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aug/2009 - aug/2010 Space, Society and Sociability: Experiments on an open public space “Padre Manoel da Nóbrega” Housing Project SPONSORSHIP PIBIC/CNPq / Advisor: Maria Lúcia Caira Gitahy, Ph.D (USP)
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São Paulo, 2 de agosto de 2009.
À Ilma. Sra. Profa. Dra. Ermínia T. Z. Maricato Presidente da Comissão de Pesquisa da FAUUSP Prezada Professora: Tenho a satisfação de enviar a sua consideração e a da Comissão de
Pesquisa o Relatório Final, fruto do primeiro ano de pesquisa da aluna de
Graduação Talita Camacho Barão ao abrigo da Bolsa PIBIC/CNPq. Antes de mais
nada, agradeço em meu nome e no da minha orientanda a concessão e a
recente renovação da referida Bolsa. Considero valiosa, como oportunidade de
formação que a mesma propiciou, colocando a Bolsista no quotidiano de um
grupo de pesquisa ativo. Os resultados atingidos podem atestá-lo e estão à
disposição desta Comissão para avaliação.
A Bolsista tem mostrado dedicação, entusiasmo e compromisso com a
pesquisa, tendo sua compreensão do tema amadurecido ao longo do trabalho.
Conseguiu redigir, a meu ver, um excelente relatório de Iniciação Científica. O
estudo sobre a história social dos três espaços públicos em análise permitiu o
aprofundamento necessário para a compreensão dos mesmos e, a concessão da
renovação oferece condições para que passe à atividade projetual (Talita está
em contato com um professor-arquiteto), sem abrir mão do permanente
acompanhamento dos processos sociais, que continuará a iluminar suas propostas
para o mesmo. Coloco-me à disposição da Comissão de Pesquisa para qualquer
esclarecimento que se faça necessário.
Atenciosamente,
Dra. Maria Lucia Caira Gitahy LabFAU/AUH/FAU/USP
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SUMÁRIO
1. Resumo da proposta de trabalho, 6
2. Descrição dos trabalhos de pesquisa realizados (etapas e cronograma), 8
3. Produto da pesquisa, 11
3.1. A região de Itaquera antes da implantação do conjunto habitacional da COHAB-SP
3.2. São Paulo além do triangulo – Em 30, um plano de avenidas, 19
3.3. Uma tentativa de estruturar o crescimento de São Paulo: O Plano Urbanístico
Básico (PUB, 1968) e sua não implementação, 26
3.4. Enfim, em 80. Quais meios de transporte e que integração?, 26
3.5. O conjunto COHAB implantado, 32
3.6. Os espaços livres públicos em estudo, 40
3.6.1 Espaço em estudo 1: área desocupada e em estado de abandono, 44
3.6.2. Espaço em estudo 2: área de ocupação irregular, 52
3.6.3. Espaço em estudo 3: Praça Dilva Gomes Martins, 61
3.6.3.1. Análises dos projetos de qualificação paisagística, 64
A. Projeto atual implantado, 64
PRAÇA DILVA GOMES MARTINS CIOU ( Coordenadoria de Infra-estrutura Urbana e Obras) Subprefeitura da Penha) B. Projeto proposto, 72
PRAÇA DILVA GOMES MARTINS LENC (Lab. de Engª. Cons. S/C Ltda)
3.7. Conclusões, 80
4. Anexos, 86
5. Bibliografia, 97
6. Perspectivas da pesquisa, 99
5
6
1. Resumo da proposta de trabalho
Um questionamento que norteou o
desenvolvimento deste trabalho foi o modo como
se dá a relação entre o público e o privado na
configuração sócio-espacial do meio urbano. O
modo, sobretudo, com que o seu desenvolvimento
desigual acaba por definir a história social de cada
região de uma cidade. É abordada uma gama de
questões referentes ao desenvolvimento da cidade
de São Paulo e sobre seu processo bastante
acelerado de crescimento urbano e de
periferização. As migrações em massa, as políticas
públicas no âmbito do desenvolvimento industrial
e as ações no campo da questão habitacional são
assuntos correlatos, quando se pretende discutir a
conformação espacial observada hoje nesta cidade.
É a partir de objetos específicos – três espaços da
COHAB Itaquera IB – Padre Manoel da Nóbrega –
que esta pesquisa pretende abordar a configuração
dos espaços livres públicos na realidade urbana da
periferia leste da cidade de São Paulo e a
destinação, nem sempre recorrente, destes espaços
como locus das relações urbanas de caráter
coletivo. Entender a história social dessas áreas, ou
seja, os processos sociais, econômicos e políticos
que agiram, e que ainda agem, sobre elas, ao longo
do tempo, e que lhes conferiram suas atuais
configurações de estado e uso é intuito principal
deste estudo.
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8
2. Descrição dos trabalhos de pesquisa realizados (etapas e cronograma)
A primeira etapa deste trabalho envolveu
essencialmente a busca de repertório teórico no
campo dos fundamentos sociais da arquitetura e do
urbanismo. A intenção primeira foi a de agregar
conhecimentos referentes à dinâmica das relações
sócio-espaciais e o modo como essas relações
constroem o espaço urbano (HARVEY, 1992:
2002). Em paralelo a estas leituras históricas e
sociológicas mais ampla, buscou-se, desde o
início, conhecimentos acerca do foco mais
específico desta pesquisa que é o espaço periférico
leste da cidade de São Paulo e os Conjuntos
Habitacionais da COHAB-SP. Foram reunidos,
portanto, dados acerca da formação dos espaços
periféricos e também acerca dos processos sociais
e das políticas públicas que levaram à construção
de uma política de habitação social para o país
(CAMPANÁRIO, 1990; BONDUKI, 1994;
LEMOS; FRANÇA, 1999; ZANDONADE, 2005).
Além disso, nesta primeira etapa, foram levantados
alguns dados em visitas de campo e outros foram
obtidos em conversas na CIOU (Coordenadoria de
Infra-estrutura Urbana e Obras) da Subprefeitura
da Penha e também no CEDTEC (Central de
Documentação Técnica) da COHAB-SP.
Já em uma segunda etapa da pesquisa, que
se desenvolveu mais intensivamente no último
bimestre de 2008 e primeiro semestre de 2009, as
pesquisas de campo constituíram a principal
atividade. Foram realizadas visitas para obter
informações mais detalhadas acerca dos espaços
estudados, bem como para obter maior
documentação fotográfica dos mesmos, tanto para
o retrato de sua conformação físico-espacial
quanto para a retratação de seus usos. Por meio da
conversa com os moradores do conjunto
habitacional ou com os próprios ocupantes do local
(como no caso de um dos espaços em estudo – o
espaço em estudo 2), buscou-se compreender
melhor os três espaços: que processos sociais os
conformaram ao longo dos anos, qual a relação
deles com os moradores do conjunto, e, por fim,
quais as razões que determinaram suas diferentes
ocupações e estados de uso.
No trimestre final de desenvolvimento da
pesquisa, voltou-se à busca por mais dados acerca
da conformação sócio-espacial desta cidade e de
sua região metropolitana, a fim de discutir o que se
pensou para ela em termos de mobilidade urbana e
de construção de sua espacialidade. Retomaram-se
os planos políticos de infra-estrutura urbana que
concretamente a construíram, como o Plano de
Avenidas (LEME, 1990) e os estudos para
implantação das linhas metroviárias, mais
especificamente da linha Leste-Oeste; ou aqueles
que conceitualmente discutiram e a propuseram,
mas que não puderam, por fim, conduzir seu
desenvolvimento, como o Plano Urbanístico
Básico (1968). Foram abordadas as concepções de
construção da cidade que estiveram, então, em
discussão e as conseqüências acarretadas de ter-se
desconsiderado a premente busca por um meio
urbano mais difuso e equilibrado.
Paralelamente a estes estudos, manteve-se
a aproximação com os espaços em foco e
entendeu-se que a realização de uma consulta
pública à população, neste momento, traria
elementos basilares à continuidade das análises e à
conclusão do trabalho. A metodologia da pesquisa
com o público foi a de elaboração de três
diferentes questionários, referentes a cada um dos
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espaços em estudo. Estes foram deixados em
pontos de comércio e serviços de suas
proximidades.
A consulta pública trouxe noções que
faltavam acerca do que estes três espaços
comunicam às pessoas que por eles transitam ou
que deles, de algum modo se apropriam.
Noções de insegurança; ou de insatisfação
com relação a estes espaços e com os usos
inadequados que neles se estabelecem foram
bastante importantes nas consultas públicas sobre
os espaços 1 e 3. No caso do espaço em estudo 3,
Praça Dilva Gomes Martins, a pesquisa com os
moradores embasou e direcionou as análises
realizadas acerca dos projetos para ela
desenvolvidos. Já no caso do espaço em estudo 2,
o qual, no decorrer deste semestre, teve
transformadas suas realidades urbanas e espaciais,
na consulta pública pretendeu-se, primeiramente,
compreender o que esses processos dizem às
pessoas que ali habitam e de que forma elas os
apreendem.
Por fim, o processo de pesquisa sobre estes
espaços trouxe, desde o início, a necessidade de
recorrer, para o embasamento de suas análises, à
constante busca histórico-social, acerca das
formações sócio-espaciais urbanas – desde a escala
da metrópole de São Paulo até a da região em
estudo, e por fim, dos espaços em especifico – bem
como, recorrer à vivência mais aproximada com
tais espaços, observando-os atentamente.
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3. Produto da pesquisa
3.1. A região antes da implantação do conjunto habitacional da COHAB-SP
De espaço rural à periferia da metrópole Os condicionantes da expansão periférica da cidade – industrialização, migrações e políticas governamentais A dificuldade de acesso à região e a relação dos moradores com o Centro
Itaquera não era senão uma extensa área
rural. Por muitos anos, as atividades ali realizadas
eram basicamente de subsistência para grande
parte de seus habitantes. De outra parte, a região
serviu por bastante tempo para a cultura de
perecíveis, os horti-fruti granjeiros. Era o papel de
fornecedor de hortaliças e de frutas que a área
possuía no cenário urbano paulista até meados do
século passado. Muitas famílias paulistanas
viajavam a terras distantes e pouco acessíveis para
aproveitar a ar fresco do campo e descansar da
vida do centro urbano, que já se tornara agitada no
início do século XX.
Não havia ainda qualquer meio moderno
de suprimento das necessidades mais básicas como
sistemas de água e esgotos, coleta de lixo ou
qualquer outro tipo de serviço urbano. Os meios de
locomoção eram escassos e precários, de forma
que a constituição do local como região à parte do
centro urbano mais dinâmico era uma realidade.
Não havia, na região de Itaquera, uma população
significativa que justificasse o investimento por
parte do Poder Público em meios de transporte que
suprissem a necessidade de deslocamento desses
moradores.
Um grande contrastante em paisagem tão
bucólica era a Estrada de Ferro Central do Brasil,
instalada em 1877. A linha férrea evidentemente
serviu de diretriz para a constituição de alguns
esparsos núcleos urbanos. Surgiram de forma tão
distribuída pelo território da zona rural a leste da
Capital paulista que não possibilitaram uma
formação coesa de tecido urbano e deixaram aqui e
ali constantes vazios dos quais, mais tarde e em
período crucial do crescimento avassalador da
cidade de São Paulo, viriam a tirar vantagem os
especuladores imobiliários do solo urbano.
Itaquera não constituiu, de início, uma
região de grande atrativo para a indústria. As
fábricas, assim como todos os estabelecimentos de
importância econômica, concentravam-se no
centro da cidade. À medida que a excessiva
valorização do solo da região central tornava
difícil o estabelecimento das indústrias no local,
estas foram migrando em direção às áreas
periféricas da mancha urbana. Entretanto, Itaquera
não sofreu de forma significativa, neste momento,
o impacto dessas mudanças.
Outro processo, desencadeado por
questões também vinculadas à industrialização e
modernização da cidade e pelas escolhas políticas
do período, como as migrações em massa de
estrangeiros e de brasileiros advindos de todos os
cantos do país para trabalhar na capital paulista, foi
o que não poupou a periferia leste de seus mais
acelerados e brutais impactos.
12
Estrada de Itaquera (Fonte: acervo COHAB-SP)
A política de industrialização posta em
prática pelo Estado Novo de Vargas a fim de
desenvolver o potencial industrial do país por meio
de instrumentos que visavam, sobretudo, a efetiva
redução do custo da reprodução da força de
trabalho, teve conseqüências decisivas para a
formação da organização urbana que observamos
hoje constituída na metrópole de São Paulo. Foi a
partir da metade do século XX que São Paulo, de
certo, explodiu. Um enorme contingente de mão-
de-obra pôs-se então à disposição para trabalhar na
ampla base desta industrialização. O governo de
Getulio Vargas colocou em prática as Leis do
Inquilinato, medida populista que teve
conseqüências profundamente ambíguas para a
metrópole. Tinha como pretensão mostrar ao povo
brasileiro a ação do Estado Novo em defesa do
direito à habitação, a aluguéis dignos e controlados
pelo governo, ao mesmo tempo em que pretendia
garantir aos industriários oferta de mão-de-obra a
baixíssimos custos (BONDUKI, 1994).
Evidentemente, o grande mercado rentista não
aceitaria de bom grado tal redução de lucros
provocada pelo congelamento dos aluguéis.
Surgiram inúmeras formas de burlar a política de
congelamento de modo que a maioria dos
trabalhadores não passou a pagar menos por sua
habitação e os salários pagos continuaram baixos,
uma vez que eram contabilizados de acordo com o
preço de aluguéis tabelados e congelados pelo
governo. Grande contingente de trabalhadores,
vítimas das decisões políticas do período e das
ações nocivas no mercado imobiliário rentista
sobre o solo urbano, não suportou as injustas
condições de moradia que lhe eram oferecidas e
foram expulsos, literalmente, em massa das áreas
centrais, para algum lugar que não sabiam bem
onde, mas definitivamente para um em que
pudessem morar com um pouco mais de dignidade
e estabilidade e que pudesse ser pago com seus
exíguos salários.
As áreas periféricas da cidade de São
Paulo ofereciam solos baratos e distantes para
aqueles que se dispusessem a viver longe do centro
em troca de poder arcar com a construção de uma
casa própria em um lote de onde não poderiam ser
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expulsos por ninguém. Obviamente, o mercado
imobiliário não ficou ausente em todo esse
processo. Tratou de iniciar uma série de
loteamentos, bastante precários e, portanto,
baratos, nas grandes glebas periféricas já
decadentes em função das crises cafeeiras, e
colocá-los à venda para todo esse contingente de
desabrigados desesperados por um lugar para
morar e desassistidos por qualquer tipo de política
de habitação governamental devidamente
organizada e implantada.
O tecido urbano da cidade dá a ver àqueles
que o observam a precária junção de todos esses
retalhos resultantes de loteamentos feitos de forma
descontínua e espalhada pelas periferias
paulistanas. A Zona Leste da Capital recebeu,
então, com suas terras baratas, esses trabalhadores
que para elas vieram a fim de construir suas
próprias casas, de construir, na realidade, suas
“casas-dormitórios”. Verdadeiras viagens separam
esses trabalhadores de seus trabalhos, poucos
meios de transporte são ofertados para a região e,
assim, longos trajetos passam a ser feitos todos os
dias. À medida que os núcleos periféricos vão
ganhando contingente habitacional significativo, as
linhas de transporte coletivo passam a ser levadas
mais adiante, mas tudo isso por meio de muito
esforço e lutas. No ritmo da expansão urbana
viabilizada e incentivada pelos eixos rodoviários
de interligação da trama urbana paulista (e
nacional) o transporte pelo sistema de ônibus
urbanos foi o primeiro e mais importante meio de
transporte público coletivo implantado para
interligação da região com o restante da cidade. As
redes de saneamento básico também tardaram a
chegar à região, a luz elétrica apenas foi levada até
lá em 1951 (e, com ela vieram mais e mais
pessoas) e as redes de esgoto somente em fins do
século XX.
Itaquera, assim como outros bairros das
redondezas, construiu, desde meados do século
passado, a função de cidade-dormitório que possui
até hoje. Recebeu neste momento grande
quantidade de moradores que viviam de forma
bastante esparsa sobre seu território. Porém, a
década que veio mudar decisivamente a realidade
da região foi a de 1980. Seus grandes vazios
deixados entre tais loteamentos tornaram-se grande
atrativo para uma nova política centralizada de
habitação lançada pelo governo militar, a qual se
baseou primordialmente no financiamento
habitacional pelo então criado Banco Nacional da
Habitação, o BNH. Em São Paulo, a Companhia
Metropolitana de Habitação, COHAB-SP,
executaria nestes vazios, ao longo destes poucos
anos, os Conjuntos Habitacionais que viriam a
transformar de forma impressionante e definitiva a
vida na periferia Leste da cidade de São Paulo.
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3.2. São Paulo além do triângulo – Em 30, Um Plano de Avenidas
Uma estrutura urbana em expansão indefinida
Uma estrutura de mobilidade urbana sobre
pneus foi idealizada, na década de 1930, para esta
cidade e foi formulada em plano. O idealizador do
Plano de Avenidas da Cidade de são Paulo, o
Eng.enheiro Prestes Maia, concebeu um plano
viário baseado em um sistema de vias radiais e
perimetrais. Uma estrutura viária rádio-
concêntrica que pouparia do tráfego o triângulo
central, já excessivamente adensado e
congestionado e permitiria à cidade seu
espraiamento radial para além desses limites
históricos. Principalmente em direção sudoeste, era
momento de São Paulo avançar sobre o Vale do
Anhangabau e transpor o Tamanduateí para o
alcance, devidamente direcionado e infra-
estruturado pelos eixos viários planejados, de seus
mais novos limites urbanos.
