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Uma Literatura Coariense - Archipo

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Uma coletânea de poesias, crônicas e contos de Autores Coarienses ou que o assunto do texto seja a cidade de Coari

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Organização: Archipo Góes

Uma Literatura Coariense

Coari – 2013

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Dedicado a Ir Marília Menezes (ASJ), por ter me estimulado e apresentado

ao mundo da literatura e especialmente as poesias que tocam o coração.

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Sumário

A “FESTA” DA BANANA ......................................................................................................................................... 9

A Praça e a Matriz ............................................................................................................................................... 10

A Freguesia de Alvelos - Roberval Vieira ............................................................................................................ 11

COARI .................................................................................................................................................................. 12

Diários de Motocicleta – Um Caboclo Coariense em Roma ............................................................................... 13

HISTÓRIAS DE BOI-BUMBÁ ................................................................................................................................. 14

O Jardim dos Meus Desejos ................................................................................................................................ 15

O LAGO MISTERIOSO .......................................................................................................................................... 16

A Floresta Chora e Grita a Sua Destruição.......................................................................................................... 17

Lago de Coari ...................................................................................................................................................... 18

LUAR DE AGOSTO SOBRE O RIO SOLIMÕES ....................................................................................................... 19

Trajetória ............................................................................................................................................................ 20

Soneto Feito Por Alexandre Montoril dedicado ao Pintor José Maciel.............................................................. 21

A Freguesia de Alvelos ........................................................................................................................................ 22

Rio dos Deuses .................................................................................................................................................... 23

O Ultimo dos Imigrantes ..................................................................................................................................... 24

FLORES ESMAGADAS .......................................................................................................................................... 25

A morte do igarapé Espírito Santo em cinco atos .............................................................................................. 26

O Soldado da Borracha ....................................................................................................................................... 27

Filho de Boto – Contos ....................................................................................................................................... 29

Sugestão de leitura: “O regime das águas” de Francisco Vasconcelos .............................................................. 31

Saudade de Coari ................................................................................................................................................ 32

Os Colonheiros de Coari ..................................................................................................................................... 33

POEMA COARI..................................................................................................................................................... 34

CANTAREI COARI ................................................................................................................................................ 35

O AMOR ME SALVOU DE DIAS SOMBRIOS ......................................................................................................... 36

Poema em homenagem ao 6º ano do IFAM Coari ............................................................................................. 37

TRIBUTO A COARI ............................................................................................................................................... 38

ROSÁRIO DO “HOMO SAPIENS SAPIENS” ........................................................................................................... 39

E A VIDA ERA SIMPLES ........................................................................................................................................ 41

Eu Sou Boêmio Confesso .................................................................................................................................... 43

O Vinho e a Outra Face ....................................................................................................................................... 44

REALISMO FANTÁSTICO ...................................................................................................................................... 45

COBRA GRANDE .................................................................................................................................................. 46

Estudo Sobre o Coariense Erasmo Linhares ....................................................................................................... 48

Sobre a Obra Simá, Romance Histórico de Lourenco Amazonas. ...................................................................... 49

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Minha Máquina de Escrever ............................................................................................................................... 50

Sinopse O Tocador de Charamela - Erasmo Linhares ......................................................................................... 52

Amazônia, A Última Cruzada .............................................................................................................................. 54

RECORDANDO OS ESQUECIDOS COARIENSES .................................................................................................... 56

TRAGÉDIA DO BOTAFOGO .................................................................................................................................. 59

ANALISE LITERÁRIA DO CONTO “ZECA-DAMA” .................................................................................................. 62

Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz” ..................................................................................... 63

Page 9: Uma Literatura Coariense - Archipo

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A “FESTA” DA BANANA

Ir. Marília Menezes

— Vamos chamar os Beatles,

chamar a Perla, as ―Bananas split‖

para fazer a Festa da Banana.

— Senhor Prefeito, faça sua propaganda !

Pague conjuntos caros de Manaus

ou de Brasília

para abafar a humilhação e a dor

deste povo esmagado

como a banana.

Banana de mesa,

banana de metro

banana que cabe na palma da mão.

Quantas espécies de banana?

Jóia verde e amarela

salvação das crianças,

tu precisas morrer amassada no mingau

antes de ser amassada aos pés dos compradores,

ou jogada no rio, antes de virar lama,

antes que os bananeiros

dêem teu preço como teus senhores

ao mísero agricultor que te plantou.

Banana que serás bem embalada

e revendida a preço de ouro,

pelos exploradores,

para os States ou a Europa...

Vamos fazer a ―Festa de banana‖ !

Escolham uma mulher para Rainha !

Ela vai desfilar com folhas de banana

e com bananas presas

no fio dental.

Ponham o som mais alto, meus senhores,

para abafar o som dos caminhões

que vêm trazendo os cansados produtores,

e virão espiar a ―Festa‖ da banana !

Coari, 1992.

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A Praça e a Matriz

Archipo Góes

A velha senhora guarda seus filhos

Sua arquitetura americana, moderna.

Sua essência indígena, cabocla

Seu coração, inclinado a Coari.

Praça de minha infância, minha mocidade

Praça de meus primeiros amores, dos fervores

Praça das brincadeiras,

do futebol, da inocência

Em cada porta da matriz, uma lembrança,

Um calor.

Noite clara, a cidade às escuras

A lua motiva os casais ao amor

Noites inesquecíveis…

A praça conduz os caminhos.

A praça é arraial,

é carnaval,

é a marcha cívica.

Lá acontece manifestação,

Procissão,

Evangelização

A praça é do povo.

A praça é dos desejos.

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A Freguesia de Alvelos - Roberval Vieira

COARI-AM. Em 11 de outubro de 1973.

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos.

Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles. ―Capararí‖ salmorado com

bastante verdura, ―Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho‖. Sorri

maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel Soares, que brincou com Vieira,

enquanto oferecia-me uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui

ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças,

ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento, mas a Freguesia de

―Alvelos‖, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma.

Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela

praia. Nossos companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para quando

o dia amanhecesse.

E todos nós fornos lá espiar três ―tambaquis‖ e o belo exemplar de ―pirarucu‖. Durante o

verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda ―Alvelos‖, primeiro ponto da

civilização que formou o povoado de Coari. ―Jacó Dantas‖, irmão de Raimundo Dantas o

―AlveIos" estava conosco e eu apreciava muitas anedotas. Principalmente depois de já ter

tornado alguns goles.

Manoel Soares era o vice-prefeito. E era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA,

gostava de uma caçada ao mesmo tempo em criar estórias. E naqueles dias ele quase me

convencia que o ―Curupira‖ existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que quase

eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita seriedade: ―Se você assobiar

de novo ele vem cantar bem pertinho do barco‖. Acreditem ou não, alguma coisa veio

repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a

turma rir da minha cara, meio sem jeito.

Na manhã seguinte a festa Se fez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia,

espantando as gaivotas. Eram tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas

pacas e estava alegre. Contudo, não esquecia de me perguntar pelo ―Curupira‖. Bernardo,

funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte, apesar dos

"tambaquis‖ e o ―pirarucu", Ao levantar a malhadeira uma ―piranha‖ tirara-lhe um pedaço

da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo pra

cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente para deixá-

lo alguns dias sem as suas pescarias.

De repente, estávamos todos a bordo do ―Rio Coari‖, um daya-diesel dos Dantas e que

Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente A calderada estava

no ponto e todos nós comíamos animados.

Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas.

Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas,

contrastando com as águas escuras do Coari Grande e onde um dia quase me fizeram crer

que existe o ―Curupira‖. Na ―Freguesia de Alvelos‖. Na minha saudosa Coari.

Page 12: Uma Literatura Coariense - Archipo

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COARI

ELIANE VILAS BOAS VARGAS

Com ar de quem pouco se importa,

segue em frente, Coari.

Segue com tenacidade,

vigor energia ...

A natureza,

sempre tão pródiga e rica na Amazônia,

em Coari foi melhor:

além de um povo forte e bom,

da floresta amazônica,

dos rios maravilhosos

e dos animais diversos,

deu a Coari um sangue especial,

pois além de mover homens,

move máquinas.

O sangue que jorra do solo de Coari

é mais forte:

rico, viscoso, grosso, precioso,

um sangue escuro,

da cor do caboclo de Coari.

O sangue coariense brotando da terra,

faz bater mais rápido

o coração do povo de Coari,

o coração de Coari,

o coração de todo o Brasil.

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Diários de Motocicleta – Um Caboclo Coariense em Roma

Francisco José

O filme ―diários de motocicleta‖ de Valter Salles concorrerá ao prêmio ‗Palma de Ouro‘ em Cannes.

O cineasta relata no filme a mitológica viagem de motocicleta que Che Guevara fez pela América

Latina. O título do filme de Walter Salles poderia ser o nome do diário de um caboclo coariense em

Roma ou do diário de um romano em Coari. O certo é que tanto um como o outro convive no seu dia-

a-dia com esta realidade.

Já fazia alguns dias que pensava em escrever um artigo tratando da relação entre Roma e Coari, pois,

quem nasce em Coari e vai morar em Roma ou quem nasce em Roma e vai morar em Coari,

encontrará uma coisa comum nessas duas cidades, as motocicletas.

Tanto em Roma como em Coari, tivemos uma motocicleta símbolo. Coariense que tem mais de

quarenta anos se lembra com saudades da Yamaha 100, elas entravam em Coari, via Tabatinga, quem

tinha se orgulhava da sua motoca. A mesma coisa acontece em Roma. Romano que tem mais de

quarenta anos se lembra com saudades da lambreta Vespa. Cantada aí no Brasil pelo nosso rei do

brega, Reginaldo Rossi ... no fim do baile na minha lambreta...

A polícia federal veio, levou as Yamaha 100. A Honda invadiu a cidade com os seus modelos,

principalmente a 125. Na primeira vez que morei em Roma, nos anos de 1996 a 1998, a Honda

praticamente não existia por aqui. Retornado fiquei surpreso com a quantidade de motocicletas

Honda, e sem falar na infinidade de modelos. Os modelos existentes em Coari não existem aqui,

estando aqui olhando para lá, percebe-se que somos pobres para consumir a diversidade de

motocicletas que são colocadas no mercado romano e que às vezes na hora de comprar se chega a ter

dúvidas qual é a que eu mais gostei, a mais bonita, a mais charmosa, a mais potente, a mais prática,

nessa hora o bolso fala muito.

Como é bom ter uma moto nova, ficamos orgulhosos dela, e com ela vamos cortando as ruas

coarienses, sentindo no rosto o vento que vem do lago, pureza da natureza; algumas motos duram

toda a vida do dono. Em Coari quanto mais a moto dura, mais ela prova sua resistência, mais é boa,

como costumamos dizer. Em Roma já não é assim, o mundo do consumismo não permite que uma

pessoa fique longos anos com a mesma moto e nem que um outro compre uma moto com a

quilometragem alta, só restando um futuro para a moto, o ferro velho; porém, para coloca-la no ferro

velho se paga e muitas são abandonadas pelas ruas. Andando pela cidade é muito comum ver motos

sem donos.

Roma cidade eterna, programada para cavalos e carruagens, por isso não tem garagens e são poucos

os estacionamentos; ruas estreitas e becos estreitíssimos. A moto por ser pequena entra em qualquer

espaço; deste modo se torna prática, fácil de ser usada. Nos grandes cruzamentos, na hora da volta do

trabalho para casa, quando o semáforo troca o verde pelo vermelho, são dezenas e dezenas de motos

a esperar a nova troca do vermelho pelo verde. Assistir este momento é ser transportado de Roma

para Coari, tudo se transforma em saudades.

Na mudança das idades da adolescência para a juventude, seja o coariense como o romano, o objeto

de desejo mais sonhado é a moto. Acelerar, peito aberto ao vento, se sentir livre, num vôo, é que a

vida está a se abrir diante de si.

Afinal uma ragazza – uma cabocla na garupa de uma moto é sempre uma ragazza* – uma cabocla em

Coari, em Roma ou em qualquer lugar do mundo. Acelera ragazzo** – acelera caboclo.

* moça em italiano ** rapaz em italiano

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HISTÓRIAS DE BOI-BUMBÁ

José Willace Cavalcante

I

Vês, chegou a hora de meu povo balançar

Já faz tempo,

e agora nunca é tarde pra sonhar

Canta galera azul e branco,

solta forte essa emoção

Boi Garantido,

muita paz no coração

II

Vais, Boi-Bumbá Garantido,

com tuas cores invade este chão

Vens lá da Grécia, Já virou tradição

Conta tuas estórias nativas

e encantas esta multidão

Mostrando tuas raízes,

tua história paixão

III

Rei Minos,

abriu a porta, sorriu

No labirinto, Minotauro surgiu

E ás sete moças, sacrifícios e dor

E no Egito o boi se venerou,

e aqui chegou

Bumba-meu-boi, eu sou Garantido

Eu sou bonito, eu sou povão

Te segura contrário tua sorte esta em

minhas mãos (levante as mãos)

Levante a mão,

Eu sou Garantido,

Eu sou orgulho da região

Garantido, Garantido, eterno campeão

És campeão

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O Jardim dos Meus Desejos

Archipo Góes

Você sempre foi a lembrança de um desejo

Sempre longe e tão perto

O tempo, senhor de todos os encontros

Trouxe o teu brilho para me iluminar

Flor rara, impetuosa, fogosa e brilhante.

Tu fragrância me inebria e traz

A certeza de que em minha vida esse perfume

É o primeiro que quero sentir ao acordar

No meu quarto guardo recordações

Dos momentos que mesmo sem te tocar

Fizemos amor

Eu era o teu sol e te aquecia, te protegia, te amava

Você era a minha lua branca,

que me iluminava e me encantava

Cada noite eu te espero

Mas o sol e a lua tem poucos momentos

O amanhecer é breve com nosso amor

Eu queria ter inspiração para escrever meus versos

guiados pelo barulho de nossas respirações

E do desejo que nossa pele sentem

quando estão perto uma da outra

Como eu queria poder sentir

a textura e a maciez da tua pele

Nenhum perfume seria tão extasiante

quanto o nosso depois de nossa primeira noite

Ele teria o aroma da mistura entre a paixão mais louca

e os delírios insanos, mas tão esperados.

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O LAGO MISTERIOSO

Roberval Vieira

Olhei para a imensidão do lago e pensei:

―Como é belo e misterioso!‖

O sol procurava seu leito noturno, e a noite

o esperava chegar tristonho...

Os pescadores voltavam cansados.

As águas serenas e tranquilas, como se fosse

a alcova do mundo.

Ao longe se ouvia um canto triste, trazendo

as lembranças de alguém que se foi.

Chegou a noite, berço dos sonhos e morada de

Todas saudades

Apenas as águas tremulavam, e a

solidão dominava todo lago.

Alguns passos serenos se ouve, (um vulto) ou talvez

Mãe d‘água, que conta histórias para os encantados.

Coari-Am, 13 de março de 1973.

