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27ª DO SANTA CRUZ DO SUL JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 24 nº 3 AGO/SET 2014 - EDIÇÃO ESPECIAL

UNICOM - Feira do Livro

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Jornal-laboratório produzido pelo núcleo de Jornalismo da A4 - Agência Experimental de Comunicação para a 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo Diagramação: Martina Scherer

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27ªDO

SANTA CRUZ DO SUL

JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 24 nº 3 AGO/SET 2014 - EDIÇÃO ESPECIAL

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Editora-chefe: Cristiane Lindemann

Subeditora: Laura Gomes

Diagramação: Martina Scherer

Arte: Juliana Mallmann Fritsch, Caroline Trapp, Aline Gonçalvez, Mariana Müller Plümer e Beatriz Luchese

Ilustrações: Whellinton Rocha

O poder de transformaçãoda literatura

EDITORIAL

Transformar é uma palavra

utilizada por aqueles que anseiam

por mudanças. Muitos dizem que

a verdadeira transformação é

feita de dentro para fora. Assim,

o pensamento é o primeiro a ser

transformado, seguido pelas ações.

Por isso, o slogan da 27ª Feira do

Livro de Santa Cruz do Sul é tão

especial. Ao afirmar que Ler Transforma, vislumbra-se um mundo

de oportunidades para os leitores.

A leitura não é apenas uma

sequência de palavras. Ler é deixar

a imaginação solta para viajar pelos

mais diversos caminhos. É compre-

ender os personagens e as suas

transformações durante a trama. A

leitura não é feita só de palavras: são

imagens, pontos, vírgulas, espaços

em branco, sentimentos, suspiros. E

não são apenas os olhos que podem

ler: através do Braille, também é

possível ler com as mãos.

Foi neste clima que a equipe

a da A4 – Agência Experimental de Comunicação da Unisc entrou

em ação para contar histórias de

pessoas que tiveram a sua vida

transformada pela leitura. Ao ler

o Unicom – edição especial Feira

do Livro, você vai descobrir como

é a vida de quem decidiu criar

páginas na Internet para discutir

literatura e conhecer pessoas que,

por terem tantos livros em casa,

acabaram montando as suas pró-

prias bibliotecas. Se as pessoas

se transformam, os personagens

também. Confira essas e outras

histórias nas páginas do Jornal Unicom. Boa leitura e uma ótima

Feira do Livro, em ritmo de

mudança. Que esta temática seja

um incentivo para você, assim

como foi para os nossos repórteres.

Sebastião agora era outro. O presente despre-

tensioso, o livro pequeno, o transformara. Agora

Sebastião entendia todo aquele lance de “viajar sem

sair do lugar” e de “aprender se divertindo” e todas

essas coisas que as mães e as professoras de português

adoram dizer. O rapaz, agora sim, tinha encontrado um

hobbie, uma paixão, algo mágico para fazer entre uma

coisa e outra. Entre uma vida.

Há mais ou menos um ano nesse mundo de papel

e tinta, Sebastião já crescera muito. Eram novas ideias,

novas palavras. Novas vontades. Menos dinheiro, que ia

em comida, contas de luz e água ou em livros. A amiga,

aquela que presenteou Sebastião com seu primeiro

livro, tem muito orgulho dele. E esse sentimento cresce

a cada página que Sebastião lê. Porque o melhor era

que ele não só comprava, ele lia! Lia tanto ou mais que

ela, que era uma ratinha de biblioteca. A amiga - Sofia o

nome dela -, ajudara Sebastião a se apaixonar por algo

capaz de transformar qualquer um. Sofia fez Sebastião

se apaixonar por livros.

E assim transformou a vida dele para sempre.

* Estudante de Jornalismo, Unisc

Criadora do blog umcafeeumconto.blogspot.com

Transformou-se ANDRESSA BANDEIRA *

CONTO

Umas das coisas mais incríveis e aterrorizantes

da vida é a sensação de fechar um livro após ler a

última página. Você começa a história com alguma

expectativa, se entrega à leitura, vive agradáveis horas

na companhia dos personagens, em um lugar diferente,

numa outra vida, e depois de algum tempo, tudo isso

acaba. A sensação de perda é inegável. Presenciar todos

estes momentos incríveis e acabar sendo confrontado

pela realidade é muito cruel. Só os verdadeiros amantes

da literatura compreendem esta sensação. De ficar

órfão. E sentir-se sozinho. Pensar que nunca na vida vai

amar tanto outra obra.

Todas as pessoas ao seu redor vão continuar vivendo

suas vidas alheias ao que aconteceu, sem imaginar o que

você sente. Que seu mundo não é mais o mesmo, que

sua vida tem um novo sentido, que você percebe e vê

as coisas de uma outra maneira depois de aprender com

seus novos amigos de dentro das páginas. Uma cena,

uma frase ou uma ação dentro de um amontoado de papel

impresso movem engrenagens estranhas dentro de nós.

Mas não tente explicar isto a ninguém, vão te

chamar de louco. Acredite, eu já tentei. Todas as alegrias

e sofrimentos compartilhados com seu livro pertencem

ao leitor, e ao leitor apenas. Cada um vai ler as mesmas

palavras e tirar dali diferentes significações. A magia dos

livros reside no fato de que eles ensinam coisas diferentes

a cada pessoa, porque cada ser é diferente. O consolo

é saber que cada novo livro vai te encontrar diferente,

depois das mudanças operadas pelo anterior.

* Estudante de Jornalismo, Unisc

Criadora do blog uma-leitora.blogspot.com

A culpa é das letras PAOLA SEVERO *

CRÔNICA

Naquele dia, Mariana estava aflita. Era o último dia

da sua viagem para a Cidade Luz, Paris, que ela sempre

sonhou visitar. Acompanhada de um grupo de amigos,

Mariana não teve medo de seguir em frente e conhecer

cada cantinho da cidade. Devorou cada informação da

maneira mais rápida que podia, pois estava muito curiosa.

Da Torre Eiffel ao Museu do Louvre, passou

por todos os pontos turísticos. O Arco do Triunfo é

realmente lindo, pensou. E a Catedral de Notre-Dame,

então, magnífica. Quando se deu por conta, em um dia

estava correndo atrás de borboletas nos jardins de

Monet e, no outro, aproveitando uma linda música em

um passeio pelo Rio Sena.

Mariana voltaria transformada. Era outra agora:

mais culta, mais alegre, mais satisfeita. Não por conta da

cidade que escolheu, mas pelo simples fato de ter viajado.

Através de passeios como o de Mariana, é possível se

conhecer outra parte do mundo, sem sair do lugar.

Viagens assim são perfeitas para qualquer idade.

Com lágrimas nos olhos, ela ia se despedindo de

tudo aquilo. Em todos esses dias, a companhia dos amigos

foi incrível. Poder compartilhar da história deles, melhor

ainda. Agora ela sabia tudo sobre a vida de cada um. Mas,

infelizmente era o fim: as últimas páginas chegavam. Era

hora da despedida. O fim de mais uma história.

Assim, Mariana fechou o livro.

E foi dormir pensando em qual seria o destino da

sua próxima viagem.

* Estudante de Jornalismo, Unisc

A melhor viagemCONTO

MARTINA SCHERER *

Este jornal foi produzido pelos monitores da A4 Agência Experimental de Comunicação - Núcleo de Jornalismo, sob a supervisão da professora Cristiane Lindemann. Acompanhe o conteúdo produzido pela nossa equipe durante a 27a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul através do site: hipermidia.unisc.br/27feiradolivro

UNISC - Universidade de Santa Cruz do SulAv. Independência, 2293 - Bairro UniversitárioSanta Cruz do Sul - CEP 96815-900

Curso de Comunicação Social Bloco 15 - Sala 1506Telefone: (51) 3717-7383Coordenador do Curso: Hélio Etges

Reportagem: Andressa Bandeira, Caroline Fagundes, Eduardo Finkler, Laura Gomes, Mahara de Brito, Martina Scherer e Monique Rodrigues

OP

INIÃ

O

EXPEDIENTE

Impressão: Grafocem

Tiragem: 1.000 exemplares

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A popularização da Internet

transformou as tradicionais

rodas de conversa. Assuntos

que antes reuniam os amigos e fa-

miliares pessoalmente, agora podem

ser debatidos em qualquer lugar e até

com desconhecidos. Com o intuito

de falar sobre literatura e interagir

com outros amantes de livros, sur-

giram espaços na rede mundial de

computadores destinados à troca

de impressões sobre livros, autores,

personagens e tudo o que envolve o

mundo da literatura. Esta temática

tomou conta de blogs, sites e redes

sociais, que passaram a atrair leitores

para discutir este universo.

Danilo Leonardi encontrou na

literatura um desejo profissional. “É um

assunto do meu interesse. Quando saí

da escola, comecei a pensar no que é

que eu gostaria de trabalhar pelo resto

da vida, e literatura me soava muito

bem.” Por meio desse pensamento

surgiu, em julho de 2010, o vlog (canal com vídeos) Cabine Literária (http://

www.youtube.com/cabineliteraria).

Criado por Danilo, o espaço virtual tinha

como objetivo inicial servir de incentivo

para que o seu criador lesse mais

livros. A iniciativa deu tão certo que,

em outubro de 2013, nasceu o site do

Cabine Literária (http://cabineliteraria.

com.br/). “No começo, a única coisa que

mudou é que passei a ler bem mais do

que antes”, lembra Danilo.

O novo endereço do Cabine Literária contém, além do vlog, notícias, colunas com críticas, entrevistas, tiri-

nhas e listas com indicações de obras,

tudo relacionado à literatura. Danilo

acredita que o site é uma forma de

incentivar o gosto pelos livros. “Falar

sobre literatura é especial porque

considero a literatura um assunto

muito importante. Nosso país precisa

de muito mais incentivo à leitura do

que temos atualmente”, pondera.