O sistema perimetral é composto por três anéis
viários. O primeiro, envolvendo a área central,
é denominado perímetro de irradiação. O
segundo anel, “boulevard exterior” nome
inspirado nos “boulevards” franceses, era
traçado sobre o leito das linhas férreas da São
Paulo Railway e da Sorocabana. O terceiro
anel, denominado de circuito de “parkways”
fecha o círculo em torno à área urbanizada da
cidade naquela época, traçado sobre as
marginais do rio Tietê e rio Pinheiros, segue
até as cabeceiras do Ipiranga e desce o vale do
Tamanduateí até a confluência com o Tietê.
Do perímetro de irradiração é traçado um
sistema de vias radiais, segundo as direções
dominantes de trafego e que estabelecem as
ligações entre as vias perimetrais.(LEME,
1990: 21)
Plano de Avenidas de São Paulo, 1930 FONTE: stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
A cidade, como vimos, já crescera para
além de seu centro histórico consolidado há algum
tempo, no entanto o que era novo, a partir de
então, era a concepção de que se tinha de planejar
a continuidade dessa expansão urbana. Devia-se,
assim, estabelecer, em plano municipal, seus eixos
de irradiação e de desenvolvimento econômico.
Neste sentido, Leme analisa ainda no Plano de
Avenidas que a argumentação de Prestes Maia, na
defesa de seu pensamento, pretende evidenciar a
naturalidade de formação da estrutura rádio-
concêntrica para a qual propõe continuidade, ao
chamar a atenção para o fato de que os eixos
radiais já vinham sendo traçados naturalmente pela
expansão da cidade até aquele momento. O
urbanista pensa o sistema radial, portanto, como o
sistema de ruas ideal para uma cidade (veremos
mais adiante que, em 1968, uma outra concepção é
estudada e formulada).
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O sistema viário ideal não nasce da utopia
idealizada de um técnico, engenheiro da
prefeitura. O sistema ideal é o sistema de vias
natural, já existente e que precisa ser apenas
melhorado. (LEME, 1990: 28)
A descentralização da cidade é vista como
essencial à evolução da cidade e as vias radiais são
entendidas como um dos sistemas elementares à
construção e indução desse processo – “as
avenidas radiaes, o trânsito rápido, a conquista
das várzeas são os elementos com que conta São
paulo para animar a descentralização
residencial.”
Uma idéia que é falsa, entretanto, é a de o
sistema radial então formulado se propunha, em
alguma medida, equânime. Não o era. Vê-se pelo
conteúdo do planejado que algumas vias radiais
são priorizadas. Destacam-se, no plano, aquelas
que constituiriam o assim chamado “sistema em
Y” que, por sua vez, cumpriria a função de integrar
uma parte bem determinada da cidade,
privilegiando como eixo de crescimento principal
o norte-sul e prevendo ainda, para a região, a
construção de novos bairros e outras qualificações
urbanas, como a construção de aeroportos e novas
estações ferroviárias. Maria Cristina Leme
constata que, no Plano, “não existem referências
especificas ao desenvolvimento de outras áreas da
cidade.” (1990: 129).
A ligação com a região Leste da mancha
urbana já estava sendo estabelecida, anteriormente,
com a construção da Ladeira do Carmo. No
sistema completo da vias radiais de Prestes Maia,
já aparece a via radial que, de fato, tornar-se-ia,
mais tarde, uma das principais responsáveis pela
ocupação cada vez mais acelerada da ocupação
urbana para esta direção – a Radial Leste.
Entretanto, ela é apenas indicada no plano, o qual
não estabelece para a área mais determinações ou
qualificações.
É evidente que a descentralização para
Leste foi também fortemente provocada pelos
eixos viários de tráfego rápido, no entanto
qualquer equilíbrio entre a população urbana
dispersa pelo território com os sistemas de infra-
estrutura urbana disponibilizados ou com outros
sistemas de transporte que a relacionem com o
restante do meio urbano nunca foi estabelecido. O
que vemos é que a comunicação é dada pelos eixos
de alta velocidade, mas que o devido equilíbrio
não é alcançado apenas com isso. É o preço do
solo urbano, em grande medida, que faz com que
as pessoas movimentem essa descentralização
urbana, seguindo pelas vias indutoras criadas, não
prioritariamente qualquer condição plural de
mobilidade facilitada que tenha sido criada com o
exclusivo traçado de uma via radial. A maior parte
delas, sem um automóvel individual, não se
desloca rapidamente, ainda que exista ali
construída, entre estas pessoas e o centro urbano
consolidado, uma pista expressa da maior
velocidade possível. Sem um sistema de transporte
coletivo realmente eficiente que complementasse
esse sistema proposto ou ainda que oferecesse
outras possibilidades de locomoção em
substituição a ele, a integração seria, como foi e se
mantém, muito parcial e deficitária.
Em verdade, o próprio Plano de Avenidas
implicava nisso. O sistema por transporte coletivo
metropolitano já é nele apontado como único meio
de conectar em grande escala uma cidade que se
tornaria em breve uma grande metrópole. A
intermodalidade entre os meios de transporte
16
também já é, nele, entendida como estruturação de
um sistema completo e amplo. Porém, não foi esta
a conexão que se fez, naquele momento, como
possível nem prioritária.
Ainda assim, vemos que a não priorização
de um sistema de transportes sobre o outro é
escrita e determinada em plano. No entanto, apesar
desta aparente equivalência pretendida na
compreensão de todos os meios de transporte
necessários à mobilidade urbana, vemos
construírem-se, no Plano, os traços da priorização
do sistema viário sobre outros sistemas de
transporte – Leme inclusive esclarece que “O
primeiro ponto a se destacar é que não existem, no
Plano, propostas concretas para o sistema de
transportes.” (1990, p. 43).
Sob a aparente afirmação de equilíbrio
entre os meios de transporte e sob a forte
argumentação que prioriza uma velocidade de
locomoção verdadeiramente modernizante, são
construídos argumentos que colocam,
inevitavelmente, um ponto em constante conflito
com o outro. Expõe-se que o sistema de transporte
por bonde constitui um entrave à vazão rápida nas
vias centrais; assim como se vêem as linhas
ferroviárias como interrupções indesejadas ao
transito rápido dos eixos viários propostos. De
modo que todos os demais sistemas acabam tendo
que se moldar ou se adaptar a um modelo de
estrutura urbana que se pretende colocar como
modelo principal de mobilidade.
É realmente determinante o fato de que
Prestes Maia colocava-se contra a extensão do
sistema de bondes, na região do triângulo central,
justamente porque esta representaria, diretamente,
um grande empecilho ao seu Plano de Avenidas.
Pois, caso o plano de bondes subterrâneos
proposto pelo companhia canadense, Light, fosse
aprovado e implementado, incentivaria a
construção de edificações na área central,
valorizando-a de tal forma que tornaria
impraticável as desapropriações necessárias a
realização das obras viárias.
Plano da Light de bondes subterrâneos – Largo São Bento. FONTE: Stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
No caso da região Leste, a Estrada de
Ferro Central do Brasil, importante eixo de
transporte e elemento de forte caracterização da
paisagem, é analisada, no Plano, do ponto de vista
das intercepções que provoca em ruas cuja
importância como eixos arteriais era crescente –
“A E. F. Central do Brasil penetra o populoso
bairro do Braz e, embora no sentido radial, o que
é uma atenuante, intercepta ruas desde a gare do
Norte até a Vila Mathilde, na extensão de 8
kilometros. Muitas destas ruas estão se tornando
artérias importantes: Hippodromo, Bresser,
Alvaro Ramos, Siqueira Bueno, etc.” (MAIA,
Francisco Prestes, 1935, in LEME, 1990: 46)
O sistema de transporte coletivo que se
constituiria, a partir de então, como base da
locomoção pela mancha urbanizada, em contínua
expansão, justamente por ser concomitante à
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estrutura planejada e por estender-se aos novos
loteamentos, não alcançados pelas linhas de
bondes, seria o sistema por ônibus. Mas o Plano de
Avenidas, em sua abrangência, não pretende
organizar esse sistema e restringe-se a discuti-lo,
não chegando a proposições. Todavia, em seu
desdobramento e concretização, nos governos de
Fábio Prado (1934-1938) e de Prestes Maia (1938-
1945), essa solução de transporte, considerada
barata e flexível, é conseqüente.
A opção pelo meio de transporte em superfície
presente nas proposições e propostas
expressas por Preste Mais no Plano de
Avenidas, mais que indicar uma opção por um
outro meio de transporte, assinala a crise de
regulação do Estado em relação ao transporte
coletivo. O bonde passa a ser visto como
empecilho a fluidez de um tráfego cada vez
mais intenso e veloz. O metrô representa a
aspiração em relação a um meio de transporte
correspondente às necessidades de
crescimento da cidade “moderna”. O ônibus,
nesta perspectiva é apenas uma resposta a
uma crise conjuntural. Inicialmente pensado
como meio de transporte complementar ao
bonde, vai gradativamente assumindo um
papel maior e acabando por substituí-lo. A
generalização corresponde, como procuramos
mostrar, a uma crise de regulação do Estado.
Incapaz de propor e sustentar uma
reestruturação do sistema de transporte em
São Paulo, a Prefeitura passa a agir apenas
fiscalizado os serviços da empresa
concessionária e regulamentando o preço das
tarifas. (LEME, 1990: 224)
Colisão entre bonde e ônibus, 1950. Ilustração que nos serve de caricatura ao embate no plano dos transportes para São Paulo.FONTE: Stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
Poteira delimitando a linha férrea no Bairro do Brás – trânsito interrompido para a passagem do trem.FONTE:stm.sp.gov.br/ pitu2020/retrospec/historia.htm
Rua Porto da Folha/terminal de ônibus no bairro da Patriarca/Zona Leste de São Paulo. O transporte coletivo de acesso as áreas periféricas. FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979)
18
O Plano de Prestes Maia estabeleceu uma
estrutura urbana que preconiza uma expansão
urbana indefinida. Construir-se-ia uma cidade que
indicava os pontos de sua extensão, sem indicar (e,
sem poder indicar) os limites até os quais se
estenderia.
Pode-se identificar um modelo de estrutura
urbana implícito nestas propostas:
mononuclear, de baixa densidade, ocupação
extensiva do solo, sem barreiras para o
crescimento da área urbanizável e com uma
proposta de direções de crescimento.[...]
A estrutura urbana resultante da implantação
de tal sistema viário estende-se
indefinidamente, pois tem, como apoio e
orientação ao crescimento, um sistema viário
que pode ser repetido sucessivamente. Pode-se
afirmar, portanto, que o modelo de cidade
idealizado por Prestes Maia estende-se sem
limites ou barreiras. (LEME, 1990: 124-128)
Foi este plano que lançou as bases para a
estruturação da cidade de São Paulo e que
estabeleceu, assim, os parâmetros para sua
conformação à época do conjunto em estudo,
década de 1980, até os dias de hoje. Ele deu
margem ao processo de periferização da cidade, de
que tratamos anteriormente, contribuindo no
âmbito de sua materialidade espacial para os
processos sócio-econômicos de industrialização,
incluindo as sucessivas migrações, correntes no
início e no desenrolar do século XX.
19
3.3. Uma tentativa de estruturar o crescimento de São Paulo
O Plano Urbanístico Básico (PUB, 1968) e sua não implementação
O PUB, formalizado em Lei
posteriormente pelo PDDI (Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado, 1971), lançou
propostas verdadeiramente ambiciosas para a
estruturação de uma nova São Paulo. Estas não
eram mais do que pensar a devida organização de
uma cidade que ameaçava um ritmo de
crescimento estrondoso – que de fato ocorreu. O
plano baseou-se no pensamento de uma cidade
difusa, essencialmente equilibrada, e buscou, de
forma muito ampla e aprofundada todos os
parâmetros urbanos que a fundamentassem.
Promover uma distribuição mais equilibrada
da população e do emprego no Município e na
Área Metropolitana, a fim de possibilitar
maior proximidade entre os locais de
residência e de trabalho e permitir a operação
de um sistema de transporte que proporcione
alta mobilidade com mínimo congestionamento
de tráfego. (PUB, 1968: 25).
Entendeu-se por necessário que se
trabalhasse com a interação entre todas as funções
e dinâmicas que se travam na relação dos homens
com o meio em que habitam. A cidade de São
Paulo e sua Região Metropolitana foram, na época
de proposição do PUB, inteiramente
diagnosticadas. Todos dos elementos que
determinam a relação entre vida humana e espaço
das cidades foram analisados.
AGLOMERADO URBANO METROPOLITANO – USO DO SOLO GENERALIZADO 1968. FONTE: PUB, 1968
A metodologia se pautou em balancear,
por meio de instrumentos científicos, como
recursos da matemática estatística e também da
ciência sócio-política, a interrelação entre tais
elementos. A densidade populacional proposta
para um determinado local da cidade deveria estar
de acordo com o satisfatório equacionamento
estabelecido com as áreas urbanas disponíveis e
ocupadas, com o parcelamento do solo urbano,
assim como com o número de habitações, com a
oferta de serviços, de comércio, de educação e
lazer. Esse equacionamento se daria
fundamentalmente em função da multiplicidade de
usos, de um zoneamento que priorizasse a
diversidade de funções e usos urbanos. A
diversidade de classes na estruturação deste
espaço, evidentemente, é desejada, mas
dificilmente qualquer instrumento conseguiria, de
imediato, construí-la. O Plano, inclusive, não nega
este fato e trabalha, inevitavelmente, sobre a
diferenciação das classes sociais no uso desse
território planejado. É evidente, no mapa
elaborado pelo PUB (p. 20), o afunilamento da
porção que indica a classe de renda alta, quando
os gráficos se distribuem pelas partes mais
distanciadas do quadrante sudoeste da cidade.
20
Outros dados ainda reforçam a apreensão dessa
realidade, se é que esta já não é bem conhecida.
Vê-se que em seis áreas pesquisadas (Casa Verde,
Tucuruvi, Itaquera, Penha, Osasco e
Itaquaquecetuba) os índices de acesso à infra-
estrutura de saneamento básico, de rede de água
encanada e de rede de esgoto são inferiores a 50%,
ao passo que, na unidade Centro e Ibirapuera,
esses mesmos índices são superiores a 90% (PUB,
1968, p. 50).
No entanto, com os elementos que se
entende serem passiveis de manejo no campo do
planejamento urbanístico, estruturam-se as
possibilidades de transformação desse quadro
constituído por espaços de desenvolvimento
desigual (HARVEY, 2005).
Esquemas conceituais ilustram a distribuição do valor da
terra e a distribuição de domicílios segundo a classe de renda, evidenciando a dinâmica de ocupação do território de São Paulo pelos setores da sociedade. Fonte: PUB, 1968, p. 46
No momento de proposição do Plano
Urbanistico Básico, São Paulo já vivenciava há
pelo menos vinte anos o intenso conflito entre seu
crescimento populacional acelerado e a restrita
expansão das infra-estruturas urbanas. A
mobilidade da população era muito reduzida e
precária e a concentração urbana em torno dos
centros mais consolidados era alta, apesar das
tendências de alargamento da mancha urbana pela
população. Amadio extrai um dos trechos
diagnósticos do PUB e comenta que “o Plano
relacionou problemas decorrentes da falta de
controle do uso do solo, além de atendimento
precário dos serviços urbanos e transportes. Em
relação a esses últimos temas, foi descrito que em
1968, 45% da população não dispunha de
abastecimento de água, 63% não era servida por
rede de esgoto e 10% não dispunha de coleta de
coleta de lixo, sendo ainda muito deficiente o
sistema de pavimentação e iluminação pública
(apenas 40% das ruas oficiais eram pavimentadas
e só 24% das mesmas dispunham de iluminação).
Um dos motivos da excessiva concentração da
cidade, segundo essas análises, se encontrava na
grande deficiência dos serviços urbanos, que no
caso do transporte público incluía extensas
jornadas diárias para o deslocamento da
população. (AMADIO, 2005: 170).
Um constituinte primordial do Plano que
tange diretamente o tema aqui tratado é a pesquisa
nele elaborada para pensar a metrópole paulista
constituída por uma série de pólos, devidamente
incentivados e estruturados. A cidade deveria
prever em sua dinâmica a constituição de sub-
centros regionais, dotadas de certa força
econômica e auto-suficiência, mas que
estabelecessem com o pólo central uma relação de
21
complementaridade e não de dependência. Nesse
âmbito, previu na região de Itaquera, e também em
Santo Amaro, a constituição de grandes centros
sub-regionais “para abrigar atividades recreativas
e culturais e oferecer cerca de 100 mil empregos
em serviços nessas áreas que deverão atender,
mais diretamente, a populações da ordem de 1,0 a
2,5 milhões de habitantes. Esses centros terão
áreas residenciais adjacentes de alta densidade e
serão implantados de acordo com planos
detalhados, mediante desapropriação de terrenos,
provisão de serviços urbanos e outros meios de
ação.” (PUB, 1968).