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A Floresta Chora e Grita a Sua Destruição

Francisco José Chora a floresta,

o choro dos inocentes

traspassados pela lâmina das espadas dos soldados de Herodes;

chora o choro dos indígenas latino-americanos

há 500 anos explorados, trucidados;

chora o choro das mães de Hiroshima

ao ver seus filhos mortos pela bomba atômica;

chora o choro do caboclo que da canoa assiste

a sua destruição.

As borboletas não voarão nas manhãs de domingo

e em nenhuma outra manhã

pois as borboletas deixarão de existir;

os pássaros não mais cantarão

nos galhos das árvores;

formigas, besouros, peixes num aspiral de extermínio

na loucura da morte serão varridos da floresta

e assim a morte vencerá a vida.

Ulisses por onde andarás?

Helena te espera

o cavalo de tróia americano a cavalgar na floresta

soterrará as fontes

beberá a água dos lagos, rios e igarapés

na sua sede

secará rio Negro e Solimões

e as águas negras e amarelas se misturarão

Ulisses por onde navegarás?

Helena te espera!

Grita a floresta pelo grito de liberdade de Ajuricaba

que preferiu a liberdade eterna

à vida escrava

Ajuricaba onde estás?

Grito pela luta de Chico Mendes

pois o seu sangue derramado no corte das seringueiras

torna-se esperança onde as novas sementes nascerão

Chico Mendes onde estás?

Grita pelos poetas

cultivadores dos jardins da vida.

Grita a floresta

PAI AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE, PAI

mas, por sua condição de ser floresta não pode fazer isso sozinha

e vai bebendo

a bebida amarga do sangue da destruição;

grita pelo homem seu destruidor

sua consciência, seus pés, suas mãos

único animal capaz de afastar o cálice de sangue

para que a floresta não beba dessa bebida amarga.

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18

Lago de Coari

Archipo Góes

Suas águas negras refletem seu mistério

Espelho escuro,

espelho da alma.

Seu Esplendor extasia-nos e desperta desejo

Nas suas águas a libido encontra o feromônio

O solapar de suas águas nas praias

Fragmenta o eco do silêncio e nos leva a viajar

Vendo indígenas em ritual ao filho do sol

Fazendo seu rito, seu mito, na praia de Jurupari

Sua Vastidão assusta,

seus ventos amedrontam

Com tanta frequência,

muitos já se perderam na travessia

Perdem-se,

sobretudo com tua beleza e grandiosidade

Por isso sempre retornam,

pois se encontram.

Coari - Rio de Ouro, Lago de ouro.

Águas provinda do amor,

lagrimas de saudades.

Eldorado tão procurado,

... Desesperançado.

Tua riqueza não vem do ouro,

mas do teu modo viver.

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19

LUAR DE AGOSTO SOBRE O RIO SOLIMÕES

Ir. Marília Menezes (A.S.C.) A memória de meu pai, Bruno de Menezes, "o poeta da lua".

A balsa da Petrobrás repleta de petróleo

qual sucuri de prata, descendo o Solimões,

fantástica, vai rente a margem,

com os grandes olhos vermelhos a frente e atrás,

bem devagar, temendo um desastre ecológico...

Leva a Manaus o ouro negro do rio Urucu.

Pergunto-me se Coari recebe os "royalties"?!

Mas a lua me arranca do problema econômico.

E preciso louvar e agradecer

por este rio enorme, marulhante,

pelos peixes que saltam para ver a lua,

pela orquídea e o mururé,

a andiroba e o cupuaçu

que não sabem louvar.

Por homens e mulheres que não querem louvar.

A onça e os jacarés devem também estar prateados de lua.

É preciso cantar por este barco vestido de luar.

Ergo-me da rede... Este luar de agosto impressiona.

E se batêssemos em um toro de madeira?

Seríamos amortalhados em nossas próprias redes...

Mas o luar espanta o sono e o medo.

E hora de louvar e agradecer.

E hora de se ouvir o que vai pelo mundo.

Ouçamos o que diz esta Radio "Cabocla" de Manaus

No radinho de pilha - resquício da Zona Franca.

... Será "cabocla" mesmo?

* * *

Ouço a música e temo:

"There's a river rolling to the sea..."

Viagem para Manaus – 1991

Page 20: Uma Literatura Coariense - Archipo

20

Trajetória

Madalena Costa

De berço dos Jurimauas

À Rainha do Solimões

Com seus mitos, suas lendas,

Seus costumes e tradições

Vai crescendo em solo firme

Nossa imponente Coari

Com a proteção dos ―deuses‖

Que viveram por aqui

Na correnteza dos rios

O caboclo à navegar

Na imensidão da floresta

A passarada a cantar

Sua beleza infinita

Tem encanto sem igual

Sua fauna, sua flora

E o seu reino mineral

O seu povo tão sereno!

Tão alegre e tão gentil!

Tem orgulho desta terra

Cá no norte do Brasil.

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Soneto Feito Por Alexandre Montoril dedicado ao Pintor José Maciel

Com a dedicatória: “Para o pintor José Coelho Maciel”

A tua arte sem favor é muito bela,

Na parte da pintura mostras vocação;

Também na poesia você se revela,

Muita espontaneidade e imaginação.

Deve-se julgar o pintor, diante da tela,

Assim pedro américo é uma revelação,

Entender diferente é fazer querela,

Talvez co`a mania de causar sensação!

Das artes belas a escultura é sublimada,

Pela qual miguel ângelo se imortalizou;

Mas foi na velha grécia onde o cinzel brilhou…

Das artes belas a música também é sagrada,

Entre os gregos, lino, orfeu e anfião,

Depois: bethoven, carlos gomes… não sei não!

Alexandre Montoril (Manaus, 25 de maio de 1970)

Descrição de Alexandre Montoril feita Por José Coelho Maciel, Pintor e Poeta

Coariense (membro do Club da Madrugada):

Alexandre Montoril, cearense de nascimento, era garoto ainda e o conheci na cidade de

Coari; foi dentista, político e prefeito da cidade por várias legislaturas. Foi também

deputado estadual e, como tal, criou o Bairro de Petrópolis, Era um homem culto e

poeta; versava com facilidade; não negava que era primo de Patativa de Assaré-CE.

Fazia questão de dizer isso! Na minha opinião, foi um grande homem, isto é, um

grande político de Coari e, como indivíduo, um homem extraordinário!

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A Freguesia de Alvelos

De: Roberval Vieira

COARI-AM, em 11 de outubro de 1973.

O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos.

Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles. ―Capararí‖ salmourado com

bastante verdura, ―Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho‖. Sorri

maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel Soares, que brincou com Vieira,

enquanto oferecia-me uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui

ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças,

ajudavam Maria José no preparo do jantar. Era um sábado calorento, mas a Freguesia de

―Alvelos‖, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma.

Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela

praia. Nossos companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para quando

o dia amanhecesse.

E todos nós fornos lá espiar três ―tambaquis‖ e o belo exemplar de ―pirarucu‖. Durante o

verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda ―Alvelos‖, primeiro ponto da

civilização que formou o povoado de Coari. ―Jacó Dantas‖, irmão de Raimundo Dantas o

―AlveIos‖ estava conosco e eu apreciava muitas anedotas. Principalmente depois de já ter

tornado alguns goles.

Manoel Soares era o vice-prefeito. E era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA,

gostava de uma caçada ao mesmo tempo em criar estórias. E naqueles dias ele quase me

convencia que o ―Curupira‖ existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que quase

eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita seriedade: ―Se você assobiar

de novo ele vem cantar bem pertinho do barco‖. Acreditem ou não, alguma coisa veio

repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a

turma rir da minha cara, meio sem jeito.

Na manhã seguinte a festa Se fez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia,

espantando as gaivotas. Era tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas

pacas e estava alegre. Contudo, não se esquecia de me perguntar pelo ―Curupira‖.

Bernardo, funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte,

apesar dos ―tambaquis‖ e o ―pirarucu‖, Ao levantar a malhadeira uma ―piranha‖ tirara-lhe

um pedaço da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais

cedo pra cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente

para deixá-lo alguns dias sem as suas pescarias.

De repente, estávamos todos a bordo do ―Rio Coari‖, um daya-diesel dos Dantas e que

Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente A caldeirada estava

no ponto e todos nós comíamos animados.

Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas.

Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas,

contrastando com as águas escuras do Coari Grande e onde um dia quase me fizeram crer

que existe o ―Curupira‖. Na ―Freguesia de Alvelos‖. Na minha saudosa Coari.

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Rio dos Deuses

Adrielly Granjeiro

Encanta-me os sons desse rio negro como o baré;

Donde surge o Jaraquí pra comer frito com açaí.

Rio de ouro e de deuses, o rio de Coari,

buraco pequeno, que serve de abrigo para a beleza infinita.

Meu rio-estrada, das melhores que já andei, a única onde nadei.

Rio que gera a vida, revitaliza a alma e me faz perder o pensamento

em tanta beleza e inspiração.

Mergulho em seus encantos de botos rosa e tucuxi,

que metem medo no ribeirinho e nas ―caboquinhas‖,

que atribuem o filho inexplicável ao danado do rapaz de roupas alvas e distinto da

meia-noite.

Porque o rio dos deuses indígenas é mansinho, farto,

e nunca deixa faltar nada na vida do amazonense que escolheu a vida tranqüila, sem

―busão‖ e poluição.

Quer mesmo é viver essa ―leseira baré‖ que o calor trás,

o ventinho fresco e a rede atada entre as árvores.

Quer viver dos casos, acasos e causos,

sem a preocupação dessa gente de cidade grande,

que vive pra ter dinheiro e comprar, comprar e comprar o luxo.

Ô maninho, luxo aqui no mato é ter um ar puro pra respirar,

uma rede pra embalar, uma canoa pra pescar.

No lugar de piscina, um rio imenso pra mergulhar e esse sossego desmedido.

Bossa a gente faz quando abre a janela e é contemplado pela imensidão verde.

É conhecer os bichos de fato, pela experiência, e não pela internet.

É viver quase num estado natural Rousseauniano,

mas sem ser o lobo do outro homem que Hobbes falou.

É ter sempre o que comer na cuia,

não faltar peixe com farinha e uma macaxeira cozida de manhã,

é ter orgulho de descendência indígena,

ter os cabelos tal qual Iracema, negros como o Graúna.

Orgulhoso da cultura e esperto com os sugadores que aparecem de 4 em 4 anos,

porque caboclo não é leso não mano! Se faz.

Prazer é ser desse chão, desse rio, desse povo.

De ser um ―Coaya-Cori‖, fruto desse buraco pequeno quente que só,

mas que tem o melhor açaí, a tapioca, o bejú e a banana fritinha com café.

A Coari, princesinha do Solimões, do ouro negro, abençoada pelos deuses das tribos,

pelos deuses gregos, latinos, católico apostólico romano, umbanda, e qualquer outro

deus que exista.

Afinal, todos sempre são brasileiros e vivem em Coari.

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O Ultimo dos Imigrantes

Manoel Francisco

Quantas lembranças, quantas saudades.

Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro.

Francisco Pereira Baptista, nasceu em Guimarães, Freguesia de São Sebastião em

Portugal, em 05 de maio de 1892.

Chegou em Manaus a 04 de agosto de 1929, onde residiu durante 10 anos, na

Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas.

Certo dia chegou a pequena cidade de Coari, um homem branco, alto, de olhos claros;

não sei se perdido em nossos rincões, mas veio subindo o rio Solimões. Era o dia 12 de

dezembro de 1939.

Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso apelido de ―Chico Enfermeiro‖, dada a

sua luta, coragem, abnegação, dedicação e o seu amor e zelo pela saúde do povo

coariense, que vivia abalada pelas doenças tropicais, muito comuns na região.

Era uma pessoa excepcional, incansável, sempre disposta a atender aos que necessitava

de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos sem distinção, enviado

por Deus, operava milagres por onde passava, com sol causticante, chuvas

intermitentes, ou temporal arrasante.

Preveu, amenizou e curou a dor deste povo tão sofrido e tão distante da grande

metrópole.

Aqui viveu durante 32 anos, casado com D. Francisca Albertina Alves Baptista, com a

qual teve 11 filhos, criando-os com dedicação. Abrigou também no seio da família,

várias crianças órfãs.

Um dia, seu organismo sentiu os primeiros efeitos das horas exaustivas que levava.

Primeiro de setembro de 1971.

Manha chuvosa, 6:00h. Em um dos leitos do quarto sete, do Hospital da Unidade Mista

de Coari, morria Chico Enfermeiro, rodeado de amigos e familiares.

A ti, Chico, nossa homenagem.

A ti, Portugal nossa gratidão.

De Coari, onde uma vez, com lágrimas se fez.

… a história deste Chico . . . tão linda!

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FLORES ESMAGADAS

Daniel Maciel

A tarde cai

A alegria de dias como este

Caem na monotonia do esquecimento,

É como se tudo o que foi antes

Não tivesse sido.

Quantas vezes

É preciso dirigir o olhar para trás

E enxergar os jardins floridos que plantamos

E ver que com os nossos próprios pés

Esmagamos as flores que nasceram.

O terreno machucado

Por nossas pegadas

É a prova maior da nossa própria dureza

Sobre este terreno

É que vamos caminhar para o resto da vida.

A tarde cai

A alegria de dias como este

é como se nunca tivesse sido,

A felicidade é saber

Que nem todas as flores morreram.

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A morte do igarapé Espírito Santo em cinco atos

Pe. Zezinho

Sua água era negra, como negras eram as pupilas dos olhos das crianças que se nele se

banhavam, negra como a noite sem luar e sem estrelas e bela como a negritude das

rainhas da África. Sua água era cheia de vida, pois eram sem conta os tipos de peixes que

nele habitavam e era uma fonte de alimento para os habitantes da cidade, que tinha nesse

igarapé, água para lavar roupas, para lazer, para pescar e para matar a sede.

O Igarapé foi morrendo lentamente, elenco aqui cinco atos de um drama que não tem

volta:

Primeiro ato

A ponte que liga a rua independência ao bairro Chagas Aguiar foi transformada em aterro.

Segundo ato

A construção do aterro do contorno.

Terceiro ato

A matança do seu irmão maior o igarapé do Inambú, pois era sua principal reserva. Foi

morrendo lentamente pela urbanização do bairro de Santa Efigênia.

Quarto ato

O crescimento da cidade de modo desestruturado pelo lado detrás do igarapé, onde foram

soterradas pequenas fontes, que alimentavam o igarapé.

Quinto ato

A ―limpeza do Igarapé‖, melhor dizendo tiraram sua vegetação.

O enterramento das fontes e a devastação da vegetação aquática, está provado que ―mata‖,

―eliminam‖ uma reserva de água, seja ela rio, lago, no nosso caso foi e está sendo o

Igarapé Espírito Santo. Uma beleza natural que a cidade de Coari vai perdendo. Uma

morte lenta, sofrida, sufocante, um drama em cinco atos. Como uma doença fatal que vai

matando devagar, fazendo sofrer. Cada ato uma parte da história do município.

