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MARIA FERNANDA RISCALI DE LIMA MORAES A Fotografia do Conflito: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Poéticas e Técnicas. Orientador: Prof. Dr. Atílio José Avancini São Paulo 2015

uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

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Page 1: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

MARIA FERNANDA RISCALI DE LIMA MORAES

A Fotografia do Conflito:

uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre.

Área de Concentração: Poéticas e Técnicas.

Orientador: Prof. Dr. Atílio José Avancini

São Paulo

2015

Page 2: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Moraes, Maria Fernanda Riscali de Lima A Fotografia do Conflito: uma parceria entre Sergei

Eisenstein e Eduard Tissé / Maria Fernanda Riscali de Lima Moraes. -- São Paulo: M. R. L. Moraes, 2015.

88 p.: il. + DVD.

Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais - Escola de Comunicações e Artes / Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Atílio José Avancini Bibliografia

1. cinema 2. montagem 3. fotografia do conflito 4. arte

5. Roland Barthes I. Avancini, Prof. Dr. Atílio José II. Título.

CDD 21.ed. - 791.43

Page 3: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Termos de Aprovação

Nome do Autor: MORAES, Maria Fernanda Riscali de Lima

Título da Dissertação: A Fotografia do Conflito: uma parceria entre Sergei Eisenstein e

Eduard Tissé

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre.

Presidente da Banca: Prof. Dr.:__________________________________________

Banca Examinadora:

Prof. Dr.:________________________ Instituição:___________________________

Julgamento:______________________ Assinatura:___________________________

Prof. Dr.:________________________ Instituição:___________________________

Julgamento:______________________ Assinatura:___________________________

Aprovada em:

_______/________/_________

Page 4: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

RESUMO

MORAES, Maria Fernanda Riscali de Lima. A Fotografia do Conflito: uma parceria entre

Sergei Eisenstein e Eduard Tissé. 2015. 88 páginas. Dissertação (Mestrado). Escola de

Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.

São muitas as parcerias no cinema, mas a que relaciona o diretor de cena ao diretor de

fotografia é certamente a principal. A proposta desta dissertação de mestrado é analisar o

estilo de fotografia criado por Eduard Tissé em três dos filmes que trabalhou com Eisenstein.

A metodologia teórica da pesquisa baseia-se em Roland Barthes a partir da análise do artefato

primeiro do cinema, que é o fotograma. As dimensões sociais ligadas ao materialismo

dialético e suas aplicações ao filme, na forma como o espectador promove a leitura de

sentidos, preocupavam o diretor soviético. Com isso evidencia-se o princípio conceitual de

Eisenstein, desenvolvido pela célula de montagem, na visão da sua missão sócio-cultural em

busca da fotografia do conflito.

PALAVRAS-CHAVE: arte; cinema; montagem; fotografia do conflito; Roland Barthes.

Page 5: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

ABSTRACT

MORAES, Maria Fernanda Riscali de Lima. The Cinematography of Conflict: a

partnership between Sergei Eisenstein and Eduard Tissé. 2015. 88 páginas. Dissertação

(Mestrado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.

There are many partnerships in the movie business, but that between director and director of

photography is certainly the main one. The purpose of this dissertation is to analyze the style

of photography created by Eduard Tissé in three of the movies he worked with Eisenstein.

The theoretical research methodology is based on Roland Barthes from the analysis of the

first film artifact: the frame. The social dimensions related to the dialectical materialism and

its applications to the cinema – the way the audience reads the film sense – worried the soviet

director. With that, the conceptual principle developed by Eisenstein is highlighted in search

of the conflict cinematography.

KEYWORDS: art; cinema; editing; conflict cinematography; Roland Barthes.

Page 6: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - Sergei Eisenstein (fotógrafo anônimo) e Eduard Tissé (fotógrafo anônimo) 09

Figura 02 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 31

Figura 03 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 32

Figura 04 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 33

Figura 05 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 34

Figura 06 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 35

Figura 07 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 36

Figura 08 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 37

Figura 09 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 38

Figura 10 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 39

Figura 11 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 40

Figura 12 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 41

Figura 13 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 42

Figura 14 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 43

Figura 15 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 44

Figura 16 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 45

Figura 17 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 46

Figura 18 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 47

Figura 19 - Fotograma do filme A Greve (1924)........................................................ 48

Figura 20 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 51

Figura 21 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 52

Figura 22 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 53

Figura 23 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 54

Figura 24 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 55

Figura 25 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 56

Figura 26 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 57

Figura 27 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 58

Figura 28 - Fotograma do filme O Encouraçado Potemkin (1925)............................ 59

Figura 29 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 64

Figura 30 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 65

Figura 31 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 66

Page 7: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Figura 32 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 67

Figura 33 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 68

Figura 34 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 69

Figura 35 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 71

Figura 36 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 72

Figura 37 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 73

Figura 38 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 74

Figura 39 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 75

Figura 40 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 76

Figura 41 - Fotograma do filme Ivan, o Terrível – Parte II (1958)............................ 77

Figura 42 - Steps, fotografia de Aleksandr Ródchenko (1929).................................. 80

Page 8: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

I. O TRABALHO DO DIRETOR DE FOTOGRAFIA 17

I.1) A relação com o diretor de cena 17

I.2) Preparação 18

I.3) Filmagem 19

I.4) O pós-set. 20

II. OS FILMES DE EISENSTEIN SOB O PONTO DE VISTA DA

FOTOGRAFIA E DA DIALÉTICA 22

III. LEITURA DE SENTIDOS 28

III.1) A Greve (Statchka, 1924) 29

III.2) O Encouraçado Potemkin (Bronienosets Potemkin, 1925) 49

III.3) Ivan, o Terrível – Parte II (Ivan Grozny, 1958) 60

CONSIDERAÇÕES FINAIS 78

REFERÊNCIAS 83

FILMOGRAFIA 87

ANEXO – DVD com as sequências analisadas 88

Page 9: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

INTRODUÇÃO

Sergei Eisentein

23/01/1898 – 11/02/1948 Eduard Tissé

13/04/1897 – 18/11/1961 figura 01

Antes de iniciar os estudos na área de cinema, cursei três anos de Economia na FEA-

USP e conclui o curso de Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas em 1993.

Graduei-me em Comunicação Social com habilitação em Cinema pela ECA-USP em

1994. No início do curso ainda não sabia exatamente em qual área do cinema iria trabalhar,

entretanto, logo nos primeiros anos comecei a me apaixonar pela direção de fotografia. Ainda

na universidade tive minha primeira experiência profissional: segunda assistente de câmera no

longa Olhos de Vampa, do cineasta paulista Walter Rogério, fotografado por Cláudio Portioli.

A experiência foi muito enriquecedora e fez com que me certificasse de que estava na área de

que mais gostava.

De 1995 a 2002 trabalhei como assistente de câmera para diretores de fotografia

brasileiros, dentre eles: Affonso Beato, Lauro Escorel, Pedro Farkas, José Roberto Eliezer,

Marcelo Durst, Lucio Kodato, Rodolfo Sanchez e Walter Carvalho.

9

Page 10: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Em 2002, com o lançamento do filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, muitos

comerciais estrangeiros passaram a ser filmados no Brasil e pude fazer parte dessas equipes,

trabalhando com vários diretores de fotografia norte-americanos e europeus: Lance Acord

(Encontros e Desencontros, Maria Antonieta, de Sofia Copolla), Jeffrey Kimball, ASC (Top

Gun, de Tony Scott e Os Mercenários, de Sylvester Stallone), Vilko Filac (Quando Papai

Saiu em Viagem de Negócios e Underground, de Emir Kusturica), Pawel Edelman (Ray, de

Taylor Hackford, O Pianista e Oliver Twist, de Roman Polanski).

Em 2006, tornei-me diretora de fotografia. Meu primeiro longa-metragem nesta

função foi Nome Próprio, de Murilo Salles. Desde então, trabalho como diretora de fotografia

e operadora de câmera para comerciais, programas de TV, documentários e longas de ficção.

Conheci o trabalho de Eduard Tissé em 2012, quando fui aluna especial da disciplina

“Poéticas e Técnicas da Montagem”, ministrada pelo Prof. Dr. Arlindo Machado, Profa. Dra.

Maria Dora Genis Mourão, Prof. Dr. Eduardo Santos Mendes e Prof. Dr. Almir Almas, na pós

graduação da ECA-USP. Já tinha visto alguns filmes de Sergei Eisenstein durante a

graduação, mas somente após trabalhar na área de fotografia por tantos anos percebi como

esses filmes eram bem fotografados. Quando assisti Cavaleiros de Ferro (1938) e soube que a

sequência da “Batalha no Gelo” havia sido feita em estúdio, compreendi que estava diante de

um gênio da fotografia. Tive a certeza de que os filmes de Eisenstein não deveriam ser

estudados apenas sob a ótica da montagem, mas que um estudo sobre a fotografia de seus

filmes seria de grande importância.

Essa dissertação surgiu, portanto, de meu interesse particular por cinematografia e de

uma necessidade de compreender melhor o trabalho de Tissé, importante até os dias de hoje

por ter sido parceiro de Eisenstein na criação de imagens que ficaram gravadas na história do

cinema mundial.

***

Surgida por volta de 1910, a indústria cinematográfica russa, que foi, em um primeiro

momento, inteiramente dominada por companhias estrangeiras, teve um impulso importante

durante a Primeira Guerra Mundial e, notadamente no governo de Alexander Kerenski,

segundo e último primeiro-ministro do governo provisório russo, exercendo o poder de 21 de

julho a 8 de novembro de 1917. Como líder revolucionário, desempenhou um papel

primordial na queda do regime czarista na Rússia e aboliu a censura.

Mas, com a revolução bolchevique, golpe que derrubou o governo provisório e

instalou o socialismo na Rússia, instaurou-se no país um bloqueio que proibia a importação de

10

Page 11: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

película, numa época em que sua fabricação na Rússia era apenas embrionária. Isso provocou

uma crise no cinema, levando produtores, atores e diretores a deixar o país.

Com o fim da guerra civil, o cinema foi retomado pela agitação comercial. Depois de

ter autorizado, na falta de uma produção atual, a distribuição de filmes pré-revolucionários, o

governo autorizou a importação de filmes estrangeiros.

No fim de 1921, Vladimir Lenin (1870-1924), líder do Partido Comunista da União

Soviética e grande nome da formação do país, responsável por conduzir os trabalhadores na

revolução e por estruturar a política e a economia do novo país, sugeriu uma reorganização

completa da indústria. Em janeiro de 1922, deu instruções para que todo programa de cinema

contivesse um filme de diversão e outro de educação política. Foi criado um órgão destinado a

absorver todas as firmas existentes e que passou a ter o monopólio da distribuição sobre todo

o território da URSS: o Goskino (Gosudarstvennoe Kino ou Comitê de Estado para a

Cinematografia).

Mas o Goskino herdou fábricas e estúdios desmantelados, cuja reforma levou ao seu

endividamento e acabou por fracassar na criação de uma “alternativa soviética”. Em março de

1923, enfim, o governo se voltou com seriedade para o cinema e pediu o desenvolvimento de

uma produção dirigida e controlada ideologicamente pelo Estado.

Em 1924, foi criado o Sovkino (Sovetskoe Kino ou Cinema Soviético), que substituiu

o Goskino e tinha as mesmas tarefas deste. A única política do governo em matéria de cinema

consistia na vontade de instaurar um monopólio, de centralizar completamente o setor, o que

seria mortal para o cinema de vanguarda.

Em seu livro A Forma do Filme, Sergei Eisenstein comenta que no início dos anos

1920 os profissionais que foram trabalhar no cinema soviético não tinham uma formação

específica de cinema.

Atividades particulares, ocasionais profissões passadas, habilidades impensáveis,

insuspeitadas erudições – tudo foi reunido e usado na construção de algo que não tinha, até então, tradições escritas, requisitos estilísticos exatos, nem mesmo necessidades formuladas (EISENSTEIN, 2002a, p. 15).

O encontro e a parceria de trabalho entre Eisenstein e Eduard Tissé, diretor de

fotografia que viria a executar todos os seus trabalhos, foi fundamental pois resultou em

composições cuidadosas, enquadramentos sofisticados, primoroso trabalho de iluminação,

movimentos de câmera, enfim, um enorme apuro estético e técnico.

11

Page 12: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Eisenstein nasceu em Riga, no dia 23 de janeiro de 1898. Era arquiteto, estudou

japonês, o que ele citava como uma influência no seu desenvolvimento artístico. Em 1920,

mudou-se para Moscou e começou sua carreira no teatro, trabalhando com Vsevolod

Meyerhold (1874-1940), um dos mais importantes diretores e teóricos de teatro da primeira

metade do século XX.

Tissé nasceu em 13 de abril de 1897 e em 1913 começou a estudar fotografia e pintura

em Estocolmo, na Suécia. Iniciou sua carreira de diretor de fotografia em 1914. Entre 1916-

18 filmou o front da Primeira Guera Mundial. Entre 1918-21 filmou 200 rolos sobre a

revolução bolchevique para o Comitê Central de Filmes, organização estatal que gerenciou a

produção cinematográfica nos primórdios da URSS. Tornou-se professor, em Moscou, em

1921. Em 1926, ele e Sergei Eisenstein visitaram a UFA Studio, em Berlim, para estudar a

cinematografia ocidental. Em 1929, Tissé, Eisenstein e Grigori Aleksandrov – proeminente

diretor de cinema soviético que até os anos 1930 trabalhou com Eisenstein como co-diretor,

roteirista e ator – foram para a Europa Ocidental, onde tiveram que fazer todo tipo de

trabalho, como um comercial de cerveja com os atores Emil Jannings (1884-1950) e George

Bancroft (1882-1956). Em 1930, o trio foi para Hollywood com o intuito de estudar o

desenvolvimento do som no cinema e acabaram por desenvolver projetos (A Casa de Vidro,

Sutter's Gold, Uma Tragédia Americana, etc.) para a Paramount Pictures.

