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Jornal-laboratório produzido pelo núcleo de Jornalismo da A4 - Agência Experimental de Comunicação para a 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo Diagramação: Martina Scherer
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1
27ªDO
SANTA CRUZ DO SUL
JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 24 nº 3 AGO/SET 2014 - EDIÇÃO ESPECIAL
2
Editora-chefe: Cristiane Lindemann
Subeditora: Laura Gomes
Diagramação: Martina Scherer
Arte: Juliana Mallmann Fritsch, Caroline Trapp, Aline Gonçalvez, Mariana Müller Plümer e Beatriz Luchese
Ilustrações: Whellinton Rocha
O poder de transformaçãoda literatura
EDITORIAL
Transformar é uma palavra
utilizada por aqueles que anseiam
por mudanças. Muitos dizem que
a verdadeira transformação é
feita de dentro para fora. Assim,
o pensamento é o primeiro a ser
transformado, seguido pelas ações.
Por isso, o slogan da 27ª Feira do
Livro de Santa Cruz do Sul é tão
especial. Ao afirmar que Ler Transforma, vislumbra-se um mundo
de oportunidades para os leitores.
A leitura não é apenas uma
sequência de palavras. Ler é deixar
a imaginação solta para viajar pelos
mais diversos caminhos. É compre-
ender os personagens e as suas
transformações durante a trama. A
leitura não é feita só de palavras: são
imagens, pontos, vírgulas, espaços
em branco, sentimentos, suspiros. E
não são apenas os olhos que podem
ler: através do Braille, também é
possível ler com as mãos.
Foi neste clima que a equipe
a da A4 – Agência Experimental de Comunicação da Unisc entrou
em ação para contar histórias de
pessoas que tiveram a sua vida
transformada pela leitura. Ao ler
o Unicom – edição especial Feira
do Livro, você vai descobrir como
é a vida de quem decidiu criar
páginas na Internet para discutir
literatura e conhecer pessoas que,
por terem tantos livros em casa,
acabaram montando as suas pró-
prias bibliotecas. Se as pessoas
se transformam, os personagens
também. Confira essas e outras
histórias nas páginas do Jornal Unicom. Boa leitura e uma ótima
Feira do Livro, em ritmo de
mudança. Que esta temática seja
um incentivo para você, assim
como foi para os nossos repórteres.
Sebastião agora era outro. O presente despre-
tensioso, o livro pequeno, o transformara. Agora
Sebastião entendia todo aquele lance de “viajar sem
sair do lugar” e de “aprender se divertindo” e todas
essas coisas que as mães e as professoras de português
adoram dizer. O rapaz, agora sim, tinha encontrado um
hobbie, uma paixão, algo mágico para fazer entre uma
coisa e outra. Entre uma vida.
Há mais ou menos um ano nesse mundo de papel
e tinta, Sebastião já crescera muito. Eram novas ideias,
novas palavras. Novas vontades. Menos dinheiro, que ia
em comida, contas de luz e água ou em livros. A amiga,
aquela que presenteou Sebastião com seu primeiro
livro, tem muito orgulho dele. E esse sentimento cresce
a cada página que Sebastião lê. Porque o melhor era
que ele não só comprava, ele lia! Lia tanto ou mais que
ela, que era uma ratinha de biblioteca. A amiga - Sofia o
nome dela -, ajudara Sebastião a se apaixonar por algo
capaz de transformar qualquer um. Sofia fez Sebastião
se apaixonar por livros.
E assim transformou a vida dele para sempre.
* Estudante de Jornalismo, Unisc
Criadora do blog umcafeeumconto.blogspot.com
Transformou-se ANDRESSA BANDEIRA *
CONTO
Umas das coisas mais incríveis e aterrorizantes
da vida é a sensação de fechar um livro após ler a
última página. Você começa a história com alguma
expectativa, se entrega à leitura, vive agradáveis horas
na companhia dos personagens, em um lugar diferente,
numa outra vida, e depois de algum tempo, tudo isso
acaba. A sensação de perda é inegável. Presenciar todos
estes momentos incríveis e acabar sendo confrontado
pela realidade é muito cruel. Só os verdadeiros amantes
da literatura compreendem esta sensação. De ficar
órfão. E sentir-se sozinho. Pensar que nunca na vida vai
amar tanto outra obra.
Todas as pessoas ao seu redor vão continuar vivendo
suas vidas alheias ao que aconteceu, sem imaginar o que
você sente. Que seu mundo não é mais o mesmo, que
sua vida tem um novo sentido, que você percebe e vê
as coisas de uma outra maneira depois de aprender com
seus novos amigos de dentro das páginas. Uma cena,
uma frase ou uma ação dentro de um amontoado de papel
impresso movem engrenagens estranhas dentro de nós.
Mas não tente explicar isto a ninguém, vão te
chamar de louco. Acredite, eu já tentei. Todas as alegrias
e sofrimentos compartilhados com seu livro pertencem
ao leitor, e ao leitor apenas. Cada um vai ler as mesmas
palavras e tirar dali diferentes significações. A magia dos
livros reside no fato de que eles ensinam coisas diferentes
a cada pessoa, porque cada ser é diferente. O consolo
é saber que cada novo livro vai te encontrar diferente,
depois das mudanças operadas pelo anterior.
* Estudante de Jornalismo, Unisc
Criadora do blog uma-leitora.blogspot.com
A culpa é das letras PAOLA SEVERO *
CRÔNICA
Naquele dia, Mariana estava aflita. Era o último dia
da sua viagem para a Cidade Luz, Paris, que ela sempre
sonhou visitar. Acompanhada de um grupo de amigos,
Mariana não teve medo de seguir em frente e conhecer
cada cantinho da cidade. Devorou cada informação da
maneira mais rápida que podia, pois estava muito curiosa.
Da Torre Eiffel ao Museu do Louvre, passou
por todos os pontos turísticos. O Arco do Triunfo é
realmente lindo, pensou. E a Catedral de Notre-Dame,
então, magnífica. Quando se deu por conta, em um dia
estava correndo atrás de borboletas nos jardins de
Monet e, no outro, aproveitando uma linda música em
um passeio pelo Rio Sena.
Mariana voltaria transformada. Era outra agora:
mais culta, mais alegre, mais satisfeita. Não por conta da
cidade que escolheu, mas pelo simples fato de ter viajado.
Através de passeios como o de Mariana, é possível se
conhecer outra parte do mundo, sem sair do lugar.
Viagens assim são perfeitas para qualquer idade.
Com lágrimas nos olhos, ela ia se despedindo de
tudo aquilo. Em todos esses dias, a companhia dos amigos
foi incrível. Poder compartilhar da história deles, melhor
ainda. Agora ela sabia tudo sobre a vida de cada um. Mas,
infelizmente era o fim: as últimas páginas chegavam. Era
hora da despedida. O fim de mais uma história.
Assim, Mariana fechou o livro.
E foi dormir pensando em qual seria o destino da
sua próxima viagem.
* Estudante de Jornalismo, Unisc
A melhor viagemCONTO
MARTINA SCHERER *
Este jornal foi produzido pelos monitores da A4 Agência Experimental de Comunicação - Núcleo de Jornalismo, sob a supervisão da professora Cristiane Lindemann. Acompanhe o conteúdo produzido pela nossa equipe durante a 27a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul através do site: hipermidia.unisc.br/27feiradolivro
UNISC - Universidade de Santa Cruz do SulAv. Independência, 2293 - Bairro UniversitárioSanta Cruz do Sul - CEP 96815-900
Curso de Comunicação Social Bloco 15 - Sala 1506Telefone: (51) 3717-7383Coordenador do Curso: Hélio Etges
Reportagem: Andressa Bandeira, Caroline Fagundes, Eduardo Finkler, Laura Gomes, Mahara de Brito, Martina Scherer e Monique Rodrigues
OP
INIÃ
O
EXPEDIENTE
Impressão: Grafocem
Tiragem: 1.000 exemplares
3
A popularização da Internet
transformou as tradicionais
rodas de conversa. Assuntos
que antes reuniam os amigos e fa-
miliares pessoalmente, agora podem
ser debatidos em qualquer lugar e até
com desconhecidos. Com o intuito
de falar sobre literatura e interagir
com outros amantes de livros, sur-
giram espaços na rede mundial de
computadores destinados à troca
de impressões sobre livros, autores,
personagens e tudo o que envolve o
mundo da literatura. Esta temática
tomou conta de blogs, sites e redes
sociais, que passaram a atrair leitores
para discutir este universo.
Danilo Leonardi encontrou na
literatura um desejo profissional. “É um
assunto do meu interesse. Quando saí
da escola, comecei a pensar no que é
que eu gostaria de trabalhar pelo resto
da vida, e literatura me soava muito
bem.” Por meio desse pensamento
surgiu, em julho de 2010, o vlog (canal com vídeos) Cabine Literária (http://
www.youtube.com/cabineliteraria).
Criado por Danilo, o espaço virtual tinha
como objetivo inicial servir de incentivo
para que o seu criador lesse mais
livros. A iniciativa deu tão certo que,
em outubro de 2013, nasceu o site do
Cabine Literária (http://cabineliteraria.
com.br/). “No começo, a única coisa que
mudou é que passei a ler bem mais do
que antes”, lembra Danilo.
O novo endereço do Cabine Literária contém, além do vlog, notícias, colunas com críticas, entrevistas, tiri-
nhas e listas com indicações de obras,
tudo relacionado à literatura. Danilo
acredita que o site é uma forma de
incentivar o gosto pelos livros. “Falar
sobre literatura é especial porque
considero a literatura um assunto
muito importante. Nosso país precisa
de muito mais incentivo à leitura do
que temos atualmente”, pondera.