Se, no início, a única mudança era o

aumento no ritmo de leitura, agora

Danilo aprecia a repercussão que

o Cabine Literária tem. “O retorno

é maravilhoso. Os fãs são muito

participativos, tanto no canal como no

site, além dos e-mails que recebemos

com opiniões e sugestões”, admira o

criador do Cabine.Ao longo do tempo, o vlog e o

site sofreram transformações para

aprimorar seu conteúdo. “Os novos

quadros surgem da necessidade de

abordarmos determinado assunto sob

um certo ângulo. Sofremos influências,

obviamente, mas tenho certeza de

que tudo o que fazemos tem a nossa

cara”, afirma. Apesar de o tema central

ser a literatura, Danilo e sua equipe

procuram não parecer muito formais.

“Por mais que a gente fale sobre livros,

prefiro caminhar para uma identidade

mais descolada do que reproduzir a

ideia de que literatura é assunto exclusivo

pra estudiosos do assunto”, opina.

Já com Bruno Miranda a iniciativa

começou em blogs para, depois, virar

vlog. “Eu sempre tive vários blogs

desde que comecei a usar a Internet,

mas nunca tinha dado certo porque

eu ainda não tinha encontrado o que

realmente gostava de falar. Em 2010,

quando comecei a gostar muito de

ler, surgiu o blog, que se tornou canal

quase dois anos depois”, lembra

Bruno. Foi assim que teve início o vlog

Minha Estante (http://www.youtube.

com/user/minhaestante), que conta

com mais de 60 mil inscritos e cerca

de 2 milhões e 500 mil visualizações.

Nos vídeos, Bruno faz resenhas

sobre livros. “É mais uma conversa

informal com quem assiste do que

uma coisa séria e profissional. Uma

das coisas mais legais de falar

sobre literatura é saber que ler é um

hábito muito bom e eu posso ajudar

as pessoas a lerem mais”, acredita.

Desde que criou o Minha Estante, a vida de Bruno se modificou. Além

de receber feedback do público por

e-mail e redes sociais, o retorno

veio profissionalmente. “Dedico a

maior parte do meu tempo a isso

e eu não me vejo mais sem o meu

canal. Hoje trabalho com o canal e

em uma produtora, pela experiência

que consegui adquirir com os vídeos”,

conta o criador do Minha Estante.Tanto Bruno quanto Danilo

acreditam que a literatura pode

transformar a vida das pessoas.

“A literatura ensina empatia, princi-

palmente. Aumentar a inteligência

emocional já seria um grande feito,

mas, quando não faz isso, ela ao

menos oferece um escape da vida

real, o que também pode ser bastante

transformador pela capacidade que

uma obra tem de unir pessoas. É

comum que amizades comecem por

causa de um livro, por exemplo”,

comenta Danilo. Além de conhecer

pessoas através da literatura, os livros

também proporcionam aprendizado.

“A mudança principal para quem lê está

na leitura, na escrita, no vocabulário,

na criatividade e também no senso

crítico, que aumenta”, opina Bruno.

Mas, mais do que isso, o responsável

pelo Minha Estante ainda acredita

em uma transformação maior: “cada

livro é único e também pode mudar a

nossa forma de ver a vida”.

A Internet tornou-se ferramenta para os amantes dos livros

LAURA GOMESREPORTAGEM

Literatura debatida em espaços virtuais

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MARTINA SCHERER

Livros por todos os ladosHá 27 anos, Feira

do Livro é palco de encontros entre

a comunidade santacruzense e a literatura

MARTINA SCHERERREPORTAGEM

Crianças ouvindo histórias,

adultos jogando xadrez, mães

comprando algodão-doce, o má-

gico entretendo a todos e os astros

da festa: livros, muitos livros.

Todos os anos, a praça Getúlio

Vargas, no centro de Santa Cruz

do Sul vive este clima durante os

dias de Feira do Livro. Em 2014

não será diferente. A Feira, que

chega a sua 27ª edição, acontece

de 5 a 14 de setembro, sob o tema

Ler transforma.

Desde o seu início, em 1988,

tem o objetivo de desenvolver o

interesse pela leitura, propagar

os livros e fazê-los chegar até

a mão do leitor. Atualmente, é

o mais representativo evento

literário do município e destaque

no cenário sociocultural do Esta-

do. Com o objetivo de deixá-lo

cada vez mais interessante, o

comitê organizador, composto,

desde 2006, pelo Serviço Social

do Comércio (Sesc), Prefeitura

Municipal e Universidade de Santa

Cruz do Sul (Unisc), busca trazer

novidades todos os anos.

Segundo Roberta Pereira,

gerente da Unidade do Sesc de

Santa Cruz do Sul, os pontos que

deram certo na edição anterior

serão mantidos, como a progra-

mação simultânea, tanto nos

dois palcos da Feira, quanto

em diferentes locais da cidade,

por exemplo. Além disso, a área

coberta será ampliada por toda a

extensão da Praça para garantir

maior conforto aos visitantes em

caso de chuva.

Ao total, serão 18 expositores

de livrarias de Santa Cruz do Sul

e de outros municípios do estado,

instalados no coração da cidade,

para trazer à comunidade os mais

variados gêneros literários. Em

2013, puderam ser encontradas

nas bancas, obras infantis, sobre

cultura - teatro, música, cinema,

dança ou fotografia -, livros de

culinária, biografias, clássicos da

literatura nacional e estrangeira,

espíritas, além de edições de

bolso e dos tradicionais saldos.

Programação - Como em

outros anos, o programa será

voltado a todos os públicos.

Prevista para sexta-feira, às

19h30min, a abertura da Feira

contará com a participação de

autoridades, convidados e co-

munidade em geral, além da

apresentação do Coro Masculino

da Afubra, a Associação dos

Fumicultores do Brasil.

E outras atrações musicais

são destaque na Feira do Livro:

também comparecerão o Coral do

Sesc e do Sindicato do Comércio

Varejista de Santa Cruz do Sul

(Sindilojas) Maturidade Ativa; o

cantor Leonardo Reis; a Orquestra

Municipal de Sopros de Santa

Cruz do Sul e a Orquestra da

Universidade de Santa Cruz do

Sul (Unisc); e alunos do Colégio

Marista São Luís e da Escola

Educar-se.

O patrono desta edição é

Aldyr Garcia Schlee, escritor,

jornalista, tradutor, desenhista e

professor. Gaúcho, do município

de Jaguarão, é um dos grandes

nomes entre a relação de contistas

do estado. Schlee estará presente

para uma entrevista coletiva,

no dia 11, quinta-feira. Neste

mesmo dia, à noite, participará

de uma conversa, no Auditório do

Memorial da Unisc, sob a mediação

do professor de literatura, Elenor

Schneider. Já a homenageada será

a santamariense Lélia Almeida,

que estará na Feira na segunda-

feira, dia 8, com um bate-papo

sobre literatura feminista. No

diálogo, terá a companhia da

também escritora Valesca de

Assis e da jornalista e professora

do curso de Comunicação Social

da Unisc, Fabiana Piccinin.

Além deles, outros escritores

passarão pela Praça, como Mario

Pirata, Luiz Conorel, Marli Silveira,

Gustavo Czekster, Fabrício Carpi-

nejar e Mauro Ulrich. Enquanto isso,

os autores Demétrio de Azeredo

Soster, Rudinei Kopp, Valesca de

Assis, Flávio Nascente dos Santos,

Milton Pokorny, Lily Elisabeth

Pokorny, Valquíria Ayres, Marisa

Borges e José Karkuszewski farão

lançamentos de livros. Também

o patrono, Aldyr Gargia Schlee

e a homenageada Lélia Almeida,

lançarão novas obras.

Alguns espaços já tradicionais

continuarão sendo cenário para a

Feira: a contação de histórias e

espetáculos teatrais, bem como

apresentações de dança e música,

já são figurinhas carimbadas para

animar o público. A Bebeteca, parceria entre Sesc e Xalingo,

traz, além da biblioteca do

Sesc, material para desenhos e

brinquedos e jogos educativos.

Outro acervo disponível para

consulta é o espaço da

Biblioteca Pública Elisa Gil

Borowski, da Secretaria

Municipal de Educação

e Cultura (SMEC), com

espaço para, por exemplo,

aulas de xadrez.

O Serviço Social da

Indústria (Sesi) também ofe-

recerá a quem passar pela

Praça, o Centro Cultural Sesi,

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HORÁRIOS DA FEIRA:

Sexta-feira (5): 19h às 22h Segunda a sexta: 8h30 às 19hSábados: 9h às 21hDomingos: 10h às 19h

uma biblioteca móvel. No espaço,

três mil títulos esperam o leitor,

contemplando livros em formato

acessível, em braille e áudio-livros;

além de revistas e jornais atualizados.

E a brincadeira ficará por conta do

Colégio Marista São Luís, com a

Pescaria do Conhecimento: um jogo,

no chafariz da Praça, que utiliza

materiais reciclados para educar.

Outro destaque da progra-

mação é o Encontro de Quadrinistas

e Fãs de Histórias em Quadrinhos.

Com sua primeira edição em

2013, é um espaço de encontro

entre produtores, profissionais e

amadores deste tipo de literatura.

O evento inicia na noite de sexta-

feira, dia 12, com um painel sobre

o assunto com o patrono Aldyr

Garcia Schlee. No sábado, dia

13, diversos outros momentos de

diálogo acontecerão, no Teatro do

Espaço Camarim.

Como atividades paralelas,

acontecerão mostras Literárias

sobre os autores Simões Lopes

Neto, Machado de Assis e Mario

Quintana. Além desta, haverá

outra exposição especial, pela

Biblioteca da Unisc, com obras

do patrono e da homenageada da

Feira; e ainda, a exposição Bruxa Roxilda & amigos, de Valquiria

Ayres e Lula Helfer. Em dois

momentos, chamados A Feira vai

à escola, os autores Mario Pirata

e Flávio Nascente dos Santos

participarão de um bate-papo

com estudantes do município.

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Cultura, geografia e os idiomas do Brasil

e do Uruguai são destaque na obra do

patrono da Feira

MARTINA SCHERERENTREVISTA

MONIQUE RODRIGUESRESENHA

O que veio primeiro em tua vida: o jornalismo ou a literatura?

