19
Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 1 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia ISSN 2178-1281 UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES ESCRAVISTAS EM GOIÁS, MINAS GERAIS, SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO NOS MOMENTOS QUE ANTECEDERAM AO FIM DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL - 1850-1888. Hamilton Afonso de Oliveira 1 RESUMO A partir da aplicação de princípios metodológicos de cunho quantitativo e qualitativo, da história social, utilizando-se de fontes documentais como inventários post-mortem, registros de matrículas de escravos, relatórios de presidentes de Província e relatos de viajantes propôs-se a reconstituir os aspectos da vida cotidiana envolvendo escravos e senhores na região sul de Goiás entre os anos de 1850 a 1888, fazendo um estudo comparativo com as províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, chegou-se a conclusão que ao contrário da região sudeste - em Goiás a relação entre senhores e escravos não foram abaladas com o limiar dos acontecimentos que culminaram com o fim da escravidão em 13 de maio de 1888. PALAVRAS-CHAVES escravidão, resistência e criminalidade. A REFLECTION ON RELATIONS SLAVE GOIAS, MINAS GERAIS, SAO PAULO AND RIO DE JANEIRO AT THAT PRECEDED THE END OF SLAVERY IN BRAZIL - 1850 TO 1888. ABSTRACT from the application of principles methodological die quantitatively and qualitatively, the social history, using-if documentary sources as inventories post- mortem inspection, records of registrations of slaves, reports of presidents of the Province and reports of travelers proposed-to reconstitute the aspects of daily life involving slaves and you in the southern region of Goias between the years 1850 to 1888, making a comparative study with the provinces of Minas Gerais, Rio de Janeiro and São Paulo, reached the conclusion that unlike the southeastern region - in Goias relationship between you and slaves were not shaken with the threshold of the events that culminated with the end of slavery in May 13, 1888. KEY-WORDS slavery, resistance and crime. Os resultados apresentados neste artigo procura retratar aspectos da vida cotidiana de escravos e senhores no sul de Goiás. Região que compreendem os atuais territórios que fazem parte as cidades de Morrinhos, Piracanjuba, Itumbiara, Caldas Novas, Marzagão, Rio Quente, Buriti Alegre, Goiatuba, Panamá, Pontalina, Mairipotaba, Cachoeira Dourada, Porteirão, Inaciolândia, Professor Jamil, Água Limpa, Cromínia, Joviânia, Aloândia, Vicentinópolis e Bom Jesus. Esses núcleos se consolidaram como municípios a partir do final do século XIX e no transcorrer do 1 Doutor em História pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho UNESP/FRANCA é professor do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás Unidade Universitária de Morrinhos-GO e da Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás.

UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES ESCRAVISTAS EM …congressohistoriajatai.org/anais2011/link 5.pdf · 2012-05-06 · já possuíam uma economia bem diversificada e com atividades

Embed Size (px)

Citation preview

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

1

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

UMA REFLEXÃO SOBRE AS RELAÇÕES ESCRAVISTAS EM GOIÁS, MINAS GERAIS, SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO NOS MOMENTOS QUE

ANTECEDERAM AO FIM DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL - 1850-1888.

Hamilton Afonso de Oliveira1

RESUMO – A partir da aplicação de princípios metodológicos de cunho quantitativo e qualitativo, da história social, utilizando-se de fontes documentais como inventários post-mortem, registros de matrículas de escravos, relatórios de presidentes de Província e relatos de viajantes propôs-se a reconstituir os aspectos da vida cotidiana envolvendo escravos e senhores na região sul de Goiás entre os anos de 1850 a 1888, fazendo um estudo comparativo com as províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, chegou-se a conclusão que – ao contrário da região sudeste - em Goiás a relação entre senhores e escravos não foram abaladas com o limiar dos acontecimentos que culminaram com o fim da escravidão em 13 de maio de 1888. PALAVRAS-CHAVES – escravidão, resistência e criminalidade. A REFLECTION ON RELATIONS SLAVE GOIAS, MINAS GERAIS, SAO PAULO AND RIO DE JANEIRO AT THAT PRECEDED THE END OF SLAVERY IN BRAZIL - 1850 TO 1888. ABSTRACT – from the application of principles methodological die quantitatively and qualitatively, the social history, using-if documentary sources as inventories post-mortem inspection, records of registrations of slaves, reports of presidents of the Province and reports of travelers proposed-to reconstitute the aspects of daily life involving slaves and you in the southern region of Goias between the years 1850 to 1888, making a comparative study with the provinces of Minas Gerais, Rio de Janeiro and São Paulo, reached the conclusion that – unlike the southeastern region - in Goias relationship between you and slaves were not shaken with the threshold of the events that culminated with the end of slavery in May 13, 1888. KEY-WORDS – slavery, resistance and crime.

Os resultados apresentados neste artigo procura retratar aspectos da vida cotidiana de escravos e senhores no sul de Goiás. Região que compreendem os atuais territórios que fazem parte as cidades de Morrinhos, Piracanjuba, Itumbiara, Caldas Novas, Marzagão, Rio Quente, Buriti Alegre, Goiatuba, Panamá, Pontalina, Mairipotaba, Cachoeira Dourada, Porteirão, Inaciolândia, Professor Jamil, Água Limpa, Cromínia, Joviânia, Aloândia, Vicentinópolis e Bom Jesus. Esses núcleos se consolidaram como municípios a partir do final do século XIX e no transcorrer do

1 Doutor em História pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP/FRANCA é

professor do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária de Morrinhos-GO e da Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

2

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

século XX. Grande parte deste território compreendia os limites espaciais durante o período, às cidades de Santa Cruz e Morrinhos.