Se, no início, a única mudança era o
aumento no ritmo de leitura, agora
Danilo aprecia a repercussão que
o Cabine Literária tem. “O retorno
é maravilhoso. Os fãs são muito
participativos, tanto no canal como no
site, além dos e-mails que recebemos
com opiniões e sugestões”, admira o
criador do Cabine.Ao longo do tempo, o vlog e o
site sofreram transformações para
aprimorar seu conteúdo. “Os novos
quadros surgem da necessidade de
abordarmos determinado assunto sob
um certo ângulo. Sofremos influências,
obviamente, mas tenho certeza de
que tudo o que fazemos tem a nossa
cara”, afirma. Apesar de o tema central
ser a literatura, Danilo e sua equipe
procuram não parecer muito formais.
“Por mais que a gente fale sobre livros,
prefiro caminhar para uma identidade
mais descolada do que reproduzir a
ideia de que literatura é assunto exclusivo
pra estudiosos do assunto”, opina.
Já com Bruno Miranda a iniciativa
começou em blogs para, depois, virar
vlog. “Eu sempre tive vários blogs
desde que comecei a usar a Internet,
mas nunca tinha dado certo porque
eu ainda não tinha encontrado o que
realmente gostava de falar. Em 2010,
quando comecei a gostar muito de
ler, surgiu o blog, que se tornou canal
quase dois anos depois”, lembra
Bruno. Foi assim que teve início o vlog
Minha Estante (http://www.youtube.
com/user/minhaestante), que conta
com mais de 60 mil inscritos e cerca
de 2 milhões e 500 mil visualizações.
Nos vídeos, Bruno faz resenhas
sobre livros. “É mais uma conversa
informal com quem assiste do que
uma coisa séria e profissional. Uma
das coisas mais legais de falar
sobre literatura é saber que ler é um
hábito muito bom e eu posso ajudar
as pessoas a lerem mais”, acredita.
Desde que criou o Minha Estante, a vida de Bruno se modificou. Além
de receber feedback do público por
e-mail e redes sociais, o retorno
veio profissionalmente. “Dedico a
maior parte do meu tempo a isso
e eu não me vejo mais sem o meu
canal. Hoje trabalho com o canal e
em uma produtora, pela experiência
que consegui adquirir com os vídeos”,
conta o criador do Minha Estante.Tanto Bruno quanto Danilo
acreditam que a literatura pode
transformar a vida das pessoas.
“A literatura ensina empatia, princi-
palmente. Aumentar a inteligência
emocional já seria um grande feito,
mas, quando não faz isso, ela ao
menos oferece um escape da vida
real, o que também pode ser bastante
transformador pela capacidade que
uma obra tem de unir pessoas. É
comum que amizades comecem por
causa de um livro, por exemplo”,
comenta Danilo. Além de conhecer
pessoas através da literatura, os livros
também proporcionam aprendizado.
“A mudança principal para quem lê está
na leitura, na escrita, no vocabulário,
na criatividade e também no senso
crítico, que aumenta”, opina Bruno.
Mas, mais do que isso, o responsável
pelo Minha Estante ainda acredita
em uma transformação maior: “cada
livro é único e também pode mudar a
nossa forma de ver a vida”.
A Internet tornou-se ferramenta para os amantes dos livros
LAURA GOMESREPORTAGEM
Literatura debatida em espaços virtuais
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MARTINA SCHERER
Livros por todos os ladosHá 27 anos, Feira
do Livro é palco de encontros entre
a comunidade santacruzense e a literatura
MARTINA SCHERERREPORTAGEM
Crianças ouvindo histórias,
adultos jogando xadrez, mães
comprando algodão-doce, o má-
gico entretendo a todos e os astros
da festa: livros, muitos livros.
Todos os anos, a praça Getúlio
Vargas, no centro de Santa Cruz
do Sul vive este clima durante os
dias de Feira do Livro. Em 2014
não será diferente. A Feira, que
chega a sua 27ª edição, acontece
de 5 a 14 de setembro, sob o tema
Ler transforma.
Desde o seu início, em 1988,
tem o objetivo de desenvolver o
interesse pela leitura, propagar
os livros e fazê-los chegar até
a mão do leitor. Atualmente, é
o mais representativo evento
literário do município e destaque
no cenário sociocultural do Esta-
do. Com o objetivo de deixá-lo
cada vez mais interessante, o
comitê organizador, composto,
desde 2006, pelo Serviço Social
do Comércio (Sesc), Prefeitura
Municipal e Universidade de Santa
Cruz do Sul (Unisc), busca trazer
novidades todos os anos.
Segundo Roberta Pereira,
gerente da Unidade do Sesc de
Santa Cruz do Sul, os pontos que
deram certo na edição anterior
serão mantidos, como a progra-
mação simultânea, tanto nos
dois palcos da Feira, quanto
em diferentes locais da cidade,
por exemplo. Além disso, a área
coberta será ampliada por toda a
extensão da Praça para garantir
maior conforto aos visitantes em
caso de chuva.
Ao total, serão 18 expositores
de livrarias de Santa Cruz do Sul
e de outros municípios do estado,
instalados no coração da cidade,
para trazer à comunidade os mais
variados gêneros literários. Em
2013, puderam ser encontradas
nas bancas, obras infantis, sobre
cultura - teatro, música, cinema,
dança ou fotografia -, livros de
culinária, biografias, clássicos da
literatura nacional e estrangeira,
espíritas, além de edições de
bolso e dos tradicionais saldos.
Programação - Como em
outros anos, o programa será
voltado a todos os públicos.
Prevista para sexta-feira, às
19h30min, a abertura da Feira
contará com a participação de
autoridades, convidados e co-
munidade em geral, além da
apresentação do Coro Masculino
da Afubra, a Associação dos
Fumicultores do Brasil.
E outras atrações musicais
são destaque na Feira do Livro:
também comparecerão o Coral do
Sesc e do Sindicato do Comércio
Varejista de Santa Cruz do Sul
(Sindilojas) Maturidade Ativa; o
cantor Leonardo Reis; a Orquestra
Municipal de Sopros de Santa
Cruz do Sul e a Orquestra da
Universidade de Santa Cruz do
Sul (Unisc); e alunos do Colégio
Marista São Luís e da Escola
Educar-se.
O patrono desta edição é
Aldyr Garcia Schlee, escritor,
jornalista, tradutor, desenhista e
professor. Gaúcho, do município
de Jaguarão, é um dos grandes
nomes entre a relação de contistas
do estado. Schlee estará presente
para uma entrevista coletiva,
no dia 11, quinta-feira. Neste
mesmo dia, à noite, participará
de uma conversa, no Auditório do
Memorial da Unisc, sob a mediação
do professor de literatura, Elenor
Schneider. Já a homenageada será
a santamariense Lélia Almeida,
que estará na Feira na segunda-
feira, dia 8, com um bate-papo
sobre literatura feminista. No
diálogo, terá a companhia da
também escritora Valesca de
Assis e da jornalista e professora
do curso de Comunicação Social
da Unisc, Fabiana Piccinin.
Além deles, outros escritores
passarão pela Praça, como Mario
Pirata, Luiz Conorel, Marli Silveira,
Gustavo Czekster, Fabrício Carpi-
nejar e Mauro Ulrich. Enquanto isso,
os autores Demétrio de Azeredo
Soster, Rudinei Kopp, Valesca de
Assis, Flávio Nascente dos Santos,
Milton Pokorny, Lily Elisabeth
Pokorny, Valquíria Ayres, Marisa
Borges e José Karkuszewski farão
lançamentos de livros. Também
o patrono, Aldyr Gargia Schlee
e a homenageada Lélia Almeida,
lançarão novas obras.
Alguns espaços já tradicionais
continuarão sendo cenário para a
Feira: a contação de histórias e
espetáculos teatrais, bem como
apresentações de dança e música,
já são figurinhas carimbadas para
animar o público. A Bebeteca, parceria entre Sesc e Xalingo,
traz, além da biblioteca do
Sesc, material para desenhos e
brinquedos e jogos educativos.
Outro acervo disponível para
consulta é o espaço da
Biblioteca Pública Elisa Gil
Borowski, da Secretaria
Municipal de Educação
e Cultura (SMEC), com
espaço para, por exemplo,
aulas de xadrez.
O Serviço Social da
Indústria (Sesi) também ofe-
recerá a quem passar pela
Praça, o Centro Cultural Sesi,
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A FEIR
A
HORÁRIOS DA FEIRA:
Sexta-feira (5): 19h às 22h Segunda a sexta: 8h30 às 19hSábados: 9h às 21hDomingos: 10h às 19h
uma biblioteca móvel. No espaço,
três mil títulos esperam o leitor,
contemplando livros em formato
acessível, em braille e áudio-livros;
além de revistas e jornais atualizados.
E a brincadeira ficará por conta do
Colégio Marista São Luís, com a
Pescaria do Conhecimento: um jogo,
no chafariz da Praça, que utiliza
materiais reciclados para educar.
Outro destaque da progra-
mação é o Encontro de Quadrinistas
e Fãs de Histórias em Quadrinhos.
Com sua primeira edição em
2013, é um espaço de encontro
entre produtores, profissionais e
amadores deste tipo de literatura.
O evento inicia na noite de sexta-
feira, dia 12, com um painel sobre
o assunto com o patrono Aldyr
Garcia Schlee. No sábado, dia
13, diversos outros momentos de
diálogo acontecerão, no Teatro do
Espaço Camarim.
Como atividades paralelas,
acontecerão mostras Literárias
sobre os autores Simões Lopes
Neto, Machado de Assis e Mario
Quintana. Além desta, haverá
outra exposição especial, pela
Biblioteca da Unisc, com obras
do patrono e da homenageada da
Feira; e ainda, a exposição Bruxa Roxilda & amigos, de Valquiria
Ayres e Lula Helfer. Em dois
momentos, chamados A Feira vai
à escola, os autores Mario Pirata
e Flávio Nascente dos Santos
participarão de um bate-papo
com estudantes do município.