Antes de tudo, veio a leitura. Eu continuo sendo, antes de um escritor, um leitor.

De onde vem a inspiração para as personagens populares presentes na tua literatura?

Não sou um autor inspirado por isso ou aquilo. Em literatura, respiro normalmente. Não tenho “inspiração”, que geralmente é justificativa pobre e vazia de quem não sabe por que escreve. Quanto a meus personagens, são a razão de ser de minha literatura, resultado de minha visão de mundo e motivo de minhas mais caras convicções.

Como analisas a tua escrita em relação ao regionalismo? Algo mudou do início da tua carreira para cá?

DIVULGAÇÃO/MOVIOLA FILMES

Don Frutos, Contos de Futebol, O Dia em que o Papa foi a Melo e Uma Terra Só. Estes, assim como muitos

outros, são títulos que poderão ser

encontrados na Praça Getúlio Vargas,

durante os dias de Feira do Livro.

No repertório, não haverá apenas

romances longos e demorados, mas

também muitos contos, provenientes

da mão, da mente e da criatividade

do gaúcho de Jaguarão, Aldyr Garcia

Schlee, patrono da 27ª edição do

evento literário realizado em Santa

Cruz do Sul.

Com uma caminhada que

iniciou muito antes de 1983, data

da publicação do seu primeiro livro

- Contos de Sempre -, Schlee é

jornalista, tradutor, desenhista e

professor. Atualmente, é um dos

grandes contistas gaúchos, tendo

escrito também em espanhol. Sua

última publicação foi Memórias de o que já não será, ainda deste

ano. Confira na entrevista mais

detalhes da literatura do patrono

que, inclusive, já passou por Santa

Cruz do Sul quando jovem:

A literatura fronteiriça vai invadir a praça

PATR

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O dito regionalismo é, no Rio Grande do Sul, com raras e honrosas exceções, uma marca do gauchismo tradicionalista e ufano, resultante em parte da dificuldade que temos tido para nos identificar e para dispormos de uma verdadeira identidade. Desde que nós, os sul-rio-grandenses, aceitamos e incorporamos a denominação de gaúchos, o peso e a abrangência desse gentílico – gaúcho – passou a ser causa e consequência da razão de não sabermos quem somos e de sermos o que não somos (aqui, até time de futebol é “gaúcho”; e nossas façanhas – dos “gaúchos” – servem de modelo a toda a Terra!). Minha literatura é sul-rio-grandense (e, como tal, “gaúcha”; mas não gauchesca e muito menos ufana e tradicionalista). Ela sempre foi e é assim, desde o primeiro conto e o primeiro livro quando, confessadamente, dispus-me a desmontar o gaúcho.

O fato de teres nascido em uma cidade fronteiriça foi que te influenciou a escrever em espanhol?

O fato de ter nascido a 200 metros do Uruguai e de ter vivido a infância e parte da juventude sob forte dependência do Uruguai, fez de mim um autor sul-rio-grandense fronteiriço. Um autor fronteiriço bilíngue, capaz de escrever um livro em português, outro em espanhol... e de até ser aceito, editorialmente, como autor uruguaio. As palavras são o ins-trumento e marca fundamental de minha literatura, revestindo personagens, cenários, situações, sentimentos que, num mundo literário (criado pelas mesmas palavras) constitui a recomposição de um pequeno e limitado mundo real perceptível em Jaguarão e arredores e ao longo do rio Jaguarão, fronteira uruguaia adentro e acima, no máximo até Melo, Treinta y Tres e Tacuarembó. Aí, na reconstrução literária desse mundo, não há como deixar de fora esta ou aquela palavra ou este ou aqueloutro falar.

A linguagem da fronteira pode estar, às vezes, mais comprometida com a criação do mundo literário do que presente e identificável no mundo fronteiriço real.

Por que a preferência pela forma curta de literatura, o conto?

Não se trata de preferência, mas de fôlego. Sou um escritor de recado rápido, capaz de manter o meu leitor sob controle, com gosto, por até dez, vinte páginas no máximo. Sei que assim é mais difícil fazer literatura, porque nada é mais simples e complicado que um conto (e nada melhor e impactante que um bom conto). Para tomar um pouco mais de ar, ganhar fôlego e ir além dos limites tradicionais de uma história curta, escrevi durante anos um romance de quase seiscentas páginas: Don Frutos, no qual ultrapassei a milha e os 2.200 e 3.000 metros permitidos aos parelheiros de tiro longo, nos Grandes Clássicos. Foi uma experiência interessante e maravilhosa!

Em que momento que a profissão de escritor se funde com a de jornalista, tradutor, desenhista e professor?

Fui desenhista, jornalista e professor por muito tempo – e vivi do desenho, do jornalismo e do magistério com muito entusiasmo, muita dedicação e muita satisfação. De certa maneira, nunca deixei de ser desenhista, jornalista e professor – talvez porque tenha incorporado ao meu fazer literário o que de melhor aprendi e pude desfrutar no desempenho de minhas profissões originais. Mas quero dizer que, apesar de dedicar cada oito a dez horas diárias de meu trabalho, hoje, à literatura, sendo assim o que se chamaria de escritor em tempo integral – não me sinto à vontade quando me atribuem a profissão de escritor. Essa profissão, no Brasil, existe predominantemente na imaginação e na promoção de autores e editores.

Sobre ser patrono na 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul: qual a tua expectativa?

Ser patrono da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul neste 2014, em que completo 80 anos de idade é um presente que recebo sem jamais ter pretendido. Digo isso não por modéstia; mas porque isso era algo que eu não poderia nem me sentiria no direito de almejar. Fui um guri que andou por Santa Cruz naqueles tenebrosos dias da II Guerra Mundial, vendo aqui pessoas sendo presas e levadas presas, pela rua, só porque falavam alemão. O impacto de meus dias em Santa Cruz, que também foram belos e inesquecíveis, no aconchego de minha família e de minha avó que só falava alemão, fez-me devedor desta cidade – onde aprendi a ver o mundo numa outra dimensão e onde comecei a me sentir parte da humanidade. Voltar aqui como patrono da Feira do Livro é, por isso tudo, demais para mim.

Schlee e seus contosDoutor em Ciências Humanas, jornalista, escritor

bilíngue, tradutor e, ainda, desenhista, o patrono da 26a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul é Aldyr Garcia Schlee. Ele escreve e publica suas obras em português e espanhol, e em seus contos explora o universo da fronteira, fazendo uso de uma linguagem representativa da fala e da cultura do homem do pampa sul-rio-grandense. Schlee lançou seu primeiro livro, intitulado Contos de Sempre, no ano de 1983. Entre as suas principais obras estão Don Frutos (2010) e Contos da Vida Difícil (2013).

Lançado pela editora ARdoTEmpo, Contos da Vida Difícil é um livro de 184 páginas e quatorze contos, que se passam na década de 1930, quando a Ponte Internacional que liga Jaguarão-RS com o Uruguai estava sendo construída. Havia uma grande migração para o estado do Rio Grande do Sul, principalmente para as cidades da fronteira – como a própria Jaguarão, que serve de cenário para esses contos –, e, com isso, expandia-se o mercado da prostituição. O autor retrata um passado de desejos muitas vezes proibidos, como no conto da jovem Agnela, que desejava seu cunhado, e que um dia não resistiu, entregando-se a ele. Engravidou e foi obrigada por seu pai a casar, sendo abandonada pelo cunhado que argumentou não querer se casar com uma moça que não era mais virgem.

Em Contos da Vida Difícil, Schlee descreve a vida aparentemente fácil – mas, na realidade, miserável – de cafetinas e prostitutas. Uma vida de falsos prazeres e relacionamentos que duravam uma noite, sem profundidade ou qualquer tipo de compromisso. Uma excelente obra, de um ótimo autor, que não teme em usar as palavras e, por meio delas, a cada conto, conquista mais seus leitores.

E, para finalizar: por que ler transforma?

O conhecimento transforma as pessoas. Esse é um dado fundamental da cultura e a grande justificativa da educação – formal ou informal. Como a leitura é uma grande produtora de conhecimento, naturalmente por isso assume caráter transformador. Mas ler literatura não é só ler (por isso que é difícil encaixar a leitura literária na escola, num processo de educação formal). Ler uma obra literária é apreciar e desfrutar; não é só aprender isso ou aquilo ou mais aquilo pela simples leitura. Ler uma obra literária é ultrapassar o didático, no plano do conhecimento, pelo apreço e o desfrute de um outro mundo: o mundo de beleza, imaginação e magia que está posto nas páginas dos livros e em qualquer outra produção artística; e que é capaz de alimentar e aumentar o nosso saber, estimulando-nos a capacidade de melhor senti-lo, decifrá-lo e aproveitá-lo com gosto.

A literatura fronteiriça vai invadir a praça

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Despida de fantasias e sem

adereços é que Rosária

Costa conta suas histórias.

Fantoches, só quando o público for

de crianças muito pequenas. Depois

de ler o texto diversas vezes, vem

a hora da memorização em voz alta,

acompanhada de gestos, a fim de

auxiliar os ouvintes a visualizar a

trama. Além disso, ela separa alguns

objetos – que pode usar ou não – e

pega o livro com a história a ser

contada. Junto com muita criatividade

e diversão, tudo vai para dentro

da bolsa de histórias e, assim, ela

caminha rumo a mais uma contação. O ambiente possui paredes

desenhadas e delas escorrem

personalidades da literatura. Criadores

e criaturas se misturam para embe-

lezar a Biblioteca Caá Yari, do município

de Venâncio Aires, desde 2005 local

de trabalho de Rosária, bibliotecária

e contadora de histórias. Com seu

jaleco enfeitado de castelos, bruxas e

flores, chamado por ela de vestido de contação, ela transporta quem estiver

disposto a ouvir para o mundo do faz

de conta e vai transformando rotinas

por onde passa, tendo como matéria-

prima a arte da literatura.