Cada ato desse drama, uma dor, um sofrimento e hoje o igarapé é triste, já não tem

lavadeiras que nele lavam suas roupas para ganhar um pouco de dinheiro e comprar o seu

pão nosso de cada dia; não tem mais peixes para serem pescados pelos pais de famílias

que com eles alimentavam seus filhos e o pior de tudo é saber que ninguém mais bebe de

sua água. Sua tristeza, lentamente vai se transformando em solidão. O pior é saber que já

não tem o mais sorriso das crianças que nele tomavam banho.

É a vida se rendendo diante do desenvolvimento, fonte de abundância, transformada em

deserto, sede e fome. Mar Vermelho, Poço de Jacó, Rio Jordão, fonte da água do nosso

batismo, esvaziada, seca, bebida, tragada, engolida.

Água, fonte da vida, nos diz a Campanha da Fraternidade desse ano. Ano próprio de

ajoelharmos e rezando, fazer uma oração ao Espírito Santo pela morte do Igarapé Espírito

Santo e pedir perdão, ―Senhor não sabemos o que fazemos‖. Enquanto isso o Igarapé

Espírito Santo, em lágrimas, nos seus murmúrios, vai rezando, ―vem Espírito Santo,

vem‖.

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O Soldado da Borracha

Francisco Vasconcelos (*) O grito do seringueiro Valdemar ecoou floresta adentro, fazendo calar os ruidosos sons da

bicharada noturna. Cearense, acostumado à dureza dos sertões nordestinos, aquele homem

era um dos que passaram a viver isolados na misteriosa e, para muitos, fantasmagórica

hiléia, lá no ―centro‖, como era costume falar das regiões mais centrais e distantes

daquele mundo sem fim da Amazônia Ocidental produtora de borracha. Para ali fora

atraído pela colorida propaganda espalhada Brasil afora, o verde e o amarelo da bandeira

nacional predominando na policromia de bem elaborados cartazes; as estradas de seringa,

certinhas, limpas de quaisquer obstáculos; as seringueiras enfileiradas, uma pertinho da

outra, em linha reta, era só cortar. Na verdade, riscar a madeira e logo ver o leite jorrar e

seguir o sulco aberto na casca do ubertoso caule, até alcançar a tijelinha de flandres

estrategicamente colocada a alguns centímetros abaixo. Que poderia haver de melhor e

mais certo?

Valdemar lembrava tudo aquilo com grande indignação e maior tristeza. Por que caíra na

esparrela de acreditar em tamanha mentira? Fora enganado, sim. De qualquer modo,

aquela escolha o livrara de bandear-se para o cangaço que, à época, embora já sem força,

ainda constituía atração e alguma esperança para a moçada de seu tempo, ele, um quase

adolescente ainda. Que outro futuro poderia ter no agreste sertão onde nascera e onde

vivia?

— Vou, mãe. Vou, sim, pro Norte, lembrava-se de como respondera às advertências

maternas, feitas em razão de outras sentidas perdas que já tivera, os filhos, aos poucos,

debandando para aquelas lonjuras do Sul, lugares tão distantes, de onde sequer notícias

lhe chegavam. Isso era o pior de tudo. Por onde andariam os filhos? Viveriam

ainda? Para Valdemar, todavia, nada de mal haveria de acontecer-lhe. Tornar-se-ia,

como tantos que estavam partindo para a guerra, igualmente um soldado, ―soldado da

borracha‖, como oficialmente eram chamados quantos demandavam os distantes seringais

para a extração do precioso látex, indispensável ao fabrico de inúmeros artefatos de

guerra. Que mais honrado lhe poderia acontecer?

Até carteirinha de identidade receberia, documento que jamais conhecera, mas de cuja

serventia, também, nunca necessitara. Ganharia fama e dinheiro, sem correr o risco de

morrer atravessado por uma bala de fuzil ou estraçalhado por fragmentos de granada, sem

falar no perigo das destruidoras bombas que haveriam de cair dos aviões inimigos. Sabia

muito bem que outro não seria o fim de muitos que estavam partindo para a guerra. Então

não eram essas as notícias que corriam de boca em boca, ouvidas diariamente no rádio da

prefeitura?

Era, assim, definitiva a decisão de Valdemar. Extremamente motivado pela campanha de

aliciamento que então se fazia, chegava a orgulhar-se de ser mais um soldado a lutar,

participando do grande esforço de guerra que então se fazia com o propósito de vencer as

diabólicas forças que ameaçavam o mundo. Por tudo isso, iria. Sim, iria. Que risco

haveria de correr? Mais tarde, na velhice, se necessário, teria até como provar sua

condição de herói daquela guerra que tanto abalo causava à humanidade. Além do mais,

se sorte não lhe faltasse, poderia ganhar dinheiro e voltar rico ou bem remediado aos

pagos da infância, como sabia ter acontecido a muitos que, alguns anos antes, fugindo do

rigor das secas, haviam escolhido a Amazônia como suporte maior de um promissor

amanhã. Seus assentamentos constariam de sua emblemática carteira que, além de

registrar seus dados pessoais, indicaria o ânimo de luta que tivera, para orgulho de seus

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conterrâneos e de quantos filhos viesse a ter. Poderia, até mesmo, como a tantos

nordestinos acontecera, chegar à condição tão desejada de patrão, dono de seringais,

senhor de um mundão de terras, mais um coronel, enfim.

Fora esse o sonho de Valdemar. Sua grande saída, não tinha a menor dúvida, era a

borracha, produto, aliás, do qual pouco sabia e que jamais vira de perto, a não ser o que

diziam ser a parte superior dos lápis com que, na infância, apagava no caderno os erros

que a professora mandava corrigir.

Ah! Quanta ilusão passeou pela cabeça de Valdemar a partir das informações constantes

dos coloridos cartazes, enganosa estratégia que o atraíra, definitivamente, ao processo de

produção do tão desejado látex. Como admitir fosse mentira o que tanto chegou a ser

oficialmente apregoado? Igualmente, jamais chegara a imaginar que, passado o tempo e

terminada a guerra, cessaria também a atividade a que se dera com tanto entusiasmo.

Assim, de uma hora para outra, perdido e isolado naquele mundo verde e, sobretudo,

hostil, nem chegara a se dar conta de que o tempo passara e que a pouco e pouco aquele

estranho mal que o atingira fora se agravando, até prostrá-lo de vez, tornando-o um ser

inútil, sem qualquer serventia. Isso, sem falar na estranha e incômoda fraqueza que lhe

bambeava as pernas em constantes tremores, enfermidade que diziam ser beribéri ou coisa

parecida. Nem sabia também quantas vezes a malária o deixara sem poder sair pro corte, o

corpo moído, aquele frio de fazer tremer a própria alma. E que dizer da conta no barracão,

o débito crescendo a cada dia, a ponto de lhe negarem até o de comer? Nada pior, porém,

que aquela dor a arrancar lá de dentro, da alma e do corpo, o estranho e horripilante grito,

após incontáveis e incômodos gemidos, um após outro, gemidos que, de algum modo,

amorteciam um pouco a terrível impressão de que algo lhe destroçava as entranhas.

— Sossega, homem! Toma este chá – muitas vezes lhe dissera a mulher, ao tempo em que

lhe dava a beber morno cozimento de cascas de pau d´arco e de folhas de carajuru, além

de raízes e outras folhas colhidas na floresta, receita que prescrevera o curador, único

socorro que costumava acudir quem de socorro carecesse por aquelas brenhas. Nada,

porém, nem reza nem promessa, fora capaz de, pelo menos, mitigar-lhe o sofrimento.

Exatamente na noite em que fizera ecoar aquele pavoroso grito, fazendo calar a bicharada

noturna da floresta, bem longe dali outros gritos também se fizeram ouvir mundo afora.

Esses, entretanto, eram gritos de euforia, na tão esperada comemoração da vitória. A

partir daquele dia, não mais haveria dor. Tampouco a morte amedrontaria os que tanto

haviam lutado. Acabara-se a guerra. A paz, finalmente, fora alcançada, e o mal, por fim,

vencido. Para tanto, quantas mortes foram necessárias? Mas, entre elas, ninguém cogitou

de computar a morte de Valdemar, número simplesmente esquecido, que nem sequer

chegou a constar do rol dos que lutaram, como lutou ele e quantos, iguais a ele, na

condição de seringueiros, soldados da borracha, perderam a vida nos mais distantes e

agrestes seringais. De que lhe valera a caderneta que guardara com tanto zelo? Valdemar,

na verdade, nada mais fora além de um simples número. Número errado, que não chegara

a expressar qualquer valor, por isso que apagado pela enorme borracha da indiferença e

do esquecimento.

Onde a vida se cumpria sem qualquer problema, sons de heróicos dobrados animavam os

corações, num tributo aos heróis da guerra que, sob aplausos intermináveis, desfilavam

garbosos.

(*) o autor é advogado, nascido em Coari.

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Filho de Boto – Contos

Pe. Zezinho

O sol nascia e parecia que naquele dia nascia mais devagar, como

uma criança saindo do útero da mãe. A ‗menina do interior‘ com

a mão na água sentia toda frieza que a temperatura da manhã

trazia. Era seu aniversário, 13 anos, havia uma dor no pé barriga,

não sabia o que era, algo errado no seu corpo. Uma coisa tinha

notado, desde que chegou à tábua de lavar, havia por ali por perto

um grupo de botos, geralmente eles não vinham assim tão perto,

mas hoje, estavam ali, estranho, pensou!

Os botos brincavam, se exibiam, dava a impressão que queriam

dizer alguma coisa a ela, acostumada àquela vida, não ligou muito para aquele

espetáculo. De repente foi sentindo uma coisa quente no meio das pernas, se assustou,

passou a mão, viu sangue, será que estava doente? Tinha se sentido tão bem esses dias,

a dor tinha começado no começo da noite de ontem, um medo percorreu todo seu

corpo. Os botos continuavam seu show cada vez mais animados.

Segurando a cuia se inclinou para pegar água, quando sentiu um peso pelo lado do seu

corpo, caiu na água e foi sendo levada, arrastada pelos botos, cada um mais animado

do que o outro, com os seus focinhos tocavam seu sexo ensanguentado, era uma

sensação diferente, tentava nadar, já começava se afogar, eles em cima dela, eram

fortes, nadavam rápidos, rufavam excitados, ela também se sentia excitada, seus

corpos no dela, tocando seu órgão genital, quando de repente tudo escureceu.

Naquele ano o ‗coordenador da comunidade‘ tinha certeza, seria uma das melhores

festas de São Pedro que a eles viveriam, estava quase tudo arrumado, o andor do santo,

o barco que levaria o santo, as bandeirolas, o bar com muita bebida, as galinhas

assadas, os bolos e o conjunto que ia animar a festa; e todos na vila estavam contentes,

afinal de contas, o padroeiro da comunidade tinha mandado muitos peixes para eles,

fazia tempos que eles não tinham pescaria tão boa. A hora já avançava, a gente das

comunidades vizinhas já começavam a chegar, é hora de arrumar as últimas coisas.

Pensava porque o padre não vinha, só aparecia ali atrás de dinheiro e olhar para a

mulher de todo mundo!

A ‗menina do interior‘ despertou, sentiu o corpo um pouco doloroso, viu que estava

um pouco mais abaixo de onde se encontrava a tábua de lavar, foi para lá, tinha que

lavar a louça, hoje havia muitas coisas a serem feitas, era dia de festa do padroeiro,

sabia que seria animada, queria que tudo estivesse pronta e fazer dessa festa a melhor

de todas, melhor do que a das outras comunidades. Hoje também sentia que seria o dia

em que o ‗rapaz do interior‘ e ela iriam dar seu primeiro beijo, vinha esperando esse

momento já faz tempo.

O ‗coordenador da comunidade‘ não sabia bem o que fazer de tantas coisas a serem

feitas, corria para cá, para lá e tudo ia fazendo, a procissão tinha saído quase tudo do

jeito que planejavam, não foi melhor porque a cachorrada achou de fazer aquela briga

toda, logo naquela hora, mesmo no meio de todo mundo. Estava alegre com o

movimento de tanta gente. Um pouco longe, avistou o barco de um ‗homem da

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cidade‘, gente importante que vinha chegando; a festa ia ficar melhor ainda, com

autoridade presente, a festa é outra história.

Com vestido novo e batom nos lábios, ela se sentia a rainha da festa, do outro lado do

salão, o ‗rapaz do interior‘, era só pavulagem, o orgulho de saber que aquela cabrocha,

era a sua, o fazia o maior de todos; com o seu olhar, Rosinha fazia questão de afirmar

os sentimentos do amado.

O barco do ‗homem da cidade‘ atracou no porto, arrumaram a prancha e todos

desceram; foram saudados animadamente por toda a comunidade, soltaram os últimos

fogos que tinham. O ‗presidente da comunidade‘, era só dentes, dizia a todos, vejam

como a nossa comunidade é forte, até autoridade vem para nossa festa.

A comitiva do ‗homem da cidade‘ se instalou num canto do salão, ocupando várias

mesas e com todo seu poder, foi mandando servir cerveja à vontade para todos,

arrematou galinhas, patos, tartarugas, tudo em homenagem a São Pedro, sabia que o

padre ia ficar feliz com aquele dinheiro. Dando um giro com o olhar pelo salão, seus

olhos encontraram uma belezura, linda cabocla, jovem, não podia resistir àquela

beleza, menina nova era seu fraco.

Pediu para um dos seus puxa-sacos que não medissem esforço, nem dinheiro para

levar a menina ao camarote do barco e depois desse o sinal que ele ia descer para lá. Aí

pela uma da manhã o sinal foi dado. A ‗menina do interior‘ amanheceu mais

ensanguentada do que no dia anterior.

Dias depois o pai da ‗menina do interior‘ cai doente, com muita insistência da mulher,

rumaram para a cidade, mundo estranho esse, depois de muito esperar, foram

atendidos pelo médico que disse, vai ter que ficar hospitalizado, antes que esqueça,

essa é a receita dele e entregou na mão da mulher um papel com um monte de rabisco,

que para quem não sabe ler não fazia nenhum sentido.

Com o papel rabiscado na mão e acompanhada pela filha, saiu do hospital em direção a

farmácia. Só veio, a saber, quanto custava o valor daqueles rabiscos quando o moço

disse o preço dos remédios, meu Deus, uma fortuna, e agora? Teu pai não pode ficar

assim, precisa desses remédios, não conhecia ninguém que podia ajudar. A única ideia

que veio na cabeça, foi ir à casa do ‗homem da cidade‘, a filha não queria ir, mas foi

convencida pela mãe, a vida do marido era a coisa mais importante para ela.

Chegando a casa, foi bem atendida pelo ‗homem da cidade‘ que não tirava os olhos da

filha, a mãe, colocou a situação e ele foi solícito, encaminhando a mulher para a

farmácia mais próxima, calculando o tempo, teria meia hora com a pequena, seria uma

eternidade de prazer. Saindo na direção indicada para comprar os remédios, aceitando

a sugestão de que a filha podia ficar, estava tão pálida a pobrezinha, homem bom era

esse. Devia se candidatar.