6
Cultura, geografia e os idiomas do Brasil
e do Uruguai são destaque na obra do
patrono da Feira
MARTINA SCHERERENTREVISTA
MONIQUE RODRIGUESRESENHA
O que veio primeiro em tua vida: o jornalismo ou a literatura?
Antes de tudo, veio a leitura. Eu continuo sendo, antes de um escritor, um leitor.
De onde vem a inspiração para as personagens populares presentes na tua literatura?
Não sou um autor inspirado por isso ou aquilo. Em literatura, respiro normalmente. Não tenho “inspiração”, que geralmente é justificativa pobre e vazia de quem não sabe por que escreve. Quanto a meus personagens, são a razão de ser de minha literatura, resultado de minha visão de mundo e motivo de minhas mais caras convicções.
Como analisas a tua escrita em relação ao regionalismo? Algo mudou do início da tua carreira para cá?
DIVULGAÇÃO/MOVIOLA FILMES
Don Frutos, Contos de Futebol, O Dia em que o Papa foi a Melo e Uma Terra Só. Estes, assim como muitos
outros, são títulos que poderão ser
encontrados na Praça Getúlio Vargas,
durante os dias de Feira do Livro.
No repertório, não haverá apenas
romances longos e demorados, mas
também muitos contos, provenientes
da mão, da mente e da criatividade
do gaúcho de Jaguarão, Aldyr Garcia
Schlee, patrono da 27ª edição do
evento literário realizado em Santa
Cruz do Sul.
Com uma caminhada que
iniciou muito antes de 1983, data
da publicação do seu primeiro livro
- Contos de Sempre -, Schlee é
jornalista, tradutor, desenhista e
professor. Atualmente, é um dos
grandes contistas gaúchos, tendo
escrito também em espanhol. Sua
última publicação foi Memórias de o que já não será, ainda deste
ano. Confira na entrevista mais
detalhes da literatura do patrono
que, inclusive, já passou por Santa
Cruz do Sul quando jovem:
A literatura fronteiriça vai invadir a praça
PATR
ON
O
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O dito regionalismo é, no Rio Grande do Sul, com raras e honrosas exceções, uma marca do gauchismo tradicionalista e ufano, resultante em parte da dificuldade que temos tido para nos identificar e para dispormos de uma verdadeira identidade. Desde que nós, os sul-rio-grandenses, aceitamos e incorporamos a denominação de gaúchos, o peso e a abrangência desse gentílico – gaúcho – passou a ser causa e consequência da razão de não sabermos quem somos e de sermos o que não somos (aqui, até time de futebol é “gaúcho”; e nossas façanhas – dos “gaúchos” – servem de modelo a toda a Terra!). Minha literatura é sul-rio-grandense (e, como tal, “gaúcha”; mas não gauchesca e muito menos ufana e tradicionalista). Ela sempre foi e é assim, desde o primeiro conto e o primeiro livro quando, confessadamente, dispus-me a desmontar o gaúcho.
O fato de teres nascido em uma cidade fronteiriça foi que te influenciou a escrever em espanhol?
O fato de ter nascido a 200 metros do Uruguai e de ter vivido a infância e parte da juventude sob forte dependência do Uruguai, fez de mim um autor sul-rio-grandense fronteiriço. Um autor fronteiriço bilíngue, capaz de escrever um livro em português, outro em espanhol... e de até ser aceito, editorialmente, como autor uruguaio. As palavras são o ins-trumento e marca fundamental de minha literatura, revestindo personagens, cenários, situações, sentimentos que, num mundo literário (criado pelas mesmas palavras) constitui a recomposição de um pequeno e limitado mundo real perceptível em Jaguarão e arredores e ao longo do rio Jaguarão, fronteira uruguaia adentro e acima, no máximo até Melo, Treinta y Tres e Tacuarembó. Aí, na reconstrução literária desse mundo, não há como deixar de fora esta ou aquela palavra ou este ou aqueloutro falar.
A linguagem da fronteira pode estar, às vezes, mais comprometida com a criação do mundo literário do que presente e identificável no mundo fronteiriço real.
Por que a preferência pela forma curta de literatura, o conto?
Não se trata de preferência, mas de fôlego. Sou um escritor de recado rápido, capaz de manter o meu leitor sob controle, com gosto, por até dez, vinte páginas no máximo. Sei que assim é mais difícil fazer literatura, porque nada é mais simples e complicado que um conto (e nada melhor e impactante que um bom conto). Para tomar um pouco mais de ar, ganhar fôlego e ir além dos limites tradicionais de uma história curta, escrevi durante anos um romance de quase seiscentas páginas: Don Frutos, no qual ultrapassei a milha e os 2.200 e 3.000 metros permitidos aos parelheiros de tiro longo, nos Grandes Clássicos. Foi uma experiência interessante e maravilhosa!
Em que momento que a profissão de escritor se funde com a de jornalista, tradutor, desenhista e professor?
Fui desenhista, jornalista e professor por muito tempo – e vivi do desenho, do jornalismo e do magistério com muito entusiasmo, muita dedicação e muita satisfação. De certa maneira, nunca deixei de ser desenhista, jornalista e professor – talvez porque tenha incorporado ao meu fazer literário o que de melhor aprendi e pude desfrutar no desempenho de minhas profissões originais. Mas quero dizer que, apesar de dedicar cada oito a dez horas diárias de meu trabalho, hoje, à literatura, sendo assim o que se chamaria de escritor em tempo integral – não me sinto à vontade quando me atribuem a profissão de escritor. Essa profissão, no Brasil, existe predominantemente na imaginação e na promoção de autores e editores.
Sobre ser patrono na 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul: qual a tua expectativa?
Ser patrono da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul neste 2014, em que completo 80 anos de idade é um presente que recebo sem jamais ter pretendido. Digo isso não por modéstia; mas porque isso era algo que eu não poderia nem me sentiria no direito de almejar. Fui um guri que andou por Santa Cruz naqueles tenebrosos dias da II Guerra Mundial, vendo aqui pessoas sendo presas e levadas presas, pela rua, só porque falavam alemão. O impacto de meus dias em Santa Cruz, que também foram belos e inesquecíveis, no aconchego de minha família e de minha avó que só falava alemão, fez-me devedor desta cidade – onde aprendi a ver o mundo numa outra dimensão e onde comecei a me sentir parte da humanidade. Voltar aqui como patrono da Feira do Livro é, por isso tudo, demais para mim.
Schlee e seus contosDoutor em Ciências Humanas, jornalista, escritor
bilíngue, tradutor e, ainda, desenhista, o patrono da 26a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul é Aldyr Garcia Schlee. Ele escreve e publica suas obras em português e espanhol, e em seus contos explora o universo da fronteira, fazendo uso de uma linguagem representativa da fala e da cultura do homem do pampa sul-rio-grandense. Schlee lançou seu primeiro livro, intitulado Contos de Sempre, no ano de 1983. Entre as suas principais obras estão Don Frutos (2010) e Contos da Vida Difícil (2013).
Lançado pela editora ARdoTEmpo, Contos da Vida Difícil é um livro de 184 páginas e quatorze contos, que se passam na década de 1930, quando a Ponte Internacional que liga Jaguarão-RS com o Uruguai estava sendo construída. Havia uma grande migração para o estado do Rio Grande do Sul, principalmente para as cidades da fronteira – como a própria Jaguarão, que serve de cenário para esses contos –, e, com isso, expandia-se o mercado da prostituição. O autor retrata um passado de desejos muitas vezes proibidos, como no conto da jovem Agnela, que desejava seu cunhado, e que um dia não resistiu, entregando-se a ele. Engravidou e foi obrigada por seu pai a casar, sendo abandonada pelo cunhado que argumentou não querer se casar com uma moça que não era mais virgem.
Em Contos da Vida Difícil, Schlee descreve a vida aparentemente fácil – mas, na realidade, miserável – de cafetinas e prostitutas. Uma vida de falsos prazeres e relacionamentos que duravam uma noite, sem profundidade ou qualquer tipo de compromisso. Uma excelente obra, de um ótimo autor, que não teme em usar as palavras e, por meio delas, a cada conto, conquista mais seus leitores.
E, para finalizar: por que ler transforma?
O conhecimento transforma as pessoas. Esse é um dado fundamental da cultura e a grande justificativa da educação – formal ou informal. Como a leitura é uma grande produtora de conhecimento, naturalmente por isso assume caráter transformador. Mas ler literatura não é só ler (por isso que é difícil encaixar a leitura literária na escola, num processo de educação formal). Ler uma obra literária é apreciar e desfrutar; não é só aprender isso ou aquilo ou mais aquilo pela simples leitura. Ler uma obra literária é ultrapassar o didático, no plano do conhecimento, pelo apreço e o desfrute de um outro mundo: o mundo de beleza, imaginação e magia que está posto nas páginas dos livros e em qualquer outra produção artística; e que é capaz de alimentar e aumentar o nosso saber, estimulando-nos a capacidade de melhor senti-lo, decifrá-lo e aproveitá-lo com gosto.
A literatura fronteiriça vai invadir a praça
PATR
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Despida de fantasias e sem
adereços é que Rosária
Costa conta suas histórias.
Fantoches, só quando o público for
de crianças muito pequenas. Depois
de ler o texto diversas vezes, vem
a hora da memorização em voz alta,
acompanhada de gestos, a fim de
auxiliar os ouvintes a visualizar a
trama. Além disso, ela separa alguns
objetos – que pode usar ou não – e
pega o livro com a história a ser
contada. Junto com muita criatividade
e diversão, tudo vai para dentro
da bolsa de histórias e, assim, ela
caminha rumo a mais uma contação. O ambiente possui paredes
desenhadas e delas escorrem
personalidades da literatura. Criadores
e criaturas se misturam para embe-
lezar a Biblioteca Caá Yari, do município
de Venâncio Aires, desde 2005 local
de trabalho de Rosária, bibliotecária
e contadora de histórias. Com seu
jaleco enfeitado de castelos, bruxas e
flores, chamado por ela de vestido de contação, ela transporta quem estiver
disposto a ouvir para o mundo do faz
de conta e vai transformando rotinas
por onde passa, tendo como matéria-
prima a arte da literatura.
