Mas o mdico no sabia por onde comear... Comoavia de ser?... difcil perguntar aos condenados
or que razo os condenaram; e tambmborrecido perguntar aos ricos por que motivo tmecessidade de tanto dinheiro; por que fazem to
mau uso da sua riqueza, por que no a deixam,mesmo quando vem que a reside a sua
nfelicidade... E se se comea a falar disto aonversao geralmente embaraada e longa.
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Como hei-de diz-lo? pensava Koroliov. E serreciso?
A Menina est descontente da sua situao deroprietria de fbrica e de herdeirarica; no
credita nos seus direitos e no dorme. eguramente melhor do que se estivesse satisfeita eormisse profundamente pensando que tudo vaem. A sua insnia respeitvel e, seja o que for, om sinal. Com seus pais seria impossvel uma
onversa semelhante quela que hoje temos aqui. Deoite, no conversavam, dormiam profundamente;
mas ns, os desta gerao, dormimos mal.reguiamos, falamos muito, e consideramosontinuamente se temos ou no temos razo. Para osossos filhos e para os nossos netos j essa questostar resolvida. Vero mais claro do que ns.
Dentro de cinquenta anos, a vida ser bela; penaue no possamos viver at l. Devia ser bem
nteressante... Que faro ento os nossos filhos e os nossosetos? perguntou Lisa.
No sei... Talvez deixem tudo e partam... Para onde?
Para onde? Mas para onde quiserem disseKoroliov a rir-se. H poucos lugares para onde
ossa ir um homem bom e inteligente?
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Olhou para o relgio. J nasceu o Sol. tempo que durma. Dispa-se eepouse vontade. Tenho muito prazer em a teronhecido disse-lhe ele, apertando-lhe a mo.
nteressante e simptica. Boa noite!disse o que queria, no directamente, mas comns desvios: Voltou para o quarto e deitou-se.
No dia seguinte de manh, quando trouxeram oarro, toda a gente veio acompanhar o mdico
orta. Lisa, de vestido branco como num dia deesta, tinha uma flor nos cabelos. Plida, lnguida,ontemplava Koroliov, como de noite, com ar tristeinteligente. Sorria e falava sempre com a mesma
xpresso de lhe querer dizer alguma coisa dearticular, de grave, alguma coisa que fosse s parale. Ouviram-se as cotovias cantar, os sinosocavam. As janelas da fbrica brilhavamlegremente. Ao atravessar o ptio e enquanto o
onduziam estao, Koroliov j no pensava nosperrios nem nas habitaes lacustres, nem noDiabo. Pensava no tempo, j talvez prximo, em que
vida seria to luminosa e alegre como essa manhalma de Maio. E pensava em como era agradvel,
m semelhante manh de Primavera, viajar numom carro, com os seus trs cavalos, e aquecer-se aool.
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AngstiaCom quem a dor partilharei?...
Anoitece. A neve grada e mida girareguiosamente ao redor dos lampies recm
cesos e deita-se em placas macias e finas noselhados, nos lombos dos cavalos, nos ombros, nosorros. O cocheiro Iona Ptpov est todo branco,omo um fantasma. Est sentado na bolia, curvado,o curvado quanto possvel curvar-se um corpo
ivo, e no se mexe. Se toda uma avalanche seespencasse sobre ele, nem assim, ao que parece, elecharia necessrio sacudir a neve... A sua eguazinhambm est branca e imvel. Pela sua imobilidade,uas formas angulosas e as pernas retas como paus,t de perto ela parece um cavalinho de po-de-mee um copeque. Ao que tudo indica, ela est
mergulhada em meditaes. Quem foi arrancado dorado, das costumeiras paisagens cinzentas, e
tirado aqui, neste atoleiro, cheio de luzesmonstruosas, zoeira incessante e gente apressada,ste no pode deixar de meditar...ona e a sua eguazinha no se movem do lugar j faz
muito tempo. Saram do ptio ainda antes do
lmoo, porm no fizeram nem uma corrida. Masis que a sombra da noite desce sobre a cidade. A
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uz plida dos lampies cede lugar cor viva e oulcio das ruas torna-se mais ruidoso.
