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Unidade 2 A Educação no Contexto da Modernidade Autores: Evandro Ghedin e Elizabeth Antônia L. Moraes Martines Sumário I. Introdução II. Modernidade III. Crise da modernidade e o contexto do discurso pós moderno IV. A educação em ciências e a modernidade V. Conclusão VI. Referências

Unidade 2 - nead.uesc.brnead.uesc.br/arquivos/Biologia/modulo4/bloco1/ep2.pdf · E este paradigma subjetivista do conhecimento vai ser um dos principais pilares do projeto emancipador

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Unidade 2A Educação no Contexto da Modernidade

Autores: Evandro Ghedin e Elizabeth Antônia L. Moraes Martines

Sumário

I. Introdução

II. Modernidade

III. Crise da modernidade e o contexto do discurso pós moderno

IV. A educação em ciências e a modernidade

V. Conclusão

VI. Referências

62 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U2 I. Introdução

No Módulo I deste curso, intitulado “O contexto da vida”, você estu-dou algumas questões relativas à educação no contexto da socieda-de contemporânea, no qual surgiu um discurso em torno da pós-

modernidade. Neste Módulo, retomaremos as reflexões e estudos sobre educação em outros contextos e, nesta unidade, daremos ênfase ao contexto da Modernidade, período que se segue à Antiguidade e Mundo Medieval. Segundo Eduardo Chaves (2008), a grande contribuição do mundo antigo à educação foi no plano conceitual, especialmente com a idéia de formação integral da pessoa. Segundo esse autor, essa contribuição inclui tanto uma visão extremamente criativa e frutífera do que é a edu-cação (conceito de educação), como traz sugestões de metodologia. Por outro lado, para esse autor, a grande contribuição do mundo medieval para a educação foi no pla-no da prática pedagógica, extremamente relevante nos dias de hoje. Na unidade sobre “A educação no mundo antigo e medieval”, você poderá conhecer um pouco melhor estas contribuições. O período de transição entre a Idade Média e a Modernidade ficou conhecido como Renascimento (século XIII ao século XVII, mais ou menos), em que a sociedade européia passou por grandes transformações, as quais influenciaram o que conhecemos hoje em dia como sistemas escolares. Enquanto a educação formal na Idade Média era privilégio de poucos, o Renascimento foi um movimento em que se empenharam muitos esforços para a democratização da educação, especialmente da educação científica, bem como para torná la laica, isto é, tirar a educação das mãos da Igreja e colocá-la nas mãos de leigos (educação laica). Para compreender melhor nossa educação formal convém rever alguns aspectos históricos desse processo e dos contextos nos quais eles se formaram, pois apesar de todas as críticas que podemos fazer atualmente às escolas e ao processo de educação que nelas se processa, eles são resultantes de uma luta pela constituição dos estados nacionais e democráticos. Cada tempo histórico possui suas virtudes e carências e toda interpretação do contemporâ-neo é sempre uma reflexão parcial do estado em que nos encontramos num momento determinado, situado e condicionado, inclusive, pelos limites de nosso modo e olhar o mundo que nos envolve.

Seria interessante visitar alguns sites que trazem textos sobre a Modernidade. A seguir estão duas sugestões, mas, é claro, você pode encontrar outros até mais interes-santes e com-partilhar com os colegas. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernidade><http://recanto-dasletras.uol.com.br/resenhasdefilm-es/143303>

Internet

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63Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

#M4U2

Atividade Complementar 1

Para complementar o estudo da Unidade “A educação no mundo antigo e me-dieval” e se preparar para essa unidade, convidamos você para essa atividade. Você já leu O nome da rosa, de Humberto Eco, ou assistiu ao filme inspirado nessa obra? Vale a pena conhecer essas obras culturais que retratam bem o con-texto da era medieval, o poder da Igreja sobre a disseminação do conhecimento e o papel da ciência nesse mundo. Essa é então a primeira atividade dessa uni-dade: reunir os amigos, colegas de turma e/ ou familiares, preparar a pipoca e assistir ao filme para discutir e comparar com o que vocês vão estudar aqui. Dividam as tarefas de anotação de informações relevantes do filme entre os que vão assisti-lo com você e prepare uma sinopse do mesmo com dados sobre: o nome do filme, do diretor e produtor, personagens principais, suas característi-cas, principais eventos encenados, contexto em que se desenrola o filme, cenas mais marcantes, entre outros dados que considerarem importantes ou que mais chamarem a atenção.

II. Modernidade O fenômeno conhecido atualmente como Modernidade se origina com os mo-

vimentos sociais ocorridos na Europa a partir do século XVII, os quais tentam romper concepções e práticas instituídas ao longo de séculos, sob o poder da Igreja e dos mo-narcas europeus. Relaciona -se com o surgimento da ciência moderna ou experimental, questiona o conceito de conhecimento e inaugura o fenômeno da escolarização em massa. Insere -se num contexto social marcado por revoluções, muitas delas sangren-tas, como a Revolução Francesa, mas também de outras mais silenciosas como o Ilu-minismo, a Revolução Industrial da Inglaterra e a Reforma Protestante.

A Modernidade se constitui com o desenvolvimento de quatro projetos que são considerados seus pilares: o projeto emancipador, o projeto expansionista, o projeto renovador e o projeto democratizador.

Como você já viu em outros textos, a nossa cultura ocidental se apóia em grande parte numa combinação da cultura grega com a romana e que chegou até nós através da cultura do oriente médio, pois os manuscritos gregos foram inicialmente traduzi-dos pelos sábios dessa região para outras línguas, principalmente o latim. Nos mos-teiros, esses manuscritos eram copiados e traduzidos pelos religiosos (além de alguns nobres, estes estavam entre os poucos que sabiam ler e escrever) e guardados em gran-des bibliotecas de acesso restrito.

Platão e Aristóteles desenvolveram uma visão de mundo baseada na reflexão, na observação, na lógica e na intuição, a qual durou até os fins da Idade Média, com forte influência da Igreja Católica e hoje é conhecida como ciência clássica -escolástica.

Numa sociedade constituída de escravos e homens livres – os cidadãos – desvinculou- se o saber prático ou conhecimento empírico (tecknê) do saber teórico (episteme ou ciência). O século XVI representa o advento das ciências experimentais, com uma reaproximação do conhecimento teórico do conhecimento prático, separa-dos pelos gregos. Neste período, a autoridade Real e da Igreja são questionadas a par-tir de idéias e fatos: o Renascimento/ Humanismo/ Iluminismo, as grandes navega-ções, as novas descobertas e invenções científico- tecnológicas, a Reforma Protestante e o surgimento dos Estados Nacionais, vistos como os desencadeadores da primeira

Iluminismo ou Filosofia das Luzes foi o movimento-filosófico do século XVIII e se carac-terizou pela ênfase no progresso e na razão, pelo desafio à tradição e à auto-ridade e pelo in-centivo à liberdade de pensamento.

Saiba Mais...

No livro O mundo de Sofia, de Jos-tein Gaarder, você pode aprender um pouco mais sobre a visão de mundo de Platão e de outros filósofos, assim como o desenvolvi-mento do pensam-ento filosófico. Vale a pena conferir!

Curiosidade

64 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U2

A Educação no Contexto da Modernidade

revolução científica e do surgimento do pensamento da Modernidade.