Formada em Biblioteconomia
pela Universidade Federal de Rio
Grande (FURG), a venancioairense
escolheu o Curso por gostar de motivar
outras pessoas a ler. “Sempre gostei
de ler e contar a quem estivesse
disposto a me ouvir sobre o livro que
havia lido”. E foi na Universidade que
Rosária transformou este passa-
tempo em profissão, ao conhecer
a técnica da contação de histórias.
Ao participar de um encontro do
Programa Nacional de Incentivo
à Leitura (Proler), do Ministério
da Cultura, em Porto Alegre, ela
viu pela primeira vez a atuação
dos Contadores de Histórias, que
não utilizavam nem o livro, nem
personagens e nem fantoches para
traduzir o que liam. “Só a narrativa,
só a palavra em todo o seu esplendor
e... aí decidi que era isto que eu queria
fazer!”, lembra, entusiasmada.
Então, neste mesmo encontro,
a bibliotecária participou de oficinas
e, logo após, começou a praticar em
encontros de seu Curso e na Feira
do Livro da FURG. Hoje, atua nos
eventos realizados pela Biblioteca
e pela Prefeitura, além de escolas
municipais. Quanto ao estilo, Rosária
diz que prefere contos de fadas
e histórias de bruxas. “Eu leio as
histórias e elas me escolhem. Depois,
dependendo do tema do evento, do
público ouvinte ou do local, eu decido
qual vou contar”, explica.
Um dos exemplos que estimu-
laram em Rosária o gosto pela leitura
veio do pai: “Ele chegava em casa
cansado do trabalho e ainda ficava
um bom tempo lendo. Pra mim, que
era pequena e ainda não alfabetizada,
aquilo era um mistério tão bom, que
fazia o meu pai, mesmo cansado,
ficar um tempo fazendo”. Assim que
descobriu a leitura, ela passou a gostar
do tal mistério e não parou mais. Hoje,
as histórias de Rosária incentivam
outras pessoas não só a lerem, mas a
igualmente passarem a contá-las.
É o caso de Joana Potira Hei-
nen, que conheceu a bibliotecária
e contadora de histórias ainda
nos tempos de escola, enquanto
frequentava a Biblioteca Municipal.
Em 2009, começou a participar de
saraus organizados por Rosária, e
foi aí que ambas se aproximaram. A
partir do convite de Rosária – a quem
Potira se refere como Dona Chefa Fada Madrinha – para um estágio
na Biblioteca, ela iniciou a atuar na
contação de histórias. “Durante o
Ensino Médio e o Magistério, contei
histórias para crianças, mas para
mim era apenas uma atividade lúdico-
pedagógica. Só fui ter consciência
da importância desta arte durante
o tempo em que fui aprendiz da
Rosária”, lembra.
A companhia de Rosária foi
fundamental para Potira. Segundo
ela, Rosária a emprestava livros
sobre contação de histórias, sugeriu
obras infantis e a apresentou a outros
contadores. Além disso, a chamava
para contar histórias junto com ela,
proporcionando a participação em
encontros da área. Hoje ela conta,
com orgulho, que cultiva ainda
hábitos da adolescência: “retiro livros
em bibliotecas, garimpo sebos e
livrarias, compro, ganho, troco ou
ainda pego emprestado”.
Em Venâncio Aires, Potira
contava histórias em eventos da
Biblioteca e também no Colégio Oliveira
Castilhos, em encontros semanais.
Atualmente morando em Porto Alegre,
foi convidada a fazer parte de um
grupo de contadores profissionais
e aproveita as horas livres para
participar de atividades de formação.
Graduada Literatura e em História,
Potira vislumbra tirar proveito da
prática da contação para executar
outros projetos: “Como historiadora,
eu posso contar histórias no meu
trabalho, a partir da Educação
Patrimonial”, explica.
Para matar a saudade, sempre
que vai a Venâncio a profissional conta
histórias para as crianças da família.
Dentre as preferidas estão aquelas
que ela ouvia quando era pequena
– em sua maioria, engraçadas.
“Gosto da multiplicidade de
cenários, ambientes, nomes, per-
sonagens e lugares. Minhas
histórias favoritas são aquelas não
óbvias, que permitem devaneios
para quem ouve e para quem conta”,
ilustra. A seleção dos títulos acontece
de forma livre, porém, buscando
um equilíbrio entre a diversidade
de clássicos europeus e narrativas
mitológicas, contos africados, lendas
asiáticas, trechos das Mil e Uma Noites, causos brasileiros e literatura
infantil urbana contemporânea.
Profissionalização – Assim como
Potira, Natália Gutterres firmou no
amor pelas histórias o sonho da futura
profissão. Aos 10 anos, a acadêmica
da Universidade de Santa Cruz do Sul
(Unisc) teve seu primeiro contato com
os livros, quando uma tia lhe deu de
aniversário uma coleção de fábulas
clássicas em um box. “Foi o melhor
presente que eu tinha recebido na
minha vida”, conta. Nestes livros,
Natália percebeu com o que gostaria de
trabalhar: “Vi a biografia do escritor e
qual faculdade ele fez pra saber escrever
daquele jeito. Depois de ler Faculdade
de Letras eu sabia exatamente o que
faria ao terminar a escola”, conta,
determinada.
Pessoas que encontraram nos
livros uma profissão e uma forma de transformação
ANDRESSA BANDEIRA MARTINA SCHERER
REPORTAGEM
A arte de contar histórias
LER
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9ANDRESSA BANDEIRA
A estudante de Letras, que tem
nos livros bons parceiros, deseja
um dia fazer outras pessoas felizes
ao escrever suas próprias histórias.
Fantasia, mundos fantásticos e obras
que tratem de temas distópicos
são os gêneros literários que mais
lhe agradam. Dos autores favoritos,
Natália tem uma lista na ponta da
língua: Álvares de Azevedo, Edgar
Allan Poe, J.K Rowlling, Lord Bryon,
Rick Riordan e Stephanie Meyer. E
vontade de estar sempre em contato
com o mundo literário não falta. Ela
costuma ler mais de uma obra por
vez, pois, argumenta, esta é a melhor
forma para aumentar o raciocínio.
“Te faz pensar e organizar os dados
de duas histórias de uma vez só. De
vez em quando, rola um terceiro, mas
o terceiro vai mais devagar”, relata.
Natália relembra que sempre
foi uma menina quieta e os livros
que começou a receber de presente
eram seus únicos amigos. “Quando
li Crepúsculo, conheci a Bella, que
era tão quieta e desajeitada quanto
eu. Escrevi muitas histórias em que
a personagem principal era assim,
e era como se ela virasse minha
melhor amiga”. Para Natália, a
literatura é capaz de mudar a vida
das pessoas, tanto no conhecimento,
quanto na expressão e na forma de
pensar. “Tu podes viajar sem sair do
lugar, conhecer pessoas que tu nunca
vais esquecer. E elas sempre estarão
ali, é só você abrir o livro”, completa.
Para Rosária, Potira ou Natália,
um livro pode ser o melhor lugar no
mundo. “É tão importante que eu
não saberia separar a literatura da
minha vida”, confessa Potira. Para
ela, ler e ouvir histórias dá autonomia
para novos conhecimentos, contatos,
questionamentos e ainda aprimora a
capacidade de ler qualquer coisa com
senso crítico. Mas a historiadora faz um
alerta: “Para que a leitura transforme a
vida das pessoas, é necessário que o
ato de ler se torne parte delas”.
Outro benefício da leitura, para
Rosária, é o exercício de cidadania.
A bibliotecária acredita que quem lê
tem acesso a caminhos que levam a
conhecer seus direitos e buscá-los,
exigindo que sejam cumpridos. “Tenho
certeza de que a leitura não transforma
o mundo. Mas ela transforma as
pessoas em cidadãos que podem, eles
sim, transformar o mundo”. Já para
Natália, a literatura representa uma fuga
da realidade. É como a estudante de
Letras leu certa vez em alguma obra: a
“chave de casa”, um lugar infinitamente
íntimo, próprio de cada um.
E você, já deixou-se transformar
pela literatura?
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O gosto pela leitura normalmente
começa na infância, quando
a avó, a mãe, o pai ou um
irmão mais velho costumam ler
histórias para a criança dormir. Ela
entra em um mundo mágico, cheio
de aventuras, onde existem fadas,
princesas e super-heróis – o que des-
perta a imaginação e contribui para
a sua aprendizagem. Quando essa
criança tem uma biblioteca em casa, e
vive rodeada de livros, este processo
torna-se rotineiro e impulsiona ainda
mais o seu desenvolvimento, inclusive
intelectual. Esse é o caso de Iuri Vico,
que adquiriu o gosto pela leitura graças
ao estímulo da mãe, e de Rogério
Goulart, que herdou de seu pai esse
hábito, bem como algumas obras que
hoje estão no seu acervo.
Mônica Gomes Vico, 50 anos, é
professora de literatura e contadora
de histórias. Famosa em Cachoeira
do Sul por realizar, há 19 anos, A hora do conto, um momento em que
ela interpreta personagens da cultura
infantil e faz a alegria das crianças nas
escolas da cidade. A paixão pelos livros
vem da infância e foi alimentada por
sua avó. “Eu tinha uma avó que ficava
cega, surda e muda quando lia, e ela
me apresentou ao mundo dos livros”,
conta Mônica. O primeiro livro lido por
ela foi Sandhy, aos 6 anos de idade, e,
desde então, não parou mais. “Gosto
de livros, de palavras e do poder das
palavras”, explica. Atualmente ela está
lendo As Crônicas de Gelo e Fogo, de
George Martin.