O povoamento e colonização da região sul de Goiás se insere no mesmo contexto que culminou com a ocupação do nordeste Paulista e do Triângulo Mineiro. Ao contrário do período minerador, a ocupação desta região se deu em princípios do século XIX, em um momento em que não havia uma legislação agrária.2

Ao manusear fontes documentais como inventários post-mortem, alguns testamentos e processos crimes da região sul de Goiás, bem como, registros de casamentos a referências que estes primeiros entrantes que haviam se estabelecido na região: eram mineiros oriundos de São Francisco das Chagas, Sacramento, Piuhuim, Bagagem, Passos, Brejo Alegre, Campos Belos, Dores de Uberaba, Varginha, Formiga, Pitangui, Campanha, Tamanduá e Araxá. De acordo com as pesquisas de Laird W. Bergad, estas regiões nas primeiras décadas do século XIX, já possuíam uma economia bem diversificada e com atividades ligadas à criação de gado, agricultura, à manufatura têxtil e mineração.

Goiás por caracterizar-se por ser uma sociedade tipicamente agrária autossuficiente e voltada para o abastecimento familiar e interno, era tipicamente composta de senhores de poucos escravos, as relações sociais e de trabalho entre senhores e escravos basearam no compadrio e camaradagem. Apesar de serem escravos, as relações que se instituíram podem não terem sido muito diferente dos lavradores proprietários para com seus agregados. As relações que se fundamentavam no compadrio e na camaradagem poder ter contribuído para amenizar as relações entre senhores e escravos, possibilitando o ajustamento e a coexistência pacífica entre os dois grupos sociais.

Segundo Mattoso (2009), as probabilidades de haver relações de camaradagem e confraternização entre homens livres e cativos seriam maiores nas regiões de mineração, nos centros urbanos e nas regiões pastoris do que nos engenhos e fazendas de café. Uma das características da sociedade brasileira escravista a criança-escrava brasileira era na maioria das vezes objeto de uma dupla criação: de um lado, seus senhores e os homens livres requeriam sua afeição, porém, desejavam que ela crescesse obediente, humilde e fiel, ao mesmo tempo, era considerado por estes, como um burro de carga, o pequeno escravo estava bem mais perto da comunidade branca do que da negra. É por isso que as exigências do senhor tornavam-se mais precisas e indiscutíveis.

Segundo Alencastro (2001) após a aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871, cresceu em todo o Brasil o número de concessão de cartas de alforria, ao mesmo tempo, o movimento em prol da abolição da escravidão foi reforçado pela propagação das idéias republicanas e pela publicação de obras literárias pró-abolição. Ao mesmo tempo, percebeu-se no período o crescimento de processos crimes envolvendo escravos, sobretudo, contra os feitores e senhores, principalmente nas regiões cafeeiras de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Os relatórios dos presidentes de província, os diversos jornais de circulação da época e, mesmo obras literárias como Vítimas algozes (1869) de Joaquim Manoel

2 Resolução de 17 de junho de 1822 – “Houve SMI por bem resolver a consulta que subiu à sua augusta presença

com data de 8 de julho do ano próximo passado pela maneira seguinte: Fique o suplicante na posse das terras que

tem cultivado, e suspendão-se todas as sesmarias até convocação da Assembléia Geral Constituinte.” –

GARCIA, Paulo. Terra devolutas. Belo Horizonte: Livaria Oscar Nicolai, 1958. p.23 (Apud. LUZ, 1982, p.29)

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

3

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

de Macedo, uma coletânea de três contos antiescravistas, narrava crimes escabrosos cometidos pelos escravos contra os seus senhores, que segundo Alencastro,

enquanto que Beecher-Stone em seu livro Cabana do Pai Tomás sustentava que a escravidão era ruim porque transformava o cativo num coitadinho, Macedo, ao contrário, sustentava que a escravidão era péssima porque tornava o cativo um criminoso, um verdugo de seus senhores. De vítimas os escravos passaram a ser algozes; era preciso se desembaraçar deles, largá-los na natureza.(ALENCASTRO, 2001, p.91)

Dentre as explicações que esclarecem o crescimento da violência e

criminalidade entre os cativos, que podem ter contribuído para agravar a crise do sistema escravista pode estar associado de forma direta com o fim do tráfico internacional em 1850, que por um lado, reduziu a oferta de cativos oriundos do continente africano e provocou a elevação dos preços dos escravos no mercado interno, o que impulsionou o tráfico interprovincial.

Escravos das cidades, do Norte, Nordeste e até do Sul, passaram a ser vendidos para a zonas rurais do Centro-Sul e, sobretudo, para São Paulo. Entretanto, a maioria destes cativos era ladinos, [...] muitos fugiam e revoltavam-se na fronteira cafeeira paulista, onde o isolamento e a exploração senhorial pareciam bem mais intensos, e onde se encontravam também fazendeiros, iniciantes, com pouca ou nenhuma prática no domínio e exercício da administração escravista. (ALENCASTRO, 2001, p. 92)

Segundo Castro (2001), ao contrário do cativo recém-chegado da África, o escravo crioulo, negociado no tráfico interno, trazia toda uma bagagem de práticas costumeiras sancionadas na fazenda onde antes habitara, e encontrava-se diante de uma situação marcada pela total ausência de prerrogativas. Ele tinha concepções preestabelecidas de castigo justo ou injusto, de ritmos de trabalho aceitáveis ou inaceitáveis que deveriam dar acesso ao pecúlio e à alforria, que poderiam ser distintas das que encontrara nas fazendas do Sudeste.

Daí pode ter criado segundo Alencastro “o fantasma do crioulo assassino, bem retratado no romance As vítimas-algozes.”(ALENCASTRO, 2001, p.90) As revoltas ou a sua possibilidade anunciadas como relativa freqüência na imprensa interiorana. Em 1857, a Revista Commercial de Santos, noticiava:

consta por cartas do interior da província que geralmente ali existe grande repugnância de comprar os negros que os negociantes de escravos continuam a introduzir de outras províncias. O número de escravos que fugiram aos seus novos senhores não é pequeno e aumentará [...] visto que pela maior parte são pardos e crioulos vendidos contra a sua vontade.(ALENCASTRO, 2001, p.92)

Percebe-se que nos últimos anos o debate historiográfico em relação à

escravidão tem sido profícuo. No caso específico no que tange à abordagem dos

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

4

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

aspectos da vida cotidiana de escravos e senhores, nota-se que já existem na historiografia brasileira – incluindo os brasilianistas – múltiplos olhares e leituras que buscam tentar reconstruir de forma sistemática os principais aspectos que caracterizam a sociedade escravista patriarcal. Conforme estes estudos chegam-se à conclusão que seria um equívoco supor que as relações entre senhores e escravos se deram da mesma forma em todas as regiões brasileiras. Da mesma forma, estas passaram por sucessivas transformações conforme o tempo e as especificidades do universo cotidiano a que desenvolveram ao longo de quase quatro séculos de escravidão no Brasil.

