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1 UMA PROVÍNCIA AO NORTE DO IMPÉRIO: A ECONOMIA DA PARAHYBA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX Matheus Silveira Guimarães (UFPB) Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir a situação econômica da capitania/província da Parahyba do Norte na primeira metade do século XIX. Junto ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (PPGH-UFPB) estamos desenvolvendo pesquisa que busca compreender as experiências de vida dos africanos na dita capitania/província. Uma das várias experiências vividas por essas pessoas era o trabalho. Os africanos foram transferidos para as Américas para servirem como mão de obra. Assim, compreender a situação econômica é fundamental para identificar as condições da entrada de pessoas escravizadas vindas da África. Para alcançar nosso objetivo, utilizaremos os documentos oficiais produzidos pelos governadores da capitania e presidente de província, as notas e documentos transcritos por Irineu Pinto em sua obra Datas e notas para a história da Paraíba e os inventários da cidade da Parahyba do Norte no recorte proposto. Palavras-chave: Economia; Parahyba; Século XIX. Abstract: This paper discusses the economic situation of captaincy/province of Parahyba do Norte in the first half of 19 th century. We are developing research about the life experiences of Africans in the Parahyba do Norte. One of several experiences was labor. The Africans were transferred to the Americas for serve workforce. Thus, to understand the economic situation is fundamental for identify the conditions of input of Africans slaves. To

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UMA PROVÍNCIA AO NORTE DO IMPÉRIO: A ECONOMIA

DA PARAHYBA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Matheus Silveira Guimarães (UFPB)

Resumo:

O objetivo deste trabalho é discutir a situação econômica da capitania/província da

Parahyba do Norte na primeira metade do século XIX. Junto ao Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (PPGH-UFPB) estamos

desenvolvendo pesquisa que busca compreender as experiências de vida dos africanos na

dita capitania/província. Uma das várias experiências vividas por essas pessoas era o

trabalho. Os africanos foram transferidos para as Américas para servirem como mão de

obra. Assim, compreender a situação econômica é fundamental para identificar as

condições da entrada de pessoas escravizadas vindas da África. Para alcançar nosso

objetivo, utilizaremos os documentos oficiais produzidos pelos governadores da capitania

e presidente de província, as notas e documentos transcritos por Irineu Pinto em sua obra

Datas e notas para a história da Paraíba e os inventários da cidade da Parahyba do

Norte no recorte proposto.

Palavras-chave: Economia; Parahyba; Século XIX.

Abstract:

This paper discusses the economic situation of captaincy/province of Parahyba do Norte

in the first half of 19th century. We are developing research about the life experiences of

Africans in the Parahyba do Norte. One of several experiences was labor. The Africans

were transferred to the Americas for serve workforce. Thus, to understand the economic

situation is fundamental for identify the conditions of input of Africans slaves. To

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achieve our goal, we use the officials documents produced by captaincy governor and

provincial presidents, the notes and transcript documents of Irineu Pinto (Datas e notas

para a história da Paraíba) and inventories post-mortem of Parahyba do Norte city.

Key words: economy; Parahyba; 19th century.

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Introdução

A experiência escravista foi a marca mais forte da formação histórica do Brasil.

Entretanto, apesar de características comuns em todo o território brasileiro, não

podemos pensá-la como homogênea. Em algumas regiões, o escravismo formulou-se

com traços distintos. O fator econômico é fundamental para a compreensão dessas

características. Afinal, mesmo a escravidão assumindo um aspecto cultural, político e

social, seu principal objetivo era econômico.

A historiografia sobre a escravidão na Parahyba1 tem demonstrado isso.

Recentes estudos apontam para uma tendência entre os proprietários de escravos da

referida província em incentivar a reprodução natural entre seus escravizados2. A

situação econômica da Parahyba por todo o século XIX não permitia uma relação

intensa desta com a África por intermédio do comércio atlântico de pessoas. Dessa

maneira, era mais viável economicamente a reprodução do sistema escravista por vias

internas.

Contudo, mesmo essa possibilidade sendo concreta, é perceptível na

documentação a presença da população africana. Logo, havia uma demanda dos

proprietários da Parahyba pela mão de obra dos africanos. O objetivo deste trabalho

consiste em apresentar um panorama econômico da Parahyba na primeira metade do

século XIX. Com isso, tentaremos compreender quais os principais motivos que

levavam a elite econômica dessa província a inserir-se no mercado atlântico. Este

trabalho é resultado da pesquisa e reflexões desenvolvidas no mestrado de história do

Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba (PPGH-

UFPB), que tem como intuito identificar as experiências dos africanos escravizados na

referida província na primeira metade do século XIX.

1 Até o século XIX, a grafia do nome da província variou bastante. Na documentação identificamos os

seguintes termos: “Parayba”, “Parahiba”, “Paraíba” etc. Utilizaremos “Parahyba” por ser a mais comum,

ao nosso ver. 2 Alguns desses estudos são Rocha (2009), Lima (2008) e Silva (2010).