No terceiro dia do segundo mês depois de terem chegado da cidade a ‗menina do

interior‘ se sentiu mal, no desespero narrou aos pais o que tinha se sucedido com ela e

os botos no dia da festa de São Pedro. Passado mais três dias, contou aos pais que

estava grávida. No sétimo dia, todos na comunidade sabiam que ela está grávida do

boto. Completados os nove meses, o filho do boto nasceu e tinha a cara do ‗homem da

cidade‘.

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Sugestão de leitura: “O regime das águas” de Francisco Vasconcelos

Por Francisco José

Cai sobre Coari um dilúvio em forma de novelas, quase todos

os dias uma chuvada, um capítulo. Toda essa chuvada no

Vale Amazônico está sendo um indicativo de enchente

grande. Os relatórios dos especialistas ainda deixam dúvidas

se as águas alcançarão ou não os níveis das grandes cheias. Já

os amazonidas, na convivência com a floresta, aprendem

observando as águas; as andanças dos peixes, a altura onde os

pássaros fazem seus ninhos nas árvores e afirmam com quase

absoluta certeza que as águas subirão muito esse ano. Uma

enchente grande, causa imensos estragos na vida do povo. Os

desafios gerados por ela são diversos.

É dentro dessa lógica que o livro ―O rio comanda a vida‖ tem sentido, pois, a força das

águas desestrutura as organizações básicas, tanto das famílias, como das comunidades

rurais e muito mais das cidades amazônicas; quase todas localizadas na beira d‘água. A

obra prima do escritor coariense Francisco Vasconcelos, ―O regime das águas‖, retrata

a vida de uma família e de suas relações numa enchente; uma boa leitura para quem

quer conhecer pela literatura a vida do povo amazônico.

O povo é expulso pela invasão líquida, que invade casas e plantações. As pessoas

munidas de esperanças resistem e deixar o tapiri é a última ideia; só quando as águas

estiverem quase cobrindo o telhado da casa. Enquanto se puder levantar o ‗assoalho‘,

ele vai subindo, subindo, no mesmo nível que as esperanças vão baixando, se

apagando.

Em cada enchente grande, nossa área rural se esvazia e as periferias das cidades vão se

enchendo. As casas são feitas em qualquer lugar, sem estruturas de saneamentos

básicos, esgotos, água encanada e energia elétrica. É viver de qualquer jeito. É

recomeçar praticamente com um único patrimônio, a esperança.

A enchente de 2009 foi a última grande enchente que tivemos na Amazônia, uma das

maiores nesses últimos cem anos e deixou enormes prejuízos nos estados do norte.

Muitas cidades foram inundadas totalmente. A terra do gás e do petróleo também

soube o poder das forças das águas, com diversas ruas alagadas e com grande

quantidade de pessoas da zona rural migrando em busca de um pedaço de terra, uma

moradia enxuta. Foi um tempo de muita ‗pedição‘; parecíamos uma cidade de

mendigos.

São muitas as cidades da Amazônia que já estão sofrendo com a enchente atual. O

governo começa a liberar ―ajudas‖ para tentar amenizar o sofrimento do povo. É uma

ajuda muito bem vinda. Sendo esse um ano eleitoral, os riscos de aparecerem

aproveitadores da situação para faturarem votos, serão grandes. Os compradores de

votos de plantão, podem encontrar no sofrimento do povo, uma oportunidade de

comprar um mandato. Como já dizia um filósofo: ―há os que vivem da desgraça dos

outros‖. Agora, é esperar na esperança que a enchente não seja grande; só assim não

iremos misturar águas com votos ou as esperanças irem por águas abaixo!

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Saudade de Coari

Archipo Góes

Cidade guardada no meio de uma saudade

Oculta na selva, presente sempre na memória

Apesar dos novos tempos aqui desfrutados

Raízes ainda mexem com as lembranças

Inconsciente de um tempo que se foi.

Ainda encanta quem visita suas águas

Águas negras,

águas vermelhas

Água mãe,

água que alimenta seu povo sofrido

Três rios em um só

guardam seus primitivos.

Ficou na pele

a marca de uma branca areia

Escadaria – Tardes inesquecíveis

Tardes de Chuvas,

corridas pelas ruas

Beijos molhados,

beijos guardados.

E a noite na pracinha,

ou na rampa – um violão

Músicas,

Sonhos - sonhos conquistados

O olhar para o passado

e conceber:

Que sempre fui feliz em minha Coari.

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Os Colonheiros de Coari

Daniel Maciel

Quero hoje homenagear os colonheiros,

Assim chamados àqueles nossos irmãos

Que diariamente deixam suas casas aqui na cidade,

E vão as estradas e vicinais de Coari

Para do chão rico e abençoado de nossa terra tirar o sustento diário,

O alimento que vai encher a barriga das crianças

Alimentar as esperanças de dias melhores

Sustentar o braço viril e corajoso

Que na labuta diária e incessante

Realiza a missão maior da vida

Existir e ser feliz.

Este povo tão nobre que vence

Apesar do sol causticante que a todos aquece

E que enrijece a terra

Até que venha a chuva para torná-la a rejuvenescer.

E como cheio de fé no coração

Aguarda ansioso brotar novas sementes

De fé e amor

De um futuro melhor e promissor.

Benditos homens e mulheres urbanos

Que são agricultores da cidade

Enfrentando agruras para chegar a seu terreno

Mas quando ali chegam

Chegam no céu

Ao paraíso que é só seu

E que de lá não querem mais voltar.

Page 34: Uma Literatura Coariense - Archipo

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POEMA COARI

Aldísio Filgueiras

(Ao jovem pintor e amigo J. Maciel)

Então o Solimões

fêz uma pausa

- uma pausa lago

e se chamou Coari

Coari princesa índia

beira-rio

Coari das manhãs

coloridas de blim-blons

da matriz de S. Sebastião

Coari do Espirito Santo

fugindo do Inferno

para um longe muito

longe quem sabe onde?

Coari que tem cais

e marias no cais,

de curumins barrigudos

soltos suados correndo

nas ruas

Coari do cura

Coari de COARINA

Coari de JOTA MACIEL

de tanta gente importante

que eu não conheço ainda

Coari meu

coari coari

de coaris coari

Manaus, 24.09.1964.

* O autor é parceiro de Torrinho na música Porto de Lenha

Page 35: Uma Literatura Coariense - Archipo

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CANTAREI COARI

Daniel Maciel

Cantarei Coari

Em prosa e verso

Te cantarei aqui:

Parte do universo.

Com minhas rimas

Quero te enaltecer

E quando não compo-las

Quererei morrer.

Pois os teus rios e lagos

Tua gente hospitaleira

São meus,meus sonhos

De uma vida inteira

Cantarei o Solimões

O mamiá, o Trocaris.

Pois são muitos corações

São muitos Coaris

Cantarei o Laranjal

Cantarei Lauro Sodré

Um povo sensacional

Um povo cheio de fé

Cantarei o Lago

O grande Lago de Coari

A praia da Freguesia

A do Jurupari

Cantarei a Ilha do Ária

Cantarei Ipixuna

Louvarei o Copeá

Em sua fartura contínua.

Cantarei tua gente

Teu povo sem igual

Que acredita brandamente

Em um futuro sensacional.

Cantarei tua historia

Teu passado glorioso

E com a mesma alegria

Teu futuro esplendoroso

Page 36: Uma Literatura Coariense - Archipo

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O AMOR ME SALVOU DE DIAS SOMBRIOS

Daniel Maciel - Coari.

Lindo é o amor

Força que salva

Que salva de dias sombrios...

Uma luz

Que sustenta o olhar vivo

Nos dias tenebrosos...

Uma chama

Quem mantém

O coração aquecido em dias frios...

Um clarão que ilumina

O horizonte da vida

dos desesperados.

No mar gélido

De assombrosas ondas

É a ilha firme forte

No penhasco íngreme

É a corda que sustem

E livra da morte,

Na caverna escura e triste

É luz que guia

Rumo ao norte.

Lindo é o amor

Força que salva

Que salva de dias sombrios.

Page 37: Uma Literatura Coariense - Archipo

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Poema em homenagem ao 6º ano do IFAM Coari

Turma SINF11N

Ó admirável Instituto, que outrora meu conhecimento despertara

A cautela dos teus docentes aguerridos me educara

Tu que o sol do conhecimento fizeste nascer em mim

A luz do saber, meu tudo, meu início sem fim.

Vossa formosura sorri aos espaços azuis

Da terra do Negro Ouro,

Rainha do Solimões, alegria do meu povo.

Triunfante vens desde sua criação

Como não ser triunfante, se és tu a porta de entrada para o conhecimento

E a saída do caos que dantes me encontrara?

Hoje é o teu dia, data sublime de comemoração

E em alta nuance cantar-te-ei com a voz do coração.

Parabéns IFAM pelos seis anos de existência

Continue a formar cidadãos de caráter

E de sabedoria em excelência.

Page 38: Uma Literatura Coariense - Archipo

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TRIBUTO A COARI

ADALVA' SILVA LEANDRO

Campina Grande Paraíba

Simples, pacata, singela

Verde semente a florescer

Rosa, alegria, quimera,

Prelúdio do alvorecer.

Caminhos galgados passados

Vozes, cantos, histórias, vitórias

Sonhos visados, cansados, amados

Prazeres, amores, perigos... as glórias.

Viajante sofrido aqui vens solitário

A terra, a água, o ar conquistado

Confias, espias, desfias o rosário.

Chegaste, ficaste, sorriste outra vez

A vida, o momento, o lugar abastado

A brisa te prende, o povo te fez.

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ROSÁRIO DO “HOMO SAPIENS SAPIENS”

José Maciel* (Uma visão amazônica sobre homem moderno no mundo)

Ave Maria, cheia de graça, nossa Senhora,

Mãe de Cristo, Filho de Deus-Pai,

Rogai por nós que recorremos a Vós!

Pai nosso, que está no Céu, na Terra e em toda parte,

Rogai por nós que recorremos a Vós!

Senhor, o que é um país próspero?

É o que tem um PIB nacional elevado,

Um faturamento de bilhões, ou trilhões ou mais,

Em exportações de seus produtos nacionais e manufaturados,

Com carga tributária pesada, de mais de 40%

Da renda (pessoa física), do lucro (pessoa jurídica),

Daqueles que pagam impostos

(Porque têm aqueles que não pagam!)

Ou o que tem um povo educado, sadio, culto, espiritualizado,

Não importa qual a religião, a crença, a filosofia,

Ou mesmo guiado apenas pela intuição, pela fé,

Pela necessidade de interação social,

Ou por instinto gregário de proteção contra as intempéries,

Os maus tempos, as pestes e pragas, os temporais, enchentes,

As fortes correntezas, enxurradas, alagações, degelo,

Geadas, nevoeiros, nevascas, avalanches, frio intenso,

Chuvas de granizo, chuvas ácidas, incêndios que dizimam

Florestas, temperaturas elevadas, calor intenso,

Aquecimento global, secas, terras desérticas, ventanias,

Tempestades de areia, tempestades de poeira, vendavais,

Ciclones, tornados, furacões, erupções vulcânicas,

Terremotos, desmoronamentos, deslizamentos de terra,

Tempestades sísmicas, maremotos, ressacas, tsunamis.

Hoje, as ameaças não são mais os animais da selva,

Nem dos oceanos, que o homem enjaula, engaiola,

Confina e mata desde os primórdios das priscas eras

De sua história construída com guerras

Sanguinárias de domínio e escravidão!

As ameaças hoje são oriundas das tecnologias criadas pelo

Próprio homem, e as que emergem das forças da Natureza,

E as dos fungos que atacam o seu corpo, sua casa e

O próprio ambiente de trabalho, e as virais:

Os micro-organismos (alguns, resultado

Da pesquisa científica em laboratórios),

Os vírus, as bactérias, invisíveis a olho nu, que se espalham

Com a velocidade do vento, da luz, do som, pelos quadrantes

Do orbe e das urbes, levando pânico às populações

Dos grandes centros urbanos e das periferias antes bucólicas

Nas áreas rurais e campesinas do meu país e do mundo!

Até quando, Senhor, veremos tudo isso acontecer?

Page 40: Uma Literatura Coariense - Archipo

40

Quando os governos do mundo, incluindo o do meu país,

Tomarão medidas definitivas (não paliativas) contra

O que está acontecendo por causa de suas ações

Poluentes da Terra, destrutivas e catastróficas,

Pela prática do capitalismo selvagem inconsequente?

Por que o homem, Senhor, não cultiva apenas a ambição

Como motivação para o seu crescimento pessoal?

Por que ele alimenta sem medida a sua ambição,

Incorrendo na ganância,

Fruto da corrupção e da miséria humana?

Com que finalidade o homem luta desesperadamente,

Sendo capaz da prática da violência para chegar ao topo

Do materialismo desenfreado,

Cometendo as maiores atrocidades na vida,

Para conquistar esse lugar e depois morrer,

Deixando tudo ao pó aquilo que construiu com o pó?

Senhor, não é uma incongruência agir dessa forma?

Já não é bastante o hedonismo de grande parte da população

Que se deleita dia e noite, diuturnamente,

Como se o mundo fosse acabar!

Até quando, Senhor, o homem vai continuar inconsequente?

Porque ao que parece,

Ele não está preocupado com o seu semelhante,

Ou com os resultados e consequências de sua atitude egoísta,

Individualista e irracional,

Mas pura e simplesmente com o seu próprio bem-estar!

―Os outros que se lixem!‖ É o que diz quando se refere ao outro.

Instinto primitivo ou não,

Os mecanismos de defesa criados e desenvolvidos pelos estudiosos

E tratadistas nas diversas áreas do comportamento humano,

Que se ocupa (ra) m do assunto, não estão conseguindo frear

O lado ―negro‖ da criatura

Universalmente conhecida como ―homo sapiens sapiens‖! Por que?

Por que o homem continua vivendo na barbárie em pleno século 21?

Parece que nada aprendeu de seu passado atroz!

O que está faltando para melhorar a sua condição humana

Como um ser evolutivo a caminho da espiritualização?

É este mesmo o destino que seguirá, ou outro que não sabemos?

Onde finalmente que chegar?

Enquanto a ficção científica nos leva para conflitos galáticos,

O novo homem, fruto da evolução e das ações redentoras

Direciona-se para um futuro de incertezas!

Todavia, há sinais aqui e ali do despertar de uma nova civilização

Nascendo sob o signo da fraternidade,

Da espiritualidade e da solidariedade

De uma ética cristã que reconhece no semelhante

O seu próprio ―eu‖ de sobrevivência e salvação!

Desperta humanidade, desperta!

Page 41: Uma Literatura Coariense - Archipo

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E A VIDA ERA SIMPLES

José Coelho Maciel*

Eu sei...

quantas vezes já pensei nisto,

já disse que não adianta

que o mundo é assim mesmo!

Que não adianta chorar

gemer, gritar e vociferar

ninguém vai lhe ouvir,

entender.

O mundo é assim mesmo

- pequeno e grande

alto e baixo –

e a vida uma merda!

Quantos gritos sufocados

ecoam no infinito

sem resposta?

Quantos apelos se faz

diariamente

quantos, quantos?