Desta forma, devido a peculiaridades específicas de regiões que se caracterizaram pela produção predominantemente voltada para o abastecimento familiar e local, as relações que se estabeleceram entre senhores e escravos podem ter sido bem diferentes das que já possuíam toda uma estrutura sócio-econômica voltada para o mercado externo como a platation de cana-de-açúcar e café. Conforme informações dos relatórios de presidentes de província no sudeste os últimos anos da escravidão foi marcado por grandes tensões entre senhores, abolicionistas e escravos. Em Goiás, as relações entre senhores e escravos não foram abaladas pela influência das ideias abolicionistas e nem pelas mudanças na legislação que previam a lenta e gradativa abolição da escravatura. No sudeste, ao contrário, a relação entre senhores, administradores, feitores e escravos foi marcada por momentos de tensão e resistência destes últimos manifestados no crescimento dos delitos praticados pelos cativos contra senhores e feitores, os suicídios, o infanticídio, desobediência e tentativas de fugas que se intensificaram após a promulgação da Lei do Ventre Livre em 1871.

Neste contexto, as famílias de lavradores proprietários de terras lavravam a terra com os filhos, filhas, noras e genros, bem como, com o auxílio de inúmeras famílias de lavradores em que as relações baseavam-se em laços familiares, no compadrio, camaradagem e escravidão. Como agregados, os lavradores livres não recebiam em dinheiro pelos serviços prestados, diariamente, nas propriedades, como a lida do gado, a construção de cercas, a derrubada de matos e o preparo das roças.

Neste contexto histórico, as relações entre escravos e senhores eram mais fluídas, uma vez que, havia uma maior sociabilidade entre os poucos escravos, os agregados e senhores cujas relações também eram solidificadas pelo compadrio e camaradagem. Os resultados apontam que essas peculiaridades levam a supor que os escravos em Goiás eram mais humildes, fiéis e obedientes para com os seus senhores. Em primeiro lugar o trabalho não era tão intenso e fadigado quanto nas regiões de lavoura de exportação; em segundo lugar, por serem poucos, havia entre os escravos e senhores uma maior socialização tanto no trabalho quanto na família nuclear em que estavam inseridos, na maioria das vezes, até como criados da casa; em terceiro lugar, devido a uma maior socialização entre senhores e escravos e a vida rústica as relações deixam de ser menos hierarquizada; em quarto lugar, a maioria quase que absoluta dos escravos era de crioulos, nascidos principalmente em Goiás e Minas Gerais, sendo, portanto, crias da casa e já se encontravam adaptados à sociedade dos brancos.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

5

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

Desta forma, as informações colhidas dos relatórios dos presidentes de província, embora não sejam completos, os dados apresentados nos respectivos relatórios, quando reunidos não deixam de ser uma referência e uma amostragem que possam revelar aspectos da vida cotidiana de escravos e senhores nos momentos finais do regime escravista no Brasil. Através de uma análise comparativa destas informações pode se chegar á conclusão que as relações escravistas não eram homogêneas.

Nesta conjuntura, maioria das pessoas livres não possuíam escravos e, ao contrário, das províncias do sudeste brasileiro, em Goiás por não haver senhores com grandes plantéis de escravos as relações entre escravos e senhores poderiam ter sido bem mais próximas, pois, no plano sociocultural a diferença de status entre senhor e escravo na eram tão distantes, uma vez, que ambos poderiam compartilhar lado a lado da lida diária, ao contrário, das grandes fazendas de café e de cana-de-açúcar, com exceção dos escravos domésticos, havia um grande distanciamento do senhor com grandes plantéis de escravos que se encontravam ao seu serviço, sob os cuidados de administradores e feitores.

Tabela 1 – Quantidade de escravos por proprietário na região sul de Goiás, 1843 a 1888.

N.º de escravos Total

%

0 01 a 02 03 a 05 06 a 10 Acima de 10

177 68 35 26 10

56 21,5 11,1 8,2 3,2

Soma 316 100

Taxa Média Global 3,5 escravos

Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910

Em um total de 300 inventários pesquisados entre os anos de 1843 a 1888, em

56% não havia escravos arrolados entre seus bens; 68 (21,5%) dos inventariados eram detentores de um a dois escravos; 35 (11,1%) possuíam de três a cinco escravos; 26 (8,2%) declararam possuir entre seis e dez escravos; e apenas10 (3,2%) inventários tinham mais de dez escravos arrolados entre seus bens. No geral havia média, 3,5 escravos por senhor.

Além do número reduzido de escravos, conforme dados de 117 registros de matrículas, revela que a maioria dos cativos era nascida no Brasil. A maioria absoluta (95%) dos escravos foram declarados brasileiros. Destes, 58,1%, eram nascidos em Goiás; 33,3% em Minas Gerais mineiros; apenas 6% eram

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

6

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

africanos.3 Ou seja, a maioria podem ser considerados escravos que são considerados “cria” da casa. Conforme alguns estudos, esses escravos eram educados para que se tornassem afeiçoados, podendo crescer com mais segurança nos caminho da obediência, humildade e fidelidade para com o seu senhor e sua família.

05

101520253035404550556065%

SEXO IDADE ORIGEM

GRÁFICO 1 - Perfil dos escravos matriculados na região sul de Goiás,

1872-1886

Masc. Fem. Menor de 10 anos De 10 a 17 anosDe 18 a 39 anos 40 anos acima Goiás Minas GeraisÁfrica Desconhecida

05

101520253035404550556065707580859095

100

%

ESTADO CIVIL FILIAÇÃO OCUPAÇÃO

Continuação - Perfil dos escravos matriculados na região sul de Goiás, 1872-1886

Solteiro Casado Viúvo DesconhecidaConhecida Lavrador Cozinheira CostureiraTecedeira Outros Nenhuma

Fonte: Escrivania de família e sucessões. Cartório de Família do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida. Registro de matriculas de escravos, 1872-1886.