A paixão de Mônica foi repassada
a seu filho, para quem, desde cedo,
comprava livros, pois queria que ele
gostasse de literatura tanto quanto ela.
Começou adquirindo algumas obras
e as guardando. Por ser professora e
por apreciar a leitura, a cada semana
um livro diferente que entrava em sua
casa. E quando percebeu já havia uma
estante cheia, já havia montado a sua
biblioteca. Assim, seu filho, Iuri Vico, 24
anos, desenvolveu o prazer pelos livros.
Quando criança, sempre esperava a
mãe chegar do trabalho para ler sua
historinha favorita na época: O Patinho Feio. Vico tinha uma relação tão forte
com a mãe, que se recusava a ouvir a
história quando era contada por outra
pessoa. Baseada nos contos favoritos de
seu filho, a professora foi apresentando
outros livros para ele, ampliando
conhecimento. “É através da oralidade
que a criança tem o primeiro contato com
as histórias, então é muito importante
contar histórias para as crianças e,
de preferência, dizer o nome do autor
também, pois assim elas vão criando
um repertório, e já vão procurando mais
sobre o autor”, conta Mônica.
Hoje o acervo da professora é
dividido em quatro minibibliotecas: uma
com livros didáticos para a preparação
de suas aulas (nas áreas de Português,
Inglês e Literatura), outra com os livros
infantis que eram de seu filho, uma
terceira com os livros que ela ganhou
de editoras sobre a teoria de contação
de histórias e a quarta com seus livros
pessoais. Uma parte deles está dividida
em duas grandes estantes de sua sala, o
restante fica em seu quarto. Há diversos
títulos clássicos como A Divina Comédia, As Crônicas de Nárnia, a coleção de
livros de Agatha Christie e também livros
chamativos como Contos de fantasmas
e A dieta faz mal ao Cérebro. São tantas
obras de diversos temas que Mônica
perdeu as contas da quantidade de livros
que possui.
Leitura e escrita – Iuri Vico conta
que sempre teve à disposição em sua
casa vários livros, e nunca desgrudou
deles. Gosta de ler e escrever desde
a infância. Nesse percurso, descobriu
também o seu talento para a poesia,
Quando as famílias estimulam a paixão pela literatura, além
do conhecimento, também as bibliotecas
passam de adultos para crianças
MONIQUE RODRIGUESREPORTAGEM
Heranças guardadas em prateleiras
LUIZA GOULART
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e quando tinha 12 anos ficou em
segundo lugar em um concurso.
Mesmo morando com sua mãe, ele
montou uma biblioteca própria em seu
quarto, com um acervo que denota
suas preferências. Autores como
Bob Black, Airton Ortiz e Charles
Bukowsky e livros como Trinta e Seis-Fotos e Poemas e Admirável Mundo Novo fazem parte da coleção de Vico.
Ele concorda com sua mãe que não
se deve dar dicas de livros para as
pessoas, e acrescenta: “a escolha de
um livro é pessoal e muda de acordo
com a personalidade da pessoa, ela
tem que se sentir livre e não forçada a
ler uma certa obra”.
E para um leitor estimulado
desde os primeiros anos, não
surpreende que outra paixão tenha
se manifestado: a da escrita. “Leio
desde muito cedo, gosto tanto de ler
e me encanto com as histórias, que
ultimamente, além de poemas, tenho
escrito também crônicas. Entre elas há
uma que fala sobre a importância da
leitura e como os livros podem levar-
nos a lugares antes desconhecidos”,
declara Vico. O acervo dele está
guardado em seu quarto, onde ele
mantém uma estante próxima de sua
cama, com todos os seus livros ao
alcance de sua mão. Mônica e Vico
costumam trocar livros entre eles, o
último foi O gringo, de Airton Ortiz,
que a mãe repassou ao filho.
Para Rogério Goulart, 61
anos, a história não foi diferente.
A literatura entrou em sua
vida por influência do pai, que,
segundo ele, foi uma pessoa
autodidata, que tinha uma cul-
tura geral imensa. “Ele foi um
homem que leu muito a literatura
francesa e inglesa clássica,
além da literatura brasileira”.
Goulart lembra que seu pai
foi alfabetizado em casa, pois
morava no interior do município
de Rio Pardo, e lia para ele na
infância o livro Seleta em prosa e verso. Assim, aos nove anos
de idade, apenas, já pegava
obras de Jorge Amado do acervo
de seu pai, escondido, e a partir
daí nunca mais parou de ler.
Com o passar do tempo,
Goulart foi procurar coisas do
seu gosto na biblioteca pública
da cidade de Rio Pardo. “Tudo
que caía em minhas mãos eu
lia”, conta. Com isso, começou
a desenvolver seu senso crítico,
debatendo com seu pai acerca
do conteúdo dos livros. Impul-
sionado pelo desejo de estar
em contato com as obras, em
sua juventude trabalhou em uma
livraria. “Pra mim aquilo era o
paraíso, pois ninguém poderia
Heranças guardadas em prateleiras
brigar comigo por eu estar
lendo”, recorda.
Goulart começou a montar
uma biblioteca em sua casa com
alguns livros do acervo de seu pai,
e foi aumentando a biblioteca que
hoje conta com 1.200 exemplares.
Uma parte desses livros fica em
uma estante na sua sala de jantar,
próximo à mesa, onde basta
retirar um livro e sentar-se para
ler. São obras de diversos autores
e temas, como Erico Verissimo
e Charles Bukowski. Devido a
um problema de visão, Goulart
não pode mais ler seus livros,
porém, utiliza a internet para dar
continuidade na leitura de tudo o
que gosta. “Apesar dos erros de
português e também de muitas
bobagens que encontramos, a
internet abre portas para muitas
coisas”, avalia.
Por ser um homem habituado
à leitura – e apaixonado por ela
–, transmitir isso a seus filhos
foi algo natural. Ele comentava
tudo o que lia, despertando
neles o interesse. Goulart conta
que hoje as táticas usadas para
aproximar os filhos da literatura
são outras: “Eles são de outra
geração, pegaram a geração da
televisão. Na hora da leitura eles
já estavam com fones de ouvido,
não tinha mais aquela coisa
romântica de dizer ‘senta filho
que vou te ler um livro’. Então
você, no papel de pai, vai se
adaptando, e vendo do que eles
gostam, e assim participando,
dando dicas”.
Sobre a importância dos li-
vros na educação dos filhos,
Goulart argumenta: “ler, para
mim, é muito importante. A
literatura nos proporciona algo
que nenhuma outra coisa pode
proporcionar. A literatura dá
maturidade, conhecimento e o
que nenhuma universidade pode
dar. Livros proporcionam a
cultura geral. É tão bom abrir
um livro e ser surpreendido”.
E dentre tantas páginas já
consumidas, ele diz que se ele
pudesse indicar um livro aos
leitores, indicaria os de Erico
Veríssimo, por ser um escritor
gaúcho e em suas obras falar
sobre a nossa terra, e sobre a
nossa língua. “A literatura me
acompanhou durante toda a
vida, durante a vida do meu pai
e agora acompanhará a vida de
meus filhos. Pois todo pai que
lê acaba transmitindo ao outro
o gosto pela leitura.”
Goulart: No acervo, obras que eram de seu pai Mônica: Há 19 anos ela conta histórias para crianças
“Tudo que caía em minhas mãos eu lia”
LUIZA GOULART LUIZA GOULART
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“Me senti muito honrada e acho
que é sempre muito importante este
tipo de iniciativa, porque representa
uma espécie de reconhecimento do
trabalho do escritor.” Essas foram as
palavras da escritora Lélia Almeida ao
falar sobre o sentimento em relação ao
convite para ser a homenageada da
27ª edição da Feira do Livro de Santa
Cruz do Sul. Há alguns anos ela foi
patronesse da Feira e, por isso, hoje, diz
sentir-se muito grata pela homenagem,
já que uma parte importante de sua vida
profissional e intelectual viveu aqui.
Na Feira, que ocorre entre os dias
5 e 14 de setembro, a homenageada
vai lançar a segunda edição do livro
O amante alemão, além de apresentar
um volume de crônicas que está sendo
editado pela Editora Confraria do
Vento, do Rio de Janeiro. “Vamos fazer
autógrafos e palestras”, disse Lélia.
Nascida em Santa Maria, a
escritora, que hoje reside em Brasília,
já lançou livros de ensaios, crônicas,
esquetes e novelas, além de uma edição
contendo seus posts no Facebook e
postagens feitas em seu blog, Mujer de Palabras (http://mujerdepalabras.
blogspot.com.br). Também teve parti-
cipação na antologia O Livro das Mulheres, organizada por Charles
Kiefer, em 1999.
Lélia lecionou em universidades
por muitos anos e, atualmente, é
consultora na área de Direitos Humanos,
Gênero e Segurança Pública, junto ao
Ministério da Justiça e da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da
República. É, ainda, tradutora de língua
espanhola e colunista de periódicos
eletrônicos. Trabalha com temas
relativos a gênero e movimentos de
mulheres e literatura de autoria feminina.
Foi a criadora e coordenadora nacional,
durante três anos, de um projeto de
segurança pública do Ministério da
Justiça chamado Mulheres da Paz.Confira a entrevista concedida pela
escritora Lélia Almeida à reportagem
da Agência A4:
DIREITOS HUMANOS
Como defensora dos direi-tos humanos, qual teu papel de influência na transformação da sociedade? De que forma acreditas que contribui no pen-samento das pessoas em relação aos direitos humanos?
Minha militância no movi-mento de mulheres data de muito tempo, e como escritora questiono as questões relativas às mulheres e seus problemas na nossa sociedade, no nosso tempo, e imagino que escrevendo sobre estes temas, de maneira crítica, posso contribuir, minimamente, para que possamos entender os dilemas que as mulheres vivem em suas vidas. Escrever sobre estes temas, abordando-os a partir de uma bibliografia inteligente e de um debate crítico, pode trazer ao público algumas polêmicas importantes e que sejam esclarecedoras para que as pessoas possam desmistificar preconceitos cristalizados e viver melhor.