Já não se conta mais

nos dedos

os dias, as noites, os anos

pois o tempo

agora é contado

cronologicamente

medido, computado

pela lógica

dos cérebros eletrônicos.

O homem é programado

igualmente

para missões impossíveis

e possíveis,

para fazer coisas

que fazíamos antes

da robótica.

Tudo era simples

sem cibernética.

Fazíamos tudo:

íamos ao cinema

passear no bosque

brincar de esconde-esconde

Page 42: Uma Literatura Coariense - Archipo

42

jogávamos peteca

brincávamos de ciranda

rodávamos, rodávamos

e nós rodávamos o mundo

e com o mundo rodávamos

dávamos volta ao mundo

em oitenta dias,

cento oitenta,

trezentos e sessenta e cinco

e nunca cansávamos

e éramos felizes

e simples era a vida!

Não tínhamos medo

medo de morrer

medo de ir longe

alcançar a lua

falar com as estrelas

dançar com os astros

virar pirilampos

navegar no espaço

brincar de fantasma.

De nada disso tínhamos medo!

E agora,

quem somos?

• José Maciel é artista plástico, ilustrador, xilogravurista e poeta alternativo bissexto,

pertenceu ao Clube da Madrugada e a União Brasileira de Escritores do Amazonas (UBE-

AM), é membro da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR) e da

Associação de Escritores do Amazonas (ASSEAM).

Page 43: Uma Literatura Coariense - Archipo

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Eu Sou Boêmio Confesso

Abdon Sahdo

Eu amanheço

Depois de uma noite dormida num bar

Vejo a cidade se iluminar

É gente passando prá lá e pra cá

Alguém me olha. Pergunta à razão, eu não sei explicar

Não se foi tudo produto de 10 ou 20 cervejas

Quem sabe até mais ?

Só sei que é bom um pileque homérico

A gente encontrar velhos amigos em busca de paz

Bebendo alegria que a noite nos traz

Eu sou boêmio confesso não nego a minha paixão.

Pela mesa de bar, pelas noites de lua.

E afogo a tristeza do meu coração

Page 44: Uma Literatura Coariense - Archipo

44

O Vinho e a Outra Face

Archipo Góes

O vinho estimula os desejos

Os Olhos procuram os sentimentos

O vinho entra pela boca

O amor entra pelos olhos

Devo está com o dobro de sua idade

Isso significa que possivelmente irei sofrer.

E mesmo assim

Ao ver seu ar de desafio e timidez

Reconheci que estava diante

Da minha outra face

Naquela noite de Encontros e Delírios

Percebi que as vozes que cantam o amor

Não conseguem expressar os meus sentimentos

De receios, cuidados e desejos.

Você é a síntese de tudo que quero para mim

E assim, te desejo em silêncio.

Quando dei por mim

Você já tinha se tornado

Minha mais ousada prioridade.

Vou te conquistar

Como quem sai pelo mundo

Em busca de seus sonhos

E assim construiremos

A nossa lenda de amor.

Page 45: Uma Literatura Coariense - Archipo

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REALISMO FANTÁSTICO

Jose Coelho Maciel “Qualquer que seja o lugar onde nos encontremos,

o universo estende-se a partir da ípor igual em

todas as direções, sem limites”. Lucrécio

Eu me imaginava no centro do Universo

Navegando anos-luz no espaço infinito

Entre estrelas galácticas

Como uma velha bruxa

Nas noites escuras

Do medievo mundo.

Telescopicamente, e visível a olho nu

Me via percorrendo o espaço sideral

Qual nave em astronáutica rota

A caminho de Júpiter.

Passei por muitas galáxias

Deslumbrado de tanta beleza

E grandiosidade incomensurável

Da Via Láctea de bilhões de estrelas.

Deparei muitas vezes com satélites artificiais,

Sondas e foguetes mandados da Terra

Para explorar os planetas do Sistema Solar.

Deparei outras tantas vezes

Com destroços e corpos de astronautas

Mortos na conquista do Espaço,

Entre granitos e meteoros.

Copérnico, Laplace, Galileu,

Newton, Einstein e Von Braun

Formavam constelações de primeira grandeza

Para a compreensão do Cosmo.

Astronaves cortavam velozmente a abóbada celeste

Em meio à luz brilhante das estrelas

E a poeira cósmica das galáxias

Para se abastecerem depois de longas viagens

Nas muitas estações de abastecimento e pernoite.

Enquanto isso, trabalhavam na Lua

Construindo pontes de contato com outros pontos

Já conquistados pelo avanço do homem.

(In Carderno Especial, Clube da Madrugada, jornal A Crítica,

Anos 80, ilustração de Van Pereira, Manaus-AM)

Page 46: Uma Literatura Coariense - Archipo

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COBRA GRANDE

Pe. Francisco José*

A cobra é um animal que sempre esteve presente no imaginário coletivo e mitológico

de muitos povos, desde a antiguidade até os nossos tempos. As pinturas do Egito

antigo estão recheadas deste animal. Para eles, ela era um animal sagrado. Lembrando

que os escritores do Gênesis, por 400 anos, foram escravos no Egito e de lá,

impregnados por essa divindade, o inseriram no livro sagrado, a cobra como

personificação do demônio. Aí a cobra aparece como animal capaz de seduzir o ser

humano, lhes propondo o saber e o poder de Deus.

Desde criança escuto estórias de cobra grande. Estórias de meter medo, lembro-me de

uma que dizia, embaixo da catedral tem uma cobra grande e no dia em que ela

começar a se movimentar toda cidade será destruída e ainda uma outra, contada por

muita gente até hoje, nos diz de uma verdadeira destruição feita pela tal fera,

acontecida em determinado lugar, o estrago deixado pela bendita é sempre grande,

depende do contador da estória. Há pouco tempo, ouvi esta, desde o dia da saída da

cobra grande de um lago, o lago secou!

Na Amazônia ela faz parte do zoológico mitológico do homem amazônico. Primeiro

percebemos sua existência de forma ingênua, estórias para meter medo em crianças,

mas para nossos ancestrais, a cobra grande era um animal sem tamanho, enorme,

monstruosa e era um dos animais guardiões da floresta, que junto com outros animais e

mitos guardavam a floresta. Este mundo dos guardiões da floresta, habitava o

imaginário de fé, sagrados, estavam tanto no nosso mundo como também no mundo

dos deuses.

―Cobra grande, cobra grande encolheu‖, este é um verso de uma toada de boi-bumbá.

Retratando o quanto às pessoas de hoje desvalorizam este animal do espaço mitológico

amazônico. Nós da geração Coca-Cola, filhos da técnica, representamos o Tomé do

evangelho e repetimos sempre o chavão, é preciso ver para crer. Mas o homem não

vive sem o mito e o mercado que é o novo Zeus, se encarregou de criar no mundo do

consumo outros mitos (Nike, Nokia, Sony, Microsoft, McDonald‘s... ), a tal ponto que

o grito do poeta de toadas, passa despercebido, ―Cobra grande, cobra grande

encolheu‖.

Porém, este mesmo mercado, o novo Zeus, personificado em objeto de consumo e de

desejo, que destruiu os antigos mitos e deu vida a novos, para poder sobreviver, está

construindo as novas cobras grandes. Na Amazônia, fez seu ninho na reserva do Arara,

no município de Coari, centro do Estado do Amazonas. Desse ninho, já nasceu um

cobra grande, mede mais ou menos 280 quilômetros de comprimento por 50 metros de

largura e vai da reserva do Arara até a cidade de Coari. Está ali a dormir em berço

esplêndido, depois de ter feito o seu estrago.

A segunda cobra grande está quebrando a casca do ovo, tentando sair, mais ainda

levará dois anos para ser feita, custará mais ou menos um bilhão de reais e terão

aproximadamente uns 400 quilômetros de comprimento. Saindo de Coari, atravessará

Page 47: Uma Literatura Coariense - Archipo

47

os municípios de Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba até

Manaus.

A terceira cobra grande partirá da reserva do Arara e vai até Porto Velho. Será

necessário exportar algumas tribos indígenas para que ela seja feita e nesse processo

estão encontrando uma pedra no caminho. Tem uma pedra no caminho que se chama

D. Jesus, bispo da Prelazia de Lábrea. Ele, convidando os índios, primeiros brasileiros;

vai dizendo, Brasil, um filho teu não foge à luta.

A cobra grande mitológica, só existia no imaginário coletivo do povo amazônida, mas

a cobra grande que tem petróleo como seu sangue, é feita de aço, de ferro, de

tecnologia, de dólares, tudo destrói, arrebenta e vai desvirginando a floresta, rasgando,

arrancando, e se alimenta de vidas. Sua fome e sua sede nunca se saciam, sempre quer

mais e mais, pois é movida pela ambição humana.

* Padre Francisco José, Diocesano da Prelazia de Coari – Am.

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Estudo Sobre o Coariense Erasmo Linhares

Nascido no município de Coari, a 02 de junho de 1934, Erasmo do Amaral

Linhares iniciou-se cedo no Jornalismo e trabalhou em alguns dos mais

importantes jornais de Manaus. Foi autor de programas radiofônicos que

ganharam notoriedade, quando o rádio se iniciava em Manaus. Foi radialista

e ocupou o cargo de diretor comercial da Rádio Rio-Mar. Colaborou no

suplemento literário ―O JORNAL‖, mantido pelo Clube da Madrugada.

Erasmo Linhares foi professor do Curso de Formação de Monitores do

Mobral e professor de Comunicação Social na Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

No campo literário, pertenceu ao Clube da Madrugada e a União Brasileira de Escritores do

Amazonas. E autor dos livros de contos: O Tocador de Charamela (1979) e O Navio e outras

estórias (1999).

O coariense Erasmo Linhares faleceu em Manaus, no dia 16 de outubro de 1999.

Sua obra O TOCADOR DE CHARAMELA, representa uma nova literatura, construída sob o

signo da indignação, do inconformismo e da solidão. Segundo o escritor Tenório Telles,

Erasmo Linhares ―sobreviveu ao absurdo, a mentira. A dignidade foi o porto que o salvou do

naufrágio. E um daqueles homens de quem a vida muito exigiu‖

O mesmo autor afirma que em se tratando de Erasmo Linhares, ―as decepções não foram

suficientes para fazer arrefecer sua ternura e humanidade‖.

O TOCADOR DE CHARAMELA, publicado em 1979, ocupa um espaço significativo no

cenário literário regional. Segundo o professor de Literatura e escritor Tenório Telles, ―a

leitura da obra nos faz lembrar os contos de Murilo Rubião e J. J. Veiga com suas situações

insólitas‖.

A obra ―não e uma mera reunião de contos, possui uma arquitetura interior.‖ A primeira parte

intitula-se ―Jogos de dados‖ e tem um forte componente autobiográfico. A segunda parte

constitui-se de f1agrantes do quotidiano, são onze contos que revelam a diversidade do dia-a-

dia que evidenciam o absurdo e os sentidos da existência.

Em ―Os Pássaros de Gelo‖ há a descrição de um pesadelo em que o narrador tem o seu corpo

atacado por aves feitas de gelo, e uma narrativa de caráter transcendental; e considerado o

texto mais inquietante do livro.

A última parte do livro: "Estórias da Terra" representa a simbologia do estagio primitivo de

nosso processo histórico.

Erasmo Linhares, segundo Tenório Telles ―é um observador atento dos dramas que envolvem

o cotidiano dos indivíduos, de onde retira os temas e motivos que usa na urdidura de suas

narrativas‖ obra e ―um testemunho vivido dos dramas, das angustias e esperanças do ser

humano”.

(Texto organizado por Nubia Litaiff Moriz, fundamentado em ENGRÁCIO, Arthur. [Org.] Antologia

do Novo Conto Amazonense. 2. ed. Manaus/Governo do Estado do Amazonas, 2005 e em

LINHARES, Erasmo. 0 Tocador de Charamela. [Org. de Tenório Telles] 3. ed. Manaus: Valer/

Governo do Estado do Amazonas/Edua/UniNorte, 2005).

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Sobre a Obra Simá, Romance Histórico de Lourenco Amazonas.

Texto fundamentado em Tenório Telles. VALER CULTURAL, ano I, nº 01, abril/2012

(p. 16-17).

O romance SIMÁ - ROMANCE HISTÓRICO DO ALTO AMAZONAS e um

romance contemporâneo do ciclo das narrativas indianistas do Romantismo brasileiro. De

autoria de Lourenço Amazonas, foi publicado em 1857, no mesmo ano em que o

GUARANI, de Jose de Alencar, veio a publico.

Segundo Tenório Telles, professor de Literatura Brasileira, autor de A DERROTA DO

MITO, o romance SIMÁ, do ponto de vista temático e histórico, tem mais relevância que

Iracema, embora faltasse a Lourenço Amazonas, o talento literário de Jose de Alencar.

Segundo Telles no artigo intitulado ―Simá, um romance amazônico", a percepção de

Lourenço Amazonas em relação à presença europeia na Amazônia é crítica e pessimista, o

que difere do autor de Iracema, visto que Jose de Alencar "e complacente e tenta justificar o

processo civilizatório empreendido pelos europeus no Brasil e no continente americano"

(TELLES, 2012, p.17).

O romance inicia no município de Coari, no centro do Amazonas e apresenta como

personagens, o português Régis, oportunista que e acolhido na casa do tuxaua Marcos, um

manau destribalizado. Marcos é pai de Delfina. Regis, utilizando-se do artifício do

embebedamento, violenta e engravida a filha do indígena. Para se aproveitar de Delfina, o

português inescrupuloso, coloca opio na bebida (vinho) do tuxaua e da filha.

Assim, o encontro de Regis (metáfora para o colonizador) e Delfina (o primitivo) foi

violento e traumático, simbolizando ―O comportamento da civilização europeia em relação

aos povos autóctones da Amazônia e da América" (TELLES, 20012, p.18).

Após o fato, Marcos deixa a região do Solimões e volta para a região do Rio Negro, o que

representa a tentativa de reconciliação do nativo com as suas origens. Na tentativa de livrar-

se do passado traumático, marcos muda de nome e passa a se chamar de Severo.

Delfina, igualmente como a personagem Iracema, morre na narrativa.

Após o nascimento de Simá, que em língua geral, significa "luz", a índia Delfina morre de

tristeza. Simá, então e criada pelo avo nos costumes do povo Manau e torna-se uma jovem

muito bonita.

Regis chega ao Rio Negro e se encanta com a beleza de Simá. Utilizando o mesmo artifício

usado com a mãe, violenta a jovem, porem reconhece em Simá, o colar que estava no

pescoço de Delfina.

Marcos afirma ser ―O Marcos lá de Coari‖ o que leva Regis ao desespero, porque descobre

que a jovem Simá, na verdade, era sua própria filha. Segundo Tenório Telles, "O romance de

Lourenço Amazonas é mais que uma denuncia, é uma metáfora da tragédia vivida, pelos

povos nativos da Amazônia" (TELLES, 2012, p. 17).

Page 50: Uma Literatura Coariense - Archipo

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Minha Máquina de Escrever

Francisco Vasconcelos

Numa incerta busca de algo bem antigo,

notei que me faltava alguma coisa

além do que ansioso, procurava.