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Este trabalho será dividido em três partes. A primeira está voltada para o final do

século XVIII. Durante mais de quatro décadas a então capitania da Parahyba esteve

subordinada econômica e politicamente a sua vizinha Pernambuco. Este fato é

fundamental para compreendermos em que estado encontrava-se a Parahyba na virada

para o século XIX e como a capitania/província se portou na primeira metade do

oitocentos.

Na segunda parte apresentaremos um quadro geral da Parahyba na primeira

metade do século XIX. A partir dos dados econômicos referentes às importações e

exportações, além das receitas e despesas, pretendemos compreender a situação

econômica da Parahyba. Este período foi marcado por muitas transformações, inclusive,

no que diz respeito ao mercado atlântico de africanos.

Por fim, a partir da análise de inventários, traçaremos um quadro dos

proprietários que compunham a elite econômica da capitania/província. Dessa maneira,

poderemos pensar algumas questões como quais eram as principais características da

propriedade escrava na Parahyba (tamanho, distribuição etc), quais os principais

senhores de escravos e as atividades econômicas a qual a terra estava reservada. Nesta

parte, focaremos na região da Capital da capitania/província, também chamada

Parahyba do Norte.

As principais fontes utilizadas para a construção dessa análise foram os mapas

econômicos da Parahyba apresentados pelos governadores ao Conselho Ultramarino

entre os anos de 1798 e 1805, digitalizada pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco.

Além desses, os relatórios de Presidente de Província entre os anos de 1837 e 1850

também contêm informações relevantes para o nosso objetivo. Também utilizamos as

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informações registradas e os documentos transcritos por Irineu Ferreira Pinto em sua

obra Datas e Notas para a História da Paraíba (1908)3.

A Parahyba do século XVIII

O início do setecentos não foi propício para a Parahyba. Desde meados do

século anterior, a capitania vivia um período sucessivo de crises econômicas que

dificultaram o seu crescimento. Em 1654, as guerras de Restauração contra os

holandeses destruíram a produção açucareira. Até então, a capitania possuía vinte

engenhos em atividade. Após a expulsão holandesa, esse número cai para nove, devido

à queima destes promovida na guerra (OLIVEIRA, 2007, p. 83).

A situação era pior por dois motivos: a economia mundial encontrava-se também

em crise no século XVII e fenômenos climáticos como secas e enchentes não

permitiram a reestruturação produtiva da Parahyba4. Apesar de a partir de 1690 o

mercado mundial voltar a se reaquecer, as capitanias do Norte continuaram em uma

situação limitada economicamente. As primeiras décadas do século XVIII apresentaram

relativa melhora, principalmente, para Pernambuco e Bahia, mas a partir de 1730, os

números voltam a cair (GALLOWAY, 1974). A Paraíba foi uma das mais afetadas por

essas condições.

Gustavo Lopes (2008) defende que uma das principais estratégias utilizadas pela

elite econômica de Pernambuco para se recuperar economicamente desse cenário de

crise foi a articulação com o comércio atlântico de escravos. Acreditamos que essa ideia

3 Irineu Pinto foi um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP),

assumindo o cargo de bibliotecário. Uma das primeiras obras da historiografia paraibana, Datas e Notas

para a História da Paraíba (1908) foi uma compilação de documentos feita pelo autor. Como muitos

desses documentos não foram preservados, essa obra assume uma importância fundamental para a

pesquisa histórica sobre a Paraíba. Utilizaremos a edição fac-símile publicada em 1977. 4 Um bom debate sobre a crise do século XVII e suas várias interpretações pode ser encontrado em Elliot

(2009).

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possa ser estendida para o caso da Bahia. Contudo, diferentemente dessas duas

capitanias, a Parahyba não se envolveu diretamente nessa atividade econômica.

Na década de 1710, o então governador da Parahyba, João da Maia da Gama,

que também era traficante de escravos, reclamava ao rei de ter enviado duas

embarcações para a costa africana com intuito de vender escravizados para os

proprietários da Parahyba, mas sem êxito. Estes argumentava ter dificuldades

financeiras em concretizar o negócio (MENEZES, 2005, p. 142).

A relação entre receitas e despesas da capitania não era equilibrada e

constantemente esta fechava em déficit. A situação se agravou a partir de 1723, quando

o dízimo da Alfândega da Parahyba passou a ser cobrada em Pernambuco, tendo em

vista que o porto daquela era pouco movimentado e quase todas suas importações e

exportações eram feitas por Recife. Ficou determinado que o governo de Pernambuco

repassaria um total de 20 mil cruzados anuais para a Parahyba. Esse repasse não era

feito com frequência, o que gerou vários conflitos entre as elites das duas capitanias e

aumentando as dificuldades em repor a receita da Parahyba (MENEZES, 2005). A

situação tornava-se pior tendo em vista as seguidas secas (1710-1715 e 1723-1724) e as

cheias de 1729-1730.