Um dos projetos não realizados de Eisenstein, A Casa de Vidro propunha a realização de um filme cuja cenografia estaria composta por uma casa com paredes de vidro. A estrutura da casa obedeceria os padrões arquitetônicos normais. No entanto, a transparência das paredes de vidro detonaria tensões entre seus habitantes, pois eles estariam constantemente vigiando-se uns aos outros, culminando numa explosão em que, segundo um dos finais propostos para o filme, a casa seria destruída por um robô que simbolizaria o homem novo. Eisenstein tinha clareza quanto à dificuldade de produção, pois o desenrolar da narrativa exigiria uma simultaneidade de ações e imagens impossível de conseguir na época com os recursos técnicos existentes (MOURÃO, 1998).

Eisenstein declararou que gostaria de fazer em Hollywood um típico filme norte-

americano, entretanto teve dificuldade de entrar em acordo com a Paramount sobre um

projeto. Depois de algum tempo a Paramount decidiu que Eisenstein deveria fazer um roteiro

baseado no romance L’Or, de Blaise Cendrars (1887-1961), novelista e poeta suiço, traduzido

para o inglês como Sutter’s Gold. O roteiro de Sutter’s Gold era baseado na vida de Johann

Sutter, uma vítima da corrida do ouro da Califórnia de 1840. Eisenstein e seus associados

fizeram planos financeiros detalhados, sugestão de atores, cenografia e estudos de locação

para o filme. Em Hollywood havia o rumor de que o roteiro era brilhante. Entretanto a

12

Page 13: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Paramount o rejeitou quase que imediatamente, alegando que seria muito caro para ser

produzido e que os Estados Unidos não estavam interessados em filmes históricos. Essas não

foram as razões reais para a decisão do estúdio: havia a recusa de Eisenstein trabalhar com as

“estrelas” da Paramount neste filme, a sua falta de entusiasmo em cooperar com a equipe de

publicidade e uma possível disputa política com as lideranças da Paramount. Além disso, o

estúdio não aprovava a mensagem moral e ética do roteiro – que o ouro poderia ser uma fonte

de destruição do homem e da natureza. Para a Paramount, foi o ouro que criou a Califórnia

moderna.

Em Hollywood Eisenstein percebeu que a matéria prima do cinema sonoro era

o “monólogo interior” e não o “diálogo”, recurso amplamente utilizado na caracterização do

personagem Clyde Griffiths em Uma Tragédia Americana, filme baseado no livro do escritor

norte-americano Theodore Dreiser (1871-1945). Segundo Eisenstein, o “monólogo

interior” seria o maior desafio estético para a elaboração de filmes sonoros.

Eisenstein narrou a sua experiência na produção de Uma Tragédia

Americana em seu artigo Odolzhaites! (julho de 1932), demonstrando as várias sutilezas para um roteiro de filme sonoro que expusesse adequadamente os “monólogos interiores” do protagonista Clyde Griffiths, com eles há a intensificação do seu dilema psicológico e da dimensão trágica da divergência entre seu sonho, os meios planejados para alcançá-lo, o seu arrependimento em usá-los e a ação que efetivamente cria uma situação ambígua de como definir a sua culpa na morte da namorada grávida. Além disso, Eisenstein destacou o quanto o conceito ideológico presente na produção e montagem de um filme interferia na abordagem do tema: os produtores do cinema norte-americano queriam um filme policial simples e compacto sobre um assassinato, em que se definisse desde o começo a culpa de Clyde. Mas Eisenstein não acreditava que a novela de Dreiser fosse tão simples assim e, por isso, apresentou um roteiro que dava fundamental atenção ao fato de que era a estrutura da sociedade que levava Clyde a planejar um assassinato – embora não o executasse de fato – como condição de possibilidade para a sua ascensão social. Por isso, o seu roteiro foi rejeitado (VIANNA, 2012).

A partir desta experiência, Eisenstein quebrou o seu contrato com a Paramount e foi

para o México, a fim de dirigir, em 1932, o filme Que viva México!, financiado por capital

coletado pelo novelista norte-americano Upton Sinclair (1878-1968). O filme nunca foi

completado devido às divergências entre Eisenstein e Sinclair.

Depois de uma ausência prolongada, o líder político Josef Stalin (1878-1953), então

no poder da URSS, enviou um telegrama expressando a preocupação de que Eisenstein tinha

se tornado um desertor. As autoridades soviéticas ordenaram a sua volta em 1932.

***

13

Page 14: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Eduard Tissé tinha uma reputação de ser tanto competente quanto corajoso. Ele

conheceu Eisenstein em 1924 e começaram a trabalhar juntos. É impossível dizer quem

influenciou quem em determinado plano, ou quem teve a palavra final na escolha das lentes,

ainda mais nessa parceria Eiseinstein-Tissé, em que quase nenhuma documentação escrita

chegou até nossos dias.

Felizmente, em seu livro Reflexões de um Cineasta, Eisenstein dedica um capítulo à

colaboração com seu diretor de fotografia. Segundo ele, não se poderia sonhar com uma

combinação mais feliz.

Rápido em ação, o homem era capaz de revestir-se de uma paciência angélica para procurar o efeito pretendido. As duas qualidades fazem nele a melhor conjugação do mundo. Uma resistência fenomenal – no gelo como na areia, na bruma úmida do norte assim como sob o sol tropical do México, na praça de touros como a bordo, em mar agitado ou ao fundo de uma trincheira flanqueada pelos carros e pela infantaria – uma resistência de fortaleza, de operário agrícola, de mineiro, de escavador do Métro. Com tudo isso, antenas para pegar a nuança quase imperceptível, o “não sei o quê” a partir do qual, segundo a fórmula consagrada, a arte começa, antenas que aparentam Tissé aos mestres mais refinados das artes plásticas, que emparelham como mãos de quem trabalha em lavagem de roupa e olhos cor do céu à acuidade sobre-humana. A atividade intelectual mais delicada e mais sensível, junto à capacidade de enfrentar as piores dificuldades para exercer tal atividade (EISENSTEIN, 1969, p.189).

Se imaginarmos ainda o peso do equipamento naquela época e a quantidade de

posições de câmera que Eisenstein usava para compor uma cena, podemos imaginar o grau de

dificuldade que Tissé enfrentava.

E Eisenstein ainda fala sobre a parceria entre os dois

Duvido que jamais tenha existido sincronização comparável àquela que me coloca em equivalência com Tissé no que se refere a ver, perceber e experimentar... Procuramos por todo lado sempre a mesma coisa. Nem o efeito de surpresa, nem o efeito decorativo, nem a estranheza do ângulo de tomada de cenas, mas somente o máximo de expressividade. E sempre a universalidade da imagem por trás do fenômeno filmado. Passo a passo, de mãos dadas, nós procuramos nosso método durante esses quinze anos na diversidade do real que desfilava diante de nossos olhos e em nossa reflexão meditativa e apaixonante da realidade; e o sucesso coroou as tendências e os elementos plásticos de nossos filmes onde conseguimos atingi-los (EISENSTEIN, 1969, p.189).

Este estudo, portanto, busca seguir os passos desta parceria e analisar o estilo de

direção de fotografia, via leitura de sentidos, desenvolvido por Eduard Tissé nos filmes que

realizou com Eisenstein. Também procura analisar como ele enquadrava, que tipos de lente

14

Page 15: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

utilizava, como iluminava as cenas, enfim, visa buscar os elementos técnicos e simbólicos dos

quais um diretor de fotografia se utiliza para criar seu estilo.

Para atingir este objetivo, o primeiro passo desta pesquisa é entender qual é o trabalho

do diretor de fotografia. Qual é o trabalho antes, durante e depois do set de filmagem, com

quais técnicos tem que interagir. Esta reflexão portanto é a temática do primeiro capítulo

desta dissertação.

De forma breve, o segundo capítulo busca relacionar o cinema de Eisenstein com a

dialética marxista, enfatizando o conceito de conflito.

Correlativamente, a produção de sentido, no encadeamento de fragmentos sucessivos, é pensada por Eisenstein a partir do modelo de conflito. Se a noção de conflito nada tem de original (ela deriva muito diretamente do conceito de contradição, tal como colocado na filosofia marxista, o materialismo dialético), seu uso por Eisenstein não deixa, às vezes, de ser bastante surpreendente por sua extensão e sistematização. Para ele, o conflito é, de fato, o modo canônico de interação entre duas unidades quaisquer do discurso fílmico: conflito de fragmento a fragmento, decerto, mas também dentro do fragmento e especificando-se segundo este ou aquele parâmetro particular (AUMONT, 2008, p. 83 e 84).

O capítulo três está dedicado à leitura de sentidos da fotografia de três filmes que

Eisenstein fez com Tissé. Foram escolhidos obras que bem representam a parceria entre os

dois: A Greve (1924), primeiro longa de Eisenstein; O Encouraçado Potemkin (1925),

realização mais importante e conhecida do diretor e Ivan, o Terrível – Parte II (1958), seu

último longa. A metodologia utilizada baseia-se na análise de fotogramas, criada por Roland

Barthes (1915-1980) e explicitada em seu livro O Óbvio e o Obtuso.

Segundo o pensador francês, há três patamares de sentido na cena: (BARTHES, 2004,

p. 45 e 46).

1. Um aspecto informativo e descritivo, trazido pelo cenário, vestuário, personagens e as

relações entre eles, inserção na trama. Este é o patamar da comunicação.

2. Um aspecto simbólico. Há um simbolismo diegético e um simbolismo referencial, há ainda

um simbolismo propriamente eisensteiniano. Este é o patamar da significação.

3. Há ainda um terceiro sentido, uma captação poética. É o patamar da significância.

Além disso, Barthes faz uma distinção entre o sentido óbvio e o sentido obtuso:

a) Sentido óbvio – Compreende os patamares da comunicação e da significação. O sentido

propriamente eisensteiniano fulmina a ambiguidade pela ênfase. O “cenarismo” de Eisenstein

tem uma função econômica: o artista prefere a verdade. A estética eisensteiniana não constitui

um patamar independente: faz parte do sentido óbvio, e na obra de Eisenstein, o sentido óbvio

é sempre a revolução.

15

Page 16: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

b) Sentido obtuso – O terceiro sentido estrutura o filme “de outra maneira”, sem confundir a

história; e, por esta razão, é o patamar poético e inesperado que finalmente conduz ao

“fílmico”. O fílmico é o que, no filme, não pode ser descrito, é a representação que não pode

ser representada. Tudo o que se pode “dizer” sobre o filme pode ser dito no próprio filme,

salvo o que constitui o sentido obtuso.

O fílmico não pode ser apreendido no filme “em situação”, “em movimento”, “ao

natural”, mas apenas nesse artefato primeiro – e maior – que é o fotograma.

O fotograma não é uma amostra, mas sim uma citação do filme; não é uma pitada

quimicamente retirada da substância do filme, mas é a “marca” de uma “distribuição”

superior dos traços dos quais o filme seria, em suma, apenas um texto, entre outros.

Filme e fotograma encontram-se em uma relação de palimpsesto, sem que se possa

dizer que um está em cima do outro, ou que um é o extrato do outro. Desse modo, torna-se

legítimo analisar a fotografia dos filmes através de seus fotogramas.

De cada um dos filmes discutidos nesta dissertação, será selecionada uma sequência

de fotogramas para análise. Destas sequências, serão recortados entre nove e treze

fotogramas, baseados na relevância para a fotografia dos filmes, cujos sentidos serão

explicitados dentro da metodologia de Barthes entre o óbvio e o obtuso.

16

Page 17: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

I. O TRABALHO DO DIRETOR DE FOTOGRAFIA

No início da história do cinema, o diretor de fotografia normalmente era também o

diretor de cena e a pessoa que manuseava a câmera. Com o advento da iluminação artificial e

dos filmes mais sensíveis, além dos avanços tecnológicos em ótica, os aspectos técnicos da

cinematografia exigiram especialistas nessa área.

Em Hollywood, no ano de 1919, formou-se uma das primeiras (e ainda existente)

sociedades comerciais do cinema: a American Society of Cinematographers (ASC), que foi

criada para reconhecer a contribuição do diretor de fotografia para a arte e a ciência das

imagens em movimento. Hoje em dia existem ao redor do mundo várias associações

semelhantes, como a brasileira ABC (Associação Brasileira de Cinematografia).

Em linhas gerais, o diretor de fotografia é o profissional que transforma as ideias do

diretor em imagem. Sua função tem um lado artístico e um lado técnico. Tem um lado

artístico porque em cada filme vai fazer pesquisas de referências, vai criar uma visualidade

relacionada ao roteiro e às concepções do diretor. Tem um lado técnico pois para transformar

tudo isso em imagem precisa saber manejar a câmera, precisa saber iluminar uma cena. Assim

como um pintor precisa conhecer a técnica do óleo ou da acrílica para pintar um quadro, o

diretor de fotografia precisa entender a técnica para que a imagem imprima sua concepção.

Nos dias de hoje, com o cinema digital, o diretor de fotografia precisa estudar muito.

Novas câmeras são lançadas continuamente e é impossível conhecer todas. De qualquer

modo, é preciso que ele esteja informado o tempo todo, faça workshops, participe de chats na

internet, faça testes quando filmar.

Os testes são fundamentais pois não existe a “melhor câmera” e sim a ”melhor câmera

para cada projeto”. E isso não significa que feitos os testes as condições ideais serão usadas

na filmagem. Pressões de produção levarão a cortes de gastos até que se chegue num kit de

equipamento de luz e câmera possível para a realização do projeto.

I.1. A relação com o diretor de cena

A parceria entre o diretor de fotografia e o diretor de cena é muito importante. O

diretor de fotografia deve entender muito bem o projeto que está executando e ser fiel às

ideias concebidas conjuntamente com o diretor. O cinema é uma arte de equipe, o diretor de

fotografia não pode ter concepções isoladas sobre a fotografia de um filme, tudo deve ser

conversado entre o diretor e o diretor de arte.