Formada em Biblioteconomia

pela Universidade Federal de Rio

Grande (FURG), a venancioairense

escolheu o Curso por gostar de motivar

outras pessoas a ler. “Sempre gostei

de ler e contar a quem estivesse

disposto a me ouvir sobre o livro que

havia lido”. E foi na Universidade que

Rosária transformou este passa-

tempo em profissão, ao conhecer

a técnica da contação de histórias.

Ao participar de um encontro do

Programa Nacional de Incentivo

à Leitura (Proler), do Ministério

da Cultura, em Porto Alegre, ela

viu pela primeira vez a atuação

dos Contadores de Histórias, que

não utilizavam nem o livro, nem

personagens e nem fantoches para

traduzir o que liam. “Só a narrativa,

só a palavra em todo o seu esplendor

e... aí decidi que era isto que eu queria

fazer!”, lembra, entusiasmada.

Então, neste mesmo encontro,

a bibliotecária participou de oficinas

e, logo após, começou a praticar em

encontros de seu Curso e na Feira

do Livro da FURG. Hoje, atua nos

eventos realizados pela Biblioteca

e pela Prefeitura, além de escolas

municipais. Quanto ao estilo, Rosária

diz que prefere contos de fadas

e histórias de bruxas. “Eu leio as

histórias e elas me escolhem. Depois,

dependendo do tema do evento, do

público ouvinte ou do local, eu decido

qual vou contar”, explica.

Um dos exemplos que estimu-

laram em Rosária o gosto pela leitura

veio do pai: “Ele chegava em casa

cansado do trabalho e ainda ficava

um bom tempo lendo. Pra mim, que

era pequena e ainda não alfabetizada,

aquilo era um mistério tão bom, que

fazia o meu pai, mesmo cansado,

ficar um tempo fazendo”. Assim que

descobriu a leitura, ela passou a gostar

do tal mistério e não parou mais. Hoje,

as histórias de Rosária incentivam

outras pessoas não só a lerem, mas a

igualmente passarem a contá-las.

É o caso de Joana Potira Hei-

nen, que conheceu a bibliotecária

e contadora de histórias ainda

nos tempos de escola, enquanto

frequentava a Biblioteca Municipal.

Em 2009, começou a participar de

saraus organizados por Rosária, e

foi aí que ambas se aproximaram. A

partir do convite de Rosária – a quem

Potira se refere como Dona Chefa Fada Madrinha – para um estágio

na Biblioteca, ela iniciou a atuar na

contação de histórias. “Durante o

Ensino Médio e o Magistério, contei

histórias para crianças, mas para

mim era apenas uma atividade lúdico-

pedagógica. Só fui ter consciência

da importância desta arte durante

o tempo em que fui aprendiz da

Rosária”, lembra.

A companhia de Rosária foi

fundamental para Potira. Segundo

ela, Rosária a emprestava livros

sobre contação de histórias, sugeriu

obras infantis e a apresentou a outros

contadores. Além disso, a chamava

para contar histórias junto com ela,

proporcionando a participação em

encontros da área. Hoje ela conta,

com orgulho, que cultiva ainda

hábitos da adolescência: “retiro livros

em bibliotecas, garimpo sebos e

livrarias, compro, ganho, troco ou

ainda pego emprestado”.

Em Venâncio Aires, Potira

contava histórias em eventos da

Biblioteca e também no Colégio Oliveira

Castilhos, em encontros semanais.

Atualmente morando em Porto Alegre,

foi convidada a fazer parte de um

grupo de contadores profissionais

e aproveita as horas livres para

participar de atividades de formação.

Graduada Literatura e em História,

Potira vislumbra tirar proveito da

prática da contação para executar

outros projetos: “Como historiadora,

eu posso contar histórias no meu

trabalho, a partir da Educação

Patrimonial”, explica.

Para matar a saudade, sempre

que vai a Venâncio a profissional conta

histórias para as crianças da família.

Dentre as preferidas estão aquelas

que ela ouvia quando era pequena

– em sua maioria, engraçadas.

“Gosto da multiplicidade de

cenários, ambientes, nomes, per-

sonagens e lugares. Minhas

histórias favoritas são aquelas não

óbvias, que permitem devaneios

para quem ouve e para quem conta”,

ilustra. A seleção dos títulos acontece

de forma livre, porém, buscando

um equilíbrio entre a diversidade

de clássicos europeus e narrativas

mitológicas, contos africados, lendas

asiáticas, trechos das Mil e Uma Noites, causos brasileiros e literatura

infantil urbana contemporânea.

Profissionalização – Assim como

Potira, Natália Gutterres firmou no

amor pelas histórias o sonho da futura

profissão. Aos 10 anos, a acadêmica

da Universidade de Santa Cruz do Sul

(Unisc) teve seu primeiro contato com

os livros, quando uma tia lhe deu de

aniversário uma coleção de fábulas

clássicas em um box. “Foi o melhor

presente que eu tinha recebido na

minha vida”, conta. Nestes livros,

Natália percebeu com o que gostaria de

trabalhar: “Vi a biografia do escritor e

qual faculdade ele fez pra saber escrever

daquele jeito. Depois de ler Faculdade

de Letras eu sabia exatamente o que

faria ao terminar a escola”, conta,

determinada.

Pessoas que encontraram nos

livros uma profissão e uma forma de transformação

ANDRESSA BANDEIRA MARTINA SCHERER

REPORTAGEM

A arte de contar histórias

LER

TR

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RM

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Page 9: UNICOM - Feira do Livro

9ANDRESSA BANDEIRA

A estudante de Letras, que tem

nos livros bons parceiros, deseja

um dia fazer outras pessoas felizes

ao escrever suas próprias histórias.

Fantasia, mundos fantásticos e obras

que tratem de temas distópicos

são os gêneros literários que mais

lhe agradam. Dos autores favoritos,

Natália tem uma lista na ponta da

língua: Álvares de Azevedo, Edgar

Allan Poe, J.K Rowlling, Lord Bryon,

Rick Riordan e Stephanie Meyer. E

vontade de estar sempre em contato

com o mundo literário não falta. Ela

costuma ler mais de uma obra por

vez, pois, argumenta, esta é a melhor

forma para aumentar o raciocínio.

“Te faz pensar e organizar os dados

de duas histórias de uma vez só. De

vez em quando, rola um terceiro, mas

o terceiro vai mais devagar”, relata.

Natália relembra que sempre

foi uma menina quieta e os livros

que começou a receber de presente

eram seus únicos amigos. “Quando

li Crepúsculo, conheci a Bella, que

era tão quieta e desajeitada quanto

eu. Escrevi muitas histórias em que

a personagem principal era assim,

e era como se ela virasse minha

melhor amiga”. Para Natália, a

literatura é capaz de mudar a vida

das pessoas, tanto no conhecimento,

quanto na expressão e na forma de

pensar. “Tu podes viajar sem sair do

lugar, conhecer pessoas que tu nunca

vais esquecer. E elas sempre estarão

ali, é só você abrir o livro”, completa.

Para Rosária, Potira ou Natália,

um livro pode ser o melhor lugar no

mundo. “É tão importante que eu

não saberia separar a literatura da

minha vida”, confessa Potira. Para

ela, ler e ouvir histórias dá autonomia

para novos conhecimentos, contatos,

questionamentos e ainda aprimora a

capacidade de ler qualquer coisa com

senso crítico. Mas a historiadora faz um

alerta: “Para que a leitura transforme a

vida das pessoas, é necessário que o

ato de ler se torne parte delas”.

Outro benefício da leitura, para

Rosária, é o exercício de cidadania.

A bibliotecária acredita que quem lê

tem acesso a caminhos que levam a

conhecer seus direitos e buscá-los,

exigindo que sejam cumpridos. “Tenho

certeza de que a leitura não transforma

o mundo. Mas ela transforma as

pessoas em cidadãos que podem, eles

sim, transformar o mundo”. Já para

Natália, a literatura representa uma fuga

da realidade. É como a estudante de

Letras leu certa vez em alguma obra: a

“chave de casa”, um lugar infinitamente

íntimo, próprio de cada um.

E você, já deixou-se transformar

pela literatura?

LER TR

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Page 10: UNICOM - Feira do Livro

10

O gosto pela leitura normalmente

começa na infância, quando

a avó, a mãe, o pai ou um

irmão mais velho costumam ler

histórias para a criança dormir. Ela

entra em um mundo mágico, cheio

de aventuras, onde existem fadas,

princesas e super-heróis – o que des-

perta a imaginação e contribui para

a sua aprendizagem. Quando essa

criança tem uma biblioteca em casa, e

vive rodeada de livros, este processo

torna-se rotineiro e impulsiona ainda

mais o seu desenvolvimento, inclusive

intelectual. Esse é o caso de Iuri Vico,

que adquiriu o gosto pela leitura graças

ao estímulo da mãe, e de Rogério

Goulart, que herdou de seu pai esse

hábito, bem como algumas obras que

hoje estão no seu acervo.

Mônica Gomes Vico, 50 anos, é

professora de literatura e contadora

de histórias. Famosa em Cachoeira

do Sul por realizar, há 19 anos, A hora do conto, um momento em que

ela interpreta personagens da cultura

infantil e faz a alegria das crianças nas

escolas da cidade. A paixão pelos livros

vem da infância e foi alimentada por

sua avó. “Eu tinha uma avó que ficava

cega, surda e muda quando lia, e ela

me apresentou ao mundo dos livros”,

conta Mônica. O primeiro livro lido por

ela foi Sandhy, aos 6 anos de idade, e,

desde então, não parou mais. “Gosto

de livros, de palavras e do poder das

palavras”, explica. Atualmente ela está

lendo As Crônicas de Gelo e Fogo, de

George Martin.

A paixão de Mônica foi repassada

a seu filho, para quem, desde cedo,

comprava livros, pois queria que ele

gostasse de literatura tanto quanto ela.