Ah! A minha máquina de escrever!

Que fizeram dela?

Finalmente, que fim lhe haviam dado?

perguntei a quem, por certo, podia responder.

Sim... a minha máquina, onde está ela,

se aqui, onde a guardava, não está mais?

Chamava-se Olivette e era mui querida.

Fiel companheira de noites bem vividas

ao longo das quais, com inusitado amor

e frenética compulsão

gestamos nossos filhos,

poemas e contos,

e até mesmo um romance inconcluso

ou ainda em fase de demorada gestação.

E que dizer das cartas que escrevemos,

em cada uma delas o testemunho

de imorredoura amizade,

depósitos que foram todas elas,

das mais sentidas lembranças

e inarredável saudade?

Foi então que me deram a resposta

que jamais esperava um dia ouvir:

Page 51: Uma Literatura Coariense - Archipo

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— A máquina? Aquela bem velhinha, pequenina e sem jeito,

que para nada mais servia,

desprezada e sozinha?

Aquela humilde máquina que deixaste de lado

qual coisas imprestáveis

e com defeito?

Que proveito dela tirarias,

se com outro amor agora de comprazes,

noite após noite como amantes fogosos

que pareciam ser a qualquer hora?

E foi aí que me veio a resposta

sobre o destino de minha máquina de escrever:

―Doei-a àquela casa amiga,

cujo bazar vez por outra ajudamos

desfazendo-nos de tudo que guardamos sem mais utilidade‖.

Confesso que sofri.

Oh pequenina e tagarela ajudante de meus sonhos!

Que destino te deram, que fizeram de ti?

A quem serves agora, velhinha e já cansada?

E embora com saudade e inafastáveis lembranças

contentei-me ao saber que mesmo tarde,

sem nada saber do que antes acontecera,

de algum modo fizera caridade...

Bsb, julho/2013

Page 52: Uma Literatura Coariense - Archipo

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Sinopse O Tocador de Charamela - Erasmo Linhares

Autor do Estudo: João Batista Gomes

Um dos mais expressivos escritores amazonense, Erasmo Linhares estreou na literatura em 1979,

com ―O Tocador de Charamela‖.

Seu texto nervoso surpreende pela agilidade e pelo forte traço de realismo fantástico, resultado talvez

da influência do seu autor predileto, o peruano Manuel Scorza.

O conto que dá título ao livro é um exemplo completo do seu estilo e dos seus temas recorrentes: os

conflitos humanos, a aspereza da vida, os personagens do submundo urbano.

No prefácio da primeira edição o escritor e padre Luís Ruas assim define o contista: ―alguém que se

debruça sobre a realidade, e principalmente sobre a realidade humana – na sua grandeza e na sua

miséria (...) para transfigurá-la como convém ao Artista‖.

Erasmo Linhares nasceu em Coari, no Amazonas, em 1934. Participou de movimentos culturais

patrocinados pelo Clube da Madrugada. Formou-se em Comunicação Social e exerceu o jornalismo

dedicando-se ao rádio. Faleceu em Manaus em 1999.

Histórias curtas

Os contos de Erasmo combinam com o gosto do leitor moderno, sem tempo para histórias longas e

complexas. O autor aplicava a técnica dos modernistas, escrevendo relatos curtos, porém completos,

de duas, três páginas. Isso o coloca no rol dos contistas da preferência popular.

Realismo Fantástico

Seguindo uma tendência natural que começou com O Tocador de Charamela, Erasmo Linhares

firmou-se como seguidor do Realismo Fantástico. São contos em que o autor solta a imaginação e

arrasta o leitor para as veredas da fantasia, erigindo um mundo que se caracteriza pela

inverossimilhança.

DADOS TÉCNICOS DA OBRA

GÊNERO

HISTÓRIAS CURTAS – O Tocador de Charamela é um livro de contos. São quinze histórias

curtas, porém completas, com poucas personagens em cada uma.

DEFINIÇÃO DE CONTO – Caracteriza-se o conto pelo tamanho. É, normalmente, uma narrativa

pouca extensa, concisa, mas com estrutura temática e dramática bem definida. Neste aspecto, parece-

se com uma miniatura de romance ou de novela. Naturalmente, tem poucas personagens, e o conflito

não se prolonga por muitos capítulos, concentrando-se a ação num único ponto de interesse.

TÍTULO

O título da obra valoriza o conto O Tocador de Charamela, relato urbano que mostra a decadência de

um ser humano. O próprio autor definiu ―charamela‖ como ―o mesmo que charanga (orquestra mais

ou menos desafinada).‖

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AS VÁRIAS TEMÁTICAS

O Tocador de Charamela tem várias temáticas. Podemos organizá-las assim:

TEMÁTICA REGIONAL – São apenas três contos que fazem parte da terceira parte do livro: Três

Histórias da Terra. Versam sobre a vida do caboclo do interior do Amazonas:

ESTUDOS LITERÁRIOS

1. Tio Antunes 2. Zeca-Dama 3. João Carioca: mandão e famão – Juiz de Paz

TEMÁTICA SOCIAL – Contos que põem em destaque o homem citadino, revelando conflitos e

desajustes próprios da vida urbana.

1. Jogo de Dados

2. O Tocador de Charamela

3. Tampinha

4. Um homem importante

5. A construção da montanha

6. O Comendador

7. A rede da solidão

TEMÁTICA PSICOLÓGICA – Contos que exploram o interior das personagens, condizentes com

a literatura introspectiva modernista.

1. Os pássaros de gelo

2. Doña Morales

3. A visita do primo Basílio

TEMÁTICA FOLCLÓRICA E/OU INDÍGENA – Contos que valorizam, dentro do mundo

amazônico, a realidade folclórica e indígena.

1. Arduene

2. A mura

LINGUAGEM:

LINGUAGEM COLOQUIAL – Em O Tocador de Charamela, não se pode negar que Erasmo faz

uso de uma linguagem realista, em que economizar palavras é uma preocupação constante, haja vista

o compromisso de produzir textos curtos e concisos. Não obstante, há espaço para o lirismo, para

construções poéticas e para a linguagem simbólica, nas quais sobressai a sensibilidade do autor

humano, admirador da vida, da natureza e do amor.

DIVISÃO DO LIVRO

Os contos estão agrupados em três partes.

PRIMEIRA PARTE – Intitula-se ―Jogo de Dados‖. Compõe-se de 3 monólogos-diálogos de dois

presos políticos. Tendo o dado como alegoria, o autor analisa a condição humana em si mesma,

mostrando que ela é imprevisível, aleatória e com limitações existenciais.

SEGUNDA PARTE – Contém 11 contos. O autor conta histórias citadinas, folclóricas e indígenas.

As inúmeras personalidades que ele nos expõe combinam com a diversidade da vida, às vezes tão

simples, às vezes muito complicada. Combina também com o plano de Erasmo Linhares de expor a

realidade em suas múltiplas faces, exibindo personagens de aspectos e índoles variados.

TERCEIRA PARTE – A terceira parte, intitulada Três Histórias da Terra, contém apenas 3 contos.

Aqui, o autor abandona a linha filosófica da primeira parte para mostrar como vive o homem do

interior amazônico, cerceado pela realidade socioeconômica, submetido à escravidão e às

humilhações próprias do isolamento interiorano à época do extrativismo.

TEMPO

ÉPOCA DA BORRACHA – A última parte do livro – Três estórias da Terra – retrata o Amazonas

em pleno extrativismo: época em que nordestinos, principalmente.

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Amazônia, A Última Cruzada

Francisco José - Padre Diocesano da

Prelazia de Coari-AM em 11/02/2004.

O município de Coari encontra-se no centro do Estado do Amazonas. Ele é banhado

pelo Rio Solimões nas direções oeste e leste. O município tem 57.529 Km2 de

extensão, maior que alguns Estados brasileiros. A cidade de Coari situa-se na margem

sul do Rio Solimões, na foz do lago de Coari.

Em 1986 foram descobertas pela Petrobras as primeiras jazidas comerciais de petróleo

e gás natural na região do Urucu (Coari-Am.). Nos anos seguintes houve várias

perfurações com sucesso: Leste do Urucu, em 1987; Sudoeste do Urucu, em 1988;

Carapanaúba, Cupiúba, em 1998 e Igarapé Marta, em 1990. Em conjunto, elas formam

a província de petróleo e gás natural do Urucu.

O transporte de petróleo e gás é o principal problema a ser resolvido. Inicialmente, foi

transportado em barcos petroleiros pelos rios Urucu e Solimões até a refinaria em

Manaus. O próximo passo foi construir um poliduto e, paralelo a ele, um gasoduto, de

280 Km de comprimento, na área de produção de Urucu até o Terminal Solimões, ao

lado da cidade de Coari. Para isso foi derrubado um corredor de cerca de 50 metros de

largura de floresta tropical primária.

O próximo passo começa com um acerto entre o governo estadual e o governo federal

para a construção do gasoduto Coari-Manaus a partir do próximo mês de abril 2004. A

obra se estenderá por uns 400 km; serão gastos US$ 393 milhões e o tempo previsto

para a construção é de dois anos.

O projeto Urucu faz parte da continuidade da abertura da Amazônia através de grandes

projetos que ocorre desde as últimas décadas (Transamazônica, Carajás, Balbina,

Calha-Norte, entre outros). Eles são expressão de um pensamento de desenvolvimento

que se orienta pelos hábitos de produção e de consumo dos países industrializados.

Este tipo de desenvolvimento traz consigo conseqüências sociais e ecológicas de peso

para a Amazônia e opõe-se à idéia de desenvolvimento da população tradicional

amazônida.

É do conhecimento de todos o potencial econômico da Petrobras (em 2003, faturou

mais do que a Coca-Cola) e da sua capacidade, pois tem pessoal capacitado e

equipamentos de alta tecnologia, competência para implantar projetos ousados,

admirados e respeitados. Porém, existirão prejuízos que a Petrobras não pode prever e

nem conter, como, por exemplo, o prejuízo social: a cidade de Coari é um exemplo

disso. Na época da construção do gasoduto Urucu-Coari o que mais cresceu foi o

índice de prostituição; destaca-se também o desmatamento, com o extermínio de

micro-organismos e pequenas fontes que alimentam os igarapés, lagos e rios; as fugas

dos animais selvagens e dos peixes, principais fontes de alimentos dos ribeirinhos, a

partir da destruição de seu habitat. Essas perdas não têm preço e só quem vive naquele

ambiente as sentirá. Os donos do capital não moram lá.

Page 55: Uma Literatura Coariense - Archipo

55

Os ribeirinhos são os atingidos pelo projeto Urucu. Eles constituem a maioria da

população em grandes partes da Amazônia, exceto nas cidades. No entanto, eles têm

pouca presença na discussão política na Amazônia.

Leonardo Boff, em um dos seus artigos publicados neste site da Adital, nos relata essa

experiência: "Andando por minha rua, onde quase ninguém passa, contabilizei, em

apenas 50 metros, 58 besouros mortos. Como não reparamos nesses nossos irmãos

mais pequenos, pisamos neles e nossos carros os massacram. São Francisco se os visse

mortos, choraria de compaixão". Pois, eu digo: se São Francisco choraria ao ver 58

besouros mortos, se ele soubesse desse projeto da Petrobras do gasoduto Coari-

Manaus, e das plantas e dos animais que ali morrerão, morreria do coração!

Primeiro foram os nossos índios devorados pelas caravelas que, movidas a sangue,

singravam nossos rios, Marañón, Solimões, Amazonas e seus afluentes. Logo em

seguida, nossas tartarugas e peixes-boi foram transformados em manteiga e óleo e

vendidos a preços irrisórios. Depois, nossos peixes foram engolidos pelas empresas

pesqueiras que nunca saciaram sua fome. E agora, o restante. Sem esquecer-se dos

nossos irmãos nordestinos, que na Amazônia plantaram suas vidas no leite das

seringueiras e delas brotou a ―obra monumental mais bela‖: nosso Teatro Amazonas.

Amazonas, até quando serás fonte de cobiça daqueles que te exploram?

Tudo está sendo feito em nome do desenvolvimento, pois, segundo os entendidos em

petróleo, o lucro será de milhões. Mas, quem, de fato, gozará desse lucro? A população

ribeirinha, por cujas terras passarão os tubos do gasoduto? Pela história que vimos até

agora, parece que não. Porém, eles serão os mais afetados e os únicos que não gozarão

desse lucro; mas, que, no final, pagarão a conta.

E a natureza, frágil, indefesa, tombará diante da força destruidora do capital que numa

fome insaciável, devora a selva, - "capitalismo selvagem" -, literalmente falando. É o

império do consumismo com suas justificativas, que impera sobre a vida da floresta

amazônica, exuberante, de uma beleza e grandeza de encantos mil. Podemos terminar

com as palavras do cantor que canta poetizando, profetizando, "é a força da grana que

destrói coisas belas".

Page 56: Uma Literatura Coariense - Archipo

56

RECORDANDO OS ESQUECIDOS COARIENSES

Francisco Chagas Simeão da Silva

QUERO AQUI DESPERTAR

A SUA CURIOSIDADE

PRA VER SE AINDA

LEMBRA

DESTA PERSONALIDADE

FORAM GENTE QUE

FIZERAM

SUCESSO NESTA CIDADE

Por isto preste atenção

que não vou sair do tom

Mostrando que sou entendido

possuidor deste dom

por isso é que lhe garanto

recordar é sempre bom

Comece agora mesmo

Mas antes pare e pense

me ajude a divulgar

porque todos eles merecem

Vamos juntos recordando

os esquecidos COARIENSES.

Você talvez não conheceu

Ou seu nome nunca ouviu

foi um grande prefeito

que nesta terra surgiu

seu nome era conhecido

por CORONEL MONTORIL.

Assim passou o tempo

o Coronel foi primeiro

mas para recordação

ficou o seu companheiro

com o nome bem conhecido

chamado CHICO

ENFERMEIRO.

Chico Enfermeiro se foi

GALINHA DOIDA surgiu

só querendo ser bonito

mas beleza nunca viu

era uma galinha doida

com pouco tempo sumiu.

CHICO DOIDO é outra peça

que não pode ser esquecida

pois a primeira ponte

por Chico foi construída

então não vamos esquecer

deste ente tão querido.

O Chico doido morava

lá na Chagas Aguiar

dono de uma serraria

onde vivia a trabalhar

com o tempo o Chico se foi

não sabemos onde está.

surgiram quatro irmãos

antes do ralar do sol

um era o SABÁ TARTARUGA

o outro o RAIMUNDO ANZOL

E o JOÃO CAVALARIA

e MANOEL BOTIJA NO ROL

Deixemos os quatro irmãos

para seguir mais seguro

e lembrar deste personagem

pra não ficar no escuro

você ainda se lembra

do VICENTE PÉ DE BURRO.

Vicente era boa gente

só andava nos conformes

mas para atanazar sua vida

teve um azar enorme

com poucos dias pintou

na cidade o FAZ QUE DORME.