3 Escrivania de Família e Sucessões – registro de matrículas de escravos de 1872 a 1886.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

7

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

Os poucos escravos trabalhavam juntamente com familiares e, principalmente, agregados no trabalho da lavoura, criação de gado e em serviços domésticos, estes último realizado pelas mulheres que se ocupavam de ofícios de cozinheira, tecedeira, fiandeira, costureira e farinheira e sapateiro. Dentre estas as principais ocupações estão relacionados à lavoura (30%) e aos serviços domésticos (30%), quanto aos escravos sem ocupação nenhuma (39%), correspondem às crianças menores de 10 anos, alguns portadores de deficiência física e idosos. As escravas além de ocuparem-se com as atividades domésticas, os senhores também as utilizavam em serviços da lavoura.

Apesar de haver um equilíbrio entre homens (51,3%) e mulheres escravas (48,7%), os senhores, como na maioria das regiões brasileiras, também no sul de Goiás não faziam questão que seus escravos se casassem, embora pudessem amasiar-se com um parceiro ou parceira, bem como, um liberto ou liberta. Uma vez que, da população escrava registrada, 45% era composta de menores de 17 anos, o que pressupõe que havia uma reprodução natural de escravos. Nos registros de matrículas 92,3% dos escravos adultos foram declarados solteiros, enquanto que, apenas 2,5% eram casados e os viúvos, correspondiam a 5%.

Goiás por se tratar de uma sociedade de senhores com um número muito reduzido de escravos, que viviam em fazendas isoladas ás vezes por léguas de distância uma das outras, os poucos escravos não tinham com quem se relacionar ou socializar com outros escravos, acabava por manter laços de amizade e compromisso com uma maior intensidade com o senhor e sua família e agregados, portanto, a existência de vida comunitária entre os cativos ficava comprometida. Ao contrário das grandes fazendas de café e cana-de-açúcar onde os senhores possuíam grandes plantéis de escravos, onde havia uma grande de africanos, em cujo grupo os laços de solidariedade eram bem mais forte do que entre os escravos crioulos nascidos no Brasil. Desta forma, segundo Kátia Mattoso “os escravos isolados não podem haurir força e alegria da consciência pertence a um núcleo vivo e fraterno. Esses tratarão certamente de imitar os brancos, depressa perderão as tradições comunitárias e o senso do sagrado vindos da África.”(MATTOSO, 2001, p.136)

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

8

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

GRÁFICO 2 - Número médio de posse de escravos, segundo categorias de

riqueza - Sul de Goiás, 1843-1888

0,60,2 0,1 0,2 0,1

0,5

2,11,7

10,3

8,3

3,3

4,8

3,2

1,6

11,4

8,28,7

9,4

3,8

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

1843-1850 1851-1860 1861-1870 1871-1880 1881-1888Categorias de riqueza

Qu

an

tid

ad

e

Até 1.000$000 (1 conto de réis) De 1.001$ até 4.000$000(4 contos de réis)

De 4.001$ a 7.000$000 (7 contos de réis) Acima de 7.000$000 (7 contos de réis)

Fonte: Escrivania de Família e Sucessões do Fórum Dr. Guilherme Xavier de Almeida de Morrinhos-GO. - inventários post-mortem de 1843-1910

A análise dos inventários post-mortem da região sul de Goiás mostram que

geralmente, as famílias mais abastadas com riqueza avaliada no monte-mor acima de 7.000$000 contos de réis possuíam, na década de 1840, 11,4 escravos em média; já quem tinha uma riqueza intermediária entre 4.001$000 e 7.000$000 contos de réis possuía em média 8,3 escravos. Entre os anos de 1851 a 1860, ocorreu uma queda do número médio de escravos entre inventariados com riqueza avaliada acima de 4.000$000 contos de réis. Provavelmente, com o princípio com o fim do tráfico internacional de escravos, as famílias optaram por dispor de parte de sua escravaria vendendo-os a bons preços a mineiros e paulistas, que explica a queda de 11,4 para 8,2 e 8,3 para 3,3 respectivamente na década de 1850. Período que também ocorreu o encarecimento dos escravos no Brasil, inclusive, no sul de Goiás, conforme ratifica os inventários post-mortem. Escravos com idade entre 12 e 25 anos chegaram a ser avaliados nos inventários a 1.900$000 contos de réis na década de 1850. Portanto, o comércio interno de escravos tornou-se um negócio muito lucrativo entre os anos de 1850 a 1870, acompanhado pela crescente demanda de mão-de-obra escrava nas lavouras de café de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.

A crise do regime escravista agravou-se com a publicação da Lei do Ventre Livre4 que foi editada no ano de 1871, ao mesmo tempo, o governo deu início a uma política de incentivo à vinda de imigrantes europeus para trabalhar como mão-de-obra livre nas lavouras de café e construção de estradas de ferro. Da

4 Decreto nº 5.135, publicado em 13 de novembro de 1872, o governo imperial aprovou o

regulamento geral para a execução da Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1871 da Lei do Ventre Livre.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

9

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

mesma forma, neste período ocorreu o crescimento do movimento abolicionista, e conseqüentemente, o trabalho e o investimento em mão-de-obra escrava deixaram de ser um negócio lucrativo e, conseqüentemente, os preços dos escravos gradativamente desabaram em todo o Brasil, inclusive, no sul de Goiás.

A publicação da Lei do Ventre Livre contribuiu para aflorar os ânimos dos escravos a lutar pela conquista da liberdade, apoiados pelo movimento abolicionista, os últimos anos da escravidão na região sudeste foi marcado por tensões, cresce o número de denúncias de escravos contra maus tratos praticados por senhores, administradores e feitores, ao mesmo tempo, cresce os atentados contra a vida destes. Apoiados pelo movimento abolicionista, em algumas regiões os escravos organizam insurreições, com o intuito de pressionar os senhores e as autoridades a concederem cartas de liberdade. No ano de 1871 e 1872 chegaram aos ouvidos das autoridades provinciais rumores de tentativas de insurreição em fazendas das regiões de Mogi Mirim, Campinas, Jundiaí, Indaiatuba e Pindamonhagaba.

