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Fotos: Antonio Scarpinetti Campinas, 5 a 11 de abril de 2010 4 ISABEL GARDENAL [email protected] F azer a granulação de materiais como a celulose microcris- talina permite hoje aumentar em labora- tório o tamanho das suas partículas. A celulose, que é um polímero, revela-se interessante para a indústria farmacêutica, pois serve como matéria-prima para a confecção de comprimidos e, para a indústria alimentícia, a fim de re- duzir o teor calórico dos alimentos. Ao estudar o assunto em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, o químico industrial Roberto Luís Gomes da Cunha fez alguns achados. Tendo começado a trabalhar com a celulose no seu mestrado, observou a formação de vários aglomerados, em geral des- prezados nas indústrias, mas que no seu doutorado ganharam destaque. O próximo passo foi aglomerar o material em patamares cada vez mais desejáveis empregando pionei- ramente o equipamento de leito flui- dizado para a granulação. O resulta- do foi certeiro. “Conseguimos fazer a granulação no leito e, para isso, empregamos uma solução a 35% de maltodextrina, que foi adicionado como ligante”, revela Cunha. “Des- cobrimos uma nova aplicação.” O químico industrial, que nesta pesquisa foi orientado pela profes- sora da FEQ Sandra Cristina dos Santos Rocha, conta que testou várias alternativas para granular o material em leito fluidizado. Pri- meiramente testou uma solução contendo 1% de amido. Em seguida, aumentou a concentração para 5%. Em nenhum dos casos foi obtido o resultado esperado: a formação dos grânulos. Em uma nova etapa, foi testada uma solução contendo 5% de carboximetilcelulose. Essa solução apresentou uma alta viscosidade, porém novamente não produziu os grânulos. Com base na literatura, foi realizada uma outra tentativa ainda, desta vez empregando uma solução com maltodextrina testada com 35% em massa, por meio da qual então o experimento foi bem-sucedido. Posteriormente, diante da dificul- dade encontrada para confeccionar pastilhas, a partir do material granu- lado no leito, o pesquisador buscou até recursos em materiais de uso cotidiano, como a adaptação de uma peça usada pelas costureiras para forrar botões, que serviu de base para a compactação dos grânulos e para a formação dessas pastilhas. O especialista não poupou es- forços para melhorar o aspecto, o manuseio, a compactação e o trans- porte do produto, conseguindo che- gar finalmente à granulação no leito fluidizado. Esta foi a novidade, relata Cunha, pois esses leitos são em geral usados na indústria para os processos de secagem – do cloreto de sódio e carbonato de sódio –, tratamento de resíduos industriais, queima de en- xofre na produção de ácido sulfúrico, queima de biomassa e carvão mineral, e gaseificação de carvão. Normalmente, leito fluidizado refere-se a um leito de sólidos fina- mente divididos através dos quais passa ou um gás ou um líquido. A formação do leito fluidizado acon- tece quando um fluxo adequado de gás inicia o percurso por entre um leito de partículas, acarretando a fluidização. Primeiro, bolhas deste gás passam por entre o leito de ma- terial, criando uma turbulência. Esses leitos, conta Cunha, pos- suem aparência similar à de um líquido em fervura vigorosa. O fenômeno coloca as partículas em contato mútuo, assegurando uma mistura completa. Com isso, forne- ce condições uniformes que propor- cionam altas taxas de transferência de calor e massa. Processo Depois de pôr em execução, por repetidas vezes, esse minucioso processo, o pesquisador ainda per- seguia a viabilidade da granulação ao mesmo tempo que procurava diminuir o tempo de processamento e tratar as partículas finas. Cunha re- corda que o processo de granulação surgiu por volta da década de 50. À época, ele foi iniciado com areia em granuladores cilíndricos. Desde então, outros equipamentos foram utilizados como granuladores: os tambores rotatórios, os esferoniza- dores e as extrusoras, etc. Com a aplicação no leito flui- dizado, objeto desta investigação, tem sido possível reduzir o tempo de granulação em até uma hora em relação aos equipamentos conven- cionais, que podem demandar até duas horas. “A