Cocheiro, para a Viborgskaia! ouve Iona.Cocheiro!
ona estremece e, atravs dos clios grudados peleve, v um militar de capote e capuz. Para Viborgskaia! repete o militar. Mas tusts dormindo, heim? Para Viborgskaia!m sinal de assentimento, Iona puxa as rdeas, em
onseqncia do que, placas de neve caem dos seusmbros e do lombo do cavalo. O militar tomssento no tren. O cocheiro estala os lbios, estica oescoo maneira de um cisne, soergue-se e, maisor hbito que por necessidade, brande o chicote. Aguazinha tambm estica o pescoo, arqueia asernas magras e, insegura, pe-se em movimento.
Por onde te metes, lobisomem! ouve Iona,ssim que sai, gritar de dentro da massa escura que
alana para diante e para trs. Aonde te carregadiabo? Para a dirr-reita! No sabes dirigir! Agenta a direita! ralha omilitar.Um cocheiro de carruagem particular pragueja ao
ruzar e um transeunte, que atravessara a ruaorrendo e batera com o ombro no focinho da gua,lha furioso e sacode a neve da manga. Iona se
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ontorce na bolia como se estivesse sentado emlfinetes, joga os cotovelos para os lados, e seuslhos correm como possessos, como se ele noompreendesse quem e por que est aqui.
Como todos so canalhas! zomba o militar. Srocuram abalroar-te ou se jogardebaixo do teuavalo! que esto todos de conluio contra ti!ona olha para trs, para o passageiro, e move osbios... V-se que quer dizer alguma coisa, mas da
ua garganta no sai nada, a no ser um somutural.
O que ? pergunta o militar.ona torce a boca num sorriso, fora a garganta eouqueja:
que... patro... coisa... o ... meu filho... se finousta semana.
Hum!... E de que foi que ele morreu?ona volta-se de corpo inteiro para o passageiro e
ala: E quem sabe l! Vai ver, foi a febre... Ficou trsias no hospital e se finou... a vontade de Deus.
Vira, demnio! soa na escurido. Ests tonto,u o qu, cachorro velho? Toca para a frente!
O cocheiro torna a esticar o pescoo, a soerguer-se,randindo o chicote com graa pesada. Depois, porrias vezes, ele se volta para o passageiro, mas este
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echou os olhos e, pelo visto, no est disposto ascutar. Deixando-o na Viborgskaia, Iona praiante de um botequim, dobra-se na bolia e torna acar imvel... De novo a neve mida tinge de
ranco a ele e a sua gua. Passa uma hora, outra...elo passeio, pisando ruidosamente com as galochasaltercando, passam trs rapazes; dois deles so
ltos e magros, o terceiro baixo e corcunda. Cocheiro, para a ponte Policial! grita o
orcunda com voz de tremolo. Ns trs por vinteopeques!ona puxa as rdeas e estala os lbios. Vinteopeques no preo justo, mas ele no est paraensar em preo... um rublo ou cinco copeques, parle d na mesma agora haja passageiros... Os
moos, aos empurres e palavres, vm para o trensobem no assento todos ao mesmo tempo! Comediscusso do problema: quais os dois que iro
entados, e qual o terceiro que ir de p? Apsongos debates, bate-boca e acusaes, eles chegameciso de que deve viajar de p o corcunda, por sermenor.
Anda, toca! range o corcunda, firmando-se e
afejando na nuca de Iona. Descansa o cavalo! Masue gorro o teu, heim, mano! Pior no se acha emoda Petersburgo!...
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Hehe... hehe... gargalha Iona. o que ... Anda, tu a, o que , toca pra frente! assim
ue vais andar o caminho inteiro? E que tal umescoo?
A cabea me estala... diz um dos compridos.Ontem na casa dos Dukmssov ns dois, o Vaska eu, limpamos quatro garrafas de conhaque.
No entendo por que mentir! enfeza o outroomprido.