Começou adquirindo algumas obras

e as guardando. Por ser professora e

por apreciar a leitura, a cada semana

um livro diferente que entrava em sua

casa. E quando percebeu já havia uma

estante cheia, já havia montado a sua

biblioteca. Assim, seu filho, Iuri Vico, 24

anos, desenvolveu o prazer pelos livros.

Quando criança, sempre esperava a

mãe chegar do trabalho para ler sua

historinha favorita na época: O Patinho Feio. Vico tinha uma relação tão forte

com a mãe, que se recusava a ouvir a

história quando era contada por outra

pessoa. Baseada nos contos favoritos de

seu filho, a professora foi apresentando

outros livros para ele, ampliando

conhecimento. “É através da oralidade

que a criança tem o primeiro contato com

as histórias, então é muito importante

contar histórias para as crianças e,

de preferência, dizer o nome do autor

também, pois assim elas vão criando

um repertório, e já vão procurando mais

sobre o autor”, conta Mônica.

Hoje o acervo da professora é

dividido em quatro minibibliotecas: uma

com livros didáticos para a preparação

de suas aulas (nas áreas de Português,

Inglês e Literatura), outra com os livros

infantis que eram de seu filho, uma

terceira com os livros que ela ganhou

de editoras sobre a teoria de contação

de histórias e a quarta com seus livros

pessoais. Uma parte deles está dividida

em duas grandes estantes de sua sala, o

restante fica em seu quarto. Há diversos

títulos clássicos como A Divina Comédia, As Crônicas de Nárnia, a coleção de

livros de Agatha Christie e também livros

chamativos como Contos de fantasmas

e A dieta faz mal ao Cérebro. São tantas

obras de diversos temas que Mônica

perdeu as contas da quantidade de livros

que possui.

Leitura e escrita – Iuri Vico conta

que sempre teve à disposição em sua

casa vários livros, e nunca desgrudou

deles. Gosta de ler e escrever desde

a infância. Nesse percurso, descobriu

também o seu talento para a poesia,

Quando as famílias estimulam a paixão pela literatura, além

do conhecimento, também as bibliotecas

passam de adultos para crianças

MONIQUE RODRIGUESREPORTAGEM

Heranças guardadas em prateleiras

LUIZA GOULART

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ERV

O

Page 11: UNICOM - Feira do Livro

11

e quando tinha 12 anos ficou em

segundo lugar em um concurso.

Mesmo morando com sua mãe, ele

montou uma biblioteca própria em seu

quarto, com um acervo que denota

suas preferências. Autores como

Bob Black, Airton Ortiz e Charles

Bukowsky e livros como Trinta e Seis-Fotos e Poemas e Admirável Mundo Novo fazem parte da coleção de Vico.

Ele concorda com sua mãe que não

se deve dar dicas de livros para as

pessoas, e acrescenta: “a escolha de

um livro é pessoal e muda de acordo

com a personalidade da pessoa, ela

tem que se sentir livre e não forçada a

ler uma certa obra”.

E para um leitor estimulado

desde os primeiros anos, não

surpreende que outra paixão tenha

se manifestado: a da escrita. “Leio

desde muito cedo, gosto tanto de ler

e me encanto com as histórias, que

ultimamente, além de poemas, tenho

escrito também crônicas. Entre elas há

uma que fala sobre a importância da

leitura e como os livros podem levar-

nos a lugares antes desconhecidos”,

declara Vico. O acervo dele está

guardado em seu quarto, onde ele

mantém uma estante próxima de sua

cama, com todos os seus livros ao

alcance de sua mão. Mônica e Vico

costumam trocar livros entre eles, o

último foi O gringo, de Airton Ortiz,

que a mãe repassou ao filho.

Para Rogério Goulart, 61

anos, a história não foi diferente.

A literatura entrou em sua

vida por influência do pai, que,

segundo ele, foi uma pessoa

autodidata, que tinha uma cul-

tura geral imensa. “Ele foi um

homem que leu muito a literatura

francesa e inglesa clássica,

além da literatura brasileira”.

Goulart lembra que seu pai

foi alfabetizado em casa, pois

morava no interior do município

de Rio Pardo, e lia para ele na

infância o livro Seleta em prosa e verso. Assim, aos nove anos

de idade, apenas, já pegava

obras de Jorge Amado do acervo

de seu pai, escondido, e a partir

daí nunca mais parou de ler.

Com o passar do tempo,

Goulart foi procurar coisas do

seu gosto na biblioteca pública

da cidade de Rio Pardo. “Tudo

que caía em minhas mãos eu

lia”, conta. Com isso, começou

a desenvolver seu senso crítico,

debatendo com seu pai acerca

do conteúdo dos livros. Impul-

sionado pelo desejo de estar

em contato com as obras, em

sua juventude trabalhou em uma

livraria. “Pra mim aquilo era o

paraíso, pois ninguém poderia

Heranças guardadas em prateleiras

brigar comigo por eu estar

lendo”, recorda.

Goulart começou a montar

uma biblioteca em sua casa com

alguns livros do acervo de seu pai,

e foi aumentando a biblioteca que

hoje conta com 1.200 exemplares.

Uma parte desses livros fica em

uma estante na sua sala de jantar,

próximo à mesa, onde basta

retirar um livro e sentar-se para

ler. São obras de diversos autores

e temas, como Erico Verissimo

e Charles Bukowski. Devido a

um problema de visão, Goulart

não pode mais ler seus livros,

porém, utiliza a internet para dar

continuidade na leitura de tudo o

que gosta. “Apesar dos erros de

português e também de muitas

bobagens que encontramos, a

internet abre portas para muitas

coisas”, avalia.

Por ser um homem habituado

à leitura – e apaixonado por ela

–, transmitir isso a seus filhos

foi algo natural. Ele comentava

tudo o que lia, despertando

neles o interesse. Goulart conta

que hoje as táticas usadas para

aproximar os filhos da literatura

são outras: “Eles são de outra

geração, pegaram a geração da

televisão. Na hora da leitura eles

já estavam com fones de ouvido,

não tinha mais aquela coisa

romântica de dizer ‘senta filho

que vou te ler um livro’. Então

você, no papel de pai, vai se

adaptando, e vendo do que eles

gostam, e assim participando,

dando dicas”.

Sobre a importância dos li-

vros na educação dos filhos,

Goulart argumenta: “ler, para

mim, é muito importante. A

literatura nos proporciona algo

que nenhuma outra coisa pode

proporcionar. A literatura dá

maturidade, conhecimento e o

que nenhuma universidade pode

dar. Livros proporcionam a

cultura geral. É tão bom abrir

um livro e ser surpreendido”.

E dentre tantas páginas já

consumidas, ele diz que se ele

pudesse indicar um livro aos

leitores, indicaria os de Erico

Veríssimo, por ser um escritor

gaúcho e em suas obras falar

sobre a nossa terra, e sobre a

nossa língua. “A literatura me

acompanhou durante toda a

vida, durante a vida do meu pai

e agora acompanhará a vida de

meus filhos. Pois todo pai que

lê acaba transmitindo ao outro

o gosto pela leitura.”

Goulart: No acervo, obras que eram de seu pai Mônica: Há 19 anos ela conta histórias para crianças

“Tudo que caía em minhas mãos eu lia”

LUIZA GOULART LUIZA GOULART

AC

ERV

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Page 12: UNICOM - Feira do Livro

12

“Me senti muito honrada e acho

que é sempre muito importante este

tipo de iniciativa, porque representa

uma espécie de reconhecimento do

trabalho do escritor.” Essas foram as

palavras da escritora Lélia Almeida ao

falar sobre o sentimento em relação ao

convite para ser a homenageada da

27ª edição da Feira do Livro de Santa

Cruz do Sul. Há alguns anos ela foi

patronesse da Feira e, por isso, hoje, diz

sentir-se muito grata pela homenagem,

já que uma parte importante de sua vida

profissional e intelectual viveu aqui.

Na Feira, que ocorre entre os dias

5 e 14 de setembro, a homenageada

vai lançar a segunda edição do livro

O amante alemão, além de apresentar

um volume de crônicas que está sendo

editado pela Editora Confraria do

Vento, do Rio de Janeiro. “Vamos fazer

autógrafos e palestras”, disse Lélia.

Nascida em Santa Maria, a

escritora, que hoje reside em Brasília,

já lançou livros de ensaios, crônicas,

esquetes e novelas, além de uma edição

contendo seus posts no Facebook e

postagens feitas em seu blog, Mujer de Palabras (http://mujerdepalabras.

blogspot.com.br). Também teve parti-

cipação na antologia O Livro das Mulheres, organizada por Charles

Kiefer, em 1999.

Lélia lecionou em universidades

por muitos anos e, atualmente, é

consultora na área de Direitos Humanos,

Gênero e Segurança Pública, junto ao

Ministério da Justiça e da Secretaria de

Direitos Humanos da Presidência da

República. É, ainda, tradutora de língua

espanhola e colunista de periódicos

eletrônicos. Trabalha com temas

relativos a gênero e movimentos de

mulheres e literatura de autoria feminina.

Foi a criadora e coordenadora nacional,

durante três anos, de um projeto de

segurança pública do Ministério da

Justiça chamado Mulheres da Paz.Confira a entrevista concedida pela

escritora Lélia Almeida à reportagem

da Agência A4:

DIREITOS HUMANOS

Como defensora dos direi-tos humanos, qual teu papel de influência na transformação da sociedade? De que forma acreditas que contribui no pen-samento das pessoas em relação aos direitos humanos?

Minha militância no movi-mento de mulheres data de muito tempo, e como escritora questiono as questões relativas às mulheres e seus problemas na nossa sociedade, no nosso tempo, e imagino que escrevendo sobre estes temas, de maneira crítica, posso contribuir, minimamente, para que possamos entender os dilemas que as mulheres vivem em suas vidas. Escrever sobre estes temas, abordando-os a partir de uma bibliografia inteligente e de um debate crítico, pode trazer ao público algumas polêmicas importantes e que sejam esclarecedoras para que as pessoas possam desmistificar preconceitos cristalizados e viver melhor.