A partir da década de 1750, quando D. Sebastião de Carvalho e Mello, o

Marquês de Pombal, assume o poder no reinado de D. José I, uma série de reformas

políticas e econômicas com o intuito de reestruturar e fortalecer o império português são

implementadas. Em declínio, a coroa portuguesa tentou reorganizar suas relações

coloniais com o objetivo de obter novas vantagens econômicas. A Parahyba sofreu as

consequências disso.

Em consulta feita pelo Conselho Ultramarino, o então governador Luís Antônio

Lemos de Brito descreveu a situação econômica da Parahyba como calamitosa. Esse foi

o motivo que faltava para a decisão do Conselho visando racionalizar a administração e

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os ganhos econômicos na região: a anexação da Parahyba a Pernambuco foi oficializada

em 1755. Além desses aspectos, havia interesses políticos e econômicos de alguns

grupos da elite da Parahyba que visavam a anexação. Analisando o caso específico de

Mamanguape (Vila de Monte-mor), no litoral norte da capitania, José Inaldo Chaves

Júnior (2013) demonstra as relações e interesses estabelecidos pelos proprietários e

comerciantes dessa praça com Recife. A eles era mais interessante escoar a produção

pelo porto da capital de Pernambuco, pois seria mais rentável, além dos conflitos com

os proprietários e negociantes da capital da Parahyba.

A subordinação da Parahyba foi agravada a partir de 1759 com a criação da

Companhia de Comércio Pernambuco e Paraíba, uma das medidas pombalinas em

racionalizar a economia da colônia. Com esta, todas as relações comerciais

estabelecidas pelas duas capitanias deveriam ser monopolizada pela Companhia.

Inicialmente, houve um entusiasmo e incentivo por parte dos produtores da Parahyba.

Em seguida, o resultado foi negativo. Ainda carecemos de estudos mais detalhados

sobre as atividades da Companhia Parahyba, mas a historiografia clássica aponta para

um prejuízo para esta capitania das ações implementadas pela Companhia de

Comércio5.

Mais de quatro décadas após a decisão oficial do Conselho Ultramarino em

anexar a Parahyba, é enviado para a capitania Fernando Delgado Freire de Castilho.

Foi-lhe recomendado pela rainha D. Maria I a avaliação da anexação da Parahyba. Para

ele, não havia nenhum ponto positivo nessa situação. A Parahyba possuía um grande

potencial econômico, contudo, este estava sendo limitado devido à condição de

subordinada. A agricultara estava atrasada, o algodão sendo produzido em baixa, falta

5 Não vamos nos adentrar a esse debate, mas recomendamos a leitura dos seguintes textos para

compreender a visão da historiografia da Paraíba sobre a Companhia de Comércio: Maximiano Machado

(1977, p. 448), Almeida (1978, vol. II, p. 73), Celso Mariz (1978, p. 12), Elza Régis de Oliveira (2007, p.

111-113) e José Octávio Mello (2008, p. 83).

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de escravos etc. A melhor atitude a se tomar diante disso seria o fim da subordinação

(A.H.U., D. 2473, 1799)6.

Em 1799, a Parahyba tornou-se autônoma de Pernambuco. Economicamente,

porém, sua situação continuou sendo de relativa dependência do porto e do comércio de

sua vizinha, como veremos adiante. Em linhas gerais, assim, podemos traçar o seguinte

quadro da capitania da Parahyba no decorrer do século XVIII: crises sucessivas por toda

a primeira metade do século, seguida pela situação de anexação a Pernambuco. O

quadro era de constante déficit das receitas em relação às despesas. A produção

canavieira permaneceu sendo a produção mais importante da capitania, contudo, desde

meados do século XVII, a pecuária se desenvolvia com o processo de interiorização do

território. O algodão ainda não despontava como principal atividade, sendo produzida

ainda em pequena escala. Ao final do século, sua produção aumentou

consideravelmente devido às novas demandas do mercado internacional. A virada do

século XVIII para o XIX apresentou algumas mudanças nesse quadro.

A Parahyba da primeira metade do século XIX

A historiografia da Paraíba por muito tempo insistiu em uma visão

desesperadora da capitania nos primeiros anos após a anexação. Nas palavras de

Horácio de Almeida, a Parahyba estava com

Fontes de renda esgotadas. Engenhos desprovidos de safra e

escravos. Aparelhamentos fabris estragados. Produtos agrícolas sem

preço no mercado. Comércio inexistente. Os negociantes da praça não

passavam de meros agentes do comércio do Recife e nesta qualidade

oprimiam o povo (ALMEIDA, 1978, vol. II, p. 87).