A visão de mundo acabado, fechado e finito, desenvolvida a partir de Aristó-teles foi profundamente abalada pela defesa de Galileu da teoria heliocêntrica, que tirou não só a Terra do centro do mundo, mas ampliou essa visão para a de Universo, afetando a visão antropocêntrica cultivada pela Igreja. Mas, também foi influenciada pelas descobertas de novas terras e de novos povos promovidas pelas grandes nave-gações.

O caminho para se alcançar o conhecimento foi invertido, do subjetivismo (re-flexão, intuição, raciocínio lógico) ao objetivismo; ao invés de ser revelado ou buscado nas profundezas da divindade era preciso procurá -lo no íntimo da natureza. Os cien-tistas passariam a procurar as forças que unem o mundo, as leis universais e o critério para o verdadeiro conhecimento; de ora em diante, a ciência passaria a ser “a capaci-dade de dominar a natureza e colocá- la a serviço do homem” (GOERGEN, 1998, p. 8).

A técnica (até então artesanal), separada da ciência desde os gregos, passa a se desenvolver intimamente relacionada com a ciência experimental a partir da Revolu-ção Industrial iniciada no século XVIII, trazendo para o mundo moderno a Tecnologia (estudo científico da técnica).

Desvendar as leis naturais através de experimentos e expressá- las claramente em símbolos formais passa a ser o ideal de cientistas/ filósofos, e muitos, como Des-cartes e Leibniz, são também, físico -matemáticos. As antigas certezas estavam sendo desestruturadas nas mais diferentes áreas, ao mesmo tempo em que eram realizados monumentais avanços científicos e se descobriam novos mundos com as grandes na-vegações. Um dos grandes problemas da Modernidade passa a ser o de estabelecer os fundamentos da nova ciência, de justificá -la como o verdadeiro modelo explica-tivo do real em oposição ao modelo aristotélico / religioso dominante durante vinte séculos (GOERGEN, 1998; MARCONDES, 2002).

Descoberta de novos mundos com as grandes navegações

Na busca do método correto a ser adotado na procura do conhecimento verda-deiro pelas ciências, destacam-se duas tradições:

• a tradição empirista que enfatiza a observação, a necessidade de submeter as idéias (hipóteses provisórias) à comprovação através de experimentos, contes-tando a imposição de “verdades” pelo peso da autoridade e nela se destacaram Galileu e Bacon. Mais recentemente, no século XX, a escola conhecida como

Gottfried Wil-helmvon Leibniz (1646-1716)foi matemático,filósofo, cientista,diplomata ebibliotecário alemão.Criou o termo“função” namatemática e,juntamente comNewton, é respon-sávelpelo desenvolvim-entodo cálculo mod-erno.

Saiba Mais...

No Módulo 1, Unidade 1 do Eixo Biologia, Sociedade e Conhecimento (BSC) há mais informações sobre esta teoria e adefendida por Aris-tóteles e Ptolomeu – teoria geocên-trica (p. 81). Volte lá e reveja aquela Unidade.

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65Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

Você poderá con-hecer melhor esse tema na Unidade “Pressupostos teórico-práticos do currículo e da for-mação de professo-res” do Módulo 4.

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Empirismo Lógico ou Positivismo resgata essa tradição;

• a tradição racionalista (ou subjetivista) desenvolvida principalmente por Descartes e Kant, os quais contribuíram para a imposição do modelo de racio-nalidade que passou a vigorar a partir do Iluminismo: não sendo mais possível recorrer ao saber adquirido, à tradição clássica, às instituições que estavam sen-do contestadas como a Igreja e a Monarquia. É no próprio indivíduo, em sua natureza sensível e racional, que estes pensadores vão buscar os fundamentos para as novas teorias científicas (MARCONDES, 2002).

As consciências individuais, autônomas em sua capacidade de conhecer o real, se tornam então o grande instrumento do Iluminismo. E este paradigma subjetivista do conhecimento vai ser um dos principais pilares do projeto emancipador da Moder-nidade. Suas armas são o Conhecimento, a Ciência e a Educação, sendo seu pressu-posto básico que “todos os homens são dotados de uma luz natural, de uma racionali-dade capaz de permitir que conheçam o real, e que ajam livre e adequadamente para a realização de seus fins” (MARCONDES, 2002, p. 22 23).

Com o desenvolvimento da ciência veio também a evolução das técnicas e seu estudo científico (Tecnologia), tornando a ciência mais eficiente e com maior poder de intervenção na natureza e nos seres vivos, especialmente no corpo humano (até então considerados sagrados e nos quais não se podia mexer).

Esse movimento culminou com uma ilimitada crença na autonomia da ciência e da técnica e, após a Revolução Francesa, ganhou grande prestígio na França, onde se “pregava em geral a imutabilidade das leis da natureza e da natureza do homem”; acreditava se que o conhecimento racional dessas leis “poderia conduzir o homem à sua maioridade (Kant) e que a utilização técnica desses conhecimentos (Bacon/ Des-cartes) garantiriam o progresso da humanidade” (GOERGEN, 1998, p. 9 10).

O paradigma técnocientífico se tornou dominante e acabou influenciando Téc-nico), mas a filosofia pós- moderna o coloca em xeque, apesar de sua grande eficácia para o mercado. Enquanto que para a filosofia pré -moderna era pacífico também a educação (movimento conhecido como Tecnicismo ou Racionalismo existência de uma realidade externa ao sujeito, constituída por objetos e fatos (estado de coisas), bem como por relações entre eles, a filosofia moderna, quan-do enfatiza a subjetividade, vai instaurar uma separação entre mundo interno e mundo externo.

No modelo cartesiano, o sujeito pensante pode chegar a um grau de certeza sobre sua existência (“Penso, logo existo”), mas essa certeza não consegue ser mantida quando o pensamento se volta não mais sobre si mesmo, mas sobre o mundo natural, isto é, quando visa a conhecer a “realidade”. Neste modelo, o conhecimento é visto como “representação do real” e não mais como “descoberta da realidade”. “Como explicar o caráter representacional das idéias enquanto revelando-nos a natureza das coisas e, ao mesmo tempo, manter sua validade e sua certeza?” O “sujeito pensante se encontra isolado do real, do que lhe é externo, fechado sobre si mesmo. O objeto torna -se, neste sentido, uma mera construção do sujeito”. Daí decorre a dificuldade de encontrar critérios para a distinção entre o que é verdadeiro ou falso, ou seja, entre casos em que as idéias correspondem ao real e outros em que não correspondem, já que não há uma instância independente do sujeito para validar esse conhecimento (MARCONDES, 2002, p. 23- 24).

66 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U2

A Educação no Contexto da Modernidade

As noções do que seja conhecimento e verdade são colocadas em xeque; o ceti-cismo e o relativismo viram moda.