Esquema Conceito de Estrutura Urbana I (PUB, 1968, p. 66)
Esquema Conceito de Estrutura Urbana II – Dispersão da população da população e dos empregos por toda a Área Metropolitana, distribuídos ao longo das linhas do sistema de trânsito rápido. Constituição de núcleos urbanos , social e economicamente equilibrados. (PUB, 1968, p. 66)
Por meio de esquemas conceituais, o Plano
ilustra tais concepções de organização espacial
para uma metrópole em equilibro. Ele entende que
o esquema conceitual II representa uma grande
ruptura com as tendências resultantes das forças
sociais e econômicas então voga e que, em função
disso, torna-se inviável estabelecê-lo como base
para um planejamento que se pretende factível.
Sendo assim, o esquema conceitual I é um estudo
que tenta aliar a dinâmica real de produção do
espaço urbano a um esquema (conceito II) que
seria o seu ideal.
Já no plano, consta a proposta de trabalhar
em concomitância com a política nacional
formulada, em 1964, para a habitação popular. E
são os conjuntos construídos mais tarde na Zona
Leste da cidade, um dos resultados “parcialmente”
concretizados do plano.
Construir, com financiamento do Banco
Nacional da Habitação, 480 000 novas
unidades habitacionais para atender a 70%
das necessidades da população de média-baixa
e baixa renda, dos quais 300 000 através da
COHAB-SP; promover a melhoria das
condições habitacionais existentes, através da
expansão dos serviços básicos urbanos e da
disponibilidade de financiamento, a juros
baixos, para aquisição de material de
construção; e propiciar a implantação de
programas sócio educativos e técnicos para
orientar a autoconstrução, como meio um meio
de substituir gradativamente as habitações
inadequadas.(PUB, 1968: 27)
22
DISTRIBUIÇÃO ATUAL (1968) DA POPULAÇÃO E DO EMPREGO. FONTE: PUB, 1968. Diagnóstico sobre a organização do meio metropolitano segundo estrutura mononuclear.
DISTRIBUIÇÃO PROPOSTA DA POPULAÇÃO E DO EMPREGO (1990). FONTE: PUB, 1968 Organização espacial urbana segundo o conceito I de polinuclearidade. Distribuição equilibrada entre a densidade populacional e a disponibilidade de empregos por região.
23
Quando se estabeleceu, neste momento, a
mobilidade urbana como questão essencial no
pensar e planejar a cidade para ali em diante,
colocou-se que essa mobilidade deveria construir-
se primordialmente embasada em sistemas de
transporte coletivo de alta densidade e grande
velocidade que careciam ser, a partir de então,
planejados e viabilizados; além de priorizados em
relação a outros meios de transporte rodoviário,
sobretudo o automóvel individual.
Para nós, tal medida do âmbito do
planejamento urbano não é nenhuma inovação,
ainda menos os são as conseqüências que esta
sempre tem tentado evitar e que hoje atingem
níveis cada vez mais críticos e menos irrefreáveis.
Intensificar o uso dos transportes coletivos
dando prioridade a um atraente sistema de
trânsito rápido, oferecendo a toda população
acesso fácil a todos os pontos da área e
atraindo o maior número de proprietários de
carros para o sistema, mediante a oferta de
outros modos de viagem.
Proporcionar níveis adequados de serviços de
transporte a toda Área Metropolitana,
mediante o desenvolvimento de um sistema
integrado de transportes regional, composto de
Metrô, ônibus e rede de vias expressas e
arteriais, consolidando a região em um
conjunto econômico e social e atendendo
simultaneamente às necessidades
diversificadas da demanda de tráfego. (PUB,
1968: 29)
SISTEMA DE METRÔ RECOMENDADO (1990). FONTE: PUB, 1968
SISTEMA DE VIAS EXPRESSAS RECOMENDADO (1990). FONTE: PUB, 1968
O sistema metroviário proposto ainda
tenderia a certa radio-concentricidade, no entanto,
a estrutura viária proposta pretendia o
estabelecimento de uma trama ampla, cujos
caminhos não confluíssem para um único e
determinado centro, mas que oferecessem
possibilidades mais diversificadas de percursos.
Propostas viárias que complementam e
concretizariam a organização da região
metropolitana em poli-núcleos.
Pretendia-se a complementaridade entre os
sistemas de transporte. Não podemos dizer que
atualmente tal complementaridade inexista de
todo, ela ocorre, e, muitos passageiros fazem uso
dela diariamente. No entanto, comparar a trama e a
dinâmica de intermodalidade construídas
24
atualmente com àquelas do Plano é bastante
desolador. A falha do sistema atual, para além de
sua sabida limitada abrangência, é a discrepância
no atendimento às diferentes regiões da cidade e
da área metropolitana. Em determinadas regiões,
há a oferta e qualidade de transporte desde o
sistema metropolitano, até o sistema de ônibus
urbanos; já em outras a relação entre a demanda
pelo transporte e sua disponibilidade é discrepante,
a qualidade é inferior e etc.
Alguns avaliaram como muito ambiciosas
as intenções, expostas pelo corpo de planejadores
formuladores do PUB, para o plano de Circulação
e Transportes. Cabe complementá-lo ainda com
uma de suas principais propostas neste setor:
Expandir o sistema de transito rápido, em
construção, de 66 km para 450 km, utilizando
185 km da faixa de domínio das ferrovias, para
atender a 40% do número total de
passageiros/km dos transportes coletivos,
ligando entre si os centros sub-regionais
propostos e unindo-os à área central (PUB,
1968: 29)
. Quanto à viabilidade econômica ou política
desse plano de transportes, podemos entender por
legítimos quaisquer questionamentos e discussões
que se queiram estabelecer. Há os estudos que
analisam o país sobre sua condição de economia
de acumulação entravada, na qual a busca pelo
desenvolvimento técnico-científico seria
continuadamente solapada (ver DÉAK, 1990). No
entanto, o plano não prevê, para 1990, nada para
além do mínimo que a cidade e sua população
carecem atualmente e que careceram ainda mais,
em fins de 1970, quando grande parte dela foi
chamada a habitar os conjuntos de habitação numa
periferia bastante desconexa. O plano mesmo
argumenta, antecipadamente, sua própria defesa:
O sistema recomendado pode parecer
excessivamente extenso. Deve-se notar que em
Nova York existem mais de 400 km de linhas
de Metrô, atendendo a uma área de cerca de
um terço do tamanho da futura área
urbanizada de São Paulo, além de
aproximadamente 100 km de vias férreas
suburbanas, para servir a uma população de
menos de 10 milhões de habitantes. A área
urbanizada de Londres, com cerca de 9
milhões de habitantes, tem mais de 1100 km de
linhas de Metrô e trens suburbanos. A extensão
recomendada para São Paulo é bem menor,
mas as linhas serão melhor utilizadas, pois
foram planejadas como parte de um sistema
integrado, em vez de se desenvolverem ao
longo dos anos, como aconteceu com os
sistemas daquelas cidade. (PUB, 1968: 105).
Quando da elaboração da Lei que
institucionalizou o PDDI, em 1971, o conceito
elementar de fundamentação de todo o Plano
Urbanístico Básico, que é o da estruturação
urbana a partir dos elementos de infra-estrutura
viária e de transportes, perdeu a força. É latente
que sem ele, o Plano como um todo se desequilibra
e se desconstrói. É latente que sem um sistema que
se proponha a interligação da cidade, nos moldes
do que se propôs naquele momento, a própria
cidade não se estabiliza.
A semelhança do PUB, a elaboração e
aprovação do Plano (PDDI) se deu em meio
ao clima de ufanismo do “milagre
econômico”, desconsiderando os custos de
implantação da rede viária e decolado da
25
prática imposta à cidade pelo mercado
imobiliário formal e informal. Outro motivo, a
crise do petróleo de 1974, se constituiu em
argumento para forte contestação (técnica,
bem entendido) à proposta da malha de vias
expressas, gerando uma expectativa em
relação ao transporte público, que também
não se efetivou. (AMADIO, 2005: 173)
Enfim, sem a trama infra-estrutura de
transportes, que reforçaria a capacidade de
desenvolvimento mais plural e homogêneo da
metrópole paulista; também deixa de fazer sentido
falar-se em incentivo e desenvolvimento de sub-
centros regionais, ainda que o PDDI tenha tentado
levar a cabo essa diretriz. Toda a estruturação
pensada torna-se manca. O projeto habitacional,
iniciado em 1978, nesse futuro sub-centro já de
antes comprometido, sentiu e expôs ao longo dos
últimos anos todas as conseqüências dessa perda.
26
3.4. Enfim, em 80. Quais meios de transporte e que integração?
A sobrecarga na via Radial Leste Ônibus como transporte eminentemente popular Integração pela linha LESTE-OESTE do metrô
As propostas técnicas de transporte urbano
sobre trilhos e sobre pneus já haviam se confrontado na
década de 1930, tendo vencido o pneu com o Plano de
Avenidas de Prestes Maia. Na intensa atividade de
planejamento, do final da década de 60, início da de 70,
as grandes alternativas se confrontaram novamente. O
PUB (1968) propunha uma extensa rede de Metrô de
650 km como novo elemento estruturador do transporte
metropolitano; o projeto DERMU, por sua vez,
preconizava uma rede composta de malha quadrada, de
4 km de lado, de vias expressas, totalizando cerca de
400 km de extensão. Desta vez, não houve vencedor
nem vencido. Nenhuma das alternativas chegou a
eliminar a outra, senão que ambas foram reduzidas a
tal ponto que, em conjunto, reproduziram e mesmo
aumentaram o nível de carência em infra-estrutura
viária e de transportes, após um período inicial de
algum alívio e uma tímida reestruturação da
aglomeração urbana metropolitana. (SEMPLA, 1990:
154)
FONTE: stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
Avenida Radial Leste. FONTE: stm.sp.gov.br/pitu2020/ retrospec/historia.htm
Concebido como meio de transporte
eminentemente popular, o ônibus, devido a sua
flexibilidade e infra-estrutura barata, acabou sendo
considerado o meio mais adequado ao atendimento das
necessidades de circulação da população de renda mais
baixa, no interior de um centro de crescimento
acelerado.
Tais vantagens, entretanto, levaram a definição de uma
política, especifica desse sistema, que no plano
concreto alimentou a expansão da rede viária e,
conseqüentemente, a expansão urbana, e resultou, ao
nível do próprio sistema, no aumento contínuo da frota
de ônibus e na prática de extensão das linhas até os
novos núcleos de demanda, alongando em demasia os
percursos.[...]
A precariedade do sistema viário, a existência de linhas
de ônibus com mais de 40 km, a distribuição
desequilibrada da demanda e inadequada da oferta,
constituem características do sistema de transportes no
corredor (LESTE-OESTE), de conseqüências negativas
tanto para o usuário quanto para as operadoras.
(Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979: 32)
27
Não foi nenhuma descoberta
impressionante nem, ainda menos, imprevista,
quando, em fins da década de 1960, percebeu-se
que se tornara premente que aos habitantes dessa
cidade fosse viabilizado um meio de transporte que
os possibilitasse locomover-se com rapidez por um
território de complexidade metropolitana. Não foi
surpresa alguma, pois, como vimos, já se sabia
disso há pelo menos meio século. Todo e qualquer
pensamento sobre o meio urbano de São Paulo que
tenha sido formulado, no decorrer do século XX,
não deixou de reconhecer e reafirmar essa
constante e inevitável realidade.
A estrutura viária da cidade, já tinha, nesta
época, suas vias radiais e expressas saturadas pela
imensa quantidade de automóveis e ônibus que por
elas circulavam todos os dias. O retardo para a
construção de um amplo sistema de transporte
coletivo metropolitano de alta velocidade, bem
como a já antiga e conhecida influência
rodoviarista norte-americana e as políticas internas
a ela correlatas, encheram as ruas da cidade e as
garagens das casas paulistas de quantos mais
automóveis seus moradores pudessem adquirir.
Não se trata apenas da acepção isolada ou abstrata
de uma ideologia ou de um determinado modo de
vida. Nem somente de uma escolha por um ou
outro meio de locomoção. Trata-se, sim, de uma
estrutura urbana criada que postergou em demasia
a implantação de uma rede de transporte coletivo
adequada a sua realidade e que ofertou à
população possibilidades muito restritas de
locomoção, contribuindo para alimentar,
alarmantemente, um sistema fadado ao iminente
esgotamento.
Fica evidente, assim, que o automóvel
individual e o ônibus constituíram-se como meios
de locomoção essencialmente atrelados a
determinadas faixas de renda. Em suma, restava o
ônibus a todo indivíduo que não pudesse abarcar a
aquisição e manutenção de um automóvel próprio.
Na relação a seguir, podemos ver que, em 1987,
um ano antes da conclusão do tramo Leste, essa
divisão é quantificada.
1987 2000 1987 2000
0.47 0.594 0.10 0.206
0.64 0.739 0.20 0.352
0.76 0.755 0.47 0.662
0.72 0.606 0.90 1.423
0.51 0.387 1.74 1.952
Total 100.0 0.64 0.660 0.49 0.710
>30 7.9
Coletivo Individual
REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO, 2000
MOBILIDADE POR MODO, 1987 e 2000 (Est.)Faixa de renda
(SM) (%)
Até 4 20.7
4 - 8 28.1
8 -15 26.0
15-30 17.2
Até4 4 a 8 8 a 15 15 a 30 >30 TOTAL
Coletivo 0.47 0.64 0.76 0.72 0.51 0.63
Individual 0.10 0.20 0.47 0.90 1.74 0.50
Total motorizadas 0.57 0.84 1.22 1.62 2.25 1.14
Viagens motorizadas(milhares) 1921 3834 5189 4567 2903 18525
A pé* 0.69 0.77 0.70 0.58 0.39 0.67
População (milhares) 3378 4577 4247 4247 1290 16304
População (%) 20.7 28.1 26.0 17.2 7.9 100.0
FAIXA DE RENDAMODO PRINCIPAL
* Incl. Outros= bicicleta, caminhão etc. Fonte: Pesquisa OD87
FONTE:www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/3publ/90elem_tr/90el-sld/index.html
COLETIVO INDIVIDUAL
28
Fotografia de um congestionamento – anos 1950. FONTE: stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
O trecho retirado do estudo da Companhia
do Metropolitano de São Paulo (1979), relata a
sobrecarga do transporte coletivo “eminentemente
popular” por ônibus e a constante e ineficiente
tentativa de adaptá-lo e capacitá-lo a suprir
demandas e distâncias para as quais não foi
pensado e que excediam o limite de suas
possibilidades técnicas.
Este estudo analisa e conceitua também,
em 1975, a existência de grandes corredores de
transporte e atividades na organização da cidade.
Dentre eles, destaca o corredor Leste (Avenida
Celso Garcia/Avenida Rangel Pestana/Avenida
Alcântara Machado/ Rua da Mooca) como o mais
amplo e o mais populoso de todos – “Esta relação
evidencia um aspecto fundamental, qual seja, a
existência de um grande contingente populacional,
distribuído por uma imensa área, mas gravitando
em torno de um único eixo de transportes e de
atividades”. (Companhia do Metropolitano de São
Paulo, 1979: 25). No inicio do século, muito
comumente a população que residia nas periferias
leste e oeste pegava o ônibus até as estações de
bonde, localizadas na Penha e na Lapa, para
chegar ao centro da cidade. De modo que, desde
essa época, esses bairros já se configuravam como
regiões muito dinâmicas e como grandes
centralidades.
Corredor Leste-Oeste – Fluxo de ônibus na hora de pico FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979
A integração do eixo norte-sul da cidade,
por meio do transporte metropolitano, teria inicio
em dezembro de 1968 e seria concluído em 1974.
Já a integração entre as porções leste e oeste da
cidade, e aquela entre elas e o centro e, então, com
o eixo norte-sul, apenas viria a ter inicio em fins da
década de 1970.
Assim, não é exagero dizer-se que
“finalmente”, em 1977, são iniciadas as obras do
tramo Leste do metrô de São Paulo. O conjunto
habitacional em estudo, COHAB Itaquera I (1978-
1984), já previsto no PUB de 1968 juntamente
com uma malha metroviária que, então, já estaria
muito mais avançada do que a existente (ou ainda,
imensamente mais do que a atual), e seus mais de
120 mil habitantes esperaram até 1988 para que
pudessem, de fato, usufruir de um transporte
adequado à escala de interação metropolitana. A
linha construída não é inteiramente aquela do
projeto, pois o trecho à oeste que ligaria a Estação
Barra Funda à Lapa não foi implantado. Assim
como outras linhas, então planejadas, diferem de
seus percursos atuais ou até foram substituídas por
outros e novos projetos, já construídos ou ainda em
plano (ver ilustrações p. 30-31).
29
Sistema principal de transportes existentes ou em construção A Linha-1 Azul do Metro já aparece indicada em estágio de construção. FONTE: PUB, 1968.
A construção dessa nova linha de Metrô
foi impactante. As regiões leste e oeste, nesta
década de 1980, transformaram-se bruscamente.