6 A transcrição deste documento também pode ser encontrada em Irineu Pinto (1977, Vol. II, p.205-213)

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Essa leitura poderia ser reforçada se levássemos em consideração o pedido feito

pelos proprietários e negociantes da Parahyba em 1806, requisitando graça ao Rei sobre

os impostos de escravos importados da África para a Capitania. Isso era feito sob o

argumento de que a seca ocorrida no ano anterior teria deixado “em total ruína os

habitantes destes sertões, pela mortandade dos gados, que jamais podião existir pela

falta de pastos, e os engenhos ficarão igualmente destruídos na sua escravatura” (A.H.U,

1806, D. 3345).

Sem dúvida, as secas ocorridas na primeira década do século XIX interferiram

na produção e comércio da capitania apresentando importantes baixas. Contudo, em

linhas gerais, a situação econômica da Parahyba não era tão calamitosa. Vejamos.

Desde o final do século XVIII, a situação de dependência em relação a

Pernambuco não era absoluta. A Parahyba manteve relações comerciais com suas

vizinhas como Ceará e Rio Grande, não ficando refém apenas do porto do Recife

(PAIVA, 2009). Nesse período, houve um maior incentivo e desenvolvimento agrícola

no Brasil, o que Caio Prado Júnior (2006) denominou de “Renascimento da

agricultura”.

Aliado a isso, o surgimento da Revolução Industrial na Inglaterra, que nos

primeiros anos do século XIX lentamente expandia-se pela Europa e as revoluções do

Haiti e Francesa (seguida pelas guerras napoleônicas) reorganizaram a economia

mundial, demandando a produção de algodão, açúcar e café do Brasil (MARQUESE,

TOMICH, 2009). A Parahyba não foi a principal beneficiada desse movimento na

economia, mas também não esteve isolada desse processo.

O açúcar e pecuária cresceram em produção. O algodão, por sua vez, tornou-se o

principal produto da capitania (MARIZ, 1978). Contudo, essas atividades econômicas

continuaram operando com bastante rusticidade, característica que se estendeu por todo

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o século XIX7. A extração de madeiras despontou como importante atividade voltada

para a exportação e conectou os mercados de Portugal com a Parahyba. Todas essas

mudanças foram expressas em números.

As receitas da Parahyba passaram a apresentar-se sempre positivamente, como

sugere a tabela a seguir:

Tabela 1 – Receitas e despesas da Capitania da Paraíba (1795-1805)

Ano Receita Despesa Sobras do ano

anterior

Saldo total

1795 16:110$977 13:968$838 ------ + 2:142$139

1796 24:009$725 20:151$372 + 2:142$139 + 6:000$492

1797 17:448$735 16:933$302 + 6:000$492 + 6:515$9258

1798 ---- ---- ----- + 2:969$204

1799 18:331$352 18:383$555 + 2:969$204 + 3:021$407

1800 25:118$402 21:739$879 + 3:021$407 + 6:399$930

1801 25:195$788 23:388$484 + 6:399$930 + 8:206$904

1802 22:592$858 29:018$927 + 8:206$904 + 1:780$835

1803 25:838$971 24:265$606 +1:780$835 + 3:354$200

1804 19:597$641 21:666$484 + 3:354$200 + 1:285$357

1805 25:785$750 20:330$243 + 1:285$357 + 6:740$864

Fontes: A.H.U., D.2473; D.2490;D.2575; D.2673; D.2744; D.2807; D.2989; D.3200; D.3314.

Temos, assim, um aumento constante do saldo da capitania nos primeiros anos

após o fim da anexação. Uma queda nesse quadro só ocorre em 1802, 1803 e 1804

7 Fernando Delgado de Castilho ao descrever as condições econômicas da Parahyba atenta para essa

questão (A.H.U, D. 2178, 1787). É frequente nos relatórios dos Presidentes de Província a queixa sobre

essas condições. 8 As informações sobre os anos de 1795, 1796 e 1797 foram apresentadas por Fernando Delgado de

Castilho em anexo ao relatório já citado enviado à Lisboa em que ele analisa a situação da capitania da

Paraíba quando assumiu. Neste o governador apresenta apenas as receitas e despesas, sem o cálculo dos

saldos, apontando no final o saldo geral dos três anos que foi de 6:515$925. Os demais cálculos foram

feitos por mim. Cf. A.H.U., D. 2473, 1799. O saldo total de cada ano refere-se ao cálculo do saldo anual

mais o saldo que sobrou do ano anterior.

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devido aos problemas causados pela seca. Contudo, logo após o fim da seca, as receitas

da capitania voltam a apresentar números equiparados aos anteriores. Ademais, vale

destacar que, apesar das dificuldades encontradas com o fenômeno da seca e da queda

dos rendimentos, a Parahyba não apresentou resultados negativos.

Esse quadro positivo mantém-se nas décadas seguintes. Não temos dados

objetivos como os apresentados pelos governadores entre os anos de 1795 e 1805,

contudo, a historiografia e outras fontes nos dão elementos para identificar a situação

econômica da Parahyba entre 1806 e 1837, que não apresentou foi das mais

desesperadoras.