Assim, sintetizando as principais conseqüências do projeto emancipador da Modernidade, podemos dizer que:

1. Houve uma secularização dos campos culturais, isto é, crenças e instituições da Igreja (a Filosofia, a Arte, a Ciência, a Educação, bens materiais entre outros) saíram das mãos da Igreja e se transformaram em crenças e instituições leigas;

2. Criação de sistemas escolares a partir da criação dos Estados nacionais;

3. Grande expansão da ciência e da tecnologia, bem como preocupação com a educação científica;

4. A produção das práticas simbólicas (artística, filosófica, científica entre ou-tras) se tornou auto -expressiva, auto regulada e seu desenvolvimento consoli-dou mercados autônomos;

5. Ocorreu uma ampliação da racionalização da vida social (da produção in-dustrial, da educação, da saúde entre outras esferas);

6. Um individualismo crescente, sobretudo nas grandes cidades;

7. Crescimento do ceticismo e do relativismo na sociedade (CANCLINI, 1997; MARCONDES, 2002; CHAVES, 2008; GOODSON, 1995).

O movimento emancipador veio acompanhado dos outros projetos, se desta-cando no capitalismo o projeto expansionista, que procura estender o conhecimen-to e a posse da natureza, a produção, a circulação e o consumo de bens. Destaca- se, também, a promoção das “descobertas” científicas e do desenvolvimento industrial. A noção de progresso é decorrente desse processo expansionista (CANCLINI, 1997).

Dois aspectos complementares se destacam no projeto renovador:

1. “de um lado, a busca de um aperfeiçoamento e inovação incessantes, próprios de uma relação com a natureza e com a sociedade liberada de toda prescrição sagrada sobre como deve ser o mundo”;

2. “de outro, a necessidade de reformular várias vezes os signos que comuni-cam e instauram as diferenças em sociedades massificadas pelo consumo”. Bens de consumo como roupas, assessórios, móveis, jóias, carros, aparelhos eletro eletrônicos, filmes, músicas, livros, programas culturais etc., são constantemen-te modificados e seu consumo classifica as pessoas e grupos em classes sociais diferentes ao longo dos tempos, fazendo surgir os museus como instituições que têm como principal função, o registro e a conservação dessas mudanças ao longo dos tempos (CANCLINI, 1997, p. 32 -37).

No projeto democratizador da Modernidade se destaca a confiança na educa-ção e na difusão da arte e dos saberes especializados para se chegar a uma evolução racional e moral da sociedade (CANCLINI, 1997). A educação herda da filosofia pré-moderna o conceito de educação como formação integral da pessoa, apoiada em va-lores universais e métodos muito interessantes, por exemplo, a maiêutica socrática e a metodologia da escolástica, bem como destaca Chaves (2008). Entretanto, com o de-senvolvimento da ciência e da tecnologia modernas vai ocorrendo um distanciamento cada vez maior entre ciência e filosofia, bem como entre educação e filosofia, apesar destas terem nascidos da primeira. Esse distanciamento acaba trazendo conseqüências

Reveja a Unidade “A educação na an-tiguidade e na era medieval” deste Módulo IV.

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67Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

nefastas quando o racionalismo técnico- científico passa a predominar e a reflexão filo-sófica fica negligenciada.

A luta para a criação e democratização dos sistemas de ensino, bem como da teorização e das práticas curriculares, se inserem no movimento da Modernidade e nelas também se verificam as mesmas contradições da sociedade contemporânea mo-dernizada. A defesa de constituição dos sistemas escolares e a teorização em torno do currículo começaram com um discurso pragmático, emancipatório e democratizador, mas logo aparecem as contradições.

Na Unidade “Pressupostos teórico -práticos do currículo e da formação de pro-fessores”, você vai ver algumas delas em maiores detalhes. Mas podemos resumi-las aqui. O movimento escolanovista que surgiu nos EUA, apoiado no projeto democrati-zador da modernidade, com forte crítica ao ensino tradicional que não logrou atingir todas as camadas sociais e ainda era muito elitista, se converteu em um discurso cien-tificista e tecnicista em meados do século XX, devido às interações entre duas corren-tes dominantes. De um lado, a Escola Nova com ênfase na experiência da criança e em seus interesses e, de outro, os que advogam a preparação da criança para a vida adulta e o mundo do trabalho. Para o ensino de ciências, a Escola Nova valoriza mais a produção do conhecimento do que seus produtos (leis e teorias científicas), propõe métodos pedagógicos centrados no interesse das crianças e em sua atividade, como o método de projetos e a experimentação.

Nesse período, a sociedade norte-americana vivia sua primeira revolução cien-tífica e tecnológica e o transplante dos princípios da administração científica para a escola acabou reformulando a teorização do currículo através da tentativa de padroni-zação e predeterminação do produto, isto é, com a definição de objetivos de aprendi-zagem e de critérios para avaliá-los. Se por um lado tentava- se padronizar o produto da educação, por outro, o trabalho pedagógico com crianças portadoras de deficiên-cias levou à grande descoberta das diferenças individuais e a diversificação das estra-tégias de ensino, bem como a relativização dos objetivos e critérios de avaliação, o que trouxe uma renovação para a pedagogia.

Saviani lembra bem que a corrente escolanovista acabou também privilegiando a elite, pois as inovações que ela propôs ficaram restritas às escolas pilotos em que foram implantadas, que acabaram ocupadas por classes sociais mais favorecidas que podiam pagar pelo preço das inovações.

Embora haja atualmente muita crítica à modernidade, Canclini chama nossa atenção para o fato de que a maioria das sociedades sul -americanas nem sequer chegou a entrar nessa era moderna e muitas das conquistas que sociedades oci-dentais mais industrializadas obtiveram com esse movimento ainda estão longe de ser obtidas por essas populações. A democratização do ensino de qualidade, especialmente na nossa área (Ciências e Tecnologia), é um exemplo do ideário modernista que ainda está longe da realidade de nossas escolas. Mas, com isso, temos uma vantagem sobre os países que mais se desenvolveram dentro da filosofia moderna, pois podemos refletir sobre as críticas que são feitas à mo-dernidade e pensar em alternativas para evitar suas conseqüências indesejáveis.

68 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U2

A Educação no Contexto da Modernidade

Conseqüências indesejáveis da modernidade

Atividade Complementar 2

Antes de continuarmos nosso estudo sobre a modernidade, faça uma parada neste texto, visite o site a seguir http://www.unicamp.br/~hans/mh/contexto.html, assim como outros sites sobre o tema, e veja mais informações sobre a cri-se da Modernidade e a influência da Escola de Frankfurt no discurso sobre essa crise. Anote o que achar mais interessante e troque comentários com seu/ sua tutor/ a sobre dúvidas, pontos interessantes, questionamentos etc.

III. Crise da modernidade e o contexto do discurso pós -moderno

Embora seja inegável o fato de que a humanidade se transformou radicalmente com o desenvolvimento destes projetos considerados pilares da Modernidade, prin-cipalmente através da racionalidade instrumental desenvolvida pela ciência e tecno-logia, uma situação de crise veio a se instalar na sociedade modernizada e surgiu um discurso chamado de “pós- modernidade”.

O Romantismo representa a primeira tentativa de ruptura do predomínio deste paradigma, ao buscar valorizar “o sentimento e a intuição, como formas privilegia-das de relação entre o homem e o real.” Entretanto, o romantismo acaba mantendo-se “dentro do quadro de uma filosofia do sujeito, apenas dando à subjetividade um outro sentido ao valorizar o sentimento e a intuição em oposição ao racionalismo”. O Romantismo também vem dar uma importância fundamental à experiência indivi-dual e acaba levando a um abandono do conhecimento, sobretudo do conhecimento científico, como modelo de relação entre o homem e o real, “na medida em que não está mais fundamentada em uma preocupação epistemológica com a fundamentação da Ciência” (MARCONDES, 2002, p. 24).

