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1
UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE
E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
VICTORIA MAURICIO DELVIZIO
ANÁLISE AMBIENTAL DA PAISAGEM:
TRANSFORMAÇÕES E PRESERVAÇÃO NA AVENIDA AFONSO PENA EM
CAMPO GRANDE/MS
CAMPO GRANDE – MS
2018
2
Victoria Mauricio Delvizio
Análise Ambiental da Paisagem:
Transformações e Preservação na Avenida Afonso Pena em Campo
Grande/MS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional da
Universidade Anhanguera-Uniderp, como
parte dos requisitos para a obtenção do
título de Doutora em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional.
Orientação:
Profa. Dra. Rosemary Matias
CAMPO GRANDE – MS
2018
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
Candidata: Victoria Mauricio Delvizio
Tese defendida e aprovada em 06/09/2018 pela Banca Examinadora:
Profa. Dra. Rosemary Matias (Anhanguera-UNIDERP - Universidade para o
Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal)
(Doutora em Química) - (orientadora)
Prof. Dr. Caio Nogueira Hosannah Cordeiro (UFF – Universidade Federal
Fluminense)
(Doutor em Educação)
Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat (UCDB – Universidade Católica
Dom Bosco)
(Doutora em Geografia)
Profa. Dra. Denise Renata Pedrinho (Anhanguera-UNIDERP - Universidade
para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal)
(Doutora em Agronomia)
Profa. Dra. Maria Margareth Escobar Ribas Lima (UFMS – Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul
(Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional)
4
Para Ligia e Bosco - meu início.
Para Campo Grande – meu fim.
Para Fernando – meu meio.
5
AGRADECIMENTOS
Para alguns, atravessar um oceano, sozinho, num barco a remo, é o máximo
de solidão que se pode ter. Para outros, a própria vida em si é a mais solitária
das viagens: o ato de nascer, viver e morrer são experiências singularmente
inerentes e intrínsecas a um único e só indivíduo. Mas eu diria que somente
aqueles que vivem a trajetória de um doutorado chegam perto de vivenciar a
solidão ilhada em vida como a mais pura e dura das experiências humanas.
Nesta perspectiva, tudo pode ser melancólico. Mas a grande recompensa por
este sacrifício é que, no final, podemos começar agradecendo - e isto é um
reconfortante sinal de que tudo valeu a pena e tudo correu bem, enfim!
Agradecer a todos que nos foram fiéis, em presenças e ausências, é uma
forma de dizer que, mesmo afastada do mundo, uma doutoranda como eu,
pode se sentir repleta de companhias, que a guiam e suportam, em razão e
emoção.
Aos meus pais, Ligia e Bosco, agradeço por todo amor do mundo,
incondicional e constante como a maré. Seja ela baixa, seja ela alta, sei que
vocês sempre estão comigo, ao balanço do mar da vida. Como uma gota no
mar, minha vida é muito pouco para retribuir e recompensá-los por tudo o que
fizeram e fazem por mim. Nenhum oceano é maior do que meu amor por
vocês... Amo vocês demais!
À minha orientadora, Profa. Dra. Rosemary Matias, agradeço pelo acolhimento
e pelas palavras doces e cheias de competência e experiência. Por acreditar
que eu seria capaz e me ensinar que a ciência, muitas vezes, depende mais da
química da empatia do que qualquer outro elemento físico da natureza.
Aos professores das Bancas de Qualificação e Defesa, Prof. Dr. Caio
Nogueira Hosannah Cordeiro, Profa. Dra. Cleonice Alexandre Le Bourlegat,
Profa. Dra. Denise Renata Pedrinho, e Profa. Dra. Maria Margareth Escobar
Ribas Lima, que disponibilizaram precioso tempo e dividiram conhecimentos
essenciais ao desenvolvimento e amadurecimento deste trabalho.
6
À minha querida Ana Cláudia Marques, que entrou neste barco quase furado
comigo, mas que nunca deixou de remar ao meu lado, agradeço por me
conceder o privilégio da sua convivência, nos presenteando com o melhor dos
títulos que alguém pode receber: Amiga!
Aos colegas, Carolina Pauliquevis, Elvia Rizzi, Fábio Ayres, Jiyan Yari,
Kelly Lacerda, Larissa Tinoco, Leandro de Jesus, Lilian Paiva, Marco
Aurélio Pires, Nayara Zielasko, Renan Pirajá, Tchoya Fina e Victor Lima,
que para uma viagem solitária como esta, traduzem o espírito de turma para
mim.
Ao meu amante e amigo, Fernando, agradeço por estar ao meu lado, com sua
simplicidade e sinceridade - as mais valiosas pérolas do (a)mar que alguém
pode encontrar neste tesouro que é a vida. Como um bom navegante, teve e
tem toda paciência para conviver com minhas tormentas e toda valentia e
companheirismo para desbravar novos mares da vida comigo, nessa união que
me completa tanto e que nos leva cada vez mais longe, a cada dia, mais e
mais... Te amo, Flori, ao infinito e além!
À todos vocês, Muito Obrigada, hoje e sempre!
7
(Ponte para Pedestres, Miró Rivera Architects, 2013)
“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
‘Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?’
pergunta Kublai Khan.
‘A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra,’
responde Marco,
‘mas pela curva do arco que estas formam.’
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo.
Depois acrescenta:
‘Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.’
Polo responde:
‘Sem pedras o arco não existe.’
(Ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis, 2003, p.81)
8
SUMÁRIO
Listas de Abreviações, Expressões, Siglas e Símbolos ........................... 11
1. Resumo Geral ............................................................................................ 14
2. General Summary ..................................................................................... 15
3. Introdução Geral ....................................................................................... 16
4. Revisão de Literatura ............................................................................... 22
4.1. Meio Ambiente e Geossistema .................................................... 29
4.2. Território ........................................................................................ 33
4.3. Paisagem ........................................................................................ 37
4.4. GTP – Geossistema, Território, Paisagem .................................. 44
4.5. Cultura, Cidade e Rua ................................................................... 49
4.6. Patrimônio, Patrimonialização e Tombamento .......................... 53
5. Referências Bibliográficas ....................................................................... 60
6.1. Artigo I
Dimensão Geossistêmica e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena,
Subsistema Físico Natural e Construído .................................................... 69
6.1.1. Resumo ....................................................................................... 69
6.1.2. Abstract ....................................................................................... 70
6.1.3. Introdução ................................................................................... 71
6.1.4. Material e Métodos ..................................................................... 75
6.1.5. Resultados e Discussão ............................................................ 82
6.1.5.1. Subsistema Físico Natural ............................................. 82
6.1.5.2. Arborização e Agrupamentos Arbóreos ....................... 91
6.1.5.3. Traçado, Relevo e Topografia ........................................ 103
6.1.5.4. Subsistema físico construído ........................................ 109
6.1.5.5. Recursos Arquitetônicos ............................................... 115
6.1.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida:
Patrimônio e Valor Físico Natural e Construído ....................... 128
6.1.6. Conclusão ................................................................................... 134
9
6.1.7. Agradecimentos ......................................................................... 138
6.1.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 138
6.2. Artigo II
Dimensão Territorial e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena e
Subsistema Socioeconômico ...................................................................... 146
6.2.1. Resumo ....................................................................................... 146
6.2.2. Abstract ....................................................................................... 147
6.2.3. Introdução ................................................................................... 148
6.2.4. Material e Métodos ..................................................................... 151
6.2.5. Resultados e Discussão ............................................................ 155
6.2.5.1. Levantamento Físico e Cadastral .................................. 155
6.2.5.2. Aspectos Censitários ..................................................... 159
6.2.5.3. História e Ocupação do Território ................................. 166
6.2.5.4. Estrutura Fundiária ......................................................... 176
6.2.5.5. Fluxos, Limites e Hierarquização Viária ....................... 183
6.2.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida:
Patrimônio e Valor Socioeconômico ......................................... 187
6.2.6. Conclusão ................................................................................... 190
6.2.7. Agradecimentos ......................................................................... 191
6.2.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 192
6.3. Artigo III
Dimensão Paisagística e Impacto Ambiental: Avenida Afonso Pena e
Subsistema Cultural ..................................................................................... 196
6.3.1. Resumo ....................................................................................... 196
6.3.2. Abstract ....................................................................................... 197
6.3.3. Introdução ................................................................................... 198
6.3.4. Material e Métodos ..................................................................... 202
6.3.4.1. Memória ........................................................................... 208
6.3.4.2. Identidade ........................................................................ 209
6.3.4.3. Fluxo ................................................................................ 210
6.3.4.4. Limite ............................................................................... 212
10
6.3.5. Resultados e Discussão ............................................................ 213
6.3.5.1. Memória: lembrança e esquecimento ........................... 213
6.3.5.2. Identidade: diversidade e cotidiano .............................. 222
6.3.5.3. Fluxo: mobilidade e temporalidade ............................... 228
6.3.5.4. Limite: físico e percebido ............................................... 232
6.3.5.5. Preservação e Transformações na Grande Avenida:
Patrimônio e Valor Cultural ......................................................... 235
6.3.6. Conclusão ................................................................................... 239
6.3.7. Agradecimentos ......................................................................... 240
6.3.8. Referências Bibliográficas ........................................................ 241
7. Conclusão Geral ....................................................................................... 250
Apêndice – Mapa-Chave ............................................................................... 256
11
LISTAS DE ABREVIAÇÕES, EXPRESSÕES, SIGLAS E SÍMBOLOS
AC Área Construída
ACICG Associação Comercial e Industrial de Campo Grande
AO Área Ocupada
AP Avenida Afonso Pena
apud do latim, indicação da origem de uma citação indireta.
ARCA Arquivo Histórico Municipal de Campo Grande
AT Área do Terreno
Av. Avenida
AVVA Associação de Vendedores de Veículos Autônomos
B. Bairro
C Corredor
CA Coeficiente de Aproveitamento
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CGR Campo Grande
déc. década
DIOGRANDE Diário Municipal de Campo Grande
EFNOB Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
et al. do latim, et alli, indicação de que a obra tem mais de um autor
e, por concisão, se menciona apenas o nome do primeiro,
sendo os demais nomes omitidos.
etc. do latim, et cetera, indicação de outras coisas; e o resto, e os
demais; e assim por diante.
FUNDAC Fundação Municipal de Cultural
GTP Geossistema – Território - Paisagem
ha hectare
hab. habitante
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IE Índice de Elevação
IHGMS Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
12
ISPN Instituto Sociedade, População e Natureza
Jd. Jardim
km quilômetro
km2 quilômetro quadrado
LOUOS Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo
m metro
m2 metro quadrado
mm mililitro
MMA Ministério do Meio Ambiente
MPE Ministério Público Estadual
MS Mato Grosso do Sul
MZ Macrozona
no. número
NOB Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
NW noroeste
p. página
PD Plano Diretor
PDAU Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande
PDTMU Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana
PLANURB Agência Municipal de Planejamento Urbano
PMCG Prefeitura Municipal de Campo Grande
QL qualitativo
QT quantitativo
R Atividade Residencial
R. Rua
RFFSA Rede Ferroviária Federal S.A.
s.d. sem data definida
SE sudeste
SBAU Sociedade Brasileira de Arborização Urbana
SEMADUR Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Gestão Urbana
SIMGEO Sistema Municipal de Geoprecessamento
SISGRAN Sistema Municipal de Indicadores Georreferenciados para o
Planejamento e a Gestão de Campo Grande
13
TJMS Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
TO Taxa de Ocupação
TP Taxa de Permeabilidade
UCDB Universidade Católica Dom Bosco
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
unid. unidade
UNIDERP Universidade Anhanguera - Uniderp
VA Via Arterial
VC Via Coletora
Z Zona
ZEE Zoneamento Ecológico Econômico
ZEIA Zona Especial de Interesse Ambiental
ZEIC Zona Especial de Interesse Cultural
°C grau Celsius
% por cento
14
1. Resumo Geral
O Meio Ambiente é resultado complexo da relação humana com espacialidade
física, organização social e formação cultural, cujos subsistemas compõem a
Paisagem e o modelo GTP (geossistema-território-paisagem) aqui adotado. A
Paisagem Urbana tem qualidade de Patrimônio Tombado, onde a Gestão
Urbana opera estratégias de desenvolvimento ambiental. Com definitivo
Tombamento Municipal dos canteiros centrais da Av. Afonso Pena (entre R.
Pedro Celestino e Av. Calógeras)(2011), Campo Grande/MS, a questão é
considerar e refletir até que ponto o recente tombamento pode contribuir para
minimizar possíveis arbitrariedades que possam interferir na sustentabilidade
(ambiental, social e cultural) ou reforçar engessamento no uso deste
patrimônio. Os objetivos contemplam a linha de pesquisa Sociedade, Ambiente
e Desenvolvimento Regional Sustentável, sendo objetivo geral compreender a
multiplicidade da Paisagem da Av. Afonso Pena, no tempo e espaço, com vista
à Gestão Urbana sustentável para desenvolvimento local/regional, apontando
impactos locais/regionais decorrentes deste ato de preservação ao longo da
extensão da Avenida (Parque dos Poderes à Praça Newton Cavalcanti); e os
específicos: Artigo 1: compreender organização dos elementos físicos naturais
e construídos aliados ao desenvolvimento urbano, no tempo e espaço
geográfico; Artigo 2: analisar subsistema socioeconômico e urbanístico
relacionado à gestão de ocupação e uso do solo, no tempo e espaço territorial;
e Artigo 3: compreender dimensão simbólica que permeia representações
culturais, no tempo e espaço paisagístico. A Caracterização, Análise (revisão
bibliográfica, levantamentos histórico/fotográfico, mapas/quadros temáticos) e
Produção de Dados indicam diretrizes à preservação ambiental da Avenida. Ao
fim, verifica-se gradiente de densidade, uso e gabarito decrescente do centro
aos extremos da avenida; afirma-se expressão histórica; potencial para
turístico, patrimonial e paisagístico que confirmam que o impacto ambiental do
tombamento dos canteiros ultrapassa a dimensão física-territorial. A pesquisa
destaca desafios/oportunidades para Gestão Ambiental voltada ao
desenvolvimento sustentável, equilíbrio entre ambiente natural/construído e
dicotomia preservação-transformação.
Palavras-chave: Ambiente Urbano, Patrimônio Cultural, Natureza
Transformada, Percepção Ambiental, Patrimonialização.
15
2. General Summary
The Environment is a complex result of the human relationship with physical
spatiality, social organization and cultural formation, whose characteristics
make up the Landscape and the GTP (geosystem-territory-landscape) model
adopted here. The Urban Landscape has quality of Tomb Patrimony, where the
Urban Management operates strategies of environmental development. With
the definitive Municipal Tomb of the central beds of Av. Afonso Pena (between
R. Pedro Celestino and Av. Calógeras) (2011), Campo Grande/MS, the
question is to consider and reflect to what extent the recent tipping can
contribute to minimize possible arbitrariness which may interfere in
sustainability (environmental, social and cultural) or reinforce the use of this
patrimony. The objectives include the Society, Environment and Sustainable
Regional Development research line, and the general objective is to understand
the multiplicity of the Afonso Pena Landscape in time and space, with a view to
sustainable Urban Management for local/regional development, pointing to
local/regional developments resulting from this act of preservation along the
extension of the Avenue (Park of the Powers to the Square Newton Cavalcanti);
and the specific ones: Article 1: understand organization of natural and
constructed physical elements allied to urban development, in geographical
time and space; Article 2: analyze socioeconomic and urban subsystem related
to land occupation and land use management, in the time and territorial space;
Article 3: to understand symbolic subsystem that permeate cultural
representations, in time and landscape space. The Characterization, Analysis
(bibliographic review, historical/photographic surveys, maps/thematic tables)
and Data Production indicate guidelines for the environmental preservation of
the Avenue. At the end, density gradient, use and downward gradient of the
center are verified at the ends of the avenue; historical expression is affirmed;
potential for tourism, patrimonial and landscape that confirm that the
environmental impact of the tipping of the beds exceeds the physical-territorial
dimension. The research highlights challenges/opportunities for Environmental
Management focused on sustainable development, balance between
natural/constructed environment and preservation-transformation dichotomy.
Keywords: Urban Environment, Cultural Heritage, Transformed Nature,
Environmental Perception, Patrimonialism.
16
3. Introdução Geral
A pesquisa aqui proposta parte da análise da Paisagem sob o
entendimento de que Meio Ambiente Urbano é resultado da relação
estabelecida pelo homem através do conjunto entre espacialidade física,
organização social e formação cultural particular em que se situa, sendo tal
posicionamento de suma importância pela pretendida proposta de estudo
inserir-se na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento
Regional Sustentável.
Neste sentido, a Avenida Afonso Pena1 (AP), em Campo Grande/MS,
torna-se objeto de pesquisa, ao considerar-se a Paisagem como receptáculo
não só de fatores físicos e concretos inerentes ao Meio Ambiente urbano, mas
também de imaterialidade subjetiva que a conecta com os usuários. Assim,
pode-se assumi-la como Paisagem complexa e avançar no sentido da gestão
compartilhada sustentável do espaço da avenida em prol do desenvolvimento
local/regional.
Desse modo, esta pesquisa está calcada nas bases conceituais da
Geografia Ambiental, onde os sistemas ambientais são articulados em três
níveis: a Paisagem natural, a Paisagem social e a Paisagem cultural (SILVA,
2012, p.67) e do modelo teórico-conceitual GTP (Geossistema, Território e
Paisagem) (BERTRAND, 2007), buscando-se aproximar da parte em direção
ao todo, numa visão holística (OKAMOTO, 2002) para a compreensão da
Paisagem e do Meio Ambiente Urbano, atualmente tão necessária à condição
de vida humana. Essa proposta tem alta relevância para a questão urbana,
uma vez que a avenida em interesse surgiu de um plano urbanístico (1910) e
assumiu papel preponderante no traçado da Paisagem e da sociedade em que
se insere, como se descreve:
“Como a única via da referida planta, idealizada como um
boulevard, com amplas calçadas, canteiro central e vasta
arborização, essa avenida formaria, juntamente com duas
praças, localizadas ao longo do seu curso, com
espaçamento de apenas dois quarteirões entre as duas,
1 Ao referir-se à Avenida Afonso Pena, foi utilizada a abreviação AP.
17
um conjunto que deveria tornar-se no principal elemento de
sociabilização e irradiação dos fluxos da cidade.”
(OLIVEIRA NETO, 2003, p.140)
O problema que se apresenta decorre do processo de Tombamento
Municipal2 que envolve os canteiros centrais da avenida (Figura 1).
Figura 1. Cronologia-síntese do Processo de Tombamento dos Canteiros
Centrais da Av. Afonso Pena. Fonte: A autora (2017).
Em 2009, a instauração do processo de Tombamento (n. 27405/2009 –
51) foi feito a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), em resposta à
relevância da Avenida no contexto e na identidade campo-grandense e do
estado de Mato Grosso do Sul (BUENO, 2016).
Em 2011, o Tombamento provisório foi concedido, definindo-se trecho e
elementos tombados, mas não área de entorno. Especificamente, foram
tombados pelo Decreto n. 11.600, de 17 de Agosto de 2011, 22 (vinte e dois)
exemplares de árvores da espécie Ficus microcarpa e seus respectivos
canteiros da Avenida Afonso Pena, contidos entre a R. Pedro Celestino e a Av.
Calógeras, na região do centro da cidade (Figura 2) (BUENO, 2016).
2 Para designar o conceito e a ação de proteção legal e patrimonial de bem material imóvel, o Tombamento (RABELLO, 2004), foi utilizada a grafia da palavra com a letra maiúscula quando se fizer referência ao mesmo.
18
Figura 2. Trecho de tombamento dos canteiros centrais da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).
A primeira ação decorrente deste foi a remoção das vagas de
estacionamento à 45º existentes nos canteiros centrais da AP. Por outro lado,
uma ciclovia em toda extensão foi implantada como etapa inicial do Plano
Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana (PDTMU), aprovado no mesmo ano.
Este Plano ainda previa a implantação de Corredor Exclusivo de Ônibus na
avenida Afonso Pena, eliminando parte do canteiro central, o que contradizia o
andamento do processo de preservação do patrimônio arquitetônico e
paisagístico da Avenida – fato que ocasionou grande repercussão nas mídias e
mobilização social (BUENO, 2016).
Entretanto, em 2014, este Tombamento provisório foi contestado pela
Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), que solicitava a
suspensão do mesmo. Alegaram-se impactos negativos no que concerne à
escassez de locais para permanência de automóveis e a relação com o
enfraquecimento comercial do centro da cidade. Porém, esta suspensão não se
manteve (BUENO, 2016).
Em 2016, o Tombamento Municipal foi definitivamente concedido, pelo
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), ficando a gestão e
conservação dos canteiros da Avenida Afonso Pena sob a custódia da
Fundação Municipal de Cultura (FUNDAC) e o Instituto Histórico e Geográfico
de Mato Grosso do Sul (IHGMS) (BUENO, 2016).
Logo, se colocam em debate as estratégias de preservação e
transformação material e imaterial, do espaço e do tempo, que envolve a
19
Paisagem urbana da Afonso Pena e os possíveis impactos no meio ambiente
construído.
No município de Campo Grande, a própria Lei de Ordenamento do Uso
e da Ocupação do Solo (LOUOS) define Impacto Ambiental como:
“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou
biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma
de matéria ou energia resultante das atividades humanas e
que, direta ou indiretamente afetem: a saúde, a segurança
ou bem-estar da população, as atividades sociais e
econômicas, a flora e a fauna, as condições estéticas ou
sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos
ambientais” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).
A avaliação dos desdobramentos do recente Tombamento dos canteiros
centrais da Avenida Afonso Pena é questão relevante. Este acontecimento
pode favorecer, ou não, para minimizar a arbitrariedade ou o engessamento da
transformação da sua Paisagem no contexto do Meio Ambiente urbano campo-
grandense. Isto é de vital compreensão, haja vista que:
“Desde o início de 1990, a cidade de Campo Grande vem
sofrendo forte mudança na maneira de estruturação do seu
espaço urbano. Diversas obras viárias (...) vêm mudando a
lógica de hierarquização dos fluxos, (...) para uma nova
hierarquia que busca a interligação das diversas regiões da
cidade. (...) como é o caso da região no fim da avenida
Afonso Pena. Com isso, verifica-se uma constante redução
da circulação (...) e proporcionalmente, a diminuição de
tentativas de intervenções. Até mesmo reivindicações
constantes dos comerciantes, (...) vão sendo deixadas para
depois pelos sucessivos governos municipais” (OLIVEIRA
NETO, 2003, p.167-168).
20
Assim, a questão que se coloca neste trabalho, como contribuição e
novidade, é considerar e refletir até que ponto o recente tombamento da
avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, pode contribuir para minimizar
possíveis proposições arbitrárias que possam interferir na sustentabilidade
(ambiental, social e cultural) desse espaço ou reforçar o engessamento no uso
desse patrimônio.
Esta investigação vai de encontro ao que BARREIRA (2007, p.165)
registra: “A cidade cosmopolita, como palco de inúmeras intervenções urbanas,
promoveu uma reflexão sobre os temas do patrimônio cultural, incluindo a
delimitação e uso dos espaços”.
A partir disto, como objetivo geral, considera-se importante:
• Compreender a multiplicidade e a evolução da Paisagem da Avenida Afonso
Pena, em Campo Grande/MS, no tempo e no espaço, com vista à Gestão
Urbana sustentável do Meio Ambiente voltada ao desenvolvimento local e
regional, apontando impactos locais e/ou regionais decorrentes do decreto de
Tombamento dos canteiros centrais (entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras)
ao longo de toda a extensão da Avenida Afonso Pena (do Parque dos Poderes
à Praça Newton Cavalcanti).
Para o alcance do objetivo geral, ter-se-ão, particularmente, os seguintes
objetivos específicos:
1. Compreender a organização dos elementos físicos naturais e construídos
aliados ao desenvolvimento urbano, na paisagem da Avenida Afonso Pena,
tanto no tempo quanto no espaço geográfico.
2. Analisar subsistema socioeconômico e urbanístico relacionado à gestão
no tempo e no espaço territorial da Avenida Afonso Pena que explicam o seu
fenômeno de ocupação e uso do solo;
3. Compreender dimensão simbólica que permeia, no conjunto da Avenida
Afonso Pena, as representações culturais no tempo e no espaço paisagístico;
Assim como CALVINO (2003) conta suas viagens, descrevendo pedras
que constroem uma ponte, os objetivos específicos expostos acima se
organizaram em artigos que deram sustentação à compreensão da paisagem
da Avenida Afonso Pena, objetivo maior desta tese. A saber:
• Artigo I: utilizam-se fontes históricas, jornalísticas, cartográficas e
fotográficas, que possibilitaram identificar elementos físicos (naturais e
21
construídos) da paisagem, bem como unidades de paisagem e sua relação
com o território e a cultura da avenida Afonso Pena. Os canteiros centrais
foram tomados como elemento principal desta análise, que possibilitou reflexão
sobre patrimônio histórico, arquitetônico e paisagístico municipal.
• Artigo II: situa a Avenida Afonso Pena, no contexto do território da cidade em
que se insere. Ao debruçar-se sobre questões históricas, foram sumarizadas a
formação e ocupação da cidade de Campo Grande e a evolução da sociedade
e do desenho urbano, demonstrando fatos propulsores que conduziram a atual
apropriação e configuração tanto da cidade, como da própria avenida, em
termos de uso e ocupação socioeconômica. Com base em informações
cartográficas, mapas e fotografias antigas e atuais a leitura do espaço é
construída e ilustrada, servindo de subsidio para a análise do espaço estudado;
• Artigo III: Envolvem-se questões como a conceituação dos espaços livres
públicos, o estudo do fenômeno urbano vinculado às dimensões simbólicas e
culturais específicas de cada localidade, entre outras. Faz-se a compreensão
de como a cidade, a rua e o Lugar (TUAN, 1983)3 estruturam a apreensão e
dão suporte aos valores e significados subjetivos da sociedade. Através da
análise de diferentes categorias teóricas, por meio de fontes históricas,
jornalísticas e fotográficas, que emergem na investigação de um espaço
público, em particular rua ou avenida, são apresentados os diversos
mecanismos e meios de influência que as mesmas exercem nesse contexto.
Os canteiros centrais foram tomados como elemento principal desta análise,
dentro e para além dos limites de seu tombamento, o que possibilitou a
reflexão sobre os impactos da recente preservação como patrimônio histórico,
arquitetônico e paisagístico municipal;
Vale dizer ainda que, em cada um dos artigos, a metodologia e os
procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa são descritos e
detalhados de acordo com a necessidade específica. São explicados os
métodos utilizados durante a pesquisa, objetivos, elaboração de cada etapa,
caracterização da amostra e tratamento dos dados no sentido de se resolver a
proposta de investigação do problema apresentado – a dicotomia entre
3 Para distinguir o conceito de Lugar (TUAN, 1983), toda referência ao mesmo é feita pela grafia iniciada pela letra inicial maiúscula.
22
preservação e transformação e a análise ambiental da Paisagem da Avenida
Afonso Pena.
Esta Introdução, ora apresentada, pretendeu dar um panorama geral do
trabalho, definindo o objeto de estudo, juntamente com o enfoque na
abordagem e metodologia escolhida, por meio de estrutura teórica e dos
objetivos que foram almejados e direcionaram o trabalho.
Como forma de apoio ilustrativo a esta pesquisa e aos artigos
desenvolvidos, foi elaborado um mapa geral, denominado Mapa-Chave
(Apêndice) contendo a marcação das edificações, regiões, ruas, monumentos,
dentre outros elementos, que vão sendo referenciados ao longo do texto.
Sugere-se, portanto, que a leitura seja feita em simultâneo com a consulta ao
mapa, de modo à melhor compreensão por parte do leitor, seja da extensão da
AP, do trecho tomando ou do contorno e recorte de estudo.
Por fim, a elaboração deste trabalho se volta no sentido de que “esta
reflexão nos permite pensar a própria essência da paisagem e da cidade,
enquanto fatos geográficos, alimentando nossa imaginação e conhecimento
acerca de nossa própria realidade” (MARANDOLA e FERREIRA, 2005, p.01),
já que o constante contato com o mundo urbano se dá pela presença e
dinâmica da Paisagem.
4. Revisão de Literatura
No universo da Sustentabilidade Ambiental, esta pesquisa parte da
análise da Paisagem, da natureza transformada, do espaço construído e seu
processo de transformação. O fenômeno de urbanização acompanha o homem
ao longo da história, trazendo transformações na produção/consumo do espaço
da cidade (SANTOS, 2006).
Com o conceito de Ecologia (do grego oikos = casa e logos = estudo),
entende-se a ciência da morada. Por Meio Ambiente, entende-se a própria
morada em si, vivo, inconstante, sempre disposto a inovações (KLOETZEL,
1998). Pode-se defini-lo como:
“conjunto dos fatores externos (materiais, orgânicos,
históricos, culturais ou ideológicos) exercendo uma forte
influência nos indivíduos. (...) constitui o universo
23
característico de cada espécie, tal como o percebe em seu
meio vital e graças ao qual pode agir eficazmente”
(JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p.183).
O modo de vida urbano das cidades contemporâneas, expresso na
Paisagem, ainda inclui os espaços livres públicos como meio de convivência e
gera ambientes propícios ao exercício da cidadania, os quais guardam
potencial para consolidar as relações entre homem e o meio ambiente. É nessa
qualidade de espaço, construído e culturalmente modificado, que se tornam
mais evidentes os efeitos da ação e expressão dos homens sobre a Paisagem.
Cabe, então, considerar a utilização da metodologia e do sistema GTP
(Geossistema, Território, Paisagem):
“o Meio Ambiente como complexo e indefinível demais para
ser apreendido a partir de um único conceito e de um único
método. É possível tratar do Meio Ambiente a partir de um
sistema tripolar e interativo: Geossistema, Território,
Paisagem” (BERTRAND, 2007 apud SILVA, 2012, p.83)
Esta abordagem do Meio Ambiente, da sua dimensão material (espaço)
e da sua dimensão imaterial (tempo), se adapta às mais diversas áreas de
conhecimento, que constantemente o tem tomado como tema de estudo na
leitura e compreensão dos espaços habitados. Multifacetada, a Paisagem é
abordada pelos mais diversos autores, segundo inúmeros aspectos. Isso
resulta, como aponta LAMAS (1998, p.38), da “convergência e a utilização de
dados habitualmente recolhidos por disciplinas diferentes – economia,
sociologia, história, geografia, arquitetura, etc. – a fim de explicar um fato
concreto: a cidade como fenômeno físico e construído”.
De maneira semelhante, a chave para leitura da Paisagem se direciona
a examinar especificidades, tais como:
“a ecologia natural nos ensina sobre o funcionamento da
natureza, a ecologia social sobre a forma como as
sociedades atuam sobre esse funcionamento, o
24
conservacionismo nos conduz à necessidade de proteger o
meio ambiente natural (...), e o ecologismo afirma que essa
sobrevivência implica uma mudança (...)” (LAGO e PÁDUA,
1984, p.21)
Na mesma direção, TÂNGARI (2005) entende a estratégia de análise de
camadas como uma “leitura museográfica”, aplicável ao meio urbano e à
arquitetura, não no sentido de se congelar e resguardar o passado, mas sim no
sentido de se ter ao alcance concreto nas ruas e edifícios a trajetória de tal
processo evolutivo perene ao tempo - “Uma paisagem é uma escrita sobre a
outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de
muitos diferentes momentos” (SANTOS, 1994, p.66).
A dimensão do tempo e do espaço se conjugam como diferentes
camadas e conferem diferentes suportes para a complexidade da Paisagem,
assim como da sociedade que a edifica, transforma e habita:
“O homem moderno, ou melhor seria dizer: o homem
inserido na modernidade, está sujeito a temporalidades e
espacialidades que lhes são impostas, aumentando a
amplitude da sua realidade e criando a necessidade do uso
constante das mais variadas técnicas para absorção dessa
realidade como um todo” (OLIVEIRA NETO, 2003, p.34).
Também se entende que o sistema GTP, conjugado às dimensões
espaço e tempo, proporciona diferentes facetas de uma mesma realidade, que
se complementam mutuamente. Consiste num verdadeiro pensamento
ecológico sem compartimentos estanques, isolados entre si, que podem ser
trabalhados separadamente, contudo, oferecendo perspectiva global favorável
à preservação e transformação equilibrada no Meio Ambiente.