Acreditas que a sociedade brasileira precisa evoluir nestes aspectos?
Acredito que a sociedade brasi-leira, assim como o mundo, de uma
maneira geral, vive tempos de assombrosos retrocessos no que se refere à promoção dos direitos humanos. Isto é muito assustador, como se déssemos um passo para frente e muitos para trás. É um momento muito desafiador, onde forças da reação e forças de transformação se debatem duramente. Uma pena, mas acho que estamos num momento de retrocesso obscurantista lamentável.
Nesta mesma perspectiva, o que pode ser dito sobre os direitos da mulher? Qual o lugar que ela ocupa, hoje, na sociedade?
O lugar que a mulher ocupa na sociedade hoje, mesmo que algumas ocupem cargos de poder inimagináveis há muito pouco tempo (mulheres na Presidência, por exemplo), é um lugar de subalternidade, de coadjuvante. As mulheres seguem ganhando menos que os homens, mesmo tendo o mesmo (ou melhor), preparo que eles e sua contribuição para a cultura ainda é negligenciada e desvalorizada. E ainda que tenhamos muitos direitos institucionalizados, as mulheres continuam enfrentando as
mesmas dificuldades históricas que sempre enfrentaram para que possam se desenvolver plenamente em suas potencialidades. Pelo menos a minha geração não verá a transformação pela qual temos lutado desde muito tempo.
Poderias citar exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que contemplem a garantia e a defesa dos direitos humanos?
Todas as ações propostas pela plataforma da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que trata de temas relativos às pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, pessoas idosas, comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), adoção e sequestro internacional, mortos e desaparecidos políticos, combate ao trabalho escravo, combate às violações e direitos para todos. Há muitas ações em que o Brasil foi pioneiro. Conheço bastante sobre o Programa de Proteção a Criança e Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM), por exemplo, que é uma iniciativa da maior relevância.
Santa Cruz homenageia Lélia AlmeidaA escritora é
também consultora na área de Direitos
Humanos, Gênero e Segurança Pública
MAHARA DE BRITO ENTREVISTA
LAURA GOMESRESENHA
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FEIRA DO LIVRO
O que fizestes para ser a homenageada da Feira do Livro? Este título é importante? Por quê?
Eu não sei exatamente o motivo do convite, imagino que seja pelo fato de O amante alemão ter sido contemplado pelo Prêmio Açorianos no ano passado. Mas me senti muito honrada e acho que sempre é muito importante este tipo de iniciativa, porque representa uma espécie de reconhecimento do trabalho do escritor. Já fui Patrona da Feira do Livro de Santa Cruz em outra ocasião e sou muito grata por esta homenagem, já que uma parte importante da minha vida profissional, intelectual e como escritora e editora eu vivi aqui.
Tens o hábito de frequentar Feiras do Livro? Acreditas que o público vem aumentando ou diminuindo? Por quê?
Frequento muitas Feiras do Livro em todo o país e fora daqui também. As feiras de uns tempos pra cá se proliferam e, portanto, o público é também cada vez maior. Há muitas atividades promotoras da leitura que são importantes e o livro é um produto cada vez mais
popular, mas isto nem sempre é garantia de boa qualidade do que se escreve e do que se lê. De todas as maneiras, é importante que as pessoas tenham cada vez mais acesso aos livros e ao convívio com os escritores.
Como já morastes em Santa Cruz, provavelmente já frequentastes a Feira daqui. Se sim, qual tua visão sobre ela?
Já frequentei a feira daqui e sei que ela está em franca expansão nos últimos anos, trazendo nomes importantes da literatura nacional e internacional, promovendo bons debates, e isto é um dado de qualidade importante. Posso dizer, pelo que observo de longe, que a Feira está bombando!
Na última década tornou-se um comentário recorrente que a Feira do Livro não é mais um espaço de encontro da intelec-tualidade local. Qual tua opinião?
Quando penso no êxito das publicações locais, como as antologias de contos organizadas pelo Romar Beling e pelo Rudinei Kopp, Nem te Conto I e II (e a terceira edição, que sai este ano),
acho que este tipo de afirmativa não procede. O êxito de vendas, autógrafos e divulgação dos autores locais nestas antologias não parece corresponder a esta afirmativa. Mas há lugares, sim, em que as feiras de livros viraram verdadeiros circos, espetaculares, em que não se valorizam os bons autores e onde prima uma visão comercial e bastante superficial, por vezes, medíocre, das questões referentes ao processo cultural que envolve o livro e o trabalho dos escritores.
Acreditas que a condição de homenageada amplia a vi-sibilidade de um escritor(a) para quem não acompanha literatura?
As homenagens, os prêmios e todo tipo do reconhecimento do trabalho do escritor são iniciativas que ajudam a fazê-lo mais conhecido, é claro, porque ele só será conhecido se for lido e isto tudo ajuda muito, sim.
Por último: o que esperas da Feira?
Rever os amigos, boas conversas, bons debates. O encontro do autor com o público leitor é um momento de excelência, de boas trocas.
Santa Cruz homenageia Lélia Almeida
DIVULGAÇÃO/LAURA ALMEIDA
Amor proibidoRetratar uma cultura vista
pelos olhos de um estrangeiro sempre vai ser um desafio. Ainda mais quando essa cultura é transmitida por alguém que tem a mesma nacionalidade, mas que está localizado em território colonizado por imigrantes. Esse é um dos aspectos abordados no livro O amante alemão, escrito por Lélia Almeida, homenageada da 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul.
Lançado em 2013 pelo Instituto Estadual do Livro e pela Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas, de Porto Alegre, o livro conta a história de Duzília Flores, jornalista que se muda para Santaluz (nome fictício para Santa Cruz do Sul) em função do seu trabalho. Com 351 páginas, O amante alemão apresenta as impressões da protagonista sobre a cidade de cultura alemã e sobre Johan Hermann, personagem alemão com o qual Duzília se encontra em alguns dias de março, durante 12 anos, para viver uma paixão. Porém, a paixão é proibida, já que Johan é casado com Brigitta e mora na Alemanha.
Autora de O amante alemão, Lélia Almeida nasceu em 1962, no município de Santa Maria. A escritora atuou como professora universitária e hoje mantém o blog Mujer de Palabras (http://www.mujerdepalabras.blogspot.com) e escreve para veículos eletrônicos de todo o país. O amante alemão ganhou, em 2013, o Prêmio Açorianos na categoria narrativa longa. Lélia também é autora dos romances Antônia (1987) e Querido Artur (1999).
A escrita da autora é de fácil entendimento e conduz a história de forma clara para o leitor. Através dos pensamentos de Duzília Flores é possível colocar-se no lugar da personagem, experimentar como é viver em Santaluz e perceber o seu sentimento em relação ao amante alemão. Em alguns momentos a narrativa se confunde, por trazer mais personagens e pensamentos, mas com o decorrer da história o leitor encontra a explicação para o que está sendo narrado. O livro é uma mistura de amor proibido com uma cultura a ser descoberta por Duzília.
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Quando se passeia pela Feira
do Livro de Santa Cruz do Sul
vê-se de tudo. Peças teatrais,
animadores culturais, vendedores,
cachorros, gatos, livros (claro) e
uma parcela de visitantes muito
especiais: as crianças. De todas as
idades e escolas. Aliás, de todas as
idades mesmo. Até as que não sabem
ler ainda, mas já vão descobrindo no
universo das letras um lugar cheio
de magia e imaginação – o que,
segundo a pedagoga Kamila Billig,
reflete no desenvolvimento cognitivo,
pois aprimora o repertório, amplia
o conhecimento geral, aumenta o
vocabulário e estimula a criatividade,
contribuindo posteriormente na vida
escolar.
Dentre a parcela de pequenos
apreciadores do evento estão os
alunos da Escola Educar-se, que
há 30 anos desenvolve um trabalho
efetivo com a literatura. Segundo a
vice-diretora Cristiane Iserhard, ler
não se resume ao ato de decodificar.
Permite “entrar e compreender o
universo da história, que transita
no simbólico, no imagético das
crianças e também dos jovens”. Para
Cristiane, as narrativas são capazes
de transcender a leitura e a escrita.
“É milenar a questão do contador
de histórias. Se nós formos pensar
nas tribos indígenas, por exemplo,
nós tínhamos os sábios, que tinham
autoridade de passar de tribo em
tribo contando histórias ao longo do
percurso”, assinala.
Conforme a vice-diretora, às
vezes os familiares dos alunos não
têm tempo para promover o contato
entre as crianças e a literatura, o que é
papel da escola também. “Se prepara
o aluno para contar uma história
lendo o que está na sua frente” – e,
para tanto, não é necessário que a
criança já esteja alfabetizada. Ela
precisa, numa primeira instância,
saber da existência deste universo,
que o acesso a ele é possível. Assim,
ir à Feira do Livro é também escutar,
é ver uma programação pensada. “A
Feira do Livro não é mais só livro. É
a arte. A arte escrita, a arte falada, a
arte expressada. A arte visual, a arte
cênica, a música”, acredita Cristiane.
Partindo deste contexto, na
Escola Educar-se os professores
trabalham toda a programação da
Feira com os alunos, dentro e fora
da sala de aula, evidenciando que
o evento não se restringe ao ato de
comprar livros. O objetivo vai além.
Não é só incentivar o comércio, mas
também o contato desde cedo com os
autores das obras, que são convidados
a palestrar na Escola, por exemplo. A
ideia é viver a proposta, efetivamente,
segundo Karen da Costa Síppel,
coordenadora pedagógica de Edu-
cação Infantil ao 6º ano.