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Page 18: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Eisenstein e Tissé tinham uma parceria muito produtiva, que o primeiro relata em seu

livro Reflexões de um Cineasta:

Realmente combinamos muito bem: há quinze anos que nada nos faz desentender. Não se poderia sonhar com uma combinação mais feliz. Não existe, sem dúvida, ninguém com quem eu tenha falado menos de cinema do que com Eduard. Entreolhamo-nos. E vemos. Duvido que jamais tenha existido “sincronização” comparável àquela que me coloca em equivalência com Tissé no que se refere a ver, perceber e experimentar... É essa comunicação que fornece no mesmo instante o enquadramento em que se materializará igualmente a ideia do diretor e do operador. É essa comunhão que oferece uma linha de irrepreensível unidade de estilo através de todas as peripécias da filmagem, sem permitir a um só dos milhares de futuros fragmentos de montagens “explodir” plasticamente, seja qual for o lugar e o momento da tomada de cenas. Nem o efeito de surpresa, nem o efeito decorativo, nem a estranheza do ângulo de tomada de cenas, mas somente o máximo de expressividade. E, sempre, a universalidade da imagem por trás da representação do fenômeno filmado. Essa universalidade que se obtém calculando o enquadramento, escolhendo o ângulo de tomada das cenas, compondo o quadro no interior do retângulo da futura tela, todas as operações que nos fazem às vezes suportar o martírio, aguentar durante horas o tripé da câmera, esticando ou encolhendo o respectivo carrinho, e verificando no visor, utilizando para isso toda a gama de objetivas e de filtros. Nenhum manifesto expôs nossos métodos. Ele não foi elaborado nas discussões noturnas nem nos debates entre baforadas de cigarros. Passo a passo, de mãos dadas, nós o procuramos durante esses quinze anos na diversidade do real que desfilava diante de nossos olhos e em nossa reflexão meditativa e apaixonante dessa realidade; e o sucesso coroou as tendências e os elementos plásticos de nossos filmes onde conseguimos atingi-los (EISENSTEIN, 1969, p. 188,189, 190).

I.2 Preparação

A preparação de um filme é tão ou mais importante que a filmagem. O primeiro passo

é a leitura do roteiro e as anotações das ideias do rumo que a imagem poderá tomar. O diretor

de fotografia procura referências para ilustrar suas ideias. Em seguida essas ideias são

discutidas com o diretor e o diretor de arte, outra peça chave na visualidade do filme. Chega-

se a um consenso de como o filme vai ser visualmente e o diretor de fotografia começa a

trabalhar nos testes.

Primeiramente são testadas diferentes câmeras para se decidir qual a mais adequada ao

projeto. Testes de cenário e figurino também são necessários. Finalmente são feitos os testes

técnicos para verificação das condições do equipamento (câmera e lentes). Os testes técnicos

são feitos pelo assistente de câmera, sem a necessidade do diretor de fotografia.

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Page 19: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Além dos testes são feitas visitas às locações. Nessas visitas, além da decupagem

determina-se em que momento do dia é melhor filmar cada cena graças à posição do sol. Isto

é importantíssimo para que o assistente de direção elabore um plano de filmagem.

Na preparação, o diretor de fotografia também elabora junto com seu gaffer ou

eletricista, os mapas de luz para cada locação ou cenário. Obviamente que os ajustes de luz

são feitos para cada cena, embora exista um conceito de luz para cada ambiente que é

determinado previamente.

No caso de filmagens em película, é na preparação que se escolhe o tipo ou tipos de

películas e as quantidades a serem usadas no filme. Também como será a revelação e a

correção de cor.

Uma vez que todos esses parâmetros estejam determinados, passa-se à etapa seguinte.

I.3. Filmagem

Na filmagem o diretor de fotografia tem que lidar com vários departamentos. Ele

chefia diretamente três deles: câmera, luz e maquinaria. O departamento de câmera é

composto pelo 1º assistente, 2º assistente, operador de vídeo assist e no caso do cinema digital

um logger. O 1º assistente de câmera é o responsável pelo bom funcionamento do

equipamento, é quem executa todos os testes técnicos, garante que toda a lista de câmera

solicitada pelo fotógrafo esteja completa e funcionando bem. É também quem faz o foco das

cenas.

O 2º assistente de câmera cuida dos negativos, carrega e descarrega os magazines, faz

os relatórios mantendo as contagens do negativo virgem e exposto do filme. Ele ajuda o 1º

assistente a marcar os focos, bater as claquetes, carregar as baterias e deixar o departamento

de câmera sempre em ordem. O operador de vídeo assist é o responsável por enviar a imagem

da câmera para o monitor do diretor, gravá-las e reproduzi-las sempre que solicitado. O

logger, no caso do cinema digital, é o responsável por copiar os cartões com as imagens para

um computador e fazer back ups para HDs externos.

O departamento de luz é composto pelo eletricista chefe (ou gaffer), assistente,

ajudante e maquinista de elétrica. O eletricista chefe estabelece com o diretor de fotografia

quantos e quais refletores serão usados em cada cena. Ele é o elemento principal para

trabalhar com o fotógrafo na iluminação das cenas, por isso é considerado seu braço direito.

Os assistentes e ajudantes são responsáveis por colocar os refletores nas posições. O

maquinista de elétrica é responsável pela fixação de refletores em posições difíceis, aquelas

em que os refletores não estejam em tripés, por exemplo, box truss, tetos, traquitanas, etc.

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Page 20: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

O departamento de maquinaria é responsável por todo tipo de movimento de câmera.

Além disso, é responsável pela segurança da câmera fixando-a em lugares altos ou com risco

de cair. É o departamento responsável por criar traquitanas técnicas necessárias para a

filmagem. Esse departamento é composto por um maquinista, alguns assistentes e alguns

ajudantes.

Além desses departamentos que o diretor de fotografia comanda, tem que lidar com

alguns outros no set, por exemplo, departamento de direção, departamento de arte,

departamento de figurino, departamento de maquiagem, departamento de som. Deve pensar

seu trabalho de forma a valorizar o trabalho dos outros departamentos (e a luz tem o poder de

fazer isso quando é boa), caso contrário pode arruinar o trabalho da equipe inteira.

I.4. O pós-set

A etapa pós filmagem também é muito importante para o filme. Para um maior

aproveitamento do material captado, os set ups de câmeras e os negativos atuais são em geral

muito lavados, ou seja, sem contraste. Isso é feito para que se ganhe maior latitude na

captação e se possa trabalhar em pós o look do filme.

E é isso exatamente que o diretor de fotografia faz no pós-set. Em se tratando de

negativo, vai telecinar o material usando as referências escolhidas no momento da preparação.

No caso do cinema digital, faz uma correção de cor para obter o look escolhido previamente.

A única coisa que o diretor de fotografia não consegue controlar é a projeção. O filme

é distribuído para mais de uma sala e as projeções são distintas, ou seja, após todo esse

trabalho, a fotografia vai ter uma qualidade diferente dependendo da sala onde será projetado.

***

Eisenstein reconhecia o papel do operador de câmera no cinema, apenas não

concordava em transformar esses profissionais em estrelas. Via a tendência à produção de

estrelas como lógica burguesa. Cinegrafistas, atores e atrizes, cineastas, carpinteiros que

trabalham no cenário e as pessoas sem treinamento profissional que trabalham como extras

formam uma equipe, um coletivo que dá sentido ao trabalho de cada um.

Eisenstein referia-se a si mesmo e aos outros da mesma categoria como trabalhadores

do cinema, deixando claro que acreditava em uma experiência coletiva do fazer

cinematográfico. Evitava, desse modo, exaltar a criação artística como sendo algo individual,

uma manifestação de um processo íntimo, intangível e subjetivo.

A denominação de trabalhador do cinema carrega o reconhecimento de Eisenstein

como participante da classe trabalhadora, além da constatação de que seu trabalho é

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Page 21: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

necessário para o funcionamento da sociedade socialista, não em busca da criação de obras-

primas, mas de elementos úteis para a vida do povo. Estas características pessoais explicam os

argumentos de seus filmes dentro do conceito do conflito, narrando a revolução cultural de

sua gente.

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Page 22: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

II. OS FILMES DE EISENSTEIN SOB O PONTO DE VISTA DA FOTOGRAFIA E DA DIALÉTICA

O conceito de conflito é muito importante na teoria de Eisenstein. Podemos defini-lo

como oposição de interesses, sentimentos, ideias. O plano é a célula de montagem, que detém

a característica do conflito. A subdivisão da montagem chega ao conflito como colisão, que

leva a novos significados.

Em seu livro A Forma do Filme, Eisenstein declara que a arte não se reduz ao registro

ou imitação da natureza, mas é conflito, de acordo com sua missão social, natureza e

metodologia. O cineasta russo diz que o conflito dentro do quadro é proveniente de uma

somatória de elementos:

- conflito de direções gráficas (linhas – estáticas ou dinâmicas)

- conflito de escalas

- conflito de volumes

- conflito de massas (volumes preenchidos com várias intensidades de luz)

- conflito de profundidades

E os seguintes conflitos, que exigem apenas um impulso adicional de intensificação antes de formarem pares antagônicos de fragmentos. Primeiros planos e planos gerais. Fragmentos de direções graficamente variadas. Fragmentos resolvidos em volume com fragmentos resolvidos em área. Fragmentos de escuridão com fragmentos de claridade. E, finalmente, há conflitos inesperados como: Conflitos entre um objeto e sua dimensão – e conflito entre um evento e sua duração. O primeiro é conseguido através de uma lente oticamente distorcida, e o segundo pela câmera lenta ou parada (EISENSTEIN, 2002a, p. 43).

Segundo ele,

Considerar o plano como um caso particular de montagem, por assim dizer, molecular, torna possível a aplicação direta da prática da montagem à teoria do plano. E, do mesmo modo, à teoria da iluminação. Percebê-la como uma colisão entre uma corrente de luz e um obstáculo, como o impacto de um jato d’água de uma mangueira batendo em um objeto concreto, ou do vento soprando sobre uma figura humana, pode resultar num uso da luz inteiramente diferente em comparação com a luz usada para jogar com várias combinações de névoas e borrões (EISENSTEIN, 2002a, p. 44).

Além disso, Eisenstein é a favor da irregularidade. Traz em A Forma do Filme uma

citação do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), que muito se aproxima do sentido

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Page 23: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

obtuso de Barthes: “O que não é um pouco distorcido não tem apelo emocional; disso se

segue que a irregularidade – isto é, o inesperado, a surpresa, o espanto, são uma parte

essencial e característica da beleza.” (BAUDELAIRE in EISENSTEIN, 2002a, p. 54).

Todos os tipos de aberrações, distorções e outros defeitos, que podem ser remediados

por sistemas de lentes, também podem ser levados em conta esteticamente, proporcionando

uma série completa de efeitos composicionais definidos (usando lentes com ângulo de visão

que variam entre 28mm e 310mm).

Outra ideia central para Eisenstein é a composição. Ele considera o enquadramento

como decisivo na construção do fotograma. O princípio recorrente da construção estética do

fotograma, observado em todos os seus filmes, revela-se na construção em profundidade, trata

da interação dinâmica do primeiro plano e do fundo, que pode apresentar-se ou como a

unidade dos dois, ou como sua nítida contraposição.

A julgar pelas anotações de diversos anos, Eisenstein estudava a formação gradual da

composição na arte pictórica, da qual surge a composição em profundidade no cinema.

Experiências em A Greve (1924) não foram muito felizes pela falta da objetiva

correspondente: a 28mm. Eisenstein e Tissé puderam depois realizar tecnicamente a

construção em profundidade graças ao surgimento desta lente.

O efeito da filmagem com uma objetiva 28mm de distância focal, quando o objeto vertical se coloca diretamente frente ao mesmo e o foco está dirigido ao seu centro. Faz muito tempo (em 1927), que eu o defini capaz de criar um conflito entre o objeto e sua aparência (do mesmo modo que a câmera lenta e a câmera rápida criam um conflito entre o processo e o tempo de sua duração). Como se sabe, o efeito dessa objetiva se deve à redução de perspectiva dos objetos em profundidade, que é muitas vezes mais brusca e rápida que no olho normal. O olho percebe as reduções de acordo com as normas habituais e através disto recebe uma representação deformada do objeto. Os lugares planos se percebem como profundos. A mão, dirigida diretamente para a objetiva, parece incrivelmente grande, devido à colossal desproporção que existe entre seu tamanho e a figura catastroficamente reduzida de seu dono, correspondendo seu tamanho relativo à percepção do olho se estivesse a uma enorme distância. Fora de foco fica aquilo que está muito longe ou excessivamente perto (EISENSTEIN, 1982a, p. 195).

É importante o fato de que o papel da composição em profundidade do fotograma, em

Eisenstein, aumenta à medida em que se aproxima do cinema falado.

Além do conceito de conflito e da composição em profundidade observa-se em

Eisenstein uma liberdade na escolha dos ângulos de filmagem.

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Page 24: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Houve em um tempo um período de discussões sobre a ”motivação do ângulo da tomada” , ou seja, sobre o que motiva um ou outro ângulo de visão tendo em vista o que se toma por objeto ou se filma na cena. Havia partidários de que, por exemplo, de cima só pode se filmar uma cena quando ela está justificada através do personagem que a vê a partir do alto. Dá vergonha recordar que existiram tais concepções e que foi necessário refutá-las! É totalmente compreensível que o ângulo de visão é motivado só pela condição de que, precisamente, deve ser percebido e compreendido desde a cena ou objetos dados. Como com os limites do quadro se “corta” aquilo que não deve ser conhecido e percebido, assim o escorço elegido é ditado por aquele que, pertencendo a esta cena ou objeto, corresponde apresentar com maior convicção a contemplação do espectador. Exatamente o mesmo sentido adquire a luz na cinematografia. Em seus objetivos entra a mesma tarefa de montagem, ainda que em um novo aspecto: a iluminação está chamada a destacar com manchas luminosas os detalhes necessários, tendo em vista o ângulo necessário para dar, com a combinação destes detalhes destacados, a imagem da montagem desejada do rosto, figura, cena (nas condições internas do quadro) (EISENSTEIN, 1982a, p. 178) .

O cinema é uma arte coletiva. O diretor de fotografia tem que trabalhar segundo um

briefing, levando em conta a ideia do diretor de cena e o roteiro. Desse modo podemos

considerar que a concepção de arte-conflito de Eisenstein e seu gosto pela irregularidade

exerceram enorme influência no trabalho de Eduard Tissé.