Essas afirmações encaminham os estudos do Meio Ambiente Urbano
para visão de integração entre os elementos naturais, socioeconômicos e
socioculturais que o compõem, entendendo que toda Paisagem faz parte de
um Território e de um Geossistema e é regida por tal conceito, sendo, portanto,
necessário para as pesquisas desta espécie realizar abordagem contendo três
25
entradas: uma naturalista (Geossistema), uma socioeconômica (Território) e
uma sociocultural (Paisagem) (SILVA, 2012, p.83-84).
Desta forma, parte-se do entendimento que a Paisagem “diz respeito às
possíveis conexões conceituais existentes entre o espaço – concreto e visível –
e as ideias, conceitos, valores ou significados – invisíveis e intangíveis (...)”
(RIBEIRO, 2003, p.17). Assume-se, assim, que ela é, ao mesmo tempo, palco
e produto das manifestações culturais coletivas por natureza, ancoradas no
espaço, não apenas por atributos físicos, mas também pelas qualidades por
quem a usufrui é capaz de aferir.
A Paisagem Urbana é composta por diferentes elementos e sua análise
não pode se dar de modo isolado; demanda ser complexa e interdisciplinar.
Isso resulta num arranjo de inter-relações, que oferece “(...) possibilidades
explicativas relevantes, tanto para o estudo da Arquitetura, quanto para o
estudo dos próprios fenômenos urbanos” (REIS FILHO, 1973, p.17).
O Meio Ambiente Urbano, ou construído, por sua vez, é produto da vida
humana, modificado segundo necessidades coletivas e individuais, servindo de
suporte à expressão da cultura. Neste contexto a Paisagem Urbana é “(...) o
resultado altamente artificial, não natural, de uma cultura que redefine
continuamente a sua relação com a natureza” (JAKOB, 2009, p.31)4.
A Paisagem Urbana, incluídos elementos arquitetônicos e urbanísticos,
“(...) não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos,
odores, sons, etc.” (SANTOS, 1994, p.61). Permite-se, então, relacionar que “o
Meio Ambiente construído constitui um patrimônio que não se pode deixar de
levar em conta, já que tem um papel na localização dos eventos atuais”
(SANTOS, 2006, p.92) e, assim, a Paisagem se enquadra como objeto passível
de assumir caráter de Patrimônio Tombado.
O Tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público,
nos níveis federal, estadual ou municipal. O objetivo é preservar bens de valor
histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a
população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens. Pode
ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental. É o
4 Tradução livre da Autora.
26
caso de fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas5,
praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. (IPHAN, 2015).
Pedidos de Tombamentos podem ser abertos por qualquer cidadão ou
instituição, contudo, é a administração pública que possui responsabilidade
pela Gestão do Patrimônio. O Tombamento é estratégica capaz de preservar a
Paisagem, mas oferece também risco de estancar o dinamismo perene e
mutante da fisionomia física, territorial e cultural deste objeto - o que neste
trabalho se torna primordial pressuposto.
Assim, a Gestão Urbana do Meio Ambiente local deve ser sensível ao
tripé da Paisagem (físico-territorial-cultural) a fim de perpetuar a evolução
constante da mesma e oportunizar a atuação arquitetônica e o planejamento
urbanístico aliados à demanda compartilhada (público/privada) do espaço
urbano. As intervenções no espaço físico necessariamente acarretam em
transformações no espaço sensível, pois:
“Da mesma forma que uma intervenção arquitetônica pode
melhorar a vida de uma família, de um bairro ou de uma
comunidade, um plano urbanístico de largo alcance pode
mudar o ethos e o destino de uma cidade e seus
habitantes” (MELO, 2012, p.114).
É neste momento que a localidade e objeto de estudo se apresentam
como fenômenos paisagísticos importantes de serem analisados. Neste
sentido, Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, a ‘cidade Morena’6,
ainda possui poucos estudos sobre sua complexidade urbana, compreensível
por ser jovem cidade, com 118 anos de fundação, em constante processo de
formação de sua Paisagem. OLIVEIRA NETO (1999) e MACHADO (2000)
elaboraram discussões sobre Avenida Afonso Pena, no campo da Geografia e
História, respectivamente. Contudo, é notável que:
5 Por ‘rua’, considera-se o conjunto do logradouro público, isto é, de uma linha predial de fachada até a linha oposta e/ou paralela, incluindo-se calçadas, pistas de rolamento e canteiros centrais, inclusive edifícios e monumentos pregnantes na Paisagem. 6 “Nome dado pelo Bispo Dom Aquino Corrêa, devido à poeira levantada do seu chão vermelho e adotado pela população de Campo Grande” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.21).
27
“(...) essa avenida mereceria um estudo separado, pois
com mais de nove quilômetros de extensão, ela atravessa
toda a região central de Campo Grande, no seu sentido
leste-oeste, tornando-se na mais importante via de ligação
do centro com os bairros nestes dois sentidos. (...) torna-se
passagem obrigatória (...) pois ao mesmo tempo em que
atravessa o núcleo central da cidade dividindo-o ao meio,
oferece também uma grande variedade de opções”
(OLIVEIRA NETO, 2003, p.160).
A Av. Afonso Pena data do primeiro plano de desenvolvimento urbano
da cidade, o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças, de 1909. Desde então,
tem presenciado as diversas transformações urbanas, políticas, econômicas e
sociais que conformaram e marcaram o desenvolvimento de Campo Grande
nesse ínterim até a atualidade.
Outro aspecto relevante sobre a referida rua, é o fato dela fazer parte do
núcleo central da cidade, mas ao mesmo tempo, atravessar outras zonas da
cidade, o que lhe confere formas bem distintas de ocupação, densidade,
função, dentro da organização urbana de Campo Grande.
Em se tratando especificamente dos canteiros centrais e do recente
processo de Tombamento dos mesmos (Processo n. 27405/2009 – 51 e
Decreto n. 11.600, de 17 de agosto de 2011), este elemento marca a paisagem
da cidade de Campo Grande/MS, principalmente na região central pelo renque
de figueiras centenárias (Ficus) e ipês coloridos (gêneros Tabebuia e
Handroanthus) (PESTANA et al., 2011), testemunhas das transformações
urbanas dessa área (entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras) que nunca
deixou de ser um importante eixo formador da cidade7. MACHADO (2000)
relembra, nostalgicamente:
“Calçadas largas, duas vias asfaltadas e uma imponente
ilha no centro, toda arborizada de ficus benjamin,
7 “As árvores foram plantadas pelos prefeitos Arnaldo Estevão de Figueiredo (1920 a 1921 – 1924 a1926), Arlindo de Andrade (1921 a 1923) e Eduardo Machado (1937 a 1941)”. (ARCA, 2017.
28
ingaranas, sibipirunas e até mangueira, oferecendo
acolhedora sombra, que protege os transeuntes em seu
trecho principal. (...) Tempo houve, quando não eram tão
frondosas, em que abrigavam as andorinhas de verão (...)
A aparência das revoadas era majestosa, no momento em
que efetuavam ordenados volteios, librando entre as
figueiras da avenida e os eucaliptos do jardim da Praça Ari
Coelho” (MACHADO, 2000, p.19).
A figura dos canteiros sempre esteve vinculada como ponto de
referência dentro da malha urbana uniforme de Campo Grande; ainda hoje
preserva essa característica, mesmo tendo perdido força à uma série de ações
no seu espaço: ocupação por vagas de estacionamento8 e recente remoção
das mesmas, implantação de ciclovias, deslocamento dos trailers de lanches,
eliminação do comércio a céu aberto da Pedra, dentre outros. No ínterim de
todas estas intervenções passadas e atuais, nem todas as árvores foram
retiradas e os exemplares arbóreos que foram poupados permanecem vivos
até os dias de hoje.
Há algum tempo vem se levantado a hipótese da necessidade de
revitalização nesse espaço, de modo a se incitar maior permanência, através
do uso de equipamentos e mobiliário urbanos, além de áreas convidativas para
se permanecer – “A Avenida Afonso Pena, principal artéria e a mais antiga com
canteiro central, carece de reformas urgentes, visando qualificar o espaço
urbano, retirando os veículos do canteiro central dando passagem para o
pedestre” (ARRUDA, 2002, p.03).
Com isto, constata-se que o desenvolvimento urbano - associado às
intervenções arquitetônicas e urbanísticas que incluam, valorizem e revelem a
Paisagem local, em seu amplo sentido - é capaz de impactar positivamente o
Meio Ambiente urbano e valorizar tantos fatores físicos, como
socioeconômicos, bem como culturais. Sabe-se que a importância de uma rua
8 Esta configuração advém de projeto paisagístico desenvolvido pelo escritório de Roberto Burle Marx ao fim da déc. de 60 e implantado na AP, entre Av. Calógeras e R. 13 de Maio, no início da déc. de 70. Além do estacionamento e pontos de táxi, a proposta incluía remarcação dos antigos canteiros centrais, calçamento em petit-pave (pedra portuguesa) e a polêmica retirada de árvores para ordenamento de novas luminárias, que não veio a acontecer.
29
como a Avenida Afonso Pena ultrapassa fatores de ordem prática por sua
pregnância na Paisagem urbana local, estruturando a cidade economicamente,
funcionalmente e simbolicamente. Assim, particularmente, esta avenida e sua
Paisagem carecem e merecem de estudos com maior aprofundamento, como
aqui proposto.
Cabe, assim, desenvolver estas premissas conceituais, pois as mesmas
fornecem arcabouço científico para a abordagem da Sustentabilidade
Ambiental e da análise da Paisagem da Avenida Afonso Pena.
4.1. Meio Ambiente e Geossistema
Etimologicamente, a expressão Meio Ambiente surge da combinação de
dois termos bastante significativos. Do latim, ‘medĭum’, indica aquilo que está
em posição intermediária, ou no centro de um espaço, equidistante, entre dois
seres ou duas coisas, bem como pode trazer a ideia de um elemento que tem
forma incompleta. Também do latim, ‘ambiens’, trata daquilo que envolve ou
circunda os seres vivos e que define o local onde se encontram ou vivem.
Engloba o conjunto de condições físicas, biológicas, químicas, bem como
psicológicas, socioculturais e morais, que cercam estes seres vivos e que
podem influenciar, positiva ou negativamente, sua sobrevivência e/ou
existência (MICHAELIS, 2018).
A combinação dos dois termos anuncia a definição de que Meio
Ambiente, do ponto de vista estritamente científico, é o conjunto das
características que determinam a vida dos seres vivos sobre a terra. No
entanto, o Meio Ambiente, considerando-se a incompletude que lhe designa o
nome e visto amplamente como uma expressão ecológica, diz respeito ao
conjunto total das condições externas que cercam e influenciam um organismo
vivo, e, sobretudo, também recebem sua influência podendo ser por ele
transformado (MICHAELIS, 2018). O Meio Ambiente é o cerne da vida na
Terra, mas ele se transmuta pelo Homem. Seja a Natureza ou o Homem que
esteja no centro desse sistema, o Meio ambiente prescinde de ambos para sua
existência, manutenção e equilíbrio.
Na atualidade, desajustes nesta relação mútua incidem sobre os
grandes problemas e impactos ambientais que a vida humana tem causado
sobre a Terra. Com maior velocidade e intensidade,
30
“reconhece-se que os problemas ambientais são sistemas
complexos, nos quais intervêm processos de diferentes
racionalidades, ordens de materialidade e escalas espaço-
temporais. A problemática ambiental é o campo privilegiado
das inter-relações sociedade-natureza” (LEFF, 2011,
p.310).
Por isso, uma distinção se coloca importante no estudo do Meio
Ambiente e das relações que se estabelecem entre Homem e Natureza, que
diz respeito ao Ecossistema e ao Geossistema.
Respectivamente, um é “o ambiente vivido por uma espécie animal ou
vegetal; é a área onde esse ser apareceu e se desenvolve, relacionando-se
com os demais elementos do seu ambiente, de forma que não há limites
espaciais definidos para cada ecossistema” (ROSS, 2006 apud PISSINATI e
ARCHELA, 2011, p.08). Didaticamente, “o ecossistema não tem nem escala
nem suporte especial bem definido. Ele pode ser o oceano, mas também pode
ser o pântano com rãs. Não é, portanto, um conceito geográfico” (BERTRAND,
2004, p.143).
Já o outro, “ultrapassa o ecossistema no que diz respeito à perspectiva
geográfica” (SILVA, 2012, p.78). O Geossistema, “abarca elementos diferentes,
dependentes um do outro, o que torna sua fisionomia, de certo modo,
heterogênea” (ROSS, 2006 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.08). Desta
maneira, é mais compreensível o porquê do geossistema se apresentar por
meio de paisagens, que muitas vezes são diferentes e representam estágios de
sua própria evolução (BERTRAND, 1971 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009,
p.08). Por este motivo, o geossistema embasa a taxonomia das paisagens, por
meio da sua dominância física, mas que também é um fenômeno enérgico
material e imaterial.
“A paisagem não é a simples adição de elementos
geográficos disparatados. É, em uma determinada porção
do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que,
reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da
31
paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua
evolução” (BERTRAND, 2004, p.141).
O termo geossistema (Figura 3) advém do prefixo grego ‘gê’, que
significa relação com a terra ou com o solo. Combina-se ao termo também
grego ‘sýstēma’ para transmitir a ideia de que o conjunto de elementos
distintos, com características e funções específicas, naturais ou artificiais que
coexistem na terra, enquanto um território, podem ser metodicamente inter-
relacionadas numa concatenação lógica e, pelo menos, verossímil, aplicadas a
uma determinada área (MICHAELIS, 2018). Logo:
“o geossistema é caracterizado por elementos geográficos
e sistêmicos. Como elementos geográficos aponta uma
combinação espacializada entre os abióticos (rocha, ar e
água); bióticos (animais, vegetais e solos) e antrópicos
(impactos das sociedades sobre o ambiente). Como
sistêmicos considera três conceitos: espacial, natural e
antrópico” (PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.09-10).
Figura 3. Esboço de uma definição teórica de Geossistema. Fonte:
BERTRAND (2004).
32
De acordo com as estas reflexões, “geossistema é um conceito
complexo e ao mesmo tempo dinâmico mesmo num espaço-tempo muito
breve, cuja individualidade é conferida mais por sua dinâmica comum do que
pela sua homogeneidade fisionômica” (BERTRAND, 1972 apud SILVA, 2012,
p.79).
Progressivamente, o geossistema foi levado de conceito a abordagem
metodológica (SILVA, 2012, p.76). “Enfim, o geossistema constitui uma boa
base para os estudos de organização do espaço” (BERTRAND, 2007, p.18)
pois se apresenta como referência espaço-temporal, se tratando de um
conceito hibridizado, uma vez que “o meio ambiente é uma noção vasta demais
e muito vaga para se prestar diretamente a uma análise frontal e foral do
tempo” (SILVA, 2012, p.82). É nesse momento que entra a contribuição de
Georges Bertrand, com o sistema GTP (Geossistema – Território – Paisagem)
para análise e estudo das paisagens. O autor assume Paisagem como “(...) o
resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos,
biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros,
fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução”
(BERTRAND, 1971, p.02).
As paisagens compõem o cenário da vida humana. Por muito tempo,
desde a troca da vida nômade pela sedentária, a sociedade se dedica a
transformar as regiões naturais em espaços territorializados. Assim, a
paisagem natural se transmuta em rural e sua dicotomia urbana. Pela maior
concentração de recursos naturais, as áreas rurais, ou não urbanas, são, em
geral associadas ao termo meio ambiente, tendo-se uma falsa ideia de que
apenas os seus habitantes são responsáveis pelo futuro da natureza
(PISSINATI e ARCHELA, 2009, p.12-13).
No entanto, o modo de vida urbano das cidades contemporâneas, em
sua esfera pública, inclui os espaços livres como meio de convivência e gera
ambientes propícios ao exercício da cidadania, os quais guardam potencial
para consolidar as relações entre homem e seu meio ambiente. É nessa
qualidade de espaço, construído e culturalmente modificado, que se tornam
mais evidentes os efeitos da ação e expressão dos homens. Por isso, “o meio
ambiente não é uma coisa ‘lá fora’. Ele não é como uma imagem ou fotografia
33
admirada por lazer. O homem é no e do meio ambiente” (RAPOPORT, 1972,
p.12).
Uma vez que o ambiente é um produto da vida humana, construído e
modificado segundo as necessidades coletivas e pessoais, ele também pode
servir de suporte para a expressão da identidade, tanto à sua busca, como ao
seu referencial, pois, “a criação dos ambientes sociais pode, nesse sentido, ser
compreendida como um prolongamento e um reflexo da imagem que uma
sociedade tem de si mesma” (FISCHER, 1994, p.09). Por isso o geossistema é
um conceito, bem como método que possibilita o estudo e compreensão não
somente das paisagens, bem como da sociedade e da vida humana em si
mesma.
4.2. Território
Se a Natureza é manifestação do instinto no cosmos, o Território é
expressão da razão humana sobre a terra. Os elementos da Natureza
manipulados pelas atividades socioeconômicas resultam de um processo no
qual “não há território sem terra” (BERTRAND, 2007). Assim, o Território,
repleto dos modos de vida dos homens que o habitam, “é ingrediente básico
nos processos de identidade das sociedades locais” (AROCENA, 2001, p.28-
29).
No sentido etimológico, a palavra território tem origem no termo latino
‘territorĭum’ (= terra + torium) e designa “uma determinada porção do espaço
envolvendo superfície, formas e limites” (ESCOLAR, 1992 apud MACHADO,
2002). Em se tratando de acepções, há muitos conceitos que podem ser
considerados para Território.
No campo das ciências naturais, como na Biologia, território é entendido
como “área de disseminação de espécies vegetais ou animais” (MACHADO,
2002, p.05).
No campo ciências sociais, como na Geografia Política Clássica, o
conceito é retomado pelo viés da etologia9, onde território “passa a representar
uma parcela do espaço terrestre identificada pela posse, uma área de domínio
9 “1. Biol, Zool. Estudo do comportamento social dos animais, dos seus hábitos individuais e de sua adaptação às condições do meio onde habitam. 2. Por Ext, Antrop. Estudo dos costumes humanos como fatos sociais” (MICHAELIS, 2018).
34
de uma comunidade ou Estado” (MACHADO, 2002, p.05). Neste âmbito, a
acepção de Estado-Nação, aquele território associado ao seu gestor e tomado
no sentido de território nacional (SOUZA e LOPES, 1995), torna-se sinônimo
de “Estado-Territorial” (SANTOS, 1994), do território com limites geográficos
moldáveis.
No entanto, há certo tempo, o Território já não é mais definido pelo
Estado-Nação. Este alcançou a transnacionalização – processo de
mundialização em sentido mais amplo que o de globalização - ou, a “escala
planetária” das relações socioeconômicas e políticas (SANTOS apud
MACHADO, 2002, p.06).
Este fato, em grande parte devido às transformações históricas
decorridas a partir da década de 1960, incitou a reflexão e discussão sobre a
questão do Território, ampliando-o para o viés da valorização cultural, trazendo
consigo outras escalas para se pensar o conceito (DELVIZIO, 2004, p.34-35).
Quanto à dimensão do tempo, a escala do território pode ser
permanente, efêmera ou cíclica. Já quanto à escala do espaço, territórios
podem variar do local (como uma rua) ao internacional (como a OTAN,
conjunto de territórios de países-membros que compõe uma organização).
Assim, a noção contemporânea deste conceito indica o espaço humano
habitado e constituído por objetos e ações que emergem e regem as relações
sociais (SANTOS, 2006, p.16). Desta maneira, tem-se que:
“Concebido como um espaço apropriado por uma
coletividade, o território se constitui em uma organização
onde se estabelece o conjunto de relações entre
indivíduos, relações essas advindas da dinâmica social,
definindo um grupo através de processo de identidade
coletiva” (DELVIZIO, 2004, p.35).
Do ponto de vista da geografia tradicional, “o território se concebe como
a apropriação do espaço por um determinado grupo” (SILVA, 2012, p.66).
Todavia, extrapola essa afirmação já que é “produto histórico, de mudanças e
permanência, como projeção espacial, em um ambiente no qual se desenvolve
uma sociedade” (SAQUET, 2007 apud SILVA, 2012, p.71).
35
Assim, “o território é, pois, um espaço social e histórico” (PASSOS,
2008, p.21) estreitamente vinculado ao conceito de Paisagem pois esta é “o
nível visível e percebido deste processo” (SILVA, 2012, p.71). Ao mesmo
tempo, a Paisagem é “uma combinação de traços físicos e humanos que dá a
um território fisionomia própria, que o faz um conjunto senão uniforme, pelo
menos caracterizado pela repetição habitual de certos traços” (SILVA, 2012,
p.70).
Essa interação entre os conceitos de território, paisagem e espaço
geográfico fica altamente evidente nos espaços urbanizados, quando:
“Cada indivíduo vivencia a paisagem, integrando-se aos
objetos urbanos nela construídos, elaborando suas próprias
representações do espaço, em acordo com as significações
e sentidos atribuídos à essa diversidade. Manipula signos e
símbolos da realidade vivida e percebida no cotidiano,
decodificando imagens expressas na paisagem. Nesse
caso, tanto do ponto de vista físico-territorial como
socioeconômico e das representações sociais, não se
evidencia apenas um território urbano, mas vários
territórios urbanos” (SPÓSITO apud LE BOURLEGAT,
2000a, 308-309).
Mesmo sendo conferidos de identidade comum por compartilharem o
mesmo local de vivência, os habitantes citadinos estabelecem diferentes
interpretações e relações com esse espaço (MANCEIRA, 2003), visto que:
“Um grupo não pode mais ser compreendido sem seu
território, no sentido de que a identidade sociocultural das
pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do
espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico,
paisagem” (SOUZA e LOPES,1995, p.84).
36
Se o território é um espaço natural, social e historicamente organizado e
produzido, então, é a presença de corpo e espírito que proporciona ao seu
habitante o sentimento de pertença ao ambiente urbano que habita:
“O sentido de lugar surge, assim, a partir do sentimento de
afetividade que o ser humano desenvolve em relação ao
espaço das suas relações cotidianas, ou seja, o espaço
vivido através das reproduções dos significados da vida,
como, por exemplo, transitar por uma rua, por um bairro,
praça ou pequena cidade” (DELVIZIO, 2004, 33).
É por isso que o território, como produto histórico, de mudanças e
permanência, como projeção espacial, em um ambiente no qual se desenvolve
uma sociedade, também pode ser compreendido pela dimensão do Lugar.
“São os lugares que o homem habita dentro da cidade que
dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde
se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas
através das quais o homem se apropria e que vão
ganhando significado dado pelo uso” (CARLOS, 1996,
p.21).
A construção do lugar se realiza, enfim, na dimensão do simbólico:
“O lugar, portanto, é onde a vida se desenvolve em todas
as suas dimensões. Assim, a ordem interna construída no
lugar, tecida pela história e pela cultura, produz a
identidade. É através dessa identidade que o ser humano
se comunica com o resto do mundo” (SANTOS apud LE
BOURLEGAT, 2000, p.18).
Território e Lugar são construídos dialeticamente, onde se edifica o
“sentimento de identidade com o grupo local, criando a identidade coletiva,
37
assim como com o próprio lugar. Do sentimento de apropriação do lugar nasce
a ideia de território, o espaço com limites e fronteiras” (DELVIZIO, 2004, 34).
Apropriadamente, as reflexões sobre os conceitos de espaço, lugar e
território podem ser assim resumidas: “Espaço concebido é abstração,
raciocínio, razão; Lugar é sentimento, pensamento, apropriação e vivência
através do corpo; Território é o lugar que “me pertence” (DELVIZIO, 2004, 35).
A premissa fundamental, então, do território se coloca como um ciência
social, na qual “territorializar o meio ambiente é, ao mesmo tempo, enraizá-lo
na natureza e na sociedade fornecendo os meios conceituais e metodológicos
de fazer avançar o conhecimento ambiental nesse campo” (BERTRAND, 2007.
p.124).
Por isso é tão importante conhecer os aspectos de organização
territorial, bem como a evolução dos processos compreensão geográfica do
meio ambiente, até atualidade, principalmente no que concerne ao estudo da
Avenida Afonso Pena.
No caso deste território, a especial localização do vilarejo de Campo
Grande desde sua origem desempenha a qualidade de elo geográfico entre
diferentes pontos do país e do continente. Elo este que fortaleceu o efetivo de
trocas, tanto as baseadas em mercadorias de valor comercial, como também
aquelas formadoras de valores culturais e de convivência plural. A AP frisa
essa vocação de passagem por ser o local na cidade onde todos passam com
algum destino e é nela que a vivacidade das novidades é compartilhada por
meio das trocas econômicas e sociais.
Além dos diferentes níveis e cruzando acidentes geográficos, como
córregos e vales, que lhe conferem diferentes ambientações e perspectivas, a
Avenida Afonso Pena se apresenta, assim, como muito mais do que simples
referência espacial ou geográfica; seu território se apoia em qualitativos
advindos dos tipos de usuários e atividades e, principalmente, da interação que
se dá entre todos e que ocorre ao longo de sua extensão, para se tornar
referência simbólica – um Lugar.
4.3. Paisagem
O estudo sobre a Paisagem parte de complexidade inerente à sua
formulação enquanto conceito (MACIEL e LIMA, 2011). Com sua etimologia
38
advinda do francês ‘paysage’ (TROLL, 1997), a sua polissemia, ou propriedade
de assumir vários sentidos, expressa as contradições e/ou dualidades que
resulta em si mesma (SILVA, 2012).
A definição cotidiana para paisagem se refere tanto a um panorama
visual, quanto condição climática, bem como expressão artística (MICHAELIS,
2018). Entretanto, este conceito se revela muito mais profundo, numa
combinação entre elementos objetivos e subjetivos (EMÍDIO, 2006).
Num primeiro estágio, Paisagem é “aquilo que a vista abrange num
olhar” (Vidal de La Blache); ou, “Paisagem é precisamente e simplesmente
aquilo que se vê” (Brunet, 1974); ou ainda, “Paisagem é um porção do espaço
terrestre que se pode ver de um certo ponto de observação” (Y. Lacoste, 1977),
reunindo-se uma séries de definições reducionistas que chegam pouco próximo
do que este conceito pode compreender (DIAS, 2003 apud SILVA, 2012).
Por isto, o conceito de paisagem já passou e continua passando por
evolução constante, dentro das várias ciências e linhas de pensamento que a
investigam, como geografia, urbanismo, história, sociologia, biologia, etc.
(MACIEL e LIMA, 2011)
Sua primeira utilização remonta aos trabalhos de artes gráficas, no
século XV, nos jardins e na literatura, para depois, ser apropriada pelos
trabalhos de cunho geográfico (PASSOS, 2003). Na pintura, não se limitava
apenas à descrição fidedigna da realidade, mas à abordagem das relações do
homem com seu meio, privilegiando a subjetividade. Na concepção de jardins,
submetia a organização paisagística do ‘caos’ natural (hostilidade) à ‘ordem’
humana (harmonia), aspirando satisfazer o contato com a natureza, paz e
conforto espiritual, por meio do usufruto da água, sombra, flores e frutos.
Anteriormente ao século XIII, o termo paisagem aparece na literatura
como cena pitoresca da natureza autenticada por classificações naturalistas, e
ganha espaço no formato de romance de aventura ou regionalista (PASSOS,
2003).
A partir do século XIX, o termo paisagem é incorporado ao vocabulário
da geografia, denominando o conjunto de ‘formas’ que caracterizam dada
porção da superfície terrestre:
39
“A paisagem natural é constituída de um mosaico de
diversos tipos de habitat e comunidades naturais, exibindo
muitas espécies de plantas e animais com padrões
complexos de biodiversidade e um grande número de
espécies endêmicas em nível regional e local” (LE
BOURLEGAT, 2000, p.47).
Daí, torna-se possível distinguir contrastes, em função da formalidade e
intensidade dos elementos, classificando-se paisagens mais ou menos hetero
ou homogêneas: naturais (morfológicas, vegetais) ou transformadas (agrárias,
urbanas), etc. (PASSOS, 2003).
Marcadamente na década de 1960, é que o termo e a categoria
paisagem fazem emergir a necessidade de se apreender o espaço
globalmente, combinando e sintetizando elementos que extrapolam sua região,
meio, lugar (DIAS, 2003). Torna-se, assim, pertinente interpretar e
compreender conceitos e noções já elaboradas sobre a Paisagem para
conceber sua abordagem.
No âmbito internacional, a geografia francesa foi pioneira no esforço da
compreensão do conceito (MACIEL e LIMA, 2011), entendendo que:
“paisagem não é a simples adição de elementos
geográficos disparatados, é, numa determinada porção do
espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que,
reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da
paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua
evolução” (BERTRAND, 1972 apud SILVA, 2012, 69).
No âmbito nacional, a geografia brasileira assume que “o conceito
científico de paisagem abrange uma realidade que reflete as profundas
relações, frequentemente não visíveis, entre seus elementos” (PASSOS, 2003
apud SILVA, 2012, p.70).
Como num ‘iceberg’, “ao pesquisador, cabe estudar toda a parte
escondida para compreender a parte revelada” (SILVA, 2012, p.70) – observar
40
e analisar na paisagem não só os aspectos físicos (enfoque naturalista), mas
também intervenções antrópicas resultantes da exploração e organização do
espaço por sistemas socioeconômicos (enfoque humanista).
Mesmo que não seja objeto ou categoria de estudo, a Paisagem (Figura
4) está implícita ou explícita, material ou imaterial, objetiva ou subjetiva, direta
ou indiretamente atrelada à perspectiva dialética e à compreensão do “território
como produto histórico, de mudanças e permanências, como projeção espacial,
em um ambiente no qual se desenvolve uma sociedade” (SILVA, 2012, p.71).
Essas ambiguidades são reveladas por esta relação dialética, cerne da
compreensão da paisagem, pautada nas relações entre:
“os elementos de caráter temporo-espacial, evidenciando
os movimentos existentes na paisagem; os de caráter
constitutivo, inerente aos elementos físicos naturais e
antropo-sociais que constitui a mesma; além de permitir
também uma abordagem cultural com base na
representação dos elementos de caráter perceptível da
paisagem o que depende do olhar, do sujeito e da
identidade para com a paisagem” (SILVA, 2012, p.70)
Figura 4. Síntese da noção de Paisagem. Fonte: SILVA (2012, p.72).
41
Se “a configuração espacial é um dado técnico, enquanto o espaço
geográfico é um dado social” (SANTOS, 2006, p.47), a visão naturalista da
paisagem vai sendo conjugada com a abordagem historicista e materialista.
Tem-se, então, interação entre conceitos de território, paisagem e
espaço geográfico, na qual:
“Se efetiva a abordagem humanista, centrada na
percepção de sujeitos, na representação e em símbolos da
vida cotidiana... Finalmente, elabora-se uma perspectiva
interativa, reconhecendo-se a objetividade e a subjetividade
da paisagem, com uma tendência significativa à
representação e à gestão de planos de desenvolvimento no
nível do lugar” (SAQUET, 2007).
A ciência geográfica, ao refletir sobre a Paisagem, estabeleceu série de
princípios, tais como, localização, extensão, complexidade, dinamismo,
conexão e globalidade territorial, que contribuem em muito para a formulação
de arcabouço analítico que embasa o entendimento do fenômeno. Dentre eles,
há que se destacar três: espaço, território e lugar.
Muitas vezes, a Paisagem é tomada como sinônimo de ‘espaço’,
‘região’, ‘lugar’, ‘território’. Há que se colocar, entretanto, uma distinção
necessária, esclarecendo que “paisagem e espaço não são sinônimos”
(SANTOS, 2006, p.66). Define-se que “paisagem é um conjunto de formas que,
num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas
relações localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2006, p.66). Já o
espaço resulta da adição da sociedade nessa “forma-objeto” (PIRAJÁ e
OLIVEIRA, 2014, p.20).
Ao se estudar o fenômeno da Paisagem, há que se formular duas
questões fundamentais para sua compreensão: ‘Quem olha a Paisagem?’, e,
‘O que há na Paisagem?’.
A primeira pergunta considera que há pontos de vistas distintos para se
observar a Paisagem, o que implica que, para cada um deles, o entendimento
da mesma será diferente. “A paisagem nasce toda vez que um olhar cruza um
território” (BERTRAND, 2007, p.257), mas este olhar, dependendo do ator
42
(grupo social, econômico, cultural, político) que o encena, pode relatar
perspectivas diversas, contraditórias ou destoantes.