Toda uma conformação urbano-regional é
modificada e reconfigurada. São muitos os
elementos que sofrem influências, diretas e
indiretas, desse processo. Projetos de
reurbanização são elaborados pela EMURB
(Empresa Municipal de Urbanização) para as áreas
desapropriadas pelo metrô, desde o bairro do
Bresser até Itaquera. EMURB, SABESP e
Secretaria de Vias Públicas realizam a canalização
do córrego Aricanduva e a reurbanização de todo
seu entorno, além da construção da Avenida
Aricanduva e de todo o complexo que hoje
caracteriza a região; são, também, encaminhadas
as obras dos já comentados programas
habitacionais da COHAB-SP.
Todo o sistema de transportes existentes é
também reelaborado. São exigidas a readaptação
de linhas antigas e a criação de novas linhas e
novos terminais de ônibus urbanos. Trechos de
avenidas como a Avenida Radial Leste e a
Avenida Tatuapé são construídos pela Secretaria
de Vias Públicas, dando continuidade a estas.
Outras vias locais para efetivar as ligações entre as
vias arteriais e os bairros são traçadas. Além
disso, são elaborados projetos de passarelas e
passagens para pedestres, bem como de viadutos,
para realizar as várias transposições sobre o
sistema viário, metroviário e ferroviário ao longo
de toda linha Leste-Oeste do Metrô (Companhia
do Metropolitano de São Paulo, 1979).
A barreira física, representada pelos trilhos
ferroviários e acrescida no futuro pelos trilhos
do metrô, poderia fazer com que os quase três
milhões de habitantes da Zona Leste de
isolassem em dois grandes núcleos estanques.
Para resolver esse problema, que traria sérios
prejuízos à já difícil movimentação local, foi
planejada a remodelação da Avenida Radial
Leste e a construção de uma série de viadutos
que permitirão as transposições de um lado a
outro dos trilhos. Este conjunto viário não terá
características apenas locais: a nova avenida
será uma via arterial de primeira categoria,
capaz de complementar o transporte coletivo a
ser executado pelos subúrbios e pelo metrô.
(Cia do Metropolitano de S. Paulo, 1979, p. 45)
Avenida Radial Leste. FONTE: Cia do Metropolitano de São Paulo, 1979).
30
Significativas mudanças na estruturação física e
dinâmica das atividades econômicas de comércio e
serviços são, então, evidentemente, conseqüentes.
Era desejável que a ocupação, por essas atividades,
dos terrenos junto às estações de metrô e ao longo
das vias de percurso dos ônibus que conduziriam a
elas, fosse intensificada. O programa
monofuncional dos conjuntos COHAB não
tardaria a ser fundamentalmente transformado.
Enfim, após, aproximadamente oito anos
de intensas transformações do meio urbano,
produzidas tanto pelo poder público quanto pelos
agentes do mercado formal e informal, alguma
integração, ainda que muito aquém daquela
desejada, entre plano habitacional, plano de
mobilidade metropolitana e plano de sub-centro
regional passaria então a concretizar-se.
PROJETO DA ESTAÇÃO TERMINAL CORINTHIANS-ITAQUERA – LESTE-OESTE DO METRÔ – 1979. Integração com o conjunto COHAB Itaquera I ABC e com o Clube Corinthians Paulista. FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979.
MAPA DO TRAJETO DA LINHA LESTE-OESTE DO METRÔ – 1979. A extensão construída não inclui o trecho que interliga a estação Barra Funda à Lapa, na porção oeste da linha. FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979.
REDE BÁSICA DO METRÔ – 1990 FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979.
31
MAPA DE SOBREPOSIÇÃO DO TRAÇADO DO METRÔ PREVISTO PARA 1990 E O TRAÇADO ATUAL (2009)
32
3.5. O conjunto COHAB implantado Políticas habitacionais precedentes e a criação do BNH A proposta de nova configuração do tecido urbano e a volta a tessitura tradicional
O rompimento da monofuncionalidade
Falar sobre o caráter dos conjuntos
habitacionais desenvolvidos pela COHAB-SP no
decorrer da transição dos anos 1970-1980 na Zona
Leste de São Paulo, bem como sobre muitos dos
demais conjuntos produzidos por essa Companhia
ao longo dos anos, requer o estudo e compreensão
acerca das políticas que nortearam o campo da
habitação social que se desenvolveu no Brasil a
partir da década de 30 do século XX. O conjunto
habitacional que compreende os três espaços em
estudo, Conjunto Itaquera I B Padre Manoel da
Nóbrega, com sua população estimada em 35. 950
habitantes, soma, com os conjuntos Itaquera IA e
IC que lhe são limítrofes, uma população em torno
de 60 mil habitantes. Implantados no período de
1978-1984, estes conjuntos têm nas décadas
anteriores os processos que são basilares a sua
história e constituição.
O surgimento da questão da habitação
como questão social, e, portanto, como problema
de âmbito público (BONDUKI, 1994), ocorreu
principalmente quando, em meados de 1940, o
setor privado, que dominava o processo de
provimento de habitação, mostrou-se incapaz de
suprir a demanda de moradia de todo o contingente
populacional da cidade. Não era mais possível que
os investidores privados tivessem o domínio sobre
esta questão essencial do desenvolvimento social
urbano que é o habitar. Tais investidores não
enxergavam, obviamente, qualquer tipo de
responsabilidade social na competência que
exerciam (e que até hoje exercem com
arbitrariedade); considerando a habitação
unicamente como mais um ramo de negócios,
bastante lucrativo.
O que se desenvolveu no período anterior
a 1964 com os IAPs – Institutos de Aposentadoria
e Pensões – pode ser considerado como um
desenvolvimento do processo de provisão de
moradia por parte de órgãos relacionados ao
Estado. No entanto, tais órgãos atuaram de forma
consideravelmente restrita. Muitos não eram
contemplados pelos planos dos Institutos, tendo
mesmo de encontrar outros meios de se
estabelecer. É na década de 1940 que a cidade de
São Paulo gera seus primeiros núcleos
habitacionais de habitação precária, geralmente
construídos de forma irregular, em terrenos mais
centrais, até então desocupados.
Apesar da restrição quantitativa de alcance
dos conjuntos produzidos pelos IAPs, a
colaboração destes últimos no âmbito do
desenvolvimento da habitação enquanto projeto
arquitetônico e urbano foi de importância
inquestionável. Pautado nos parâmetros da
arquitetura moderna e de sua discussão em nível
internacional dos assuntos relacionados ao morar
do homem moderno, tais conjuntos foram
projetados tendo como diretriz primordial
desenvolver projetos completos, essencialmente
coesos, que dessem a ver à população os
parâmetros de seu novo meio de vida.
Sem a pretensão de tratar detalhadamente
o programa desses conjuntos, é preciso ao menos
tangenciar alguns de seus principais aspectos
organizacionais e projetuais, para que seja possível
observar a forma como tais projetos foram
tomados como referência para o desenvolvimento
33
da política habitacional posterior e as
conseqüências que o desvirtuamento de seus
princípios acarretaram na realidade dos novos
Conjuntos Habitacionais.
Os profissionais envolvidos com os IAPs
procuravam atribuir a seus projetos a capacidade
de suprir a necessidade do homem da modernidade
por uma vivência digna e completa, tanto no
âmbito privado e individual da unidade
habitacional, quanto no público e coletivo dos
espaços externos aos prédios. Para tanto, existem
três características que nos são primordiais, são
elas: a opção pela habitação verticalizada, a
moradia coletiva; a opção pelo sistema de locação
de moradias; e o novo padrão de tecido urbano, de
blocos de habitação privada distribuídas num todo
verde e público, o padrão já bastante conhecido
das “superquadras”. É justamente a mudança ou
desvirtuamento desses elementos básicos de
projeto que se colocam de modo bastante crucial
na realidade do Conjunto que envolve as três áreas
em estudo.
A política habitacional, da qual o Conjunto
Itaquera IB é resultado, teve início em 1964.
Foram organizados o Banco Nacional da
Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de
Habitação (SFH) como instrumentos de uma
política centralizada, substituindo os então extintos
Institutos de Aposentadoria e Pensões. As
Companhias Metropolitanas de Habitação de cada
município e os órgãos estaduais, como o CECAP
(atual CDHU), no caso de São Paulo, eram órgãos
cuja competência era converter em projetos
concretos os investimentos gerenciados pelos
âmbitos financeiros, BNH e SFH, citados. Essa
política teve como princípio o desenvolvimento de
habitação coletiva de grande escala para serem
vendidas, por meio de financiamento, às faixas de
renda mais baixas (ZANDONADE, 2005).
O conjunto de apartamentos BNH é
comparável à superquadra modernista no
porte, na divisão programática entre habitação
coletiva e seus complementos, no emprego de
edificações isoladas dissociadas da rua e
dispostas sobre o espaço aberto contínuo,
coletivo, indiferenciado. Faltam, porém, o
elevador, os pilotis que eliminaria a ausência
de privacidade registrada nos apartamentos
térreos, os estacionamentos no subsolo e o
tratamento do espaço aberto como Jardim
inglês tropicalizado à la Burle Marx que a
superquadra de Brasília ostenta. (COMAS,
1986: 128)
Ressaltemos, então, os dados que são
essenciais para apreender a atual condição urbana
do Conjunto Habitacional Itaquera I produzido
pela COHAB-SP. Os blocos de habitação coletiva,
distribuídos por meio de carimbadas sucessivas em
glebas bastante extensas, pretendiam
precariamente constituir um todo aberto e coeso,
como nos conjuntos IAPs, não fosse sua imensa
ambigüidade. Os conjuntos da política BNH já
nascem com uma contradição latente entre seu
desenho urbano e sua política habitacional
financeira. Uma vez que foi estabelecida uma
política centralizada da “casa própria”, um
desenho urbano que favorecesse um ideal
completamente oposto como o das “superquadras”
do período anterior a 1964, de áreas verdes
contínuas constituindo térreos livres e públicos,
ficaria, como de fato ficou, em uma condição
34
extremamente frágil e ameaçada. Ao passo que,
nos conjuntos dos IAPs, o térreo era de
propriedade dos próprios Institutos que eram
responsáveis pela sua devida manutenção e
cuidado; no caso posterior, a posse dos imóveis de
habitação logo se chocou com o plano – que se
tornara então bastante incongruente – de uso
público do solo. O novo modo de morar, pautado
na política difundida da casa própria, pressionou,
de maneira praticamente inevitável, a tomada de
posse, pelos moradores, da porção imediata de
terreno que envolvia a edificação. É bastante
razoável compreender que a má determinação de
domínios de posse, neste caso, não se sustentaria
por muito tempo, já que cada morador quer saber
ao certo quanto de dinheiro vai ter de gastar na
manutenção de seu espaço coletivo, e, sobretudo,
que espaço é este. E daí surgiram logo os gradis e
os longos muros para dar um fim a tal
ambigüidade. A disputa pelas novas demarcações
de território demonstra a tendência dos moradores
em retornar à configuração de tecido urbano a que
estavam habituados. O muro, portanto, veio
delimitar o que é interno do que é externo, pois
assim o que é de alguns, e está sob cuidado destes,
não se confundiria com o que era de uso de todos.
A inadequação do projeto habitacional ao
modo de vida urbano é reafirmada ainda pelo
grande número de estabelecimentos comerciais
que surgem de improviso em garagens não menos
improvisadas, rompendo de forma intensa uma
exagerada monofuncionalidade. Em Itaquera I,
com a extensão da linha de metrô leste-oeste até
Artur Alvim e Itaquera, estações que servem
diretamente aos moradores desse conjunto, os
assaltos tornaram-se mais freqüentes e a população
moradora não quis mais deixar seus carros no
bolsão aberto, auto-construíram suas garagens de
paredes de alvenaria estrutural e telha e daí
emendaram, no perímetro do entorno de seu
edifício, a construção do muro todo. As primeiras
construções eram reprimidas e demolidas, depois
de um tempo e de muita reincidência, foram
deixados permanecer tais elementos, frutos de
ações já tão generalizadas.
Talvez por ser o conjunto mais próximo da
densa mancha urbana, em fins de 70, (ver mapas
EVOLUÇÃO URBANA – p. 38-9), o conjunto
Itaquera I, um dos maiores e mais consolidados,
foi o mais intensamente apropriado e transformado
por seus moradores, por meio de ações particulares
ou por seus conselhos condominiais e outros
movimentos organizados.
É um fato, então, que ainda hoje, toda
garagem já construída ou todo cercamento,
anteriormente, feito em torno dos terrenos
contíguos aos edifícios têm sua condição definida
como de uma consolidada e permanente
ilegalidade, ao menos perante a legislação
municipal que os regula. Devido a tais questões de
legislação e de financiamento, esse tipo de prática
nos projetos públicos habitacionais é recorrente até
os dias de hoje. O que ocorre é que as unidades em
conjuntos habitacionais são vendidas por meio de
financiamento, como foi com as COHABs na
década de 80, financiadas pelo BNH; e como
continua a ser para a produção atual de moradia,
cujo financiamento é feito pela Caixa Econômica
Federal. No entanto, os estabelecimentos
comerciais destes conjuntos, por sua vez, não
podem ser financiados pelo órgão público, de
modo que sua implantação e regularização
dependem de processos licitatórios que em muito
delongam ou, por fim, impossibilitam a
35
implantação de projetos que proponham para os
conjuntos habitacionais usos urbanos mais plurais
e dinâmicos.
Vemos em Damiani, quando da análise
dessa problemática, que é mesmo a adequação
entre forma e conteúdo que é complicada. Esse
meio urbano planejado para a habitação das
pessoas mais pobres constituiu-se em um espaço
cuja forma se mostrou muito impositiva.
Com conteúdos mais estéreis, por principio,
essa forma urbana delimita a vida humana.
Mas as coações, que ela implica, são
enfrentadas ao nível da prática urbana, que
por sua vez, recupera as múltiplas relações
entre o homem e o espaço, expondo ambos à
história, às estruturas e conjunturas, à cultura
adquirida, às inserções sociais, até o
imaginário e imaginação sociais, aos desníveis
e fissuras entre as macro estruturas e o espaço
vivido cotidianamente, que, então,
caracterizam possibilidades de apropriação,
também múltiplas.
É o nível das relações dialéticas entre coações
e apropriações, que, inclusive, permite a
inserção de imprevistos, resíduos, acasos, que
a magia das possibilidades históricas torna
real.
Mas sobra, como fato e problema, a força
social e política que a rigidez dessa forma
implica, porque, na expressão de Walter
Benjamim, “são espaços nos quais é difícil
deixar rastros”. Abruptamente se instalam e
tentam arrastar consigo as referências
anteriores. A re-construção é dolorosa.
(DAMIANI, 1993: 21-22)
Este impasse, sem solução desde aquela
época, fez com que os moradores dos conjuntos
habitacionais tentassem encontrar outras soluções
que garantissem aos conjuntos planejados um grau
de adequação urbana minimamente aceitável. Em
Itaquera, os usos urbanos mais primordiais foram
se inserindo em um tecido urbano que a princípio
não lhes cedeu lugar algum. Não os proibiu, mas
também não chegou a determiná-los de forma
organizada na prática, de maneira que sua
ambigüidade gerou o conceito de uso “não
previsto” ou até mesmo “irregular” às formas mais
legítimas e óbvias de diversificação do meio
urbano (JACOBS, 1961) – a plasticidade do
espaço, em principio, rigoroso ( DAMIANI, 1993)
Esse conceito de habitação popular chegou
a nós e influenciou a concepção desses grandes
conjuntos, em um dado momento em que o mundo
já os havia repudiado e rejeitado. Foi uma
expressão do moderno em sua forma mais
rudimentar (DAMIANI, 1993). Partiu do purismo
e da racionalidade da forma urbana e da forma
construída e reproduziu os erros, já antes
cometidos, de tentar conceber um meio que se
constitui-se apartado do restante da cidade e de sua
vida. Esqueceu-se que à vivência humana são
inerentes a construção e a guarda de memórias, de
memórias vividas e vivas. Os moradores desses
novos conjuntos levaram consigo uma memória de
cidade, que os acompanhou na árdua reelaboração
do espaço que foi construído para que habitassem.
(...) o espaço tem essa propriedade complexa de
guardar tempos históricos, e os fixar – a questão
sobrevivências, tratada por Milton Santos com as
rugosidades do espaço -, constituindo um
impedimento ao movimento, imobilizando e
impondo conteúdos; ao mesmo tempo, nesses
tempos resguardados, aparece a memória da vida
da cidade. Para seu habitante, metamorfoseada a
36
sua experiência pessoal e social, faz reviver
conteúdos avessos, muitas vezes, às formas atuais e
impostas. O habitante dos conjuntos também vive o
restante da cidade, e, como memória, outros modos
de vida já vividos em outros lugares. Outros cantos
da cidade, de onde vieram. (DAMIANI, 1993: 27-
28).
A compreensão do habitar, subjacente aos
conjuntos tais como construídos, é muitíssimo
restrita e rasa. Não especificamente a dos
arquitetos urbanistas, nem tão pouco ou não
exclusivamente dos órgãos públicos. A questão é
mais ampla e generalizada. A política pública de
habitação social que temos como herança impede
que se entenda que não é, de forma alguma,
suficiente o que se tem considerado como
parâmetros ou verdades consolidadas no campo da
moradia popular. Pautamos nossas realizações em
um nível muito limitado, estabelecido 35 anos
atrás, e não saímos dele até hoje. É este mesmo
modelo de habitação social realizado, em 1980, na
COHAB Itaquera, que é aceito, pela grande
maioria das pessoas (intelectuais e leigos) como o
padrão de moradia para as classes populares, com
uma “naturalidade” lamentável. É a redução das
necessidades sociais e urbanas, estritamente,
àquelas mais elementares. De certa forma, tentou-
se garantir muito fragmentariamente o alcance
àquilo que se conceitua como cotidiano.