Mentes que nem um animal! Que Deus me castigue se no verdade... to verdade quanto um piolho tossir. He... he... ri Iona. Os senhores alegres... Arre, que os diabos te carreguem!... indigna-se
corcunda. Vais andar, carcaa velha, ou no? Isto maneira de dirigir? Chicote nela! Upa, diabo! Upa!D-lhe rijo!ona sente atrs das costas o corpo irrequieto e
ibrao da voz do corcunda. Ouve os insultos quehe so dirigidos, v a gente, e o aperto da solidoouco a pouco comea a afrouxar no seu peito. Oorcunda continua a imprecar at que engasga numalavro de seis andares e desanda a tossir. Os dois
ompridos pem-se a conversar sobre uma certaNadejda Petrovna. Iona olha para eles por cima do
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mbro. Escolhendo um momento propcio, volta-seovamente e balbucia:
E eu nesta semana...coisa... finou-se meu filho! Todos vamos nos finar... suspira o corcunda,
nxugando os lbios depois do acesso de tosse.Anda, toca, toca! Deus meu, palavra que nogento mais viajar assim! Quando que ns vamoshegar?
Voc poderia anim-lo um pouquinho n
uca! Ests ouvindo, traste velho? Vou te encher de
escoes! Se a gente comea a fazer cerimnia comtua laia, acaba andando a p! Ests ouvindo,
Drago Gorinitch? Ou no te importa o queizemos?
Iona ouve, mais do que sente, o rudo doescoo.
Heehe... ri ele. Que senhores alegres... benza-
s Deus! Cocheiro, s casado? pergunta um dosompridos.
Eu, ? Hehe... alegres senhores! Eu agora s tenhoma mulher a terra mida... Hehe... hoho... A
epultura, o que !... O filho, este morreu... e eustou vivo... Coisa esquisita, a morte errou deorta... Em vez de vir me buscar, foi ao filho...
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Iona volta-se para contar como morreu seu filho,mas a o corcunda suspira aliviado e declara que,
raas a Deus, eles j chegaram, finalmente. Tendoecebido os vinte copeques, Iona finca longamente o
lhar no encalo dos farristas, que desaparecemum porto escuro. Outra vez ele est s, e outrez o silncio cai sobre ele... A angstia, quemainara um pouco, surge de novo e oprime o peitoom fora maior ainda. Os olhos de Iona correm
flitos e martirizados pelas turbas que se agitam dembos os lados da rua: no haver no meio dessas
milhares de pessoas ao menos uma que quisesseuvi-lo? Mas as turbas correm sem not-lo, nem ale, nem sua angstia... Angstia enorme, que noonhece limites. Se estourasse o peito de Iona e angstia se derramasse, ela inundaria, parece, o
mundo inteiro e no entanto, ela invisvel. Elonseguiu aninhar-se numa casca to nfima, que
o se pode enxerg-la nem com lanterna luz dool...ona v um zelador de prdio com um saco na modecide falar com ele.
Mano, que horas sero? pergunta ele.
Passa das nove... E por que ficas parado aqui? Vandando!
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ona afasta-se alguns passos, dobra o corpo entrega-se angstia... Dirigir-se aos homens ele jonsidera intil. Mas no passam nem cinco
minutos e ele se endireita, sacode a cabea como se
entisse uma dor aguda e puxa as rdeas... Ele nogenta mais.Para casa pensa ele. Para casa!
a eguazinha, como que adivinhando-lhe oensamento, pe-se a correr a trote mido. Cerca de
ora e meia depois, Iona j est sentado junto a umastufa grande e suja. Em cima da estufa, nos bancos,o cho, homens esto roncando. O ar est denso ebafado... Iona olha para os dorminhocos, coa-se, eamenta que voltou para casa to cedo.No ganhei nem para a aveia, pensa ele. porsso que estou aflito. Um homem que entende doeu trabalho... que est de barriga cheia e o cavaloambm, este est sempre sossegado...
Num dos cantos, acorda um cocheiro moo,igarreia e estende a mo para o balde de gua. Deu vontade de beber? pergunta Iona. De beber, pelo visto! Pois ... Bom proveito... Pois eu, mano... morreu
meu filho... Soube? Esta semana, no hospital... Queistria!