A segunda, toma como princípio que na Paisagem tudo ou nada pode
existir. Se “o espaço não é objeto de visão, mas objeto de pensamento”
(MERLEAU-PONTY, 1989, p.26 apud OKAMOTO, 2002, p.119), escalas de
valores formuladas pela sociedade, em função dos interesses e modo de
produção de vida, filtram e direcionam este olhar colocado sobre a Paisagem,
pois:
“O mesmo objeto pode ter conotações muito diferentes
para diferentes pessoas – um martelo é um brinquedo para
uma criança e uma ferramenta para seu pai; uma favela
pode significar segurança e afetividade para uma criança
que aí cresça, mas significar um problema social para um
planejador urbano” (SOMMER, 1973, p.202).
Para ambas perguntas iniciais, uma resposta mediadora pode ser
colocada: a análise da Paisagem carrega consigo tempo e espaço próprios,
marcados pelo posicionamento e definição de quem a toma como objeto de
observação e reflexão, pois “está em constante modificação, adaptando-se às
necessidades e estilos de vida das diferentes sociedades” (CURADO, 2007).
Assim, afirma-se que, qual seja a definição, a Paisagem expressa
“interações dialéticas de elementos ditos físicos ou da natureza e os
socialmente produzidos, interação esta concebida no tempo e no espaço
resultando em uma organização visível que revela ou pode revelar a
combinação invisível” (SILVA, 2012, p.73) na análise do espaço.
Contudo, os estudos da paisagem atrelados à dicotomia
naturalista/humanista enfrentam entraves para “identificar e analisar tais
interações dialéticas visíveis e invisíveis no tempo e no espaço” (SILVA, 2012,
p.73). Quando se tem por paisagem “tudo o que nós vemos, o que nossa visão
alcança (...) definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca”
(SANTOS, 1994, p.61), regride-se àquele reducionismo, que como já visto, não
expressa o genuíno sentido de Paisagem não levando em conta os elementos
invisíveis.
43
Uma paisagem no interior da floresta amazônica, por exemplo, possui,
aparentemente, mais elementos naturais do que antrópicos. Entretanto, deixar
o contexto histórico-espacial, seja no interior ou na sua borda, fora da
abordagem, implica em desprezar inter-relações dialéticas que definem o
diagnóstico sistêmico da territorialização destes elementos. Da mesma forma, a
análise de uma paisagem urbana “requer também a averiguação dos
elementos da natureza minimizados pelos aglomerados de elementos
socialmente produzidos” (SILVA, 2012, p.76).
Se o entendimento da paisagem provém da relação entre a ação
antrópica e os elementos naturais, ela é, então, “(...) uma escrita sobre a outra,
é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos
diferentes momentos” (SANTOS, 1994, p.66). Em todo o sentido da palavra,
esta herança é: “herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio
coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação
de suas comunidades” (AB’SABER, 2003, p.09).
Desta maneira, toda paisagem urbana é também uma paisagem cultural,
fazendo com que a paisagem construída não seja alheia à cultura que a
circunscreve (PEDROSA e PEREIRA, 2008).
Aqui colocam-se as condições de posicionamento central urbano da
Avenida, que aliada às características do sítio onde se localiza Campo
Grande/MS, foram determinantes para a construção de sua paisagem e
configuração de sua evolução urbana até os dias de hoje. Houveram
instrumentos básicos iniciais, como o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças
(1910) e Planta do Rocio e Código de Posturas, que fizeram “dotar a paisagem
da vila, de características da modernidade e, ao mesmo tempo, incutir na
população, o espírito de urbanidade” (LE BOURLEGAT, 2000a, p.225).
Ao longo do desenvolvimento, “essa nova paisagem urbana, que permite
o convívio com a diversidade e a complexidade não só dos atores, mas
também do espaço construído, é rica de simbolismos” (LE BOURLEGAT,
2000a, p.308-309).
A Avenida Afonso Pena é uma paisagem urbana, que estrutura a cidade
tanto economicamente quanto funcionalmente, sendo espaço urbano rico em
situações de uso, com dinâmica variada, ao que se soma carga histórica e
presença forte na paisagem da cidade em que está inserida. Assim,
44
“As paisagens que se descortinam nas cidades
contemporâneas nos revelam um ambiente totalmente
configurado pela ação humana, onde as formas de
construção e a consequente intervenção sobre a paisagem
vão-se modificando ao longo da linha do tempo e da
História” (CURADO, 2007, p.09).
O elemento canteiro marca a avenida, principalmente na área central
pela densa e histórica arborização, hoje tombada como patrimônio municipal.
Ainda, com inclusão de ciclovias nos canteiros centrais, a avenida se
caracteriza ora por trechos mais construídos e adensados, ora por outros em
estado mais natural, com oferta a proximidade com a natureza.
4.4. GTP – Geossistema, Território, Paisagem
Desde a década de 1960, o geógrafo francês Georges Bertrand discutiu
o conceito de paisagem e de geossistema, até criar o sistema tripolar GTP –
Geossistema, Território e Paisagem. A argumentação para a proposição deste
método de estudo da paisagem se baseia em três fundamentos: 1. Delimitação:
na natureza, não há limites próprios para cada fenômeno espontâneo; é o
pesquisador que elabora essa delimitação como uma estratégia de
aproximação da realidade; 2. Relações: a fragmentação da paisagem em
unidades sintéticas lado a lado diminui o diálogo dos elementos no todo, daí a
importância de ressaltar as combinações e relações de convergência entre
estes elementos; 3. Escala: a paisagem deve ser situada no tempo e no
espaço, em termos de início e extinção, para daí ser sistematizada em
unidades hierarquizadas (PISSINATI e ARCHELA, 2009).
Um grande balizador comum para esta sistematização da paisagem, é
que, em termos teórico-metodológico, é a atração entre paisagem e
geossistema, onde:
“o geossistema aproxima-se do conceito de paisagem
como paisagem global, na qual se evidencia a preocupação
com a interação natureza-sociedade e na análise
geossistêmica, o geossistema é uma categoria de sistemas
45
territoriais regido por leis naturais, modificados ou não
pelas ações antrópicas” (DIAS e SANTOS, 2007 apud
PISSINATI e ARCHELA, 2009).
A modificação pelas ações antrópicas remete diretamente à
compreensão do conceito de espaço e a definição do território. Portanto, o
sistema GTP, afirma-se sobre um tripé metodológico, ou, “três entradas ou três
vias metodológicas que correspondem à trilogia fonte/recurso/aprisionamento e
que são baseadas em critérios de antropização, de artificialização e de
artialização” (BERTRAND, 2007 apud PISSINATI e ARCHELA, 2001, p.09)
(Figura 5).
Figura 5. Esquema do Sistema GTP. Fonte: BERTRAND (2007, p.299) apud
PISSINATI e ARCHELA (2009, p.09).
Deste forma, é posível, abordar o meio ambiente por meio de um
sistema dito tripolar e interativo, em três espaços e três tempos, a saber:
“> O tempo do geossistema - aquele da natureza
antropizada: é o tempo da fonte, das características bio-
físico-químicas de sua água e de seus ritmos hidrológicos;
> O tempo do território – aquele do social e do econômico,
do tempo do mercado ao tempo do “desenvolvimento
46
durável”: é o tempo do recurso, da gestão, da
redistribuição, da poluição-despoluição;
> O tempo da paisagem – aquele do cultural, do
patrimônio, do identitário e das representações: é o tempo
do retorno às fontes, aquele do simbólico, do mito e do
ritual” (SILVA, 2012, p.83).
Em adição a este tripé metodológico, BERTRAND (2007) também se
apoia na definição de ‘quadraduta da paisagem’, como se fossem filtros ou
camadas da paisagem que, somente sobrepostas, possibilitam a leitura por
completo do fenômeno (Figura 6). Esta envolve:
“um apanhado de aspectos referentes aos locais
paisagísticos, os tempos da paisagem, os projetos da
paisagem e os atores da paisagem, sendo que, para este
último, individuais ou coletivos, atuais ou passados,
endógenos ou exógenos em relação ao território
considerado com sua carga de memória patrimonial”
(SILVA, 2012, 216-217).
Figura 6. Quadratura Científica da Paisagem. Fonte: BERTRAND (2007,
p.254) apud SILVA (2012, p.84).
47
A compreensão e apresentação do meio ambiente e a elaboração de
estruturas abstratas para representá-lo são uma constante na vida em
sociedade desde os primórdios da humanidade até nosso dias. Por isso, a
representação gráfica tem sido de grande utilidade aos estudos, mapeamentos
e análises da paisagem. Esta é, dentre outras, uma particularidade bastante
explorada no sistema GTP – a utilização de imagens (fotográficas,
cartográficas, ortográficas, etc.) como método cientifico, que se destina a
expressar fatos e fenômenos observados na superfície da terra.
Se a natureza é formada pelo conjunto de objetos geográficos, naturais
e artificiais, mas “a essência do espaço é social” (SANTOS, 1985 apud
PELUSO, 2013, p.22), a paisagem, segundo a ótica do sistema GTP, pode ser
representada, pois:
“os fenômenos, quando classificados como representações
qualitativas, podem ser inscritos em mapas e outros tipos
de representações cartográficas para mostrar sua
ocorrência, localização e extensão que se diferenciam pela
natureza (...) podendo ser classificados por critérios
estabelecidos pelas ciências que os estudam”
(MARTINELLI, 2003, 27)
Arquitetonicamente, cada objeto possui uma posição no espaço, onde
cada unidade espacial pode ser analisada dentro de certos limites. “As
fronteiras de um espaço construído são o chão, a parede e o teto. As fronteiras
de uma paisagem são estruturalmente semelhantes e consistem no solo, no
horizonte e no céu” (NORBERG-SCHULTZ, 2006 apud NESBITT, 2006, p.450).
Em combinação com o sistema GTP, cada uma das dimensões cultural,
territorial e geográfica são camadas de espaço-tempo que compõem a
Paisagem arquitetônica. Visões, leituras e interpretações em diferentes escalas
da Paisagem são estratégias de aproximação e abordagem que favorecem a
análise complexa deste fenômeno dinâmico (Figura 7).
48
Figura 7. Dimensões espaço-tempo da Paisagem – escalas de leitura e o
Sistema GTP. Fonte: A autora (2017).
Sob essa base conceitual apresentada pelo sistema GTP, foram
selecionados os seguintes procedimentos para esta pesquisa focada na
paisagem da Avenida Afonso Pena, conforme ilustrado abaixo (Figura 8):
Figura 8. Fluxograma Metodológico das Características
(Subsistemas/Dimensões) para Análise Ambiental da Av. Afonso Pena. Fonte:
A autora (2017).
49
Como apresentado, em síntese, pode-se, então, considerar: o
geossistema como complexo formado pelas relações naturais existentes entre
elementos bióticos e abióticos; o território como forma de uso político, social e
econômico do espaço geográfico; a paisagem como expressão cultural,
manifestada através da apropriação, utilização e significado que é atribuído aos
elementos do geossistema, pela comunidade local (PISSINATI e ARCHELA,
2009).
BERTRAND (1971) já afirmava que estudar a paisagem é, sobretudo,
apresentar um problema de método, onde qualquer e qual seja a unidade de
paisagem, funciona e é compreendida à luz e integração do seu todo
naturalista, social e cultural, cuja representação pode ser delineada por meio
do sistema GTP. A Paisagem Urbana, por meio da Cultura, da Cidade e da
Rua, se conjuga e potencializa a aplicação do método GTP, como se vê a
seguir.
4.5. Cultura, Cidade e Rua
Tomando a cidade como um contexto cultural “carregado de realizações
humanas, intensamente modificado para atender às condições da vida coletiva”
(COLIN, 2000, p.119), as cidades são, muitas vezes, pensadas, descritas ou
classificadas pelos aspectos gerais que apresentam em comum – morfologia e
traçado, sistema viário, potencial econômico, organização política, dentre
outros. Porém, a compreensão da realidade urbana só se completa com
características que a fazem única: seus habitantes, valores culturais e cultura.
Oriunda do verbete latino ‘colere’, o conceito de cultura remete à ação
de cultivar, criar, tomar conta e cuidar. Como abordagem, a concepção de
cultura compreende conhecimentos, técnicas, crenças, valores e normas que,
em conjunto, cultivados pelo homem, representam o modo de vida de um povo.
Ela é plural e construída ao longo da trajetória humana, da memória,
constantemente vinculada às gerações que se articulam, reinventando
indivíduos e, por consequência, os modos de apropriar e qualificar
simbolicamente espaços urbanos e sua identidade. Dentre inúmeras definições
de cultura já elaboradas, opta-se pela qual cultura define-se por “um sistema de
códigos aprendidos socialmente, transmitido de pessoa a pessoa, formado por
50
significados compartilhados e reciclados através dos tempos” (BRASILEIRO,
2007, p.16).
A partir de teorização interpretativa, GEERTZ (1989, p.23) frisa: “a
cultura, esse documento de atuação, é portanto pública”, é de propriedade
comum, pois o significado que desperta no grupo que a detém também o é.
Corresponde-se, então, que o espaço público urbano é ao mesmo tempo palco
e produto das manifestações culturais coletivas por natureza, valorizado não
apenas por seus atributos físicos, mas também pelas qualidades que a
sociedade é capaz de lhe aferir.
Logo, apreender e perpetuar o valor simbólico da cidade “diz respeito às
possíveis conexões conceituais existentes entre o espaço – concreto e visível –
e as ideias, conceitos, valores ou significados – invisíveis e intangíveis (...)”
(RIBEIRO, 2003, p.17).
Contrariamente aos princípios modernistas e ortodoxos que moldaram
de forma agressiva muitas cidades contemporâneas, a escala de compreensão
do usuário (e da cultura a qual ele pertence), resgata o espaço público da
cidade, em destaque a rua, como manifestação do contato mútuo entre as
pessoas e como catalisador da formação da coletividade (JACOBS, 2000).
DAMATTA (1998) refere-se à cultura como um modo de fazer coisas, de
pensar questões e de expressar ideias. Segundo GODELIER (2007 apud
CANAZILLES, 2016) o conceito antropológico de cultura pode ser entendido
como o conjunto de:
“representações, princípios e valores que ordenam os
diversos aspectos da vida em sociedade, bem como as
formas de agir e de pensar. (...) essas representações são
elementos do campo ideal e compõem a cultura. Esta
somente passa a existir e ter significado quando esses
elementos são associados às práticas materiais e sociais”
(CANAZILLES, 2016, p.29).
Ao afirmar que “a cultura é um processo acumulativo, resultante de toda
a experiência histórica das gerações anteriores”, LARAIA (2006, p.49) nos
remete diretamente ao conceito de memória e sua construção progressiva e
51
temporal. Tratando da cidade como um meio culturalmente modificável, COLIN
(2000, p.120) afirma que é nela que os efeitos se evidenciam mais fortemente,
onde esta torna-se “um repositório da cultura, onde se sobrepõem, em
camadas, os produtos das diversas estruturas e conjunturas sociais que
adotaram o seu espaço como palco de atuação”.
Uma das primeiras apreensões da experiência que a cidade constitui,
em se tratando do seu espaço, acontece inevitavelmente nas ruas. Nela
passam caminhos e percursos, passam um e todos, e dentre tantas trajetórias
e destinos que por ela cruzam, ficam indícios culturais que alinhavam toda essa
dinâmica de mobilidade, convivência e significados que pairam e marcam seu
espaço. Sendo este o foco de interesse, é apropriado entender que estar na
cidade e reconhecer o fenômeno simbólico que a define enquanto experiência,
em grande parte, é também estar na rua.
LEMOS (1987 apud MANCEIRA, 2003, p.13) propõe essa mesma
interpretação, quando diz que “a cidade tem que ser encarada como um
artefato, como um bem cultural qualquer de um povo. Mas um artefato que
pulsa, que vive, que permanentemente se transforma, se autodevora e
expande em novos tecidos (...)”.
O logradouro público – ou rua -, assim, mostra-se como prova viva dos
ideais culturais e sociais que se sobrepuseram ao tempo, em camadas onde os
produtos de cada contexto cultural adotam o espaço público urbano como
suporte físico.
“Arquitetura é que atribui a forma da cidade, a cidade como
espaço do homem, o mundo do homem, sinônimo de sua
cultura, evidenciando-se o seu valor simbólico. (...) Nesse
sentido, vemos os edifícios, os espaços urbanos,
propiciando a própria vida. O símbolo alcançado é o meio,
a forma, que permite ao homem oferecer razão à sua
circunstância de vida e adquirir a percepção desta
circunstância a romper a trivialidade do cotidiano”
(ANDRADE, 1993 in CBA, 1993, p.40).
52
O símbolo, necessariamente traduzido por forma física, não pode ser
experienciado se alheio ao sistema em que foi gerado, ou seja, “para perceber
o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou”
(LARAIA, 2006, p.56). Dessa maneira, o espaço urbano assume dimensão
simbólica peculiar, variável, porém, segundo quem a interpreta, seja individual
ou coletivamente, pois, “afinal, o ambiente da vida cotidiana é mais significativo
do que parece. Ele é tanto a espinha dorsal quanto o fundo sobre os quais
construímos a própria base de nosso modo de ser-no-mundo” (THIBAUD,
2005, p.210).
Isso foi analisado no caso da AP quando relação entre o espaço urbano
e a figura do cidadão que a habita estreita-se a cada ida à rua para se fazer
compras, no esbarrão com alguém estranho ou no encontro com o amigo na
esquina, até correria para pegar um sinal aberto ou no descanso debaixo da
sombra de uma árvore, dentre tantos outros acontecimentos, a princípio
banais, mas que tornam a existência de ambos indissociável.
Dialeticamente, um valor coletivo dado à rua, como é também a Av.
Afonso Pena, agrega muitas diversidades – cultural, econômica e social - que a
própria ajuda a gerar. A importância da rua, sob a perspectiva de ser um dos
principais palcos da vida cotidiana, envolve a função, primordialmente, de
sociabilização – “A rua arranca a gente do isolamento e da insociabilidade,
teatro espontâneo, terreno de jogo sem regras sociais precisas e por isso
mesmo interessante, lugar de encontros e solicitude múltiples – materiais,
culturais, espirituais – a rua resulta indispensável” (LEFÈBVRE, 1978 apud
OLIVEIRA NETO, 1999, p.34).
Questões como a conceituação dos espaços livres públicos, o estudo do
fenômeno urbano vinculado às dimensões simbólicas e culturais específicas de
cada localidade, entre outras, demanda a compreensão de como a cidade, a
rua e o lugar estruturam a apreensão e dão suporte aos valores e significados
de uma sociedade, pois:
“Para nossa cultura é impossível imaginar o urbano sem o
recurso à noção e à imagem de ruas. A importância de que
desfrutam pode ser percebida pela constatação da
53
quantidade de atividades e significados para os quais
servem de apoio ou de locus” (SANTOS et al.,1985, p.24).
Assim, o estudo do espaço urbano singular como a rua, através de
abordagem orientada pela cultura e pela percepção da paisagem submete-se
ao conhecimento prévio de determinada realidade incluindo as relações
homem-ambiente derivadas de valores históricos, culturais, comportamentais,
funcionais, construtivos e ambientais, dentre outros tantos.
4.6. Patrimônio, Patrimonialização e Tombamento
A designação de patrimônio, do latim ‘patrimonĭum’, está ligada à
herança paterna. Engloba quaisquer bens materiais ou morais, pertencentes ao
indivíduo, família, instituição ou coletividade, que em geral são salvaguardados
e transmitidos de geração em geração (MICHAELIS, 2018).
De outra maneira, o patrimônio também pode ser classificado como
natural, que inclui riquezas minerais, do solo e subsolo, e cultural, que envolve
o significado e amplitude do conceito e sua materialidade por meio das artes
plásticas e aplicadas – pintura, escultura, arquitetura, cuja relevância é estética
e histórica (BARRETO, 2000 apud DELVIZIO, 2004, p.26).
Temos, assim, duas escalas para a compreensão do significado do
Patrimônio, tanto a individual, bem como a coletiva.
O primeiro e primordial patrimônio da humanidade se estabelece pelo
meio ambiente, patrimônio natural que é composto por elementos bióticos, que
constituem a biodiversidade global, e elementos abióticos, que compõem a
geodiversidade terrestre. Na contemporaneidade, muitas iniciativas para a
conservação deste patrimônio, seja mais em um do que outro, tem se tornando
sinônimo para a questão da conservação da natureza. Isto toma mais força a
cada dia, quando as reflexões sobre a sustentabilidade planetária se colocam
com urgência.
Contudo, a conservação da expressão dos elementos humanos, em
especial os imateriais, também assume papel de destaque dentro das
discussões e reflexões sobre a temática da natureza, cujo conjunto envolve
elementos naturais, vegetais, animais, bem como os seres humanos
(PEREIRA, 2010 apud LIMA, 2016, p.18)
54
“Neste sentido, incentivamos o envolvimento efetivo entre
cidadãos locais e visitantes, para que estes não se
restrinjam ao papel de turistas espectadores, ajudando
assim a construir uma identidade local, promovendo aquilo
que é autêntico e único no território. Desta forma,
conseguiremos que o território e os seus habitantes
obtenham integridade ambiental, justiça social e
desenvolvimento econômico sustentado” (DECLARAÇÃO
DE AROUCA, 2011, p.11)
Logo, ressalta-se que, além de proteger e conservar o patrimônio biótico
e abiótico, também é importante incorporá-lo em uma modalidade de
desenvolvimento sustentável e envolver a comunidade, com seus valores
antrópicos, que se torna a grande guardiã do patrimônio do território e da
paisagem (LIMA, 2016, p.24).
O significado relacionado à herança paterna, de início citado, também
remete ao sentido de ‘pátrio’, o que insere no contexto patrimonial as políticas
culturais públicas, que buscam assegurar a identidade nacional por meio dos
bens autênticos e significativos.
Os conceitos de patrimônio histórico e artístico aplicados pelas
legislações nacionais das primeiras décadas do século XX atingiam apenas o
conjunto de bens móveis e imóveis tangíveis, como no Decreto-Lei nº 25, de 30
de Novembro de 1937 (BRASIL, 1937). Eram obras diretamente ligadas a
expressão de classes dominantes, que apesar disso, ofereciam mediação entre
passado e presente, e a identidade enquanto nação (DELVIZIO, 2004). As
demais manifestações culturais, “aquelas que transcorrem no tempo, como a
dança, a literatura (o teatro incluído) e a música”, por não serem de “pedra e
cal”, não se enquadravam como bens e sofriam a “exclusão das preocupações
oficiais” (BARRETTO, 2000, p.10). Daí, que perdurou a atenção pela proteção
ao patrimônio construído, por critérios exclusivamente estéticos e históricos,
onde a arquitetura se apresenta como grande expoente (CUÉLLAR, 1997).
Neste ponto, a contribuição do Movimento Modernista no Brasil, com
seus diversos artistas, profissionais e intelectuais, nos idos da década de 1930,
foi inaugural ao fundar instituições e diretrizes para a proteção do patrimônio
55
histórico e artístico nacional. É neste cenário que se funda a autarquia do
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), de missão
preservacionista face ao patrimônio artístico nacional, contundo, compactuando
com o pensamento modernista da época, veio reunir também manifestações
imateriais e intangíveis como bens de valor cultural e patrimonial, “aumentando
o campo disciplinar da preservação” (SIMÃO, 2001, p.29).
Entretanto, até a promulgação da Constituição Federativa Brasileira, de
1988, legalmente, restringia-se os atos de preservação aos bens móveis e
imóveis. Foi por meio desta Carta Magna que os amplos preceitos
preconizados até então puderam ser aplicados na esfera patrimonial, assim
como os modernistas ansiavam. Por este documento, então, patrimônio cultural
é definido como “conjunto de elementos portadores de referências à identidade,
à ação e à memória da sociedade” (BUENO, 2001, p.19). Integralmente, o texto
na Seção II da Cultura, artigo 216, diz que:
“Constituem o patrimônio cultural brasileiro, os bens, de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão: os
novos modos de criar, fazer e viver; as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artísticos, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988,
p.04).
Este texto engloba duas estratégias de agrupamento do patrimônio
cultural. Uma se refere ao de valor imaterial e intangível, cujas características
relacionam-se com o cotidiano (religião, culinária, vestuário, ritos, costumes,
etc.), encerrando em si significado subjetivo, de memória cultural. A outra,
refere-se ao de valor tangível, associado à produção e vestígios concretos da
humanidade sobre a terra, englobando objetos, artefatos e construções como
56
como obras, edificações, monumentos, marcos e conjuntos urbanos, sítios e
paisagens.
Todo bem de relevância e singularidade tangível, carrega em sim um
valor intangível. “Portanto, existe cultura naquilo que é visível e palpável, como
naquilo que não se pode tocar, o que amplia a noção de patrimônio cultural”
(DELVIZIO, 2004, p.29).
Na atualidade, além destes valores, o IPHAN aglutina ao patrimônio
cultural de qualquer qualidade, o valor econômico, afetivo, simbólico, que se
constrói e acumula ao longo do tempo (DELVIZIO, 2004, p.29).
A salvaguarda do patrimônio é denominada de ´tombamento´, o qual
pode ser abordado por diferentes perspectivas, seja de natureza
preservacionista (mais tradicional), conservacionista (que leva em conta a
dinâmica e participação ativa da sociedade, ou produtivista (destinada a
dinamizar atividades econômicas). Cada uma destas correntes em defesa do
patrimônio tem origem e formulação no fim do século XIX, trazendo consigo
ideias distintas respectivamente (SIMÃO, 2001).
A primeira, fundada por Viollect-le-Duc, arquiteto francês, defende que
as ações voltadas à conservação do patrimônio devem ser estritamente
voltadas à reconstituição estilísticas do monumento, respeitando ao máximo a
originalidade do objeto e desprezando quaisquer acrescidos ocorridos ao longo
do tempo.
Na segunda, esse enfoque não era de todo corroborado por John
Ruskin, teórico de arte e arquitetura inglês, que entendia que qualquer ação
contra as interferências já incorporadas ao monumento com o passar do tempo
deviam ser mantidas, pois “a história e a condição atual devem ser
maximamente respeitadas, admitindo-se somente intervenções de
conservação” (SIMÃO, 2001, p.25).
A terceira, formulada por Le Corbusier, arquiteto franco-suíço, apontava
a espacialidade das cidades modernas do início do século XX que se
transformavam para as funções de habitar, trabalhar, recrear e circular,
exigindo adaptações imediatas da paisagem da cidade. Nelas, “as ruas
estreitas e as referências do passado deveriam tão somente persistir quando
não incomodassem os ideais da modernidade” (SIMÃO, 2001, p.26).
57
Nesta transição de correntes, acaba-se por prevalecer aquela que
combina as preocupações preservacionistas com produtivistas, “buscando,
porém, a identidade nacional através do conhecimento do país revelado aos
habitantes por meio de suas raízes e de sua história” (DELVIZIO, 2004, p.28).
O patrimônio inscrito na materialidade do lugar vivido ajuda a legitimar
as transformações sociais ocorridas nesse ambiente herdado. Assim, um dos
cuidados na patrimonialização, especialmente quando envolve um
planejamento territorial, é o de não perturbar os equilíbrios essenciais à
sustentabilidade do ambiente territorial implicado, seja por ignorar sua história,
tipo de organização ou conjunto de comportamentos característicos do grupo
e/ou coletividade que possam estar correlacionados a esse ambiente
valorizado (DI MEO, 2014).
“Levado a um determinado território como, por exemplo,
uma cidade, esse significado passa a ser,
consequentemente, interpretado no âmbito de seus limites
de competência administrativa, isto é, como patrimônio
municipal, entendido como o conjunto de bens que
pertence à determinada cidade” (DELVIZIO, 2004, p.26).
Mesmo que decisões externas ao território, seja de ordem política ou
econômica, tenham grande impacto na organização da localidade, a
mobilização e iniciativa dos atores locais são essenciais para um projeto
coletivo de desenvolvimento. Do contrário, estas mudanças exteriores não são
internalizadas na estrutura social, política e cultural local, nem alça
oportunidades para o dinamismo econômico ou projeção da qualidade de vida
de modo sustentável (BUARQUE, 1999 apud DELVIZIO, 2004, p.24-25).
A conservação constitui a base de toda ação patrimonial. A questão
discutida tem sido a de como conservá-lo: se de forma inerte e sem vida, ou
como patrimônio ativo, utilizado pelas coletividades atuais e que ainda possa
continuar sendo transformável e utilizável pelas gerações futuras (DI MEO,
2014). A valorização do patrimônio o abrange amplamente, tanto o cultural
quanto natural, cabendo à sociedade gerenciá-lo da maneira que melhor lhe
convenha, possibilitando o conhecimento das reais potencialidades e limites.
58
“Todavia, cabe a cada sociedade avaliar a natureza e a
precariedade de seus recursos herdados, determinando por
conta própria o uso reservado a cada um deles, não
segundo um espírito nostálgico, mas dentro de um espírito
de desenvolvimento (...)” (CUÉLLAR, 1997, p.233).
O patrimônio não se reduz mais aos simples aspectos materiais e
monumentais. Nele também se passa a valorizar os bens imateriais e a vida
social que o anima. Portanto, não é inerte, mas está sujeito à transformação (DI
MEO, 2014).
A cidade e a apreensão do seu espaço, na compreensão dos valores de
lugar e vivência cotidiana de uma identidade compartilhada, atravessa o
entendimento de que o homem urbano se relaciona e atribui valores ao espaço
da cidade através do conjunto entre espacialidade física, organização social e
formação cultural particular em que se situa. Assim, “no processo de
construção da identidade local, o potencial histórico do patrimônio edificado nas
áreas urbanizadas das cidades constitui-se num dos elementos fundamentais
para a memória desse ambiente construído” (DELVIZIO, 2004, p.16)
Simultaneamente, a paisagem urbana também se reveste de
simbolismos que são a base da memória social, já que:
“a paisagem, por sua vez, toma uma dimensão
sociocultural do conjunto geográfico estudado. Ela traz um
sentido subjetivo, por expressar o tempo do cultural, do
patrimônio, do identitário e das representações, baseado
no ressurgimento do simbólico, do mito e do rito”
(BERTRAND, 2007 apud PISSINATI e ARCHELA, 2009,
p.10).
Para preservação de importante patrimônio local, Campo Grande conta
desde 2011 com o tombamento dos canteiros centrais da Avenida Afonso
Pena, entre a Rua Pedro Celestino e a Avenida Calógeras. Este delimita parte
central da mesma como circunscrição de preservação imediata, sem contudo,
59
estabelecer área de entorno ou vizinhança que colabora e auxilie no conjunto
da avenida, a começar por todos os demais canteiros.
Independente do propósito que lhe desencadeou, o tombamento dos
canteiros centrais da Avenida Afonso Pena abre precedente para que todo seu
conjunto urbano seja reconhecido como patrimônio cultural, atribuindo-lhe
novas utilidades socioeconômicas ao seu espaço, conectando-o à identidade
local e ao turismo intra e interurbano. Este fato se explica pois “(...) a cada
momento histórico cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema
temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve
ser tomado da sua relação com os demais elementos do todo” (SANTOS,
1985, p.09 apud PELUSO, 2013, p.24).
Em síntese e com propósito, então, pode-se dizer que:
“Certamente, alicerçados em conceitos como patrimônio,
memória, conservação, cultura local, identidade local,
desenvolvimento local e rugosidade, que as adequações
dos espaços dando-lhes novas funções na paisagem, que
os tombamentos atendem apelos ou demandas sociais,
sejam naturais ou artificiais propiciando o fortalecimento da
identidade cultural individual e coletiva, reforçando o
sentimento de autoestima, considerando a cultura brasileira
como múltipla e plural; estimula a apropriação e o uso, pela
comunidade, do Patrimônio Histórico que ela detém
estimulando o diálogo entre a sociedade e os órgãos
responsáveis pela identificação, proteção e promoção do
Patrimônio, propiciando a troca de conhecimentos
acumulados sobre estes bens promovendo a produção de
novos conhecimentos sobre a dinâmica cultural e seus
resultados, incorporando-os às ações de identificação,
proteção e valorização do Patrimônio no nível das
comunidades locais e das instituições envolvidas”
(DELVIZIO, 2004, p. 29)
60
A relevância e complexidade do patrimônio cultural, enfim, demanda a
observação de sua materialidade e a percepção imaterialidade, dos que os
olhos veem e do que o coração sente, na perspectiva da paisagem, como um
conjunto humano e vetor de desenvolvimento local.
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Construção do Futuro. In: Psicologia USP. São Paulo: USP, 2005. p. 205-212.