O cotidiano não é somente a ordem
imposta, ele é, no plano subjetivo, uma
organização de vida assegurada. Quando
o banal do dia-a-dia, como se alimentar,
vestir-se, alojar-se, locomover-se,
produzir, faz parte da vida de forma
segura. Com esses tempos, atividades e
espaços conquistados de maneira que
parece definitiva. É a ordem diária da
segurança material. Tendo cotidiano se
dorme em paz. (DAMIANI, 1993: 22)
Não se considerou e, atualmente, ainda
não se considera que um espaço público
qualificado é quesito imprescindível a ascensão
plena a este cotidiano, que uma porcentagem de
terreno bem calculada de acordo com o número de
habitantes não garante uma boa vida comunitária,
ou mesmo, que as pessoas precisam sair, entreter-
se, estudar e trabalhar em regiões que ofertem os
equipamentos que embasam tais atividades e que
seja razoavelmente perto de onde vivem, para que
possam, de fato, habitar no lugar que se diz que
habitam.
Conjunto Itaquera I recém-implantado (FONTE: ZANDONADE, 2005)
37
MAPA DIVISÃO POR SETORES DO CONJUNTO HABITACIONAL ITAQUERA I
EVOLUÇÃO URBANA SÃO PAULO
38
Os mapas ilustram a evolução urbana da cidade de São Paulo nas décadas de 50 a 90, e localiza os conjuntos habitacionais que vieram a reforçar a expansão leste da mancha urbana e configurar de forma muito marcada o tecido urbano dessa região. FONTE: ZANDONADE, 2005, p. 58-60-62)
39
Obras e vistas do Conjunto Itaquera. FONTE: Companhia do Metropolitano de São Paulo, 1979.
Conjunto Itaquera I recém-implantado – 1983 (FONTE: ZANDONADE, 2005) BLOCOS LAMINARES e BLOCOS H.
40
3.6. Os espaços livres públicos em estudo
Histórias sócio-espaciais Retratos e análises conceituais Usos e dinâmicas urbanas
São três os espaços livres públicos em
estudo. Nestes espaços, localizados no interior do
Conjunto Habitacional de Itaquera I B, temos a
intenção de explorar as conseqüências que os
processos históricos tiveram em sua atual
conformação espacial e de uso urbano
propriamente. As decisões políticas no âmbito do
planejamento da cidade e de sua periferia e no da
questão da problemática habitacional tem
conseqüências evidentes nestes locais e na forma
como a população residente no conjunto e nas
áreas vizinhas os enxergam. Além disso, de uma
forma geral, é característico dos espaços livres de
edificação dos conjuntos BNH o fato destes
espaços serem suscetíveis ao uso inadequado ou
irregular, uma vez que não receberam o devido
tratamento, tanto por parte da Companhia de
Habitação encarregada, a COHAB-SP, como por
parte dos próprios órgãos municipais, como a
Subprefeitura ou mesmo, de modo mais amplo, a
Prefeitura da Cidade de São Paulo.
Os três espaços guardam entre si uma
relação de gradação, no que diz respeito
principalmente aos usos que neles se desenvolvem
e ao estado de conservação e manutenção que
recebem. Aqui, estudaremos as razões que fizeram
com que cada qual destes locais fosse conduzido,
ao longo destes quase 30 anos, a condições
específicas de uso, de acordo ou não com o que se
planejara.
Veremos que uma política desintegrada de
planejamento urbano habitacional não poderia
mesmo garantir que os conjuntos implantados
tivessem alguma coesão. Sabemos que a COHAB-
SP cuidou das questões que eram relacionadas ao
estrito provimento de habitação de baixo custo, sua
atuação (assim como, obviamente, o produto da
mesma) foi de fato monofuncional. Vimos também
que a Companhia era encarregada de planejar as
moradias no âmbito da própria habitação edificada
e, no mais, no do desenho urbano do entorno. As
demais questões que envolvem uma compreensão
mais ampla do habitar, como a diversificação e
qualificação da região no que diz respeito ao
comércio e serviços e às áreas comuns de lazer,
foram consideradas em diversos cálculos
estatísticos, no entanto, jamais pensadas de acordo
com as necessidades mais prementes dos próprios
usuários destes espaços, de suas necessidades
enquanto moradores. Contou-se que tais terrenos,
meticulosamente calculados, seriam considerados
pelas instâncias administrativas encarregadas e
receberiam, então, seus devidos projetos. Não se
contou, entretanto, que tudo isso ocorreria ao
longo de muitos anos, mais anos do que tais
espaços poderiam suportar, muito mais anos do
que sua população poderia esperar. É fato que a
população, frente à ausência da ação do poder
público, toma mesmo suas próprias decisões.
Seguem fotos via satélite do conjunto
habitacional Itaquera I e dos três espaços em
estudo, além de mapa de levantamento de Uso do
Solo (realizado pela COHAB-SP):
41
ESPAÇO 1 ESPAÇO 2 ESPAÇO 3
COHAB Itaquera I ABC Zona leste SP
42
FONTE: Mapa de levantamento de uso do solo/2002 - CEDTEC (Central de Documentação Técnica) da COHAB-SP
43
44
3.6.1 Espaço em estudo 1: área desocupada e em estado de abandono Localização: Localização: Rua Padre Tomás de Vilanova – Avenida Estanislau de Campos – Waldemar Tietz
Estado atual. Foto via satélite - Google Earth
Terreno baldio é a expressão comumente
usada para a denominação de espaços similares a
este. Sua configuração é de total abandono e
descaso, de total ausência de manutenção ou
mesmo de qualquer atenção despendida. Ainda
escondidos sob o mato crescido que domina boa
parte desse espaço estão os resquícios de uma
ocupação que precede seu atual abandono.
Antes, apenas para deixar claras as
questões territoriais, o espaço em estudo 1 não está
totalmente inserido nos limites do Conjunto
Itaquera IB Pe. Manoel da Nóbrega. Uma porção
de seu espaço fica situada no Conjunto Itaquera IC
Pe. Manoel de Paiva. Entretanto, para efeitos
práticos e de relação urbana tais divisões não tem
muito sentido ou relevância.
Originalmente, segundo os cálculos
estatísticos feitos pela COHAB-SP quando do
estudo da área de implantação de seu conjunto,
parte deste espaço foi denominada como área
verde (A.V.), atualmente sob posse da
Subprefeitura da Penha, e outra parte como Área
Reservada para a COHAB-SP. Quanto a esta
ultima área, a Companhia diz pretender a obtenção
de recursos para iniciar novas obras de habitação.
A área verde (A.V.) não possui, no momento,
qualificação alguma; e isso se deve, em grande
medida, ao próprio desconhecimento da subdivisão
municipal de governo acerca dos espaços públicos
que estão sob sua responsabilidade. Não se
conseguiu, ainda, nenhum parecer sobre ações
futuras da Subprefeitura, se é que alguma ação está
sendo, ou será em algum momento, pensada.
Fotos tiradas pela autora.FEVEREIRO/2009. Numeradas para ref. do ponto de vista de tomada da fotografia, em foto via satélite à página 50.
1
2
45
Fonte: Mapa de levantamento de uso do solo/2002 - CEDTEC (Central de Documentação Técnica) da COHAB-SP
Na Área Reservada para a COHAB-SP,
deste espaço, foi iniciada a construção de blocos
de habitação durante a administração de Jânio
Quadros da Prefeitura da Cidade de São Paulo
(1985 - 1989) pelo PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro). Os prédios foram construídos e
tiveram o processo interrompido pelo Ministério
Público antes de conclusas suas obras. Não
receberam sequer seus novos moradores. Os
prédios apresentaram infiltrações severamente
danosas que acarretaram sua não ocupação naquele
momento e retardaram qualquer ocupação
posterior por blocos de habitação.
Ao invés de serem posteriormente
demolidos, os esqueletos de prédios foram
deixados no local. A tais estruturas mortas logo
Foto via satélite. Foto anterior à demolição dos esqueletos de prédios, ocorrida em 2007. FONTE: Google Earth.
foram atribuídos alguns outros usos, mais que
indesejados. Grupos de usuários de drogas
46
passaram a se reunir ali, criando grande
insegurança aos demais moradores da região.
O espaço não possuía, nem possui até o
presente momento qualquer qualificação ou função
atribuída. Apenas configura-se como uma
passagem, é mesmo um corte de caminho, um
atalho de percurso bastante desagradável, porém
muito utilizado pelos moradores das proximidades.
A consulta à população confirma esse caráter
meramente funcional do espaço. É verdade que
usos de lazer podem ser observados,
principalmente por jovens na faixa de 12-18 anos,
mas não é possível, dada sua inospitalidade,
considerá-lo, como espaço de lazer. Apenas 2 em
15 pessoas assim o consideraram. Ainda que,
muito provavelmente, não o considerem
devidamente qualificado para tanto.
Com a ocupação indevida dos esqueletos
deixados após a demolição dos prédios até mesmo
seu uso de trânsito de pedestres ficou prejudicado.
Era, de fato, inaceitável que esta condição se
estendesse. De modo que os moradores dos
prédios limítrofes ao terreno, sob organização de
seus síndicos, trataram de desenvolver um abaixo-
assinado para a demolição das estruturas residuais.
Reivindicaram a demolição destas últimas por
mais de 20 anos, insistentemente. Apenas há cerca
de um ano e meio, em 2007, obtiveram uma
resposta por parte do Poder Público Municipal. Por
meio do contato com um assessor da Subprefeitura
da Penha, Waldir Alves da Silva, chamado por
Waldir Serralheiro, há muito tempo conhecido
pelos moradores da região leste, os prédios
abandonados foram finalmente demolidos.
Alguns comerciantes, residentes do
próprio conjunto, relatam que, sem a construção
que dava abrigo à ação de traficantes e usuários de
drogas, julgam o local seguro apesar de seu
aspecto ruim. Podemos observar com isso o modo
Fotos dos esqueletos de prédios , tiradas no dia da demolição, em 2007. FONTE: Revista Waldir Serralheiro (antigo assessor da Subprefeitura da Penha); obtida com síndico de um dos prédios limítrofes ao espaço em estudo 1 .
como os antigos moradores, comerciantes de
garagem, tão típicos desses Conjuntos
Habitacionais, servem como valiosos “olhos da
rua” (JACOBS, 1961), zelosos pelo bem estar de
seus vizinhos e de todos que por ali precisem
transitar. Ainda assim, apesar da conceituação do
espaço como seguro por alguns desses moradores,
47
Terreno após a demolição dos esqueletos de prédios. FONTE: Revista Waldir Serralheiro (antigo assessor da Subprefeitura da Penha); obtida com síndico de um dos prédios limítrofes ao espaço em estudo 1 .
a consulta pública realizada não reafirma essa
opinião. A grande maioria, 87% dos consultados,
considera o local inseguro, e 67% considera
inseguro em todos os períodos do dia. Todos vêem
como necessária a provisão de algum tipo de
qualificação ao espaço para que essa condição
indesejada seja transformada. É unânime a opinião
de a manutenção despendida pelo Poder Público é
insuficiente. Quanto a isso, nem precisamos nos
delongar. É muito claro que a população não está
satisfeita.
O espaço dá margem à ocorrência de
muitos usos indevidos, são precisas e enfáticas as
opiniões de moradores que relatam ser qualquer
uso que ocorra ali, pela simples razão de ali
acontecer, inadequado. O espaço é, sobretudo,
inadequação a qualquer uso que se pretenda
benéfico à população. Sua constituição material,
física, é limitante; compromete qualquer
apropriação.
É recorrente que mesmo aqueles que ali
moram, nos prédios mais próximos e na região,
entendam ser também indevida a própria
manutenção que os próprios moradores conferem
ao espaço. É certo que o lugar não condiciona
nenhum tipo de apreço ou de sensibilização ao seu
cuidado mais afeito. No entanto, uma ação de
descaso, que parte de um dos lados, o da
municipalidade, poderia, ao menos, não ser
reforçada, com mais descaso da população. Que é,
em verdade, a que mais deveria se preocupar. Uma
pequena parte se mobiliza, e consegue, depois de
muitos anos, para o beneficio de todos, a
demolição de um resquício que era mesmo
símbolo dessas posturas. No entanto, a
mobilização é, comumente, muito reduzida. O
despejo de lixo e entulho no local é o uso
inadequado mais apontado pela pesquisa com a
população e pelas constantes visitas, até mais do
que o uso corrente do espaço para o consumo de
entorpecentes. Alguma qualificação ao local talvez
minimize a noção, que alguns munícipes têm, de
que o espaço está ali à disposição, para receber o
lixo que eles geraram e com cuja destinação não
quiseram muito se preocupar.
Em função disso, não é um fato isolado a
intenção de alguns moradores, na ausência de
ações governamentais, de tomar para si a
responsabilidade sobre alguma mínima
qualificação do espaço. É ouvido de alguns
moradores do local que, cansados de buscar
resposta da Subprefeitura, investiriam eles mesmos
na implantação de equipamentos para o local –
geralmente, brinquedos de parque infantil, caso
obtivessem permissão. É de se esperar, a partir
disso, outras ações que são conseqüentes. Para
que se garanta a boa manutenção dos
equipamentos, muito provavelmente, aqueles que
ali os colocaram considerariam a necessidade de
restringir, de algum modo, seu uso, ao menos em
determinados períodos do dia; ou até mesmo,
talvez, restringir seu uso por determinado público
48
que não se considere adequado. O que se percebe,
com isso, é que um espaço, que é público, tem
nesse tipo de apropriação, cuja intenção, sem
dúvida, não é outra que não a de conferir ao espaço
algum uso e alguma vida, um forte
comprometimento. Passa-se a entendê-lo, com
isso, como espaço sob cuidado de alguns poucos, e
assim, como espaço sob a manutenção destes
poucos, até que enfim, como espaço sob algum
tipo de posse destes poucos. Alguma noção de
privado e, portanto, de restrições, passa a pairar
sobre este espaço público, atingindo incisivamente
este seu caráter elementar. A possibilidade de uso,
que é de toda e qualquer pessoa, torna-se, assim,
muito facilmente, inibida. Ocorre, neste sentido,
uma problemática confusão ou, mais precisamente,
uma inversão quanto às competências e atribuições
de cada uma das partes que definem a relação entre
o público e privado. O risco dessa ambigüidade,
então, criada precisa ser considerado.
Quando questionados, os moradores
mostram terem idéias diferentes acerca da
destinação desejada ao espaço. Houve certa
predominância quanto à vontade de que ao espaço
seja direcionada à implantação de algum
equipamento de saúde (46%). No entanto, uma
conclusão mais refinada, que possa embasar um
projeto futuro, requer ainda uma pesquisa mais
generalizada e de maior e mais ampla aproximação
com os moradores. As pesquisas projetuais, sobre
este espaço, a serem realizadas na próxima fase da
pesquisa terão na ampliação dessa consulta pública
um constituinte fundamental.
Uma vez demolidos os tais esqueletos de
prédios, nada mais aconteceu e nem acontece
nesse espaço, e isso, por si só, já é um erro. É
inaceitável que este local, com seu aspecto atual –
um matagal extenso e descontínuo, um terreno
lamacento, com uma escassa ou mesmo total
ausência de iluminação pública, – se mantenha
como o espaço livre urbano que é oferecido a
população que ali habita.
3
4
5
49
7
8
9
Fotos tiradas pela autora, FEV. 2009. Numeradas para ref. do ponto de vista de tomada da fotografia, em foto via satélite na
página na seguinte.
6
50
51
52
3.6.2. Espaço em estudo 2: área de ocupação
irregular
Localização: Rua Peixoto Werneck – Rua Padre Miguel
de Campos – Rua Maria Eugenia Celso – Rua Padre Tomás de Vilanova
Foto via satélite - Google Earth
Fotos tiradas pela autora. FEVEREIRO/2009.
Há mais de 36 anos foi fundada a
Associação Atlética Cascavel pelos moradores,
apreciadores de futebol, da região de Itaquera.
Muitos deles já eram residentes da região antes
mesmo da implantação do Conjunto Habitacional
da COHAB-SP. Muitos vivenciaram a realidade
praticamente rural da periferia leste paulista antes
de ela receber toda a massa de pessoas que a
transformou tão rápida e drasticamente.
A associação costumava disputar jogos nos
demais campos da região, como os chamados
“Paulistinha”, “Olimpo” e “Artur Alvim”. Muito
do lazer dos fins de semana dos moradores e de
suas famílias eram as reuniões para os jogos de
futebol. Muito da vida comunitária que se
desenvolvera, a despeito de todos os empecilhos
para sua formação, deve-se a esses momentos e a
esses espaços. Não é espanto que uma porção de
terreno desocupada em meio ao tecido urbano
edificado chame a atenção das pessoas que a ela
imaginam poder conferir melhor uso. Neste local
já havia ocorrido, alguns anos antes da atual
ocupação, algumas tentativas de construção
irregular de habitações precárias em madeira,
porém a ação que se dava durante a madrugada foi
denunciada e, então, interrompida pela
Subprefeitura ainda durante o cravamento das
estacas. Algum tempo depois, não tardou para que
o clube Cascavel visse em tal terreno a
oportunidade de construir seu próprio campo de
futebol.