A presença do faz que dorme

esta era divertida

para acabar sua graça

apareceu o EGILDO

UM QUE se tornou famoso

como comedor de VIDRO

Comia de qualquer jeito

parecia ser milagroso

não importava o tipo

comia só de manhoso

chegou um que não acreditava

chamado CHICO DUVIDOSO.

O tal Chico duvidoso

é difícil que se esqueça

pois tinha um mal danado

que este era ruim a bessa

Ele passava o dia todo

Duvidando com a cabeça.

Balançava pra todo lado

E só fazendo besteira

cada vez que balançava

Era fazendo asneira

Duvidoso foi embora

ficou o ZÉ GAMELEIRA.

Com o tempo Gameleira

se não me engano foi morto

Mas logo em seguida pintou

o seu Raimundo do Pau Torto

carregando água no pau

dês da beirada do porto

COM O PAU TORTO E

AFIADO

PARA NÃO ESCORREGAR

CARREGAVA TODO DIA

ÁGUA PARA SE LAVAR

ENCONTROU O SEU AMIGO

chamado ZÉ TACACÁ.

Zé tacacá era gago

que apoquentava os vizinhos

Bem perto dele morava

nosso amigo ZÊ ROCHINHO

se subisse mas um pouco

encontrava o CACHIMBINHO.

Todas estas três peças

para mexer se escolhe

Vou deixá-los aí mesmo

enquanto as coisas melhorem

para fazer você lembrar

Do seu RAIMUNDO BOCA

MOLE.

Boca Mole eram um velho

que tinha os lábios aleijado

os beiços tipo molambo

Page 57: Uma Literatura Coariense - Archipo

57

correndo pra todo lado

Quem não olhasse direito

Dizia que foi cagado.

CHICO PIMBA era pescador

desse que não tinha medo

morava logo aqui perto

dentro da baixa São Pedro

pra todo mundo prestou

mas o apelido era o segredo.

Para não esquentar a cabeça

também não sair da linha

agora que me lembrei

desta coisa engraçadinha

creio que vocês conhecem

a nossa amiga tortinha.

TORTINHA era boa gente

apesar do balançado

cada passo que dava

o povo dava risada

não era da sua cara

mas era do rebolado.

Vou deixar a tortinha

para ver com quem se bole

vou mexer com o seu modesto

dizem que virava RODE

o negócio é meio feio

mas comigo ninguém pode.

Mas uma dupla surgiu

para alegar o coração

PLACO PLACO e BOLA SETE

no meio da multidão

são mulheres que fizeram

homens chorar de paixão.

Quando a dupla chegava

era de encher o palco

os homens todos danados

uns mais forte outros mais fraco

quando se via dizer

chegou bola sete e placo placo.

Esta dupla vou deixar

com sucesso absoluto

para mexer com este

que está a nossa escuta

você talvez se esqueceu

do nosso amigo batuta.

BATUTA na sua casa

só escutava os esturro

pois os seus grandes amigos

era um monte de cachorro

que ajudavam o dono

a nunca pedir socorro.

Batuta aí vai ficando

com a sua cachorrada

para mexer com esta dupla

que era uma parada

cada noite tinha um

no meio da bicharada

Os dois quando estavam juntos

só em pensar me arregalo

Modesto virava BODE

E Joaquim costa cavalo

nisso quero que acredite

sempre é verdade o que falo.

Ainda restam alguém

desta dupla sensacional

mas vou deixar por aqui

pra não mexer com animal

porque lembrei um amigo

que o seu nome era PASCOAL

PASCOAL só trabalhava

não procurava conforto

o pobre além de feio

ainda era todo torto

não sabemos como foi

que um dia apareceu morto.

Mais a vida é mesmo assim

cheia deste bafafá

creia que ia esquecendo

desta beleza buscar

será que já se esqueceu

da nossa amiga BIÁ

Eu ainda não esqueci

gostava do jeito Dela

Mas agora lembrei outro

que parecia com ela

Só o nome era diferente

Pois chamavam ZÉ REMELA.

ZÉ REMELA só gostava

de andar sempre levado

o próprio nome já diz

que o cara era relaxado

Pintou o seu grande amigo

chamado DIMAS POLEGADA.

Se formos mexer com todos

estes versos não resumo

não estou podendo esquecer

do meu amigo TIRA RUMO

que carrega o seu carro

tirando sempre no prumo.

TIRA RUMO na cidade

Só pode andar vexado

pois de longe a gente vê

os seus olhos quase fechado

E fica doido da vida

quando é apelidado.

Não vou mais com tira rumo

porque se não ele se Zanga

pois estou lembrando outra

que é boa pra caramba

não sei se você conheceu

a famosa MARIA PORONGA.

Esta Maria poronga

é difícil de entender

pois pelo nome da mesma

era dura de roer

com este seu apelido

ela devia acender.

Deixe a poronga acesa

se não vai dar sururu

para lembrar outro

que a cara era um angu

o povo só lhe conhece

como ZÉ CURURU.

Zé cururu era feio

que só em olhar se espanta

apareceu um outro

que este só dava bronca

não sei se você lembra

do seu João BUNDA BRANCA.

O seu João bunda branca

vivia encabulado

por todo canto que andava

o nome era divulgado

pois o povo só pensava

que o Homem era pintado.

Page 58: Uma Literatura Coariense - Archipo

58

Vou parar com o seu João

pois pode refletir mágoa

Eu não quero entrar nisto

creia que o meu nome é chagas

pra fazer você lembrar

do famoso CORTA ÁGUA

CORTA ÁGUA onde passava

pelo povo era enxergado

pois sofreu um acidente

que quase mata o danado

e para infelicidade sua

ficou com um lado aleijado.

De longe você enxergava

o seu corpo a balançar

parece que vinha cortando

todo tempo sem parar

chamavam de corta água

pelo jeito dele andar.

Já mexi com muita gente

mas agora vou parar

se você ainda vive

Eu não quis lhe maltratar

é só para mostrar ao povo

que é bonito recordar.

Me comprando o livrinho

creia que vais me ajudar

porque sem a sua ajuda

Eu não posso prosperar

só vocês me deram forças

para a vitória alcançar.

Comecei descobrir gente

Houve até quem censurasse

Assim mesmo fui fazendo

Garanto que vai dá graça

A profissão não é esta

Se vier outro Eu faço.

São gente que já se foram

Importante é relembrar

Moro na mesma cidade

E conheço como está

A esperança não morre

Opera até se findar.

Fim

Coari Amazonas - 1992

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59

TRAGÉDIA DO BOTAFOGO

Autor: Francisco Simeão da Silva

Sendo eu um grande artista

Ainda não pude parar

Porque este acontecimento

Quero ao povo contar

A tragédia do Botafogo

A um Barco a Naufragar

O nosso belo Amazonas

É um Rio grande e temente

Temos que andar com cuidado

Devido as grandes correntes

Porque se nos descuidarmos

Elas destrói com a gente

Para provar o que digo

Vou agora confirmar

Contando uma história

Para todos acreditar

História de um navio

Que vi nas águas se acabar

Na tarde de um belo dia

Chegando as dezoito horas

O motor se despediu

Da capital foi embora

Viajando carregado

Por este rio afora

Isto foi no dia quatorze

De um janeiro passado

Viajou a primeira noite

E não lhe aconteceu nada

Mas na segunda noite

Veio a tristeza dobrada

Este motor meu amigo

O seu nome ninguém esquece

Dominik era o seu nome

Muita gente ali fez prece

Mas neste grande rio

Se naufragou desaparece

É verdade minha gente

Tudo isto ocorrido

E não botando em conta

O tão grande prejuízo

E até a presente data

O barco vive perdido

Este caso aconteceu

Em uma alta madrugada

Os viajantes do barco

Não iam esperando nada

Porque tudo ia tranquilo

Antes daquela encontrada

O motor se deparou

De encontro com a correnteza

O mesmo virou na hora

Por não encontrar firmeza

E dai foi que surgiu

Para ó povo tanta tristeza

Tristeza porque foram muitos

Que ali se acabaram

Uns choravam pelos mortos

Outros pelos que escaparam

Na certeza que foram muitos

corações que se abalaram

Com esta aflição toda

Sem esperar por cima

Este naufrágio aconteceu

Bem perto de Codajás

E estamos pedindo a Deus

Para não acontecer mais

Tomaram toda providência

Logo ao amanhecer do dia

O dono foi a Codajás

Comunicar a capitania

Para virem ajudá-lo

Nesta tão grande agonia

A capitania sabendo

Do que se tinha ocorrido

Vieram trazer socorro

Para os que ficaram feridos

E também conformar ao dono

Que nem tudo estava perdido

Com a caravana seguiu

Para mostrar mais valor

Juntamente com o chefe

Diversos mergulhador

Para ver se descobririam

Onde estava o motor

Mas ao chegar no local

Que viram o grande horror

Pensaram: - como nós vamos

Ajudar este senhor ?

No meio de tanta aflição

E no meio de tanta dor

Mãe chorando por seus filhos

Filhos chorando por seus pais Porque muitos que ali morreram Seus corpos não viram mais

Crendo que foram comidos

Pelos grandes animais

E verdade meu amigo

Este rio tudo consome

Aqui desapareceram

Tanto mulher como homem

E o rio é uma imensidão

Pode ver pelo seu nome,

Porque em água é o maior

Não existe outro igual

Tem que se andar prevendo

Pois, tudo pode ser fatal

Também morrer afogado

Isto não é genial

Certo que com a morte

Nunca se está conformado

Uns dizem que o barco virou

Por vim muito carregado

E outros já se maldizem

Que foi a falta de cuidado

Certo é que foi para o fundo

Em um lugar de horror

Uns chamam de botafogo

Outros de ponta do pavor

Foi um naufrágio horrível

Que causou tristeza e dor

Page 60: Uma Literatura Coariense - Archipo

60

E já que este lugar

E por todos mal visado

Quando se aproxima

Fica todo mundo assustado

Depois que se passa dele

O coração fica sossegado-

Sentindo já ter passado

Por este horrível lugar

Com o coração tranquilo

O povo vai descansar

Pedindo a proteção de Deus

Para chegarem em seu lar

Muitos foram neste barco Que em seus lares não chegaram Porque antes do destino

No barco se liquidaram

Por ser tarde da noite

Muitos ali se acabaram

Uns saíram nadando

Para alcançar outro lado

Mas isto não realizaram

Por estarem muito cansados

Antes de alcançarem a terra

Muitos morreram afogados

Foi um grande desespero

Naquela escuridão

As mães procurando os filhos

Mas sem haver solução

Porque tudo estava escuro

Pela aquela região

Ali muitas mães morreram

Querendo o filho salvar

Porque a mãe só deixa o filho

Quando vê-lo se acabar

E se possível vai junto

Para ser do filho o par

Foi como ali aconteceu

Se acabaram mãe filhos e pais

Certas pessoas amigas

Que os nomes não lembro mais

Foi uma grande tragédia

Que ainda não houve igual

Porque eram duas cidades

O povo que ali seguia

A primeira era Coari

Que sofreu grande agonia

Ao saber desta notícia

Logo ao romper do dia

Com a notícia chegada

Houve um grande alvoroço

Tanto mexeu com os velhos

Como também com os moços

Neste dia em muitas casas

Não fizeram nem o almoço

Porque muitos só pensavam

A minha mãe se acabou

Porque foi nesta semana

Que para cá viajou

Quem sabe se ela não veio

Neste tão grande motor

Foi grande esta aflição

De boca em boca falada

Uns esperavam a reação

Pra ver o que tinha se dado

Naquele grande naufrágio

Ocorrido de madrugada

Há uma outra cidade

Enfiada nesta aflição

Que é a cidade de Tefé

A qual ficou de plantão

Para prestar socorro

A qualquer ocasião

As que eram mais de perto

Como Codajás e Coari

Prestaram todo socorro

Por serem perto dali

Pra não deixar a aflição

Tomarem conta daqui

Diversos motores chegaram

Para ali prestarem socorro

Uns dizem se eu não for

De vergonha sei que morro

Porque um naufrágio desse

Entro na parada e não corro

Com esta definição

Querendo alguém salvar

Mas porém foram bem pouco

Os que puderam escapar

Daquela grande tragédia

Onde, só Deus podia ajudar

Porque um rio como este

Digo e não peço segredo

Para onde nos dirigimos

A correnteza faz medo

Temos que nos prevenir

Pra não entrar em atropelo

Nós que somos conhecedor

Deste rio sem outro igual

Devemos nos prevenir

Fugindo sempre do mal

Porque deparar com a

correnteza

A morte pode ser fatal

Então vamos meus irmãos

Procurar nos defender

Porque fazendo assim

Mais vida podemos ter

Porque quem escapa de uma

Cem anos há de viver

Vamos tomar conhecimento

Enquanto a cabeça esfria

Das providências tomadas

Por nossa capitania

Que chegou com urgência

Antes do romper do dia

Os que ali chegaram

Para ajudar o cidadão

Que o mesmo estava triste

Por perder a embarcação

Porque ali só não sentia

Se não fosse um cristão

A capitania ao chegar

Tomou todo conhecimento

Para ajudar ao dono

A ter mais força e talento

E também prestar socorro

Naquele horrível momento

Chegaram e foram saber

O que ali aconteceu

O dono já sem talento

Contou o que ocorreu

E como se tornou triste

Tudo aquilo que se deu

Page 61: Uma Literatura Coariense - Archipo

61

Foram muitos os prejuízo

Assim o homem falou

Além das mercadorias

Que a correnteza levou

Ainda por cima disto

O barco não se encontrou

A capitania dirigiu-se

E ao homem interrogou

Querendo assim saber

A onde o motor se naufragou

Para saírem a procura

Diversos mergulhador

Os mergulhadores estavam

De tudo bem equipado

Para ver se descobriam

Aonde o barco tinha parado

Naquela grande correnteza

Aonde tudo é demasiado

Porque aquele lugar

Ele nunca está parado

Enquanto menos se espera

A correnteza é de todo o lado

Pra se passar por ali

Tem que andar com cuidado

Atados de correntes

Para poderem voltar

Os mergulhadores pularam

Com coragem pra mandar

Porque lugar como aquele

Nem todo cabra vai lá

Foram a primeira vez

Sem pensar o que encontrar

Com pouco deram sinal

Que já queriam voltar

Porque a correnteza

Não deixou no chão chegar

A correnteza é demais

Isto sem ter paradeiro

Muitos ali morreram

Pra salvar o companheiro

Coisa que em certos casos

Só se me desse dinheiro

Mas os homens que chegaram

Para em tudo ajudar

Pediram pra ir mais embaixo

Pra novamente pular

Para ver o que diziam

Deste honroso lugar

Foram a segunda vez

Mas sem trazer resultado

Disseram vamos a terceira

Para dar por encerrado

Porque se tentarmos mas

Nós somos prejudicados.