A ideia de conflito também não aparece por uma simples concepção estética na obra

de Eisenstein. Ele pensa o conflito sob o prisma do método dialético.

O dinamismo provocado pela aproximação entre a missão social e a natureza da arte revelaria, assim, um terceiro conflito, que seria a metodologia da arte, o princípio que penetraria tanto o mínimo detalhe quanto o “ponto de vista monístico” – o conjunto – expresso, exatamente, pela dialética da forma artística (FREITAS, 2011, p. 30).

O método dialético possui várias definições, tal como a hegeliana e a marxista. Para

alguns teóricos, ela consiste em um modo esquemático de explicação da realidade que se

baseia em oposições entre situações diversas. Diferentemente do método causal, no qual se

estabelecem relações de causa e efeito entre os fatos, o modo dialético busca elementos

conflitantes entre dois ou mais fatos para explicar uma nova situação decorrente do conflito.

A dialética busca não interpretar, mas refletir acerca da realidade.

Para Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo alemão, a tese é uma ideia,

que posta em discussão gera uma antítese. Esta última contrapõe-se à primeira, surgindo

assim a síntese, que é a superação das anteriores. A síntese torna-se uma nova tese, com uma

antítese e uma síntese correspondentes e o processo continua ad infinitum.

Hegel aplica o raciocínio dialético a todos os campos do real, desde a aquisição do

conhecimento até os processos históricos e políticos. A história seria o processo mediante o

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Page 25: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

qual o Espírito do mundo atinge cada vez mais explícita a consciência de si como livre. Desse

modo, estaria dividida em três etapas, correspondendo à tese (os orientais da Antiguidade),

antítese (os greco-romanos) e síntese (os germânicos através da cristandade).

A história do mundo é a exposição do espírito em luta para chegar ao conhecimento de sua própria natureza. Os orientais ainda não sabem que o Espírito – o Homem, como tal – é livre. E, como não o sabem, não são livres. A consciência da liberdade surgiu primeiro entre os gregos e, portanto, eles eram livres. Mas eles, como também os romanos, apenas sabiam que alguns são livres – não o Homem em si. Isto nem Platão nem Aristóteles sabiam. Por essa razão, os gregos não apenas tinham a escravidão, sobre a qual baseavam toda a sua vida e a manutenção de sua esplêndida liberdade, mas essa liberdade deles era em si, em parte, uma evolução acidental, passageira e limitada e, parte, uma grave sujeição da natureza humana. Só os povos germânicos, através da cristandade, é que vieram a compreender que o homem é livre e que a liberdade de espírito é a própria essência da natureza humana (HEGEL, 2004, p. 64).

Karl Marx (1818-1883) – escritor, economista, sociólogo, historiador e filósofo

alemão – juntamente com o teórico alemão Friedrich Engels (1820-1895), reformulam o

conceito de dialética de Hegel, voltando-se para a sociedade, para as lutas de classes

vinculadas a uma determinada organização social. Assim surge a dialética materialista ou

materialismo dialético.

Marx criticou o sistema filosófico de Hegel. O marxismo constitui-se como

a concepção materialista da História, que procura as causas de desenvolvimentos e mudanças

na sociedade humana nos meios pelos quais os seres humanos produzem coletivamente as

necessidades da vida. As classes sociais e a relação entre elas, além das estruturas políticas e

formas de pensar de uma dada sociedade, seriam fundamentadas em sua atividade econômica.

Longe de qualquer tipo de determinismo, seu pensamento compreende a predominância da

materialidade sobre a ideia. Portanto, não é possível entender os conceitos marxistas sem

levar em conta o processo histórico, pois não são conceitos abstratos. A teoria marxista é,

substancialmente, uma crítica radical das sociedades capitalistas. Mas é uma crítica que não

se limita a teoria em si. Marx, aliás, se posiciona contra qualquer separação drástica entre

teoria e prática, entre pensamento e realidade, porque essas dimensões são abstrações.

Karl Marx compreende o trabalho como atividade fundante da humanidade. E o

trabalho, sendo a atividade central do ser humano, se desenvolve socialmente. As relações de

produção – formas como os seres humanos desenvolvem suas relações de trabalho e

distribuição no processo da vida material – com as relações sociais fundam todo o processo de

formação humana. Esta compreensão e concepção do homem é revolucionária em todos os

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Page 26: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

sentidos, pois é a partir dela que Marx irá identificar a alienação do trabalho (venda da força

produtiva).

Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels afirmam que há coincidência entre a realidade

do que os homens produzem com a forma como produzem.

Os indivíduos, no exercício de sua atividade produtiva, segundo um modo determinado de produzir, colocam-se em relações sociais e políticas determinadas, relações que se dão entre proprietários de meios de produção e proprietários da força de trabalho. Em decorrência disso, a estrutura social e o Estado nascem do processo vital de indivíduos em ação, na sua existência real, segundo a maneira como trabalham e produzem materialmente (MARX, 1989, p. 18).

A consciência é, portanto, um produto social. E a alienação das forças produtivas pode

gerar a alienação da consciência, permitindo a dominação de uma classe sobre a outra.

O capital se encarna em coisas: instrumentos de produção criados pelo homem. Contudo, no processo de produção capitalista, não é o trabalhador que usa os instrumentos de produção. Ao contrário: os instrumentos de produção — convertidos em capital pela relação social da propriedade privada — é que usam o trabalhador. Dentro da fábrica, o trabalhador se torna um apêndice da máquina e se subordina aos movimentos dela, em obediência a uma finalidade — a do lucro — que lhe é alheia. O trabalho morto, acumulado no instrumento de produção, suga como um vampiro (a metáfora é de Marx) cada gota de sangue do trabalho vivo fornecido pela força de trabalho, também ela convertida em mercadoria, tão venal quanto qualquer outra (GORENDER in MARX, 1996, p.34).

O materialismo dialético é uma das bases do pensamento marxista. É uma concepção

filosófica em que o ambiente, o organismo e fenômenos físicos tanto modelam os animais e

os seres humanos, sua sociedade e sua cultura quanto são modelados por eles. Ou seja, a

matéria está em uma relação dialética com o psicológico e social. Se opõe ao idealismo (como

em Hegel), que acredita que o ambiente e a sociedade tem por base o mundo das ideias. Marx

nega a síntese de Hegel, que viria da tese e da antítese.

No pensamento marxista, não há uma transformação para a síntese de contrários, mas

uma transformação essencial do objeto, uma mudança de qualidade. Coisas velhas, num dado

momento histórico tornam-se insustentáveis e transformam-se em coisas novas,

qualitativamente diferentes do que as que lhes deram origem. O novo sempre nasce do velho,

nada nasce do nada, do abstrato.

Na dialética marxista há o que se chama de unidade de contrários. Uma moeda, por

exemplo, pelo fato de ter duas faces diferentes, continua sendo a mesma. Uma folha de papel,

tem a página 1 e a página 2, mas continua sendo a mesma folha. Os contrários existem na

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Page 27: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

sociedade de igual maneira. São como as contradições. Estão sempre juntas, num mesmo

evento.

Para Eisenstein existe uma relação dialética entre todas as coisas do mundo, o próprio

ser seria uma constante evolução da interação de dois opostos contraditórios.

A história do cinema soviético e a do próprio Eisenstein, está intrinsecamente

relacionada ao processo revolucionário de seu país. O diretor russo voltou suas lentes para a

história do povo e para suas lutas.

Seu objetivo, entretanto, era muito maior do que recontá-las e arrancar emoções da

platéia. Eisenstein queria que o espectador, ao ver um filme, realizasse um exercício de

dialética, isto é, que os distintos elementos do filme (a montagem, a relação da música com a

imagem, a utilização de símbolos e metáforas, etc.) fizessem com que se construísse o sentido

das imagens pela interação de dois opostos.

No inverno de 1922 para 1923, Sergei Eisenstein começou seus estudos com Lev

Kuleshov (1899-1970), cineasta russo e estudioso de teorias cinematográficas que ajudou a

fundar e ensinou na primeira escola de cinema do mundo, a Escola de Cinema de Moscou.

Eisenstein lançou seu primeiro manifesto teórico sobre a sétima arte, A Montagem de Atrações, publicado na revista Lef, que era editada pelo poeta Vladimir Mayakovsky (1893-1930). Neste artigo, ele defendia que os espectadores deveriam ser tomados de surpresa por choques emocionais bem calculados cujo objetivo seria causar agitação. Para tanto, algumas imagens deveriam ser escolhidas independentemente da ação e apresentadas não em sequência cronológica, mas de um modo que pudessem criar um máximo de impacto psicológico. Deste modo, o diretor comunicaria suas ideias para o espectador, conduzindo-o de um estado psicológico anterior para o nascimento de uma nova consciência. Tais princípios básicos da dialética na montagem guiaram toda a sua carreira (VIANNA, 2012).

Dessa forma Eisenstein buscava criar sua ideia de sintaxe cinematográfica.

A opção pelo conflito ao invés da linearidade visava arrancar o espectador de sua

comodidade, convidando-o a um posicionamento em relação ao filme, uma ativa participação

racional e emocional, determinante à impressão sobre a obra.

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Page 28: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

III. LEITURA DE SENTIDOS

Analisaremos agora, caso a caso, os filmes feitos pela dupla Eisenstein-Tissé. Serão

analisados três dos filmes finalizados pelo diretor: A Greve (Statchka, 1924), O Encouraçado

Potemkin (Bronienosets Potemkin, 1925) e a segunda parte de Ivan, o Terrível (Ivan Grozny,

1958).

Em cada filme será selecionada uma sequência de fotogramas para análise. O critério

de seleção é a relevância fotográfica sob o ponto de vista do conteúdo e das expressões

técnico-estéticas. Em cada sequência serão recortados uma média de dez frames para a

análise. A metodologia baseia-se em Roland Barthes (1915-1980), na análise de fotogramas

que o escritor e semiólogo francês fez de Ivan, o Terrível em O Óbvio e o Obtuso.

Para Barthes existe um paradoxo fotográfico. A fotografia reproduz a realidade. Entre

o objeto e sua imagem fotográfica não é necessário interpor um código. A imagem não é a

realidade, mas seu analogon perfeito. E é precisamente esta perfeição analógica que, para o

senso comum, define a fotografia.

As artes imitativas comportam duas mensagens: uma mensagem denotada, que é o

próprio analogon e uma conotada, que é a maneira pela qual o espectador lê o que ele pensa a

partir de valores culturais. Mas é praticamente impossível haver imagem fotográfica (ou

cinematográfica) sem a conotação cultural.

A leitura fotográfica depende sempre do “saber do leitor”, tal como se fosse uma

língua, inteligível apenas para aqueles que aprenderam seus signos. Para resolver esse

problema complexo seria necessário esclarecer os mecanismos de leitura, ou se desejarmos,

da percepção da fotografia.

Embora não seja possível uma interpretação neutra, Barthes propõe um mecanismo de

leitura: analisar o sentido óbvio (patamar da comunicação e da significação) e o sentido

obtuso (patamar fílmico). Dessa forma, analisaremos as imagens desses três filmes para

interpretarmos objetiva e subjetivamente o estilo autoral de Eisenstein e Tissé.

Vale lembrar que o sentido obtuso não está presente em todas as imagens de um filme,

ele é descontínuo, indiferente à história e ao sentido óbvio (como significação da história).

Forma um dialogismo tão tênue com o sentido óbvio, que não se pode ter certeza de sua

intencionalidade.

O sentido obtuso contém uma certa emoção, poesia. Tanto a beleza quanto a falta dela

podem constituir este sentido.

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Page 29: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

III.1. A Greve (Statchka, 1924)

Em abril de 1924, Eisenstein é autorizado a filmar para a Goskino, mas com o

Proletkult (abreviatura da expressão russa proletarskaya kultura, que significa "cultura

proletária"), um ciclo de sete filmes intitulado Rumo à Ditadura, consagrado às lutas sociais e

políticas antes de 1917. Somente o quinto episódio, A Greve, é realizado, pois ocorre nesse

momento a ruptura com o Proletkult, instituição artística experimental soviética criada na

Revolução de 1917.

Tissé foi convidado a fotografar este primeiro filme de Eisenstein. A realização de A

Greve deve-se muito a Tissé. Ele não apenas possuia o conhecimento técnico que faltava a

Eisenstein naquele momento, mas também entendeu e concordou com a “montagem de

atrações”, que consiste em inserir em meio ao filme ações (atrações) arbitrariamente

escolhidas e independentes (também exteriores à composição e ao enredo vivido pelos

atores), com o objetivo de atingir um certo efeito temático final. Eisenstein explicou que sua

teoria cinematográfica apropria-se da dialética marxista: propõe o conflito da tese e da

antítese, sua superação, gerando uma síntese. Os cortes são abruptos: ponto, contraponto,

fusão. Para ele, o impacto provocado por um filme acontece em função do ritmo, não do

enredo narrado. O diálogo mostrado nos letreiros é reduzido ao mínimo.

O filme retrata uma greve em 1912 pelos trabalhadores de uma fábrica na Rússia pré-

revolucionária, e sua posterior supressão.

Em A Greve, a frase liminar de Lenin – “A força da classe operária é a organização.

Sem a organização das massas, o proletariado não é nada. Organizado ele é tudo” – é

incorporada e serve como programa para todo o filme, que faz uma demonstração articulada

em seis partes não lineares: 1. Calmaria na fábrica; 2. Início da greve; 3. Na fábrica nenhuma

atividade; 4. A greve se prolonga; 5. A provocação; 6. A greve fracassa.

Do ponto de vista estético, dado que o filme tem como base o materialismo histórico-

dialético marxista e os métodos formais da montagem, Eisenstein cria planos que enfatizam a

geometria dos elementos cenográficos, a superposição de linhas, o contraste entre luz e

sombras, entre volumes de diversas dimensões, o conflito espacial entre distâncias, entre os

planos em um mesmo enquadramento (colidindo elementos do primeiro com os que estão em

segundo plano), entre as feições humanas de trabalhadores e dos burgueses, entre o

movimento das máquinas e o das massas.