A condição de ocupação “irregular” de um
espaço nunca é desejada, nem por parte dos órgãos
públicos ou proprietários privados da terra, nem
tampouco por parte dos ocupantes. A iniciativa
primeira da Associação foi a de obter com a
Subprefeitura a autorização para o uso do local
1
53
para a implantação de um campo de futebol e de
equipamentos relacionados. Segundo o Setor de
Planejamento da COHAB-SP e um assessor da
Subprefeitura, o termo de Permissão de Uso nunca
foi, formalmente, concedido e a ocupação deste
espaço nunca teve outro caráter que não o de
ocupação irregular.
A resposta que obtiveram com o órgão de
subdivisão municipal foi a permissão, de caráter
informal, para que se fizesse no local um campo de
futebol, destes, como existem tantos outros. Sem
maiores determinações ou atribuições, o campo
poderia ser feito ali para o jogo de bola casual,
para todo grupo de jogadores da região que
quisesse ocupá-lo momentaneamente para uma
partida. A Associação, ainda que tenha elaborado
um ofício para requisição do termo de permissão
de uso, não o obteve. O Comodato por 99 anos,
como se denomina o termo de Permissão de Uso
cedido aos moradores que tem algum tipo de
estabelecimento nos terrenos da COHAB, como o
são os próprios centros comunitários, apenas pode
ser cedido a uma entidade constituída. O Clube
Cascável não era, então, uma entidade e nem
buscou, posteriormente, constituir uma. De forma
que a permissão nunca poderia lhes ser dada.
Desconsiderando esse impasse, e
aproveitando-se da ainda inatividade da
Subprefeitura quanto à ocupação do espaço, este
foi invadido e aterrado para o uso como campo.
Fonte: Mapa de levantamento de uso do solo/2002 – CEDTEC Central de Documentação Técnica) da COHAB-SP
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Construção em alvenaria que abriga vestiários e bar. Fotos tiradas pela autora. FEVEREIRO/2009.
Teve inicio, com isso, a ocupação incerta
da região ao longo de mais de duas décadas. A
pressão para desocupação da área foi sempre
recorrente, conforme a tomada de posição de cada
novo governo nos órgãos municipais. No entanto,
tempo passado, as irregularidades permanecem e
se estabelecem cada vez mais em solo, a princípio,
indevido.
Quanto ao local, é importante explicar aqui
o que acarretou sua não ocupação pela Companhia
de Habitação. É recorrente nos planos da COHAB-
SP a atribuição a diferentes construtoras do
encargo de edificar nas diversas quadras de um
loteamento. Tais empresas terceirizadas ficam,
portanto, sob gerenciamento da Companhia. Neste
cenário de terceirização da construção dos prédios,
fogem do controle da administração do Conjunto
fatores que possam atrapalhar o desenvolvimento
das obras ou até mesmo servir de empecilho, como
a própria falência da construtora. Em nosso caso
especifico, a empresa encarregada faliu e
descontinuou o processo de edificação dos prédios
nestes dois lotes que configuram o espaço em
estudo. Construir-se-ia ali prédios de renda média
de quatro pavimentos que, por falta de recursos,
foram interrompidos ainda durante a realização das
obras de fundação. A maquinaria toda das obras
permaneceu, ainda, abandonada no local por cerca
de oito anos. É curioso que as fundações dos
prédios continuam lá, aterradas sob o campo de
futebol existente, como que esperando a expulsão
dos ocupantes para o seguimento das obras.
Mas, o fato é que ocuparam o espaço, por
cerca de duas décadas até este momento. A
associação exerceu nesse terreno da COHAB-SP,
durante todo esse tempo uma relação de posse.
Direcionaram ao espaço alguns cuidados de
manutenção, de acordo com os meios que
possuíam, e fizeram dele uso, segundo seus
próprios critérios. Existe no local, além do campo
gramado implantado no terreno, uma pequena
construção em alvenaria onde ficam as instalações
de vestiários e um pequeno bar. Arquitetavam,
ainda, seus próprios planos futuros como a
implantação de um campo society em uma das
partes do terreno, a reforma do campo gramado já
existente e mesmo a edificação de uma sede
associativa para o clube realizar suas atividades.
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3. Espaço usado para estacionamento. 4. Traves que conformam um segundo campo, menor, em frente ao campo de futebol que ocupa a maior parte do terreno. Fotos tiradas pela autora. FEVEREIRO/2009.
Alguns moradores da região, tanto os que
habitam as construções do Conjunto Habitacional
quanto os demais, vêem o espaço como
propriedade da Associação. É ouvido de um jovem
morador, quando perguntado sobre o local, algo
como: “Esse espaço aí é do amigo do meu pai, o
‘Nêgo’ Zamba”. É claro, pelo relato inocente do
rapaz, que um espaço por tanto tempo ocupado
pela Associação, quer queira quer não, passa a ser
entendido como propriedade sua.
Talvez, pudéssemos extrapolar que não era
muito diferente o modo como muitos outros
moradores entendiam a ocupação deste espaço.
Entretanto, essa possível percepção, se verdadeira,
já não se valida mais. Há cerca de dois meses
(maio/2009) o espaço sofreu desapropriação por
parte da Prefeitura. A ação de Reintegração de
Posse já tramitava há bastante tempo na
administração do Setor de Planejamento da
COHAB-SP e foi, enfim, efetivada. A Prefeitura,
sob a atual administração de Gilberto Kassab
(DEM), pediu à administração regional que
determinasse aqueles terrenos sob posse da
Companhia de Habitação sobre os quais fosse
possível estudar a implantação de um novo
Hospital Municipal. Promessa de campanha para a
região de Artur Alvim. A notícia já está bastante
propagada no bairro, apesar de não ter havido
ainda nenhuma declaração formal da Prefeitura à
população, pois que sua postura pretendia evitar a
especulação antecipada na área. Sob o risco de
acabarmos com o “sigilo”, podemos confirmar
aqui o boato. Um Hospital Municipal está sendo
pensado para este espaço em estudo, cuja área de
terreno é bastante considerável para o uso. O
antigo assessor da Subprefeitura da Penha, Sr.
Waldir, que, atualmente está em outra subdivisão
municipal, foi quem indicou o terreno à Prefeitura.
“Vai mudar muito isso aqui, viu?” me disse em
conversa sobre esses planos futuros. De fato, um
equipamento de saúde, desse porte, exerce
transformação intensa em seu entorno de
influência.
Foto tirada pela autora. Local desapropriado. MAIO/2009.
3
4
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Fotos tiradas pela autora. MAIO/2009.
Em vista disso, a consulta pública
realizada foi considerada como de caráter
elementar. Ela foi formulada por se entender como
indispensável, realizar, neste momento, uma
aproximação maior com a população moradora das
proximidades do espaço em estudo. E, sobretudo,
descobrir como estes moradores entendiam o uso
que se deu a esse local ao longo desses tantos anos
passados e como concebem, agora, os
acontecimentos mais recentes. Sem essa noção,
muitas das análises que essa nova realidade requer,
tenderiam perigosamente a especulações
distanciadas. Esse ponto de vista mais amplo
confere sempre noções mais concretas para as
reflexões.
No caso específico deste espaço em
estudo, a pesquisa buscou a seleção de 10
consultados, em 30, que fossem de um público
determinado – os moradores de um dos prédios
mais próximos ao espaço. Para que, assim,
pudéssemos perceber a diferença que se estabelece
entre as respostas destes, cuja relação com o
espaço é muito mais imediata, tanto quanto à
visibilidade, como quanto às influências do antigo
uso, e as respostas do restante indiscriminado da
população consultada.
O que se percebeu com isso foi que destes
10 primeiros consultados, a opinião que
predominou, quando perguntados acerca da
recente ação de desapropriação, foi a de que a ação
foi acertada. E dentre este mesmo grupo, foi
unânime a consideração de que um uso melhor
deveria ser destinado ao espaço. Nos demais 20
consultados, as respostas foram mais diversas
quanto à ação de desapropriação, no entanto
também prevaleceu a resposta de que poderia
haver um uso melhor do espaço. No todo, 70% das
pessoas aprovaram a determinação legal para
retirada da ocupação, a maior parte destes ( 50%
dos 70%) por acreditar que essa área pública
deveria abrigar um equipamento que fosse de
usufruto de todos, verdadeiramente público e
coletivo.
Vemos que a maior parte das pessoas
entende que a antiga ocupação do espaço tinha
caráter irregular (60%). E que, outra parcela
significativa entendia que o uso do terreno público
era permitido pela COHAB-SP (33%). Porém, é
preciso considerar que a consulta foi realizada no
mês de julho (2009) e que a desapropriação já
havia, então, ocorrido, de modo que o conceito que
as pessoas demonstraram ter sobre o espaço pode
ter sido alterado neste meio tempo. É possível que
muitos dos moradores não soubessem da
5
57
irregularidade da ocupação e, portanto, a
distribuição de freqüência das respostas seria
diferente. De qualquer modo, a desapropriação
provocou alguma reação na opinião das pessoas e
algum, interesse, comprovado na pesquisa, sobre o
espaço que os circunda.
É muito provável que outro fator comum
tenha condicionado as respostas à última pergunta,
sobre que uso o consultado considera que deveria
ser atribuído ao espaço em estudo. A freqüência
relativa de 63% para o uso como equipamento de
saúde pode ter sido facilmente influenciada pela já
comentada noticia de que a desapropriação ocorreu
para dar espaço à construção de um Hospital
Municipal. É muito possível que as respostas
tivessem sido bem mais diversas, não fosse esse
dado. Ainda assim, percebemos que a nova função
foi aprovada pelos moradores.
Poucas pessoas vêem uma função
habitacional para o espaço, esta primeira
destinação original da quadra já não parece, agora,
a mais apropriada. A região precisa de um uso
novo, um uso forte. Uma qualificação que, de fato,
impulsione uma nova movimentação, outra
dinâmica. Outros edifícios exclusivamente
habitacionais não teriam aí esse papel.
Os usos inadequados neste espaço, que
atualmente configura-se fechado perimetralmente
por longos muros e que possui partes de declive
acentuado e de mato bastante alto, também são
observados. São corriqueiras ocorrências como
despejo de entulho e uso de drogas. Esse tipo de
uso parece ser uma constante nos espaços livres da
região. Dos três em estudo, os usos desse tipo são
mesmo generalizados.
Por fim, ainda são cruciais e inevitáveis
alguns questionamentos. Legalidade e legitimidade
acabam se confundindo quando se tenta
compreender esse tipo de ocupação, anteriormente
dada ao espaço. Já sabemos que a ocupação era
irregular e, portanto, que sua condição era ilegal.
Mas tratar do que é legítimo não se restringe a esse
dado. É legítimo ocupar um espaço para o
desenvolvimento de atividades que, apesar do
caráter coletivo, não se davam como abertamente
públicas (haja vista tratar-se de um clube de
futebol que ensina a prática mediante pagamento
de seus alunos)? É legítimo ocupar um espaço
simplesmente porque o mesmo encontra-se sem
ocupação alguma, ou seja, porque a
desestruturação do plano habitacional e a
preterição do poder público resultaram na não
atribuição devida de função ao espaço público
urbano?
Podemos considerar que a ocupação não
teria sido possível caso um plano estruturado e
integrado de habitat para a população dos
conjuntos não deixasse de envolver como parte
indissociável de seu projeto a qualificação de seus
espaços livres públicos. Não atribuamos culpa a
apenas um dos lados, sob pena de tirar toda
responsabilidade do outro, porém as conseqüências
das decisões tomadas, a priori, no planejamento
urbano da habitação popular como um todo não
podem ser ignoradas.
Neste sentido, vemos que os termos de
Permissão de Uso surgiram como instrumentos
recorrentes na tentativa de equacionar,
tardiamente, algumas dessas faltas resultantes da
própria inconcretude das políticas públicas. Os
espaços residuais deixados, pela COHAB-SP, para
a gestão e cuidado municipal, para os quais a
Prefeitura ou Subprefeitura não pudesse direcionar
nenhuma qualificação têm, nesse termo, a
58
possibilidade de não permanecerem fadados ao
desuso ou ao mau uso.
Com a concessão do Comodato por 99
anos, outros espaços desse conjunto foram
ocupados com usos legalizados e legítimos. Seria
possível que a Permissão de Uso tivesse sido
cedida ao Clube, caso este tivesse legalizado sua
situação como entidade constituída. Seria possível,
talvez, que a condição de legalidade reforçasse sua
legitimidade e que, além disso, que seu uso
estabelecesse, com o tempo, um contato mais
amplo e próximo com as demais pessoas. Isto, pelo
que observamos, não ocorreu. Poucas pessoas
consultadas qualificaram a antiga ocupação como
parte constituinte da vivência do bairro (20%).
Ainda mais, a grande maioria imagina ali outros
usos melhores. “Estão aí há tantos anos e nunca vi
evolução”, disse um comerciante.
O uso poderia sim ser legítimo, ainda que
ilegal, caso não tivesse se restringido ao usufruto e
beneficio de poucas pessoas – um coletivo restrito.
O controle do espaço, por ter um uso atribuído
impediu, sem dúvida, o total desuso. Mas, ainda
que talvez tenha impedido outros usos até mais
inadequados, impossibilitou também outras
apropriações mais plurais e talvez melhores. Não é
possível fazer história hipotética desse espaço. No
entanto, neste presente momento, o mesmo se
encontra desocupado e, em meio ao entulho que
ainda tarda a ser retirado, ficará um novo espaço,
aberto para abrigar uma outra possibilidade de uso
e vida urbana. A inegável função social de um
edifício público de saúde talvez seja um bom
recomeço para a história deste espaço. Eu somaria
um ponto aqueles 80%, e reafirmaria que um uso
melhor poderia ser, e talvez o seja em breve,
conferido a este espaço.
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Fotos tiradas pela autora. MAIO, 2009. Numeradas para ref. do ponto de vista de tomada da fotografia, em foto via satélite na página seguinte.
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3.6.3. Espaço em estudo 3: Praça Dilva Gomes Martins Localização: Rua Tomás de Vilanova – Rua Padre Vitor
Mariano – Rua Padre Estevão de Oliveira
Foto via satélite - Google Earth
Um espaço livre público qualificado
enquanto meio de convívio dos cidadãos para o
desenvolvimento das mais diversas e espontâneas
formas de apropriação do espaço urbano constitui
o parâmetro adotado para considerarmos a Praça
Dilva Gomes Martins como o espaço mais
adequado em nossa escala gradativa. A área
extensa e de terreno irregular deixada entre os
blocos de habitação e delineada pelo traçado das
ruas tem sua destinação no plano da COHAB-SP
correspondente ao seu atual uso. Destinada como
mais uma área verde (A.V.) do loteamento, este
local, como poucos outros, recebeu a qualificação
que lhe foi destinada. Garantiu-se, então, aos
moradores do conjunto, ao menos uma área de
lazer que fosse, de fato, apropriada para este fim.
Fotos tiradas pela da autora. FEVEREIRO/2009.
62
Fonte: Mapa de levantamento de uso do solo/2002 - CEDTEC (Central de Documentação Técnica) da COHAB-SP
Retomando um pouco: como sabemos, a
implantação e manutenção dos espaços livres dos
Conjuntos Habitacionais ficam a cargo da
Subprefeitura da região. Cabe a ela se encarregar
do desenvolvimento dos projetos e dos custos que
envolvem suas obras. Deste modo, fica claro, que
as áreas deixadas como A.V. nos planos da
Companhia podem ou não ser devidamente
trabalhadas. Essas duas instâncias do planejamento
estabelecem um diálogo bastante frágil a respeito
das ações tomadas por uma ou outra, tanto no
momento de concepção primordial dos espaços,
como posteriormente. Verifica-se mesmo um
descompasso significativo entre uma dada ação e
sua respectiva e esperada resposta.
Evidentemente, é interessante dizer que a
qualificação deste espaço poderia ser de outra
sofisticação caso a preocupação com o tratamento
do espaço livre público fosse de outro caráter,
tanto por parte dos órgãos por eles responsáveis
quanto por parte da própria população beneficiada.
Entretanto, apreendendo este espaço dentro de uma
dada realidade, cabe-nos considerar suas
potencialidades de acordo com os parâmetros,
também concretos, que pudemos encontrar no
restante da região para efeito comparativo. Deste
modo, permeamos pelos três espaços, e a
qualificação que se faz de um deles tem sempre
como referencial os outros dois. Assim, a condição
do espaço como local que alimenta o convívio
público e coletivo de lazer é considerada como
dotada de inegável validade. Ainda que, como
veremos, muitas considerações a respeito dos usos
que a ele são atribuídos tenham que ser feitas.
63
Durante a pesquisa, tomou-se
conhecimento de uma proposta de projeto feita por
um Escritório de Engenharia contratado pela
Subprefeitura – LENC (Lab. de Engª. Cons. S/C
Ltda). O projeto proposto pelo Escritório apresenta
uma série de equipamentos e elementos
paisagísticos a serem incorporados no espaço da
Praça, que serão avaliados quanto à qualidade do
projeto como um todo e quanto à relevância do
mesmo. Tal proposta não foi implantada, sob a
justificativa de que o orçamento dado (cerca de
190 mil reais) excedia a reserva de que dispunha a
Subprefeitura para a reforma. Desta forma, o
projeto que está lá hoje implantado é uma
adaptação feita pela equipe da CIUO
(Coordenadoria de Infra-estrutura Urbana e Obras)
da própria Subprefeitura da Penha, a qual tentou
adequar a requalificação da Praça com a verba
disponível para a área. O gasto com o projeto
implantado foi de aproximadamente 115 mil reais.