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ona olha para ver o efeito que produziram suasalavras, mas no v nada. O moo puxou a cobertor cima da cabea e j dorme. O velho suspira e seoa. Assim como o moo tinha vontade de beber,
le tem vontade de falar. Logo vai fazer umemana que o filho morreu, e ele ainda noonversou direito com ningum... precisoonversar comvagar, com calma... preciso contaromo o filho ficou doente, como sofreu, o que
isseantes de morrer, como morreu. precisoescrever o enterro e a viagem ao hospital parauscar a roupa do defunto. Na aldeia ficou umlha, Anssia... Tambm dela preciso falar... H
anta coisa de que poderia falar agora... O ouvinteeve gemer, suspirar, compadecer-se... Melhorinda seria falar com mulheres. Elas podem serurras, mas pem-se a chorar segunda palavra.Vou ver o cavalo pensa Iona. Sempre tere
empo para dormir... Dormirei at que chegue...ona se veste e vai para a cavalaria, onde est a suagua. Ele pensa na aveia, na palha, no tempo... Nolho, quando est sozinho, ele no consegue pensar.alar com algum a respeito do filho, isso ele
oderia, mas pensar sozinho e imagin-lo -lhensuportvel e assustador...
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Mastigas? pergunta Iona ao seu cavalo, vendo-he os olhos brilhantes. Mastiga, anda, mastiga... Seo ganhamos para a aveia, comeremos palha... Pois... J estou velho para este trabalho... O filho que
evia trabalhar, e no eu... Aquele sim que eraocheiro de verdade... Se ao menos vivesse...ona cala-se um pouco, depois continua:
Assim , mana eginha... No temos mais Kusmaonitch... Foi-se desta para melhor... Pegou e
morreu, toa... Agora, imagina tu, por exemplo u tens um potrinho, e tu s a me desse potrinho...
de repente, imagina, esse mesmo potrinho seespacha desta para melhor... D pena ou no d?
A eguazinha mastiga, escuta e esquenta com seuafo as mos do dono...ona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo...
O bispo
Na vspera do Domingo de Ramos celebraram-se osltimos ofcios divinos, no Mosteiro de Staro-etrovsky. Quando distribuam os ramos, j eramuase dez horas, as luzes baixavam, os paviosueimavam e tudo parecia envolto em bruma. Na
enumbra da igreja, a multido ondulava como ummar e Monsenhor Piotr, doente h trs ou quatro
ias, tinha a impresso de que todos os rostos dos
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elhos, dos jovens, dos homens, das mulheres sessemelhavam; de que os olhos de todos quantos seproximavam para receber o ramo eram iguais, emua expresso. A semi-escurido impedia-o de
istinguir a porta, a multido continuava a desfilar,ir-se-ia que interminavelmente. Um coro demulheres cantava. Uma religiosa lia os cnones.
ufocava-se. Que calor! E como fora longo o ofcio!Monsenhor Piotr estava fatigado, respirao
fegante, curta, seca, ombros doendo de cansao, asernas trmulas. Enervava-se com as exclamaesos homens simples. Subitamente, como em sonho,u em delrio, pareceu-lhe ver sua me, que no via nove anos, destacar-se da multido e aproximar-e... sua me, ou uma mulher parecida com ela, que,epois de receber o ramo de suas mos, afastou-se,o sem olh-lo alegremente, como seu bom eadioso sorriso... at perder-se no meio do povo. E,
em poder conter-se, lgrimas correram pelo seuosto.ua alma estava em paz, tudo corria bem, ele olhavaxamente o coro da esquerda, onde limam osnones, sem poder reconhecer ningum, na
enumbra, e chorava as lgrimas brilhando emua barba e em todo o rosto. Algum comeou ahorar, no muito longe, depois mais algum; pouco
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pouco a igreja encheu-se de soluos contidos... atue, minutos depois o coro do convento entoou umino, os prantos cessaram e tudo voltou ao normal.
O ofcio terminou. Enquanto o bispo tomava assento
m seu carro, para voltar casa, em todo o jardimuminado pelo luar ressoaram o belo e sonoroarrilho e os pesados e preciosos sinos. As paredesrancas, as cruzes brancas sobre os tmulos, astulas brancas projetando sombras negras, a lua
ongnqua, no cu, bem sobre o mosteiro, tudoarecia viver, no momento, uma vida singular
misteriosa mais prxima, porm, do homem.Abril comeava, o dia fora tpido e primaveril,omeava a gelar, levemente, embora se sentisse, natmosfera doce e fresca, o sopro da primavera. Astrada que levava cidade era arenosa, precisava-e andar lentamente os peregrinos ladeando aarruagem, sob a claridade e a maciez do luar.
odos calados, recolhidos; tudo, em torno,colhedor, jovem, fraterno rvores, cu, a prpriua. E era bom sonhar que seria sempre assim.