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Page 30: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

O filme é célebre pela sequência do matadouro, perto do fim, em que a repressão

violenta à greve é de montagem paralela com imagens de gado sendo abatido, embora existam

vários outros pontos do filme onde os animais são usados como metáforas para as condições

de várias pessoas.

Outro tema do filme é o coletivismo em oposição ao individualismo, que era visto

como uma convenção do cinema ocidental. Em A Greve não há personagens individuais, os

personagens são as massas, a força do grupo em greve. Eisenstein opta por não apresentar

personagens complexos por três motivos. Primeiro, para enfatizar o caráter geral da situação,

ou seja, que a greve não é um caso isolado e constitui um conflito inerente às interações

sociais. Segundo, para representar a luta de classes em seu sentido estrutural. Terceiro, para

não exaltar heróis individuais, típicos do cinema norte-americano.

Em contraposição ao estereótipo burguês, os trabalhadores de A Greve constituem

uma verdadeira unidade. O filme representa pela primeira vez na cinematografia um herói

coletivo.

A sequência que merece uma análise mais aprofundada é a da invasão da moradia dos

grevistas. Esta sequência inicia-se com a iminência do confronto. De um lado os grevistas e

de outro, montados a cavalo, os policiais. No chão, entre as pernas dos cavalos está uma

criança, e sua mãe desesperada corre para salvá-la. Consegue pegar seu filho mas começa a

ser chicoteada pelos policiais. Os operários partem em seu socorro e começa o confronto.

Os operários fogem para suas casas e são perseguidos pelos policiais. Os grevistas

trancam os portões mas estes são derrubados e os policiais invadem a vila operária. O que

vemos a seguir é uma série de planos de perseguição e luta. Os policiais sobem as escadarias

da vila operária jogando abaixo tudo e todos que encontram pela frente. A tensão da batalha

aumenta e a luta intensifica-se, até que finalmente uma criança é jogada para a morte. Há um

close da criança morta e a sequência acaba.

A análise da fotografia desta sequência demonstra a utilização da regra dos terços

como recurso de composição. A regra dos terços é uma regra clássica de composição que

recomenda a divisão do enquadramento em três partes iguais, tanto no sentindo horizontal

quanto no vertical, resultando na divisão do enquadramento em nove partes. Este método

prega que os pontos de maior interesse se localizem nas intersecções das linhas divisórias.

O sentido óbvio, apresentado pelos fotogramas analisados, aponta para a superioridade

da força dos policiais sobre os operários.

Veremos a seguir doze fotogramas desta sequência, que evidenciam estas percepções.

30

Page 31: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 02

No início da sequência, no plano em que a criança está entre as pernas dos cavalos,

não vemos o todo, não vemos os policiais, mas sim cavalos representados por linhas verticais,

indicando a superioridade que vem do alto. Se levarmos em conta o nível simbólico, da

significação, a semiótica, explanada por Roland Barthes em seu livro O Óbvio e o Obtuso,

podemos afirmar que os volumes ressaltam essa superioridade. Os corpos dos cavalos, no alto

do quadro, são grandes volumes em preto, contra o pequeno volume da criança no chão, um

conflito de volumes. Entretanto a criança está colocada na linha diagonal de leitura (da

esquerda para a direita) do quadro e, portanto, por menor que seja seu volume, o olho do

espectador vai diretamente a ela.

Esse sentido visual e simbólico (a superioridade de forças dos policiais sobre os

operários, uma vez que os primeiros são representados pela força animal dos cavalos e os

últimos pela fragilidade de uma criança) é intencional. É um sentido que procura o

destinatário da mensagem e portanto pode ser denominado sentido óbvio, aquele que se

apresenta naturalmente.

A arte de Eisenstein não é polissêmica: é ele quem escolhe o sentido quem o impõe, o subjuga (se a significação é invadida pelo sentido obtuso, nem por isso é negada,

31

Page 32: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

confusa); o sentido eisensteiniano fulmina a ambiguidade. De que maneira? Acrescentando o valor estético, a ênfase (BARTHES, 2004, p. 48 e 49).

Em Eisenstein é a verdade da grande circunstância proletária que exige a ênfase. Sua

estética não constitui um nível independente, faz parte do sentido óbvio, que na obra de

Eisenstein é sempre a revolução.

Nos fotogramas seguintes dessa sequência poderemos evidenciar a reiteração do

sentido óbvio do primeiro fotograma: o desequilíbrio de forças entre policiais e operários.

Podemos apontar como sentido obtuso deste fotograma a felicidade inocente

estampada no rosto da criança diante do iminente perigo.

Analisando a composição percebemos o uso de camadas (frente e fundo) e a busca da

profundidade de campo, gerando conflito de escalas. Isso é evidenciado pelas linhas diagonais

criadas pelas patas e focinhos dos cavalos.

Ainda sobre a composição verificamos a utilização da regra dos terços para esse

enquadramento. A cabeça da criança se aproxima de um dos pontos de intersecção das linhas

que dividem o quadro. Isso significa que ela é um elemento

estético de destaque.

figura 03

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Page 33: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 04

A sequência de planos de confronto entre os trabalhadores e os policiais é sempre de

tomadas diagonais. O muro ao fundo do quadro reforça essa linha diagonal, a massa de

trabalhadores é captada em diagonal, bem como os policiais. As diagonais introduzem a

dimensão de profundidade aos quadros bidimensionais.

Este fotograma merece destaque por ser uma câmera alta em que praticamente toda a

metade do lado esquerdo do quadro é tomado pela massa cinza do prédio. Do lado direito,

ocupando mais ou menos um terço do quadro, existe outra construção. E o meio da cena é

cortada por uma linha horizontal fortemente iluminada, que cria uma tensão espacial. Há um

conflito de linhas, volumes e massas. Os trabalhadores perseguidos ficam confinados em uma

parte ínfima do fotograma, e com isso Eisenstein traduz visualmente o que está se passando

no confronto: estão encurralados.

Trata-se da reiteração do sentido óbvio apresentado no início da sequência: a

desvantagem em que os operários se encontram na luta contra os policiais.

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Page 34: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 05

Neste fotograma a câmera está dentro de um galpão escuro e o quadro está

verticalmente dividido em três partes. As laterais esquerda e direita são pretas. Pelo centro

vemos os trabalhadores correndo em direção à câmera. Eles correm do claro para o escuro. O

sentido óbvio, da comunicação e informação, aqui apresentado por Eisenstein tem a ver com

um prenúncio do fracasso da greve e do sacrifício dos operários.

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Page 35: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

A estética eisensteiniana tem função econômica e a composição é clássica. Se

dividirmos o enquadramento baseado na regra dos terços, observamos que os trabalhadores se

agrupam em torno do retângulo central do quadro. Isso faz com que o centro de atenção recaia

sobre o elemento humano e suas ações. O fato de termos um primeiro plano escuro enfatiza

por contraste a iluminação do centro de interesse: os trabalhadores.

figura 06

35

Page 36: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 07

Neste fotograma vemos o início da invasão da vila dos operários pelos policiais. Há

um plano geral muito bem composto, com linhas verticais e horizontais e que poderia ser

estático, sem profundidade por não haver diagonais. Entretanto podemos ver o céu por trás da

vila, que dá a dimensão de profundidade, e o movimento das pessoas, subindo as escadas e

atravessando vertical e horizontalmente o quadro, que assim quebra a dimensão estática da

composição, promovendo um conflito de direções gráficas.

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Page 37: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Outro ponto que enfatiza o dinamismo da composição é o fato dos dois patamares

centrais ocuparem as linhas que dividem o quadro horizontalmente em três partes, ou seja,

mais uma vez Eisenstein e Tissé pensam na regra dos terços ao executarem a composição.

figura 08

Aqui, o sentido óbvio da narrativa é enfatizado. Os operários sobem as escadas e os

policiais os perseguem. Não há saída para os operários, pois quando chegarem ao topo do

prédio estarão encurralados e serão capturados.

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Page 38: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 09

Eisenstein retoma a linha diagonal, numa composição de câmera plongée mostrando

em profundidade a perseguição dos policiais na vila operária. A iluminação vem do contra-

luz, deixando os patamares diagonais muito iluminados, em contraste com a parte frontal da

cena que é escura, isso auxilia na impressão de profundidade.

Verifica-se um conflito de direções gráficas bem como de massas.

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Ainda, nesta composição, a regra dos terços é obedecida para o posicionamento dos

patamares da direita, que cruzam a diagonal.

figura 10

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Page 40: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 11

A seguir, Eisenstein apresenta uma série de planos da perseguição na vila operária.

Nesta imagem temos um arco na parte superior do quadro, entrecortado por um caminho

muito iluminado à esquerda, um primeiro plano silhuetado e um segundo plano com o piso

térreo em cinza. É uma composição bastante elaborada, onde as profundidades são

trabalhadas pelos diferentes níveis de iluminação da vila. Existe um conflito de linhas, de

volumes e de massas. O cenarismo de Eisenstein prefere a verdade no sentido óbvio,

abarcando os patamares da comunicação e da significação.

É importante constatar que o arco, além da sua função prática de distribuição da carga

de uma estrutura, possui também um forte componente estético permitindo uma grande

variedade formal. Desse modo, o arco acentua o conflito de linhas presente na composição.

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Page 41: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 12

Um contre-plongée com a escada silhuetada e um raio de luz vindo do alto iluminando

os trabalhadores em desespero tentando escapar. O raio de luz descreve uma diagonal da

esquerda para a direita, no sentido ocidental de leitura e ilumina todas as linhas verticais do

quadro. Trata-se claramente de um conflito de massas, volumes preenchidos pelas várias

intensidades de luz.

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Page 42: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 13

Neste plano, duas crianças brincando no meio do confronto, o quadro é dividido em

duas partes através de uma diagonal, sendo a parte superior ocupada pelas crianças e a parte

inferior por um cavalo no andar térreo da vila. Existe um movimento de tilt, de cima para

baixo.

O sentido óbvio do fotograma fica muito evidente, a fragilidade dessas duas crianças

na área conflituosa e a possibilidade de que seus destinos sejam tragicamente o chão.

Neste momento, o sentido obtuso se faz presente através do gato no colo da criança,

que olha para a câmera.

Há conflito de direções gráficas graças às linhas diagonais e verticais presentes no

quadro.

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Page 43: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 14 Quase no final da sequência existe um plano que merece destaque. A metade direita

do quadro é preta, a outra metade é uma escadaria em que pessoas realizam movimentos

verticais e horizontais. E por serem ações em diferentes sentidos aumenta-se a tensão da

perseguição. Os planos de diferentes intensidades luminosas garantem profundidade à

composição. Há um conflito de linhas verticais e horizontais.

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Page 44: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 15 Um movimento vertical mostra em contre-plongée a vila silhuetada. Para dar

profundidade ao quadro, Eisenstein utiliza as linhas diagonais e o recurso do claro/escuro. As

linhas horizontais geram a tensão espacial, e é sobre elas que vemos as imponentes figuras

dos cavalos prestes a vencer o combate. O tema do arco aparece mais uma vez, criando o

conflito com as linhas retas.

O aspecto informativo trazido pelo realismo da imagem faz parte do sentido óbvio.

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Page 45: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

O cavalo do primeiro patamar está posicionado sob a intersecção de linhas horizontais

e verticais, um dos quatro pontos de maior interesse, evidenciando sua importância no plano.

figura 16

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Page 46: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 17

Um plano expressivo plástica e emocionalmente pelo ruído que conduz ao fílmico.

Uma câmera alta enquadra as costas de um policial que agarra uma criança pela roupa e

ameaça jogá-la do alto da escadaria. A criança está na linha diagonal de leitura do quadro da

esquerda para a direita, é o maior volume fechado que existe dentro do plano e recebe a maior

porção de luz. As outras linhas do quadro, excetuando o varal com roupas, cruzam a diagonal

que passa pela criança. Mais uma vez Eisenstein utiliza diagonais e diferentes graus de

iluminação para evidenciar a profundidade dos diversos patamares entre a criança e o solo.

O sentido óbvio do fotograma é a derrota iminente dos operários, representados pela

criança.

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Page 47: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 18

O último plano da sequência traz mais uma bela composição. Na parte inferior do

quadro, iluminada por um grande foco de luz, está a criança morta. A profundidade é dada

pela alternância entre os planos claros e escuros. Se observarmos o ponto de fuga da

perspectiva, ele recai sobre o cavalo que está ao fundo do quadro, evidenciando assim, o

assassino da pobre criatura.

Neste caso, os patamares da comunicação e da significação fulminam a ambiguidade

pela ênfase da cena. Vale ressaltar que a sequência começa e termina com a oposição entre

uma criança e um cavalo, a primeira pertencente à classe operária e o segundo, aos policiais.

O sentido óbvio é a derrota dos operários, que reitera o desequilíbrio de forças entre classe

dominante e proletariado, apresentado desde o primeiro fotograma da sequência.

Neste filme há alguns casos de dupla e múltipla exposição.

Tendo partido da fusão mecânica, a tentativa evolui da síntese plástica para a

síntese temática. Em A Greve, há mais do que uma transformação na técnica da

câmera. A composição e estrutura do filme como conjunto adquire o efeito e a

sensação de unidade ininterrupta entre o coletivo e o meio que cria o coletivo (EISENSTEIN, 2002a, p. 23).

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Page 48: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Dividindo o quadro em terços, de forma horizontal e vertical, notamos que a

composição é elaborada posicionando os dois centros de interesse em quadrantes bem

definidos e isolados. Fora destes quadrantes há apenas cenário.

figura 19

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Page 49: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

III.2. O Encouraçado Potemkin (Bronienosets Potemkin, 1925)

Este filme é a realização mais importante e conhecida de Eisenstein. Parte de um fato

histórico de 1905 – rebelião de marinheiros de um navio de guerra – para criar uma obra

universal sobre a injustiça social e o poder coletivo das revoluções populares.