A década de 1810 foi marcada pela abertura dos portos brasileiros ao mercado

internacional, não se restringindo apenas a Portugal. Isso representou um aumento

significativo nos números de importações e exportações do Brasil. Esse período, porém,

apresentou quedas constantes nos preços do açúcar e algodão, interferindo na economia

do Brasil (PRADO JÚNIOR, 2006; PINTO, 1988).

Na Parahyba, esse período teve como principais características o fortalecimento

da produção algodoeira, que crescia desde o final do XVIII. Para Horácio de Almeida, a

década de 1810 também é positiva, pois com a abertura dos portos, instalou-se na

capitania o negociante inglês Mac Klakan que movimentou o mercado da Parahyba

exportando açúcar, algodão, couro, madeira etc (ALMEIDA, 1978, p. 89).

Em três décadas, a Parahyba sofreu apenas com duas secas: 1825 e 1838, que

interferiram na produção. Não identificamos nenhuma enchente que tivesse

comprometido as margens do rio Paraíba. Desta feita, nada nos leva a crer que houve

uma mudança radical na economia da Parahyba no período referido. As únicas

oscilações que poderiam interferir estavam ligadas ao mercado externo que, na década

de 1820, não foi favorável.

Os números positivos do início do século, aliados ao quadro também positivo do

final da década de 1830, nos leva a acreditar que não houve uma mudança muito radical

na economia da Parahyba entre 1806 e 1836. A partir de 1837, os Relatórios de

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Presidente de Províncias trazem-nos dados sobre os rendimentos da província. De

acordo com os números dos Presidentes:

Tabela 2 – Receitas e despesas da Província da Paraíba (1837 – 1850)

Ano Receitas Despesas Saldo

1837 96:892$000 86:146$000 + 10:746$000

1838 --- --- + 18:952$892

1839 135:995$132 112:188$298 + 23:806$936

1841 146:776$251 144:326$612 + 2:449$639

1842 157:660$980 116:670$375 + 40:990$605

1843 143:956$207 121:162$623 + 22:793$584

1844 114:912$585 94:016$974 + 20:895$611

1845 158:400$294 105:881$937 + 52:518$357

1846 177:143$209 162:699$792 + 14:443$792

1847 157:972$593 130:598$721 + 27:373$887

1848 195:884$304 146:843$706 + 49:035$798

Fontes: Relatórios de Presidente de Província da Paraíba entre 1837 e 1850.

Esses números, como os demais aqui discutidos, são apenas aproximações e não

podem ser levados em conta de maneira absoluta. Sabemos que os cálculos feitos

possuíam falhas, além de que boa parte da produção da província continuava saindo

pelo porto de Recife. Contudo, mesmo com as ressalvas, os dados apresentados podem

nos ajudar a pensar a economia da Parahyba no final da primeira metade do XIX.

O que podemos observar é uma situação crescente nas rendas na Parahyba até

1840, ano de seca na província, que apresentou uma queda abrupta em seus

rendimentos. Em 1843 e 1844, outra seca afetou a referida província, contudo, ao que

parece, não impactou diretamente nas rendas. Da mesma maneira como ocorreu no

início do século XIX, a Parahyba manteve-se com saldo sempre positivo, apesar das

oscilações.

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As exportações também se apresentaram superiores às importações, culminando

em anos de superávit entre 1837 e 1850. Com o gráfico a seguir, podemos identificar

melhor a relação importação/exportação da Parahyba.

Gráfico 3 – Exportações e Importação da Província da Paraíba (1836-1849)

Fontes: Relatórios de Presidente de Província da Paraíba dos anos de 1837 a 1850; Pinto (1977, vol. 2).

Com exceção do ano de 1845, as importações foram sempre inferiores às

exportações. Ou seja, a Parahyba durante décadas, vendeu mais do que comprou,

deixando sua balança comercial sempre favorável. Isso está expresso também nas

receitas e despesas que já discutimos anteriormente.

Dessa maneira, a Parahyba encontrava-se na primeira metade do século XIX em

uma situação positiva. Claro que, se a compararmos às regiões como Pernambuco,

Bahia e Rio de Janeiro, há uma desproporção muito grande das atividades produtivas.

Contudo, dentro de suas especificidades e limites, o quadro econômico da Parahyba no

início dos oitocentos era favorável aos produtores. Se havia aumento na produção, a

demanda por mão-de-obra escrava crescia. No próximo tópico, abordaremos a

propriedade escrava na Parahyba e a demanda pelos escravizados africanos.

0

200,000

400,000

600,000

800,000

1,000,000

1,200,000

1,400,000

1836183718381839184018411842184318441845184618471849

Exportação

Importação

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A posse escrava na Parahyba oitocentista

Fundada em 1585, a cidade da Parahyba do Norte9 teve como principal e inicial

objetivo a produção canavieira, sendo uma extensão da zona produtiva de Pernambuco,

um das mais bem sucedidas do Brasil do século XVI. Instalada às margens do rio de

mesmo nome, a Parahyba logo passou a ser uma área econômica importante para o

mercado do açúcar, sendo invadida no século XVII pelos holandeses10.