A carruagem chegou, enfim, cidade e tomou a rurincipal. As lojas j estavam fechadas, salvo a de
rakine, o milionrio, onde se experimentava auminao eltrica, muito tremulante, ainda, em
orno da qual as pessoas se agrupavam. Em seguida,
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travessou ruas longas e sombrias, ruas desertas;epois, a estrada construda pelo zemstvo lcanando, enfim, o campo, de onde emanava odor dos pinheiros. Subitamente, erguida diante de
eus olhos, uma muralha branca, ameada, fazendoundo para um alto campanrio inundado de luz, eara cinco cpulas douradas, resplandecentes: o
Mosteiro de So Pancrcio, morada de Monsenhoriotr. Sobre a qual, tambm, muito alta e
ominando o convento, pairava a lua, tranqila eonhadora. A carruagem transps o porto, fazendoanger a areia. Aqui e ali, ao luar, passavamugitivas silhuetas negras de monges, os passosessoando nas lajes de pedra.
Monsenhor, sua me chegou, em sua ausncia nunciou um irmo leigo, quando o bispo entrou.
Mame? Quando? Antes dos ltimos ofcios.erguntou logo onde estava o senhor. Depois, fo
ara o convento das freiras. Ento, foi ela mesma que vi na igreja. Ah! Senhor!o bispo riu de alegria, enquanto o irmo leigo
ontinuava: Madame mandou dizer que voltar amanh.
rouxe com ela uma menina... deve ser sua neta.Desceu no Albergue de Ovsiannikov. Que horas so?
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Mais de onze. Que pena!O bispo ficou um instante no salo, meditativo,omo se duvidasse de que fosse to tarde. Sentou-se,
s pernas e os braos cansados, a nuca dolorida.entia calor, certo mal-estar. Aps curto repouso,etirou-se para seu quarto, onde ainda ficou sentadom instante, pensando na me. Ouviu distanciarem-e os passos do irmo leigo e a tosse do padre Sissol,
trs do tabique. O relgio soou meia hora.O bispo mudou de roupa e ps-se a dizer as velhas
reces que conhecia h muito tempo, pensando emua me. Nove filhos e quase quarenta netos. Emutros tempos morava com o marido, dicono deeu distrito, uma pobre aldeia onde vivera durante
muito tempo, dos dezessete aos sessenta anos.embrava-se dela desde a mais remota infncia,esde os trs anos. Amava-a muito. Doce, querida,
nolvidvel infncia! Por que esse tempo se forara sempre? Assim distante, sem retorno, pareciamais radiosa, mais bela e mais rica do que naealidade. Quando, menino ou adolescente, adoecia,omo sua me sabia ser terna, sensvel! E, agora,
uas preces misturavam-se s recordaes que seeacendiam, como uma chama cada vez mais viva,ue no o impedia de pensar em sua me.
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erminada a orao, deitou-se: no escuro, reviu seuai e sua me, Lessopolia e sua cidade natal. Aoangidos das rodas, os balidos dos carneiros, oarrilho da igreja nas claras manhs de vero, os
iganos mendigando s janelas... ah! Como era doceecordar! Lembrou-se do padre de Lessopolia, padreimeon, um homem terno, tranqilo, benevolente.ra baixo, magro, mas seu filho seminarista erorpulento, voz forte de baixo. Um dia, o filho do
ope irritou-se com a cozinheira e injuriou-a:Jumenta de Zegouldil! O Padre Simeon nadisse, mas corou de confuso, porque no conseguiaecordar-se da passagem da Sagrada Escritura, quealava nessa jumenta. Seu sucessor, em Lessopolia, oadre Demiani, bebia at ao delrio, quando via er pente verde o que lhe valeu o apelido de
Demiane da Serpente. O professor de Lessopolia erantigo seminarista Matvei Nicolaitch, homem
xcelente, nada tolo, mas bbado, tambm. Noatia nos alunos, mas pendurava, diariamente, narede da sala de aula, um apanhado de varas detula, sobre o qual lia-se uma inscrio em latim,ealmente assombrosa: Betula kinderbalsamica
ecuta. Possua um co negro e crespo, chamadointaxe. E o bispo ria,