Os projetos a ela destinados serão, então,
questionados e analisados. É elementar, para este
estudo, discutir ambos os projetos, implantado e
proposto, em função daquilo que propõem e das
espacialidades que pretendem criar, bem como
acerca de suas exigências de manutenção e do grau
de depredação a que o espaço e seus equipamentos
estão sujeitos neste dado espaço habitacional. E,
neste sentido, avaliar o processo de requalificação
do espaço que é livre e público.
64
3.6.3.1 Análises dos projetos de qualificação
paisagística
A. Projeto atual implantado
PRAÇA DILVA GOMES MARTINS (CIOU - Coordenadoria de Infra-estrutura Urbana e Obras, Subprefeitura da Penha)
Quando um limitante de projeto é o custo,
a prática de projeto tem sua importância
potencializada. As escolhas feitas para a
construção do espaço têm de ser pensadas
criteriosamente, a fim de garantir que os conceitos
primordiais que o definem consigam ser mantidos.
Esses conceitos, em verdade, não costumam custar
muito. Eles costumam mesmo é serem ignorados
ou esquecidos. No caso do projeto implantado
desta Praça em estudo, muitos desses conceitos
conseguem, de alguma forma, persistir na
dinâmica de uso do espaço, e nisso reside seu
maior valor. Não nos esqueçamos, então, do que é
conceito e tratemos deles desde o início. Essa
análise, que é mais do âmbito da sensibilidade
quanto aos usos e modos de apropriação das
pessoas pelos espaços criados, tem que ser, ao
menos a princípio, distanciada de questões
relativas à manutenção e ao cuidado direcionados
espaço. Veremos, depois, que a ausência desses
cuidados ou ainda, que a existência de outros usos
bastante indesejados destes espaços se configuram
como verdadeiros óbices à plena percepção e
vivência de qualquer conceito pensado.
São definidos neste espaço em estudo
quatro diferentes ambiências. Seu relevo
escalonado condiciona a criação desses ambientes
menores dentro do todo da Praça. O projeto dado a
ela, como conceito, toma essa característica
morfológica do espaço como diretriz e define para
esses ambientes as diferentes funções e usos que
devem ser abrigados em uma praça pública de
bairro.
No ambiente mais elevado, situa-se um
espaço cujo uso é das crianças. E, claro, também
dos pais que as acompanham. Estes permanecem
recuados, nos extremos do espaço, oferecendo com
o olhar todo seu apoio e vigília. Mas o lugar é,
essencialmente, de domínio dos pequenos. São
eles que dele se apropriam em sua totalidade. Os
brinquedos em madeiras, típicos de “Parquinho”,
distribuem-se por todo esse patamar. E é em busca
deles e de explorá-los que as crianças circulam de
um lado a outro, circulam para todos os cantos. Na
análise gráfica do projeto, ilustrou-se em desenho
o movimento alegre das crianças pelo ambiente
(como conceituado em GREATER LONDON
CONCIL, Introduction to Housing Layout, 1978).
É o espaço de maior visibilidade de toda a
Praça. Permite a relação visual com todo o
entorno, configurando-se como um lugar no qual
se pode apreender todo o espaço circundante e
grande parte da vida que nele se desenvolve. O
vai-e-vem dos pedestres, tanto aqueles que
circulam dentro do espaço da Praça, quanto
daqueles que transitam por seus passeios
perimetrais. Vemos que o projeto se apropria da
visibilidade dada pelo relevo do terreno e
estabelece em seu nível mais elevado o uso que
mais requer a visibilidade oferecida por essa
condição. É muito importante que um espaço de
uso predominantemente infantil, como os
“Parquinhos”, esteja sobre plena visibilidade.
Tanto para que um pai cuide de seu filho, como
para que todos os pais cuidem, de algum modo,
minimamente, de todos os filhos dos demais pais.
Assim como para que todo transeunte conceda ao
65
lugar sua pequena contribuição de vigília no
pequeno tempo que levar em seu percurso
(JACOBS, 1961). A circulação que transpassa por
esse nível, como vemos também na análise gráfica,
é de grande intensidade – por integrar-se
naturalmente ao entorno mais imediato,
complementa o percurso daqueles que por ali
passam, de modo que mesmo aqueles que não
pretendem permanecer na Praça, passam por ela.
Além do estar, a circulação dentro do
espaço é um elemento fundamental em sua
qualificação. Constitui outro daqueles tais
conceitos essenciais. O movimento no espaço é um
grande caráter da pracialidade. Vemos que é
justamente, esse movimento de pessoas que
cumpre a função de integrar esses diferentes
ambientes que definimos como constituintes do
todo da Praça. A circulação pensada para a Praça,
complementada pelas pistas de caminhada e de
corrida, coloca-se como elemento verdadeiramente
integrador na medida em que, os passantes, em seu
percurso, percorrem os ambientes da Praça e os
animam e os movimentam com seu caminhar.
Estando, tanto no parque das crianças, quanto nos
demais ambientes, que em seguida definiremos,
como o amplo Ambiente Central ou o das Quadras
de Jogos, essa movimentação pode ser vista, e,
sendo vista, possibilita alguma interação.
Por duas escadas, ou ainda pelo percurso
perimetral do passeio público, deste ambiente mais
elevado se alcança um outro espaço. Esse segundo
ambiente, chamaremos de Ambiente Central, foi
pensado para abrigar a concentração de pessoas. É
nele que se agregam as pessoas para ocasião de
toda sorte de eventos, como shows, feiras de vários
tipos ou ainda para a queima de fogos do réveillon.
Pensado para este fim, o ambiente conforma-se
amplo e aberto, aproximadamente no centro da
Praça. Quando a ocasião não é de eventos, esse é o
aspecto do espaço que chama a atenção para a
análise. Numa primeira visita, o que se pôde
apreender deste espaço foi o abrigo de uma vasta e
ampla inatividade. Afora o movimento conferido
pelos adeptos da caminhada, ficou como impressão
que este ambiente configurava-se mais como um
hiato dentro do restante da Praça, do que como
espaço de confluência. Nenhum uso vivo se dava
ali.
Outras visitas e estadas na Praça refinaram
essa primeira análise. Viu-se, em outro momento,
em outra tarde bastante agradável, que o espaço
concentrou o uso de garotos em férias que
empinavam suas pipas. Viu-se, também, que
alguns outros deles, sobre suas bicicletas,
desviavam seu percurso definido pelas pistas de
circulação e adentravam, ora ou outra, neste
espaço. E, então, observou-se novamente, mais
tarde, e em outros dias, seu esvaziamento. Destas
percepções, entende-se que a vivência desse
espaço é a de uma apropriação descontínua no
tempo. Sua apropriação é mesmo momentânea,
existindo e inexistindo ao longo das horas de um
dia.
No entanto, o que pode ser entendido, por
sua espacialidade, é que o espaço quando vazio e
sem vida, parece tender a assim permanecer, uma
vez que a própria amplidão que o caracteriza
transmite uma sensação que é de repulsão.
Pensemos que o uso atrai o uso e essa idéia se
confirma. Quando o espaço está, então, esvaziado
de uso, ele acaba mesmo inibindo que as pessoas
dele se aproximem. E ele permanece, assim, vazio.
É preciso que, algum grupo, de jovens, mais
66
comumente, veja nele a possibilidade de exercer
alguma atividade, como a de empinar pipa, para
que seu estado de desuso seja então transformado.
O que isso pretende colocar é que, um espaço que
se coloca como de uso amplo e aberto, tem, por
conseqüência, uma vida e uso que são mais
imprevisíveis e inconstantes. A não atribuição de
funções definidas, ou ainda, a dita liberdade de
uso, tem esse caráter. Difere do que se observa no
primeiro ambiente, do “Parquinho”, cuja função
atribuída condiciona um uso que é corrente durante
todo o decorrer do dia claro. Assim como, no
terceiro ambiente, que é o das Quadras de Jogos.
Neste terceiro ambiente, de uso também
definido, mas cuja continuidade é um pouco
menor, as atividades podem ser inúmeras. Nem
sempre jogos. Muitas vezes pais, junto às crianças,
perambulando, brincando de qualquer coisa que se
queira. No entanto, quadras poli-esportivas,
normalmente, sem ao menos uma cesta, para o
basquete, ou os postes para a rede do vôlei, perdem
um pouco do poli, e tornam-se apenas quadras.
Mas ainda assim, estão ali e tem seu uso.
O último ambiente que se vê definido
nesta Praça é o que se estabelece em sua cota mais
baixa. São cerca de 17 metros que o distanciam do
primeiro ambiente definido. Mas não só isso. Esse
espaço, que tem como equipamentos rampas de
skate e patins, configura-se como ambiente aparte
da dinâmica que se estabelece em todo o restante
de Praça que se dá dali para cima. O relevo,
novamente, determina relações de uso. Ele
contribui para o isolamento do lugar, que tem
ainda sua visibilidade comprometida pela massa de
árvores que o delimita em alguns pontos. Seu uso é
bastante observado, entretanto, quando comparado,
é bem menos intenso. A menor intensidade, em si,
não significa que um espaço é apropriado ou
inapropriado. Pode significar. Mas, podemos
pensar que, evidentemente, o uso será menor, já
que o público que prática o skate ou o patim é mais
restrito do que aquele que joga bola ou que usa o
balanço no Parquinho. No entanto, não é a
intensidade de uso, mas é sua condição de
isolamento que precisa ser analisada. Pois dela são
decorrentes muitos incômodos, à vida da Praça e
dos moradores da região, que serão discutidos.
O espaço que é apartado do todo, que é
recluso pelo relevo e pelo mascaramento da
vegetação, abriga os tais usos que aqui chamamos
de inadequados. É recorrente o uso do espaço por
usuários de drogas. E não só, o espaço é um ponto
de tráfico. Os moradores relatam, e a consulta
pública confirma incisivamente, que toda sorte de
uso indevido ocorre neste local; ainda que, a maior
parte dos moradores tenha afirmado que estes usos
ocorrem mesmo em qualquer lugar e qualquer dia,
sem horário definido, mas com maior intensidade
na chegada da noite e da madrugada. Não é intuito
aqui discutir a questão do uso de drogas, nem
tampouco do tráfico dessas substâncias. Não
caberia, nem seria possível. Entretanto, o impacto
dessa realidade foi muito significativo na
compreensão deste espaço em estudo, bem como
dos outros dois espaços anteriores. Ela foi também
determinante para o entendimento das relações que
os demais moradores estabelecem ou que, por
indignação e descontentamento, deixam de
estabelecer com o espaço.
O que, tristemente, se observou é que um
espaço que se configura, em seu conceito, como
imbuído de gerar as mais espontâneas e plurais
possibilidades de uso, acaba por ter suas
potencialidades limitadas em face de uma
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apropriação infeliz que se faz dos espaços que são
livres e públicos. Este não é o único. Nem o é este
conjunto habitacional, nem este bairro, nem esta
faixa de renda (se assim se quiser definir).
Foram consultadas 30 pessoas e 67%
destas consideram a Praça um lugar pouco
agradável e convidativo, justamente por esses
motivos. Em conversa com alguns moradores, é
ouvido de um deles, quando perguntado se
freqüenta ou não a Praça, que “Não há condições
de freqüentar. Nem eu, nem minha família.” É
lamentável constatar com a pesquisa pública que o
próprio “Parquinho” não escapa de receber esse
tipo de uso que é, aí, mais do que em qualquer
outro lugar, mais que inadequado. Não há Praça, à
noite, para quem quiser freqüentá-la. Não há
“condição” , como disse o morador, de fazê-lo,
depois de terminado o dia claro.
São algumas dessas questões que precisam
ser repensadas no estudo e re-projeto deste espaço.
A consulta pública já traz elementos que
constituirão diretrizes de raciocínio. Como o
conhecimento acerca de quais ambientes e
elementos são considerados mais importantes no
espaço da Praça, ou mesmo, também quanto ao
grau de manutenção com o qual se deve contar; e
etc. É evidente que esse re-projeto não é, de forma
alguma, restrito ao âmbito da arquitetura e do
urbanismo. A problemática é estrutural e muito
generalizada. No entanto o que se entender como
possibilidades de propostas para a renovação das
relações estabelecidas entre as pessoas e este
espaço serão estudadas nesta próxima fase.
Acredita-se que qualquer proposta exigirá, como
base, a pesquisa acerca das possibilidades que os
próprios moradores tem de determinar quais usos
podem ser dados a esses espaços que são comuns.
Fotos tiradas e editadas pela da autora. FEVEREIRO/2009.
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3.6.3.1 Análises dos projetos de qualificação
paisagística
B. Projeto proposto
PRAÇA DILVA GOMES MARTINS LENC (Lab. de Engª. Cons. S/C Ltda)
O projeto de qualificação paisagística
proposto pelo escritório LENC foi contratado pela
CIOU da Subprefeitura da Penha, quando se
decidiu pela reforma da Praça Dilva Gomes
Martins. O escritório apresentou um projeto que,
por exceder o valor em caixa que a Subprefeitura
teria para destinar à qualificação da Praça, não foi
implantado.
Esse projeto propôs como conceito
primordial a riqueza paisagística, determinando,
para a requalificação deste espaço em estudo, uma
gama de diferentes espécies de árvores, arbustos e
forrações. Pensou, para os diferentes ambientes
desta Praça, trazer a caracterização e integração
pelas massas criadas por meio dos elementos da
vegetação. Não é comum vermos esse tipo de
projeto ser implantado em muitas das praças
inseridas em regiões menos valorizadas da cidade,
e neste caso, também não o foi. O custo
considerado elevado deste projeto deve-se, como
vemos nas planilhas de orçamento feitas pelo
escritório, principalmente a quantidade de
diferentes espécies vegetais, pois os equipamentos
que constam nele especificados não diferem
significativamente, em tipo e quantidade, do
projeto da CIOU lá atualmente implantado.
Vimos, pela consulta pública, que um dos
elementos mais valorizados pela população, nesta
Praça, é mesmo a presença dos elementos naturais,
como as árvores e forrações. Com uma série de
motivos que levam a população a considerá-la um
lugar pouco agradável e convidativo, tais
elementos, sendo valorizados pela população,
serviriam de importante atrativo para sua
requalificação, tanto física quanto de uso. A beleza
paisagística do projeto teria, sim, uma grande
relevância em reavivar o prazer de se observar e
estar nesta paisagem. Estudos, como o de Angelo
Serpa, que buscam entender a relação que as
pessoas estabelecem com a paisagem e com seus
elementos, demonstram que suas formas e cores
podem suscitar diferentes sensações nos seres
humanos. E que, neste sentido, podem ser
explorados para propiciar a riqueza visual destes
espaços livres públicos e, conseqüentemente, a
vivacidade das relações que podem ser provocadas
naqueles que nele estiverem.
A idéia de que o uso da vegetação pode
influenciar a percepção do espaço não é nova.
Especialmente o uso da cor como elemento
gerador de efeitos espaciais é freqüentemente
citado na literatura clássica. Autores, como
Shenstone 1764, Chambers 1772, Hirshfeld
1779 e Pückler-Muskau 1835, afirmam, por
exemplo, que o uso da vegetação pode gerar
ilusões espaciais, ampliando ou estreitando
espaços.
Eu estou convencido que a ausência de símbolos nos nossos tempos tem um profundo significado (C. G. Jung)
O lembrar-se é atemporal a determinado por
três leis básicas: A lei da semelhança, a lei dos
contrastes e a lei da continuidade no espaço-
tempo. Essas leis desempenham por seu lado
um papel fundamental nos mecanismos
associativos determinantes do nosso cotidiano
de lazer e fazer. Todo ser humano é capaz –
ainda que inconscientemente – de perceber de
73
forma simultânea os mais diversos sons,
aromas e imagens. (Hiss, 1992 In SERPA,
1995).
A idéia de que espaços “livres” urbanos
podem gerar associações inconscientes (que
por sua vez influenciam a relação homem-
espaço) foi o ponto de partida para o
desenvolvimento de uma metodologia de
pesquisa que valorizasse o caráter subjetivo
das questões “perceptivas”. (SERPA, 1995:
103-139)
Precisam ser pensados, deste modo,
naqueles tais conceitos primeiros que se pretende
manter em um projeto de lugar. Se estes,
mencionados anteriormente, são entendidos como
de grande relevância para a vida de uma Praça
Pública, então devem ser priorizados e mantidos,
quase a qualquer custo. Talvez os 190 mil, que
constam do orçamento deste projeto, não fosse
mesmo possível de ser gasto pela Subprefeitura na
qualificação deste único espaço, tendo outros para
cuidar. No entanto, a beleza que esta proposta traz
em suas diferentes cores e paisagens poderia ter
servido de incentivo ao projeto adaptado que foi,
por fim, implantado. Este último não trabalhou
este aspecto, tratando prioritariamente da reforma
ou implantação dos demais equipamentos,
mantendo a os elementos de vegetação
praticamente no mesmo estado anterior à
requalificação.