Com o decorrer do tempo, a cidade foi ampliando-se e diversificando sua

produção, permanecendo como prioritária, porém, a produção canavieira. Não vamos

adentrar nos detalhes da descrição da cidade no período analisado. Conseguimos

constatar, entretanto, que a capital da Parahyba permanecia, até a metade do século

XIX, em uma situação de pouca urbanização e modernização. De acordo com os

estudos de Irene Rodrigues Fernandes e Laura Helena Amorim (1980), a cidade da

Parahyba estava, em meados dos oitocentos, com

Uma rede urbana carente de meios de comunicação eficientes; ruas sem

possuírem um traçado regular que lhes desse uma feição de cidade; falta

de cuidados no que tange à saúde pública em relação ao escoamento de

matérias pútridas; e assim, sucessivamente, podemos enumerar muitos

outros aspectos. Continuava carente de estradas que a comunicasse com

as áreas vizinhas. O porto continuava relegado a segundo plano,

necessitando de uma reforma radical – tanto o cais do Varadouro,

quanto o de Cabedelo. Já em 1818 era aquele quais, ridicularizado pelo

engenheiro Francisco da Silva Retumba que o classificava de ‘pequeno

parapeito arruinado e dentre em pouco caindo aos pedaços’

(FERNANDES; AMORIM, 1980, p.176).

9 A cidade da Parahyba teve vários nomes em sua história. Foi fundada com o nome de Nossa Senhora

das Neves. Após a União Ibérica, tornou-se Filipéia e sob o domínio holandês mudou para Frederica,

retomando o nome inicial após a expulsão dos neerlandeses. A partir do século XVIII comumente foi

chamada de Parahyba do Norte. Este nome permaneceu até 1930, quando passou a ser denominada de

João Pessoa. Almeida (1978) traz uma discussão sobre a fundação da cidade e de suas várias

denominações. 10 Sobre o processo de conquista e colonização da Parahyba, sugerimos a leitura de Gonçalves (2007).

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Essa mesma situação foi encontrada por viajantes como Henry Koster que, em

1810, visitou a cidade. Para o inglês, a capital da capitania era ainda uma cidade

pequena e com uma arquitetura modesta. Em suas palavras, a cidade da Parahyba do

Norte encontrava-se na seguinte situação:

A cidade da Paraíba (lugares de menos população nesse nosso País

gozam deste predicamento) tem aproximadamente dois a três mil

habitantes, compreendendo a parte baixa. Há vários indícios de que fora

mais importante que atualmente. Trabalham para embelezá-la, mas o

pouco que se realiza é à custa do Governo, ou melhor, por querer o

Governador deixar uma boa lembrança de sua administração. A

principal rua é pavimentada com grandes pedras, mas deveria ser

reparada. As residências têm geralmente um andar, servindo o térreo

para loja. Algumas delas possuem janelas com vidros, melhoramento há

pouco tempo introduzido no Recife (KOSTER, 2003, p. 94-95).

Ou seja, diante desses relatos, podemos acreditar que a Parahyba não teve muitas

mudanças na sua urbanização durante quase todo o século XIX. A cidade encontrava-se

em uma situação de pouca densidade demográfica (sobretudo, se relacionadas a outras

regiões como Recife), poucas ruas pavimentadas, arquitetura modesta e havia pouca

distinção entre o que poderíamos chamar de rural e urbano.

Assim, até o presente momento deste texto, temos as seguintes informações: a

capitania/província da Parahyba na virada do século XVIII para o XIX apresentou

melhoras na sua condição econômica, mas continuou operando abaixo do que em

relação a outras regiões como Pernambuco; sua capital era uma cidade pouco

urbanizada que vivia muito próxima do ambiente rural; a produção canavieira era a mais

representativa na região litorânea (incluindo a capital), dentre outras como o algodão.

Diante dessa situação, perguntamos: como se dava a posse escrava na Parahyba

oitocentista, em especial, a dos africanos?

O espaço e o tempo que temos são insuficientes para apresentarmos os detalhes

das atividades dos africanos na cidade da Parahyba do Norte. Logo, optamos por um

recorte: trabalhar com os inventários da população desta cidade. Com essa

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documentação, podemos identificar em que atividades os africanos estavam

distribuídos, como se dava a concentração da propriedade escrava, o preço dos

escravizados etc. Infelizmente, temos poucos inventários para o período estudado, cerca

de 50, dos quais 18 já foram sistematizados e apresentamos aqui. Isso se dá, sobretudo,

pela dificuldade de acesso aos acervos dos cartórios, portadores dessa documentação. A

partir dessas fontes, traçamos algumas características da sociedade escravista na

Parahyba, ressaltando que essas informações serão melhor discutidas na pesquisa mais

ampla que estamos desenvolvendo.