A última tentativa

De diversos mergulhador

Que ao voltarem do fundo

Só tristeza e muita dor

Fazendo este esforço todo

Para encontrar o motor

Foi sem futuro os esforços

Que para ali seguiu

Porque tudo se acabou

Dentro deste grande rio

Com a imensidão de água

O motor logo sumiu

Deixemos a capitania

Voltando para o capitão

Para falarmos do povo

Que ficaram passando mal

Por ter grande prejuízo

De tudo seu afinal

Os que não morreram afogados

Acabaram de completar

A grande lamentação

Mostrando tudo sem parar

Contando assim para o povo

Como puderam escapar

Uns dizem eu agradeço.

A um pau que ia baixando

Que outros não tiveram sorte

Deste pau ia avistando

Só eu me agarrei nele

E foi a vida me salvando

Foram diversas famílias

Pelas águas destruídas

Que não posso levar em conta

a quantidade de vidas

Que foram neste naufrágio

Pelos os animais comidas

Não querendo acrescentar

Mais do que ali aconteceu

E que vou pedir sempre

À proteção do bom Deus

Que ele é conhecedor

de todos os contos meus

Fazendo assim o proveito

De uma história real

Você passa ser um homem

Conhecedor de tudo afinal

Do acontecimento ocorrido

Em uma tragédia fatal

Por isso peço aos amigos

Para comprarem o primeiro

Pois em breve comporei outro

Conto fatos verdadeiros

Porque não posso mentir

Sou homem brasileiro

Comprando este livro

Vai logo lhe despertar

Mostrando como é bonito

A gente tranquilo andar

Com especialidade nas águas

Onde tudo pode se acabar

Não menti nem exagerei

Contei o que se passou

Pois as noticias chegadas

Foi o que mais me encabulou

Em ver tanta tristeza

Pertinho de tanta dor

Vou encerrar o livrinho

Pra não ser muito comprido

Pedindo a Deus que abençoe

Pra que seja bem vendido

Que os amigos façam proveito

De tudo que foi escrevido

Sei que não acreditavam

Isto ser fruto daqui

Morando neste Amazonas

Esta cidade é Coari

A esperança não acaba

O carinho que recebo aqui.

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ANALISE LITERÁRIA DO CONTO “ZECA-DAMA”

DE AUTORIA DE ERASMO LINHARES -

(Texto de Núbia Litaiff - Professora de Teoria da

Literatura e Literatura Brasileira do CEST/ UEA)

O conto regional intitulado "Zeca-Dama", que integra a obra ―O TOCADOR DE

CHARAMELA”, de autoria de Erasmo Linhares, descreve os sonhos e as angustias

vivenciadas pelos retirantes nordestinos, num mundo totalmente desconhecido, como

as matas, as brenhas que envolvem os seringais amazônicos.

"Zeca-Dama", penúltimo conto que integra a coletânea ―O Tocador de Charamela”,

é narrado em primeira pessoa, na forma de um relato e tematiza as alegrias dos rudes

homens, que vieram para as paragens amazônicas, ―na ilusão de enriquecer com a

borracha‖ e que, devido a falta de mulheres nas festas de Mestre Felisberto,

dançavam ente si, isto é, com os próprios homens.

“Quando agente voltava do barracão do gerente, tratava logo de descarregar o

rancho, tomar banho e num instante estava na canoa, vestido de limpo, chapéu, todo

emperiquitado e toca a remar pra casa de Mestre Felisberto. Era a festa, a festa que a

gente esperava toda semana, num desassossego‖. (LINHARES, O Tocador de

Charamela - Conto ―Zeca-Dama‖. 2005, p. 120).

A abordagem sobre a ausência das mulheres nos seringais no conto e feito de uma

forma bem humorada: O seringueiro Zeca-Dama e seus companheiros amenizam a

ausência de mulheres nas festas, dançando com outros seringueiros: ―Mas, como eu

já lhe falei, mulher que e bom não havia. Por isso dançava homem com homem...‖

Zeca-Dama, o narrador e personagem central do conto, já inicia a narrativa

argumentando com os maliciosos e esclarecendo aos leitores que ser dama ―não é

coisa pra qualquer um‖. Zeca-Dama, faz questão de mostrar que é macho, e com uma

faca na mão, torna-se o próprio capeta. O seringueiro relata que uma vez um sujeito

quizilento chamado Procópio sugeriu que ―a gente tinha de pintar os beiços com

urucu...‖ Ele disse que era pra dar mais sensação: ―Só não matei o filho duma égua

na horinha, porque os outros não deixaram‖.

O seringueiro relata que sua fama e renome começou apenas com o objetivo de

mostrar gratidão ao companheiro Dorca: ―Experimentei a primeira vez só pra dá

gosto ao Dorca, companheirão que me ensinou a cortar seringa, com paciência de

santo‖.

O narrador finaliza lamentando o fato do reumatismo não mais lhe permitir hoje,

mostrar sua arte e seu molejo na cintura, e afirma que ―nas festas, as vezes, tem

mesmo mais mulher do que homem. Mas nenhuma dança como eu, naqueles

tempos."

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Conto: “João Carioca: Mandão e Famão – Juiz de Paz”

Erasmo Linhares

Não, senhor, não sou homem de potoca. Nesta minha velha e

cansada vida, se menti alguma vez foi só pra pescar mulher.

Minha mãe, quando pegava a gente em alguma trampa, dava de

palmatória, uma dúzia em cada mão. Uma vez peguei duas,

porque resolvi ser macho e não chorei. A velha queria lágrima,

como toda mãe, pra ver o sentimento. Muita gente antiga, por

aqui, ainda conhece a história. Era o homem mais rico de todas

essas bandas. Em cada riozinho desses, ele tinha um seringal e

em cada lugar por esse Juruá afora, onde morasse mais de três famílias, ele tinha uma

mulher. Uma vaca braba com os homens, um vacal com as mulheres. Poderoso, meu

senhor, muito poderoso. Podre de rico, mandão e famão, até com gente da capital.

Nos tempos de eleição, depois que houve eleição, vinha muita gente por aqui atrás

dele. Gente graúda, doutor de anel no dedo. Conversas, trampices, farronas, e ele

dominando, mandando em tudo. Com essa gente de fora ele se abria, com a gente

daqui era aquela carona enfezada.

Mas era um homem bom, se a gente trabalhava feito doido e dava no fim do fábrico

uns gordos quilos de borracha. Disso, lhe digo sem preconceito, ele cuidava. Cuidava

de quem trabalhava e não amolengava com o diabo da cachaça, que isso é coisa que

acaba com um homem e é até capaz de botar chifre na cabeça, se o cabra não for bom

de peia. Peço que não duvide de mim. Trabalhei dez anos pra ele e com esse meu

jeitão de cearense, ouvi e vi e anotei muita coisa aqui dentro da cabeça. Não pense

que são historias de um velho atazanado pelo reumatismo. Já lhe disse, não sou

homem de potoca. O homem que mente perde metade da sua macheza.

João Carioca também não era homem de mentira. Pra quê, se ele tinha tudo? Se ele

mandava, desmandava e tresmandava? Era um touro, um homem capaz de engolir um

garrafão de boa pinga do Ceará e sair andando sem que ninguém dissesse. Só

vermelhão, a barrigona empinada dentro do paletó de tubarão que ele nunca largava,

mesmo quando o suor empapava a camisa e a banha do pescoço fazia uma lista preta

no colarinho. Estou lembrando que ele deu de usar paletó, digo melhor, de não largar

mais o paletó, depois que foi feito Juiz de Paz, mandando e desmandando desde

Eirunepé ate quase Cruzeiro. Quase tudo, se me lembro bem. Eirunepé, Envira,

Ipixuna e esses lugares todos que existem por ai. Casava e se não dava certo

descasava e casava de novo. Tudo como ele queria pra que as coisas não

desandassem nos seringais.

Já lhe contei uma vez, mulher por aqui não havia, de começo. Coisa muito rara e por

causa disso os homens endoidavam. João Carioca sabia disso e sabia cuidar muito

bem do caso. Mulher era prêmio. Trabalhou, ele arranjava mulher, mas obrigava a

casar e quando os filhos nasciam, ele trazia o padre de Rio Branco, espichando

viagem de semanas, só pra batizar os moleques. E João Carioca era o padrinho. Ele

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era compadre de todo mundo e ainda hoje existe muito safado por estas bandas que é

afilhado dele. Já lhe disse duas vezes, mas repito agora, pro senhor entender bem este

caso que lhe conto. Mulher era coisa rara. Era prêmio. E Carioca sabia premiar.

Todo novembro ele viajava pro Ceará, Fortaleza, no conforme do que ele dizia. E lá

arranjava as mulheres. Depois foi que eu fiquei sabendo. Ele arranjava as decaídas na

zona mesmo. Contratava, levava no médico, dava remédio se elas tinham alguma

engaliqueira. Comprava roupa, comprava batom, ruge, remédio pra engordar, se a

vagabunda era magra. Enfeitava toda a mulherada e trazia de navio pra Manaus e de

lá pra cá, no barco dele mesmo. Já perto do Natal ele saia de viagem para visitar os

seringais, um a um. Um barco imenso, todo pintado de branco, limpo que era uma

beleza. Um magote de marinheiros, um comandante de carta e tudo, vestido com

farda de galões azuis e dourados - um sujeito muito do seu metido a merda - e mais,

pode acreditar, três taifeiros vestidos de branco, engomadinhos e com cara meio pro

cá meio pro lá, que serviam pinga, cerveja preta, que eu nunca mais vi na minha vida,

gelada num depósito de gelo, pedronas daquelas da fábrica do Plano Inclinado, e chá.

Esse seu riso é que me dá gastura. Já não lhe disse que não sou homem de mentiras?

É a pura verdade.

Carioca tinha uma frescura de tomar chá todo dia, às cinco horas da tarde, sempre às

cinco horas da tarde, nunca antes nem depois. Era, pelo que me consta, a única

fraqueza que ele tinha. O senhor me desviou. O caso era que ele botava todo o

mulherio dentro do barco e parava em cada porto. Parava, mandava chamar o

seringueiro da localidade e o diabo do escrivão do lado, na mesa um livrão de capa

dura, cheia de desenhos imitando couro. E ai, meu senhor, era a agonia do pobre do

seringueiro, porque não havia astúcia. Estava tudo ali anotado. Era a hora do prêmio

pelo trabalho que o cabra tinha feito como escravo, o ano todo. O sujeito esticava o

olho pra ver quem saia de dentro dos camarotes, mas o negocio era bem ensaiado, a

modo de pastorinha.

Cada uma a sua vez. João Carioca perguntava, olhando dentro do olho do sujeito, a

cara séria que não dava pra gente saber o que ele estava pensando deveras: Natálio?

O escrivão respondia - duzentos quilos. João Carioca: Marlene! E saií uma velha

batida, com falhas nos dentes ou com uma dentadura dessas que tem mais gengiva do

que dente. Não tinha do que reclamar. Pra dizer a verdade, ninguém podia reclamar.

Porque antes era pior.

Carioca levava mulher, feia ou bonita, velha ou moça, mas sempre mulher. Antes

dele, o patrão levava, mas era o umbigo de peixe-boi. Depois eu vou lhe mostrar uma

marca que eu tenho aqui nas costas. Desculpe, já vejo pelo fogo dos seus olhos que

me desviei. Conto, conto pelo fio da historia. João Carioca mandava; desmandava e

tresmandava. Chegava no segundo porto e na frente do seringueiro do lugar

perguntava: Nepomuceno? O escrivão em cima da bucha - quinhentos quilos. João

Carioca - Luzia! Saía do camarote uma tetéia, uma coisa de fazer gosto, meu senhor,

coisa de botar um seringueiro doido, depois de tanto jejum.

Page 65: Uma Literatura Coariense - Archipo

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Era assim, primeiro e depois, e quanto mais mulher, mais borracha. Mas não pense

que ele deixava as mulheres sem socorro. Duvido. Ficou com mulher era pra tratar

bem, fosse velha ou fosse nova, feia ou bonita. E depois, quem era que não queria

fêmea? E depois, quem era que não queria ser compadre de João Carioca? Foi assim

até que isto aqui se encheu de mulher e de filhos de toda essa gente que ele juntou e,

depois, quando foi nomeado Juiz de Paz, acabou casando pelo sério, com papel,

aliança e tudo. A aliança ele dava, como presente de casamento. Aliança de ouro, não

duvide e não faça essa cara de malícia. Ele também era padrinho. Mas, ai, João

Carioca já estava parado na sede dos seringais, já não andava no fim do ano pro

Ceará, já não engolia um garrafão de pinga e deixou até de tomar chá às cinco horas

da tarde.

Bebia lá a sua pinguinha, fumava lá os seus charutos, passava tardes deitado na

espreguiçadeira lendo os jornais de Manaus e os livros, que ele tinha alguns. Não

pense que mudou muito. Não, era sempre o poderoso, mandando e desmandando, e

mais ainda tresmandando. Não era mais o vacal, mas ainda era o vaca-braba. Conto

uma desses tempos. Todo mundo tinha de casar com ele, que era o Juiz de Paz. Os

casamentos eram no sábado, à tarde e de todo canto chegavam as canoas enfeitadas

com bandeirinhas de papel de seda colorido, as noivas de vestido branco, grinaldas e

luvas, tudo branco. Os noivos de calva e camisa de punho, também tudo branco, e

reclamando dos sapatos que apertavam os dedões de mangarataia. Num sábado

chegaram muitos casais e vinham entre eles Daniel que a gente chamava de

Amarelinho, porque era um sujeito enfezado, mirrado, um merdinha de nada, e o

Pedrão, um negro do tamanho não sei do quê. Um homem que além de alto era uma

anta feito gente, de tanta força. Quando chegou na vez deles, porque o escrivão, o

mesmo que trabalhava há anos nas contas dos seringais, chamava os casais dois a

dois, pra não dar muito trabalho, João Carioca, sentado na cadeirona de palhinha,

atrás de uma mesa comprida e cheia de papeis, olhou, olhou, olhou, fez uma carona

de raiva, ficou uns dois minutos caladão e explodiu, como era do feitio dele. Seo

Daniel, disse bufando, o senhor não esta vendo que o senhor não aguenta essa

mulher? Num mês ela lhe mata, seo Daniel. Depois olhou pro Pedrão. O negrão, um

macho como poucos eu vi, quase ficou branco de medo. Seo Pedrão, Carioca falou

com mais raiva ainda, o senhor não vê que essa menina não é prato pro senhor? Na

primeira chibatada o senhor abre essa menina no meio, Seo Pedrão. Isto já é uma

grande sem-vergonhice, é contra a lei de Deus. Ficou vermelho, pediu um copo de

pinga, bebeu, tossiu, acendeu um charuto, depois olhou pros quatro ali na frente dele,

todo mundo espiando, abestalhado. Carioca deu uma chupada no charuto, soprou a

fumaça pra cima do escrivão e olhou os quatro, um a um, bem dentro dos olhos.

Troca, gritou. Ninguém entendeu. Troca, berrou. É como vai dar certo e é pro bem de

todo mundo. Não quero ver ninguém morrendo nestas bandas. E trocaram e deu

certo. Não pense que conto potoca. Já lhe disse que não sou homem disso. Saia por ai

por essas beiras perguntando. Todo mundo sabe da história, mas ninguém como eu.

Boa noite, passe bem!