A crítica de Hegel (1805- 1806) à filosofia kantiana corresponde ao primeiro questionamento do paradigma subjetivista, dirigido contra o pressuposto do caráter originário da subjetividade e contrapondo a ele “a noção de uma consciência histori-camente determinada, constituída e não mais originária.”. Esta formulação de Hegel

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69Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

foi identificada por Habermas como precursora da noção de intersubjetividade, sendo que para ele, tanto a “consciência como o sujeito, devem ser considerados como for-mados, ou seja, como resultados de um processo de formação que é, fundamentalmen-te, um processo de interação da consciência com as outras consciências” (MARCON-DES, 2002, p. 25) [grifo nosso].

O processo de formação da consciência ocorre quando a consciência do homem individual interage com as outras consciências no trabalho (na interação com o mundo natural através da produção dos meios de subsistência humana em suas várias formas históricas) através da linguagem (ao utilizar um sistema simbólico herdado da tradi-ção), numa ação recíproca.

Portanto, é apenas através de um processo essencialmente interativo que a consciência subjetiva se constitui como tal. Este processo envolve o reconhecimento da consciência pelas outras consciências, como etapa fundamental da sua constituição. Só na medida em que este reconhecimento se dá é que a autoconsciência se torna pos-sível. A subjetividade resulta assim de um processo de formação basicamente cultural, de socialização. A relação com a realidade não se dá, portanto, a partir de um ato da consciência subjetiva, mas pressupõe a existência da cultura, e nesta, a inserção do indivíduo. O social é anterior ao subjetivo e constituinte da subjetividade (MARCON-DES, 2002, p. 25 -26).

Marx vai aprofundar esta crítica às tradições racionalista e subjetivista e, contra-riamente à posição destas, para ele “a liberação do homem só será possível na medida em que se transformar a própria sociedade, eliminando- se o domínio de uma classe sobre as demais, e não apenas pela Educação e pela Ciência”, pois estes permanecem apenas no campo do pensamento e não atingem “a base material da sociedade que gera o trabalho alienado e, em conseqüência, a consciência alienada. A noção de alie-nação, enquanto conceito crítico, opõe -se assim ao pressuposto iluminista” fundamen-tal: a racionalidade original (MARCONDES, 2002, p. 27).

Contribuíram, também, para esta mudança a crítica de Nietzsche à tradição fi-losófica, à ética e ao racionalismo clássico; a filosofia de Kierkegaard com ênfase na angústia, no desespero e no questionamento da existência humana; ambas ainda no século XIX (MARCONDES, 2002, p. 27).

A partir da Segunda Guerra, ampliam- se as críticas diante do impacto das tec-nologias nos campos de batalha e nos campos de concentração, dos efeitos sobre o meio ambiente, do agravamento das diferenças entre países centrais e periféricos, do crescimento das desigualdades sociais, do grave problema da exclusão social pela su-pressão do emprego, etc. Estes problemas e outros, como a degradação ambiental nas esferas local, regional e global, são vistos como conseqüências cruéis para a humanida-de da ilimitada crença no progresso e na visão de racionalidade confundida com pen-samento lógico -matemático. Os neo- marxistas da Escola de Frankfurt (principalmente Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse), em meados do século XX, aprofundaram essa crise paradigmática com reflexões e críticas à ciência moderna, levantando seve-ros argumentos contra o conceito reduzido de razão e o teor ideológico de ciência e tecnologia (GOERGEN, 1998, p. 12).

Para eles:

“A razão humana havia sido reduzida, enquanto um todo, a mero instrumento posto a serviço de apenas um aspecto da racionalidade humana. Esta racionalidade, assim reduzida e absolutizada, segue suas leis próprias engolindo, no torvelinho de seus procedimentos,

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A Educação no Contexto da Modernidade

as demais dimensões do humano. Aquilo que uma vez fora procla-mado a esperança de progresso e de justiça, a racionalidade moder-na , terminara trazendo, em conseqüência de um conceito de pro-gresso também unidirecional, muitos sofrimentos, destruição e dor” (GOERGEN, 1998, p. 12).

As teorias científicas desenvolvidas ao longo do século XX também contribuí-ram para a crise dos projetos da modernidade: Teoria da Relatividade de Eins-tein (1905 e 1916); o desenvolvimento da física quântica a partir de 1900 e da Astrofísica; a teoria da Indeterminação de Heisenberg, as quais influenciam uma nova visão de mundo, diferente da serenidade e estabilidade descrita por Newton na ciência moderna. A visão de que o mundo tende ao caos, à dete-rioração, à entropia (Leis da Termodinâmica), um universo de incertezas e de situações probabilísticas, no qual as categorias de tempo e espaço não são abso-lutas, mas dependem da posição do observador e da velocidade com que ele se move, as diferenças entre matéria e energia ficam cada vez mais tênues; o rigor das experiências científicas é cada vez mais questionado, pois se constata que o próprio ato de observar interfere no que está sendo observado. (MORAIS, 1988, p. 99; SUPER, 1999).

Também o desenvolvimento das ciências sociais, como a Sociologia, a Antropo-logia e a Economia fizeram surgir métodos próprios, diferentes daqueles desenvolvi-dos pelas ciências naturais. A crítica ao positivismo, ao empirismo lógico e ao meca-nicismo fez surgir métodos e paradigmas mais adequados ao estudo do homem e de sua cultura, levando paulatinamente a visões mais relativizadas, menos dogmáticas e etnocêntricas sobre o conhecimento.

Essa situação de crise fez emergir um discurso chamado de “pós-moderno”. Numa visão pós- moderna, a ciência passou a ser considerada um jogo de linguagem dentre outros e já não podia reivindicar o privilégio sobre outras formas de conheci-mento que pretendera ter no início dos tempos modernos. O discurso pós- moderno acusa a modernidade de justificar sua pretensão de verdade em relação ao conheci-mento comum, baseada em dois mitos ou em duas grandes narrativas: a primeira herdada da Revolução Francesa, que colocava a humanidade como agente histórico de sua própria libertação por meio do avanço do conhecimento e, a segunda, descen-dente do idealismo alemão que via o espírito como progressiva revelação da verdade.

O traço definidor da condição pós -moderna seria, então, a perda da credibilida-de dessas narrativas, uma vez que a ciência atrelou- se ao capital, ao Estado e a verdade ficou reduzida ao desempenho, à eficiência. A implicação social desse discurso é a tendência para o contrato temporário em todas as áreas da existên-cia humana: a ocupacional, a emocional, a sexual, a política os laços são mais econômicos, flexíveis e criativos que os da modernidade.

Em 1980, Jünger Habermas (um neo-frankfurtiano) disse que o projeto ilumi-nista da modernidade tinha duas vertentes. Uma era a diferenciação pela primeira vez entre ciência, moralidade e arte, não mais fundidas numa religião revelada, mas como esferas de valor autônomas, cada uma governada por suas próprias normas: verda-de, justiça, beleza, respectivamente. A outra era a soltura desses domínios recém- liberados no fluxo subjetivo da vida cotidiana, interagindo para enriquecê -la. Para ele, foi este programa que perdeu o rumo. Porque, em vez de penetrar os recursos comuns

Mecanicismo é uma teoria filosó-fica que diz que todos os eventos que um ser vivo manifesta são me-canicamente deter-minados, ou seja, sua natureza física e/ ou química.