Insurreições ou tentativas às vezes inflamadas por pessoas livres adeptas ao movimento republicano e abolicionista, como o exemplo de, Vespasiano Rodrigues da Costa, acusado de excitar os escravos a insurreição em Campinas. Essas tentativas terminaram com a prisão alguns escravos que foram acusados de planejar e liderar os movimentos.5 Nos últimos anos que antecedem aos 13 de maio de 1888, a continuidade do trabalho escravo, principalmente, nas regiões cafeeiras de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro foi marcada pelo aumento das tensões entre escravos, administradores e senhores que resultaram no crescimento da criminalidade nas fazendas, fugas em massa, insurreições, etc.

GRÁFICO 3 - Preços de escravos no sul de Goiás, 1843-1888*

0100200300400500600700800900

10001100120013001400150016001700180019002000

1840 1850 1860 1870 1880

Escravo

Em

réi

s

Em Idade de 12 a 25 anos Em Idade de 26 a 35 anos

5 Relatório apresentado á Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da

província, o Exm. sr. dr. José Fernandes da Costa Pereira Junior, em 2 de fevereiro de 1872. São Paulo , Typ. Americana, 1871. [sic] disponível no site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/1013/000142.html acessado em 15/08/2008

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

10

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

Fonte: OLIVEIRA, Hamilton Afonso de. A construção da riqueza no sul de Goiás. Tese de doutoramento.UNESP: Franca, 2006. p.182 Disponível no site www.dominiopublico.gov.br

*Foi considerada a maior avaliação no período.

Após um período de valorização nominal dos preços, após a década de 1870, a avaliação do preço do escravo nos inventários post-mortem desaba a patamares semelhantes ao período que antecedeu ao fim do tráfico de escravos em 1850. Um escravo de 12 a 35 anos era avaliado em 700$000 (setecentos mil réis) já era o reflexo de que o trabalho escravo legal no Brasil já estava com os dias contados. A publicação da Lei do Ventre Livre além de ter sido um passo determinante com culminaria com o fim da escravidão em 1888, em seu capítulo II, regulamentava o estabelecimento de um Fundo de Emancipação, que em seu artigo 27, estabelecia a alocação dos recursos para emancipação – meia sisa - que deveria obedecer a seguinte ordem: em primeiro lugar, libertar-se-iam as famílias escravas; em seqüência, os indivíduos.

Na libertação por famílias, a classificação prevista era: 1º) os cônjuges que fossem escravos de diferentes senhores; 2º) os cônjuges que tivessem filhos nascidos livres em virtude da lei nº 2.040 e menores de oito anos; 3º) os cônjuges que tivessem filhos livres menores de vinte e um anos; 4º) os cônjuges com filhos menores escravos; 5º) as mães com filhos menores escravos; 6º) os cônjuges sem filhos menores. Os demais cativos eram também ordenados: 1º) mãe ou pai com filhos livres; 2º) os de doze a cinqüenta anos de idade, começando pelos mais jovens do sexo feminino e pelos mais velhos do sexo masculino.6 Em decorrência dessa legislação foram elaboradas as Listas de Classificação dos Escravos para Emancipação, fontes de inegável relevância para o estudo da escravidão no Brasil, muito embora nem toda a população cativa viesse a constar, como se depreende dos critérios acima, da classificação efetuada. (MOTTA; MARCONDES, 2000, p.01)

Com a Lei n.º 2.040 todos os senhores de escravos deveriam registrá-los,

nesta matrícula o n.º de matrícula, o nome do senhor e do escravo, cor, idade, naturalidade, ocupação e filiação. O imposto arrecadado era convertido em um Fundo de Emancipação. Desta forma, se nos primeiros 20 anos do fim do tráfico internacional de escravos, a posse e o comércio interno de escravos tornaram-se um negócio muito lucrativo, o mesmo não se pode dizer dos dois últimos decênios do regime escravista no Brasil. Além do preço do escravo entrar em franco declínio, parece que as relações entre senhores e escravos tornaram-se mais tensas, principalmente, no sudeste.

Por outro lado, a publicação da acentuou ainda mais a crise nas relações entre senhor e escravo na região sudeste. Alguns estudos sobre criminalidade em

6 Ver Colleção das leis do Império do Brasil de 1872 (1873, v. 2, p. 1059) e, também, Graf (1974, cap.

1, p. 5-37) (Op. Cit. MARCONDES;MOTTA, 2000 p.1) Disponível em PDF no site: http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/hist13_3.pdf - acessado em 19/02/2008.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

11

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

algumas localidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais atestam, que após 1870, ocorreu um crescimento do número de escravos envolvidos nos mais variados delitos, principalmente, em homicídios e tentativas de homicídios contra senhores, feitores e administradores das fazendas. Conforme assinalou Adriana Campos, nas últimas décadas da escravidão brasileira “os escravos deixaram de ser os pés e mãos do engenho e transformaram-se no inimigo público a ser combatido pela facção regressista.” (CAMPOS, 2003, p.117)

Ao estudar o direito e a escravidão no Espírito Santo, Adriana notou que a partir da segunda metade do século XIX, a elite política passou a confiar

na lei para combater a rebeldia escrava, mas a punição deveria ser rápida, exemplar e realizada no local, espalhando o temor entre os cativos. [...] Somente no ano de 1849, dos quarenta condenados à morte, trinta eram escravos, o que denota a agilidade processual no caso de julgamento de cativos. O objetivo da lei ficava plenamente atendido: espalhar temor e fortalecer a repressão sobre os movimentos sediciosos com participação escrava. (CAMPOS, 2003, p.119-120)

Conforme estudos de Adriana Campos na Província do Espírito Santo as

autoridades desde o início do século XIX a rebeldia escrava era objeto de preocupação das autoridades capixabas, preocupação que perdurou após a independência. As autoridades reclamavam da conivência de pessoas livres para com as fugas de escravos que tinham por prática acoitar escravos sem suas propriedades em troca de prestação de serviços com baixa remuneração.