Acreditas que a sociedade brasileira precisa evoluir nestes aspectos?

Acredito que a sociedade brasi-leira, assim como o mundo, de uma

maneira geral, vive tempos de assombrosos retrocessos no que se refere à promoção dos direitos humanos. Isto é muito assustador, como se déssemos um passo para frente e muitos para trás. É um momento muito desafiador, onde forças da reação e forças de transformação se debatem duramente. Uma pena, mas acho que estamos num momento de retrocesso obscurantista lamentável.

Nesta mesma perspectiva, o que pode ser dito sobre os direitos da mulher? Qual o lugar que ela ocupa, hoje, na sociedade?

O lugar que a mulher ocupa na sociedade hoje, mesmo que algumas ocupem cargos de poder inimagináveis há muito pouco tempo (mulheres na Presidência, por exemplo), é um lugar de subalternidade, de coadjuvante. As mulheres seguem ganhando menos que os homens, mesmo tendo o mesmo (ou melhor), preparo que eles e sua contribuição para a cultura ainda é negligenciada e desvalorizada. E ainda que tenhamos muitos direitos institucionalizados, as mulheres continuam enfrentando as

mesmas dificuldades históricas que sempre enfrentaram para que possam se desenvolver plenamente em suas potencialidades. Pelo menos a minha geração não verá a transformação pela qual temos lutado desde muito tempo.

Poderias citar exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que contemplem a garantia e a defesa dos direitos humanos?

Todas as ações propostas pela plataforma da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que trata de temas relativos às pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, pessoas idosas, comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), adoção e sequestro internacional, mortos e desaparecidos políticos, combate ao trabalho escravo, combate às violações e direitos para todos. Há muitas ações em que o Brasil foi pioneiro. Conheço bastante sobre o Programa de Proteção a Criança e Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM), por exemplo, que é uma iniciativa da maior relevância.

Santa Cruz homenageia Lélia AlmeidaA escritora é

também consultora na área de Direitos

Humanos, Gênero e Segurança Pública

MAHARA DE BRITO ENTREVISTA

LAURA GOMESRESENHA

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Page 13: UNICOM - Feira do Livro

13

FEIRA DO LIVRO

O que fizestes para ser a homenageada da Feira do Livro? Este título é importante? Por quê?

Eu não sei exatamente o motivo do convite, imagino que seja pelo fato de O amante alemão ter sido contemplado pelo Prêmio Açorianos no ano passado. Mas me senti muito honrada e acho que sempre é muito importante este tipo de iniciativa, porque representa uma espécie de reconhecimento do trabalho do escritor. Já fui Patrona da Feira do Livro de Santa Cruz em outra ocasião e sou muito grata por esta homenagem, já que uma parte importante da minha vida profissional, intelectual e como escritora e editora eu vivi aqui.

Tens o hábito de frequentar Feiras do Livro? Acreditas que o público vem aumentando ou diminuindo? Por quê?

Frequento muitas Feiras do Livro em todo o país e fora daqui também. As feiras de uns tempos pra cá se proliferam e, portanto, o público é também cada vez maior. Há muitas atividades promotoras da leitura que são importantes e o livro é um produto cada vez mais

popular, mas isto nem sempre é garantia de boa qualidade do que se escreve e do que se lê. De todas as maneiras, é importante que as pessoas tenham cada vez mais acesso aos livros e ao convívio com os escritores.

Como já morastes em Santa Cruz, provavelmente já frequentastes a Feira daqui. Se sim, qual tua visão sobre ela?

Já frequentei a feira daqui e sei que ela está em franca expansão nos últimos anos, trazendo nomes importantes da literatura nacional e internacional, promovendo bons debates, e isto é um dado de qualidade importante. Posso dizer, pelo que observo de longe, que a Feira está bombando!

Na última década tornou-se um comentário recorrente que a Feira do Livro não é mais um espaço de encontro da intelec-tualidade local. Qual tua opinião?

Quando penso no êxito das publicações locais, como as antologias de contos organizadas pelo Romar Beling e pelo Rudinei Kopp, Nem te Conto I e II (e a terceira edição, que sai este ano),

acho que este tipo de afirmativa não procede. O êxito de vendas, autógrafos e divulgação dos autores locais nestas antologias não parece corresponder a esta afirmativa. Mas há lugares, sim, em que as feiras de livros viraram verdadeiros circos, espetaculares, em que não se valorizam os bons autores e onde prima uma visão comercial e bastante superficial, por vezes, medíocre, das questões referentes ao processo cultural que envolve o livro e o trabalho dos escritores.

Acreditas que a condição de homenageada amplia a vi-sibilidade de um escritor(a) para quem não acompanha literatura?

As homenagens, os prêmios e todo tipo do reconhecimento do trabalho do escritor são iniciativas que ajudam a fazê-lo mais conhecido, é claro, porque ele só será conhecido se for lido e isto tudo ajuda muito, sim.

Por último: o que esperas da Feira?

Rever os amigos, boas conversas, bons debates. O encontro do autor com o público leitor é um momento de excelência, de boas trocas.

Santa Cruz homenageia Lélia Almeida

DIVULGAÇÃO/LAURA ALMEIDA

Amor proibidoRetratar uma cultura vista

pelos olhos de um estrangeiro sempre vai ser um desafio. Ainda mais quando essa cultura é transmitida por alguém que tem a mesma nacionalidade, mas que está localizado em território colonizado por imigrantes. Esse é um dos aspectos abordados no livro O amante alemão, escrito por Lélia Almeida, homenageada da 27ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul.

Lançado em 2013 pelo Instituto Estadual do Livro e pela Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas, de Porto Alegre, o livro conta a história de Duzília Flores, jornalista que se muda para Santaluz (nome fictício para Santa Cruz do Sul) em função do seu trabalho. Com 351 páginas, O amante alemão apresenta as impressões da protagonista sobre a cidade de cultura alemã e sobre Johan Hermann, personagem alemão com o qual Duzília se encontra em alguns dias de março, durante 12 anos, para viver uma paixão. Porém, a paixão é proibida, já que Johan é casado com Brigitta e mora na Alemanha.

Autora de O amante alemão, Lélia Almeida nasceu em 1962, no município de Santa Maria. A escritora atuou como professora universitária e hoje mantém o blog Mujer de Palabras (http://www.mujerdepalabras.blogspot.com) e escreve para veículos eletrônicos de todo o país. O amante alemão ganhou, em 2013, o Prêmio Açorianos na categoria narrativa longa. Lélia também é autora dos romances Antônia (1987) e Querido Artur (1999).

A escrita da autora é de fácil entendimento e conduz a história de forma clara para o leitor. Através dos pensamentos de Duzília Flores é possível colocar-se no lugar da personagem, experimentar como é viver em Santaluz e perceber o seu sentimento em relação ao amante alemão. Em alguns momentos a narrativa se confunde, por trazer mais personagens e pensamentos, mas com o decorrer da história o leitor encontra a explicação para o que está sendo narrado. O livro é uma mistura de amor proibido com uma cultura a ser descoberta por Duzília.

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Page 14: UNICOM - Feira do Livro

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Quando se passeia pela Feira

do Livro de Santa Cruz do Sul

vê-se de tudo. Peças teatrais,

animadores culturais, vendedores,

cachorros, gatos, livros (claro) e

uma parcela de visitantes muito

especiais: as crianças. De todas as

idades e escolas. Aliás, de todas as

idades mesmo. Até as que não sabem

ler ainda, mas já vão descobrindo no

universo das letras um lugar cheio

de magia e imaginação – o que,

segundo a pedagoga Kamila Billig,

reflete no desenvolvimento cognitivo,

pois aprimora o repertório, amplia

o conhecimento geral, aumenta o

vocabulário e estimula a criatividade,

contribuindo posteriormente na vida

escolar.

Dentre a parcela de pequenos

apreciadores do evento estão os

alunos da Escola Educar-se, que

há 30 anos desenvolve um trabalho

efetivo com a literatura. Segundo a

vice-diretora Cristiane Iserhard, ler

não se resume ao ato de decodificar.

Permite “entrar e compreender o

universo da história, que transita

no simbólico, no imagético das

crianças e também dos jovens”. Para

Cristiane, as narrativas são capazes

de transcender a leitura e a escrita.

“É milenar a questão do contador

de histórias. Se nós formos pensar

nas tribos indígenas, por exemplo,

nós tínhamos os sábios, que tinham

autoridade de passar de tribo em

tribo contando histórias ao longo do

percurso”, assinala.

Conforme a vice-diretora, às

vezes os familiares dos alunos não

têm tempo para promover o contato

entre as crianças e a literatura, o que é

papel da escola também. “Se prepara

o aluno para contar uma história

lendo o que está na sua frente” – e,

para tanto, não é necessário que a

criança já esteja alfabetizada. Ela

precisa, numa primeira instância,

saber da existência deste universo,

que o acesso a ele é possível. Assim,

ir à Feira do Livro é também escutar,

é ver uma programação pensada. “A

Feira do Livro não é mais só livro. É

a arte. A arte escrita, a arte falada, a

arte expressada. A arte visual, a arte

cênica, a música”, acredita Cristiane.

Partindo deste contexto, na

Escola Educar-se os professores

trabalham toda a programação da

Feira com os alunos, dentro e fora

da sala de aula, evidenciando que

o evento não se restringe ao ato de

comprar livros. O objetivo vai além.

Não é só incentivar o comércio, mas

também o contato desde cedo com os

autores das obras, que são convidados

a palestrar na Escola, por exemplo. A

ideia é viver a proposta, efetivamente,

segundo Karen da Costa Síppel,

coordenadora pedagógica de Edu-

cação Infantil ao 6º ano.

Outra prática estimulada pela

instituição é a ida dos pais ao evento,

juntamente com seus filhos. Lá eles

podem dar mais atenção às crianças,

diferente dos professores, que

atendem muitos alunos ao mesmo

tempo. Karen comenta que também

durante as reuniões pedagógicas,

a Escola incentiva os pais a terem

momentos de contato com a leitura

junto de seus filhos. “A criança faz

essa leitura através da imagem e da

imaginação, se colocando naquele

lugar, na história, na narrativa que vai

sendo contada”, explica.