Entre 1800 e 1850, até o presente momento, sistematizamos 18 inventários da

cidade da Parahyba do Norte, dos quais 10 eram de mulheres e 8 de homens. A

sociedade oitocentista no Brasil era marcada pelo patriarcalismo, tendo as mulheres

menor espaço, principalmente, no que diz respeito às propriedades. Isso fica expresso

nos inventários. As grandes propriedades eram dos homens e as mulheres apresentavam

propriedade que girava em torno de três escravizados. E como estavam divididas tais

propriedades?

De acordo com os inventários pesquisados, temos o seguinte quadro:

Tabela 3 – Distribuição de escravos de acordo com os inventários (1800-1850)

Quantidade de inventários

Não possui escravos 3 (16,66%)

De 1 a 6 escravos 11 (61,11%)

Cerca de 12 escravos 2 (11,11%)

Mais de 60 escravos 2 (11,11%)

Total 18 (100%)

Fonte: Inventários do Arquivo do Cartório Monteiro da Franca

Temos, diante dessa tabela, uma maioria de pequenos proprietários de terra na

cidade da Parahyba do Norte. Mais de 60% dos inventários pesquisados aponta para a

concentração de 1 a 6 escravizados. Pouco mais de 20% continha mais de 12 escravos

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como propriedade, sendo apenas 11% os que tinham mais de 60 pessoas escravizadas,

caracterizando uma grande propriedade. Além das dificuldades em se obter

escravizados, devido às condições econômicas, o fato de ser um ambiente urbano (não

completamente rural) pode contribuir na compreensão dessa característica.

O que nos chama atenção é a quantidade de pessoas que não possuíam escravos.

Em uma sociedade escravista, a propriedade de uma pessoa escravizada era o padrão a

ser alcançado. Contudo, a Parahyba não tinha como principal característica a grande

propriedade, chegando a ter muitas pessoas sem escravos. Isso se dava porque a

capitania/província ter uma presença muito grande de pessoas livres pobres. Para se ter

uma ideia, durante a primeira metade do século XIX, calculamos uma média de 13% de

escravizados nos registros de batismo da Freguesia de Nossa Senhora das Neves, cidade

da Parahyba do Norte (GUIMARÃES, 2013).

Esse número não mudou muito em relação ao que foi apresentado por Medeiros

(1999, p. 55). Segundo a autora, a capitania da Parahyba tinha, em 1802, cerca de 20%

de pessoas escravizadas. Esse número caiu a cada década, chegando a apresentar 13%

em 1851. Com efeito, o que podemos identificar é uma redução da quantidade de

pessoas escravizadas (que já não era muito grande) na primeira metade do século XIX

na Parahyba, aumentando a proporção das pessoas livres e pobres. Tais pessoas não

poderiam ter escravos e, quando possuíam, era em pequena quantidade.

Nos 18 inventários pesquisados, constatamos a presença de 264 pessoas

escravizadas. Se pensarmos a distribuição desses escravos de acordo com sua

cor/origem, teremos os seguintes números:

Tabela 4 – Distribuição por cor/origem dos escravizados no inventários

Cor/origem

Africanos 135 (51, 13%)

Cabras 12 (4,54%)

Crioulos 69 (26,13%)

Mulatos/Pardos 26 (9,84%)

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Não Consta 22 (8,33%)

Total 264 (100%)

Fonte: Inventários do Arquivo do Cartório Monteiro da Franca

Os números demonstram uma presença maciça de africanos e crioulos como

escravizados. A economia da Parahyba, assim, tinha na população africana e seus

primeiros descendentes uma importante fonte de mão-de-obra. Contudo, esses números

não implicam dizer que a maioria dos escravizados na Parahyba era de africanos. Tal

informação precisa ser confrontada com outras fontes. Ademais, como já apontamos,

não era tão simples ter escravos na Parahyba, muito menos africanos.

Se formos analisar os preços dos escravizados nos inventários do decorrer da

primeira metade do século XIX, identificaremos muitas variações. O principal fator de

interferência nos preços era o mercado externo (principalmente, quando havia as

inseguranças diante das leis anti-tráfico). A idade e sexo também eram fatores

importantes. Quanto mais jovem ou mais velho, menor o preço. Além disso, o preço

dependia muito dos avaliadores que calculavam os bens em um inventário. Em

condições parecidas de idade, em uma mesma época, podemos ver discrepâncias entre

os preços dos escravizados de inventários distintos.

Ao calcularmos os números gerais dos preços dos africanos, temos uma média

de 256 mil réis para cada escravizado vindo da África no período estudado. A média dos

crioulos circulava em torno de 343 mil réis. Contudo, esses números não dizem muitas

coisas se analisados de maneira isolada. Se analisarmos os preços dos escravizados de

acordo com a idade, percebemos importantes variações. Os africanos adultos (entre 15 e

40 anos) tinham um valor médio de 479 mil réis. Os já idosos (mais de 40 anos)

custavam cerca de 192 mil. Não conseguimos identificar crioulos com mais de 40 anos,

porém, os adultos tinham um preço próximo da média de 439 mil réis. Era mais fácil,

em linhas gerais, comprar crioulos do que africanos, mas seus valores no mercado não

mudavam muito.