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71Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

da comunicação diária, cada esfera tendeu a desenvolver- se em uma especialidade esotérica, fechada ao mundo dos significados compartilhados pelo homem comum (ANDERSON, 1999, p. 45). A ciência moderna acabou se constituindo em oposição ao senso comum considerado “conservador e fixista”, o que envolve um distanciamen-to das orientações práticas (intersubjetivas) da vida e implica em um distanciamento entre teoria e prática, mas, também na separação entre teoria (ciência) e ética (GOER-GEN, 1998).

Habermas tem sido um dos mais ferrenhos defensores do legado da moder-nidade. Identifica a pós- modernidade mais como uma questão política do que uma questão de estilo e cultura. Para ele, a pós- modernidade tem uma relação paradoxal com a modernidade. Por um lado incorpora as piores dimensões de um modernismo estético. Por outro lado, a pós- modernidade representa uma negação do projeto da modernidade social, rejeitando sua linguagem de razão universal, direitos e autono-mia como uma base para a vida social moderna. Segundo Habermas (1987), o argu-mento da pós modernidade de que o realismo, o consenso e a totalidade são sinônimos de terror, representando uma forma de exaustão política e ética que injustificadamen-te renuncia à tarefa inacabada da razão.

A pós- modernidade corrói o projeto da modernidade com sua promessa de de-mocracia através da regra da razão, competência comunicativa e diferenciação cul-tural. Nesse caso, a pós -modernidade é culpada de um crime duplo – de ao mesmo tempo rejeitar os princípios mais básicos do ethos modernista e não reconhecer suas contribuições mais emancipatórias à vida contemporânea. Em um primeiro momento, a pós -modernidade superenfatiza de forma temerária a ação da diferença, da contin-gência e da linguagem, em contraposição aos apelos às reivindicações universaliza-das e transcendentais (valores universais defendidos pelos gregos e romanos para o ser humano enquanto sujeito transcendental).

Para o pós -moderno, a teoria sem a garantia da verdade redefine o relaciona-mento entre o discurso e o poder e, assim fazendo, desestabiliza a fé modernista no consenso e na razão. A modernidade oferece a Habermas a promessa de reintegrar as esferas diferenciadas da ciência, da moralidade e da arte à sociedade, não através de um apelo ao poder, mas à regra da razão, à aplicação de um pragmatismo universal da linguagem e ao desenvolvimento de formas de aprendizagem baseadas nos ditames da competência comunicativa. Embora Habermas aceite a crítica pós- moderna aos excessos da racionalidade tecnológica e da razão substantiva, ele acredita que somen-te através da razão, a lógica da racionalidade científico- tecnológica e da dominação, pode ser subordinada aos imperativos da justiça e da moralidade modernistas. Haber-mas admira a cultura ocidental e declara que os “ideais burgueses” contêm elementos de razão que devem estar no centro de uma sociedade democrática. Ele escreve:

Refiro -me à dinâmica teórica interna que constantemente aciona as ciências e a auto -reflexão das ciências como estando bem além da criação do conhecimento apenas tecnologicamente passível de ex-ploração; além disso, refiro- me às bases universalistas da lei e da moralidade que também têm sido incorporadas (não importa de que forma distorcida e imperfeita) nas instituições dos Estados constitu-cionais, nas formas de tomada de decisão democrática e nos padrões individualistas de formação de identidade; finalmente, refiro -me à produtividade e à força libertadora de uma experiência estética com um conjunto de subjetividade isento dos imperativos da atividade intencional e das convenções da percepção cotidiana (HABERMAS, 1987 apud GIROUX, 1999, p. 62).

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A Educação no Contexto da Modernidade

Está no centro da defesa da modernidade de Habermas sua importante distin-ção entre a racionalidade instrumental e a racionalidade comunicativa. A racionali-dade instrumental representa aqueles sistemas ou práticas incorporadas no Estado, no dinheiro e em várias formas de poder que atuam através de “mecanismos de dire-ção” para estabilizar a sociedade. A racionalidade comunicativa refere- se ao mundo da experiência comum e à interação intersubjetiva discursiva, um mundo caracteriza-do por várias formas de socialização, mediado através da linguagem e orientado para a integração social e o consenso.

Habermas aceita várias críticas da racionalidade instrumental, mas em grande parte concorda que o capitalismo, apesar dos seus problemas, representa formas mais aceitáveis de diferenciação social, racionalização e modernização do que têm carac-terizado os estágios passados do desenvolvimento social e instrumental. Por outro lado, ele é inflexível com relação às virtudes da racionalidade comunicativa, com sua ênfase nas regras do entendimento mútuo, da clareza, do consenso e da força do argumento. Habermas encara qualquer ataque sério a essa forma de racionalidade como irracional.

Na verdade, sua noção de racionalidade comunicativa proporciona a base não apenas de sua situação de discurso ideal, mas também de sua visão mais ampla da reconstrução social. Com suas distinções entre um mundo externo de práticas de direção sistêmicas e um mundo interno privilegiado de processo comunicativo. A racionalidade, nesse caso, representa, em parte, uma divisão entre um mundo satura-do de poder material, expressado na evolução de subsistemas complexos e sempre crescentes de modernização racional, e moldado pela razão universal e pela ação co-municativa.

Processo comunicativo X poder material

No âmago dessa distinção está um conceito de democracia, em que a luta e o conflito não estão baseados numa política de diferença e poder, mas na busca concei-tual e lingüística pela definição do conteúdo do que é racional (RYAN, 1989).

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A defesa da modernidade de Habermas não está enraizada em um questiona-mento rigoroso do relacionamento entre os discursos, as estruturas institucionais e os interesses que eles produzem e legitimam dentro de condições sociais específicas. Em vez disso, ela se concentra na competência lingüística e no princípio do consenso, com sua problemática orientadora definida pela necessidade de extirpar os obstáculos à “comunicação distorcida”. Isso não somente aponta para uma visão particular do poder, da política e da modernidade, mas também legitima uma noção específica da razão e da aprendizagem.

Habermas tem razão em sua análise da modernidade e pós -modernidade quan-do tenta salvar os aspectos produtivos e emancipatórios modernos e desenvolver um princípio unificador, que proporcione um referente para envolver e avançar para uma sociedade democrática. Nesse sentido, Habermas tenta manter vivas as catego-rias da crítica, da ação e da democracia. Ele injeta no debate modernista versus pós-modernista a primazia da política e o papel que a racionalidade pode desempenhar a serviço da liberdade humana e dos imperativos da ideologia e da luta democráticas.

Atividade Complementar 3

Antes de continuarmos nossa análise dos projetos básicos da modernidade, faça uma parada neste texto e consulte o volume Ciências Naturais de 5ª a 8ª Séries dos Parâmetros Curricuilares Nacionais sobre as tendências para o ensino de ciências e identifique pontos em comum com o texto sobre Modernidade e Pós- modernidade aqui discutido. Registre estes pontos em texto de uma a duas pá-ginas para discutir com sua comunidade de aprendizagem colaborativa.