Outra prática estimulada pela
instituição é a ida dos pais ao evento,
juntamente com seus filhos. Lá eles
podem dar mais atenção às crianças,
diferente dos professores, que
atendem muitos alunos ao mesmo
tempo. Karen comenta que também
durante as reuniões pedagógicas,
a Escola incentiva os pais a terem
momentos de contato com a leitura
junto de seus filhos. “A criança faz
essa leitura através da imagem e da
imaginação, se colocando naquele
lugar, na história, na narrativa que vai
sendo contada”, explica.
Desde bebês - Mãe da pequena
Clara, a médica infectologista
Feira do Livro incentiva as crianças a se envolverem com
o mundo literário antes mesmo da
alfabetização
ANDRESSA BANDEIRACAROLINE FAGUNDES
REPORTAGEM
Um universo imagético e criativo
CAROLINE FAGUNDES CAROLINE FAGUNDES
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Cristiane Hernandes considera a
Feira do Livro um evento cultural
muito importante para todos,
principalmente para as crianças,
mesmo não alfabetizadas, por
estimular o gosto pela leitura. Segundo
ela, o encontro desperta o interesse
para o fantástico mundo das histórias
infantis, desenvolvendo a imaginação
e a criatividade. Cristiane conta que
habitualmente instiga suas filhas à
leitura. “As meninas ganham livros
desde que nasceram. Costumamos
fazer leituras diárias e, além disso,
eu e o pai delas também temos livros
da nossa infância guardados, que
oferecemos a elas”, conta a mãe.
Para a pedagoga Kamila, ouvir
os pais contando histórias antes
mesmo de nascer cria no bebê uma
intimidade, um laço que se torna
um momento de cumplicidade. “O
ouvido é o primeiro órgão sensorial
a se desenvolver. Por este motivo, é
fundamental estimular este sentido.
Imediatamente depois de nascer, a
criança consegue reconhecer a mãe
pelo tom de voz e o desenvolvimento
da audição está ligado à aquisição da
linguagem. Ver os pais lerem, ir a
Feiras do Livro, olhar os desenhos
(antes de estar alfabetizado)
contribui para o desenvolvimento
do leitor. É fundamental ter contato
com a leitura, tocar, brincar com os
livros”, avalia.
Atos como este não estimulam
apenas o imaginário das crianças.
Kamila afirma que a prática de
ler para o filho “estabelece um
vínculo afetivo importante que
ajuda no desenvolvimento emocional
da criança”. Como mãe, ela acredita
que é papel da família incentivar a
leitura. “Uma atividade que meu filho
sempre gostou é eu ler uma parte da
história e pedir para que ele continue,
criando finais diferentes e novos
personagens. Essa ‘brincadeirinha’
com uma historinha vai estimulando
a criatividade da criança”, pontua a
pedagoga.
O trabalho de leitura em grupo
também é bastante rico e desperta
mais ainda o interesse dos pequenos,
conforme a vice-diretora da Educar-
se. “Quando a leitura está no grupo
reafirma a questão do pertencimento.
Este grupo, então, é um grupo que
busca, através da leitura, outras
Um universo imagético e criativoda sua gestão como diretora,
quando assumiu há três anos. “Nós
organizamos grupos de passeio
para visitar a Feira do Livro tanto
nos turnos da manhã quanto nos
turnos da tarde, já que às vezes há
crianças diferentes nas turmas,
pois algumas frequentam só
meio turno”, completa a diretora.
Afora as atividades em torno do
evento, a escola promove também
a Semana da Criança, com grupos
de teatros e contadores de histó-
rias, para estimular o imaginário
dos pequenos.
Para Kamila, que além de
mãe e pedagoga também possui o
hábito da leitura, o único patrimônio
que ninguém tira do ser humano
é o conhecimento. “A leitura nos
proporciona essa transformação, é
como dar asas à imaginação, ajuda a
formar cidadãos críticos, capazes de
contribuir para a evolução de ideias.
Ler e saber interpretar é a principal
atividade para expandir os seus
horizontes, aumentar o seu nível de
cultura, ganhar mais vocabulário
e, em consequência, se tornar uma
pessoa mais inteligente”, acredita.
formas de ver o mundo”. Tanto
Cristiane como Karen acreditam
que os alunos que têm contato com
os livros antes mesmo de serem
alfabetizados se tornam leitores
melhores, pois alimentam o desejo
pela leitura e a tornam, desde cedo,
parte da sua realidade.
É com este propósito que a
Escola Municipal Infantil (EMEI)
Mundo Mágico trabalha. Segundo
a diretora da instituição, Carla
Rodrigues, a leitura é o básico da
educação. “Incentivar as crianças a
lerem, manter o contato com os livros
e viver esse mundo de faz de conta
faz parte da realidade deles, é nesta
fase que eles estão. E isso é muito
importante. Eles gostam e pedem”. A
diretora explica que na escola infantil
as crianças possuem uma biblioteca
própria, além da biblioteca que é
usada pelos professores, para retirar
livros. “Saindo deste ambiente e
visitando a Feira do Livro eles podem
ver que não é só na escola que existe
esse contato”, comenta.
Conforme Carla, as visitações
da EMEI Mundo Mágico à Feira
do Livro aconteciam antes mesmo
CAROLINE FAGUNDES
NO
VA
GER
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Com o barulho do desper-
tador, Luís Alexandre de
Oliveira acorda, coloca seus
óculos e caminha cerca de meia hora
até a Escola Estadual Monte
das Tabocas, que fica na Rua
Rufino Pereira, no centro
de Venâncio Aires. Esta é a
rotina de Luís Alexandre, que
frequenta a sala de recursos
para deficientes visuais desde
1996. Junto a ele, mais 19 alunos
com idades que variam de cinco a
60 anos são auxiliados pela profes-
sora Silvania Maria Laissmann.
A profissional conta que,
nos mais de 20 anos como
educadora, nenhuma experiência
foi tão gratificante como a de
ensinar Braille para deficientes
visuais. Silvania explica que “a
sala de recursos foi criada com
o propósito de atender os alunos
de Venâncio Aires e região”.
Apesar de muitos alunos já
terem concluído o Ensino Médio
com o auxílio da sala, ela
ressalta: “a sala de recursos é
um apoio para que a inclusão
aconteça de fato, mesmo porque
os que ainda estão no ensino
regular frequentam este espaço
no turno oposto”.
Em relação à dificuldade para
o aprendizado, Silvania destaca
que “quando o aluno não tem outra
deficiência (mental) a aprendizagem
é rápida, dependendo da frequência
com que ele vem, se é uma ou duas
vezes por semana”. A profissional
esclarece que, geralmente, em meio
ano o aluno domina o código Braille,
e a escrita antecede a leitura. Para
a educadora “é necessário dominar
o Braille para acompanhar o
Salas de recursos auxiliam na inclusão
de deficientes visuais no mundo dos livros
CAROLINE FAGUNDES EDUARDO FINKLER
REPORTAGEM
Leitura para além das dificuldadesCAROLINE FAGUNDES
INC
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ensino regular ou será aluno
ouvinte até aprender o mesmo”.
Na sala também é possível
aprender sobre orientação e
mobilidade, maneiras para se ter
uma vida mais tranquila e tudo
o que diz respeito ao deficiente.
À medida que acontece o
avanço na aprendizagem, outros
elementos são necessários para
acompanhar o processo em sala
de aula regular. E quando o aluno
apresenta dificuldades, novas
técnicas são usadas para que
ocorra a aprendizagem do código
Braille. “As pessoas que perdem
a visão com determinada idade,
por problemas de diabetes, por
exemplo, às vezes aprendem
a escrever, mas a leitura é
Os livros em Braille que a Escola Monte das Tabocas possui foram doados pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, que atende cerca de 7 mil instituições, entre bibliotecas e escolas. A Fundação possui cerca de 2.500 títulos, que vão dos clássicos da literatura até best-sellers. Quando transformado em Braille, um livro impresso triplica o seu tamanho (em relação ao número de folhas) e, por este motivo, a Instituição faz os livros mediante projeto e patrocínio. Depois de analisado o custo/benefício define-se qual será o formato da obra (áudio ou impresso).
Leitura para além das dificuldades
bastante complicada pela falta
do tato nas pontas dos dedos”,
ressalta Silvania Laissmann.
O aluno Luís Alexandre de
Oliveira acompanha os trabalhos
da professora desde a primeira
turma. Apesar de já ter se
formado no Ensino Médio, ele não
possui emprego. “Na época que
eu concluí o Ensino Médio havia
muito preconceito na sociedade
para com os deficientes visuais,
mas aqui eu achei uma forma
de aprender mais e pude ajudar
os colegas na aprendizagem do
Braille”, conta.
Há também Valdir José da
Costa, que possui seu próprio
negócio como massagista autô-
nomo e, há cerca de 12 anos,
frequenta a sala de recursos
da Escola Monte das Tabocas.
Ele salienta que “é importante
os deficientes participarem de
qualquer tipo de atividade, pois, a
partir daí, é mais fácil a sociedade
aceitar o deficiente dentro dela”. Foi
pensando nisso que Silvania fundou
a Associação dos Deficientes Visuais
de Venâncio Aires (Adeviva).
A professora conta que
quando sai para outra cidade e
tem uma atividade que é relativa
ao deficiente, procura levar um
dos seus alunos. “Eles sabem o
que necessitam. Nós possuímos
todos os sentidos, então ninguém
melhor para falar sobre o problema
do que quem o vivencia”. Segundo
Silvania, “para nós termos ideia
de como é ser cego teríamos que
ficar pelo menos um mês com os
olhos vendados”.
Trabalho de referência – Em
Santa Cruz do Sul a Escola
Estadual de Ensino Médio Santa
Cruz é referência na educação
de deficientes visuais, com duas
salas de recursos, uma para
cegos e outra para deficientes
intelectuais. A sala surgiu no
ano de 1997, quando a instituição
recebeu uma aluna vinda de
Porto Alegre, que já recebia
atendimento especializado lá.
Ao perceber a necessidade de
dispensar tratamento especial
para a menina, a professora
Seli Flesch adotou a ideia de
trabalhar especificamente com
ela, transformando uma sala
de dentista que estava sem
utilização na sala de recursos.