(n° 16 (1/2)
TROLL, C. A Paisagem Geográfica E Sua Investigação. Periódico Espaço e
Cultura. n. 4 (1997). Julho-Dezembro. p.01-07.
TUAN, Y.-F. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL,
1983. 248p.
69
6.1. Artigo I - DIMENSÃO GEOSSISTÊMICA E IMPACTO AMBIENTAL:
AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA FÍSICO NATURAL E
CONSTRUÍDO
Victoria Mauricio Delvizio
6.1.1. Resumo
O espaço da cidade é dinâmico e altera constantemente o meio ambiente
natural, onde a preocupação pela qualidade de vida é vital, na qual o equilíbrio
entre vegetação e edificação, áreas pavimentadas e permeáveis, responde na
qualidade de vida dos indivíduos. Campo Grande é capital do Estado do Mato
Grosso do Sul, onde a Avenida Afonso Pena, principal da cidade, foi planejada
como um Boulevard, rua larga e canteiros de árvores generosas. Esses
canteiros já passaram por diversas reformas, mas sempre mantendo as
árvores centenárias, hoje tombadas. O objetivo deste trabalho é compreender a
organização dos elementos físicos naturais e construídos aliados ao
desenvolvimento urbano, na paisagem da Avenida Afonso Pena, tanto no
tempo quanto no espaço geográfico. As características físicas naturais e
construídas da Paisagem da Avenida Afonso Pena tiveram origem nas imagens
e observações de campo, aliado aos fatores geossistêmicos do ambiente.
Foram utilizadas técnicas padronizadas de coleta de dados, de observação
sistemática e roteiro de itens registrados: arborização urbana e recursos
arquitetônicos. A região central atualmente demanda tratamento e
planejamento: sofre com adensamento de edificações e redução de áreas
verdes. Embora possua algumas praças, ainda assim, o lazer e a
contemplação são ineficientes para o local. Assim, além dos canteiros
tombados, outros podem utilizar o recurso das aglomerações arbóreas como
pretexto ao resgate do bioma natural do cerrado e da educação ambiental
numa Avenida que pode ser assumida como grande, extenso e central parque
linear urbano, cujos canteiros corporificam os veios e cursos da paisagem
urbana campograndense.
Palavras-chave: Paisagem Urbana, Arborização, Recursos Arquitetônicos,
Patrimônio Ambiental.
70
6.1.2. Abstract
The space of the city is dynamic and constantly changes the natural
environment, where the concern for the quality of life in the cities is vital. The
research encompasses the research line Society, Environment and Sustainable
Regional Development, in which the balance between vegetation and building,
paved and permeable areas, responds to the quality of life of individuals.
Campo Grande is the capital of the state of Mato Grosso do Sul, where Avenida
Afonso Pena, the city's main avenue, was planned as a Boulevard, wide street
and generous tree-tops. These beds have already undergone several
renovations, but always maintaining their centenary trees, now overturned. The
objective is to understand the organization of natural and built physical
elements allied to urban development, in the landscape of Afonso Pena
Avenue, both in time and in geographical space. The natural and built physical
characteristics of the Afonso Pena Avenue Landscape originated from field
images and observations, allied to the geosystemic factors of the environment.
Standardized techniques of data collection, systematic observation and script of
registered items were used: urban arborization and architectural resources. The
central region is today one of the most clamoring for treatment and planning. It
suffers with thickening of buildings and reduction of green areas; despite having
some squares, still, leisure and contemplation are inefficient for the place. Thus,
in addition to the overgrown beds, others may use the resources of the arboreal
agglomerations as a pretext for the rescue of the natural biome of the cerrado
and environmental education in an Avenue that can be assumed as large,
extensive and central urban linear park, whose beds embody the veins and
courses in Campo Grande.
Keywords: Urban Landscape, Arborization, Architectural Resources,
Environmental Heritage.
71
6.1.3. Introdução
A análise da Paisagem entende que o homem se relaciona com e no
espaço da cidade através do conjunto entre espacialidade física, organização
social e formação cultural particular em que se situa.
A produção do espaço urbano é determinada pelas relações
econômicas, sociais e ambientais. O espaço da cidade é dinâmico e altera
constantemente o meio ambiente natural, onde a preocupação pela qualidade
de vida nas cidades é vital.
Se imaginarmos a cidade contemporânea, com elementos físicos que
dela fazem parte – ruas, asfalto, concreto, fios de energia, vidros, automóveis,
sons amplificados, propagandas sobrepostas, muros confinados, janelas
perspectivadas, etc. – há que se consentir que constitui- se um artefato, pois é
construída a partir de uma necessidade e com propósito estabelecido. Desta
maneira:
“O artefato mais complexo e sofisticado produzido pela
civilização, para sobrevivência humana, é a cidade. Sua
função é clara, é uma ferramenta concebida para servir de
abrigo, proteção, preservando assim, a integridade física de
indivíduos das comunidades moradoras e, ao mesmo
tempo é um objeto cultural, que serve para preservar os
valores e os símbolos destas comunidades, propiciando
que estas se perpetuem nos lugares, ao longo dos tempos”
(YONAMINE, 2004, p.68).
No entanto, a cidade é uma paisagem onde se aliam elementos naturais
e culturais. Podem ser distintos, mas certamente, não são indissociáveis. A
transformação da paisagem em cenário urbano passa por modificações dos
elementos naturais (solo, clima, ar, água, flora e fauna) e a introdução de
sistema cultural, traduzido pela ocupação dos espaços, implantação e
crescimento da população, infraestrutura e serviços, setores produtivos e entre
outros (SANTOS e TEIXEIRA, 2001). Deste modo,
72
“O desenvolvimento urbano e o contínuo processo de
ocupação substituíram a cobertura natural do solo por
edificações e pavimentação. Como consequência ocorre a
alteração do balanço da energia das ondas emitidas pelo
sol. Por isso torna-se necessário planejamento em várias
questões e a arborização urbana é um aspecto que deve
ser considerado” (SEMADUR, 2018).
O equilíbrio entre vegetação e edificação, áreas pavimentadas e áreas
permeáveis, responde na qualidade de vida dos indivíduos. O conforto
ambiental está ligado a absorção e liberação de calor dos elementos, a
umidade da atmosfera, áreas de sombreamento, e são os indivíduos ao
transitar pela cidade, que percebem e sofrem consequências.
De outro modo, parece haver consenso sobre os efeitos benéficos
proporcionados pela presença da vegetação nas cidades. A organização do
elemento vegetativo arbóreo no desenho urbano está relacionada
principalmente com suas funções, que basicamente podem ser divididas em
lazer, estética e ecológica. Estudos sobre o clima urbano desenvolvidos no
Brasil nos últimos anos destacam a influência da vegetação arbórea na
atenuação das ilhas de calor nas cidades (SHINZATO, 2009).
A manutenção de solo permeável e de área verde substancial dentro da
área urbana beneficia a qualidade de vida, pois aumenta a umidade do ar,
diminui o calor, reduz a poluição atmosférica, ameniza parte da poluição
sonora, evita processos erosivos e auxilia a fauna local, pois:
“A vegetação é importante, pois, ameniza o efeito estufa no
meio urbano, (...) diminuindo a poluição atmosférica,
sonora e visual e ainda age sobre a saúde física e mental
do ser humano contribuindo para sua qualidade de vida.
Além de todas as funções climáticas a arborização urbana
também ajuda a organizar o ambiente urbano, embeleza e
perfuma ruas, praças e jardins melhorando também a
paisagem do ambiente” (SEMADUR, 2018).
73
A vegetação arbórea é a que apresenta maior destaque nas discussões
que relacionam área verde e cidade. Por seu porte e copa, proporciona
substancial sombreamento, o que traz maiores respostas para ao clima e
usufruto dos indivíduos.
A arborização urbana, então, tem função importante na produção e
apropriação da paisagem local, bem como diversos benefícios tanto ao Meio
Ambiente, à Paisagem e à Sociedade (Figura 1).
Figura 1. Benefícios da Arborização Urbana. Fonte: SEMADUR (2018).
Cada município elabora diagnóstico constante de vegetação, para zelar
a saúde do espaço e das pessoas. Isso considera a quantidade de vegetação
em relação à área edificada e as condições em que a mesma se encontra, pois
no meio urbano a vegetação sofre ações antrópicas constantes e precisa de
manutenção.
Campo Grande é a capital do Estado do Mato Grosso do Sul, onde as
principais fontes de renda são do agronegócio e da pecuária. Localiza-se a
74
20°28’13,40737” de latitude Sul e 54°37’25,87099” de longitude Oeste de
Greenwich e a uma altitude média de entre 500 e 675m. Apresenta clima
predominantemente tropical úmido, com verão chuvoso e inverno seco, que
segundo classificação de Koeppen-Geiger, define-se como clima tipo Aw,
tropical com estação seca. A temperatura média do mês mais frio é 21,3°C e
do mês mais quente de 27,2°C e a precipitação média anual fica entre 1500 ±
500 mm. Ocupa área de perímetro urbano de 35.903,53ha (PLANURB, 2016/
EMBRAPA, 2018).
Seu relevo é predominantemente plano e possui área de 8.086,051
Km2, é composta por 74 bairros, divididos em 9 Regiões (Segredo, Prosa,
Bandeira, Anhanduizinho, Lagoa, Imbirussu, Centro, Anhanduí e Rochedinho),
com população aproximada de 749.7682 (PLANURB, 2017).
A cidade, hoje com 118 anos, passa por adaptações, sofre com os
vazios urbanos, o grande número de veículos privados e com regiões já
consolidadas que são renegadas pelo processo transitório de fluxo econômico
e social que acontece dentro da cidade, o que acaba contribuindo para
marginalização, depredação e deterioração desses espaços urbanos.
A região central hoje demanda tratamento e planejamento. Sofre com o
adensamento de edificações e redução de áreas verdes, apesar de possuir
algumas praças, ainda assim, o lazer e a contemplação são ineficientes para o
local (ARRUDA, 2002b).
O primeiro programa de arborização para as ruas de Campo Grande
aconteceu em 1913, quando o intendente, Dr. Arlindo de Andrade Gomes,
solicitou ao diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ao Ministro da
Agricultura cerca de mil mudas de árvores europeias (plátano, magnólia,
carvalho), no sentido de melhoria da estética paisagística (GARDIN, 1999 apud
LE BOURLEGAT, 2000, p.230). O trabalho de arborização começou nas
primeiras ruas contidas no Plano de Arruamento de Ruas e Praças, e constituiu
as aleias de fícus e ingazeiros da Avenida Afonso Pena, uma das principais
vias de tráfego da cidade, que permanecem até hoje (SEMADUR, 2018).
Desde então, a arborização viária em Campo Grande vem acontecendo
de forma aleatória e um tanto desordenadamente. Somente com a realização
da Rio-92 inicia-se processo de criação de espaços verdes, reservas
ecológicas e áreas de proteção ambiental, além da instituição da própria
75
Agenda 21 do município, que colaboram para a constituição de novo cenário de
preocupação ambiental (SEMADUR, 2018).
A cobertura vegetal predominante no município de Campo Grande é o
Cerrado, a segunda maior formação vegetal brasileira. As árvores nesse
ecossistema apresentam características peculiares que as tornam adequadas
às condições de solo e clima, tais como o tronco revestido por casca grossa e
rugosa e órgãos subterrâneos de reserva (SEMADUR, 2018).
A Avenida Afonso Pena, principal da cidade, foi planejada como um
Boulevard, rua larga e canteiros de árvores generosas. Esse canteiro já passou
por diversas reformas, mas sempre mantendo suas árvores centenárias (LE
BOURLEGAT, 2000).
Classificações, sazonalidade e adensamento, fazem toda a diferença
nas aplicações dentro do espaço urbano e de seus resultados no
sombreamento e resfriamento de áreas tão especiais numa via urbana como
esta. Por isso, a preocupação em proteger espécies exóticas, recentemente
tombadas em seu conjunto (Decreto n. 11.600/2011) podem combinar-se
também com espécies nativas para perpetuar o bioma regional e diversificar a
paisagem nas ruas e parques da cidade.
Assim, o objetivo neste trabalho é compreender a organização dos
elementos físicos naturais e construídos aliados ao desenvolvimento urbano,
na paisagem da Avenida Afonso Pena, tanto no tempo quanto no espaço
geográfico.
6.1.4. Material e Métodos
Sob base conceitual apresentada pelo sistema GTP e tomando a
Paisagem urbana como manifestação do espaço, do Geossistema, do Território
e da Cultura, passível de ser descrita e relacionada a transformações, foi
importante estabelecer recorte espacial urbano limitado, porém, diretamente
relacionado com a Avenida objeto de estudo.
Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada
na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 2).
76
Figura 2. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,
recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).
Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram aplicados em
área de aproximadamente 10 km² (Figura 3), referente a retângulo envolvente
que abarca aproximadamente raio de 500 metros a partir da Avenida Afonso
Pena, tomando como referências importantes as Avenidas paralelas, Av. Mato
Grosso e Av. Fernando Correa da Costa, e áreas extremas, Parque dos
Poderes e Praça Newton Cavalcanti, englobando também elementos chaves
(Apêndice – Mapa Chave), tais como edifícios e monumentos do centro da
cidade, Parque das Nações Indígenas, dentre outros.
Figura 3. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).
Este recorte espacial, além de englobar a área definida no tombamento
dos canteiros centrais (Avenida Afonso Pena, entre Rua Pedro Celestino e
Avenida Calógeras), também inclui toda a extensão da AP e seus bairros10
10 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01)
77
lindeiros, definidos pelas Avenidas, parque e praça que definiram os limites
deste recorte de estudo.
Assim, para que a análise da AP e dos seus 39 canteiros11 (22 tombados
+ 17 existentes) fosse feita, foi necessária sua divisão em setores –
subunidades de análise, ou ainda, geofaces do geossistema (Figura 4).
Figura 4. Setores da Av. Afonso Pena: Amambaí, Centro, Jardim dos Estados,
Altos - subunidades de análise/ geofaces do geossistema. Fonte: A autora
(2018).
Estas subunidades de análise foram aqui adaptadas e nomeadas em
função: dos bairros lindeiros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados), da
predominância da elevada cota topográfica - já assim batizada na cidade - para
a congregação dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio (Altos),
dos marcos naturais (córrego Segredo, na Av. Pres. Ernesto Geisel), marcos
construídos (Obelisco, na R. José Antônio, e viaduto, na Av. Ceará), e dos
limites legais da Avenida Afonso Pena (Praça Newton Cavalcanti e Parque dos
Poderes) (Figura 5).
11 Numericamente, contabilizadas todas as interrupções - cada rua transversal ou retorno de tráfego - a Avenida Afonso Pena, de ponta a ponta, totaliza 45 (quarenta e cinco) canteiros. Porém, para oferecer melhor qualidade e menor distorção à análise dos canteiros quanto à arborização e aos recursos arquitetônicos, alguns deles foram agrupados, de modo a se assumir neste trabalho a contagem de 39 (trinta e nove) canteiros. Define-se que o canteiro número 01 é o do extremo leste, a contar do Parque dos Poderes, sucessivamente, até alcançar o canteiro número 39, no extremo oeste, na Praça Newton Cavalcanti.
78
Figura 5. Mapa da Av. Afonso Pena e Bairros da área de entorno, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de SISGRAN/PMCG (2017).
Definiu-se, então, os seguintes setores (subunidade de análise/geoface)
de análise (Quadro 1):
• Amambaí: da Praça Newton Cavalcante (Av. Duque de Caxias) até a Av.
Pres. Ernesto Geisel, compreendendo 02km da Avenida;
• Centro: da Av. Ernesto Geisel até a R. José Antônio, menor, com 900m;
• Jardim dos Estados: da R. José Antônio até o viaduto sobre a Av. Ceará,
engloba mais 02km da Avenida;
• Altos: do viaduto da Av. Ceará até o Parque dos Poderes (Av. do Poeta).
Quadro 1. Campos Visuais dos Setores da Av. Afonso Pena, Campo
Grande/MS
SETOR
SUBUNIDADE
GEOFACE
PONTO CAMPO VISUAL
Amambaí (1)
Praça Newton Cavalcanti
79
(2)
Av. Pres. Ernesto Geisel
Centro
(3)
Av. Pres. Ernesto Geisel
(4)
R. José Antônio
Jardim dos
Estados
(5)
R. José Antônio
(6)
Viaduto Av. Ceará
80
Altos
(7)
Viaduto Av. Ceará
(8)
Parque dos Poderes
Fonte: Adaptado de Google Earth (set./2017).
Com foco na dimensão do Geossistema, e para atender os objetivos,
foram utilizadas fontes primárias e secundárias (fotográficas, cartográficas,
documentais e historiográficas). Em torno da complexidade do meio ambiente
urbano, os procedimentos, em síntese, voltaram-se à caracterização física
(natural e construída) da paisagem da Avenida Afonso Pena.
Para analisar subsistema físico (natural e construído), foram levantadas
bibliografias sobre o município de Campo Grande, capital do Estado de Mato
Grosso do Sul, e sua expansão, a paisagem e as cidades, e a vegetação no
espaço urbano. Também foi utilizada a análise por imagens de satélite Landsat,
no intuito de avaliar a vegetação e recursos arquitetônicos na área de estudo e
qual a sua relação de uso, espaço e pessoas.
Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados da
seguinte maneira, por meio de informações historiográficas e representações
cartográficas, geofotográficas e fotojornalísticas, com destaque para:
• Subsistema físico natural: base material da Avenida definida por
elementos climáticos (hidrografia, perfil do solo, topografia, vegetação) que
estabelecem suporte físico do recorte de estudo quanto ao bioma em que se
insere, com referência em LE BOURLEGAT (2000), KLINK e MACHADO
(2005), EMBRAPA (2018), PLANURB (2017), ISPN (2017), MMA (2017);
81
• Arborização e Agrupamentos Arbóreos: base quanti-qualitativa da
composição das massas vegetais que caracterizam a paisagem vegetal,
coletada através de inventário focado nas categorias de Disposição
(forma/organização espacial horizontal), Densidade (forma/organização
espacial vertical) e Tipo (classificação vegetal pela forma – arbórea,
palmácea, conífera, trepadeira, arbustiva, herbácea), organizados por meio
de planilha, com referência em LIRA FILHO (2003) e PEIXOTO et al. (1995).
A cada identificação visual, canteiro a canteiro, um ponto era lançado para a
presença da categoria, de modo a se colher resultados e análises parciais e
totais quanto às semelhanças e contrastes por canteiro, por setor
(subunidade de análise/geoface) e na AP. Estes dados foram revertidos
tanto em planilhas, quanto gráficos e imagens de caracterização visual;
• Traçado, Relevo e Topografia: base material da Avenida, com referência
nas cotas de níveis da mesma (GOOGLE EARTH, 2018), com a formulação
de perfil topográfico e análise por trecho das relações estabelecidas entre
forma urbana, usos e acidentes geográficos;
• Subsistema físico construído: base material da Avenida definida pelas
funções, equipamentos, marcos e utilitários que compõem as áreas verdes
urbanas e que estabelecem suporte físico para os recursos arquitetônicos na
construção urbana da paisagem;
• Recursos Arquitetônicos: base quanti-qualitativa da identificação dos
recursos arquitetônicos que caracterizam a paisagem arquitetônica, coletada
através de inventário focado nas categorias de Infraestrutura (iluminação e
irrigação), Circulação e Piso (passeio, ciclovia, escada e rampa), Divisória
arquitetônica (cercamento), Mobiliário (banco, mesa, playground,
alongamento, bebedouro, lixeira, ponto de ônibus, ponto de táxi e banca de
revista), pequena Construção (pérgula e concha acústica), uso de Água
(fonte e espelho), Equipamento (telefone público, caixa correio, sinalização
pública e publicidade), Mobilidade (trafic calming e passarela) e Monumento
ou obra de arte (escultura, placa e busto), organizados por meio de planilha,
com referência em JOHN e REIS (2010). A cada identificação visual,
canteiro a canteiro, um ponto era lançado para a presença da categoria, de
modo a se colher resultados e análises parciais e totais quanto às
semelhanças e contrastes por canteiro, por setor (subunidade de
82
análise/geoface) e na AP. Estes dados foram revertidos tanto em planilhas,
quanto gráficos e imagens de caracterização visual;
• Patrimônio e Valor Físico Natural e Construído: a combinação analítica
destes critérios da Avenida proporcionou caracterizar e relacionar, com
referência em SILVA (2012) e BERTRAND (2007), a definição de Unidades
de Paisagem e as dinâmicas geossistêmicas materializadas na Avenida
Afonso Pena.
Deste modo, o subsistema físico natural e construído da Paisagem da
Avenida Afonso Pena tive origem nas imagens e observações de campo, aliado
aos fatores geossistêmicos do ambiente. Foram utilizadas técnicas
padronizadas de coleta de dados a partir de observação sistemática. Para isto,
elaborou-se roteiro de itens de observações a serem registrados,
fundamentando-se em DEMATTÊ (1999), LIRA FILHO (2002 e 2003) e
DEPAVE (s.d.). Assim, foram abordados os seguintes aspectos: arborização
urbana e recursos arquitetônicos.
Estas informações possibilitaram entender aspectos essenciais do
geossistema conjugado à crescente aglomeração urbana, pois, “embora os
geossistemas sejam fenômenos naturais, todos os fatores sociais e
econômicos que influenciam este sistema espacial são levados em
consideração” (TROPPMAIR, 1987 apud SILVA, 2012, p.79). Isso significa
entender que o próprio espaço e a fisionomia se apresentam como categorias
importantes para a descrição do subsistema físico natural e construído da
Avenida, que aqui é tomada não só como o ambiente em que indivíduos estão
inseridos, mas o personagem principal em si mesmo.
A metodologia de pesquisa atendeu às demandas de pesquisa,
possibilitando o alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se
utilizar de interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais
do lugar, sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não
reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).
6.1.5. Resultados e Discussão
6.1.5.1. Subsistema Físico Natural
83
Para se analisar a Avenida Afonso Pena, é necessário descrever os
elementos determinantes da sua ocupação em função das características
naturais regional, municipal e local.
O município de Campo Grande, macropolo regional, com 8.092,95 km²,
está localizado geograficamente na porção central de Mato Grosso do Sul,
ocupando 2,26% da área total do Estado. Sua posição é definida pelas
coordenadas geográficas 20°28’13,40737” latitude Sul e 54°37’25,87099”
longitude Oeste, e sua altitude varia entre as cotas 500 e 675 metros. (IBGE,
2016 apud PLANURB, 2017, p.02-03). “Campo Grande, na maior parte (89%),
está localizada na Zona das Monções, enquanto pequena parte (11%) na Zona
Serra de Maracaju” (ZEE, 2016, p.85).
Quando se identifica o conjunto de componentes bióticos e elementos da
paisagem natural do estado de Mato Grosso do Sul, este pode ser visto como a
região de “planura sem fim” (ARRUDA, 2002a) e entendido como um “Estado
Platino” (LE BOURLEGAT, 2000, p.26). Estar contido entre os principais rios
que compõem a Bacia Platina (Rio Paraguai, à Oeste, e, Rio Paraná, à Leste),
sendo também conhecido como a “Mesopotâmia Brasileira” (LE BOURLEGAT,
2000, p.26), justificam essa denominação.
É no centro dessa divisão de águas (Bacia do Paraguai e Bacia do
Paraná, sub-bacias do Aquidauana e do Pardo, respectivamente) que
atravessa o estado que a capital está localizada geograficamente e tem se
expandido urbanisticamente (Figura 6), onde “o perímetro urbano de Campo
Grande ocupa as nascentes do rio Anhanduí, ou seja, as terras banhadas pelos
córregos Segredo, Prosa e Imbirussu, formadores do rio Anhanduizinho” (LE
BOURLEGAT, 2000, p.29).
84
Figura 6. Bacia Hidrográfica do Perímetro Urbano de Campo Grande/MS.
Fonte: LE BOURLEGAT (2000, p.31).
Historicamente, o marco zero do município está localizado exatamente
na confluência entre os Córregos Prosa e Segredo (Av. Fernando Correa da
Costa e Av. Ernesto Geisel, respectivamente), que originam o Rio Anhanduí e
definem o Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal), fundado
em 1912, com 4,5ha (Figura 7) (PLANURB, 2017).
85
Figura 7. Marco Zero de Campo Grande/MS. Fonte: BASE - Aerofotogrametria
e Projetos. S.A/PMCG apud PLANURB (2017, p.03).
Neste ponto, o relevo é determinado pela Bacia Sedimentar do Paraná,
com a grande unidade geomorfológica do Planalto Arenítico Basáltico, no qual
“as maiores potencialidades (...) dizem respeito às argilas, areias e britas” (LE
BOURLEGAT, 2000, p.32).
No conjunto deste relevo regional, o município de Campo Grande
geologicamente “é abrangido pelas formações Serra Geral e Botucatu do
Grupo São Bento e Caiuá do Grupo Bauru” (PLANURB, 2017, p.04). Desta
forma, “ocupa a superfície rampeada do reverso de cuesta da Bacia
Sedimentar do Paraná, incluindo o rebordo empinado dessa unidade (a frente
de cuesta) e parte do Primeiro Patamar da Borda Ocidental” (LE BOURLEGAT,
2000, p.38). “Na Zona das Monções, há predomínio de espessos pacotes de
arenitos de deposição mista da Formação Caiuá em relevo de colinas amplas
com encostas muito suaves e nas áreas de relevo suavemente ondulados”
(ZEE, 2016, p.85-86).
86
Em se tratando da geomorfologia, a cidade posiciona-se na “Região dos
Planaltos Arenítico-Basálticos Interiores” e possui território com forma alongada
no sentido NW SE (Atlas Multirreferencial, 1990 apud PLANURB, 2017, p.04).
Em geral, são áreas de menor potencialidade em recursos minerais.
Mas, quando expostas às intempéries, dão origem a solos mais ricos, de maior
fertilidade e potencialidade agrícola, à exemplo dos Latossolos Vermelhos,
apresentando em geral textura média a argilosa (SEMAD/PLANURB, 2017), é
exatamente nestas áreas “onde se abrigam a maior parte dos centros urbanos
do estado” (LE BOURLEGAT, 2000, p.35-36).
Estas potencialidades naturais do território campo-grandense explicam,
dentre outras, o desenvolvimento da capital, pois “a cidade de Campo Grande,
escolhida para ser capital do novo Estado, ocupa hoje, tanto posição central no
território constituído, como usufrui de significativa centralidade econômica no
espaço dos fluxos estabelecidos dentro do Estado” (LE BOURLEGAT, 2000,
p.15).
No entanto, as características geotécnicas do sítio urbano de Campo
Grande também trouxeram dificuldades à sua ocupação. A maior parte dos
terrenos utilizados no processo de urbanização tem problemas quanto à
superficialidade do lençol freático, formados a partir de algumas grandes
manchas de menor declividade, combinadas à exposição das finas camadas de
cobertura do solo (LE BOURLEGAT, 2000).
Por outro lado, devido ao caráter confluente do MS em relação aos
principais sistemas atmosféricos atuantes na América do Sul e às altimetrias do
relevo regional, a cidade de Campo Grande ocupa faixa de transição entre
duas zonas climáticas, Tropical Alternadamente Seco e Úmido e Subtropical
Úmido, o que favorece a amenização das altas temperaturas comuns à latitude
(ZAVATINI, 1992 apud LE BOURLEGAT, 2000).
O regime de chuvas é sazonalmente definido por duas estações: uma
seca (maio a setembro) e outra chuvosa (outubro a abril). A precipitação média
anual é de 1500 ± 500 mm, com temperatura média anual entre 21,3°C e
27,2°C (EMBRAPA, 2018).
Quanto à vegetação, Campo Grande pertence aos domínios
fitogeográficos do Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul, cobrindo
o equivalente a aproximadamente 23,9% do território brasileiro, e 61% da área
87
do estado de Mato Grosso do Sul (EMBRAPA, 2018/ MMA, 2018).
Historicamente, este fato é relevante, pois foi o “que levou as sociedades do
período colonial a incluir o Município na região da Vacaria” (LE BOURLEGAT,
2000, p.48-49).
Em 2007, “a cobertura vegetal remanescente (...) somou 168.113
hectares dos 810.000ha do território municipal, correspondendo a 20,7% de
sua área” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). O Cerrado detém elevada
riqueza de espécies vegetais, entre elas herbáceas, arbustivas, arbóreas e
cipós, totalizando 12.356 espécies, e flora vascular nativa, sendo
aproximadamente 44% destas consideradas endêmicas (KLINK e MACHADO;
2005).
Detendo 5% da biodiversidade mundial e reconhecida como a savana
mais rica do mundo, a biodiversidade do Cerrado assemelha-se à de florestas
tropicais mais exuberantes (ISPN, 2017). Devido à grande biodiversidade, altos
níveis de endemismo de espécies vegetais e avançado estágio de devastação
da cobertura vegetal original, o bioma é considerado como ‘hotspot’, no qual:
“O conceito expressa a situação de ecossistemas que
possuem alto endemismo de espécies (mais do que 0,5%
da diversidade mundial de plantas – ou mais de 1500
espécies exclusivas) e que se encontram seriamente
ameaçados, com mais de 70% da cobertura vegetal original
descaracterizada devido às atividades humanas” (ISPN,
2017).
O Cerrado constitui-se em “conjunto de formas de vegetação que se
apresenta segundo um gradiente de biomassa, diretamente relacionado à
fertilidade do solo” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). Suas principais
fisionomias vegetais (RIBEIRO e WALTER, 1998) presentes no território
campo-grandense são: Campo Limpo, Campo Sujo, Cerrado, Cerradão, além
da presença da Floresta Aluvial (mata ciliar) e áreas de Tensão Ecológica.
Apresentam-se da seguinte maneira:
88
“A Floresta Estacional Atlântica do tipo semidecidual
aparece no sul do Município, às margens do vale do rio
Anhanduí, sob a forma de floresta aluvial. Ao longo do
restante da rede de drenagem (incluindo as nascentes do
Anhanduí (...) manifesta-se predominantemente vegetação
aluvial de caráter pioneiro (vereda), marcando a paisagem,
principalmente urbana” (LE BOURLEGAT, 2000, p.49).
As áreas de Tensão Ecológica se caracterizam “pelo contato
Cerrado/Floresta Estacional Semidecidual e áreas das formações antrópicas
utilizadas para agropecuária” (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05). Isso
aconteceu e continua acontecendo devido à introdução de pastagens que
predominam na paisagem do município, que já vem mudando gradativamente
devido à introdução do cultivo de soja e milho (porção Oeste) e do plantio de
eucalipto (porção Leste) (SEMADUR apud PLANURB, 2017, 05).
“Além de políticas públicas de desenvolvimento regional,
um fator de destaque no extraordinário desempenho
agropecuário foi a geração de tecnologias agrícolas
modernas. Tecnologias para a correção, adubação e
manejo dos solos, obtenção de soja adaptada às baixas
latitudes, lançamento de cultivares e definição de manejo
em soja, arroz, milho, algodão, feijão e trigo constituem
alguns dos resultados promissores da pesquisa agrícola
nos trópicos” (EMBRAPA, 2018).
Os ‘hotspots’, como o Cerrado, apesar de serem áreas prioritárias para a
conservação mundial, ainda não recebem a atenção necessária para sua
preservação. No caso brasileiro, o bioma é o que possui menor porcentagem
de áreas sobre proteção integral, apresentando 8,21% de seu território
legalmente protegido por unidades de conservação. Desses, 2,85% são
unidades de conservação de proteção integral e 5,36% de unidades de
conservação de uso sustentável, incluindo Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (0,07%) (MMA, 2018).
89
De acordo com dados da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), os esforços mundiais para reverter a perda de espécies vegetais não
têm sido suficientes para compensar o ritmo de desmatamento. Muito tempo se
passou, mas a conscientização e a aplicação das leis ambientais não foram
suficientes para diminuir o ritmo de desmatamento no país, o que fez com que
outros ecossistemas brasileiros perdessem grande parte de sua extensão,
como o Cerrado (PEREIRA e COSTA, 2010).
“Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma brasileiro
que mais sofreu alterações com a ocupação humana. Com
a crescente pressão para a abertura de novas áreas,
visando incrementar a produção de carne e grãos para
exportação, tem havido um progressivo esgotamento dos
recursos naturais da região. (...) Além disso, o bioma
Cerrado é palco de uma exploração extremamente
predatória de seu material lenhoso para produção de
carvão” (MMA, 2018).