Em Campinas e Taubaté no final do período escravista Fernando Abrahão também percebeu um crescimento considerável de processos criminais envolvendo escravos, sobretudo, de crimes e tentativas de homicídios contra os senhores e capatazes.

Nossos dados sugerem que, em vista da falta de liberdade contraposta com a liberdade observada aos imigrantes, muitos escravos passaram a se rebelar contra essa situação, cujas conseqüências foram a maior quantidade de crimes contra feitores, capatazes e até senhores. [...] Os proprietários foram percebendo a perda paulatina da sua capacidade de exercer seguramente o controle sobre dos cativos dentro dos limites de sua propriedade rural. [...] Como muitos senhores não queriam antecipar a emancipação, passaram então a reconhecer no sistema um poderoso instrumento de defesa. (ABRAHÃO, 2002, p.102)

Trabalhando com documentação produzida pelos juízes de paz, Maria Teresa

Pereira Cardoso, pode perceber que na Comarca do Rio das Mortes entre os anos de 1814 a 1852, ao contrário da documentação produzida pelos seus superiores, aspectos da vida cotidiana nesta região mineira revelaram que esses magistrados locais enfrentavam revoltas de escravos e crimes contra a ordem. Os crimes particulares eram praticados principalmente, por escravos e afrodescendentes. (CARDOSO, 2000)

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

12

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

Embora os relatórios de províncias não sejam completos em suas informações sobre a criminalidade nas respectivas províncias, primeiramente, porque muitos crimes não chegavam aos ouvidos das autoridades locais, estas também, podiam deixar de informar os reais coeficientes criminais de suas respectivas criminalidades, bem como, as autoridades provinciais em meio a uma infinidade de casos, procuravam destacar alguns fatos mais notáveis e desconsideram os demais. Apesar destas falhas na documentação as informações contidas nos relatórios dos presidentes de província, que considerados em uma sucessão temporal de média duração revelam que crimes envolvendo escravos em bem maiores nas regiões em que concentravam maior número de escravos.

0102030405060708090

100110120130140150160170180190200210220230240250260270280290300310320

Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais Goiás

Em

deze

na

s

GRÁFICO 4 - Número de escravos envolvidos em crimes de homicídios

e tentativa de homicídios, 1850 -1888.

1850-1870 1871-1888

Fonte: Relatórios dos presidentes de província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33

Distribuído os casos arrolados nos relatórios de província em dois períodos: 1850-1870 e 1871-1888, fazendo uma análise comparativa chegam-se à conclusão que o envolvimento de escravos em crimes de homicídio e tentativa de homicídio era grande nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, acentuando-se entre os anos 1871 e 1888. Dentre as províncias o número de homicídios e tentativas de homicídios praticados porá escravos no Rio de Janeiro, saltou de 43 para 312 casos, um crescimento de 725%. São Paulo de 78 para 143 casos, ou seja, um aumento de 183%. Minas Gerais de 104 para 225 casos, crescimento de 225%. Goiás foi a única província em que os crime de homicídio e tentativa de homicídio praticado por escravos além de ser pequeno, reduziu de 18 para 12 casos.

Os números mostram que à medida que a escravidão foi chegando ao fim, apoiado pelo movimento abolicionista e pela legislação brasileira que já apontava

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

13

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

para o fim próximo do regime escravista no Brasil, pressupõe-se ocorreu um crescimento na região sudeste de crimes, prisões e insurreições de escravos, que passaram a denunciar com mais freqüência ás autoridades os maus tratos a que eram submetidos o que revela o crescimento da resistência dos escravos á escravidão. Tudo isto acaba por refletir diretamente no crescimento de atentados contra a segurança individual e praticados por escravos, principalmente, contra senhores, feitores, capatazes e administradores. Em Goiás, ao contrário, as mudanças na legislação em “beneficio” dos escravos, bem como, os inflamados discursos do movimento abolicionista não alteraram as relações entre escravos e senhores, conforme pode se observar no Gráfico 5 abaixo.

61

35

71

4

97

33

71

3

5667

125

16

85

35 36

0

5648

27

7

0102030405060708090

100110120130

Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais Goiás

Em

deze

nas

Vítimas

GRÁFICO 5 - As vítimas de tentativa e homicídios praticados

por escravos, 1850-1888.

Tent./e homicídio contra senhor Tent./e homicídio contra escravosTent./e homcídios contra livres Tent./e homicídio de administradores e feitoresTent./e suicídio

Fonte: Relatórios dos presidentes de província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33

Tabulados os dados e distribuídos conforme a especificidade do crime e da vítima percebe-se que os crimes de homicídio e tentativa de homicídios praticados pelos escravos tinham como vítimas os senhores, seus parceiros, contra pessoas livres, administradores e feitores. Os crimes praticados contra os senhores e sua família, bem como, a administradores e feitores estavam associados a maus tratos e vingança, sendo geralmente crimes praticados por dois ou mais escravos. Já os crimes praticados de escravos contra seus parceiros geralmente eram crimes passionais e rixas por motivação fútil.