Desde bebês - Mãe da pequena

Clara, a médica infectologista

Feira do Livro incentiva as crianças a se envolverem com

o mundo literário antes mesmo da

alfabetização

ANDRESSA BANDEIRACAROLINE FAGUNDES

REPORTAGEM

Um universo imagético e criativo

CAROLINE FAGUNDES CAROLINE FAGUNDES

NO

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ÃO

Page 15: UNICOM - Feira do Livro

15

Cristiane Hernandes considera a

Feira do Livro um evento cultural

muito importante para todos,

principalmente para as crianças,

mesmo não alfabetizadas, por

estimular o gosto pela leitura. Segundo

ela, o encontro desperta o interesse

para o fantástico mundo das histórias

infantis, desenvolvendo a imaginação

e a criatividade. Cristiane conta que

habitualmente instiga suas filhas à

leitura. “As meninas ganham livros

desde que nasceram. Costumamos

fazer leituras diárias e, além disso,

eu e o pai delas também temos livros

da nossa infância guardados, que

oferecemos a elas”, conta a mãe.

Para a pedagoga Kamila, ouvir

os pais contando histórias antes

mesmo de nascer cria no bebê uma

intimidade, um laço que se torna

um momento de cumplicidade. “O

ouvido é o primeiro órgão sensorial

a se desenvolver. Por este motivo, é

fundamental estimular este sentido.

Imediatamente depois de nascer, a

criança consegue reconhecer a mãe

pelo tom de voz e o desenvolvimento

da audição está ligado à aquisição da

linguagem. Ver os pais lerem, ir a

Feiras do Livro, olhar os desenhos

(antes de estar alfabetizado)

contribui para o desenvolvimento

do leitor. É fundamental ter contato

com a leitura, tocar, brincar com os

livros”, avalia.

Atos como este não estimulam

apenas o imaginário das crianças.

Kamila afirma que a prática de

ler para o filho “estabelece um

vínculo afetivo importante que

ajuda no desenvolvimento emocional

da criança”. Como mãe, ela acredita

que é papel da família incentivar a

leitura. “Uma atividade que meu filho

sempre gostou é eu ler uma parte da

história e pedir para que ele continue,

criando finais diferentes e novos

personagens. Essa ‘brincadeirinha’

com uma historinha vai estimulando

a criatividade da criança”, pontua a

pedagoga.

O trabalho de leitura em grupo

também é bastante rico e desperta

mais ainda o interesse dos pequenos,

conforme a vice-diretora da Educar-

se. “Quando a leitura está no grupo

reafirma a questão do pertencimento.

Este grupo, então, é um grupo que

busca, através da leitura, outras

Um universo imagético e criativoda sua gestão como diretora,

quando assumiu há três anos. “Nós

organizamos grupos de passeio

para visitar a Feira do Livro tanto

nos turnos da manhã quanto nos

turnos da tarde, já que às vezes há

crianças diferentes nas turmas,

pois algumas frequentam só

meio turno”, completa a diretora.

Afora as atividades em torno do

evento, a escola promove também

a Semana da Criança, com grupos

de teatros e contadores de histó-

rias, para estimular o imaginário

dos pequenos.

Para Kamila, que além de

mãe e pedagoga também possui o

hábito da leitura, o único patrimônio

que ninguém tira do ser humano

é o conhecimento. “A leitura nos

proporciona essa transformação, é

como dar asas à imaginação, ajuda a

formar cidadãos críticos, capazes de

contribuir para a evolução de ideias.

Ler e saber interpretar é a principal

atividade para expandir os seus

horizontes, aumentar o seu nível de

cultura, ganhar mais vocabulário

e, em consequência, se tornar uma

pessoa mais inteligente”, acredita.

formas de ver o mundo”. Tanto

Cristiane como Karen acreditam

que os alunos que têm contato com

os livros antes mesmo de serem

alfabetizados se tornam leitores

melhores, pois alimentam o desejo

pela leitura e a tornam, desde cedo,

parte da sua realidade.

É com este propósito que a

Escola Municipal Infantil (EMEI)

Mundo Mágico trabalha. Segundo

a diretora da instituição, Carla

Rodrigues, a leitura é o básico da

educação. “Incentivar as crianças a

lerem, manter o contato com os livros

e viver esse mundo de faz de conta

faz parte da realidade deles, é nesta

fase que eles estão. E isso é muito

importante. Eles gostam e pedem”. A

diretora explica que na escola infantil

as crianças possuem uma biblioteca

própria, além da biblioteca que é

usada pelos professores, para retirar

livros. “Saindo deste ambiente e

visitando a Feira do Livro eles podem

ver que não é só na escola que existe

esse contato”, comenta.

Conforme Carla, as visitações

da EMEI Mundo Mágico à Feira

do Livro aconteciam antes mesmo

CAROLINE FAGUNDES

NO

VA

GER

ÃO

Page 16: UNICOM - Feira do Livro

16

Com o barulho do desper-

tador, Luís Alexandre de

Oliveira acorda, coloca seus

óculos e caminha cerca de meia hora

até a Escola Estadual Monte

das Tabocas, que fica na Rua

Rufino Pereira, no centro

de Venâncio Aires. Esta é a

rotina de Luís Alexandre, que

frequenta a sala de recursos

para deficientes visuais desde

1996. Junto a ele, mais 19 alunos

com idades que variam de cinco a

60 anos são auxiliados pela profes-

sora Silvania Maria Laissmann.

A profissional conta que,

nos mais de 20 anos como

educadora, nenhuma experiência

foi tão gratificante como a de

ensinar Braille para deficientes

visuais. Silvania explica que “a

sala de recursos foi criada com

o propósito de atender os alunos

de Venâncio Aires e região”.

Apesar de muitos alunos já

terem concluído o Ensino Médio

com o auxílio da sala, ela

ressalta: “a sala de recursos é

um apoio para que a inclusão

aconteça de fato, mesmo porque

os que ainda estão no ensino

regular frequentam este espaço

no turno oposto”.

Em relação à dificuldade para

o aprendizado, Silvania destaca

que “quando o aluno não tem outra

deficiência (mental) a aprendizagem

é rápida, dependendo da frequência

com que ele vem, se é uma ou duas

vezes por semana”. A profissional

esclarece que, geralmente, em meio

ano o aluno domina o código Braille,

e a escrita antecede a leitura. Para

a educadora “é necessário dominar

o Braille para acompanhar o

Salas de recursos auxiliam na inclusão

de deficientes visuais no mundo dos livros

CAROLINE FAGUNDES EDUARDO FINKLER

REPORTAGEM

Leitura para além das dificuldadesCAROLINE FAGUNDES

INC

LUS

ÃO

Page 17: UNICOM - Feira do Livro

17

ensino regular ou será aluno

ouvinte até aprender o mesmo”.

Na sala também é possível

aprender sobre orientação e

mobilidade, maneiras para se ter

uma vida mais tranquila e tudo

o que diz respeito ao deficiente.

À medida que acontece o

avanço na aprendizagem, outros

elementos são necessários para

acompanhar o processo em sala

de aula regular. E quando o aluno

apresenta dificuldades, novas

técnicas são usadas para que

ocorra a aprendizagem do código

Braille. “As pessoas que perdem

a visão com determinada idade,

por problemas de diabetes, por

exemplo, às vezes aprendem

a escrever, mas a leitura é

Os livros em Braille que a Escola Monte das Tabocas possui foram doados pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, que atende cerca de 7 mil instituições, entre bibliotecas e escolas. A Fundação possui cerca de 2.500 títulos, que vão dos clássicos da literatura até best-sellers. Quando transformado em Braille, um livro impresso triplica o seu tamanho (em relação ao número de folhas) e, por este motivo, a Instituição faz os livros mediante projeto e patrocínio. Depois de analisado o custo/benefício define-se qual será o formato da obra (áudio ou impresso).

Leitura para além das dificuldades

bastante complicada pela falta

do tato nas pontas dos dedos”,

ressalta Silvania Laissmann.

O aluno Luís Alexandre de

Oliveira acompanha os trabalhos

da professora desde a primeira

turma. Apesar de já ter se

formado no Ensino Médio, ele não

possui emprego. “Na época que

eu concluí o Ensino Médio havia

muito preconceito na sociedade

para com os deficientes visuais,

mas aqui eu achei uma forma

de aprender mais e pude ajudar

os colegas na aprendizagem do

Braille”, conta.

Há também Valdir José da

Costa, que possui seu próprio

negócio como massagista autô-

nomo e, há cerca de 12 anos,

frequenta a sala de recursos

da Escola Monte das Tabocas.

Ele salienta que “é importante

os deficientes participarem de

qualquer tipo de atividade, pois, a

partir daí, é mais fácil a sociedade

aceitar o deficiente dentro dela”. Foi

pensando nisso que Silvania fundou

a Associação dos Deficientes Visuais

de Venâncio Aires (Adeviva).

A professora conta que

quando sai para outra cidade e

tem uma atividade que é relativa

ao deficiente, procura levar um

dos seus alunos. “Eles sabem o

que necessitam. Nós possuímos

todos os sentidos, então ninguém

melhor para falar sobre o problema

do que quem o vivencia”. Segundo

Silvania, “para nós termos ideia

de como é ser cego teríamos que

ficar pelo menos um mês com os

olhos vendados”.

Trabalho de referência – Em

Santa Cruz do Sul a Escola

Estadual de Ensino Médio Santa

Cruz é referência na educação

de deficientes visuais, com duas

salas de recursos, uma para

cegos e outra para deficientes

intelectuais. A sala surgiu no

ano de 1997, quando a instituição

recebeu uma aluna vinda de

Porto Alegre, que já recebia

atendimento especializado lá.

Ao perceber a necessidade de

dispensar tratamento especial

para a menina, a professora

Seli Flesch adotou a ideia de

trabalhar especificamente com

ela, transformando uma sala

de dentista que estava sem

utilização na sala de recursos.