Soma-se a isso o fato de que o Cerrado tem grande importância social,
já que é lar para muitas populações que estão inseridas dentro de seus limites
e que sobrevivem de seus recursos naturais, como etnias indígenas,
ribeirinhos, geraizeiros, babaçueiras, vazanteiros e comunidades quilombolas,
detendo conhecimento tradicional da biodiversidade do bioma e fazendo parte
do patrimônio histórico e cultural brasileiro (MMA, 2017).
Ao mesmo tempo em que a antropização deve ocorrer de forma
controlada para que os efeitos colaterais do devastamento sejam minimizados,
visando a preservação da flora e conferindo o tempo necessário da natureza se
recompor, é evidente que a conservação dos biomas regionais é de extrema
importância para se manter diversidade biológica expressiva. Por isso, “as boas
práticas agrícolas e a preservação de áreas naturais são importantes para
manejo e conservação da biodiversidade do Cerrado” (EMBRAPA, 2018).
O Cerrado possui mais de 12 mil espécies vegetais já catalogadas, e
destas, mais de 220 têm uso medicinal e cerca de 400 podem ser usadas na
recuperação de solos degradados, barreiras contra o vento, proteção contra a
90
erosão ou para criar habitat de predadores naturais de pragas (ISPN, 2017).
Além disso, mais de 10 tipos de frutos comestíveis são consumidos pela
população local e vendidos nos grandes centros urbanos, como os frutos do
pequi (Cariocar brasiliense), buriti (Mauritia flexuosa), mangaba (Hancornia
speciosa), cagaita (Eugenia dysenterica), bacupari (Salacia crassifolia),
cajuzinho do cerrado (Anacardium humile), araticum (Annona crassifolia) e as
sementes do baru (Dipteryx alata) (MMA, 2018).
Tendo descrito todas estas características, observa-se que, assim, como
o estado e a capital de Mato Grosso do Sul, a Avenida Afonso Pena também
pode ser vista como uma mesopotâmia, ou terra entre rios. Implantada entre os
veios dos córregos Prosa e Segredo, a Avenida se estendeu e desenvolveu
sobre e contra as influências das características físicas naturais que aí existem.
Desde sua origem, nasceu como um ‘boulevard’ de linearidade rígida,
composto por espécies arbóreas estrangeiras (como o Ficus benjamin). Logo
de início, os córregos se constituíram em obstáculos para o crescimento da
cidade na direção sul e oeste, e o terreno barrancoso e de difícil acesso, na
direção leste. Por isso, seus córregos transversais estão desconectados da sua
extensão: um por ter sido ‘envelopado’ (Córrego Prosa), outro por ter sido
canalizado (Córrego Segredo), e seu principal vale foi transposto por viaduto
(Av. Ceará) com finalidade de expansão (especulação) urbanística.
Num cenário onde a capital sul mato-grossense, tanto quanto a Avenida
central da cidade, se apropria da localização geográfica regional e nacional
como ‘porta de entrada ao Pantanal’, associada à futura implantação do
Aquário Natural com espécies deste bioma, localizado dentro de um dos
maiores parques urbanos conjugados com reserva ambiental remanescente de
mata de Cerrado, sua fisionomia natural ainda é pouco explorada do ponto de
vista paisagístico e do patrimônio natural.
Espécies de árvores nativas, como o Ipê, árvore símbolo da cidade,
ainda são pontuais e parcialmente isoladas na paisagem da Avenida. Sem
desrespeitar o Plano Diretor de Arborização Urbana de Campo Grande (PDAU,
2010), espécies de valor estético ou frutíferas naturais do Cerrado podem ser
usadas para a composição da Avenida Afonso Pena, transformando cada um
dos seus canteiros em alternativa de resgate e representação da
biodiversidade natural do cerrado sul-mato-grossense. Do ponto de vista da
91
sustentabilidade ambiental, os canteiros podem proporcionar que a Avenida
conjugue estes qualitativos se tornando parque linear, com o despertar de nova
função urbana, dentre tantas que já assume, a do turismo ambiental urbano.
Hoje são os grandes fícus (22 exemplares da espécie Ficus microcarpa),
espécies exóticas, que estão tombados como patrimônio municipal (2011). Mas
adiante, elementos locais e espécies nativas também podem adquirir este valor
se conjugadas à gestão da sua paisagem voltada à recomposição natural e à
educação ambiental voltada ao incentivo de interação local, utilizando a
Avenida como grande eixo, não só de desenvolvimento econômico ou de
mobilidade urbana, mas também de aproximação ao caráter físico natural que
compõem sua paisagem e que cada vez mais é diluído com o adensamento
urbano dos seus bairros lindeiros.
6.1.5.2. Arborização e Agrupamentos Arbóreos
O espaço urbano é local forjado pelas ações do homem e todos os
elementos construídos no meio ambiente natural são corpos estranhos, que
irão responder de alguma forma ao clima e à paisagem. O tipo de cobertura do
solo e os materiais das edificações, por exemplo, respondem de forma
diferente à absorção e reflexão da radiação solar. A esses coeficientes de
reflexão dá-se o nome de ‘albedo’ (Figura 8). Materiais que possuem albedo
baixo proporcionam microclima agradável, como é o caso das vegetações
arbóreas (ESPEREENC, 2003 apud OLIVEIRA, 2011).
Figura 8. Albedo de materiais e superfícies no ambiente urbano. Fonte:
HUANG e TAHA (1990).
92
Levando em consideração o bem-estar do indivíduo, toda manutenção
de vegetação no meio ambiente urbano é benéfica. A vegetação arbórea
oferece sombreamento importante (Figura 9). Isto diminui a incidência de
radiação solar, o aquecimento de superfícies e, consequentemente, reduz a
liberação de ondas de calor (LAURIE, 1978 apud SHINZATO, 2009).
Figura 9. Temperatura de superfície por meio do sombreamento das árvores.
Fonte: LAURIE (1878) apud MASCARÓ e MASCARÓ (2002).
Além dos benefícios climáticos, há estudos comprovando resultados
importantes no controle de ventos em áreas urbanas (Figura 10), evitando
acidentes, diminuição nos índices de poluição, boa absorção de ruídos e até
mesmo redução do consumo de energia, uma vez que ao amenizar o calor,
também reduz o consumo de climatização artificial no interior das edificações.
Figura 10. Efeito das árvores na velocidade dos ventos sobre as edificações.
Fonte: KUHNS (2008) apud SHINZATO (2009).
93
Os diversos formatos de copa e suas alturas distintas podem provocar o
efeito de barreira de vento quando desejado (Figura 11), direcionando-o para
cima e produzindo o efeito de esteira e após o de barreira. (MASCARÓ e
MASCARÓ, 2002, p.27)
Figura 11. Proteção por faixas arborizadas. Fonte: Adaptado de BAÊTA &
SOUZA (1997) apud ABREU e ABREU (2012).
Dentro do espaço urbano, pode-se encontrar a vegetação disposta em
diferentes formatos: alinhada as vias públicas, em parques, calçadões, praças,
jardins, canteiros, áreas de proteção, galerias. A mesma pode ser rasteira,
arbustiva ou arbórea.
Segundo BURLE MARX (1987), é importante ter espécies nativas em
jardins urbanos e parques botânicos. O uso de plantas nativas é uma maneira
de ter espécies duradouras, já adaptadas ao clima, condizendo com a
realidade do local, fazendo com que a população compreenda o valor de seu
espaço e sua paisagem, com características singulares, como patrimônio.
A forma como as vegetações arbóreas são plantadas, o raio de suas
copas, resultará em entorno particular. Há como classificar essas densidades e
disposições e assim analisar a qualidade do entorno (Figura 12).
Adicionalmente, os resultados efetivos dessas variações também dependem da
análise das espécies e suas combinações. Nos maciços heterogêneos, por
exemplo existe, ainda, a possibilidade de misturar árvores perenes e
caducifólias. Este espaço moldado pela vegetação também se altera durante o
decorrer das diversas estações do ano, com a perda de folhagem, pela cor da
floração, frutificação e mesmo da folhagem (MASCARÓ e MASCARÓ, 2002,
p.27-28).
94
Figura 12. Disposição e densidade da estrutura vegetal para classificação da
estrutura arbórea. Fonte: adaptado de PEIXOTO et al. (1995) apud LABAKI et
al. (2011).
Isto posto, vê-se que a vegetação arbórea muito contribui para o
desenvolvimento das ruas, bem como das cidades. Neste trabalho, levantaram-
se informações da importância deste elemento nos canteiros de solos
permeáveis na Avenida Afonso Pena (Figura 13) que a diferenciam, tais como,
sua disposição, agrupamento, relevância, etc.
Figura 13. Av. Afonso Pena e Densidade Vegetal: canteiros, praças e parques.
Fonte: A autora (2018).
95
Analiticamente, ao longo dos seus canteiros da Avenida Afonso Pena,
podem-se encontrar diversas variações de disposição, densidade e tipo de
vegetações na sua arborização urbana (Figura 14).
Figura 14. Tipos de Disposição de vegetação arbórea na Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).
Quanto à Disposição (Figura 15), a subunidade dos Altos apresenta
arborização com predominância Pontual; as subunidades Jardim dos Estados e
Amambaí, com equivalência entre arborização Isolada e, ao mesmo tempo,
Difusa; e a subunidade Centro, com arborização Aglomerada, majoritariamente.
No conjunto geral, a Avenida Afonso Pena apresenta arborização com
predominância da arborização Difusa.
Figura 15. Distribuição da Disposição da Arborização total e por subunidade da
Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
Quanto à Densidade (Figura 16), três subunidades apresentam
equivalência na arborização: Altos, Jardim dos Estados e Amambaí, com
situações de agrupamentos arbóreos Parcialmente Isolados e Agrupados
96
Rarefeitos. Já o Centro, apresenta a arborização mais Agrupada e Densa.
Logo, a densidade que mais predomina na Avenida também é a Parcialmente
Isolada e Agrupada Rarefeita.
Figura 16. Distribuição da Densidade da Arborização total e por subunidades
da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
Quanto ao Tipo (Figura 17), a arborização na AP é majoritariamente
composta por forração Herbácea e indivíduos Arbóreos, principalmente na
subunidade Altos e no Amambaí. O Centro é a geoface que apresenta maior
homogeneidade entre árvores, palmeiras, arbustos e coberturas. Fugindo à
regra, o Jardim dos Estados, além das Herbáceas, apresenta mais exemplares
de Palmáceas do que arbóreos, e detém único exemplar de Trepadeira na
extensão da Avenida.
Figura 17. Distribuição do Tipo da Arborização total e por subunidade da Av.
Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
97
Ainda, notadamente quanto à arborização, o Centro da Avenida Afonso
Pena é o trecho que possui maior diversidade quanto à Disposição e
Densidade da mesma, enquanto que o Jardim dos Estados é o bairro com
maior diversidade quanto ao Tipo desta.
Sinteticamente (Total QT), a Avenida Afonso Pena apresenta
arborização com disposição Difusa, densidade Agrupada Rarefeita e tipos
Arbóreo e Herbáceo predominantes. Mas no universo dos 39 (trinta e nove)
canteiros da Avenida, alguns se destacam por maior ou menor diversidade,
qualitativamente (Total QL) quanto à Disposição, Densidade e Tipo de
Arborização, apresentando-se como aquela mais ou menos diverso quanto às
variações de categorias (Figura 18).
98
Figura 18. Distribuição da Disposição, Densidade e Tipo da Arborização total, por subunidade e canteiros da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
99
Quadro 2. Síntese do Campo Visual de Arborização (Disposição, Densidade e
Tipo), por subunidade e por canteiro com maior (+)/ menor (-) variabilidade da
Av. Afonso Pena, Campo Grande/MS.
SETOR
SUBUNIDADE
GEOFACE
CANTEIRO CAMPO VISUAL ARBORIZAÇÃO
Altos
(-)
(2)
(+)
(10)
Jardim dos
Estados
(-)
(15)
(+)
(21)
Centro (-)
(23)
100
(+)
(27)
Amambaí
(-)
(32)
(+)
(39)
Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).
Assim, é possível perceber, através da síntese do campo visual de
Arborização dos canteiros da AP (Quadro 2), aqueles que acumularam maior
(+) ou menor (-) presença quanto às categorias de Disposição, Densidade e
Tipo dos agrupamentos arbóreos. No Centro e no Jardim dos Estados o
contraste é bastante nítido, entre canteiro bem variado ou pouco variado do
ponto de vista da arborização.
Estes três aspectos da arborização conjugados na Avenida, ao mesmo
tempo, se combinam e se justificam. Quanto mais casual ou pontual a
disposição dos indivíduos, mesmo que arbóreos, mais isolada será a sua
densidade, da mesma forma que, quanto mais aglomerados estes estão, mais
densa será sua forma espacial.
Quanto aos canteiros que se inscrevem na área de tombamento (no. 24,
25, 26 e 27), não é à toa observar que são eles os que abrigam as maiores
variedades quanto à disposição, densidade e tipo de arborização no conjunto
da Avenida. Contudo, também é um deles o único da Avenida que não possui
qualquer forração Herbácea.
101
Fatores como expansão histórica, uso econômico e ocupação social dos
bairros lindeiros aos canteiros também explicam e ampliam a análise dos
agrupamentos arbóreos. Porém, do ponto de vista da transformação e
planejamento da paisagem esta análise desenvolvida reforça a singularidade
da arborização no bairro Centro que abriga os canteiros tombados, justificando
sua distinção e relevância no conjunto da paisagem da Avenida.
Por outro lado, é o Jardim dos Estados que apresenta maior qualitativo
(56) quanto à variabilidade dos agrupamentos arbóreos em comparação as
demais subunidades/geofaces (Altos, 58; Centro, 52; Amambaí, 56;
respectivamente). Além disso, o reconhecimento de que o restante da Avenida
possui a arborização majoritariamente difusa e/ou isolada, indica que há
potencial e necessidade para se intervir na mesma, implantando-se espécies
vegetais que favoreçam o adensamento e/ou a formação de novas
centralidades atrativas nesta arborização urbana.
Se a arborização isolada ou difusa for acrescida de novos indivíduos,
pode-se chegar à condição aglomerada, o que favorecerá a paisagem,
trazendo vários benefícios: quanto ao conforto ambiental, com maiores áreas
de sombreamento e consecutivo resfriamento térmico; quanto à apropriação,
com incentivo à permanência prolongadas nestas novas áreas sombreadas;
quanto à mobilidade e ao lazer, com a ciclovia também protegida da incidência
solar direta.
Campo Grande está entre as capitais brasileiras com maior cobertura
vegetal por habitante. A cidade, em 2009, já contava com 150 mil árvores em
suas vias (PDAU, 2010). Em 2011, chegou a 74 m² de área verde por habitante
(SEMADUR, 2012). A capital é regida por Plano Diretor de Arborização Urbana
(PDAU, 2010), além de possuir também dois guias específicos, a saber, Guia
Prático de Arborização Urbana (SEMADUR, 2010) e Guia de Arborização
Urbana (SEMADUR, 2012). Estes, além de abordar os fatores aqui
mencionados, engloba também os componentes do espaço urbano e sua
interação com a via, calçadas e cidadãos. O PDAU recomenda:
“(...) o plantio de espécies nativas com boa adaptação às
condições de um ambiente urbano. Permite o plantio de
espécies exóticas, desde que já saiba da sua adaptação.
102
Que as espécies sejam resistentes a pragas e doenças,
não produza frutos grandes e carnosos, não tenha flores
carnosas, não apresente princípios tóxicos ou alérgicos,
sem espinhos e sistema radicular pivotante para não
prejudicar a calçada” (PDAU, 2010).
Com a diversidade oferecida pelas espécies do Cerrado, sejam elas
ornamentais, frutíferas, aromáticas, dentre outras, a possibilidade de
combinações e variações a serem feitas se amplia exponencialmente. A
arborização dos canteiros da Avenida pode enfatizar valores já definidos
coletivamente, como para os canteiros tombados, bem como pode,
potencializar outros que ainda não tem valor reconhecido, dentre outros
motivos, pela pouca expressão da sua arborização.
Um caso exemplar é o Ipê (antigo gênero Tabebuia, atual Bignoniaceae)
(Figura 19), a colorida árvore do cerrado, árvore símbolo da capital e do
estado, especificamente, o amarelo (BUENO, 2018). “Além da beleza e
sombra, a árvore garante visita de admiradores embevecidos” (SANTOS,
2011). O clima do Cerrado, com baixas temperaturas nas manhãs e noites no
período de aridez e estiagem (inverno), propicia a florada desta árvore, que
“(...) tem um recurso de proteção para germinar na etapa mais propícia ao seu
desenvolvimento” (SANTOS, 2011).
Figura 19. Av. Afonso Pena e florada do Ipê colorido. Fonte: GARRIGÓ (2011)
apud SANTOS (2011).
103
Este despertar, segundo Hilário Chaparro, coordenador da Brigada
Verde, projeto da PMCG voltado à revitalização das áreas verdes, obedece a
uma sequência: “primeiro o roxo e o rosa, depois o amarelo e o branco”, com
brevidade e floração média de 30 dias, anualmente, sendo que “O ipê branco é
ainda mais fugaz, com flores que duram poucos dias” (SANTOS, 2011). Esta
expressão do relógio biológico confere à AP diferentes ambiências, resgatando
o patrimônio natural como um dos componentes essenciais da esfera urbana.
Isso significa dizer que, na conjugação da paisagem natural e da
paisagem urbana como paisagem cultural, não somente os canteiros já
tombados, mas todos os seus demais compõe a paisagem da Avenida Afonso
Pena sob a ênfase do valor coletivo estreitado pela proximidade e identidade
com as espécies vegetativas do bioma de Cerrado. Cada um dos 39 canteiros
tem potencial para agregar mais diversidade a este conjunto, propiciando
novas ambiências e microclimas associados aos usos socioeconômicos que aí
se articulam.
6.1.5.3. Traçado, Relevo e Topografia
Em sua grande maioria, os limites físicos resultam numa força
dominante em se tratando do espaço urbano, principalmente pela pregnância
de sua forma, traçado e de visibilidade. A continuidade de uma rua, por
exemplo, está ligada ao fato de ela ser elemento urbano satisfatoriamente
identificável, com eventual presença de espécies arbóreas, que reforçam sua
forma natural e desenho urbano, facilitando significamente seu reconhecimento
como tal (LYNCH, 2005).
Esse tipo de estrutura espacial, a rua, apresenta comprimento
característico, associado à expressão de direção, de movimento, de extensão e
de crescimento, e possível de ser limitado ou dividido fisicamente quando
arrematado “por uma forma ou espaço dominante, por uma entrada elaborada
ou articulada, ou pela fusão com outra forma arquitetônica ou com a topografia
de seu terreno” (CHING, 1998, p.198). Por outro lado, nem sempre a
demarcação física, como um desnível, barreira ou marco visual, são capazes
de, sozinhos, impor limites ou identidade ao espaço (DUARTE, 1993).
Se por um lado o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças (1909) fundou
a AP com extremo rigor em sua retilineidade, em grande parte, a possibilidade
104
de sua diferenciação em partes reside, dentre outros fatores, na topografia
variada pela qual a Avenida Afonso Pena passa, sobrepondo diferentes níveis
e cruzando acidentes geográficos, como córregos e vales, que lhe conferem
diferentes ambientações e perspectivas (Figura 20 e 21).
Figura 20. Av. Afonso Pena - Bairros e Cotas Topográficas. Fonte: Adaptado
de Google Earth (set. 2017).
105
Figura 21. Av. Afonso Pena, Bairros e Perfil Topográfico. Fonte: Adaptado de
Google Earth (set. 2017).
O Jardim dos Estados é a geoface cuja variação topográfica é menor, o
que confere à Avenida caráter mais plano (Figura 22).
Figura 22. Jardim dos Estados, trecho mais plano da Av. Afonso Pena
(canteiro no. 20). Fonte: Google Earth (set. 2017).
O Centro ocupa uma das margens em aclive do vale do córrego
Segredo, tendo sua principal Praça, a Ari Coelho, implantada exatamente em
seu ponto mais plano, o que carrega legibilidade e força como marco urbano a
106
ponto de mascarar, de certo modo, a topografia irregular deste trecho da
Avenida. É exatamente neste ponto que se concentram os canteiros tombados,
com a arborização frondosa e histórica que ali existe. Geometricamente, este
bairro não está no ponto médio da extensão da Avenida (Figura 23). Porém,
sua denominação enquanto Centro está ligada não exclusivamente a esse fator
espacial, mas também aos atrativos socioeconômicos, históricos e territoriais
que nele se instalam.
Figura 23. Centro, trecho plano da Av. Afonso Pena fronteiriço à Praça Ari
Coelho (canteiro 25). Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).
Em relação aos extremos da Avenida, de um lado (Figura 24), vê-se que
a topografia mais elevada da Avenida à leste, em relação ao vale do córrego
Prosa, é um dos fatores de sua nomeação como ‘Altos’ (conjunção dos bairros
Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio).
Figura 24. Altos, trecho mais elevado da Av. Afonso Pena, com diferença de
níveis entre pistas de rolamento e ciclovia (canteiro 06). Fonte: Adaptado de
Google Earth (set. 2017).
107
Do outro lado (Figura 25), da mesma forma se observa que o Bairro
Amambaí também é um ponto elevado à oeste, pelo seu nível topográfico em
relação ao cruzamento transversal com o córrego Segredo, no conjunto da
Avenida, onde “a topografia da área que (...) tinha um desnível de 30,00m,
contatos de sua parte mais alta (...)” (ARRUDA, 2001, p.19-20). Mas, ao
contrário do seu extremo, os Altos, essa subunidade não é denominada,
identificada ou apreendida de qualquer valor relacionado à sua posição
elevada, seja física ou social.
Figura 25. Amambaí, trecho em elevação da Av. Afonso Pena (canteiro 30).
Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).
Um fator explicativo para isso é que, pela força do traçado urbano do
bairro Amambaí, com “(...) um traçado barroco, de formato sinuoso e irregular
tendo como princípios reguladores a pré-existência das estradas boiadeiras
(...)” (ARRUDA, 2001, p.19-20). Ali, a Afonso Pena apresenta curva que,
sutilmente quebra sua retidão e, por consequência, minimiza a perspectividade
de sua forma e topografia sinuosa, anulando a percepção da maior altura do
trecho (Figura 26).
Figura 26. AP e sinuosidade no Amambaí. Fonte: Adaptado de Google Earth
(2007).
108
Ademais, sua origem ligada a um espaço destinado à moradia de
trabalhadores e militares, prejudicado pelas influências negativas da
desocupação da antiga Rodoviária, também não estabelece qualquer conexão
ou identidade com o poder ou status social, traduzido como ‘alto’, como assim
é feito nos Altos da AP.
De início, a existência do viaduto sobre o vale do Prosa é marco forte na
paisagem, ressaltando a diferença topográfica que depende da transposição
elevada (Figura 27).
Figura 27. Av. Afonso Pena e viaduto sobre vale da Av. Ceará. Fonte:
Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Depois, a inauguração do Shopping Campo Grande (1989) foi feita a
partir de aterramento de acentuado desnível, resultando em marcante talude
(Figura 28).
Figura 28. Av. Afonso Pena e talude protegido por muro de arrimo em
decorrência da implantação do primeiro shopping local. Fonte: Adaptado de
Google Earth (out. 2017).
109
Em sequência, a implantação do Parque das Nações Indígenas,
adjacente ao Parque dos Poderes (1988), fortaleceu da especulação
imobiliária, para pessoas de maior renda financeira. Assim, a denominação que
foi dada à subunidade da Avenida como ‘Altos’ reflete tanto sua posição
topográfica elevada quanto o status econômico e social que se dá a quem
frequenta a área.
Desta maneira, entende-se que na Avenida Afonso Pena, a própria
topografia e as inserções de elementos e equipamentos urbanos no seu
contexto também influenciaram a organização e definição de trechos que
compreendem a Avenida, de modo que, “(...) se visível ou invisível, esses
limites têm um papel essencialmente psicológico” (BAILLY, 1979, p.120).
6.1.5.4. Subsistema Físico Construído
Assim como a paisagem natural, a paisagem urbana é fenômeno
constituído por muitos elementos físicos e relações que regem e definem o
modo de se viver. Do mesmo modo que a natureza combina solo, relevo, ar,
água, temperatura, fauna e flora para compor um bioma específico, a
construção do espaço urbano depende do arranjo entre partes e objetos que
caracterizam usos e apropriações distintas, conferindo ambiência própria a
cada porção da paisagem urbana.
A paisagem urbana é um conceito amplo que se refere principalmente,
aos aspectos morfológicos de qualquer cidade. (...) é formada por vias, limites,
bairros, cruzamentos, área verde, relevo, clima, elementos marcantes, assim
como a presença de mobiliário urbano e elementos urbanísticos (AMADEI et
al., 2011, p.211)
Em primeiro lugar, a essência de ‘polis’12, bem como da paisagem
urbana, prescinde da existência dos espaços livres públicos como substrato da
vida citadina.
12 “A cidade-estado grega da qual Atenas foi o principal exemplo no período que vai das reformas de Clístenes (sec. VI a.C.) até a conquista da Grécia por Felipe da Macedônia. A polis se constituía com uma unidade política e territorial, sobre tudo através do vínculo que seus cidadãos mantinham com ela por lealdade, identidade cultural e origem. É na polis que se dá a experiência da democracia, caracterizada pela igualdade dos cidadãos perante a lei e pela participação destes na decisão política” (JAPIASSU e MARCONDES, 2006, p.220).
110
“Quando chegamos a uma cidade, nossos olhos percebem
cores, volumes, luzes e sombras, pessoas, trânsito, ruas.
Quando moramos na cidade, os elementos que a
compõem, tais como: edificações, praças, calçadas,
monumentos passam a fazer parte de nós assim como
nossa casa. Na esfera coletiva, este imaginário nos
pertence, é um pedaço de nós.” (COSTI, 2002, p.01).
Com base nos estudos desenvolvidos por MAGNOLI (1983), MACEDO
(1995, p.16) define os espaços livres como “todos aqueles não contidos entre
as paredes e tetos dos edifícios construídos pela sociedade para sua moradia e
trabalho”. Mais especificamente aqueles contidos dentro dos limites do tecido
urbano – ruas, praças, largos, parques, dentro outros – se denominam espaços
livres públicos.
Quando qualificado como livre e público, o espaço urbano, nas palavras
de COLQUHOUN (1991, p.263), agrega “(...) o próprio espaço edificado, sua
morfologia, o modo como afeta nossas percepções, a forma em que se o utiliza
e o significado que é capaz de obter”.
MURET (1987 apud ROMERO, 2001, p.33) também compartilha desse
pensamento quando reforça que “os espaços exteriores urbanos podem
corresponder aos espaços livres, isto é, disponíveis para todos, simples ou
adaptados a múltiplas funções”.
Essas definições sobre o que consiste o espaço urbano livre público, tal
qual ruas, praças, dentre outros, nos levam a entender que se trata de local
qualificado não somente pelos seus atributos físicos naturais, quanto
construídos (forma, traçado, equipamentos, marcos, mobiliários, recursos
utilitários), mas também pela sua receptividade e atratividade, qualidade de
vida e valor como patrimônio.
“Uma cidade que seja agradável de se habitar e que tenha
boa qualidade de vida é uma cidade que permite o
encontro, o livre acesso, o lazer, a prática de esportes ao ar
livre, e que cuida da saúde e da educação de seus
habitantes também. Uma cidade não pode ser composta
111
somente por casas ou por alguns desses elementos
isoladamente” (BRASILEIRO, 2000, p.150).
Nesta lógica, os espaços livres públicos podem também se qualificar
como área livre verde urbana, cuja definição tem diferentes aspectos.
Legalmente, área verde é “espaço de domínio público que desempenhe
função ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da
qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de
vegetação e espaços livres de impermeabilização” (art. 8°, § 1°, CONAMA,
2006).
Funcionalmente, área verde é um tipo especial de espaço livre onde há
predominância de áreas plantadas e que deve cumprir três funções (estética,
ecológica e lazer). A vegetação e o solo permeável (sem laje) devem ocupar,
pelo menos 70% da área. Sua utilização deve ser pública e sem regras rígidas
(NUCCI, 2001, p.198). Tem-se, então, que área verde será:
“onde há o predomínio de vegetação arbórea, englobando
as praças, os jardins públicos e os parques urbanos. Os
canteiros centrais de Avenidas e os trevos e rotatórias de
vias públicas que exercem apenas funções estéticas e
ecológicas, devem, também, conceituar-se como área
verde. Entretanto, as árvores que acompanham o leito das
vias públicas não devem ser consideradas como tal, pois
as calçadas são impermeabilizadas” (LIMA et al., 1994).
No geossistema urbano, então, a construção desse meio se dará em
função dos elementos materiais do seu espaço, os recursos arquitetônicos,
como equipamentos, mobiliários, marcos, etc., que também podem ser
combinados com recursos paisagísticos – arborização urbana, por exemplo.
São estes objetos que trazem o caráter físico, bem como qualitativo, ao espaço
urbano livre público.
Por ser um sistema complexo, a paisagem urbana, “é um todo que pode
ser compreendido em partes, no qual se utiliza diferentes escalas para analisar
um espaço” (SALLEM, 2006 apud AMADEI et al., 2011, p.217). Paralelamente,
112
o todo urbano pode ser decomposto “em elementos básicos para efetiva leitura
espacial” (CULLEN, 2006 apud AMADEI et al., 2011, p.217). Dessa maneira,
“quanto mais a visão das pessoas for estimulada, a paisagem urbana tornará
mais interessante, mais animada, despertando sensações e curiosidade para
com o que vier pela frente” (AMADEI et al., 2011, p.217).
Por isso, em se tratando do subsistema físico construído, os recursos
arquitetônicos são tão importantes para a leitura espacial das ruas da cidade.
Quando ausentes ou presentes, estes objetos podem definir ou estimular
valores de uso ou afeição pela população local, qualificando o espaço como
lugar propício, ou não, ao lazer, ao comércio, à circulação, ou outros,
direcionando ou alertando estratégias de qualidade e bem-estar para a gestão
urbana.
Enquanto recursos arquitetônicos são objetos de pequena escala
inseridos nos espaços urbanos livre públicos, os marcos arquitetônicos, de
escala edilícia, colaboram em aferir certo caráter à paisagem urbana. Marco é
aquele objeto construído que destoa da paisagem, se tornando ponto de
referência, tanto de mobilidade como de identidade. Isso ocorre porque
edifícios ou recursos arquitetônicos se correlacionam entre si, concorrendo
mutuamente, onde um acaba por ter predominância sobre o outro (AMADEI et
al., 2011).
No caso da Avenida Afonso Pena, tem-se a importância conferida à
Avenida, não só pelas suas proporções e morfologia, definidas pelo Plano de
Alinhamento de Ruas e Praças (1909), mas pelos equipamentos a elas
destinados. “Ela passaria a ligar o córrego Segredo, ponto urbano mais
ocidental, ao Campo de Marte, outro extremo rumo ao oriente, passando pelos
locais ponde seriam construídas a estação ferroviária e o passeio público –
Praça Ari Coelho” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.126).
Uma série de fatos, marcos e construções vão forjar, expandir e
prolongar o espaço físico da Avenida no interim da sua implantação até a
atualidade, resumidamente apresentada assim:
• Núcleo original - Centro: os canteiros (planejados em 1909, mas
construídos em 1921), na Avenida que foi idealizada como um ‘boulevard’,
com grande amplitude e vasta arborização; e, Praça Ari Coelho
(oficialmente inaugurada na década 1920) - antigo cemitério da cidade
113
transferido para outra localidade - de traçado clássico, com passeios
internos e calçamento externo;
• 1º prolongamento – sentido Oeste: pela chegada da rede ferroviária da
EFNOB (1914), com Avenida operando fluxo urbano articulado à R. 14 de
Julho, há fundação do bairro Amambaí (década de 1920) para acomodação
dos militares e operários recém-chegados; e, inauguração da Praça
Newton Cavalcanti (1934), definindo primeira extremidade da Avenida;
• 2º prolongamento – sentido Leste: inauguração dos monumentos do antigo
Relógio e vigente Obelisco (1933);
• 3º prolongamento – sentido Oeste e Leste: ponte de madeira (1940)
substituída por outra de concreto (1961) sobre córrego Segredo, e,
implantação e consolidação do atual bairro Jardim dos Estados (década de
1950 a 1970);
• 4º prolongamento – sentido Leste: construção do viaduto sobre o vale da
Av. Ceará (1985); implantação do Parque dos Poderes e sede
administrativa do Estado (1988), definindo segunda extremidade da
Avenida; inauguração do Shopping Campo Grande (1989) e Parque das
Nações Indígenas (1994); implantação e consolidação do atual bairro
Chácara Cachoeira (1980 a 2000) – reunindo-se, assim os vetores de
desenvolvimento dos ‘Altos’ da Afonso Pena.