No Rio de Janeiro entre 1850 e 1888, foram mencionados nos relatórios dos presidentes de província, 355 crimes de homicídio, tentativa de homicídio e suicídio, deste total 61(17,1%) foram contra a vida de senhores; 97 (27,3%) contra a vida de seus parceiros, 56 (15,7%) contra pessoas livres; 85 (24%) vítimas foram feitores e administradores; e 56 (15,7) suicídios ou tentativas contra a própria vida. Em São Paulo de 218 casos, sendo 67 (30,7%) foram contra a vida

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

14

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

de pessoas livres; 48 (22%) suicídios ou tentativas contra a própria vida; 35 casos cada, (32%) atentados contra a vida de senhores, administradores e feitores e; 33 (15,1%) em que as vítimas eram escravos. Em Minas Gerais, 125 (37,8%) vítimas dos escravos eram pessoas livres; 71(21,5%) eram senhores, 71(21,5%) dos casos registrados foi contra escravos; 36 (10,9%) eram administradores e feitores e; apenas 27 (8,1%), de atentados contra a própria vida. Nos últimos 38 anos que antecede ao fim da escravidão foram registrados nos relatórios apenas 30 casos de crimes de homicídio e tentativas de homicídio cujos autores eram escravos, havendo apenas 04 casos, cujas vítimas eram senhores.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Rio de Janeiro Minas Gerais São Paulo Goiás

%

Condição

GRÁFICO 6 - Quadro comparativo do perfil do réus

que foram julgados nas províncias do RJ, MG, SP e

GO, 1850-1888

Livres Escravos

Fonte: Relatórios dos presidentes de província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33

Nem todos os indivíduos que cometiam crimes chegavam a ir a julgamento, primeiro que nem todos os crimes praticados nas respectivas províncias chegavam ao conhecimento das autoridades e, em segundo, lugar a fuga era muito fácil e comum naquele tempo, em terceiro lugar, muitos crimes cometidos por escravos acabavam sendo acobertados por seus senhores, sendo comum comercializá-los para outras províncias, pois, os crimes de homicídio poderiam representar a perda do escravo, que geralmente ou era condenado à morte ou a galés perpétuas. Segundo Alencastro, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro abundavam fatos de escravos que cometiam crimes cruéis e que eram vendidos por seus senhores, que mesmo reconhecendo serem criminosos, para não ter prejuízo, vendiam-nos sem se importar com os males que poderiam causar a outros senhores. (ALENCASTRO, 2002)

No entanto, os processos que acabavam sendo julgados oferecem uma referência do movimento e comportamento do júri nas províncias apontadas no Gráfico 7. De uma maneira geral a maioria dos delitos era cometida por pessoas livres e, conseqüentemente estes representam a maioria dos se sentavam no

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

15

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

banco dos réus. Dentre as províncias analisadas no Rio de Janeiro que concentrava a maior número de escravos proporcionalmente à população livre, teve 31% dos réus que foram a julgamento no período eram escravos, em Minas Gerais 10%, São Paulo 14% e Goiás 5%.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Goiás Minas Gerais Rio de Janeiro

GRÁFICO 7 - Relação população livre e escrava, 1854-

1856

Livres Escravos

Fonte: Relatórios dos presidentes de província do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33

Dentre as províncias analisadas Goiás concentrava o menor número de escravos, estes representavam apenas 10% da população total; em Minas Gerais os escravos representavam 21,8% da população; no Rio de Janeiro 44,9% da população era de cativos. Portanto, existia uma relação entre o número médio de escravos por proprietário e a população proporcional de escravos em relação à livre. Ou seja, nas províncias com um maior volume de escravos a probabilidade da participação dos escravos em crimes dos mais diversos era bem maior do que em províncias número menor de escravos. Da mesma forma, também a participação no movimento das prisões dos escravos tendem a ser bem maior, conforme pode se observar nos Gráficos 08 e 09 abaixo.

Das quatro províncias analisado para este estudo comparativo, apenas as províncias do Rio de Janeiro e Minas apresentaram um volume de informações seqüenciais sobre o movimento das prisões, com a identificação dos presos em livres e escravos. Conforme informação dos relatórios percebe-se que tanto no Rio de Janeiro quanto em Minas Gerais que o numero de escravos presos manteve-se sempre crescente. Rio de Janeiro entre os anos de 1855 a 1865, 36% dos presos que cumpria pena eram escravos, saltando para 39% entre os anos de 1875 e 1880 atingindo 42% entre os anos de 1881 a 1886. Em Minas Gerais nos anos de 1859 e 1869, quantidade de escravos que se encontravam nas

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

16

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

prisões não chegava a 5%, porém, nos anos de 1881 e 1883 a população carcerária já era composta com mais de 25% de escravos. Os resultados mostram que ao final da escravidão as revoltas e delitos cometidos por escravos cresceram muito nas províncias do sudeste.

05

10152025303540455055606570

Livres Escravos

%

GRÁFICO 8 - Movimento das prisões no Rio de

Janeiro

1855-1865

1875-1880

1881-1886

Fonte: Relatórios dos presidentes de província do Rio de Janeiro. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content/brazil/jain.htm

05

101520253035404550556065707580859095

100

Livres Escravos

%

GRÁFICO 9 - Movimento das prisões em Minas Gerais

1859

1869

1881

1883

Fonte: Relatórios dos presidentes de província de Minas Gerais. Disponíveis no site http://www.crl.edu/content/brazil/mina.htm

O crescimento da criminalidade e da população carcerária de cativos nos momentos finais revela o quanto o final do regime foi marcado por grandes tensões, sobretudo, nas regiões em que aglomeravam o maior volume de escravos. Neste período, os senhores, administradores e feitores não estavam mais conseguindo impor o domínio senhorial aos seus escravos. Além dos

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

17

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

escravos com maior freqüência denunciar abusos e maus tratos praticados por seus senhores, estes, por sua vez, cada vez mais buscavam o auxílio e a intervenção do Estado em suas respectivas propriedades diante das tentativas de insurreição e insubordinação dos cativos em relação à autoridade senhorial. Da mesma forma que muitos escravos preferiam cometer um crime e permanecer na prisão, muito senhores, acabam preferindo deixar seus cativos insubordinados na prisão do que reclamá-los de volta. Estes podem ser considerados os principais fatores que podem ter contribuído para a elevação do número de escravos nas prisões de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Na província de São Paulo, somente no ano de 1887, na região de Santos, São Paulo, Itú, Capivary, Indaiatuba e Piracicaba ocorreram insurreições ou tentativas, acompanhadas de fugas em massa de escravos que se deslocavam para as cidades de Santos e São Paulo. Fazendeiros de Itú, Indaiatuba, Capivary e Piracicaba chegaram a enviar telegramas ao governo Provincial reivindicando intervenção da força pública para combater os escravos revoltosos, que estavam lhes reivindicando cartas de liberdade e pagamentos de salários. Levante que teve início na fazenda do Barão da Serra Negra, município de Piracicaba, onde 130 escravos tomaram a fazenda de assalto, em seguida, se dirigiram a cidade de Itú. Em Indaiatuba, os escravos do Sr. José Manoel da Fonseca, também se sublevaram e armados exigiam a liberdade e o pagamentos de salários de seu senhor.7