Há sete anos o professor
Reginaldo Soares, formado em
Educação Física e com capacitação
para trabalho com deficientes visuais,
atua na sala de recursos auxiliando
crianças e jovens com deficiência
visual. Segundo ele, o espaço é um
suporte para o deficiente. “Ele vai
na escola regular e aqui a gente faz
um complemento com a educação
dele. Ajudamos a transcrever
algumas coisas para Braille ou,
quando precisa, transcrevemos
para a professora poder entender. E
quando eles são pequenos a gente
ensina a ler e escrever em Braille.
Como uma escola normal, a gente vai
alfabetizando para que eles possam
frequentar uma escola regular”,
explica o profissional.
Na sala, o atendimento é
feito, de preferência, indivi-
dualmente ou em grupos de
até três alunos, conforme a
necessidade e o perfil de cada um.
Nos encontros realizados uma ou
duas vezes por semana, são feitos
trabalhos de psicomotricidade, de
motricidade fina, de leitura, de
escrita, de recortes, enfim, tudo
que possa estimular a criança a
se desenvolver melhor.
Livros, máquina de escrever
em Braille, computadores adaptados,
materiais em relevo e brinquedos
para estimular o tato fazem
parte das atividades. Segundo
Soares, é através das miniaturas
que o cego conhecerá o mundo.
“A visão é responsável por
cerca de oitenta e cinco por
cento do que a gente recebe de
informação. O aluno cego está
privado disso, então tem que
estimular tudo isso através dos
sentidos que sobram, os sentidos
remanescentes”, completa.
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Ler é capaz de transformar.
É nisso que aposta o
tema da 27ª Feira do
Livro de Santa Cruz do Sul.
Além de provocar mudanças em
seus leitores, a literatura é capaz
de transformar seus próprios
personagens. Médicos que viram
monstros, meninas loiras que
crescem e diminuem de tamanho e
homens que passam a ser baratas
são alguns exemplos destas
metamorfoses. “Geralmente esses
personagens integram a literatura
fantástica, porque estão no âmbito
do inexplicável, do estranho”,
explica a professora do Mestrado
em Letras da Universidade de
Santa Cruz do Sul (Unisc), Ana
Claudia Munari Domingos.
Segundo a docente, as cria-
turas fantásticas, monstros e seres
que estão entre o humano e animal,
ou entre o que é terreno e etéreo,
são personagens literários desde
sempre. Eles serviam como forma
de explicar o universo, o ser humano
e a natureza antes da ciência ou
quando esta ainda não conseguia
responder as dúvidas existenciais
dos homens. “Na literatura, os seres
que se transformam também podem
ser vistos como ‘duplo’, a natureza
dual do ser humano e da vida, o jogo
entre luz e escuridão, mal e bem,
Deus e diabo, vida e morte”, diz Ana.
Também é possível pensar
no duplo sob a perspectiva
psicológica, como ocorre no
livro O médico e o monstro,
de Robert Louis Stevenson.
O personagem Hyde é o lado
obscuro da personalidade do
médico Jekyll, “uma espécie
de id que se liberta para fazer
aquilo que está apenas no desejo
do outro”, analisa a professora de
mestrado. Ana observa, acerca da
narrativa, mais uma curiosidade:
“interessante que Hyde sugere
hide que, em inglês, significa
escondido, enquanto que o
sentido da palavra ‘monstro’ tem
sua origem em mostrar, apontar,
ou seja, mostrar o outro lado do
ser, aquele que a civilização nos
fez esconder.” Então, Hyde é o
lado escondido de Jekyll, que se
mostra e que se torna monstro.
“É por isso que essas criaturas
costumam surgir à noite, como
vampiro ou lobisomem”.
Quando as transformações
de personagens literários são
analisadas em obras infantis
tomam um aspecto um pouco
diferente. Como, por exemplo,
em Alice no País das Maravilhas, livro do inglês Lewis Carroll.
Alice, a personagem principal,
ora cresce excessivamente,
ora fica minúscula. “Isso tem
sentido no fato de que Alice
é uma criança, um indivíduo
em formação, que está cons-
truindo sua personalidade, e
as histórias para as crianças
costumam mostrar jornadas de
crescimento, de passagem, de
transformação da infância para
o mundo adulto, quando algo é
descoberto, quando o mistério é
solucionado”, analisa a docente
de Letras. Ana lembra também
que, durante a história, a própria
Alice sugere estas mudanças,
quando diz ao Coelho Branco
que não sabe mais quem é, pois
já se transformara muitas vezes
desde que tinha acordado.
Em narrativas como estas a
constante é a dualidade, o jogo
do indivíduo contra si, ou ainda,
contra o outro. “O monstro
costuma ser perseguido porque
ameaça a civilidade, ‘mostra’
o lado selvagem, irracional ou
Eles se transformam e podem te transformar Personagens
literários passam por mudanças carregadas
de significados e podem influenciar a
vida dos leitores
ANDRESSA BANDEIRAREPORTAGEM
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não espiritualizado do homem”,
explica Ana. “A redenção desse
mostro pode se dar quando ele
luta para sobrepujar o seu lado
monstruoso, quando ele morre
e se sacrifica, o que significa a
vitória da civilidade, ou quando
ele é aceito, caso em que o
equilíbrio é mantido porque
aprendemos a conviver com o
estranho”, esclarece.
Já na literatura infantil é
comum que este monstro não
seja o vilão da narrativa, pois
a criança tem uma capacidade
maior de assimilação do
estranho. Conforme Ana, os
pequenos não se espantam
porque suas noções de civilidade
ainda não se firmaram. Na
literatura contemporânea e
também na televisão e no
cinema, criaturas com a
habilidade de transformar-se
têm aparecido com frequência,
muitas vezes como heróis e não
vilões. “É uma característica
deste tempo, não apenas quando
buscamos afirmar o sentimento
de tolerância e aceitação do
diferente, mas também porque
os limites da tecnologia nos
colocam na esfera de uma
espécie de descrença: parece
que tudo pode acontecer, então
nada nos parece inverossímil”,
argumenta Ana. “Assim, é
fácil transformar o estranho,
aquilo que parece impossível,
em verossímil, e é isso que a
literatura faz”, completa.
O PODER DA LEITURA
Para a professora do Mes-
trado em Letras da Unisc,
a importância da literatura
está no estatuto que possui
– o de arte. E, sendo arte, a
literatura nos coloca em contato
com a nossa essência, “com a
dimensão infinita e inexplicável
da existência humana”. Fazendo
parte da cultura, a literatura
se torna “uma forma de nos
ajustarmos ao mundo, à nossa
gente, ao nosso meio e, ainda,
de nos darmos a conhecer ao
outro”, reflete. Ao ser a arte da
palavra, a literatura é uma artesã
da linguagem verbal e, como diz
Ana, “sabemos que o domínio
da linguagem, como forma que
representa o mundo e o domina,
é essencial para a inserção do
sujeito em sua cultura.”
Segundo a estudiosa, a
literatura não é serva, nem de
ideologias nem de indivíduos
– ela é o lugar da liberdade,
“onde a imaginação nos permite
vivenciar o que a realidade não
comporta e, assim, enxergamos
o mundo como uma estrutura
muito mais ampla do que nosso
pequeno círculo”. Para ela,
imaginar, prospectar e até o ato
de fingir são capazes de ajudar na
construção de um mundo melhor.
“Linguagem e imaginário são,
assim, os elementos da literatura
que, podemos dizer, têm serventia
e são pretexto para tudo.”
Ana crê que toda ação que
incentiva a leitura é válida e, nesse
sentido vê as feiras de livros como
iniciativas positivas. “Há bons e
maus eventos literários, depende
muito que objetivos os colocam
em cena, se o mais importante é
dar espaço ao comércio de livros
em detrimento da discussão
sobre livro. Uma boa feira do livro
tem de colocar seu objeto como
foco, promovendo o mercado
do livro”. Ela ainda assinala que
eventos desta natureza precisam
dar espaço para livreiros e fazer
circular o rol de publicações, trazer
autores não só para autógrafos,
mas para conversar sobre suas
obras. “Uma boa feira é isso: olha
o livro, gostoso, fresquinho! Olha
o clássico baratinho!”.
A professora considera que
o leitor não “lida” com a literatura,
ele a põe em funcionamento. Para
preencher as lacunas de uma história,
ele utiliza seu próprio conhecimento,
repertório, experiências e até suas
dúvidas. “Essa é a maravilha da
literatura, porque lemos o texto com
aquilo que somos, então nós somos
uma parte do texto”. Segundo Ana,
o filósofo Aristóteles classificava
esses acontecimentos na catarse,
quando acabamos por nos colocar
no texto, nos identificando com
aquele drama e vivenciando-o com
os sentimentos que ele pode nos
despertar. Podemos assim, amar,
sofrer, acusar, revoltar-nos e nos
surpreender. Isso tudo sem que as
consequências atinjam a esfera da
nossa vida real.
Certo, para Ana, é que
o leitor nunca sai ileso da
experiência vivida ao ter contato
com uma narrativa. “Sempre que
habitamos um livro, voltamos
diferentes, deixamos parte lá,
que a história da leitura vai
contar, e trazemos em nós um
pouco da vida que roubamos
das histórias. Um leitor de
verdade sabe jogar esse jogo,
sabe escolher o tabuleiro, os
personagens, sabe se enrodilhar
nas armadilhas só pelo prazer
de escapar, porque um bom livro
literário é sempre uma vitória
para um leitor”, afirma ela.
Eles se transformam e podem te transformar
FAN
TAS
IA
20
27ªDO
SANTA CRUZ DO SUL
Patrono
Aldyr Garcia Schlee
Escritora Homenageada
Lélia Almeida
PREFEITURA MUNICIPAL DE
SANTA CRUZ DO SUL