granulação facilita a compactação deste material, sobre- tudo para a confecção das drágeas e dos comprimidos, servindo também para a feitura de novas formulações de sopas, bolos e mesmo para alguns produtos instantâneos”. Em adição, como diluente, a celulose microcris- talina também pode ser empregada como agente lubrificante e desinte- grante, propriedades indispensáveis numa formulação, e como base para produtos cosméticos. A granulação, informa o espe- cialista, é obtida da seguinte forma: a celulose é colocada dentro do equipamento de leito fluidizado, onde é aspergida uma solução de maltodextrina através de um bico atomizador. A celulose é suspensa por uma corrente de ar ascendente e a aspersão, que vem no sentido contracorrente, é feita em cima do material. Esta solução aglutina par- tícula por partícula, formando um grânulo maior. O equipamento é re- gulado numa temperatura adequada, para facilitar a secagem, enquanto o material está sendo umedecido. “Uma coisa interessante ocorre: ele é umedecido e secado ao mesmo tempo”, salienta. Cunha notou que o material analisado é granulável e que o tubo interno utilizado na pesquisa foi uma das modificações que ajudou a incrementar a fluidização deste material, que consiste na movi- mentação das partículas dentro do leito. Subsequentemente à etapa de confecção das drágeas ou dos comprimidos, ele apontou que esses grânulos foram bastante compressí- veis e que somente assim adquiriram facilmente a forma de pastilha. Outras aplicações O pesquisador aproveita para es- clarecer que o equipamento de leito fluidizado se mostrou perfeitamente viável para aplicação nas indústrias farmacêutica e alimentícia, isso mais no sentido de aprimorar o processo de granulação e de diminuir custos, contribuições presentes claramente em sua tese. Além disso, Cunha declarou-se favorável à pesquisa de outros materiais, não somente da celulose. “É possível empregar, por exemplo, complexos vitamínicos adicionados a algum outro tipo de alimento sólido e agregar os prin- cípios ativos através da técnica de leito fluidizado, nos comprimidos, nas drágeas ou no pó.” Há muitos estudos sendo efetu- ados em torno dessa nova técnica, relata Cunha, mas muitas indústrias ainda não utilizam os equipamentos de leito fluidizado em suas unidades de trabalho. Apesar disso, algumas já começam a se decidir pela sua aquisição, com a finalidade de fazer a secagem de material. O químico industrial acredita que, com o inves- timento no leito para a granulação, o produto final poderá tornar o proces- samento mais barato, com redução de custos em torno de 50%, “isso porque o equipamento já é capaz de trabalhar na granulação com a me- Amostra de celulose granulada: tornando o processamento mais acessível Uma nova aplicação para a celulose Procedimento em leito fluidizado reduz o tempo de granulação em até uma hora tade do tempo de um equipamento tradicional”. Há algumas décadas o leito já foi adotado pelas indústrias de petróleo e, recentemente, em ou- tros segmentos: de minérios, agríco- la, detergentes, alimentos, químico e, especialmente, farmacêutico. O novo experimento deve entrar em escala industrial em breve. Na indústria agrícola, esclarece ele, existe um grande problema com certos tipos de sementes, em sua semeadura, pois o equipamento uti- lizado para tal tarefa promove muitas perdas. “Então, granulando este ma- terial, que na indústria agrícola recebe o nome de ‘peletização’, o aumento do tamanho destas sementes seria fundamental para que o equipamento ideal conduzisse a plantação e conse- guisse implantar uma sementinha em cada ponto”, afirma. Na indústria de cerâmica, o mesmo leito seria utilizado na granulação do pó fino (argila), que também pode apresentar perdas em seu manuseio. “Neste caso, a granulação, além de eliminar a perda, diminuiria a emissão de pó”, comenta Cunha. “Com esta técnica, o material é granulado, armazenado, transportado e, a posteriori, proces- sado.” Na opinião do pesquisador, o equipamento demonstra grande potencial para outras explorações em trabalhos futuros. O químico industrial Roberto Luís Gomes da Cunha: equipamento de leito fluidizado mostrou-se viável para aplicação