IV. A educação em ciências e a moderni-dade

Como vimos até aqui, a democratização da educação, com uma universalização de direitos, e, mais especificamente, a educação em ciências são conquistas da Moder-nidade sob o paradigma subjetivista e do conceito de sujeito transcendental de Kant. A opção por um discurso modernista ou pós- moderno pode trazer conseqüências pro-fundas para as regiões do planeta que não experimentaram conquistas mínimas da modernidade ou só iniciaram um processo emancipatório e democratizador, como é o caso da América Latina (CANCLINI, 1997).

Na educação, especialmente na educação em ciências, como é a nossa área, a destruição do sujeito pelo pensamento pós -moderno criou a impossibilidade de se pensar uma saída política para a crise contemporânea. Este reducionismo não come-çou na filosofia contemporânea. Há um longo processo histórico que reproduz ou faz migrar a redução ora na realidade (tradição empirista ou objetivista), ora no sujeito e ora na sua linguagem.

Em Platão, Aristóteles e em Tomás de Aquino, há a construção de um saber essencialista centrado no objeto, como se cada coisa tivesse uma essência que deveria ser “descoberta”. A modernidade desloca este essencialismo para o sujeito e deixa de buscar a causa primeira das coisas para centrar o processo naquele que conhece os fatos e não mais sua causa última.

A ciência moderna, com uma pretensão de exatidão das coisas, centra seu pro-cesso na demonstração matemática. Ao reduzir o sujeito à sua linguagem, o discur-so pós moderno arrancou dele a possibilidade de emancipação. Aquilo que parecia

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O sujeito tran-scendental de Kant “é um sujeito formal e abstrato, uma espécie de es-trutura universal da subjetividade, con-tendo as condições de possibilidade de conhecimento. Essa estrutura con-stitutiva de toda relação cognitiva com a realidade” é composta de intuição pura (as formas puras da sensibilidade) e do entendimento (ou capacidade de formular juízos) (MARCONDES, 2002, p. 21-22).

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A Educação no Contexto da Modernidade

um novo caminho para compreender a história e seu processo revelou justamente o contrário. O projeto de libertação política se reduziu à condição das formas de expres-são através das variadas formas de linguagem (linguagem artística, científica, técnica, mitológica religiosa, filosófica, coloquial).

A reflexão filosófica centrada na linguagem desloca o processo de conheci-mento para o seu resultado, isto é, o conceito. A partir daí a teoria do conhecimento tão celebrada na modernidade perde seu espaço, porque, ao deslocar o centro da re-flexão do sujeito para o conceito, retira -se dele o primado da verdade. Com isto, o que importa para saber não é mais nem o objeto nem o sujeito como essência, mas o método que lhe torna possível pela evidência da sua linguagem expressa no conceito.

Este deslocamento fundamenta o movimento reflexivo da “pós -modernidade” por romper com a centralidade do conhecimento fundado numa essencialidade. Até este deslocamento, estamos plenamente de acordo em parte. Pensamos que o conhe-cimento seja um processo de múltiplas relações e que não está centralizado em um de seus elementos.

Para superar o negativismo pós -moderno, devemos pensar no processo de compreensão baseado não só no seu aspecto metodológico, mas enfatizar as relações existentes entre o objeto, o sujeito, o conceito e o método. Cremos que este conjunto de relações presentes no processo de construção do conhecimento poderia ser repre-sentado como na figura 1.

S U J E I T O O B J E T O

I M A G E M /D I S C U R S O /C O N C E I T O

M É T O D O / M E T O D O L O G I A /M E D I A Ç Ã O

A C O N S T R U Ç Ã O D O S A B E R E S U A E P I S T E M O L O G I A

Figura 1: Relações presentes no processo de construção do conhecimento e sua epistemologia.

A modernidade deslocou a “essência” do objeto (ciência clássica) para a “essên-cia” do sujeito. A ciência moderna superestimou o método. A filosofia contemporâ-nea ou pós -moderna reduziu a possibilidade do conhecimento a um de seus pólos, o conceito.

Mais do que este deslocamento para o conceito, as filosofias pós- modernas, com o deslocamento do sujeito para sua expressão na linguagem, elimina a historicidade, e nela, o papel político que este sujeito cumpria como agente portador da emancipação coletiva pretendida pelo iluminismo. Parece que este é o grande problema em aberto na contemporaneidade que estas filosofias não nos permitem superar de imediato. Esta lacuna aberta na filosofia lingüístico- pragmática afastou o humano de sua his-tória e retirou -lhe o chão político como espaço de emancipação e das lutas coletivas.

A politicidade foi reduzida ao discurso sobre o real e não há mais possibilidade de se pensar o sentido de uma reconstrução. Ao se reduzir o sujeito a seu discurso, se

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reduziu o campo político ao signo, facilmente apropriado pelos meios de comunicação de massa durante a Segunda Guerra Mundial e sua manipulação dos fatos na socie-dade contemporânea. Esta redução ao signo possibilitou as bases de uma contestação individualizada e desmobilizadora do coletivo.

Idéias gestadas e reprimidas pela força do Iluminismo, que teve sua fundação ainda no Renascimento, encontram nesta redução do sujeito em signo lingüístico o apoio teórico de que precisavam para aprofundar o espaço de exploração econô-mica, apoiados pelas técnicas de comunicação moderna, máximas expressões do ser reduzido a sua expressão lingüística. Aquilo que seria o símbolo da expressão do ser contemporâneo passa a ser o fundamento racional de sua exploração, aniquilamento e animalização. A sociedade contemporânea tornou- se refém desta interpretação apro-priada facilmente pelos meios de produção.

A filosofia pós -moderna, ao reduzir o sujeito ao conceito, reduziu a reflexão à prática e retirou do cenário filosófico a possibilidade da crítica à sociedade, à política, à cultura, à economia, à ciência e à Filosofia. Ao operar este deslocamento, a crítica não se dá mais no e a partir do contexto histórico, mas apenas ao conceito, ao qual todo universo humano foi reduzido. Esta redução eliminou a política como campo de luta e de disputa pela organização e distribuição do poder na sociedade humana. Ao reduzir a reflexão à prática, se eliminou a crítica como espaço de construção teórica e prática expressa na práxis transformadora. Nesse sentido, esta filosofia operacionalizou uma forma de violência simbólica criando um impasse na possibilidade de construção de um sentido para o fazer humano.

A idéia reducionista da pragmática lingüística casou muito bem com as pro-postas neoliberais do capitalismo contemporâneo. Ao nos reduzir à condição de pra-ticistas, ampliou o campo do individualismo, reduzindo ao mínimo a possibilidade da construção de um sentido coletivo para a disputa do espaço público. Visto que os portadores da linguagem não são mais os sujeitos, mas sua expressão midiática, são eles que interpretam e impõem sua visão de mundo barateada e desvinculada da polí-tica. Ao invés de termos uma ampliação da consciência histórica e política, cada vez mais se opera um processo de despolitização da sociedade.

A virada lingüístico -pragmática, ao querer combater os exageros da filosofia e da ciência moderna, se tornou refém do capitalismo contemporâneo, que a usa como forma de ampliar seus mecanismos de exploração e de desmonte do espaço público, reduzido aos estreitos círculos dos programas televisivos que agridem e manipulam nossa consciência em favor da injustiça perpetuada pela desigualdade econômica e social.