Combinado a estes elementos, sua forma física retilínea e extensa é
determinante para a interpretação da Avenida como elemento central, pois é
possível exercer e usufruir de diversas atividades, e ao mesmo tempo alcançar
diversas zonas da cidade, transitando somente por uma única via.
Assim, a intensidade em que se manifesta esse fluxo, a partir da
convergência de infraestrutura e usuários (diga-se, da sua acessibilidade),
determina, seja sob o pretexto político, econômico ou cultural, papel mais
destacado deste espaço urbano na hierarquia da cidade.
Além do acesso visual, a proximidade física com os canteiros e a
participação social que nele se dá, propicia aos usuários o reconhecimento e a
valoração efetiva da AP. Mesmo com o tombamento dos canteiros da Avenida
em trecho central da sua extensão, o acesso da população à área nunca foi
totalmente impedido, mas a ausência de recursos arquitetônicos instalados ali,
como no restante da Avenida, tempos depois permite que esta esteja se
114
tornando lugar menos preeminente tanto pela falta de novos marcos e
equipamentos urbanos, quanto também pela movimentação de pessoas na
área.
Porém, COLIN (2000) afirma que, na gênese das cidades, todos os
habitantes usufruíam dos espaços urbanos em proporção equilibrada, tanto dos
equipamentos, como parques, teatros e praças, como também dos serviços
urbanos, como transporte, água e iluminação. A partir da evolução tecnológica,
que culminou no processo de industrialização e, por conseguinte, na divisão do
trabalho, o espaço urbano se contagiou dessa estratégia de divisão, tornando
seus espaços zoneados, segundo um uso, e assim, iniciando processo de
fragmentação, tanto do espaço urbano em si, como da apreensão que o
homem faz do mesmo.
Se por um lado, a ciclovia que corta os canteiros é intensamente
utilizada num trecho específico, como naquele defronte ao Parque das Nações
Indígenas, por pessoas praticantes atividades desportivas e recreativas, por
outro, a falta de características físicas mais convidativas ao usuário e a
escassa diversidade de atividades nos outros trechos da Avenida são agentes
que atuam sobre as expectativas e representações dos usuários.
Há algum tempo vem se levantado a hipótese da necessidade de
revitalização na Avenida, de modo a se incitar maior permanência, através do
uso de equipamentos e mobiliário urbanos, além de áreas convidativas para se
permanecer ali – “A Avenida Afonso Pena, principal artéria e a mais antiga com
canteiro central, carece de reformas urgentes, visando qualificar o espaço
urbano, retirando os veículos do canteiro central dando passagem para o
pedestre” (ARRUDA, 2002b: 03).
As vagas à 45º foram os primeiros recursos arquitetônicos a serem
eliminados dos canteiros centrais da Afonso Pena após o seu tombo como
patrimônio municipal. No entanto, ainda resta muito a ser feito no sentido de
favorecer e privilegiar o personagem principal na aferição de valores
patrimoniais à paisagem da Avenida, o cidadão campo-grandense. A escala do
usuário ainda não tem sido diretriz fundamental das estratégias de gestão do
espaço, visando a interação e permanência dos habitantes da cidade em toda
a extensão da Avenida.
115
6.1.5.5. Recursos Arquitetônicos
As categorias estabelecidas para o inventário e análise dos Recursos
Arquitetônicos (Figura 29) foram assim definidas (JOHN e REIS, 2010), de
acordo com a forma, função e escala:
• Infraestrutura: serviços indispensáveis à manutenção e segurança dos
espaços livres públicos verdes, como Iluminação (postes) e Irrigação
(hidrantes);
• Circulação/Piso: faixa com calçamento ou pavimentação própria e distinta
(passeio/ciclovia), destinada ao trânsito de pessoas, portadoras ou não de
meio de transporte individual (pedestre ou ciclista), e possíveis soluções de
transposição de níveis (escada/rampa);
• Divisória: elemento material arquitetônico (tapume, biombo, mureta, cerca,
etc.) que separa trecho ou ambiente, disposto por contiguidade, operando
como objeto de divisão ou barreira física;
• Mobiliário: objetos móveis ou permanentes disponíveis à livre utilização
pública, tais como banco, mesa, playground, estação de alongamento,
bebedouro, lixeira, ponto de ônibus, ponto de táxi, banca de jornal e revista,
etc.;
• Construção: elementos de pequeno porte imóveis que oferecem conforto
e suporte técnico para a permanência, uso e ocupação específica, como
comércio (quiosque), concha (cultura), pérgula (social/recreativo);
• Água: objetos que utilizam recurso hídrico com propósito estético ou
ambiental (espelho d’água, fonte, chafariz);
• Equipamento: aparelhagem instalada em área urbana, sobre ou sob a
superfície, com o fim de prestação de serviço ao público, como telefonia,
correspondência, sinalização ou publicidade (totens, idealizações
horizontal, vertical e aérea);
• Mobilidade: soluções espaciais que possibilitam a movimentação do
pedestre por meio da menor exposição ao risco contra o fluxo viário, tais
como ‘trafic calming’ e passarela;
• Monumento: obra artística, de importância arquitetônica, estética e/ou
cultural, erigida para homenagear personalidade ilustre, fato histórico ou
acontecimento notável.
116
Figura 29. Distribuição dos Recursos Arquitetônicos total, por subunidade e canteiros da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A
autora (2018).
117
De modo geral, das nove categorias, a Avenida Afonso Pena apresenta
em seus canteiros apenas seis delas, distribuídas de maneira bastante
desproporcional e rarefeita (Figura 30). Isso revela o quão pouco a Avenida é
explorada e aproveitada, do ponto de vista arquitetônico e das funções urbanas
da área verde livre - de lazer ativo, recreativo, contemplativo, trocas comerciais
e/ou culturais, educação comunitária e/ou ambiental.
Figura 30. Distribuição dos recursos arquitetônicos na extensão total da Av.
Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
A totalidade de canteiros possui iluminação pública (Figura 31), ciclovia
(Figura 32) e sinalização pública (Figura 33), em especial, a viária (pedestres,
ciclistas e automóveis).
Ciclovia com pavimento asfáltico Ciclovia com pavimento intertravado
Figura 32. Tipos de pavimentação na Ciclovia na Av. Afonso Pena, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
118
Iluminação h=baixa Iluminação h=média Iluminação h=alta
Figura 31. Tipos de Iluminação, por altura (h), da Av. Afonso Pena, CGR/MS.
Fonte. Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Figura 33. Sinalização Pública nos canteiros da Av. Afonso Pena, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Dos trinta e nove canteiros, somente 22 (vinte e dois) possuem passeio
público, o que representa 56% dos mesmos. Quando o piso existe, ou é
limitado às extremidades dos canteiros, direcionado para travessia transversal
na Avenida, ou ocorre cortando o mesmo, apenas para poucas e esparsas
travessias diagonais (Figura 34), permitindo pouco contato e interação dos
transeuntes com a área dos canteiros.
119
Figura 34. Pisos transversal e diagonal nos canteiros da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
O único canteiro que foge dessa regra, possuindo piso em quase a
totalidade da área, é o de no. 23, que fica diante da Praça da República
(também conhecida como Praça do Rádio), operando como extensão dessa
área livre pública em dias de grande movimentação de público, como em
comícios, passeatas e noites de seresta (Figura 35). Esse fato se explica, pois,
este canteiro teve suas árvores originais removidas em 1967 com fim de
urbanização geral dos canteiros – o que nunca aconteceu, mas deixou
distinção no conjunto da Avenida (ARRUDA, 2016).
Figura 35. Cercamento nos canteiros dos canteiros tombados no Centro, na
Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Somente nos canteiros do Centro (no. 22, 24*, 25*, 26*, 27* e 28) ocorre
a divisória por cercamento, justamente no intervalo em que se encontram os
exemplares da arborização tombados*. A mesma foi colocada após o ato legal
de preservação. Na ocasião, as vagas de estacionamentos centrais à 45º
foram removidas, os canteiros receberam tratamento paisagístico e a
passagem (pelos caminhos) e a permanência (nos bancos e muretas), dos
120
pedestres e cidadãos, que antes acontecia, foi repelida. Do ponto de vista da
apropriação, este fato concorre contra a interação patrimonial, minimizando o
contato direto e a convivência da população exatamente no trecho que lhe é
mais caro (Figura 36).
Figura 36. Cercamento nos canteiros dos canteiros tombados no Centro, na
Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Contudo, o único canteiro dos 7,75km da Av. Afonso Pena que possui
mobiliário (banco) é o de no. 26, o que reforça total ausência de incentivo e
usufruto do espaço dos canteiros quanto à permanência (Figura 37).
Figura 37. Canteiro no. 26, no Centro – único com bancos na Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
121
Da mesma forma, o único canteiro que possui ‘playground’ é o canteiro
de no. 01, localizado nos Altos da Avenida, região extremante associada ao
lazer e contato com a natureza, dada a adjacência com os parques das Nações
Indígenas e dos Poderes. Fato este que se mostra contraditório à tradição de
atividade esportiva do primeiro trecho da Avenida a receber a ciclovia e que,
recentemente, tem sido fechado parcialmente ao trânsito de automóveis nos
finais de semana para o desempenho recreativo (Figura 38).
Figura 38. Playground na Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de
Google Earth (out. 2017).
As poucas lixeiras existentes na Avenida também se encontram somente
neste trecho (canteiros no. 01, 02, 03, 05, 06 e 07), bem como as pontuais
publicidades, localizadas nos canteiros no. 01, 03, 04 e 05 (Figura 39).
Figura 39. Lixeira e Publicidade nos Altos da Av. Afonso Pena, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
122
No outro extremo da Avenida, o Amambaí possui o único ponto de táxi
de toda a Afonso Pena. Este se localiza no canteiro no. 38, penúltimo, em
região que é rica em hotéis e hospedarias, tanto pela proximidade com a
rodoviária, que por muito tempo funcionou nas redondezas, bem como pelo
trajeto para o aeroporto internacional da cidade (Figura 40).
Figura 40. Ponto de Táxi no B. Amambaí, na Av. Afonso Pena, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de Google Earth (out. 2017).
Os monumentos na AP são poucos, mas um pouco melhor distribuídos
ao longo de sua extensão total. O Jardim dos Estados possui o Monumento MS
(canteiro no. 11), além do famoso monumento do Obelisco, que faz a divisão
entre os canteiros no. 21 e 22 e este bairro e o Centro da cidade. A subunidade
ou geoface do Centro é a que mais concentra os monumentos da Avenida.
Além do já citado Obelisco, em sequência, possui a recente escultura em
homenagem ao poeta Manoel de Barros (canteiro no. 24), a escultura de
homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira) (canteiro no. 25), o atual Relógio
(canteiro no. 27), e ainda, o Busto de José Antônio Pereira, o fundador da
cidade (canteiro no. 28). O bairro Amambaí abriga o Monumento Corretor de
Imóveis no último canteiro da Avenida antes da Praça Newton Cavalcanti
(canteiro no. 39) (Figura 41).
123
Monumento MS
Canteiro no 11
Jardim dos Estados
Obelisco
Canteiro no 21
Jardim dos Estados/Centro
Monumento
Corretor de Imóveis
Canteiro no 39
Amambaí
Escultura Manoel de Barros
Canteiro no 24
Centro
Relógio
Canteiro no 27
Centro
Escultura FAB
Canteiro no 25
Centro
Busto José Antônio Pereira
Canteiro no 28
Centro
Figura 41. Monumentos, por subunidades e canteiros da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
124
Quadro 3. Síntese do Campo Visual de Recursos Arquitetônicos, por
subunidade e por canteiro com maior (+)/ menor (-) variabilidade da Av. Afonso
Pena, Campo Grande/MS
SETOR
SUBUNIDADE
GEOFACE
CANTEIRO CAMPO VISUAL RECURSOS ARQUITETÔNICOS
Altos
(-)
(02)
(+)
(01)
Jardim dos
Estados
(-)
(15)
125
(+)
(21)
Centro
(-)
(23)
(+)
(27)
Amambaí (-)
(32)
126
(+)
(39)
Fonte: Adaptado de Google Earth (set. 2017).
Assim, é possível perceber, através da síntese do campo visual de
Recursos Arquitetônicos dos canteiros da AP (Quadro 3), aqueles que
acumularam maior (+) ou menor (-) presença quanto às categorias de
Infraestrutura, Circulação/Piso, Divisória, Mobiliário, Construção, Água,
Equipamento, Mobilidade e Monumento.
Fatores como expansão histórica, uso econômico e ocupação social dos
bairros lindeiros aos canteiros também explicam e ampliam a análise dos
recursos arquitetônicos. Quanto aos canteiros que se inscrevem na área de
tombamento (no. 24, 25, 26 e 27), não é à toa observar que são eles os que
abrigam as maiores concentrações quanto aos recursos arquitetônicos no
conjunto da Avenida. Contrariamente, o Jardim dos Estados é o que concentra
os canteiros com menor diversidade de recursos arquitetônicos, considerando
que é um bairro com origem residencial classe alta, que hoje transita para uso
comercial e de serviços, caracteriza por um cotidiano de poucos transeuntes
durante o dia na Avenida.
Contudo, de modo geral, a Avenida Afonso Pena, possui limitada
composição de recursos arquitetônicos ao longo de sua extensão. JOHN e
REIS (2010, p.187) já constataram situações semelhantes quando “percebem-
se lacunas na avaliação estética e de uso do ambiente construído em relação
ao mobiliário urbano e ao seu entorno, especialmente em locais de edificações
de reconhecido valor histórico e arquitetônico”.
Dados os usos socioeconômicos e trajetória história da sua paisagem, a
mesma carece de maior e melhor incidência dos mesmos para qualificar seu
127
espaço urbano, principalmente pelo fato da ocorrência dos canteiros tombados,
que denotam a preservação mas também favorecem a transformação da AP
por novas formas de apropriação urbana. O mobiliário urbano, ou recursos
arquitetônicos, além de outros fatores de desenho ambiental, pode estimular o
uso social dos espaços abertos (MEHTA, 2007 apud JOHN e REIS, 2010).
É importante considerar os recursos arquitetônicos enquanto elemento
influenciador da qualidade dos espaços urbanos, garantindo que esses
elementos não sejam obstáculos ao percurso do pedestre (FERREIRA e
SANCHES, 2000 apud JOHN e REIS, 2010). Além disso, “o mobiliário urbano
juntamente com outros fatores associados ao uso do espaço pode facilitar a
convivência social e o intercâmbio de experiências individuais e coletivas
(MONTENEGRO, 2005, p.04 apud JOHN e REIS, 2010, p.19).
Um exemplo é a retomada dos bancos em um dos canteiros centrais
tombados da Avenida Afonso Pena (Figura 42). “Permeada de polêmicas, as
alterações deram ao local um trabalho de jardinagem, além de uma ciclovia.
Porém, tornou o canteiro restrito aos que costumavam aproveitar as sombras
das árvores para espairecer” (JARA, 2014). Assim, pouco algum tempo depois:
“O equipamento foi recolocado atendendo a pedido antigo
de trabalhadores e comerciantes, que sentiam falta de um
local de parada para sentar e esperar, cada qual com seu
motivo. (...) Os bancos são atrativo até mesmo para quem
é de fora e guarda imagens soltas de um dos principais
cartões postais da cidade” (JARA, 2014).
Isso demonstra que recursos arquitetônicos, em especial mobiliários
urbanos, fazem alusão ao espaço doméstico, possibilitando que o espaço da
cidade seja o espaço de morada, operando papel significante à paisagem
urbana e seus significados de patrimônio coletivo.
128
Figura 42. Bancos são convite para espairecer. Fonte: CORREIA (2014) apud
JARA (2014).
Assim como com a arborização urbana, os recursos arquitetônicos são
elementos importantes para a transformação da paisagem natural e urbana
como paisagem cultural. Cada um dos 39 canteiros tem potencial para
combinar mais diversidade a este conjunto, propiciando novas ambiências
associados aos usos socioeconômicos que aí se articulam.
6.1.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e
Valor Físico Natural e Construído
O conceito de geossistema parte de abordagem complexa para se
chegar a outra, a operatória. Da gênese geográfica, se define como
combinação especializada, onde interagem simultaneamente agentes
abióticos, bióticos e antrópicos. A gênese sistêmica se define pela
sobreposição de três fundamentos: Espacial, pois se materializa sobre terreno
por meio de unidades homogêneas de diferentes escalas, passíveis de serem
fotocartografadas; Naturalista, pois privilegia fatos biológicos tanto quanto
geográficos, como formas do relevo; Antrópico, pois congrega o impacto das
atividades humanas, sem lhe aprofundar como conceito social (SILVA, 2012,
p.82).
Por isso, para se identificar, analisar e compreender o geossistema, bem
como as dinâmicas da paisagem, é necessário assumir escalas de trabalho
que lhe ofereçam síntese:
129
“O sistema taxonômico deve permitir classificar as
paisagens em função da escala, isto é, situá-las na dupla
perspectiva do tempo e do espaço. Realmente, se os
elementos constituintes de uma paisagem são mais ou
menos sempre os mesmos, seu lugar respectivo e,
sobretudo, suas manifestações no seio das combinações
geográficas dependem da escala têmporo-espacial.
Existem para cada ordem de fenômenos “inícios de
manifestações” e de “extinção” e por eles pode-se legitimar
a delimitação sistemática das paisagens em unidades
hierarquizadas” (BERTRAND, 2007, p.14).
BERTRAND (1972 apud SILVA, 2012) afirma que o geossistema é um
conceito complexo, simultaneamente dinâmico, mesmo num breve intervalo de
espaço-tempo, cuja singularidade é conferida mais pela dinâmica comum do
que pela homogeneidade fisionômica. Trata-se, portanto, de unidade
dimensional compreendida em alguns quilômetros quadrados, onde relevo e
clima são protagonistas e as grandes massas vegetais são coadjuvantes neste
processo. Como parte de um geossistema urbano, a Avenida Afonso Pena
combina estes fatores em adição aos recursos arquitetônicos e urbanísticos,
outros personagens que a colocam como palco e base de estudos de
organização do espaço natural e construído.
Se, sistematicamente e hierarquicamente, o Cerrado é a zona (grandeza
imperativa, bioma do clima tropical), Campo Grande é o domínio (grandeza
maleável), logo, a Avenida Afonso Pena é a região homogênea, natural e
construída (grandeza reagrupada, porém circunscrita), mas com feições
heterogêneas que lhe definem unidades de paisagem, neste complexo
geossistema (BERTRAND, 2007)
Assim, a partir da combinação e leitura do subsistema físico natural e
construído, arborização, traçado, relevo, topografia e recursos arquitetônicos,
pode-se reunir as unidades hierarquizadas, que constituem as unidades de
paisagem, ou ainda, unidades espaciais homogêneas, síntese visível e material
da paisagem urbana da Avenida Afonso Pena. “Esse processo culmina numa
organização mental onde a realidade percebida é representada por esquemas
130
e imagens mentais” (DUARTE et al., 2006, p.02). Tais unidades da paisagem
geradas em torno da teoria dos geossistemas, bem como seus respectivos
exemplos e unidades elementares, encontram-se organizados didaticamente
na Figura 43.
131
Figura 43. Síntese das Unidades de Paisagem da Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2018).
132
A Avenida Afonso Pena, apesar da impossibilidade de ser abarcada
integralmente por um único relance do olhar ao nível da paisagem, se mantém
como conjunto visual e formalmente uníssono no desenho da cidade,
propiciado pelas suas grandes proporções e pelo olhar do geossistema.
Entretanto, devido aos elementos naturais e arquitetônicos e às atividades que,
ao longo dos anos, foram e são desempenhadas em trechos distintos da
Avenida, é possível apreender que seu espaço se articula como sucessão de
unidades distintas, que se complementam e se opõem ao mesmo tempo, com
características singulares. A própria topografia e as inserções de elementos e
equipamentos urbanos no seu contexto também influenciaram a organização e
definição desses trechos que compreendem a Avenida.
A leitura e a apresentação dessas unidades de paisagem se fazem
acompanhando a direção da Avenida, do ponto mais leste ao ponto mais oeste,
definindo-se em: Altos, Jardim dos Estados, Centro e Bairro Amambaí.
O conjunto urbano da Afonso Pena desde o viaduto da Av. Ceará,
passando pelo Shopping, Parque das Nações Indígenas e chegando na
extremidade da rotatória do Parque dos Poderes, denomina-se na terminologia
popular como ‘Altos’, a princípio, por estar ligado à maior altura de nível
topográfico dessa subunidade em relação às demais. A perspectiva visual que
se tem desse ponto, propiciada pelo seu elevado nível topográfico, é grande
atributo para aqueles que ali se dirigem. De alcance mais extenso, a natureza
(nativa) é extremamente exacerbada nesse trecho, em contraposição à
arborização pontual, rarefeita e de pouca diversidade dos canteiros. Utilizam-se
os canteiros como espaço destinado ao divertimento (esportes como ciclismo,
caminhada e patinação), bastante valorizado como ambiente de contato com a
natureza (contemplação dos parques) e do fortalecimento das relações sociais
(roda de tereré e narguilé). Daí a presença, mesmo que mínima, de
playground, lixeiras e publicidade.
Chegando ao trecho da Afonso Pena situado entre o viaduto da Av.
Ceará até o marco do Obelisco, a Avenida em questão torna-se lugar menos
preeminente. A própria falta de nome expressivo para a geoface do Jardim dos
Estados é decorrente do menor contato coletivo com a área, tanto quanto pela
falta de marcos e equipamento urbanos (não há praças ou parques), como
também pela mínima presença de recursos arquitetônicos (impossibilidade da
133
permanência, recreação, etc.). A única exceção é o monumento do Obelisco,
que ilhado, se coloca cada vez mais ‘fora’ dos canteiros da Avenida.
Topograficamente, é uma geoface de transição entre um extremo alto, vales
intermediários e outro extremo elevado da Avenida. Por outro lado, é a geoface
cuja arborização é a mais diversa em sua tipologia, com relativa difusão e
agrupamento, de apelo bastante estético. A falta de características físicas
construídas mais convidativas ao usuário e a escassa diversidade de
atividades em seus canteiros são agentes que atuam contra a influência das
relações sociais no papel que é atribuído ao espaço e à paisagem.
A área da Avenida Afonso Pena situada entre o Obelisco e a Av. Ernesto
Geisel contém seu trecho original, nascido do Plano de Alinhamento de Ruas e
Praças. Daí, a Avenida foi crescendo e sendo prolongada nos dois sentidos da
reta, o que resultou em sua porção mais central dos canteiros, com a
arborização original preservada, densa e aglomerada, hoje tombada. A sua
denominação enquanto Centro está ligada não somente a esse fator espacial,
mas também aos atrativos que nele se instalam, como as principais praças da
cidade e diversos monumentos históricos, pouco valorizados arquitetônica e
paisagisticamente. Seu relevo é declinante, porém relativamente suave.
Contraditoriamente, é o trecho com os únicos bancos em toda a extensão da
Avenida, enquanto ao mesmo tempo há cercamentos que operam como
barreiras físicas à travessia e permanência dos usuários nos mesmos. Apesar
da alta intensidade de tráfego de automóveis e pedestres, possui poucos
recursos arquitetônicos qualitativos à vida citadina, como mais mobiliários ou
pequenas construções.
O trecho da Avenida situado entre o Córrego Segredo e a Praça Newton
Cavalcanti está intimamente ligado com a criação do primeiro bairro da cidade
que lhe dá o nome: Amambaí. Apesar de não estar em cota tão elevada,
também é um extremo alto e arejado da Avenida. As árvores difusas e
rarefeitas se devem ao caráter residencial de outrora. Pelo antigo terminal
rodoviário e pelo atual terminal aéreo, o bairro foi adquirindo caráter zona
hoteleira. Entretanto, mesmo com o único ponto de táxi da Avenida, os
canteiros pouco oferecem atrativos ao contato com a arborização (mobiliários
para permanência), à trajetória histórica do bairro (monumentos) ou ao usufruto
transitório pelo turistas (uso esportivo da ciclovia).
134
Em suma, estas unidades da paisagem heterogêneas elucidam a
homogeneidade e complexidade da AP partindo de análise integrada. Todas
elas são intermediárias gradativas de um mesmo conjunto paisagístico. Desta
forma, elementos invisíveis da paisagem, como evolução territorial,
(ins)estabilidade socioeconômica, etc. - mais atrelados à dinâmica do que a
forma - revelam-se e tornam-se visíveis aos olhos de quem a toma como
imagem. Neste sentido, elementos físicos como características naturais
(arborização) e recursos arquitetônicos (marcos) constituem a âncora do
geossistema para a flutuante complexidade da paisagem da Avenida Afonso
Pena.
A compreensão da paisagem da Avenida Afonso Pena por meio da
materialidade dos seus canteiros e suas unidades, sob a ótica do geossistema,
revela combinações biogeográficas interessantes. O conhecimento deste
fenômeno constata influências decorrentes do processo de uso ocupação e
organização socioeconômica espacial, bem como reconhece interferências
entre os elementos naturais e construídos que podem direcionar a preservação
ou transformação dos canteiros e do patrimônio tombado da Avenida. Sem
estas unidades de paisagem, corre-se o risco da sub/super valorização de
certos trechos da AP.
6.1.6. Conclusão
Campo Grande é uma das cidades mais arborizadas do país. Enquanto
a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) define 15 m²/habitante
como índice mínimo ideal de cobertura vegetal, a capital sulmatogrossense
atinge 74 m²/habitante. É necessário, além de manter, recompor o índice de
cobertura vegetal da cidade. Por isso foi criado o Programa de Arborização
Urbana (SEMADUR, 2012).
Majoritariamente, 84% da população brasileira habita áreas urbanas -
indicador de que é cada vez mais importante a preocupação com a saúde da
urbe e isso envolve todo o espaço construído, fixo e transitável, vegetação,
cursos d’água, sistemas de drenagem e outros vários subsistemas que
precisam coexistir para o equilíbrio da mesma (IBGE, 2012).
As ruas assumem em média 30% da área total de uma cidade e é
importantíssima no ir e vir dos indivíduos. Por ser um dos espaços mais
135
utilizados, seja para trânsito de serviço, lazer ou contemplação, abriga pessoas
todo o tempo e precisa ter planejamento adequado ao fluxo e clima do local.
Essa relação entre via, pessoas, calçadas e árvores é muito mais
importante do que se imagina. Ao criarmos ruas largas e calçadas estreitas,
diminuímos a importância do pedestre e sua visão da paisagem. Quando há
ruas mais estreitas, reduz-se a velocidade dos veículos (trafic calming) e
prioriza-se o trânsito de pedestres; na calçada verde, aumenta-se áreas verdes
permeáveis com canteiros e árvores; na calçada viva, inserem-se mobiliários
urbanos para convite à contemplação do espaço – são exemplos do que muito
se pode projetar e planejar pelos espaço livres públicos urbanos.
A soma destes elementos gera bons resultados para o meio ambiente,
provocam bem-estar para indivíduos e, consequentemente, maior satisfação
em usar a paisagem local, sem dizer nos benefícios socioeconômicos causado
pelo fluxo de pessoas.
A rua é o espaço urbano de uso público que tem como função organizar
e relacionar os fatos arquitetônicos na trama urbana. Constitui o marco da
arquitetura, proporcionando ar e luz ao espaço urbano e aos edifícios,
produzindo microclimas que influenciam insolação, ventos, temperatura e
umidade do clima local e do consumo de energia de seus edifícios (MASCARÓ,
1996, p.89).
O adensamento das cidades constrange suas áreas verdes, cedendo
lugar para novas construções distintivas, dentro do contexto econômico. Esta
redução da área verde acaba por potencializar problemas microclimáticos, tais
como ilhas de calor, entre outros.
Todos estes fatores até aqui mencionados se aplicam ao caso dos
canteiros da Avenida Afonso Pena. Ao tratar do caráter constitutivo desta
paisagem, por meio do seu subsistema físico natural e construído, foram
identificados elementos físicos, biológicos, humanos e antrópicos que
conjugam parte desta complexidade.
Por meio disso, compreende-se que o geossistema da AP é a fonte
primária, porém essencial, para a materialidade e materialização de valores
ambientais locais. Tal conhecimento pode vir a ser utilizado em aulas voltadas
à educação ambiental (PESTANA e SOUZA, 2008), além de despertar a
136
atenção das pessoas para a diversidade das unidades que compõe este
geossistema e paisagem urbana local.
Se por um lado, há canteiros com extremo valor ambiental, arquitetônico
e paisagístico, há outros em que ocorre degradação do ambiente urbano, do
ponto de vista da baixa qualidade/quantidade de arborização e recursos
arquitetônicos. Isso se explica pois:
“a constante urbanização nos permite assistir, em nossos
grandes centros urbanos, a problemas cruciais do
desenvolvimento nada harmonioso entre a cidade e a
natureza. Assim, pode-se observar a substituição de
valores naturais por ruídos, concreto, máquinas,
edificações, poluição etc..., e que ocasiona entre a obra do
homem e a natureza crises ambientais cujos reflexos
negativos contribuem para degeneração do meio ambiente
urbano, proporcionando condições nada ideais para a
sobrevivência humana” (MORO, 1976, p.15).
A combinação entre inserção climática no bioma do Cerrado, topografia
peculiar, arborização e marcos urbanos que ditam o ritmo de desenvolvimento
da Avenida, são o viés para o valor de patrimônio ambiental que justificam, em
parte, os canteiros centrais estarem hoje tombados municipalmente.
Cada uma das unidades de paisagem da Avenida preserva, por
combinação de fatores geossistêmicos, os subsistemas físicos natural e
construído na trajetória de uso e ocupação da Avenida. O inventário, registro e
organização destas unidades de paisagem é o que garante a formulação de
diretrizes e políticas de gestão urbana que as potencializem. Ao mesmo tempo,
é este mesmo trabalho que possibilitará a transformação da paisagem da
Avenida, no sentido de oferecer maiores alternativas de apropriação e uso
coletivo, que são os principais canais de valorização do patrimônio público,
natural ou construído, material ou imaterial.
Se um trecho da Avenida é atrativo ao lazer, como o Altos, que este
receba mais mobiliários e arborização para tanto, por exemplo. Se outro, é
estético enquanto agrupamento arbóreo, mas carente das pessoas, como o
137
Jardim dos Estados, que receba mais monumentos ou pequenas construções
para a permanência, como sugestão. Se aquele é adensado de arborização, de
monumentos e pessoas, como o Centro, que se tenha mais bancos no lugar de
cercas, exemplificando. Se este é historicamente importante e de caráter
residencial (transitório ou permanente), como o Amambaí, que se implante
monumentos ou se adense a arborização combinada aos mobiliários para
estímulo ao uso das ciclovias e permanência nos canteiros, como ocorre nos
Altos.
Desde a década de 1980, deu-se início a preocupação de preservação
de áreas verdes urbanas e proteção do patrimônio local campograndense. A
partir desta década, a implantação de parques lineares tomou força. Uma das
justificativas seria a preservação de áreas de matas ciliares, nascentes,
margens de córregos e áreas degradadas, diminuindo erosões e enchentes.
Em 2016, houve acréscimo de 255,37ha só em parques lineares (PLANURB,
2016).
A estratégia de implantação e manutenção, bem como maior
adensamento de cobertura vegetal, alteram profundamente o microclima, o que
numa paisagem onde há fluxo de pessoas muito grande, devido a ser centro
comercial e cultural tradicional da cidade, é de extrema influência na qualidade
ambiental urbana.
“Ao olharmos uma árvore, conheceremos na mesma sua
unidade na multiplicidade da natureza, e pela experiência
em sabermos sobre outras árvores conseguiremos
distinguir a mesma de outras, ao não conhecermos nada
de árvores não saberemos distingui-la. A árvore continuará
a ser o que é e nós ficaremos distantes de classificá-la e
nomeá-la ao não conhecermos pela experiência” (KANT,
2003).
Assim, se um pequeno trecho da Avenida possui arborização densa,
aglomerada e relevante como patrimônio, mas exótica do ponto de vista
biológico, outros canteiros podem utilizar o recurso das aglomerações arbóreas
como pretexto ao resgate do bioma natural do cerrado e da educação
138
ambiental numa Avenida que pode ser assumida como grande, extenso e
central parque linear urbano, cujos canteiros corporificam os veios e cursos da
paisagem urbana campograndense.