O Ambiente Central, nesta proposta, é
transformado, não se caracterizando aqui como
piso cimentado e vasto. Recebe, ao invés disso,
uma gramado em esmeralda (tipo de grama) em
frente à área do palco e forrações de vários tipos
em outras porções do espaço. Na verdade, um
novo Ambiente Central se constitui com a
transferência para ele dos equipamentos de pista de
skate e patins, deixando, no lugar onde atualmente
estes últimos ficvaam, uma função mais
contemplativa, com elementos de vegetação. A
visibilidade, em proposta, conferida a estes
equipamentos torna-se, assim, muito maior. Deste
modo, o Ambiente Central do projeto existente,
aqui, é transformado e se alarga. Uma porção dele
mantém-se como um espaço que podemos
denominar de Ambiente de Eventos, já outra parte,
que abrange, no projeto proposto, uma
concentração de equipamentos, como quadras,
pistas e rampas de skate e um pequeno pátio para
capoeira, transforma-se no que podemos
conceituar como Ambiente Central Poli-esportivo.
O lugar de cota inferior do espaço da Praça parece
manter-se ainda um pouco indefinido, propicio a
menor uso. Porém, no projeto, estende-se a pista
de caminhada/corrida até ele, de modo que ela
passa a abranger a integridade da Praça.
O “Parquinho”, acertadamente, mantém-se
no mesmo local, garantindo a manutenção de todos
aqueles conceitos quanto à segurança e vigilância
do espaço urbano de que falamos.
74
75
76
77
78
PROJETO PROPOSTO – LENC (Lab. de Engª. Cons. S/C Ltda)
79
80
3.7. Conclusões
Relações que se estabelecem entre os três espaços em estudo Aproximações ou diferenças que possuem quanto a suas materialidades, apropriações humanas e conceitos Aproximação para uma organização em comunidade – idéias compartilhadas
Desde o início, os três espaços livres públicos que
constituem o fundamento desse trabalho
sugeriram, entre si, uma interação. Conectados
pela linha de uma mesma rua, são apropriados
todos eles pelo percurso de uns poucos passos.
Estes espaços abordam o passante e, de modo
inevitável, comunicam-lhes, a todo o momento,
inúmeras coisas. A noção de que é, também, o
espaço, que irrompe de sua natural passividade e
nos aborda, serve para que se tente evidenciar essa
propriedade que possui de, em toda sua
concretude, colocar-se como meio dotado e difusor
de mensagens. Mensagens atribuídas. Essas
mensagens são lançadas e estabelecem, para o
meio urbano, que o espaço se dispõe
ininterruptamente à interação. Esses espaços,
assim se configuram, comunicantes, justamente
pelo fato de serem espaços construídos, cujas
realidades foram criadas. Suas mensagens,
previamente formuladas ou não, são frutos de
ações humanas e carregam consigo toda
conseqüência que lhes for, por estas, atribuída.
Suas vidas têm definida uma data de início. Muitas
vezes, é apenas isso que alguns espaços no meio
urbano têm como definição. Terem sido criados, e
só. Terem surgido, como resultados de algum dado
contexto e de alguma ação, que não os conceituou,
ou que o fez precariamente, e que os deixou
indefinidos para que sofressem posteriormente as
transformações geradas pela brusca tentativa em
conceder-lhes, enfim, alguma definição.
Uma relação fundamental que estabelecem
entre si é esta que evidencia a gradação que estes
três espaços demonstram estabelecer em sua
definição ou indefinição de ocupação e uso.
Discutimos que o plano habitacional, que os
conformou no traçado de seu arruamento, deixou
muitos espaços sem resposta. De modo que, em
cada porção de terreno sem destino, iniciaram-se
muitas histórias a serem, apenas muito
posteriormente, construídas.
Dentre estes espaços em estudo, tem-se
que um deles experencia atualmente uma realidade
que é bem definida, a de Praça. A respeito dos
outros dois espaços, esboçaram-se aqui algumas
interpretações, fruto de vivência e observação.
Mas não teríamos meios suficientes, ainda, de
arrancar-lhes sua latente indefinição de vida e uso
urbano. Observou-se que, na ausência dessas
determinações que fundamentam a relação dos
81
espaços da cidade com este meio, são suscitadas,
pelo próprio caráter provocativo da lacuna, ações
que buscam preencher vazios e conferir respostas.
Conferir, sobretudo, alguma definição. E vida, por
conseqüência.
Parece, assim, que um espaço que não
encontra definições, subsiste em contexto. Sub-
existe. É essa a mensagem que o espaço em estudo
1, terreno sem uso e ocupação, comunica – sua
sub-existência, sua não-vida. No segundo espaço,
uma ocupação irregular buscou, sem dúvida
construir uma história sobre sua realidade deixada
vazia. Atribuiu, sem dúvida, durante esses tantos
anos, uma resposta ao lugar. Construiu-se ali, antes
de tudo, uma noção primária de lugar. Talvez esta
resposta tenha encontrado aceitação por um grupo
de pessoas: afinal, a área foi ocupada
informalmente como campo de futebol por mais de
20 anos. Apenas quando outro uso prioritário –
hospital – é proposto pelo poder público, o uso
informal termina. Enfim, essa definição então dada
ao espaço, ao que parece, acabou não mais
encontrando, junto ao restante dos que habitam seu
entorno aproximado, suficiente identificação. Ou
ainda, podemos dizer, que não pode estabelecer,
com este meio circundante, comunicação. O uso
deste terreno para o abrigo de um campo de
futebol, em sua condição de irregularidade, não
conseguiu estabelecer, neste sentido, sua
legitimidade de ocupação no urbano. Não
estabeleceu vínculos suficientemente coesos que
pudessem fundamentar, ou mesmo justificar, sua
manutenção, daqui em diante, naquele espaço, cuja
função primeira era servir ao uso público. Vimos
sua recente desconstrução. A noção de restrição,
que definia seu uso, cujo caráter era
eminentemente privado, reforça o não
estabelecimento dessa troca entre o lugar e o
restante das pessoas.
Entretanto, neste ponto, cabe ser pensado,
que apesar de um vínculo mais forte não haver se
estabelecido, essa população não manifestou, no
decorrer dos mais de vinte anos, descontentamento
com o uso dado ao espaço. É fato que nele, nem
sequer, pôde, ao longo do tempo, ser construído
seu sentido público, constituindo-se um
distanciamento entre o espaço em foco e o
moradores da região, que não o concebiam como
público até o momento de desocupação forçada do
local. A população talvez veja construir-se ali, um
uso que sirva a todos, não porque tenha
reivindicado que essa apropriação plural, em
contraposição a anterior, se estabelecesse. Essa
noção de que é a sociedade civil que rege as ações
públicas, no sentido mais próprio da cidadania, em
grande medida, é inexistente ou, existindo
minimamente, é carregada de grande
incredulidade. Ainda que a população, em uma
freqüência obtida de 80%, considere que um uso
melhor poderia ser dado àquele espaço, durante
toda a condição anterior de ocupação deste espaço,
ela não buscou a concretização deste novo uso,
muito por não acreditar na eficácia de tal busca. A
reivindicação popular é dotada, sim, de uma força
inigualável. No entanto, a desestruturação de
qualquer organização que a ela dê voz é muito bem
elaborada e disseminada. Não é preciso mais do
que a desvalorização e negligência com a
formação educacional, em todos os níveis, para
conseguí-lo. A noção mais forte de cidadania
como prática e responsabilidade não se constrói, e
é esse mesmo o intuito.
Para os moradores, que têm, como vista de
sua janela, um grande terreno baldio, a
82
organização para lidar com seus problemas
conjuntos torna-se premente. São os abaixo-
assinados, reuniões, todo um esforço reivindicativo
e construtivo de cidadania que se requer. No
entanto, com também seus vinte e poucos anos de
espera pela demolição daquelas tais estruturas
residuais, essa construção comum dificilmente se
amplia. E sem apoio, perde a força.
Combinem-se esses dois esquemas
conceituais anteriores com um próximo, que ilustra
a intensidade de ocorrência dos usos considerados
inadequados, e se verá que uma definição ou uso
atribuído de um espaço não são capazes, por si só,
de limitar os usos ou apropriações, indevidas e
indesejadas, que neles se estabelecem. Os usos
ditos inadequados dispersam-se por toda sorte de
espaço, seja este definido ou destituído de
qualquer definição. Ocupam, todo local, a
contragosto e quase sem qualquer impedimento.
Nem a intensidade de uso é capaz de coibi-los. Na
Praça esta realidade se evidencia. Tornam-se
necessários outros tipos de ação. Torna-se
necessário que se entenda o caráter verdadeiro de
uma praça que é pública. Mas, é fato, que o uso
inadequado, o uso e tráfico de drogas ilícitas, que
nela se dá, coíbe reações, com enormes barreiras.
A população, é compreensível, receia afrontá-lo.
Caso ela não busque sua constituição real como
corpo coletivo, zeloso de seu espaço, nem poderá
fazê-lo. Contraposições isoladas, neste caso e no
geral, não conseguem construir algo cuja
competência de construção baseia-se em ações
comuns, em reunião de indivíduos e em posturas
mais coletivas que isoladas.
83
Os esquemas anteriores pretendem
caricaturar aquilo que pode ser apreendido sobre o
modo como moradores da região concebem os três
espaços. Junto à consulta pública, eles estabelecem
a aproximação entre a repulsão ou atração exercida
pelo espaço e os usos inadequados que nele se
estabelecem. A Praça, dentre os três, possui uma
atração ao uso consideravelmente maior, no
entanto, o aborrecimento da população com os
maus usos do espaço, cria nela um caráter de
repulsa que é, infelizmente, predominante. O
espaço em estudo 1, afasta ainda mais
intensamente quase toda apropriação. Afasta muito
mais do que concentra. Assim como ocorre,
também, com o espaço em estudo 2, de antiga
ocupação irregular, ainda que em menor
intensidade quando comparado ao espaço 1, do
terreno baldio.
Os esquemas conceituais buscam reunir as
relações estabelecidas entre cada espaço em estudo
deste conjunto habitacional e a população que nele
habita, bem como expor as relações observadas de
interação que estes três espaços livres públicos
estabelecem entre si. Desses dois âmbitos que
integram as relações sociais estabelecidas,
portanto, entre pessoas e pessoas, pessoas e
espaços e espaços entre si, entende-se que são
abarcadas as reflexões principais que este estudo
buscou construir. E é a partir destas que alguns
argumentos conclusivos são suscitados e
esboçados. Torna-se latente, sobretudo, que há na
configuração espacial desses três lugares, uma
contrapartida da configuração social que está, em
grande parte, ausente. Retomemos um importante
ângulo da presente análise que é a discussão da
relação público-privado e destaquemos um estudo
que discute a modernidade e que tem aqui grande
importância:
... há uma ruptura com a tradição e um
progresso em direção à autonomia e à
individualização. Os processos de reprodução
dependem cada vez mais dos próprios homens
e cada vez menos das autoridades tradicionais
[...] na esfera da personalidade, a formação
das identidades visa um ego cada vez mais
autônomo. As interações comunicativas que se
realizam neste mundo vivido (lugar de
interações espontâneas) racionalizado,
dependem, em suma, dos próprios
participantes, e não da tradição e da
autoridade. (ROUANET In RIGATTI,
Paisagem e Ambiente, 1995:141)
84
Complementamos esta constatação, com a
conceituação da função e significado de
vizinhança, formulada por Keller e transcrito em
Rigatti, que define o papel da vizinhança:
“o exercício do controle social recíproco para
auxiliar a manter as pautas comuns e a
comunicação compartilhada”. [...] Isso
permite “a criação e manutenção das normas
sociais de conduta e dos valores corretos.
O vizinho é um estranho que está próximo,
que defende interesses que são só seus e em
parte são divididos com seus vizinhos.
(KELLER, 1979 In Paisagem e Ambiente,
RIGATTI, 1995: 149)
O que esses autores trazem como
fundamento é a noção de que, em nossa sociedade
atual, coloca-se sobre o indivíduo a
responsabilidade, como participante direto do
mundo vivido, de pensar a constante construção e
reconstrução deste; e, fundamentalmente, em
estabelecer, para tal encargo, vínculos sociais que
confiram força e tornem claras as reivindicações
que se caracterizam como comuns, que remetem a
um coletivo de homens que participam da
condução efetiva dos espaços que estabelecem
como seu habitat.
A despeito de outras faltas conseqüentes –
como aquelas recorrentes de insuficiente
manutenção dos espaços tanto pelo poder público,
pela autoridade, quanto pelos próprios cidadãos –
uma noção que é primária é a de que a condução
das políticas públicas precisa ser entendida como
atribuição também da própria sociedade civil
organizada, ainda em constituição. Na região,
algumas dessas idéias são compartilhadas, pensa-
se na criação de grupos de construção e expansão
desse corpo político que é ainda reduzido, e é no
entendimento comum dessa premência que pode
estar inscrita uma tentativa de construção do social
e do urbano que tenha alguma possibilidade de
persistir no tempo. Se se entende que “A atenção à
criação de espaços públicos tem relação direta
com a cultura de um povo e com a importância
maior ou menor dada à vida pública” (ZUCKER,
1959) - essa noção torna-se, enfim, o embasamento
a toda ação que se pretenda construir melhor estes
espaços e esta cidade.
85
86
4. Anexos
4.1. CONSULTA PÚBLICA – QUESTINÁRIOS
SOBRE OS TRÊS ESPAÇOS
4.2. TABULAÇÃO DE DADOS OBTIDOS COM A
CONSULTA PÚBLICA E ELABORAÇÃO DE
GRÁFICOS ESTATÍSTICOS
87
4.1
88
4.1
89
4.1
90
QUESTIONÁRIO:
Você considera que o Conjunto Habitacional “Itaquera I” oferece boas e
suficientes áreas verdes públicas de lazer?
a) SIM b) NÃO
SIM12%
NÃO88%
F.A.
SIM
8
NÃO
58
4.2. TABULAÇÃO DE DADOS DA PESQUISA E ELABORAÇÃO DE GRÁFICOS ESTATÍISTICOS
F.A. = FREQUÊNCIA ABSOLUTA
91
92
93
94
95
96
97
5. Bibliografia
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98
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ZUCKER, Paul. Tow and square – from the
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stm.sp.gov.br/pitu2020/retrospec/historia.htm
99
6. Perspectivas da pesquisa
Sobre os espaços livre públicos do
conjunto habitacional Itaquera IB foram estudadas
questões referentes a sua formação histórica e
conformação espacial no meio urbano. Buscou-se
discutir seus diferentes estados de conservação e
manutenção e os usos dos mesmos. Também
foram analisado criticamente a implantação ou não
de algum projeto de arquitetura e paisagem que os
qualifique enquanto espaços verdadeiramente
públicos e coletivos, assim como buscou-se
observar a relação estabelecida entre tais espaços e
os indivíduos que deles se apropriam. A história
social dos espaços urbanos considera o papel dos
atores sociais envolvidos em sua criação e é
predominantemente a estes atores que nos
voltamos a fim de tentar, de forma concreta,
compreender e, então, possivelmente, projetar com
base em suas necessidades e possibilidades. Com
base no conhecimento adquirido por meio do
estudo acerca destes três espaços poderão ser
formuladas propostas que terão o intuito primeiro
de conferir aos mesmos um uso mais adequado.
A perspectiva que temos para esta
pesquisa é a de lançar mão daquilo que se agregou
de conhecimento a respeito destes três espaços até
o momento e continuar a discussão sobre os
mesmos, agora no âmbito da pesquisa propositiva.
Pautados na realidade destes espaços, pretende-se,
numa próxima etapa, discutir propostas de ação
sobre estes locais, a fim de desenvolver diretrizes
projetuais possíveis de serem implantadas.
Julgaremos, primeiramente, a necessidade
de se desenvolver novos projetos para os três
locais e, assim, que projetos seriam mais
adequados de acordo com as possibilidades de uso
e ocupação do espaço público e com as demandas
dos usuários mais diretamente envolvidos. Dados
os estudos até então desenvolvidos já se pode
esboçar um plano de trabalho.
Este plano de trabalho constituir-se-á no
desenvolvimento de um projeto de arquitetura para
o espaço em estudo 1, terreno desocupado e em
estado de abandono. Buscando construí-lo em
constante conversa e troca com os moradores do
entorno deste espaço.
No caso do espaço em estudo 2, pretende-
se seguir com seu estudo pelo acompanhamento do
projeto de Hospital Municipal que será nele
implantado. Expô-lo e discuti-lo. Tanto seu projeto
de edificação, quanto seu caráter e impacto social e
urbano nesta região.
Não se desconsidera, evidentemente, a
possibilidade de se trabalhar sobre o espaço já
projetado, propondo alterações à condição
existente, como será o caso do espaço em estudo 3,
a Praça Dilva Gomes Martins. Dada essa análise,
temos o intuito de desenvolver os projetos de
arquitetura e paisagem na medida em que estes
forem considerados desejados.
Seguiremos abordando os objetos de
estudo específicos, no contexto do objeto de
estudo mais amplo que é a própria cidade. E,
também complementaremos o referencial
bibliográfico desta nova etapa com uma série de
referências que abordem o âmbito da prática do
projeto para espaços livres, sobretudo, dos espaços
livres públicos.