O levante do Potemkin pressagiou a Revolução de 1917. Tudo começou com os

marinheiros cansados de serem maltratados, carne estragada lhes era dada e o médico de

bordo insistia que ela era perfeitamente comestível. Alguns marinheiros se recusaram a comer

esta carne, então os oficiais do navio ordenaram suas execuções. A tensão aumentou e,

gradativamente, a situação foi saindo cada vez mais do controle. O marinheiro Vakulinchuk

(Aleksandr Antonov) gritou para os soldados e pediu para eles pensarem e decidirem se

estavam com os oficiais ou com os marinheiros. Os soldados hesitaram e então abaixaram

suas armas. Louco de ódio, um oficial tentou agarrar um dos rifles e provocou uma revolta no

navio, na qual o marinheiro foi morto. Mas isto seria apenas o início de uma grande tragédia.

Vale lembrar que quando a obra foi feita, em 1925, a ditadura stalinista estava se

iniciando e ainda não existia uma política acabada para a cultura, garantindo certa liberdade a

artistas e intelectuais.

A ideologia de Eisenstein está totalmente presente em O Encouraçado Potemkin. O

filme fala da intolerância humana, de qualquer origem cultural ou período histórico.

Eisenstein, além de ser um revolucionário, era um artista. E por isso o filme sobreviveu. Sua

obra é ponderosa, está impregnada de uma visão de mundo, e além disso, de uma vontade de

transformá-lo.

O filme é dividido em cinco partes. Todos os detalhes apresentam significados

simbólicos. Para transmitir ideias complexas e ideologias profundas, Eisenstein utilizou

técnicas de montagem inspiradas nos ideogramas orientais. Se determinado ideograma

significa "telhado" e outro "esposa" a união dos dois é lida como lar.

Destacam-se neste filme as sequências de Odessa (cidade ucraniana situada às

margens do Mar Negro, porto comercial mais importante nos tempos da União Soviética e

igualmente base naval): da escadaria, da bruma do porto e do evento anterior ao fuzilamento

da escadaria.

A clássica cena na escadaria de Odessa é a quarta parte do filme e traz imagens

chocantes da repressão violenta pela guarda do czar. A Escadaria de Potemkin ou Escadaria

Richelieu foi construída entre 1890 e 1900 e é a entrada oficial da cidade de Odessa para

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Page 50: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

quem vem do mar. Sua construção provoca uma ilusão de ótica, de modo que os observadores

do alto só enxergam os patamares e os de baixo apenas os degraus. No filme, a escada é um

símbolo da hierarquia social e política, da diferença entre as classes sociais. A cena da mãe

assassinada, cujo carrinho de bebê percorre degraus abaixo, é sempre citada como uma das

mais célebres da história do cinema. E justamente por esse motivo esta é a sequência que será

analisada neste capítulo.

Tissé sempre esteve inspirado a mais experimentações, com a tecnologia à sua

disposição para tornar a visão artística de Eisenstein realidade. Para a sequência da escadaria

de Odessa, Tissé colocou um trolley do comprimento dos degraus, criando um dos primeiros

dolly shots na história da cinematografia soviética.

A unidade orgânica dos marinheiros, navios de guerra e o mar, que é mostrada em intersecção plástica e temática em O Encouraçado Potemkin, não é obtida através de truques, dupla exposição, ou intersecção mecânica, mas pela estrutura geral da composição (EISENSTEIN, 2002a, p. 23).

É importante observar como Eisenstein utiliza os enquadramentos diagonais nesta

sequência, criando uma maior sensação de profundidade e uma maior riqueza plástica do que

se usasse somente planos frontais. Além disso, Tissé aproveita o bom posicionamento da luz

solar para criar volumes através das sombras.

O sentido óbvio é o conflito, mas também a disparidade de forças entre policiais e o

povo, bem como a dor do massacre, explicitada principalmente nos planos da mãe com o bebê

de colo sendo fuzilada e da professora que leva um tiro no olho.

Analisaremos nove frames desta sequência.

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Page 51: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 20 Há um plano frontal geral da escadaria com a população sendo perseguida pela

polícia. A estética do plano seria convencional se não fossem as linhas da escada que criam

um grafismo interessante. Pelas sombras na escadaria podemos deduzir que a luz vem de trás,

da esquerda para a direita, o que faz com que a parte frontal dos personagens esteja mais

escura e cria uma dimensão de volume e de massa à fotografia.

O sentido óbvio aqui presente é de fuga. A população corre escada abaixo, mas neste

momento da sequência ainda não se sabe de que ela foge. De qualquer modo, nota-se que há a

tentativa de escapar de alguma coisa.

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Page 52: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 21 No momento seguinte, surgem os policiais que estão perseguindo a população. As

armas prontas a atirar demonstram o sentido óbvio de conflito.

Neste plano já há uma tomada diagonal da escada e da fileira de policiais,

enriquecendo a composição. A diagonal é utilizada por Eisenstein para dar profundidade ao

enquadramento. As sombras em diagonais dos policiais e as perpendiculares à escada geram

um conflito de linhas no plano. Vale lembrar que o conflito tanto estético quanto social é

sempre buscado por Eisenstein em seus enquadramentos.

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figura 22 Neste plano, Eisenstein inverte o ângulo em que filma a escada, ela é vista da

perspectiva dos soldados. Entretanto o sentido óbvio permanece o mesmo, o conflito entre

policiais e população, aqui representada por uma mãe que pede clemência por seu filho de

colo ferido. Trata-se de um enquadramento dramático.

As diagonais são dadas pelas sombras dos policiais. A mulher e o bebê ocupam um

volume muito pequeno do quadro e os policiais são representados por grandes sombras pretas

que ocupam quase todo o resto. Pelas proporções de volumes vemos a desigualdade de forças

entre os dois lados. Este seria um sentido óbvio do fotograma.

A mãe significa a pátria russa e seu filho o futuro da nação. Ambos estão sendo

esmagados pela polícia do czar. Os aspectos informativos e simbólicos são claros.

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Page 54: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 23 No plano seguinte, a mãe e a criança são fuziladas pela polícia. Trata-se do típico

plano “soco no estômago” de Eisenstein para pegar o espectador pela emoção. É importante

notar que esse recurso utilizado pelo diretor vai além de um acontecimento dentro do plano,

passa pela estrutura do filme, pela montagem. Os sentidos óbvios de conflito e desigualdade

de forças são reiterados.

Neste enquadramento, a cabeça dos policiais e a ponta das armas formam duas linhas

paralelas que criam uma profundidade de campo. As sombras dos homens e suas armas estão

numa perpendicular, gerando mais uma vez um conflito de linhas e forças tão desejado por

Eisenstein.

Vale notar o contraste de tons entre as roupas dos policiais e da mulher sendo morta e

também a fumaça produzida pelas armas, que encobrem o rosto da vítima, o que nos leva a

crer que sua identidade não tem importância, já que é um membro da classe operária.

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Page 55: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 24 Um enquadramento diagonal da escadaria com os pés dos policiais. As botas fincadas

ao chão simbolizam o poder do Estado. Note-se a ordem estabelecida pelos pés, pedras e

degraus. Diante desta força rítmica os pés estão no topo do controle da pirâmide social:

sentido óbvio.

Nos planos anteriores, a parte frontal da escada era escura, evidenciando a luz

principal vinda de trás com pouco preenchimento frontal. Aqui vemos pelas sombras dos

policiais, que a luz principal permanece a mesma, entretanto é evidente um preenchimento de

luz nos degraus, feito para mostrar melhor os detalhes da escadaria e das botas.

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Page 56: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 25 A linha formada pelas mãos dos policiais atirando dá profundidade ao enquadramento.

As armas, paralelas, do primeiro plano ao fundo do quadro enfatizam esta profundidade.

Agora é o poder das mãos que fere pela violência. Assim, o conflito ganha dimensão do

princípio da vida e da morte, sentido óbvio do plano.

Há conflito de linhas entre a diagonal formada pelas mãos e as paralelas das armas.

Aqui os policiais são filmados em contre-plongée, o que lhes confere um tamanho

maior que o real. É importante notar que mesmo nos planos anteriores, em que foram

filmados em plongée, a iluminação proporcionou sombras alongadas, o que lhes havia

sugerido um tamanho maior. Alongar uma pessoa através do ângulo de filmagem é uma

estratégia bastante comum em cinematografia para sugerir poder ao personagem.

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figura 26 Este é o célebre plano do carrinho de bebê descendo a escadaria. Aqui vemos a cena

em um plano geral para termos a dimensão do movimento.

O carrinho segue em diagonal dentro do quadro, do canto superior esquerdo para o

canto inferior direito, exatamente o eixo diagonal de leitura ocidental.

O sentido óbvio sugere uma pergunta: estaria todo o nascente movimento social,

representado pelo bebê, caminhando em direção descendente?

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Page 58: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

figura 27 Um plano de difícil execução para a época, uma câmera acompanha o carrinho escada

abaixo. Este é um típico plano em que Tissé utilizou suas experimentações com movimento.

O enquadramento mantém o tema das diagonais com os degraus da escadaria e

acrescenta o tema do círculo, com as rodas do carrinho. O círculo simboliza a oportunidade

(perdida?) da integração e da unidade social. A roda também remete ao movimento, à

mudança, num sentido óbvio ela traz a ideia de alteração do contexto social, da passagem de

uma sociedade czarista para uma comunista.

O sentido obtuso é o carrinho de bebê desgovernado, descendo a escadaria de Odessa:

patamar inesperado que contempla a expressão poética.

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figura 28 A professora tem seu olho atingido por uma bala. É um plano frontal e volta-se ao

tema do círculo. O sangue remete à dimensão da dor, da agonia, do desprezo e da morte,

sentido óbvio. Imagem fundamental, que faz interagir comunicação e significação. Ou seja, a

questão do cegar diante do horror do conflito bélico.

Sobre esse plano Eisenstein disse:

Foi esse filme que, em grande parte, nos obrigou a reavaliar o papel do primeiro plano, não fazer dele somente um detalhe indicativo, mas um elemento capaz de despertar no espectador a consciência e o sentimento do todo. (EISENSTEIN, 1969, p. 32).

O plano explicita a dor da população massacrada na escadaria de Odessa.

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III.3. Ivan, o Terrível (Ivan Grozny, 1958) – Parte II

Em 1940, Eisenstein pensa em fazer um filme sobre o czar Ivan IV, cujo roteiro ele

termina na primavera de 1941. A Mosfilm – estúdio de cinema mais antigo da Europa, criado

em Moscou em 1920 – aceita o projeto um pouco antes da URSS entrar em combate contra a

Alemanha na Segunda Guerra Mundial. A empresa vê no filme um pretexto para exaltar o

sentimento nacional. A produção começa em 1 de fevereiro de 1943 no estúdio de Alma/Ata

pois a guerra impede a filmagem em Moscou. A segunda parte será filmada no estúdio

Mosfilm, entre setembro e dezembro de 1945, que compreende partes em cor realizadas a

partir de um estoque de película Agfa, tomado dos alemães no fim da guerra. A primeira parte

é lançada em janeiro de 1945 com um grande sucesso e obtém o Prêmio Stalin. Este prêmio ,

instituido em 1941, é a mais alta condecoração civil da União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, e foi criado para homenagear pessoas com contribuições significativas nas áreas

de ciências, literatura, arte ou música.

Eisenstein termina a montagem da segunda parte em fevereiro de 1946. A doença e as

críticas à segunda parte o impedirão de rodar a terceira parte, apesar de já estar

minuciosamente escrita e preparada.

Segundo o diretor de cinema russo Mikhail Romm (1901-1971), em texto publicado

no livro Ivan the Terrible:

Eisenstein sabia que ia morrer, e pouco antes de sua morte discutiu com Tissé a questão de quem poderia finalizar Ivan, quem poderia filmar a terceira parte do filme a partir dos desenhos e de suas anotações. Mas ninguém ousou embarcar nessa jornada (EISENSTEIN, 1970, p.18).

Joseph Stalin (1879-1953), secretário geral do Partido Comunista da URSS entre 1922

e 1953, gostou da Parte I do fime mas proibiu a Parte II, descontente com a representação de

Ivan no filme. Por esse motivo Ivan, o Terrível – Parte II só foi lançado em 1958, após a

morte de Stalin e de Eisenstein.

Na primeira parte, que se passa no século XVI, Ivan IV (Nikolai Tcherkassov),

arquiduque de Moscou, assume o poder da Rússia declarando-se czar. Casa-se com Anastasia

(Lyudmila Tselikovskaya) e logo planeja ataques para retomar os territórios perdidos e

derrotar os tártaros. Sem esquecer também dos inimigos internos, que não desistem de

derrubá-lo, Ivan manipula todos ao seu redor.

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Page 61: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

Há pouca mobilidade no filme, a câmera se movimenta apenas quatro vezes — e um

desses movimentos é apenas uma breve panorâmica. Tudo parece duro, morto, seco. A

direção de arte e a fotografia são bem feitas mas não há exuberância.

E não se trata de um experimentalismo. Devemos lembrar que Eisenstein, não faz

nada num filme por acaso. A prova de que tudo foi pensado são os storybords e desenhos de

cenário feitos pelo próprio diretor. Além disso, lendo o roteiro, verifica-se que cada um dos

planos do filme está cuidadosa e minuciosamente planejado.

A segunda parte é superior, podemos até mesmo dizer que ela não prolonga realmente

a primeira, mas a enriquece, conferindo-lhe maior densidade. O destino trágico e quase

claustrofóbico de Ivan torna-se mais evidente, e a contribuição da cor é indiscutível. Ivan, o

Terrível representa uma grande evolução de Eisenstein em direção ao formalismo plástico, ao

mesmo tempo que torna claro seu distanciamento das massas e aproximação do ser individual

como tema ideal para uma obra de ficção. Todavia, não se pode afirmar que Ivan constitui o

triunfo do indivíduo no cinema de Eisenstein.

A Parte II é essencialmente um filme sobre contraste. Se a Parte I caracteriza-se pela

ousadia na mesa de montagem, na Parte II as imagens fluem como as águas de um rio. Os

planos são longos e cuidadosamente dirigidos.

O que há aqui é uma união entre a tesoura e a teatralidade. Quando alguém diz/faz

alguma coisa, Eisenstein faz sucessivos cortes entre os rostos caricaturais da corte de Ivan,

reforçando a complexidade das pessoas que cercam o czar. Os ângulos de câmera ousados

reforçam o aspecto caricatural da corte.