Os relatórios de presidentes de província de Goiás não fazem nenhuma alusão a insurreições de escravos que colocassem em cheque a ordem senhorial, nem nos momentos de publicação da Lei n.º 2040 e, também, nos momentos finais da escravidão que precede aos 13 de maio. Fato que pode ser justificado pela ausência de senhores com grandes plantéis de escravos, o que impossibilitava uma organização e mobilização de grandes proporções, e também, pela ausência inflamada do movimento abolicionista. Diante das poucas evidências documentais sobre a escravidão em Goiás, é possível pressupor que relações entre negros, pardos e brancos em nada alteraram sua condição social, a não ser, no seu juridicamente, com a promulgação das leis do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea. A condição social dos recém-libertados em nada alterou permaneceram em uma condição dependência trabalhando, na maioria das vezes, de forma compulsória como “criados” ou agregados nas propriedades e casas de seus antigos senhores e familiares por sucessivas gerações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partir dos resultados apresentados pode-se concluir que os negros e pardos tiveram importante participação no processo de ocupação e povoamento das terras da região sul de Goiás, pois, representavam cerca de 65% da população, conforme

7 Relatório apresentado á Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo pelo presidente da

província, Exm. sr. dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, no dia 10 de janeiro de 1888. São Paulo, Typ. a Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1888. Disponível no site: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/1032/000046.html e http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/1032/000047.html - acessado em 15/09/2008

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

18

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

os registros de casamento da Capela de Nossa Senhora do Carmo de Morrinhos, na primeira metade do século XIX. No entanto, a região composta de senhores de poucos escravos e com uma estrutura produtiva voltada apenas para o abastecimento familiar e local, as relações entre senhores e escravos em Goiás foram diferentes das regiões tipicamente escravistas cuja estrutura sócio-econômica era voltada para o mercado externo, como o caso da platation de cana-de-açúcar e das fazendas de café da região sudeste.

Ao contrário destas regiões, as famílias detentoras de grandes propriedades com lavouras e campos de criação lavravam a terra e criavam o gado utilizando-se da mão-de-obra familiar que geralmente, trabalhavam como agregados, e de alguns poucos escravos, onde as relações sociais baseavam-se em relações de parentesco, compadrio e camaradagem. As relações entre escravos e senhores eram mais fluídas, uma vez que, havia uma maior sociabilidade entre os poucos escravos, os agregados e senhores.

Desta forma os resultados apresentados nos relatórios de presidentes de província, bem como, comprando com alguns trabalhos de pesquisas produzidos pela historiografia paulista, carioca e mineira pode-se supor que os escravos em Goiás eram bem mais humildes, fiéis e obedientes para com os seus senhores. Fazendo análises comparativas entre os relatórios de presidentes das províncias de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo percebe-se que nestas regiões os últimos anos da escravidão foi marcado por instabilidade nas relações entre senhores e escravos. Nestas regiões os escravos encontravam-se bem mais mobilizados, influenciados pelas idéias abolicionistas e tendo consciência das mudanças gradativa na legislação que culminaria para o fim da escravidão organizaram uma série de revoltas e insurreições colocassem em cheque a já combalida ordem senhorial vigente nos momentos que precedem ao 13 de maio.

Em Goiás, ao contrário, os relatórios de presidentes de província de Goiás não fazem nenhuma alusão a insurreições de escravos que colocassem em cheque a ordem senhorial, nem nos momentos de publicação da Lei n.º 2040 e, também, nos momentos finais da escravidão que precede aos 13 de maio. Fato que pode ser justificado pela ausência de senhores com grandes plantéis de escravos, o que impossibilitava uma organização e mobilização de grandes proporções, e também, pela ausência inflamada do movimento abolicionista.

Diante das poucas evidências documentais sobre a escravidão em Goiás, é possível pressupor que relações entre negros, pardos e brancos em nada alteraram sua condição social, a não ser, no seu juridicamente, com a promulgação das leis do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea. A condição social dos recém-libertados em nada alterou permaneceram em uma condição dependência trabalhando, na maioria das vezes, de forma compulsória como “criados” ou agregados nas propriedades e casas de seus antigos senhores e familiares por sucessivas gerações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAHÃO, Fernando Antônio. Criminalidade e modernização em Campinas: 1880-1930. Dissertação de Mestrado. UNICAMP:Campinas-SP, 2002. Disponível no site http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000236695 – acessado em 12/08/2008.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281

19

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e

Psicologia – ISSN 2178-1281

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida privada e ordem privada no Império. In. História da vida privada no Brasil. Coord. Fernando Navais; Luiz Felipe de Alencastro – São Paulo: Cia das Letras, 2001.

BERGAD, Laird W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1880. Bauru-SP: EDUSC, 2004.

BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil: Geral e regional: O Grande Oeste. Vol.VI – São Paulo: Editora Cultrix, 1967.

CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos tribunais: Direito e escravidão no Espírito Santo do século XIX. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.

CARDOSO, Maria Tereza Pereira. Lei branca e justiça negra: crimes de escravas na Comarca do Rio das Mortes (Vilas Del Rei – 1814-1852). Tese de doutoramento. UNICAMP: Campinas-SP, 2002. Disponível no site: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000257421 – acessado em 12/08/2002. CASTRO, Hebe M. Mattos de. Laços de família e direitos no final da escravidão. In. História da vida privada no Brasil. Coord. Fernando Navais; Luiz Felipe de Alencastro – São Paulo: Cia das Letras, 2001.

MARCONDES, Renato Leite; MOTTA, José Flávio. A família escrava em Lorena e Cruzeiro –1874 disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/hist13_3.pdf - acessado em 19/02/2008.

MATTOSO, Kátia Queiroz. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.

SAINT-HILAIRE, August de. Viagem a Província de Goiás. São Paulo: EDUSP, 1975.