Uma nova aplicação para a celulose - unicamp.br · tório o tamanho das suas partículas. A celulose, que é um polímero, revela-se interessante para a indústria farmacêutica,

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Fotos: Antonio Scarpinetti

Campinas, 5 a 11 de abril de 20104

ISABEL [email protected]

Fazer a granulação de materiais como a celulose microcris-talina permite hoje aumentar em labora-tório o tamanho das

suas partículas. A celulose, que é um polímero, revela-se interessante para a indústria farmacêutica, pois serve como matéria-prima para a confecção de comprimidos e, para a indústria alimentícia, a fim de re-duzir o teor calórico dos alimentos. Ao estudar o assunto em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, o químico industrial Roberto Luís Gomes da Cunha fez alguns achados. Tendo começado a trabalhar com a celulose no seu mestrado, observou a formação de vários aglomerados, em geral des-prezados nas indústrias, mas que no seu doutorado ganharam destaque. O próximo passo foi aglomerar o material em patamares cada vez mais desejáveis empregando pionei-ramente o equipamento de leito flui-dizado para a granulação. O resulta-do foi certeiro. “Conseguimos fazer a granulação no leito e, para isso, empregamos uma solução a 35% de maltodextrina, que foi adicionado como ligante”, revela Cunha. “Des-cobrimos uma nova aplicação.”

O químico industrial, que nesta pesquisa foi orientado pela profes-sora da FEQ Sandra Cristina dos Santos Rocha, conta que testou várias alternativas para granular o material em leito fluidizado. Pri-meiramente testou uma solução contendo 1% de amido. Em seguida, aumentou a concentração para 5%. Em nenhum dos casos foi obtido o resultado esperado: a formação dos grânulos. Em uma nova etapa, foi testada uma solução contendo 5% de carboximetilcelulose. Essa solução apresentou uma alta viscosidade, porém novamente não produziu os grânulos. Com base na literatura, foi realizada uma outra tentativa ainda, desta vez empregando uma solução com maltodextrina testada com 35% em massa, por meio da qual então o experimento foi bem-sucedido.

Posteriormente, diante da dificul-dade encontrada para confeccionar pastilhas, a partir do material granu-lado no leito, o pesquisador buscou até recursos em materiais de uso cotidiano, como a adaptação de uma peça usada pelas costureiras para forrar botões, que serviu de base para a compactação dos grânulos e para a formação dessas pastilhas.

O especialista não poupou es-forços para melhorar o aspecto, o manuseio, a compactação e o trans-porte do produto, conseguindo che-gar finalmente à granulação no leito fluidizado. Esta foi a novidade, relata Cunha, pois esses leitos são em geral usados na indústria para os processos de secagem – do cloreto de sódio e carbonato de sódio –, tratamento de resíduos industriais, queima de en-xofre na produção de ácido sulfúrico, queima de biomassa e carvão mineral, e gaseificação de carvão.

Normalmente, leito fluidizado refere-se a um leito de sólidos fina-

mente divididos através dos quais passa ou um gás ou um líquido. A formação do leito fluidizado acon-tece quando um fluxo adequado de gás inicia o percurso por entre um leito de partículas, acarretando a fluidização. Primeiro, bolhas deste gás passam por entre o leito de ma-terial, criando uma turbulência.

Esses leitos, conta Cunha, pos-suem aparência similar à de um líquido em fervura vigorosa. O fenômeno coloca as partículas em contato mútuo, assegurando uma mistura completa. Com isso, forne-ce condições uniformes que propor-cionam altas taxas de transferência de calor e massa.

ProcessoDepois de pôr em execução, por

repetidas vezes, esse minucioso processo, o pesquisador ainda per-seguia a viabilidade da granulação ao mesmo tempo que procurava diminuir o tempo de processamento e tratar as partículas finas. Cunha re-corda que o processo de granulação surgiu por volta da década de 50. À época, ele foi iniciado com areia em granuladores cilíndricos. Desde então, outros equipamentos foram utilizados como granuladores: os tambores rotatórios, os esferoniza-dores e as extrusoras, etc.