Por conta disto, tanto a Ciência quanto a Filosofia e, por acréscimo, a Educação perdem seu espaço público e, também elas, se tornam reféns da desmobilização e da despolitização a ponto não só de negligenciarem, mas de negarem sua função política na sociedade contemporânea. Seus intelectuais se fecham em seus “laboratórios” e o espaço do debate público é transferido para o público dos meios de comunicação. A reflexão se reclusa no espaço privado e a crítica é reduzida à ação individual, técnica e pragmática.

Ao pragmatismo lingüístico que serve de fundamento para a elaboração das bases teóricas do discurso neoliberal nas ciências humanas, há de se opor uma cultura da pesquisa e de produção do conhecimento coletivo frente à supervalo-rização do indivíduo (um dos exageros da modernidade). O conhecimento hu-mano é resultado dos limites e das possibilidades sociais que lhe favorecem ou lhe dificultam, por isso, nenhuma forma de conquista é totalmente individual,

Visite o site a seguir e veja mais informações sobre a virada lingüísti-co-pragmática <http://www2.pucpr.br/reol/in-dex.php/RF?dd1=89&dd99=view>RF?dd1=89&dd99=view>

Internet

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A Educação no Contexto da Modernidade

mas resultado deste esforço coletivo que pertence ao todo da sociedade. Redu-zir o conhecimento ao indivíduo e premiá- lo individualmente é uma estratégia ideológica de dominação e cooptação do conteúdo do conhecido e do sujeito que o produz na ilusão da individualidade.

Esta lógica precisa ser invertida com a institucionalização de redes de pesquisa, de pesquisadores e de instituições que usem a lógica da ciência para enfraquecer as ba-ses teóricas onde o economicismo é mais forte como forma de dominação ideológica, política e culturalmente. Uma outra estratégia complementar a esta é a aproximação entre os pesquisadores, as escolas públicas e os sindicatos na organização de progra-mas de formação para os trabalhadores para que eles tenham no conhecimento as suas armas de luta e de resistência política. Criar espaços para a produção e disseminação do conhecimento significa criar condições concretas para a reflexão. Por isso precisa-mos reinventar o modo de perguntar e de responder, inventando uma nova forma de organização do trabalho de contestação e de organização da contestação. Inventar no-vas formas de expressão, que permitam comunicar aos militantes as conquistas mais avançadas da pesquisa. Isto supõe por parte dos pesquisadores e pesquisadoras uma mudança de linguagem e de estado de espírito. Implica, ainda, inventar formas de pensamento teórico e formas de ação prática capazes de se situar ao nível em que deve se dar o combate ideológico e político.

Isto quer dizer que precisamos, mais do que nunca, criar estratégias de organi-zação das formas de resistência usando os instrumentos que estão a nossa disposição. Nessa direção, precisamos potencializar ao máximo o uso das redes eletrônicas e nos-sa participação nos meios de comunicação de massa. Não só para combater uma certa visão de mundo, mas para propor outra. A televisão propõe e impõe uma visão de mundo cada vez mais despolitizada, asséptica, incolor, envolvendo cada vez mais os jornais nessa escorregada para a demagogia e para a submissão aos constrangimentos comerciais.

Neste aspecto, o sistema de educação pode ser visto como instrumento capaz de ampliar as consciências no sentido de que sejam capazes de resistir ou de se apode-rar das armas produzidas pelos produtores culturais, escritores, artistas e acadêmicos ainda aptos a resistir às forças comerciais e dispostos a produzirem obras que não sejam ditadas pelas exigências do mercado. Esta resistência cultural é sempre precária, mas esta precariedade é pertinente a todas as relações sociais. Porém, já se começa a suspeitar de que a precariedade é produto de uma vontade política e não uma fatali-dade econômica, identificada com a famosa “mundialização”. Assim, “a precariedade se inscreve num modo de dominação de tipo novo, fundado na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração” (BOURDIEU, 1998, p. 124).

O que está em jogo aqui é a questão de manter o compromisso da modernidade com a razão crítica, a ação e o poder dos seres humanos para superar o sofri-mento. A modernidade nos recorda a importância de construir um discurso que seja ético, histórico e político.

As questões aqui indicadas querem refletir mais precisamente sobre as possi-bilidades que se abrem ao processo educativo e suas exigências num contexto complexo e multifacetado que nosso tempo resolveu designar de pós moderni-dade. As exigências propostas, além das já referidas anteriormente, requerem um esforço coletivo que procura manter um compromisso com propostas da modernidade, considerando algumas críticas pertinentes da pós modernidade.

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Trata- se de recolocar a educação como espaço privilegiado de ação democráti-ca e como compromisso ético radical com a justiça, com a liberdade (política e econômica), com a emancipação que se constrói pelo conhecimento e com a promoção da igualdade no reconhecimento da diferença.

No contexto da pós -modernidade a educação é fundamental para a prática po-lítica que lida com questões de como as pessoas aprendem, como o conhecimento é produzido e como as posições dos indivíduos são construídas no interior da cultura. Esta em questão aqui um discurso que ao mesmo tempo situa os seres humanos den-tro de uma história e torna visíveis os limites de suas ideologias e valores. Essa posição reconhece a parcialidade de todos os discursos, para que o relacionamento entre o conhecimento e o poder possa sempre estar aberto ao diálogo e ao auto- envolvimento crítico.

A educação diz respeito aos investimentos intelectuais, emocionais e éticos que fazemos como parte de nossa tentativa de negociar, acomodar e transformar o mundo em que vivemos. O propósito e a visão que orientam essa visão de educação devem ser baseados em uma política e em uma visão de autoridade que vinculem o ensino e a aprendizagem a formas de auto- capacitação e de capacitação social, as quais defen-dem formas de vida comunitária que estendam os princípios de liberdade, igualdade e justiça ao conjunto mais amplo possível de relações institucionais e de vida.

Os PCNs do Ensino Médio propõem objetivos para a área de Ciências da Natu-reza, Matemática e suas Tecnologias que buscam conciliar esse esforço desenvolvido na Modernidade para a promoção do ser humano através da formação integral, do cultivo da razão e da técnica com o envolvimento do conhecimento prático do cidadão comum, com a compreensão da ciência como produção humana com linguagem pró-pria em determinados contextos socioculturais e com o reconhecimento da diversida-de, enquanto proposta do pós -modernismo.

Segundo esse documento:

“os conhecimentos da área devem envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea, e o desenvol-vimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspon-dam a uma cultura geral e a uma visão de mundo. Para a área das Ciências da Natureza, Matemática e Tecnologias, isto é particular-mente verdadeiro, pois a crescente valorização do conhecimento e da capacidade de inovar demanda cidadãos capazes de aprender continuamente, para o que é essencial uma formação geral e não apenas um treinamento específico.” (BRASIL, 1999, p. 6 -7).

Entre os objetivos gerais da área se destacam, por exemplo, os relacionados com a ciência enquanto um gênero de linguagem construído em contextos socio- históricos determinados, em sua relação com a tecnologia e nos impactos causados na sociedade moderna e contemporânea:

• Ler e interpretar textos de interesse científico e tecnológico.

• Interpretar e utilizar diferentes formas de representação (tabelas, gráficos, expressões, ícones...).

78 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U2

A Educação no Contexto da Modernidade

• Exprimir -se oralmente com correção e clareza, usando a terminologia correta.