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A média de escravos por proprietários, de acordo com os inventários

pesquisados, é de 14, 66 escravos. Contudo, esse número também não nos diz muita

coisa. A concentração de escravos era muito alta na Parahyba oitocentista. Como já

demonstramos anteriormente (ver tabela 3), havia uma quantidade muito pequena de

grandes proprietários de terra. Entretanto, esses homens concentravam boa parte da

população escravizada. 211 escravos (79, 92%) estiveram sob a propriedade de apenas

dois homens: João de Mello Azedo e José Gregório da Silva Coutinho. Ou seja, cerca de

10% dos proprietários pesquisados concentravam quase 80% de todos os escravos da

cidade da Parahyba que identificamos nos inventários.

Os 135 africanos identificados estavam distribuídos, sobretudo, nas grandes

propriedades da Parahyba. Dos onze (61,11%) proprietários que possuíam entre um e

seis escravizados, cinco não tinham africanos. Os demais conseguiram comprar

africanos, mas em condições específicas. Os escravizados vindos da África que

pertenciam a Candida Rosa Boaventura, Theresa Maria de Jesus e Antonio José Nunes

de Vasconcellos possuíam idades bastante avançadas. Apenas Antonio Xavier e o

Capitão José Moreira Lima foram pequenos proprietários identificados com africanos

em idade entre 14 e 20 anos. Como já afirmamos, os valores dos escravizados africanos

mais velhos era bem menor do que os adultos em idade produtiva. A posse de poucos

escravos poderia apontar para trabalhos mais urbanos e domésticos.

Essas informações pode nos levar à conclusão de que para se obter africanos na

cidade da Parahyba era preciso ter boas condições econômicas para isso. Para as pessoas

que possuíam poucos escravos, a possibilidade de comprar africanos era reduzida. Esta

só aumentava, quando os africanos iam sendo desvalorizados devido à idade. Além do

mais, comprar escravizados vindos da África era um grande investimento. Para poder

entrar nesse mercado, era necessário ter uma atividade lucrativa que permitisse o

negócio. Como a economia da Parahyba vinha se atingindo números estáveis, muitos

senhores de engenho puderam comprar africanos. Aos pequenos proprietários, esse

investimento não era tão interessante, voltando-se para outros escravos como crioulos,

pardos e cabras.

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Considerações Finais

A capitania/província da Parahyba do Norte na primeira metade do século XIX

estava em uma situação periférica em relação aos centros econômicos do Brasil

representados por Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e, depois, São Paulo. Durante

todo esse período, a Parahyba manteve-se em uma situação de relativa dependência

econômica a Pernambuco que culminou, inclusive, na sua anexação à vizinha.

Apesar disso, a primeira metade do oitocentos foi um período positivo para a

economia da dita capitania/província. Se durante quase todo o século anterior, ela esteve

submetida a uma situação de crises sucessivas, nos primeiros anos do XIX, os dados

demonstram relativa melhora na produção, exportação e, consequentemente, nas

receitas da Parahyba. Estas, contudo, continuaram operando em números baixos em

comparação com outras regiões. Essa característica interfere na propriedade escrava e

na importação de africanos para a capitania/província.

Se nos concentrarmos no caso da capital, percebemos que a Parahyba

apresentava poucos proprietários de terras com grandes números de escravos. A maior

parte dos senhores de escravizados possuíam pequenos plantéis. Uma quantidade

considerável de pessoas não tinha escravos. Logo, essa era uma região com propriedade

escrava limitada. Os africanos, entretanto, assumiam uma importante função econômica

na referida capitania/província.

Embora fosse reduzido o número de grandes proprietários, estes concentravam

quase todos os africanos importados para a Parahyba. O crescimento econômico da

capitania/província da primeira metade do século XIX levou a uma maior demanda de

africanos que estava expressa nas grandes propriedades de produção açucareira. Os

escravizados vindos da África assumiam outras atividades produtivas, contudo, a

principal continuava sendo a exportadora. Sendo uma região com muitos pequenos

senhores, a mão de obra de africanos era algo de difícil acesso e só a atividade de

grande porte como a canavieira poderia permitir a compra de africanos.

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Antonio Xavier – 1817

Capitão Aleixo da Costa Cirne – 1825

Capitão José Moreira Lima – 1823

D. Candida Roza ____ Boaventura – 1848

D. Maria Marques da Conceição – 1848

Florencia Maria – 1825

Isabel Maria da Conceição – 1808

João de Mello Asedo - 1851

José Antonio Baptista – 1848

José Gregório da Silva Coutinho – 1818

Maria Francisca – 1826

Theresa Maria de Jesus – 1820

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