6.1.7. Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código
Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a
Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
6.1.8. Referências Bibliográficas
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6.2. Artigo II - DIMENSÃO TERRITORIAL E IMPACTO AMBIENTAL:
AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA SOCIOECONÔMICO
Victoria Mauricio Delvizio
6.2.1. Resumo
O processo de urbanização acompanha o homem ao longo da história e
trazendo transformações na produção/consumo do espaço da cidade. O
subsistema socioeconômico apresenta-se como ponto de partida para análise e
compreensão da realidade urbana que se transforma constantemente. A
Avenida Afonso Pena (AP), em Campo Grande/MS, se faz presente na
paisagem urbana, estruturando a cidade economicamente e funcionalmente.
Desde 2009, através do processo de Tombamento Municipal (Processo no.
27405/2009–51/Decreto no. 11.600, de 17/08/2011) de seus canteiros centrais,
com novas dinâmicas e arranjos espaciais do território urbano, que refletem
transformações socioeconômicas de usos e funções urbanas. O objetivo deste
trabalho foi analisar o subsistema socioeconômico e urbanístico relacionado à
gestão no tempo e no espaço territorial da Avenida Afonso Pena que explicam
o seu fenômeno de ocupação e uso do solo. Os procedimentos metodológicos
partem do modelo teórico-conceitual GTP (geossistema-território-paisagem),
sendo aplicados em área de entorno de 10km². Foram utilizadas fontes
primárias e secundárias, como documentais e historiográficas. Foram cruzadas
informações contidas nos Perfis Sócios Econômicos Municipais (PLANURB) e
descrições de Planos Urbanos previstos, desenvolvidos e/ou (não) executados
na trajetória espacial da AP, destacando-se variedade de usos (residencial,
comercial, institucional, lazer), densidades, fluxos econômicos e viários, limites.
Como resultados verifica-se gradiente de densidade, uso e gabarito que
decresce da porção central em direção aos extremos; afirma-se expressão
histórica e ocupação em seus fluxos e limites; seu potencial para atração
turística, referência patrimonial e paisagística confirmam que o impacto
ambiental do tombamento dos canteiros ultrapassa a dimensão física-territorial.
No caso da AP, compreende-se que não basta entender a dinâmica da
paisagem para preservá-la; é preciso usá-la, apropriar-se dela, do ponto de
vista econômico, social e cultural.
Palavras-chave: Paisagem Urbana, Patrimônio Cultural, Valor Econômico.
147
6.2.2. Abstract
The process of urbanization accompanies man throughout history and brings
with it transformations in the production/consumption of the city's space.
Socioeconomic characteristics present themselves as a starting point for
analysis and understanding of the urban reality that is constantly changing.
Avenida Afonso Pena (AP), in Campo Grande/MS, is present in the urban
landscape, structuring the city economically and functionally. Since 2009,
Tombamento Municipal (Process no. 27405/2009-51/ Decree no. 11.600, of
08/17/2011) has been undergoing its central construction, with new dynamics
and spatial arrangements of the urban territory that reflect socioeconomic
transformation of uses and urban functions. The objective was to analyze
socioeconomic and urbanistic characteristics related to management in the
territorial time-space of the AP that explain its phenomenon of occupation and
land use. The methodological procedures depart from the theoretical-
conceptual model GTP (geosystem-territory-landscape), being applied in an
area of around 10km². Primari and secondari sources were used, as well as
documental and historiographic sources. The information contained in the
Municipal Economic Profiles (PLANURB) and descriptions of planned Urban
Plans, developed and/or (not) executed in the AP space trajectory, were cross-
referenced, highlighting a variety of uses (residential, commercial, institutional,
leisure), economic and road flows, limits. As results, a density, use and
feedback gradient that decreases from the central portion towards the ends is
verified; historical expression and occupation are affirmed in their flows and
limits; its potential for tourist attraction, patrimonial reference and landscaping
confirm that the environmental impact of the tipping of the beds exceeds the
physical-territorial dimension. In the case of PA, we understand that it is not
enough to understand the dynamics of the landscape to preserve it; it must be
used, appropriate from the economic, social and cultural point of view.
Keywords: Urban Landscape, Cultural Patrimony, Economic Value.
148
6.2.3. Introdução
O processo de urbanização acompanha o homem ao longo da história e
se intensifica a partir do final do século XIX com o advento da industrialização.
Este processo trouxe transformações na produção e consumo do espaço da
cidade (CASTELLS, 1983).
Já no século XX, durante muitas décadas, ocorreu forte processo de
migração do campo para as cidades, que favoreceu também muitas das
causas dos atuais problemas que envolvem a questão urbana (GOUVÊA,
2012) e por outro lado favoreceu o processo de industrialização.
Neste cenário à evolução tecnológica culminou com o processo de
industrialização e, por conseguinte, na divisão do trabalho. O espaço urbano foi
contagiado dessa estratégia de divisão, tornando-se zoneado, segundo um uso
específico. Inicia-se, assim, um processo de fragmentação, tanto do espaço
urbano físico em si, como da produção, consumo, uso e apreensão que o
homem faz do mesmo. Desta maneira, “(...) as pessoas perdem o
conhecimento integral de suas fisionomias, de suas paisagens (...)” (COLIN,
2000, p.94).
Assim como JACOBS (2000), considera-se que a fragmentação da
paisagem urbana não fortalece a diversidade socioeconômica. “Para
compreender as cidades, precisamos admitir de imediato, como fenômeno
fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não os usos separados”
(JACOBS, 2000, p.158). É justamente essa sobreposição que possibilita a real
compreensão do fenômeno complexo da cidade. “A diversidade implica maior
flexibilidade e adequação às mudanças, o que torna a economia menos
vulnerável” (LIMA et al., 2015, p.301).
Também nesse sentido de diversidade, PARK (1916 apud VELHO,
1979) acredita na variedade de usos, tempos e espaços, que é essa atração
que a metrópole exerce. MURET (1987 apud ROMERO, 2001) também
compartilha desse pensamento quando reforça que “os espaços exteriores
urbanos podem corresponder aos espaços livres, isto é, disponíveis para todos,
simples ou adaptados a múltiplas funções” (MURET, 1987 apud ROMERO,
149
2001, p.33), conjugando ambiências13 (AUGOYARD, 2004) e territórios
diferentes sob uma paisagem única.
Este não é um fenômeno exclusivo a uma ou outra cidade, mas
recorrente em diversos agrupamentos humanos urbanos no mundo.
Particularmente, nas capitais brasileiras, os centros das cidades se colocam
como um espaço que pouco a pouco tem perdido a força econômica e social e
passam por um processo de degradação das áreas centrais (REZENDE, 1982).
Características estas também descritas para outras cidades grandes e médias
no Brasil e no mundo (SANTOS, 1980).
O esvaziamento das regiões centrais das cidades é fruto do surgimento
de outros centros de atração de negócios e de lazer que provoca perda das
principais funções de sintetizador do desenvolvimento e da vida urbana, como
consequência ocorre o empobrecimento gradativo das áreas centrais e o
direcionamento dos investimentos para outros pontos da cidade (WILHEIM,
1969).
Neste contexto, as características socioeconômicas se apresentam
como importante ponto de partida para análise e compreensão de realidade
urbana específica que se transforma constantemente:
“Esse empobrecimento não afeta apenas o centro, tendo
em vista que a cidade passa a contar com uma área
privilegiada em termos de serviços e localização, porém
subutilizada. Também do ponto de vista cultural e social,
esse desperdício gera um enfraquecimento nos aspectos
que particularizam a cidade e que são afetos à sua história,
pois é no centro que se concentra grande parte dos
edifícios que, em função do tempo, constituem um
patrimônio com potencialidades para o Tombamento e que
contam a história da ocupação urbana.” (PLANURB, 2009,
on line)
13 Etimologicamente, tem origem e deriva do francês ‘ambience’, designando espaço que, em termos físicos, estéticos e psicológicos, é próprio para realização de atividades humanas, considerando conjunto de condições morais, intelectuais ou sociais que cercam uma pessoa e que podem influenciar sua vida.
150
Particularmente, em Campo Grande, capital do estado brasileiro de Mato
Grosso do Sul, o centro da cidade se coloca como espaço que pouco a pouco
tem perdido a força econômica e social de outrora e passa por processo de
degradação da área central (ARRUDA, 2006).
No cerne da região urbana do Centro, há estrutura urbana que perpassa
toda a dimensão espacial e temporal – a Avenida Afonso Pena (AP). Eixo
central de desenvolvimento urbano de Campo Grande, a Grande Avenida - que
foi assim intitulada por MACHADO (2000), em sua publicação homônima -, ela
se faz presente na paisagem urbana, estruturando a cidade tanto
economicamente quanto funcionalmente.
Campo Grande, fundada em 21 de Junho de 1872, emancipada em 26
de Agosto de 1899, sendo capital do Estado de Mato Grosso do Sul desde 11
de Outubro de 1977, constitui-se hoje em uma das mais importantes cidades
da região Centro-Oeste do Brasil. Ocupa importante posição no âmbito
nacional e já alcança 786.797 habitantes, de acordo com o Censo 2010/IBGE
(PLANURB, 2016).
O sítio natural onde surgiu Campo Grande (CGR) determina fortemente
a configuração atual da cidade. Foi grande facilitador da sua ocupação, tendo
em vista suas características praticamente planas, com suaves ondulações e
baixa declividade. Desse modo, mostrou-se plausível ordenação central, onde
ainda remanesce o traçado ortogonal, originário do modelo de tabuleiro de
xadrez de onde partem as vias de acesso e insere-se a avenida de estudo, a
Afonso Pena (ARRUDA, 2002).
Devido à formação urbana sempre vinculada à vocação de rota
comercial e migratória, Campo Grande foi se estabelecendo como localidade
predominantemente comercial e de prestação de serviços. Nesse ínterim, a Av.
Afonso Pena foi se consolidando como eixo estruturante no desenho da cidade,
ao mesmo tempo em que passou a desempenhar papel atrativo para edifícios e
estabelecimentos que visavam notoriedade. Por isso, o caso da Av. Afonso
Pena se torna relevante de ser introduzido no tipo de análise ambiental da
paisagem articulada sob a ótica do geossistema, do território e da cultura
(GTP).
Diante dessas características, a Av. Afonso Pena apresenta-se como
espaço urbano rico em situações de uso, com dinâmica variada, ao que se
151
soma carga histórica e presença forte na paisagem da cidade em que está
inserida. Essa análise empírica fornece pistas de que diferentes relações
socioeconômicas acontecem.
A problemática em questão abrange, então, a dinâmica de arranjos
espaciais do território urbano da Avenida Afonso Pena que reflete o processo
de transformação socioeconômica na trajetória histórica da Avenida, assim
como seus usos e funções urbanas.
Assim, o objetivo neste trabalho é analisar o subsistema socioeconômico
e urbanístico relacionado à gestão no tempo e no espaço territorial da Avenida
Afonso Pena que explicam o seu fenômeno de ocupação e uso do solo.
6.2.4. Material e Métodos
Sob base conceitual apresentada pelo sistema GTP e tomando a
Paisagem urbana como manifestação do espaço, do Geossistema, do Território
e da cultura, passível de ser descrita e relacionada a transformações, foi
importante estabelecer recorte espacial urbano limitado, porém, diretamente
relacionado com a avenida objeto de estudo.
Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada
na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 1).
Figura 1. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,
recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).
Os procedimentos metodológicos desta pesquisa foram aplicados em
área de aproximadamente 10km² (Figura 2), referente a retângulo que abarca
aproximadamente raio de 500m a partir da Avenida Afonso Pena, tomando
como referências importantes as avenidas paralelas, Av. Mato Grosso e Av.
Fernando Correa da Costa, e áreas extremas, Parque dos Poderes e Praça
152
Newton Cavalcanti, englobando também elementos chaves (Apêndice – Mapa
Chave), tais como edifícios e monumentos do centro da cidade, Parque das
Nações Indígenas, dentre outros.
Figura 2. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).
Este recorte, além de englobar a área definida para o tombamento dos
canteiros centrais, também inclui toda a extensão da AP e seus bairros14
lindeiros, definidos pelas avenidas, parque e praça que definiram os limites
deste recorte de estudo.
Com foco na dimensão do Território e para atender o objetivo, buscou-se
identificar fatos históricos relevantes da Avenida Afonso Pena, que acarretaram
nessa atual configuração territorial, por meio de levantamento bibliográfico.
Para tal levantamento, foram utilizadas fontes primárias e secundárias,
como documentais e historiográficas. Em torno da complexidade do meio
ambiente urbano, os procedimentos, em síntese, voltaram-se à caracterização
socioeconômica e urbanística da paisagem da Avenida Afonso Pena, de modo
a captar visão do global para o particular, tanto da distinta rua quando da
cidade em que se insere.
Para analisar este subsistema socioeconômico e urbanístico foram
cruzadas informações e dados obtidos através dos órgãos públicos
responsáveis, contidos nos Perfis Sócios Econômicos Municipais (PLANURB) e
descrições dos Planos Urbanos previstos, desenvolvidos e/ou (não)
14 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).
153
executados na trajetória espacial da Avenida Afonso Pena, destacando-se a
variedade de usos espaciais (residencial, comercial, institucional, lazer, etc.),
densidades espaciais, fluxos econômicos e viários, limites de subunidades, etc.
Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados da
seguinte maneira:
• Levantamento Físico e Cadastral: base espacial da avenida definida por
meio dos bairros lindeiros e suas dimensões espaciais – extensão, área
urbana, densidade demográfica – que estabelecem suporte físico-quantitativo
do recorte de estudo, com referência em PLANURB (2016), SISGRAN/PMCG
(2017), IBGE (2017);
• Aspectos Censitários: base social da avenida definida por meio dos
bairros lindeiros e suas dimensões humanas – população residente,
distribuição populacional, domicílios particulares permanentes, média de
moradores por domicílio, populações masculina e feminina residentes, idade
média populacional residente – que estabelecem suporte geográfico-qualitativo
do recorte de estudo, com referência em PLANURB (2016), SISGRAN/PMCG
(2017), IBGE (2017);
• História e Ocupação do Território: base documental da avenida definida
por meio dos bairros lindeiros e seus marcos de desenvolvimento urbano –
origem, expansão, usos, caráter socioeconômico – que estabelecem suporte
historiográfico-qualitativo do recorte de estudo, com referência em ARRUDA
(1997, 2001 e 2002), MACHADO (2000), OLIVEIRA NETO (1999), ARCA
(2017);
• Estrutura Fundiária: base legal da avenida definida por meio dos bairros
lindeiros e seus indicadores de desenvolvimento urbano – zonas15 e
corredores16 urbanos, categorias de uso17, macrozonas, relação fundo-figura,
gabaritos – que estabelecem suporte edilício-quantitativo do recorte de estudo,
com referência em LOUOS/DIOGRANDE (2012) e SISGRAN/PMCG (2017).
15 “porções em que se divide a área urbana do território municipal estabelecidas por Lei, para as quais são atribuídos
diferencialmente critérios e restrições de ocupação do solo visando ao seu ordenamento geral.” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02). 16 “vias criadas para otimizar o desempenho do sistema de transporte urbano, cujos lotes lindeiros se caracterizam por oferecer um maior grau de permissividade dos índices urbanísticos e categorias de usos em relação às zonas a que pertencem” (LOUOS/DIOGRANDE,
2012, p.01). 17 “agrupamento de atividades classificadas em função do porte e da abrangência urbanística” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).
154
Em especial, os índices urbanísticos18, a saber: Taxa de Ocupação (TO:
relação entre área ocupada (AO) e área do terreno (AT), onde TO = AO/AT),
Taxa de Permeabilidade (TP: relação percentual entre área do terreno livre
para infiltração das águas pluviais e área total do lote ou gleba), Coeficiente de
Aproveitamento (CA: relação entre área construída (AC) e área do terreno (AT),
onde CA = AC/AT) e Índice de Elevação (IE: relação entre área construída (AC)
e área ocupada (AO) de uma edificação: IE = AC/AO), todos assim definidos
pela LOUOS/DIOGRANDE (2012), foram chave de leitura para a relação entre
densidade edilícia e potencial de uso na avenida;
• Fluxos, Limites e Hierarquização Viária: base dinâmica da avenida
definida por meio dos seus bairros lindeiros e suas relações de acessibilidade-
entre elementos morfológicos (calçadas e canteiros) e sujeitos espaciais
(pedestres e automóveis) – que estabelecem suporte temporal-qualitativo do
recorte de estudo, com referência em PLANURB (2006 e 2016),
LOUOS/DIOGRANDE (2012);
• Patrimônio e Valor Socioeconômico: a combinação analítica destes
critérios da avenida proporcionou caracterizar e relacionar, com referência em
CAMARGO (1986), ARRUDA (2002), DELGADO (2005), PLANURB (2015). Os
dados foram compilados em percentuais (absolutos e relativos) e organizados
em gráficos, tabelas e mapas, de modo a melhor representar as dinâmicas
territoriais materializadas na Avenida Afonso Pena.
Deste modo, o subsistema socioeconômico da Paisagem da Avenida
Afonso Pena tive origem nos dados de censos demográficos aliados aos
fatores territoriais do ambiente. Todos os dados levantados e resultados
apresentados a seguir foram feitos segundo o critério de se respeitar a
sequência espacial de bairros ao longo da Avenida Afonso Pena. Isto é, nem
sempre as informações de gráficos e tabelas estão em ordem crescente ou
decrescente, mas sim, em ordem física e espacial como se apresenta o objeto
em estudo.
Estas informações possibilitaram entender aspectos essenciais do
processo de desenvolvimento econômico conjugado à crescente aglomeração
urbana, pois, “à medida que uma região cresce e se desenvolve
18 “constituem os instrumentos normativos com que se definem os modelos de assentamento urbano em função da
densidade populacional e edilícia desejável para determinada zona ou corredor” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).
155
transformações ocorrem em suas estruturas socioeconômicas (...)” (LIMA et al.,
2015, p.322). Isso significa entender que o próprio espaço e a história se
apresentam como categorias importantes para a descrição deste subsistema
socioeconômico da avenida, que aqui é tomada não só como o ambiente em
que indivíduos estão inseridos, mas o personagem principal em si mesmo.
A metodologia de pesquisa atendeu às demandas de pesquisa,
possibilitando o alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se
utilizar de interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais
do lugar, sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não
reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).
6.2.5. Resultados e Discussão
6.2.5.1. Levantamento Físico e Cadastral
A Avenida Afonso Pena atravessa 02 (duas) Regiões Urbanas, do
Centro e do Prosa da cidade de Campo Grande, MS, e corta 06 (seis) Bairros:
Amambaí, Centro, Jardim dos Estados, Chácara Cachoeira, Santa Fé e
Veraneio (Figura 3).
Figura 3. Mapa da Av. Afonso Pena e Bairros da área de entorno, CGR/MS.
Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
156
Sua extensão total é de 7.759,55m de comprimento. Cada um destes
bairros interage com trechos proporcionalmente regulares da avenida que os
atravessa (Tabela 1).
Tabela 1. Extensão total por bairros da Avenida Afonso Pena, Campo
Grande/MS
Bairros/AP Extensão
(m) %
Amambaí 1.585,14 20,43 Centro 1.410,44 18,18
Jardim dos Estados 1.750,41 22,56 Santa Fé
Chácara Cachoeira Veraneio
3.013,56 38,84
Avenida Afonso Pena (AP) 7.759,55 100,00
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
O conjunto unificado dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e
Veraneio representa a maior porção, em extensão, de contato direto com a
avenida, enquanto que o bairro do Centro representa a menor porção de
extensão de contato direto (Figura 4).
Figura 4. Representação da extensão total e por bairros da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/IBGE (2010).
Esta relação com os bairros implica em observar também que a Avenida
Afonso Pena estabelece relação de influência sobre cada um deles e vice-
versa (Figura 5). Em termos de área, o bairro que mais se destaca nesta
157
relação de influência, é o Veraneio, compreensível pela presença dos Parques
dos Poderes e das Nações Indígenas. Em contraposição, o bairro que menos
impacta esta relação, em termos de área, é o bairro do Jardim dos Estados.
Em relação ao perímetro urbano de Campo Grande, esta área de recorte de
estudo, que engloba a Avenida Afonso Pena e seus bairros de influência direta,
representa muito pouco da superfície urbana (Tabela 2).
Figura 5. Representação da Influência de Área Urbana nos Bairros de Entorno
e Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE
(2010).
Tabela 2. Influência e Extensão de Área Urbana por bairros da Avenida Afonso
Pena, Campo Grande/MS
Bairros/AP/CGR Extensão Área Urbana
(ha) %
Campo Grande (CGR) 35.903,53 100,00 Amambaí 254,29 0,71
Centro 291,45 0,81 Jardim dos Estados 168,90 0,47
Santa Fé 149,65 0,42 Chácara Cachoeira 341,41 0,95
Veraneio 919,39 2,56 Avenida Afonso Pena (AP) 2.125,09 5,92
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Em relação a questão da densidade demográfica, é curioso notar que os
bairros que possuem maior contato com a AP, seja por extensão ou área de
influência, não correspondem exatamente àqueles mais adensados (Figura 6).
O bairro que apresenta maior densidade demográfica é o do Centro, enquanto
158
que o Veraneio apresenta a menor. Em relação à densidade média de Campo
Grande, cada um destes bairros fica muito abaixo da realidade campo-
grandense.
Figura 6. Distribuição da Densidade Demográfica (hab./km²) da Av. Afonso
Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Em relação às áreas urbanas a que pertence a Avenida Afonso Pena,
também é perceptível o fato de que mesmo sendo o centro geométrico espacial
da cidade de Campo Grande, nenhum dos bairros que margeiam a avenida
atingem densidades demográficas acima de 50 hab./ha (Figura 7).
Figura 7. Densidade Demográfica por Bairro (hab./ha) da Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
Isso se explica, pois, “assim como ocorre na maioria das capitais
brasileiras, o centro de Campo Grande apresenta tendência de esvaziamento
demográfico e envelhecimento paulatino da população” (ORGANURA, 2009a,
p.91). Isto justifica-se pelo processo capitalista de produção e reprodução
urbana, da especulação imobiliária, quando a terra “passa a ser um ‘produto
rentável’, de restrito acesso, torna-se um investimento” (BRITO e CALIXTO,
159
2005, p.2458). Assim, o potencial econômico e social, são afetados por este
processo de esvaziamento, “refletindo na subutilização das edificações,
migração para outras áreas e presença de atividades marginais nos períodos
noturnos” (ORGANURA, 2009b, p.98).
Se Campo Grande já apresenta densidade urbana média baixa, a
Avenida Afonso Pena, então, ilustra em termos mais críticos ainda baixo
aproveitamento do solo urbano em termos da relação entre a disponibilidade e
ocupação da terra urbana para a principal função urbana que representa a
fixação humana e a dinâmica cotidiana dos fluxos e permanências – a atividade
residencial. Este relato da AP se assemelha com outras localidades no interior
do estado de MS, como no caso da cidade de Dourados, onde essa “possui
uma significativa quantidade de imóveis desocupados, muitos deles em áreas
bem servidas de infraestrutura” (BRITO e CALIXTO, 2005, p.2462).
A disparidade na relação entre extensão, área de influência e densidade
demográfica acabou também se revelando em outras formas de análise da
avenida em estudo, como os mapas de Gabarito, Uso e Ocupação e Fundo-
Figura, apresentados adiante. A partir deste levantamento físico e cadastral do
objeto de estudo e área de entorno, entende-se que as características
relacionadas aos bairros adjacentes (extensão, área de influência, densidade
demográfica) revelam apenas parte das complexas e singulares dinâmicas
socioeconômicas que envolvem a Avenida Afonso Pena.
6.2.5.2. Aspectos Censitários
Em relação aos aspectos censitários, pôde-se confrontar a extensão da
Avenida Afonso Pena com os bairros que permeia e influencia diretamente, de
acordo com os dados compilados do Perfil Sócio Econômico de Campo Grande
(PLANURB, 2016), cuja base se dá no Censo Demográfico do IBGE (2010),
bem como dos disponibilizados pelo SISGRAN (2016), como se apresenta a
seguir.
Quanto à População Residente, a AP corta bairros que representam
porção muito pequena do total da população campo-grandense (Figura 8),
como já observado no Levantamento Físico e Cadastral.
160
Figura 8. Distribuição da População Residente nos Bairros da Av. Afonso
Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Destes bairros da área de entorno em estudo, o Centro é o que
apresenta maior população residente, e o Jardim dos Estados, a menor (Tabela
3), o que confirma e origina as relações estabelecidas anteriormente a partir da
leitura da densidade demográfica.
Tabela 3. População Residente por bairros da Av. Afonso Pena, Campo
Grande/MS
Bairros/AP/CGR População Residente
(unid.) %
Campo Grande (CGR) 786.797 100,00 Amambaí 8.190 1,04
Centro 11.509 1,46 Jardim dos Estados 3.655 0,46
Santa Fé 5.127 0,65 Chácara Cachoeira 6,458 0,82
Veraneio 7.385 0,94
Avenida Afonso Pena (AP) 42.324 5,38
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Estas análises estão diretamente ligadas com o cenário das Regiões
Urbanas as quais pertence a Avenida Afonso Pena e sua área de entorno de
estudo. Tanto a região do Centro quanto a do Prosa estão entre aquelas de
Campo Grande que, em grande parte, abrigam bairros que não ultrapassam a
distribuição populacional de 15.000 habitantes (Figura 9).
161
Figura 9. Distribuição Populacional – Campo Grande/MS, Av. Afonso Pena e
Bairros. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
Isto significa tratar de estrutura de área urbanas que, apesar da
centralidade espacial no contexto do perímetro urbano, não concentram nem
absorvem a atividade socioeconômica da moradia, retrato próximo da realidade
urbana brasileira, na qual “(...) aproximadamente a metade ou mais do espaço
urbano brasileiro, nas médias e grandes cidades, está vazio (...)” (CAMPOS
FILHO, 1992 apud BRITO e CALIXTO, 2005, p.2465).
Desta reduzida parcela populacional permanentemente residente nos
bairros adjacentes à avenida e que pode manter contato físico e direto com ela,
sem grande dependência dos meios de acesso e modais, tem-se que o Centro,
mais uma vez, possui o maior quantitativo, enquanto o Jardim dos Estados
aparece com menor quantitativo (Tabela 4).
Tabela 4. Número de domicílios Particulares Permanentes por bairros da Av.
Afonso Pena, Campo Grande/MS
Bairros/AP/CGR Domicílios Particulares Permanentes
(unid.) %
Campo Grande (CGR) 249.800 100,00 Amambaí 3.095 1,24
Centro 5.592 2,24 Jardim dos Estados 1.541 0,62
Santa Fé 1.964 0,79 Chácara Cachoeira 2.611 1,05
Veraneio 2.525 1,01 Avenida Afonso Pena (AP) 17.328 6,94
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Novamente, em se tratando da comparação com o universo campo-
grandense, a Avenida Afonso Pena e sua área de entorno representam parcela
162
bem limitada dos domicílios particulares permanentes da cidade (Figura 10).
Isso reflete “(...) problemas que são comuns às cidades de médio porte,
considerando que ocorre também um excessivo crescimento horizontal,
ocasionando inúmeras consequências, dentre elas, o ‘déficit’ de moradias (...)”
(BRITO e CALIXTO, 2005, p.2465).
Figura 10. Distribuição dos Domicílios Particulares Permanentes – Campo
Grande/MS, Av. Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/
IBGE (2010).
As regiões urbanas que contém a Avenida Afonso Pena refletem esse
baixo índice de existência de domicílios particulares permanentes. O raio
imediato de contato da avenida a partir dos bairros lindeiros não ultrapassa a
marca de 5.000 domicílios (Figura 11).
Figura 11. Domicílios particulares permanentes (exclusivos por habitação) por
Bairro – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG
(2017).
163
Mesmo com distribuição bem distinta entre os bairros no que diz respeito
à população residente e aos domicílios particulares permanentes, a média de
moradores por cada um destes domicílio se apresenta bem próxima e pouco
variável (Figura 12). Destaca-se, em comparação à média campo-grandense, o
bairro Veraneio, com a maior média. Em oposto, o Centro é o bairro que mais
se distancia desta média.
Figura 12. Média Moradores por Domicílio – Campo Grande/MS, Av. Afonso
Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Dentro desta população residente, há a verificação da distribuição no
que se refere à população masculina e feminina. Observa-se que há
distribuição bem igualitária para cada um destes universos nos bairros da
Avenida Afonso Pena (Tabela 5 e Tabela 6).
Tabela 5. População Masculina Residente por bairros da Av. Afonso Pena,
Campo Grande/MS
Bairros/AP/CGR População Masculina Residente
(unid.) %
Campo Grande (CGR) 381.333 100,00 Amambaí 3.860 1,01
Centro 4.984 1,31 Jardim dos Estados 1.710 0,45
Santa Fé 2.372 0,62 Chácara Cachoeira 3.035 0,80
Veraneio 3.598 0,94 Avenida Afonso Pena (AP) 19.559 5,13
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
164
Tabela 6. População Feminina Residente por bairros da AP, CGR/MS
Bairros/AP/CGR População Feminina Residente
(unid.) %
Campo Grande (CGR) 405.464 100,00 Amambaí 4.330 1,07
Centro 6.525 1,61 Jardim dos Estados 1.945 0,48
Santa Fé 2.755 0,68 Chácara Cachoeira 3.420 0,84
Veraneio 3.787 0,93 Avenida Afonso Pena (AP) 22.762 5,61
Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Considerando esta distribuição da população residente masculina e
feminina no universa da cidade de Campo Grande, esta mesma relação de
equilíbrio se apresenta (Figura 13 e Figura 14).
Figura 13. Distribuição da População Masculina Residente – CGR/MS, Av.
Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Figura 14. Distribuição da População Feminina Residente – CGR/MS, Av.
Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
165
No que se refere à idade média da população residente na Avenida
Afonso Pena e bairros de entorno já se nota variabilidade (Figura 15). Em
comparação à média campo-grandense, o Centro reúne população com idade
média entre 40-50 anos, enquanto que o bairro Veraneio, população com idade
média entre 20-30 anos.
Figura 15. Idade Média da População Residente – Campo Grande/MS, Av.
Afonso Pena e Bairros. Fonte: Adaptado de PLANURB (2016)/ IBGE (2010).
Em relação às regiões urbanas de pertencimento, mais da metade da
extensão da AP reune e concentra população acima da faixa etária de 40 anos
(Figura 16).
Figura 16. Idade Média por Bairro – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte:
Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
Pode-se indicar, até aqui, que a Avenida Afonso Pena e sua área de
entorno, em termos absolutos, agrupa população significativa. Mas o mesmo
166
não acontece em termos relativos, quando compara-se seus indicativos ao
universo urbano demográfico de Campo Grande. Ou seja, fala-se de estrutura
e área urbanas que concentram pequena parcela residente, sendo que esta
mesma parcela tende a ser ainda uma população economicamente ativa.
A combinação entre população residente (total, masculina e feminina),
distribuição populacional, domicílios particulares permanentes, média de
moradores por domicílio e idade média dos residentes sugere compreender a
Avenida Afonso Pena como uma paisagem bem equilibrada do ponto de vista
populacional, mas que pouco absorve o potencial de força de trabalho
produtora e consumidora das atividades econômicas incidentes sobre o espaço
urbano, principalmente a residencial, bem como as de uso coletivo e comum.
6.2.5.3. História e Ocupação do Território
À exemplo dos projetos urbanísticos sanitaristas em cidades brasileiras,
importados da Europa do final do século XIX, em 1909, Campo Grande
implantou o Plano de Alinhamento de Ruas e Praças. Este documento
instaurava a organização urbana, por meio do desenho urbano, como um dos
grandes vetores de desenvolvimento local e regional, como se descreve:
“A sociedade desejada pelos positivistas, modelo evidente
na organização deste documento, previa uma organização
urbana moderna, a partir de funções definidas. Localidades
urbanas deveriam articular entre si de forma ágil, através
de ruas retilíneas em direção ao centro urbano. Neste
contexto, Nilo Javari Barém propôs o assentamento urbano
no espigão divisor entre os dois principais córregos
existentes, o Segredo e o Prosa, formadores do Rio
Anhanduí, de modo a ocupar as formas tubulares desses
terrenos. O desenho apresentava um plano ortogonal, em
xadrez, com ruas largas (sentido leste-oeste). As principais
ruas foram consideradas as estabelecidas de Sul a Norte,
tendo como eixo central a Marechal Hermes (atual Av.