Há sete anos o professor

Reginaldo Soares, formado em

Educação Física e com capacitação

para trabalho com deficientes visuais,

atua na sala de recursos auxiliando

crianças e jovens com deficiência

visual. Segundo ele, o espaço é um

suporte para o deficiente. “Ele vai

na escola regular e aqui a gente faz

um complemento com a educação

dele. Ajudamos a transcrever

algumas coisas para Braille ou,

quando precisa, transcrevemos

para a professora poder entender. E

quando eles são pequenos a gente

ensina a ler e escrever em Braille.

Como uma escola normal, a gente vai

alfabetizando para que eles possam

frequentar uma escola regular”,

explica o profissional.

Na sala, o atendimento é

feito, de preferência, indivi-

dualmente ou em grupos de

até três alunos, conforme a

necessidade e o perfil de cada um.

Nos encontros realizados uma ou

duas vezes por semana, são feitos

trabalhos de psicomotricidade, de

motricidade fina, de leitura, de

escrita, de recortes, enfim, tudo

que possa estimular a criança a

se desenvolver melhor.

Livros, máquina de escrever

em Braille, computadores adaptados,

materiais em relevo e brinquedos

para estimular o tato fazem

parte das atividades. Segundo

Soares, é através das miniaturas

que o cego conhecerá o mundo.

“A visão é responsável por

cerca de oitenta e cinco por

cento do que a gente recebe de

informação. O aluno cego está

privado disso, então tem que

estimular tudo isso através dos

sentidos que sobram, os sentidos

remanescentes”, completa.

INC

LUS

ÃO

Page 18: UNICOM - Feira do Livro

18

Ler é capaz de transformar.

É nisso que aposta o

tema da 27ª Feira do

Livro de Santa Cruz do Sul.

Além de provocar mudanças em

seus leitores, a literatura é capaz

de transformar seus próprios

personagens. Médicos que viram

monstros, meninas loiras que

crescem e diminuem de tamanho e

homens que passam a ser baratas

são alguns exemplos destas

metamorfoses. “Geralmente esses

personagens integram a literatura

fantástica, porque estão no âmbito

do inexplicável, do estranho”,

explica a professora do Mestrado

em Letras da Universidade de

Santa Cruz do Sul (Unisc), Ana

Claudia Munari Domingos.

Segundo a docente, as cria-

turas fantásticas, monstros e seres

que estão entre o humano e animal,

ou entre o que é terreno e etéreo,

são personagens literários desde

sempre. Eles serviam como forma

de explicar o universo, o ser humano

e a natureza antes da ciência ou

quando esta ainda não conseguia

responder as dúvidas existenciais

dos homens. “Na literatura, os seres

que se transformam também podem

ser vistos como ‘duplo’, a natureza

dual do ser humano e da vida, o jogo

entre luz e escuridão, mal e bem,

Deus e diabo, vida e morte”, diz Ana.

Também é possível pensar

no duplo sob a perspectiva

psicológica, como ocorre no

livro O médico e o monstro,

de Robert Louis Stevenson.

O personagem Hyde é o lado

obscuro da personalidade do

médico Jekyll, “uma espécie

de id que se liberta para fazer

aquilo que está apenas no desejo

do outro”, analisa a professora de

mestrado. Ana observa, acerca da

narrativa, mais uma curiosidade:

“interessante que Hyde sugere

hide que, em inglês, significa

escondido, enquanto que o

sentido da palavra ‘monstro’ tem

sua origem em mostrar, apontar,

ou seja, mostrar o outro lado do

ser, aquele que a civilização nos

fez esconder.” Então, Hyde é o

lado escondido de Jekyll, que se

mostra e que se torna monstro.

“É por isso que essas criaturas

costumam surgir à noite, como

vampiro ou lobisomem”.

Quando as transformações

de personagens literários são

analisadas em obras infantis

tomam um aspecto um pouco

diferente. Como, por exemplo,

em Alice no País das Maravilhas, livro do inglês Lewis Carroll.

Alice, a personagem principal,

ora cresce excessivamente,

ora fica minúscula. “Isso tem

sentido no fato de que Alice

é uma criança, um indivíduo

em formação, que está cons-

truindo sua personalidade, e

as histórias para as crianças

costumam mostrar jornadas de

crescimento, de passagem, de

transformação da infância para

o mundo adulto, quando algo é

descoberto, quando o mistério é

solucionado”, analisa a docente

de Letras. Ana lembra também

que, durante a história, a própria

Alice sugere estas mudanças,

quando diz ao Coelho Branco

que não sabe mais quem é, pois

já se transformara muitas vezes

desde que tinha acordado.

Em narrativas como estas a

constante é a dualidade, o jogo

do indivíduo contra si, ou ainda,

contra o outro. “O monstro

costuma ser perseguido porque

ameaça a civilidade, ‘mostra’

o lado selvagem, irracional ou

Eles se transformam e podem te transformar Personagens

literários passam por mudanças carregadas

de significados e podem influenciar a

vida dos leitores

ANDRESSA BANDEIRAREPORTAGEM

FAN

TAS

IA

Page 19: UNICOM - Feira do Livro

19

não espiritualizado do homem”,

explica Ana. “A redenção desse

mostro pode se dar quando ele

luta para sobrepujar o seu lado

monstruoso, quando ele morre

e se sacrifica, o que significa a

vitória da civilidade, ou quando

ele é aceito, caso em que o

equilíbrio é mantido porque

aprendemos a conviver com o

estranho”, esclarece.

Já na literatura infantil é

comum que este monstro não

seja o vilão da narrativa, pois

a criança tem uma capacidade

maior de assimilação do

estranho. Conforme Ana, os

pequenos não se espantam

porque suas noções de civilidade

ainda não se firmaram. Na

literatura contemporânea e

também na televisão e no

cinema, criaturas com a

habilidade de transformar-se

têm aparecido com frequência,

muitas vezes como heróis e não

vilões. “É uma característica

deste tempo, não apenas quando

buscamos afirmar o sentimento

de tolerância e aceitação do

diferente, mas também porque

os limites da tecnologia nos

colocam na esfera de uma

espécie de descrença: parece

que tudo pode acontecer, então

nada nos parece inverossímil”,

argumenta Ana. “Assim, é

fácil transformar o estranho,

aquilo que parece impossível,

em verossímil, e é isso que a

literatura faz”, completa.

O PODER DA LEITURA

Para a professora do Mes-

trado em Letras da Unisc,

a importância da literatura

está no estatuto que possui

– o de arte. E, sendo arte, a

literatura nos coloca em contato

com a nossa essência, “com a

dimensão infinita e inexplicável

da existência humana”. Fazendo

parte da cultura, a literatura

se torna “uma forma de nos

ajustarmos ao mundo, à nossa

gente, ao nosso meio e, ainda,

de nos darmos a conhecer ao

outro”, reflete. Ao ser a arte da

palavra, a literatura é uma artesã

da linguagem verbal e, como diz

Ana, “sabemos que o domínio

da linguagem, como forma que

representa o mundo e o domina,

é essencial para a inserção do

sujeito em sua cultura.”

Segundo a estudiosa, a

literatura não é serva, nem de

ideologias nem de indivíduos

– ela é o lugar da liberdade,

“onde a imaginação nos permite

vivenciar o que a realidade não

comporta e, assim, enxergamos

o mundo como uma estrutura

muito mais ampla do que nosso

pequeno círculo”. Para ela,

imaginar, prospectar e até o ato

de fingir são capazes de ajudar na

construção de um mundo melhor.

“Linguagem e imaginário são,

assim, os elementos da literatura

que, podemos dizer, têm serventia

e são pretexto para tudo.”

Ana crê que toda ação que

incentiva a leitura é válida e, nesse

sentido vê as feiras de livros como

iniciativas positivas. “Há bons e

maus eventos literários, depende

muito que objetivos os colocam

em cena, se o mais importante é

dar espaço ao comércio de livros

em detrimento da discussão

sobre livro. Uma boa feira do livro

tem de colocar seu objeto como

foco, promovendo o mercado

do livro”. Ela ainda assinala que

eventos desta natureza precisam

dar espaço para livreiros e fazer

circular o rol de publicações, trazer

autores não só para autógrafos,

mas para conversar sobre suas

obras. “Uma boa feira é isso: olha

o livro, gostoso, fresquinho! Olha

o clássico baratinho!”.

A professora considera que

o leitor não “lida” com a literatura,

ele a põe em funcionamento. Para

preencher as lacunas de uma história,

ele utiliza seu próprio conhecimento,

repertório, experiências e até suas

dúvidas. “Essa é a maravilha da

literatura, porque lemos o texto com

aquilo que somos, então nós somos

uma parte do texto”. Segundo Ana,

o filósofo Aristóteles classificava

esses acontecimentos na catarse,

quando acabamos por nos colocar

no texto, nos identificando com

aquele drama e vivenciando-o com

os sentimentos que ele pode nos

despertar. Podemos assim, amar,

sofrer, acusar, revoltar-nos e nos

surpreender. Isso tudo sem que as

consequências atinjam a esfera da

nossa vida real.

Certo, para Ana, é que

o leitor nunca sai ileso da

experiência vivida ao ter contato

com uma narrativa. “Sempre que

habitamos um livro, voltamos

diferentes, deixamos parte lá,

que a história da leitura vai

contar, e trazemos em nós um

pouco da vida que roubamos

das histórias. Um leitor de

verdade sabe jogar esse jogo,

sabe escolher o tabuleiro, os

personagens, sabe se enrodilhar

nas armadilhas só pelo prazer

de escapar, porque um bom livro

literário é sempre uma vitória

para um leitor”, afirma ela.

Eles se transformam e podem te transformar

FAN

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27ªDO

SANTA CRUZ DO SUL

Patrono

Aldyr Garcia Schlee

Escritora Homenageada

Lélia Almeida

PREFEITURA MUNICIPAL DE

SANTA CRUZ DO SUL