Na Parte II há uma quebra do modelo do filme predecessor e que avança na ousadia do

sentido obtuso. O centro de gravidade deixa de ser o personagem de Ivan. Os boiardos,

membros da aristocracia russa do século X ao século XVII, liderados por Efrosínia, ganham

mais proeminência (é importante notar que o subtítulo original é “O Plano dos Boiardos”). A

montagem é mais contemplativa e a mise en scène mais vistosa. Trata-se de um filme mais

calmo, a fim de que a enorme galeria de personagens faça sentido.

Eisenstein é mais comedido no ritmo da montagem e prima por planos mais

elaborados, ou seja, utiliza a montagem interna. A utilização da profundidade de campo é

intensa. A loucura não está isolada no czar, está espalhada pelo palácio.

Trata-se um filme de emoção plástica e psicológica. É tentador chorar quando vemos

Ivan puxar seu velho companheiro Fyodor Kolichev pela capa implorando por um amigo.

Neste momento a câmera de Eisenstein se afasta um pouco dos personagens e nos permite uma

contemplação maior da vastidão e da solidão do castelo abstrato – suas roupas pretas se

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Page 62: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

contrastam com o branco do salão do trono (além disso, as capas esvoaçantes dos dois homens

é de grande apuro estético).

Uma grande prova da importância da moderação do corte, da movimentação da

câmera e da profundidade de campo se encontram na marcha dos oprichniks, a polícia secreta

do czar, no último ato do filme. Eisenstein utiliza travellings inquietantes e Tissé ilumina a

cena de modo a criar um belo jogo de sombras para cavar sulcos cavernosos nos rostos dos

personagens.

Stalin rejeitou o filme, sabendo que Eisenstein comparava o Terrível com Nikolai

Iejov (1895-1940), chefe da polícia secreta de 1936 a 1938 – também chamado de “anão

sanguinário”. Culpou o diretor por uma falta de orgulho russo e desaprovou o retrato obtuso de

Ivan (bem como a duração de seus beijos e o comprimento da barba). Como resultado o filme

foi proibido e o material filmado da Terceira Parte foi destruído. Eisenstein teve um ataque

cardíaco.

Eisenstein apelou, mas segundo Stalin as figuras históricas deveriam ser mostradas de

modo correto. Para Stalin, Ivan beijou por tempo demais sua esposa – beijos não eram

permitidos naquela época. Além disso, achou Ivan muito cruel. Para Stalin a crueldade poderia

ser mostrada, mas deveria ser justificada. A questão do tamanho da barba também foi levantada

e Eisenstein prometeu encurtá-la.

Eisenstein faleceu em 1948, antes de poder encurtar a barba, cortar o beijo e não

mostrar que o Terrível “precisava ser cruel”.

Nas duas partes do filme, Eisenstein privilegia os tons poéticos e dramáticos em

detrimento ao rigor histórico. Ivan é um personagem invadido pela dúvida, roído pelo remorso,

mais em luta consigo mesmo e com sua corte do que contra o inimigo estrangeiro.

No artigo “Da Hipótese de uma Dedicação Secreta”, o historiador russo Leonid

Kozlov nos apresenta a ideia de que Ivan tenha sido inspirado em Vsevolod Meyerhold (1874-

1940), importante ator e diretor de teatro russo e mestre de Eisenstein. Ivan, o Terrível seria

uma espécie de réquiem para Meyerhold, mas também uma crítica. Trata-se de um filme sobre

o poder e a autoridade do czar relacionada ao jogo, às máscaras e aos travestimentos, à maneira

de Meyerhold.

A sequência escolhida para análise de Ivan, o Terrível – Parte II é a do banquete com

Vladimir, uma das duas únicas cenas coloridas do filme. A outra sequência colorida aparece no

final, quando o czar denuncia os inimigos da independência russa.

Na cena analisada, Ivan está desconfiado que sua tia Efrosínia foi a responsável pelo

envenenamento de sua esposa. Ela está planejando a morte de Ivan e indica Pyotr para executá-

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Page 63: uma parceria entre Sergei Eisenstein e Eduard Tissé

lo. Efrosínia recebe de Ivan um convite para um banquete. Ela designa seu filho Vladimir e

Pyotr para irem no lugar dela e excutar o plano de assassinato. É uma sequência em que Ivan

reafirma seu poder de soberano.

A sequência colorida não foi inserida por acaso. Um dos motivos apontados para sua

inclusão é a busca de Eisenstein pelo êxtase do espectador. Segundo Jacques Aumont (1942),

escritor francês que estuda a teoria do cinema, o sentido de êxtase é utilizado nos últimos

filmes de Eisenstein. Para Aumont o êxtase é uma espécie de excesso psíquico e assim como na

religião, teve sua finalidade no sistema comunista.

Em todo o último periodo teórico de Eisenstein, o êxtase designa a lei interna do pensamento-cinema, a lei teórica do cinema como fonte ou veículo ao mesmo tempo de pensamento e de emoção. O êxtase é o que atinge o espectador, o que o coloca fora de si (AUMONT, 2004, p 103).

Outro motivo é a aplicação da teoria dialética ao filme, a contrução de sentido pela

interação de dois opostos: preto e branco / cor.

O que digo, ou chamo de “uma grande ordem da cor”, não é a sua formulação analítica em bases puramente físicas ou psíquicas, mas a inter-relação dessas duas com o que quer a cor expressar, pois tem ela que estar ligada ou a uma dialética ou a um fio de pensamentos e ideias intuitivas, para atingir o seu máximo objetivo, que é a expressão (OITICICA in COTRIM, 2009, p. 84).

A luz utilizada por Tissé simula uma iluminação à luz de velas, bastante contrastada e

vindo sempre de baixo. As regiões de sombra e penumbra acentuam o clima de mistério da

ação. Os tons são quentes, predominando o vermelho (vitalidade, ambição, raiva, desejo) e o

dourado (realeza, dinheiro, riqueza, poder divino), sugerindo os sentidos óbvios de

derramamento de sangue e de luta pela riqueza e pelo poder.

A análise de treze fotogramas da sequência comprova estas afirmações.

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figura 29

A sequência começa com uma frenética cena de dança onde o vermelho e o dourado

são predominantes nos figurinos e na iluminação. A sequência inteira é predominantemente

vermelha e dourada. Essas cores tinham um importante papel na pintura da época de Ivan.

Além disso, o vermelho sinaliza a cor da bandeira russa e prenuncia o derramamento de

sangue que acontecerá durante a sequência, sentido óbvio.

As cores quentes predominantes neste enquadramento e em toda a sequência são

justificadas pela iluminação, que simula uma luz proveniente de velas. Por esse motivo o

ângulo da luz principal de toda a sequência geralmente é baixo e as velas são enquadradas,

justificando a procedência das fontes luminosas.

Esse tipo de iluminação é o que existia na época de Ivan e foi reproduzido por Tissé

de forma magistral, de uma forma que os refletores tornam-se invisíveis e a cena parece ter

sido iluminada apenas por velas.

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figura 30 Em seguida são apresentados os assessores do czar dançando com figurinos em preto.

Esses figurinos dão um contraste de claro-escuro à sequência. A iluminação também é

caracterizada pelos claros (iluminação dourada e vermelha das velas) e escuros (regiões de

penumbra e sombras projetadas nas paredes).

Neste fotograma fica evidente o contraste das roupas e da iluminação. Ao fundo um

afresco representando Deus com uma auréola vermelha e que remete à figura do czar, pois os

ícones russos são apresentados com auréola. O afresco possui tons de azul, a única cor fria da

sequência. Esse azul de fundo, assim como o claro/escuro, contribui ao contraste da cena e à

separação dos personagens do fundo.

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figura 31 Depois de uma cena de dança frenética, Ivan é mostrado em seu trono tomando vinho.

Ele usa um caftan dourado e vermelho, seu trono é dourado e contrasta com um afresco

vermelho ao fundo. O claro-escuro é dado pela grande massa preta em primeiro plano e pelas

velas.

A iluminação de Ivan vem da esquerda para a direita, em um ângulo baixo, o que

produz sombras em um dos lados do rosto do czar e em sua roupa. As sombras são

importantes para dar volume e massa à cena.

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figura 32 Vladimir, embriagado, conversa com Ivan e afirma que é seu amigo. Ele acaba

contando a Ivan que sua mãe tem planos para que ele se torne czar, mas que não gostaria de

tornar-se. Ivan também tem um plano para matar seu maior inimigo: Vladimir.

Pelas sombras na roupa de Ivan percebemos que a luz principal é lateral e baixa.

Existe também um contra-luz iluminando a cabeça do czar e um preenchimento, de menor

intensidade, para Vladimir. A luz de Ivan é muito diferente da de Vladimir. Ivan recebe uma

maior intensidade luminosa e sua luz é mais dura, o que garante sombras mais marcadas em

seu rosto. A luz de Vladimir é menos intensa e mais suave, as sombras são atenuadas e isso dá

menos dramaticidade ao seu personagem.

O fato da mão esquerda do czar repousar sobre a cabeça de Vladimir indica o sentido

óbvio do poder, que também é comunicado pelos anéis, correntes, vestuário e olhar definido.

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figura 33 Neste fotograma um exemplo da iluminação bem trabalhada de Eduard Tissé. Ele usa

um contra-luz vermelho e uma luz lateral dourada. A luz principal vem de baixo, iluminando

o pescoço de Ivan e produzindo sombras alongadas em seu rosto.

O fundo é escuro, dando maior ênfase à figura iluminada de Ivan. Neste close

podemos perceber como sentido óbvio toda a desconfiança e inquietude estampadas no rosto

de Ivan através das rugas na testa e das sombrancelhas arqueadas.

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figura 34 “O czar adora se divertir/ Ele adora fantasiar os outros/ Máscaras garantem o

divertimento”(EISENSTEIN in MONTAGU, 1962, p. 191). É dessa maneira que Eisenstein

se refere a Ivan no roteiro da segunda parte do filme.

O tema da máscara é fundamentamental na obra de Eisenstein e está ligado ao

conceito de tipagem, estabelecimento de tipos (modelos, símbolos). Seria o equivalente

cinematográfico do mesmo procedimento da commedia dell’arte, uma forma de teatro

popular que aparece no século XV, na Itália, e cujas apresentações eram realizadas nas ruas e

praças públicas. Os personagens eram interpretados por atores usando máscaras.

Este fotograma é uma referência clara à inspiração de Eisenstein em Meyerhold na

execução de Ivan, o Terrível, uma vez que seu mestre também tinha fixação por este tema.

O ato simbólico de Basmanov ao retirar a máscara traz o sentido óbvio de

desmarcarar. Ivan acaba de descobrir o plano de Efrosínia e Vladimir graças às confissões

deste último. Entretanto o personagem não descobre seu rosto totalmente, ele parece estar à

espreita. Sua face, principalmente a região dos olhos, é protegida da luz pela sombra gerada

pela máscara. A imagem transmite um certo ar de suspense, um sentido de que algo vai

acontecer. Trata-se de um personagem que se identifica com a posição do espectador, que

observa os acontecimentos atentamente mas não interfere na ação.

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A expressão do ator marca o sentido obtuso do plano.

Como nos fotogramas precedentes, a luz é dourada e vermelha e o fundo é uma

penumbra, que destaca a personagem.

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figura 35 Pyotr abandona o recinto do banquete para colocar em prática seu plano de assassinar

o czar. Sua saída é importante para entendermos que ele desconhecerá a troca de vestuário

entre o czar e Vladimir. As sombras de Pyotr projetadas na parede lembram a iluminação dos

filmes expressionistas.

Mais uma vez o azul da parede contrasta com a iluminação vermelho-dourada e com o

figurino preto. O azul cria um “respiro” para os tons quentes e o preto do figurino e da sombra

destacam o personagem ao fundo.

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figura 36 Ivan sugere a Vladimir que ele se vista de czar para se sentir como tal. Ele ordena que

tragam o trono e suas vestimentas. Isso é feito num plano contre-plogée, em que Ivan aparece

imponente contra o teto vermelho do recinto. As velas justificam a luz dourada que incide

sobre o czar.

Como ocorre em toda a sequência, a luz vem de baixo e o próprio gesto de Ivan cria

sombras duras em seu rosto e corpo, garantindo maior dramaticidade à cena.

A grandiosidade do czar e seu braço direito erguido traz a mensagem de conotação

cultural do poder estabelecido.

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figura 37 Após ser acomodado no trono e vestido com os trajes nobres do czar, Vladimir é

coroado por Ivan. O fundo é dividido entre uma região clara de luz vermelha e escuro com a

sombra de Ivan. As velas mais uma vez aparecem para justificar a iluminação dourada. A

expressão de Vladimir é de espanto, ele experimenta pela primeira vez a sensação de se tornar

czar. Apesar de ter cedido a coroa, Ivan fica acima de Vladimir, cujo olhar assustado

evidencia o não-lugar.

A beleza pode intervir como sentido obtuso, é o caso deste fotograma, onde o sentido

óbvio, muito denso (gesto de Ivan e simplicidade inocente do jovem Vladimir), está fixado

e/ou desviado pela beleza de Basmanov.

Mais uma vez a iluminação difere nos rostos de Ivan e Vladimir. Ivan tem uma

sombra profunda no olho e Vladimir recebe uma luz mais equilibrada entre os dois lados do

rosto, o que lhe garante sombras atenuadas e menor dramaticidade.

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figura 38 Todos, incluindo Ivan, curvam-se em reverência ao falso czar. Vladimir e os outros

seguidores estão de dourado, representando a realeza. Ivan é o único que está de preto, isso

faz parte de seu plano para evidenciar Vladimir e ocultar-se. Mais uma vez as velas estão

presentes no enquadramento para justificar a iluminação da cena, toda em cores quentes.

Além da iluminação em seu rosto Ivan recebe uma luz sobre seu manto, o que permite

que vejamos detalhes no preto e que cria uma sombra do personagem na escada. Isso

demonstra que mesmo nos planos mais abertos, em que o rosto de Ivan não é visto com mais

detalhes, Tissé fornece-lhe uma sombra para enfatizar sua dramaticidade.