Com a aplicação no leito flui-dizado, objeto desta investigação, tem sido possível reduzir o tempo de granulação em até uma hora em relação aos equipamentos conven-cionais, que podem demandar até duas horas. “A granulação facilita a compactação deste material, sobre-tudo para a confecção das drágeas e dos comprimidos, servindo também para a feitura de novas formulações de sopas, bolos e mesmo para alguns produtos instantâneos”. Em adição, como diluente, a celulose microcris-talina também pode ser empregada como agente lubrificante e desinte-grante, propriedades indispensáveis numa formulação, e como base para produtos cosméticos.

A granulação, informa o espe-cialista, é obtida da seguinte forma: a celulose é colocada dentro do equipamento de leito fluidizado, onde é aspergida uma solução de maltodextrina através de um bico atomizador. A celulose é suspensa

por uma corrente de ar ascendente e a aspersão, que vem no sentido contracorrente, é feita em cima do material. Esta solução aglutina par-tícula por partícula, formando um grânulo maior. O equipamento é re-gulado numa temperatura adequada, para facilitar a secagem, enquanto o material está sendo umedecido. “Uma coisa interessante ocorre: ele é umedecido e secado ao mesmo tempo”, salienta.

Cunha notou que o material analisado é granulável e que o tubo interno utilizado na pesquisa foi uma das modificações que ajudou a incrementar a fluidização deste material, que consiste na movi-mentação das partículas dentro do leito. Subsequentemente à etapa de confecção das drágeas ou dos comprimidos, ele apontou que esses grânulos foram bastante compressí-veis e que somente assim adquiriram facilmente a forma de pastilha.

Outras aplicaçõesO pesquisador aproveita para es-

clarecer que o equipamento de leito fluidizado se mostrou perfeitamente viável para aplicação nas indústrias farmacêutica e alimentícia, isso mais no sentido de aprimorar o processo de granulação e de diminuir custos, contribuições presentes claramente em sua tese. Além disso, Cunha declarou-se favorável à pesquisa de outros materiais, não somente da celulose. “É possível empregar, por exemplo, complexos vitamínicos adicionados a algum outro tipo de alimento sólido e agregar os prin-cípios ativos através da técnica de leito fluidizado, nos comprimidos, nas drágeas ou no pó.”

Há muitos estudos sendo efetu-ados em torno dessa nova técnica, relata Cunha, mas muitas indústrias ainda não utilizam os equipamentos de leito fluidizado em suas unidades de trabalho. Apesar disso, algumas já começam a se decidir pela sua aquisição, com a finalidade de fazer a secagem de material. O químico industrial acredita que, com o inves-timento no leito para a granulação, o produto final poderá tornar o proces-samento mais barato, com redução de custos em torno de 50%, “isso porque o equipamento já é capaz de trabalhar na granulação com a me-

Amostra de celulose granulada: tornando o processamento mais acessível

Uma nova aplicação para a celuloseProcedimentoem leito fluidizadoreduz o tempo de granulação em até uma hora

tade do tempo de um equipamento tradicional”. Há algumas décadas o leito já foi adotado pelas indústrias de petróleo e, recentemente, em ou-tros segmentos: de minérios, agríco-la, detergentes, alimentos, químico e, especialmente, farmacêutico. O novo experimento deve entrar em escala industrial em breve.

Na indústria agrícola, esclarece ele, existe um grande problema com certos tipos de sementes, em sua semeadura, pois o equipamento uti-lizado para tal tarefa promove muitas perdas. “Então, granulando este ma-terial, que na indústria agrícola recebe o nome de ‘peletização’, o aumento do tamanho destas sementes seria

fundamental para que o equipamento ideal conduzisse a plantação e conse-guisse implantar uma sementinha em cada ponto”, afirma.

Na indústria de cerâmica, o mesmo leito seria utilizado na granulação do pó fino (argila), que também pode apresentar perdas em seu manuseio. “Neste caso, a granulação, além de eliminar a perda, diminuiria a emissão de pó”, comenta Cunha. “Com esta técnica, o material é granulado, armazenado, transportado e, a posteriori, proces-sado.” Na opinião do pesquisador, o equipamento demonstra grande potencial para outras explorações em trabalhos futuros.

O químico industrial Roberto Luís Gomes da Cunha: equipamento de leito fluidizado mostrou-se viável para aplicação