• Produzir textos adequados para relatar experiências, formular dúvidas ou apresentar conclusões.

• Reconhecer o sentido histórico da ciência e da tecnologia, percebendo seu papel na vida humana em diferentes épocas e na capacidade humana de trans-formar o meio.

• Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se desenvolveram por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação da sociedade.

• Entender a relação entre o desenvolvimento de ciências naturais e o desen-volvimento tecnológico e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuser e se propõe solucionar.

• Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais, na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social (BRASIL, 1999, p. 12 -13).

Com esta compreensão, espera -se que o aprendizado contribua

não só para o conhecimento técnico, mas também para uma cultura mais ampla, desenvolvendo meios para a interpretação de fatos na-turais, a compreensão de procedimentos e equipamentos do cotidia-no social e profissional, assim como para a articulação de uma visão do mundo natural e social. Deve propiciar a construção de compre-ensão dinâmica da nossa vivência material, de convívio harmônico com o mundo da informação, de entendimento histórico da vida social e produtiva, de percepção evolutiva da vida, do planeta e do cosmos, enfim, um aprendizado com caráter prático e crítico e uma participação no romance da cultura científica, ingrediente essencial da aventura humana (BRASIL, 1999, p. 7).

Ao se incluir o termo “de suas Tecnologias” na denominação da área,

sinaliza -se claramente que, em cada uma de suas disciplinas, pretende- se promover competências e habilidades que sirvam para o exercício de intervenções e julgamentos práticos. Isto significa, por exemplo, o entendimento de equipamentos e de procedimentos téc-nicos, a obtenção e análise de informações, a avaliação de riscos e benefícios em processos tecnológicos, de um significado amplo para a cidadania e também para a vida profissional (BRASIL, 1999, p. 7).

Assim, entendemos que os PCNs são documentos suficientemente abertos para que os educadores considerem a educação em ciências como uma oportunidade para desenvolverem um projeto político -pedagógico que abranja os interesses humanos que vão além das políticas particulares de classe, etnicidade, raça e gênero. Este esfor-ço significa desenvolver uma linguagem pública que possa transformar uma política de afirmação em uma política de luta democrática que não mais se submeta aos valo-res exclusivos do mercado.

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#M4U2 V. Conclusão Podemos concluir esta unidade com uma síntese dos quatro projetos que são

considerados pilares da Modernidade e suas principais conseqüências. O projeto emancipador da Modernidade contribuiu para que houvesse uma secularização dos campos culturais; criação de sistemas escolares a partir da criação dos Estados na-cionais; grande expansão da ciência e da tecnologia, bem como preocupação com a educação científica; a produção das práticas simbólicas (artística, filosófica, científica entre outras) se tornou auto-expressiva e auto- regulada e seu desenvolvimento conso-lidou mercados autônomos; ampliação da racionalização da vida social (da produção industrial, da educação, da saúde entre outras esferas); um individualismo crescente, sobretudo nas grandes cidades que crescem sem parar e onde os índices de violência se tornam insuportáveis; crescimento do ceticismo e do relativismo na sociedade.

Por sua vez, o projeto expansionista, procurou estender o conhecimento e a posse da natureza, a produção, a circulação e o consumo de bens. Destaca- se também a promoção das “descobertas” científicas e do desenvolvimento industrial. A noção de progresso decorrente desse processo expansionista é apontada como uma das causas dos problemas ambientais, que se tornam cada vez mais graves em todo o mundo.

No projeto renovador se observa uma complementaridade de dois aspectos: uma inovação incessante e uma reformulação permanente dos bens de consumo, criando uma sociedade consumista que já ameaça os limites de recursos naturais do planeta.

No projeto democratizador da Modernidade se destaca a confiança na educa-ção e na difusão da arte e dos saberes especializados para se chegar a uma evolução racional e moral da sociedade, a criação e democratização dos sistemas de ensino, especialmente no que se refere à educação científica.

No bojo das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que ocor-reram no mundo no final do último século – mais conhecidas como pós -modernismo e globalização – a informação, a ciência e a tecnologia desempenham papel significa-tivo, através de relações simbióticas e retroalimentadoras que as nutrem, ora estando em suas origens, ora como produto, ora como processo.

Vivemos num meio técnico, científico e informacional onde a propaganda tende a formar o cidadão -cliente em vez do cidadão democrático (democracia de merca-do), e a capacidade de resistir depende do conhecimento de conceitos e procedimen-tos importantes; grandes e rápidas transformações vêm acentuando desigualdades e mecanismos sutis de dominação/ exploração, sendo que dois terços da humanidade encontram -se excluídos dos benefícios da globalização; onde as qualificações exigidas pelo novo paradigma produtivo demandam amplos conhecimentos básicos.

O discurso pós -moderno surgiu nas últimas décadas com severas críticas aos projetos da modernidade com base em muitas dessas conseqüências e um ceticismo e um relativismo exagerado foi se constituindo em meio aos intelectuais. Entretan-to, muitos são os autores que alertam para o risco de se desprezar totalmente esses princípios, principalmente em sociedades que ainda nem sequer chegaram a entrar na modernidade, como no caso de países latino- americanos, especialmente quanto ao projeto emancipatório.

Como parte desse projeto emancipatório, as instituições acadêmicas não podem mais se voltar às salas de aula ou simpósios como se fossem as únicas esferas públicas disponíveis para tratar do poder das idéias e das relações de poder. O conceito de Foucault do intelectual específico, assumindo lutas conectadas a questões e contextos

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A Educação no Contexto da Modernidade

particulares, deve ser associado ao conceito de Gramsci do intelectual engajado, que relaciona o seu trabalho com interesses sociais mais amplos que afetam profundamen-te o modo como as pessoas vivem, trabalham e sobrevivem.

Os educadores, no contexto contemporâneo, como intelectuais que são, preci-sam ultrapassar a linguagem da crítica e se redefinirem como parte de uma linguagem de transformação. Esta mudança sugere que os educadores se aliem a outros trabalhadores culturais engajados nas lutas públicas para inventarem linguagens e proporcionarem espaços críticos e transformadores, dentro e fora das escolas, que ofereçam novas oportunidades para os movimentos sociais se unirem. Assim fazendo, podemos pensar e reexperimentar a democracia como uma luta em defesa de valores, práticas, relações sociais e posições do sujeito que ampliem o terreno das capacidades e possibilidades humanas como uma base para uma ordem social compassiva. Está em jogo aqui a necessidade de os trabalhadores culturais criarem uma política que contribua para a multiplicação dos espaços das lutas democráticas. Dentro desses espaços, os trabalhadores culturais podem se envolver em lutas específicas, enquanto reconhecem a ne-cessidade de abraçar questões mais amplas que melhorem a vida do planeta, ao mesmo tempo em que estendem o espírito da democracia para todas as socie-dades.

Como intelectuais da área de ensino de ciências, temos o desafio de construir junto com nossas comunidades, projetos curriculares comprometidos com os projetos emancipatório e democratizador defendidos pela modernidade, conscientizando- nos junto com nossos alunos dos riscos que a racionalidade técnico-científica exagerada traz para a humanidade, bem como nos posicionando como cidadãos diante de po-líticas que envolvem conhecimento científico e tecnologias associadas que coloquem em risco a saúde coletiva, os agravos ao meio ambiente, a degradação de postos e das condições de trabalho entre outros.

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