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figura 39 No plano contre-plongée vemos Vladimir no trono com o cetro e a coroa. Podemos

comparar o czar com a figura divina no afresco do teto. É importante notar que as figuras de

Vladimir e do afresco, apesar de unidas, encontram-se em diagonais opostas, assinalando que

apesar de sua intenção de tornar-se czar, Vladimir segue movimento oposto, o que indica o

sentido óbvio do plano.

Aqui, mais um exemplo da iluminação pontual feita por Tissé, resultando em regiões

claras (Vladimir) e escuras (fundo), que evidencia a figura de Vladimir. As velas novamente

estão em quadro. Este plano, mais fechado que o anterior, tem a função de mostrar a reação de

Vladimir aos acontecimentos: sorri e parece gostar de sua nova posição.

Ao contrário dos planos anteriores, em que recebe uma luz mais difusa, agora que está

sentado no trono, Vladimir é iluminado por uma luz mais dura. Entretanto o contraste em seu

rosto é atenuado por uma luz de preenchimento do lado esquerdo, tornado o contraste em seu

rosto menor do que o contraste no rosto de Ivan quando ele ocupa a mesma posição.

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figura 40 Vladimir dorme no trono. Isso demonstra um pouco de sua personalidade aparvalhada

e de seu grau de embriaguez. Fica evidente que ele não tem as qualidades necessárias para

tornar-se um czar forte como Ivan. Mais uma vez Tissé utiliza-se do claro-escuro para

evidenciar a figura em cena.

A luz em seu rosto é mais suave do que no fotograma anterior e isso faz referência

direta com o estado do personagem: estado alerta/luz dura, sono/luz suave.

A coroa inclinada não dignifica o poder e a santidade do czar, este sentido obtuso

estrutura o filme de modo ambíguo.

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figura 41 No último fotograma Vladimir está prestes a deixar o recinto do banquete para ir à

catedral. Ele sai de um lugar claro para uma porta com fundo escuro, indicando que obscuro

também será seu futuro próximo: será confundido com o czar e será morto pelas mãos de

Pyotr. O sentido óbvio é de tragédia.

O azul claro das paredes é enfatizado pois a iluminação avermelhada incide apenas em

Vladimir e no tapete. Ele carrega uma vela não mão, justificando a iluminação de sua face e a

parte anterior do corpo, mas pela marca de luz no tapete claramente identificamos que há um

refletor do outro lado da porta responsável por essa iluminação.

Trata-se do último plano colorido da sequência, o que confere ao fotograma um

sentido obtuso de inesperado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante notar que além da busca de uma sintaxe própria para seus filmes,

Eisenstein participa do construtivismo russo, movimento estético-político iniciado a partir

de 1919. Existem certas distorções na definição do “construtivismo”. A primeira, é a que

assimila o construtivismo apenas a um “estilo decorativo, geométrico, abstrato”, ou que só vê

nele a submissão a “princípios geométricos”. A segunda, relaciona o construtivismo ao

“funcionalismo” e vê nele o prenúncio do “design”. Na realidade, devemos tratar o

construtivismo como um movimento em que os artistas defendem a arte despida de aura, mais

próxima ao povo, ao alcance de todos. É a negação da arte pura, da arte como elemento

especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. Desse modo, o construtivista opera

sobre a dimensão social das práticas artísticas, o que as duas “distorções” mencionadas

ignoram ou subestimam.

A maioria dos artistas russos do período 1917-21 não ficou de fora dos acontecimentos

sociais e políticos. Analisando-se os termos debatidos entre os diferentes artistas e teóricos de

vanguarda constata-se que os critérios são menos estéticos, intra-artísticos, do que sociais, já

que a arte atribui a si mesmo uma tarefa de “organizar a vida” e não de decorá-la. A arte,

instrumento de transformação social, parte da reconstrução do modo de vida, da

“revolucionarização” da consciência do povo.

Os construtivistas declaram fora-da-lei a arte elitista e seus pregadores. O escritor e

crítico literário russo Osip Brik (1888-1945) pergunta: “O que um sapateiro fabrica? Sapatos. E

um artista? Nada” (BRIK in ALBERA, 2002, p.171). O fotógrafo Aleksandr Ródtchenko

(1891-1956) diz: “Abaixo a arte, brilhante desperdício em meio à vida desprovida de sentido

das pessoas bem de vida. Abaixo a arte, meio de escapar de uma vida desprovida de sentido.

Abaixo os monastérios, as instituições, os ateliês, os gabinetes de trabalho e as ilhas!”

(RÓDTCHENKO in ALBERA, 2002, p.171).

A vontade de tirar a arte de seu isolamento, de torná-la “parte integrante da vida”, de

eliminar a camada social dos artistas, faz com que esse grupo mergulhe no espaço social, na

produção de objetos do cotidiano, do âmbito da vida e da política. Assim foi Eisenstein com

seus filmes, principalmente no início da carreira, enquanto o movimento construtivista

permanecia ativo.

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O cinema é bastante propício à aplicação e à experimentação das teses construtivistas:

meio oriundo da técnica e da indústria, que está em relação direta com a realidade – seu

material é o mundo – e dirige-se efetivamente ao destinatário de massa, o povo.

Além disso, por ser uma produção que depende do trabalho de equipe, o cinema,

segundo Eisenstein, é feito por trabalhadores. Isso evita a exaltação da celebridade de cada um

e os insere em uma classe, cujo trabalho é necessário para o funcionamento da sociedade

socialista. Esse pensamento está perfeitamente de acordo com a proposta construtivista.

Acusado pelo cineasta russo Dziga Vertov (1896-1954) de ter feito um filme artístico, no

sentido da encenação, Eisentein responde em “Sobre a questão da abordagem materialista da

forma”, que “A Greve não pretende afastar-se da arte, e aí está sua força” (EISENSTEIN, 1925,

p. 5).

As construções cênicas dos filmes A Greve e O Encouraçado Potemkin são claramente

construtivistas. A organização plástica linear reivindicada por Ródtchenko e seus amigos, que

pretendiam educar o povo analfabeto através das imagens, também está presente nas duas

obras.

Ao passar do teatro ao cinema, Eisenstein conserva vários traços de seu trabalho anterior. A encenação excêntrica, o recurso à máscara, a utilização de cenários reais, a referência à máquina, o lugar e valor dos objetos, tudo isso nutre A Greve. Por outro lado, a organização da imagem aparenta-se bastante com construções de artistas construtivistas e com o linearismo de Ródtchenko (ALBERA, 2002, p. 244).

Eisenstein e Ródchenko influenciaram-se mutuamente, o que fica patente na foto Steps

(figura 42), feita por este último em 1929. A imagem assemelha-se muito aos planos da

escadaria de Odessa presentes em O Encouraçado Potemkin, de 1925.

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figura 42

Nas escolhas plásticas também há vinculação de Eisenstein ao procedimento

construtivista. A imagens sempre partem de figuras geométricas: círculo, quadrado, retângulo,

diagonal, triângulo, organizadas no plano da tela. Tais figuras criam relações de oposição ou

contraste (alto/baixo, frente/atrás, esquerda/direita, etc), e jamais continuidade.

Mas sobretudo deve-se observar o que Eisenstein conserva como elemento dominante:

em cada quadro ele isola uma figura plástica estruturante – horizontal, vertical, arco, círculo – e

define um tipo de oposição entre os planos no interior do quadro – primeiro plano e plano de

fundo.

A partir de 1934 a única forma de arte admitida na URSS passa a ser o realismo

socialista. Todas as outras tendências artísticas durante o Stalinismo são

consideradas formalistas, isto é, voltadas à ênfase da forma sobre o conteúdo ou significado.

O realismo socialista é o estilo artístico oficial da União Soviética entre as décadas

de 1930 e 1960. Trata-se, na prática, de uma política de Estado para a estética e impede a

continuidade das manifestações de vanguarda. Muitos artistas deixam a URSS e Eisenstein

tem problemas com a censura, como em Ivan, o Terrível – Parte II.

Pesquisador incansável, enfrentou tensões para conciliar as exigências partidárias, na abordagem de conteúdos político-sociais, com suas experiências vanguardistas

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em torno de uma “dramaturgia da forma do filme”, que iria caracterizar o processo fragmentário da “montagem intelectual”, em filmes como O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1928). Para os ideólogos do regime soviético, na fase stalinista, a composição artística deveria estar voltada para uma recepção imediata dos significados da obra, no que passaria a ser conhecido como realismo socialista (FREITAS, 2011, p. 27).

A crueldade também é um fator fundamental nos filmes e na vida de Eisenstein. Ele

sempre lembrava-se do pânico sofrido quando sua mãe negou que ele era seu filho e de seu pai,

que sempre o perseguia.

Ivan, o Terrível foi o trabalho mais complicado sobre o tema da crueldade, entretanto

o tema é comum em todos os seus filmes. Em A Greve trabalhadores são mortos como bois e

crianças são jogadas do telhado. Em O Encouraçado Potemkin crianças e adultos são

massacrados na escadaria de Odessa. Existe uma clara cena de barbárie eno filme Cavaleiros

de Ferro (1938) em que homens e mulheres são lançados ao fogo. Ivan, o Terrível contém

inúmeras cenas de pessoas sendo apunhaladas e envenenadas.

Na análise dos fotogramas, leitura de sentidos, podemos verificar que em A Greve,

apesar de ainda não dispor da lente 28mm, Eisenstein cria a profundidade na imagem através

do uso de diagonais e do claro/escuro. Um recurso que norteia o enquadramento é a clássica

regra dos terços. Além disso, a multiplicidade de posições de câmera dá o dinamismo

necessário à cena de perseguição. O sentido óbvio apresentado pela maioria dos fotogramas

apontam para a disparidade de forças entre policiais e operários.

Na sequência analisada de O Encouraçado Potemkin, Eisentein e Tissé utilizam as

diagonais e a iluminação para garantir profundidade ao quadro e volume aos objetos filmados.

Como na sequência analisada em A Greve, há vários posicionamentos de câmera, o que através

da montagem confere dinamismo e alongamento do tempo à cena. Vale notar que há uma

coerência no ângulo da luz principal em todos os fotogramas analisados, garantindo uma

continuidade na fotografia. Nota-se apenas um preenchimento de luz maior nos planos de

detalhe do que nos planos gerais, o que é perfeitamente aceitável em cinematografia. Sobre o

sentido óbvio podemos dizer que refere-se principalmente ao conflito, mas também à

disparidade de forças entre policiais e o povo, bem como a dor do massacre.

Sobre a fotografia de Ivan, O Terrível – Parte II podemos dizer que lembra a dos

filmes expressionistas: luz recortada, grandes sombras projetadas sobre o fundo. A iluminação

feita por Tissé é uma das mais elaboradas dos filmes de Eisenstein. Obedece ao esquema de

iluminação de três pontos, com a presença de luz principal, contra-luz e luz de preenchimento.

Na sequência analisada, a luz principal é lateral e vem de baixo, o que cria sombras alongadas e

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garante o volume nos rostos dos personagens. Além disso, a angulação de luz e a dureza das

sombras enfatizam a expressão de crueldade no rosto do czar. Para destacar a figura de Ivan,

Tissé sempre direciona um foco de luz sobre ele. O resto da cena sempre apresenta uma

intensidade de luz inferior à de Ivan, o que lhe dá mais destaque. Os rostos das personagens,

excetuando Ivan, são iluminados frontalmente, neles não se vê nenhuma sombra.

Sobre a cor, podemos dizer que exerce três ações sobre o receptor da imagem: a de

impressionar, a de expressar e a de construir. A cor é vista, ou seja, impressiona nossa retina,

trabalha diretamente no campo ótico-sensível. Ela é sentida, portanto nos expressa emoções,

provoca diretamente o nosso campo psíquico. E é construtiva, porque, tendo um significado

próprio, carrega um símbolo cultural e a capacidade de construir uma linguagem que

comunique uma ideia na direção do sentido óbvio.

Eisenstein considera que existem relações entre cor e significado. Em determinada

situação a cor estaria ligada à imagem resultante, como todos os elementos que dela fazem

parte. Dessa forma, a relação cor/significado depende do contexto. Sendo dependente do

contexto, o valor histórico e cultural também é determinante entre a cor e o simbolismo que

apresenta.

Nesta sequência, os tons predominantes de vermelho e dourado vêm de dois

contextos: o da época de Ivan e o da época em que o filme foi feito. No primeiro caso,

remetem aos tons predominantes na pintura da época de Ivan (século XVI). No segundo caso,

o vermelho remete à cor revolucionária. Há ainda um significado do vermelho ligado ao

roteiro do filme, ele prenuncia o derramamento de sangue que ocorrerá com o assassinato de

Vladimir no final da sequência. O dourado remete à realeza, ao dinheiro e à luta pelo poder,

sentidos óbvios da sequência.

Após a análise dos filmes alguns conceitos podem ser associados ao estilo da parceria

Eisenstein-Tissé, são eles: expressividade, ênfase, conflito, revolução (tanto ideológica quanto

formal), composição em profundidade (pelo foco ou pelo claro-escuro). Tais conceitos

caracterizam o que podemos chamar de fotografia do conflito. Os aspectos informativos e

simbólicos dos filmes criados por esta dupla se alinham à visão construtivista de “operários” do

cinema. E o aspecto da significância é articulado pela dimensão poética e “fílmica” da

genialidade Eisenstein-Tissé.

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REFERÊNCIAS

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FILMOGRAFIA

A Greve. Direção: Sergei Eisenstein. Fotografia Eduard Tissé. Moscou: Goskino, 1924 [produção]. Distribuidora: VTO Continental, 1 DVD (82 min), preto e branco. Título original: Statchka. O Encouraçado Potemkin. Direção: Sergei Eisenstein. Fotografia Eduard Tissé. Moscou: Goskino, 1925 [produção]. Distribuidora: Continental Home Video, 1 DVD (75 min), preto e branco. Título original: Bronienosets Potemkin.

Ivan, o Terrível – Parte II. Direção: Sergei Eisenstein. Fotografia Eduard Tissé. Moscou: Alma Ata Studio, 1958 [primeira exibição]. Distribuidora: Continental, 1 DVD (103 min), preto e branco/cor. Título original: Ivan Grozny.

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ANEXO

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