Afonso Pena). Ao longo da avenida central foi projetada a
implantação de duas praças públicas, considerando-se a
167
Praça da República (atua Praça do Rádio Clube) como a
principal, em torno da qual deveria se constituir o centro da
futura cidade” (LE BOURLEGAT, 2009).
Dele se originou o projeto da Avenida Afonso Pena (Figura 17), baseado
no ordenamento das áreas públicas e do crescimento da cidade,
estabelecendo, definitivamente, o modo urbano de viver. “A regularidade da
malha urbana, usando a trama ortogonal, com uma grande avenida central,
evidenciava a utilização de um traçado europeu das cidades do século
passado” (ARRUDA, 1997, p.03).
Figura 17. Primeiro arruamento de Campo Grande/MS – R. Afonso Pena (atual
R. 26 de Agosto) e AV. Marechal Hermes (atual Av. Afonso Pena). Fonte:
ARCA (2017).
De início, a grande avenida denominava-se Marechal Hermes. A Rua
Velha, primeira via pública da cidade às margens do córrego Prosa, era
denominada, então, Afonso Pena. Somente no ano de 1916 é que a avenida
central da vila passou a se chamar Afonso Pena19. A outra rua, que tinha o
mesmo nome, passou a ser designada 26 de Agosto (MACHADO, 2000). A
Grande Avenida foi idealizada como um ‘boulevard’, rua ou avenida larga,
geralmente ladeada de árvores, com folgada amplitude e vasta arborização.
19 O nome homenageava o então presidente que aprovou o traçado da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, beneficiando Campo Grande.
168
Ela faria, segundo a previsão inicial, a ligação entre locais importantes na
cidade, à época, sendo que:
“Ela passaria a ligar o córrego Segredo, ponto urbano mais
ocidental, ao Campo de Marte, outro extremo rumo ao
oriente, passando pelos locais onde seriam construídas a
estação ferroviária e o passeio público – Praça Ari Coelho”
(OLIVEIRA NETO, 1999, p.126).
Outro fato importante ligado à configuração em malha do Plano de 1909
foi a Demarcação do Rossio de Campo Grande, em 1910, “ato equivalente ao
perímetro urbano atual” (ARRUDA, 2002, p.101), que já estabelecia as zonas
urbana, suburbana e rural, complementando as diretrizes urbanísticas do Plano
de Alinhamento anterior (Figura 18).
Figura 18. Planta do Rocio traçado por Themístocles Paes de Souza Brazil –
1910 - CGR/MS. Fonte: ARCA (2017).
Foi nesse momento de ordenamento que, em 1914, a EFNOB (Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil) chegou e foi inaugurada na cidade. Campo
169
Grande começou a se expandir “embalada pelos apitos do trem e pelo
movimento a que a mesma foi submetida após a sua chegada, ampliando
horizontes da população e remodelando as suas aspirações” (OLIVEIRA
NETO, 1999, p.53).
A implantação da Av. Afonso Pena esteve originalmente limitada pelo
terreno barrancoso e de difícil acesso nas imediações da Av. Calógeras, devido
à proximidade com o córrego Segredo. A sobreposição da linha férrea, como
decorrência, reforçou a tendência para que se estabelecesse o marco inicial da
Afonso Pena na Calógeras e sua expansão para leste (ARRUDA, 2002).
Entretanto, com o início das obras dos quartéis, em 1921, para além dos
limites da linha férrea e dos córregos Prosa e Segredo, a avenida alcançou
primeiro aumento linear no sentido oeste. Esse fato estimulou o
desenvolvimento urbano campo-grandense de modo a ultrapassar barreiras
físicas e expandir a malha urbana, envolvendo novo contingente de
residências, o hospital militar e outras estruturas atrativas (ARRUDA, 2002).
A instalação do aparato militar também acarretou nova leva de
imigrantes, resultando em consequente crescimento socioeconômico e cultural:
“Mas as atrações econômica e cultural eram evidentes.
Prosperava o comércio, com os bons negócios de gado. O
advento da ferrovia de 1914 e a instalação das forças
militares concorreram para a explosão do desenvolvimento
econômico, com o dinheiro derramado na construção dos
quartéis em 1920, quando a Vila acabava de ceder lugar à
cidade” (MACHADO, 2000, p.64).
Os sinais da modernidade se apresentavam à cidade (Figura 19).
“Vários taxistas, na época chamados choferes de praça, faziam ponto nas
proximidades da esquina da Av. Afonso Pena com a Rua 14 de Julho” (ARCA,
2017).
170
Figura 19. “Fordinhos” na AP em frente ao Jardim Municipal (atual Praça Ari
Coelho) na déc. de 20 – CGR/MS. Fonte: ARCA (2017).
A fim de acomodar os militares e familiares, além dos operários
responsáveis pelas obras dos quartéis, a municipalidade decidiu projetar e
implantar um bairro como infraestrutura complementar. Dessa forma:
“Nesse plano de expansão urbana, entre os trilhos e os
quartéis militares, propostos em meados dos anos 20 e 30,
surgiram os dois novos bairros, Amambaí e Boa Vista (hoje
Vila Planalto). Os novos princípios urbanísticos foram
aplicados, tanto na projeção desses bairros, como na
estrutura de arruamento urbano até o córrego do Prosa,
prolongando-se através da avenida Afonso Pena. Como
resultado, houve um contraste na estética do traçado da
cidade, em relação ao plano de alinhamento rigidamente
ortogonal, feito anteriormente do outro lado da via férrea”
(LE BOURLEGAT, 2000, p.265-266).
Assim nasceu o Bairro Amambaí, primeiro da cidade com traçado
urbanístico caracterizado pela sinuosidade, em contraste com o restante de
Campo Grande. “Os trilhos da ferrovia marcavam o início da avenida, que se
prolongava para o nascente. Do outro lado da via férrea, o espaço sem
171
habitações ganhava, mais tarde, o nome do Bairro Amambaí (...)” (MACHADO,
2000, p.18).
Nessa conjuntura histórica, a grande avenida, juntamente com a Rua
Principal, ou seja, a atual 14 de Julho (MACHADO, 2000), foram invadidas por
numerosos estabelecimentos comerciais, de serviços e lazer, efervescendo o
modo de vida urbano que Campo Grande forjava. De início, foram as
residências térreas que se apropriaram dos primeiros lotes, para depois se
elevarem a sobrados.
A partir daí as atividades comerciais passaram a ocupar o andar térreo,
resguardando o pavimento superior para moradia. A atual Morada dos Baís20,
de 1918, primeiro sobrado residencial em alvenaria na cidade, em estilo
eclético e às margens da linha férrea, quase na esquina da Av. Afonso Pena
com a Av. Calógeras, tornou-se representativa dessa época.
A sede oficial do comando militar, ao contrário dos quartéis e do Bairro
Amambaí, foi construída na área central da Av. Afonso Pena. Nela mesclavam-
se residências de figuras ilustres da cidade com serviços diversos inaugurados
em seguida (ARRUDA, 2002).
Na mesma década de 1920, foi inaugurado o Passeio Público, hoje
Praça Ari Coelho, pelo Prefeito Arlindo de Andrade. Ele também iniciou o
projeto de arborização da cidade, plantando na Afonso Pena os atuais
exemplares de figueiras (MACHADO, 2000). Originalmente, o Passeio era
ocupado pelo cemitério público da cidade. Transferido para o atual Cemitério
Santo Antônio, assegurou espaço à praça já prevista no Plano de Alinhamento
de Ruas e Praças de 1909.
Na década de 1930, Campo Grande foi marcada por diversas
realizações. Em 1933, aconteceu a inauguração de dois monumentos, ambos
na Afonso Pena, por ocasião da 1ª Feira de Amostras, precursora da atual
Expogrande, onde produtos agropecuários e industriais eram expostos e
comercializados. O primeiro monumento foi um relógio de quatro faces,
localizado no cruzamento com a Rua 14 de Julho, ponto mais central da
20 Propriedade original de Bernardo Franco Baís. Construída pelo eng. João Pandiá Calógeras. Moradia da família Baís até 1938, ano de falecimento do proprietário. Após, foi alugada, funcionando como a Pensão Pimentel. Depois, teve outros usos: comércio, escola, casa lotérica. Em 1986, o prédio foi tombado e sediou o IPHAN. Hoje, abriga Espaço SESC, com promoção cultural cotidiana.
172
cidade. O segundo, foi o Obelisco21, no cruzamento com a Rua José Antônio,
em homenagem ao fundador da cidade. Cada um destes monumentos, com
características arquitetônicas e artísticas próprias, marcou a cidade e a avenida
de maneiras diferentes:
“No Obelisco (...) objetivava marcar os limites urbanos de
Campo Grande nos anos 30, quando a Av. Afonso Pena
urbanizava-se até a Rua José Antônio Pereira (...). O
relógio, (...) marcava o ponto de cruzamento das duas
principais ruas e transformou-se num marco iconográfico
da cidade. Ali foram realizadas grandes reuniões e
comícios políticos. (...) Foi demolido em 7 de agosto de
1970 (...)” (ARRUDA, 2002, p.318).
Até a implantação do Obelisco (1933), não existiam construções no
entorno. Ele representava ponto final da avenida. Porém, à frente, algumas
residências começaram a se instalar, sendo a primeira do Dr. Arthur Jorge,
homenageado, posteriormente, com a nomeação da rua que se abriu nas
proximidades da moradia (Figura 20). Adiante havia a caixa d’água municipal
(1938), na qual se armazenava e tratava a água da cidade, em terreno onde
posteriormente se localizaria o Paço Municipal (MACHADO, 2000).
Figura 20. AP e esquema de ocupação na déc. de 30 – CGR/MS. Fonte:
Adaptado de ARRUDA (2001).
21 “(...) homenagem aos fundadores da cidade, tendo em sua fachada principal um medalhão com a efígie do pioneiro José Antônio Pereira. Foi projetado pelo Engenheiro Newton Cavalcanti, então comandante da Circunscrição Militar (...)” (ARCA, 2017).
173
No ano de 1950 (Figura 21), Campo Grande tinha em torno de 57.033
habitantes, contingente maior do que o da capital do Estado de Mato Grosso,
Cuiabá, com 56.204 habitantes, segundo os dados do IBGE (ARRUDA, 2002).
“A economia do município, centrada nas atividades agropecuárias, deu
condições para seu desenvolvimento urbano crescente” (ARRUDA, 2002,
p.124). Os lotes centrais valorizaram-se e edifícios de comércio, serviços e
moradias alcançaram até 06 pavimentos.
Figura 21. Vista parcial de Campo Grande/MS - ao centro, Av. Afonso Pena –
déc. de 1950. Fonte: ARCA (2017).
Os anos de 1960 intensificaram essa trajetória de dinamismo
econômico, absorvendo as imigrações vindas, principalmente, do sul do país.
Desta forma,
“Campo Grande passou a sofrer um novo processo de
desenvolvimento, com uma acentuada taxa de crescimento
populacional provocado, desta vez, pela ‘Fronteira Agrícola’
(...) que tinha na cidade de Dourados o seu principal ponto
de referência” (OLIVEIRA NETO, 1999, p.64).
Como centro urbano e polo comercial, a cidade refletiu essa
movimentação na sua organização e ocupação. “A cidade transformou-se e
urbanizou-se numa velocidade de crescimento muito grande. A imagem dos
174
edifícios construídos guarda a memória do seu tempo (...) parcela significativa
do patrimônio arquitetônico (...)” (ARRUDA, 2002, p.144). Inúmeros prédios
foram erguidos, em especial de apartamentos, reflexo da influência exercida
pela construção civil e mercado imobiliário.
Na década de 1980, se deu o primeiro avanço da Avenida Afonso Pena
em direção a leste, para além do marco do Obelisco.
A construção do viaduto sobre o vale da Avenida Ceará, em 1981, ligou
partes separadas da avenida. O conjunto do Parque dos Poderes, implantado
em 1983 no extremo leste da cidade, passou a sediar a Governadoria e
Secretarias Estaduais de Mato Grosso do Sul. O projeto incluiu, também, área
de bosque nativo, criando, assim, uma reserva natural.
Esse prolongamento da avenida absorveu, primordialmente, a função de
acesso aos edifícios do centro político e administrativo do Estado. À época,
eram escassas as edificações de outra natureza quanto ao uso e ocupação
nesse trecho. Nas imediações da atual Avenida Ceará, abrangendo todo seu
vale, existia a Chácara Cachoeira. Propriedade particular, a área passaria a
abrigar loteamento de mesmo nome (1985), abrindo passagem à avenida em
direção ao Parque dos Poderes (ARRUDA, 2002).
No final de 1989, ocorreu a inauguração do Shopping Campo Grande,
localizado em área oposta ao loteamento Cachoeira. Esse fato desestabilizou a
estrutura comercial do centro antigo da cidade, atraindo muitos setores
comerciais para novo polo da cidade, mais concentrado e elitizado. O shopping
em si, também passou a exercer o papel desempenhado pela rua ao propiciar
convívio social, processo verificado não somente em Campo Grande, mas
também em outras cidades brasileiras e do mundo (ARRUDA, 2002).
A implantação do Parque das Nações Indígenas, em 1993, adjacente ao
Parque dos Poderes, fortaleceu a transferência de eventos ocorridos na região
central da avenida para o chamado ‘altos’ da Afonso Pena. Esta porção mais a
leste passou a receber os grandes acontecimentos, como comícios, shows e
outros tipos de festas de grande porte. Ao transformar-se em ponto de reunião
da população, fez a Praça Ari Coelho e a Praça do Rádio, inseridas no ponto
mais central e antigo, perderem a tradicional função de convivência social
quando da ocorrência de pequenos eventos e manifestações artísticas
(ARRUDA, 2002).
175
Outro fato que contribui para o processo de descentralização promovido
pela Avenida Afonso Pena foi a implantação dos terminais urbanos de
transporte público de forma radial na cidade de Campo Grande. Isso permitiu
ao cidadão se deslocar para diversos bairros da cidade sem necessariamente
cruzar o centro antigo (ARRUDA, 2002).
Dos desenhos originais de loteamentos implantados ao longo da
extensão da Avenida Afonso Pena, resta muito pouco. Os lotes, antes
generosos, foram sendo desmembrados em parcelas menores, de modo a
atender a demanda crescente de moradias e de estabelecimentos de comércio
e serviços. O resultado foi forte adensamento construtivo, principalmente na
área central e oeste. Essa consideração, porém, não cabe para a porção mais
a leste. Devido à ocupação relativamente recente e com outro tipo de
apropriação, ainda remanescem lotes de maior porte não totalmente ocupados
(ARRUDA, 2002).
A partir deste relato histórico, em síntese (Figura 22), desenhando-se
uma linha do tempo, a configuração atual da Avenida Afonso Pena resulta
diretamente das conjecturas econômicas e históricas. Da origem do núcleo
central predominantemente residencial, hoje a porção central se destina à zona
comercial com menos intensidade que no passado.
Figura 22. Linha do tempo de ocupação – 1909-atual – Av. Afonso Pena,
CGR/MS. Fonte: A autora (2017).
A porção mais a oeste, no Amambaí, ainda preserva a função
residencial unifamiliar combinada à zona hoteleira. Na direção leste, o Jardim
dos Estados, também residencial na origem, começa a renovar suas atividades
176
voltadas aos serviços, como bares, lojas e clínicas. Na porção mais extrema à
nascente, o Veraneio, Chácara Cachoeira e Santa Fé, agrupam equipamentos
urbanos de importância: administrativa, com o Parque dos Poderes; comercial,
com o Shopping Campo Grande; e, recreativa, com o Parque das Nações
Indígenas. Não por coincidência, esta última porção da expansão da avenida
ilustra a mais recente alteração, do ponto de vista imobiliário, com notáveis
verticalizações edilícias e a futura instalação do Aquário da cidade, que
reforçam e estimulam o alto valor da terra urbana.
Observando o contorno alternado de prevalência das funções sociais e
econômicas, constata-se: a) a presença relevante de ocupação por instituições
ao longo da avenida; b) o predomínio de residências no extremo oeste; c) a
concentração do comércio na zona central; d) o retorno, então, para intervalo
menos comercial, mais próximo do caráter residencial; e) o extremo leste
vocacionado para o lazer, associado aos parques urbanos. O entendimento é
de que “a oferta de serviços modernos é fundamental para explicar as
mudanças econômicas recentes, visto que a mesma tornou-se elemento
essencial para o crescimento econômico” (LIMA et al., 2015, p.305).
Ao analisar a formação e expansão da malha urbana, verifica-se que o
desenvolvimento urbano e o desenvolvimento histórico foram aliados para a
relevância da Avenida Afonso Pena no contexto local, bem como regional,
forjando características socioeconômicas consolidadas e em transformação na
paisagem urbana.
6.2.5.4. Estrutura Fundiária
Foram elaboradas diretamente análises morfológicas acerca do objeto
de estudo, pois as circunstâncias hoje apresentadas remontam diretamente
aos fatores de evolução urbana aos quais ela foi submetida ao longo dos anos.
Segundo a Lei Complementar nº. 74, de 06 de Setembro de 2005, que
dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo no Município de
Campo Grande (LOUOS), a Avenida Afonso Pena percorre quatro Zonas
Urbanas distintas (Z4, Z8, Z10, Z11) e se classifica como Corredor Urbano
(C6). O caráter de Corredor Urbano está circunstanciado no trecho situado nos
bairros Jardim dos Estados, Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio,
respectivamente. Já a distribuição das diversas Zonas Urbanas segue,
177
semelhantemente, a sequência de bairros lindeiros à AP: Z4 – Santa Fé,
Chácara Cachoeira e Jardim Veraneio; Z8 – Jardim dos Estados; Z10 – Centro,
Amambaí e pequena porção do Santa Fé; Z11 – Centro (Figura 23).
Figura 23. Zonas e Corredores Urbanos – AP, CGR/MS. Fonte: Adaptado de
Sisgran/PMCG (2017).
Retomando a distribuição da extensão total da AP pelos bairros que
cruza, percebe-se que cada um deles associa-se a estas diferentes Zonas:
Amambaí e Centro – Z10 e Z11; Jardim dos Estados – Z8; Santa Fé, Chácara
Cachoeira e Veraneio – Z4, predominantemente, e Z10. Da mesma forma, o
trecho em que a avenida se condiciona como Corredor Urbano, há coincidência
entre a extensão da AP e os bairros do Jardim dos Estados, Santa Fé, Chácara
Cachoeira e Veraneio.
Esta observação é importante pois cada uma destas zonas, em função
das atividades e categorias de uso permitidas pela LOUOS, acaba por
apresentar predominância de certas atividades (Figura 24), e assim, assume
caráter específico.
Figura 24. Representação das Categorias de Uso – Zonas e Corredor – AP e
Bairros – CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
178
A avenida Afonso Pena, em função da leitura de suas zonas, corredor,
categorias de uso e bairros apresenta grande incentivo às atividades
relacionadas ao Serviços, Comércio Varejista e Especial, que engloba grandes
empreendimentos residenciais e comerciais, obras de infraestrutura e
equipamentos urbanos. Claramente não é uma área que privilegia o Comércio
Atacadista nem a Indústria, haja visto as particularidades inerentes de cada
uma delas como vetores de desenvolvimento específicos na expansão urbana.
Em termos da categoria Residencial, todas as zonas, e por consequência,
todos os bairros da avenida, podem assumir as diferentes atividades (R1, R2,
R3). A princípio, todas elas possuem o potencial residencial de pequena, média
e grande escala. Mas, como analisou-se na Densidade Demográfica e dos
Dados Censitários, esta não é uma atividade que seja utilizada em todo seu
potencial.
Em relação aos Índices Urbanísticos (Figura 25), é fortemente aparente
o estímulo ao adensamento construtivo, quando se observa, no contexto geral
da AP, os altos valores para o Coeficiente de Aproveitamento, principalmente
para as Zonas Z10 e Z11, com grande correspondência ao bairro Centro. Vale
destacar o alto Índice de Elevação para a Z8, sobreposta ao Jardim dos
Estados, o que revela o favorecimento ao fenômeno da verticalização urbana
para área com baixa densidade e domicílios particulares permanentes, como já
mencionado nos Dados Censitários. Para a Z10 e Z11, o IE é livre assim como
a TP é facultativa (Tabela 7).
Figura 25. Representação dos Índices Urbanísticos – Zonas e Corredor – Av.
Afonso Pena e Bairros – CGR/MS. Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
179
Tabela 7. Índices Urbanísticos por Zonas e Corredor de bairros da Avenida
Afonso Pena, Campo Grande/MS
Índices Urbanísticos Zona
Z4 Zona
Z8 Zona Z10
Zona Z11
Corredor C6
Taxa de Ocupação (TO) 0,5 0,5 0,7 1 0,7 Taxa de Permeabilidade (TP) 0,125 0,125 0,125 0 0,125
Coeficiente de Aproveitamento (CA) 1 3 6 6 2 Índice de Elevação (IE) 2 6 0 0 3
Fonte: Adaptado de Sisgran/PMCG (2017).
De acordo com a Lei Complementar nº. 94, de 06 de Outubro de 2006,
que institui a Política de Desenvolvimento e o Plano Diretor de Campo Grande,
a Avenida Afonso Pena insere-se na Macrozona MZ1, tangencia a Zona
Especial de Interesse Ambiental ZEIA P03 e atravessa a Zona Especial de
Interesse Cultural C01 (Figura 26). A ZEIC C01 coincide com o núcleo histórico
e central da cidade, enquanto que a ZEIA P03 se sobrepõe às áreas de
preservação do Parque das Nações Indígenas e Parque dos Poderes.
Figura 26. Macrozonas – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: Adaptado de
Sisgran/PMCG (2017).
Esses apontamentos mostram-se importantes, já que a estrutura
morfológica urbana é um dos fatores determinantes do subsistema
socioeconômico.
Dos desenhos originais de loteamentos que foram sendo implantados ao
longo de sua extensão nestes 108 anos de desenvolvimento da avenida, resta
muito pouco, pois os lotes originais, antes generosos, foram sendo
desmembrados22 em parcelas menores, de modo a se atender a demanda de
22 “desmembramento - empreendimento de parcelamento de subdivisão de gleba em lotes com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias
180
moradias, comércio e serviços, o que resultou hoje em forte adensamento
construtivo, principalmente na área central e oeste, como vê-se no Mapa
Fundo-Figura (Figura 27). Essa consideração, porém, não cabe para sua
porção mais à leste, pois devido à ocupação relativamente recente e com outro
tipo de apropriação, ainda remanescem lotes de maior porte não totalmente
ocupados.
Figura 27. Mapa Fundo-Figura (espaço ocupado X espaço vazio) – Av. Afonso
Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).
Aqui vê-se como o contorno da linha da avenida é reforçado a partir da
densidade conferida pelas edificações que nela se seguem. As praças centrais,
Ari Coelho e da República, destacam-se pela quebra dessa rigidez formal do
espaço, da mesma forma que os parques, das Nações Indígenas e dos
Poderes, tornam-se refúgio visual, não só pela posição topográfica elevada,
mas também pela rarefação das edificações adensadas.
De início, foram as residências térreas que se apropriaram dos primeiros
lotes, para depois se elevarem a sobrados. A partir daí atividades comerciais
passaram a ocupar o andar térreo, resguardando o pavimento superior para
moradia.
Hoje, são praticamente inexistentes os exemplares remanescentes das
décadas de 1920 e 1930 do século passado; quando muito, os poucos
sobrados remanescentes das décadas ‘Art Déco’ (1940-1950) têm seus
espaços internos e fachadas adaptados à realidade atual. Muitos desses
exemplares arquitetônicos foram se perdendo no tempo, pela questão das
de circulação nem no prolongamento ou ampliação das já existentes” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).
181
atribuições de novos usos e especulação imobiliária, acelerando a degradação
dos edifícios, explicando a relativa nova idade dos edifícios que ocupam a AP
agora.
Os prédios contemporâneos, que são ocupados distintamente, ou por
uso residencial ou por uso comercial/serviços, se sobressaem não só pelo
grande afastamento que têm entre si e a testada da avenida, mas
principalmente pelo caráter vertical que apresentam (IE).
Através do Mapa Uso-Ocupação (Figura 28), destaca-se o contorno
alternado de prevalência das atividades socioeconômicas. De oeste à leste:
partindo de extremo mais residencial; passando por zona de alta intensidade
comercial; retornando, então, para intervalo menos comercial mais próximo do
caráter residencial; para chegar ao outro extremo com vocação de lazer,
justificada pelos parques urbanos. Vê-se ainda que há presença relevante de
instituições ao longo da avenida, reforçando caráter de notoriedade para outras
partes da cidade.
Figura 28. Mapa Uso-Ocupação do Solo – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte:
A autora (2017).
O primeiro prédio campo-grandense com 02 pavimentos data de 1904, e
a partir daí a escala de Campo Grande passou apresentar além das
edificações térreas, também algumas assobradadas. Mas foi no fim da década
de 1950 que a legislação municipal aumentou o gabarito predial para 03 e 06
pavimentos, para escritórios e apartamentos, respectivamente.
Em consequência, os anos 60, também devido ao desenvolvimento
econômico, como visto anteriormente, foram marcados pelo início do processo
182
de verticalização. Testemunhando toda essa evolução, pode-se dizer hoje que
a AP é uma via verticalizada, principalmente se comparada à outras avenidas
da cidade.
Porém, não se pode dizer que ela apresente esse contorno
uniformemente em toda sua extensão, como verifica-se a seguir no Mapa de
Gabaritos (Figura 29). Os mais altos edifícios concentram-se na porção central,
de modo a serem facilmente identificados, predominando ainda escala
relativamente baixa de gabarito no restante da ocupação. Assim, há gradiente,
que varia de gabarito elevado em seu ponto médio a gabarito menos elevado,
em direção às extremidades.
Figura 29. Mapa Gabaritos – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora
(2017).
Assim, sumariza-se que, à oeste, área altamente edificada, composta
por prédios de baixa ou média elevação e, em sua maioria, de uso residencial,
com destaque para os hotéis, de maior gabarito, e instituições, como igreja,
que marcam presença pela distinção formal do edifício. Na região central, alto
adensamento, inclusive com exemplares mais verticalizados, ocupados em
geral por apartamentos, em oposição aos edifícios de média altura, em sua
totalidade prestadores de serviços e de trocas comerciais. E à leste, encontra-
se área de menor densidade, principalmente pela localização de equipamento
urbano, como parque, atraindo atividades de lazer; além de ser região nova,
em termos de ocupação, é recente a especulação e crescente a ocupação por
uso residencial, com edifícios de médio a elevado gabarito. Afirma-se, então,
183
que um meio ambiente territorializado como a Avenida Afonso Pena revela
marcas profundas da sua evolução por meio da sua estrutura fundiária.
6.2.5.5. Fluxos, Limites e Hierarquização Viária
Desde muito cedo na história de formação e ocupação do território
urbano de Campo Grande, “As avenidas Afonso Pena e Mato Grosso são as
principais vias de ligação entre as zonas leste e oeste, e as avenidas
Calógeras, Rui Barbosa, Ceará e Bahia são as principais no sentido norte e
sul” (PLANURB, 2016, p.194).
De acordo com MACHADO (2000, p.18), após passar por progressivos
aumentos, a Afonso Pena hoje, “começa na simpática Praça junto aos quartéis
do Exército (Praça Newton Cavalcante) e termina no majestoso Parque dos
Poderes, sede administrativa estadual, com largura de 60 metros” e tem
extensão total de 7.759,55m.
Segundo a LOUOS (DIOGRANDE, 2012, p.02), a Avenida Afonso Pena
é definida como Via Arterial (VA) – “aquela caracterizada por interseções em
nível, geralmente controlada por semáforo, com acessibilidade aos lotes
lindeiros e às vias secundárias e locais, possibilitando o trânsito entre as
regiões da cidade”.
Com caráter de via de trânsito rápido, possui ao longo de toda extensão
largura média de 33 metros, que inclui perfil com calçada, faixa de
estacionamento lateral e três pistas de rolagem, com o canteiro central
servindo como eixo de espelhamento deste esquema (Figura 30).
184
Figura 30. Perfil-Esquema – elementos morfológicos da hierarquia viária – Av.
Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).
Na área de estudo, a totalidade de ruas que cruzam a avenida, ao longo
de toda sua extensão também são vias arteriais. As únicas exceções são para
as ruas R. Dr. Paulo Machado, R. Ivan Fernandes Pereira e sua contígua R.
Cel. Cacildo Arantes, pertencentes aos bairros Santa Fé, Veraneio e Chácara
Cachoeira, respectivamente. Estas são definidas como Via Coletora (VC) –
“aquela destinada a coletar e distribuir o trânsito que tenha necessidade de
entrar ou sair das vias arteriais, possibilitando o deslocamento dentro das
regiões da cidade” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.02).
Como centro urbano e polo atrativo, a avenida Afonso Pena refletiu na
movimentação a organização e morfologia dos fluxos urbanos de Campo
Grande. A verdadeira explosão do tecido urbano campo-grandense aconteceu
quando surgiram os grandes loteamentos afastados do centro comercial,
destinados, em maioria, a abrigar a população que se dirigia em fluxos cada
vez maiores para a cidade, principalmente a partir de década de 1960, com a
migração vinda do sul do país e da formação da ´Fronteira Agrícola’ no estado.
O acesso a esses novos bairros se dava praticamente através de rua ou
avenida. Normalmente, as próprias saídas, ou rodovias, desempenhavam este
papel de eixo entre centro e bairros. Consolidou-se, assim, configuração
urbana radial da cidade onde praticamente todos os acessos convergem para o
centro, reforçando a centralidade comercial e de serviços que caracterizam a
185
Av. Afonso Pena. Os fluxos urbanos se davam no sentido bairro-centro-bairro e
praticamente inexistia acessibilidade direta entre as regiões urbanas, fato que
iria mudar com a implantação dos sistemas de terminais urbanos adiante
(PLANURB, 2006). A legislação urbana municipal também se submeteu e
incentivou esta condição:
“Nos anos de 1970, a Lei de Uso do Solo n. 1.747/78
reforçou a tendência de fluxo e comércio nas avenidas,
sacramentou o aproveitamento das saídas da cidade como
acesso aos novos bairros periféricos, intensificando o
trânsito e a localização nestas avenidas, de atividades
comerciais e de serviços” (PLANURB, 2016, p.75).
A origem da cidade de Campo Grande, calcada na qualidade de rota de
passagem, cristaliza-se na AP por meio da vocação da avenida em se
estabelecer como lugar onde todos vão e passam. A centralidade da avenida
na malha urbana atual comprova que essa característica serviu como
condicionante do crescimento campo-grandense, de modo a proporcionar
alcance mais ou menos equilibrado de seu espaço segundo vários pontos da
cidade.
Uma observação intimamente ligada ao fluxo é a relação entre o uso da
calçada e a quantidade de pessoas e intensidade com que as mesmas
transitam por esse espaço da avenida. Nos locais onde o trânsito de pedestres
é menor, como no Bairro Amambaí, as calçadas são apropriadas como
extensão dos estabelecimentos adjacentes pelos comerciantes (Figura 31).
186
Figura 31. Utilização das calçadas menos movimentadas como extensão de
vitrine comercial – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora (2017).
Ao contrário, naqueles trechos onde a dinâmica da circulação é muito
intensa, como no bairro Centro, se torna dificil fazer da calçada mostruário de
mercadorias – a não ser pelos vendedores ambulantes que se apropriam dos
espaços da mesma, principalmente nas proximidades das praças Ari Coelho e
República, em parte pelo cerceamento da permanência nos canteiros centrais
de atividades informais (Figura 32).
Figura 32. Utilização das calçadas nas imediações das praças - local de
vendas e atividades informais – Av. Afonso Pena, CGR/MS. Fonte: A autora
(2017).
187
No caso da AP, essas praças funcionam mais como local de
permanência e relaxamento em meio à intensidade de fluxo e estresse que
ocorre mais propriamente nas calçadas e leito da avenida.
6.2.5.6. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e
Valor Socioeconômico
Quanto ao processo de Tombamento e preservação de bens materiais,
DELGADO (2005) afirma que:
“os objetivos do Patrimônio não são mais explicados
apenas em termos da preservação de bens excepcionais
que materializam a nação, mas incluem a preocupação
com o uso social que deve proporcionar a geração de
renda nas cidades históricas” (DELGADO, 2005, p.126).
Assim, compreende-se que não basta apenas se entender a dinâmica da
paisagem para preservá-la, mas que também e fundamentalmente, é preciso
usá-la, apropriar-se dela, do ponto de vista econômico, social e cultural.
Dentre os mais recentes bens arquitetônicos e urbanísticos tombados
encontram-se os Canteiros Centrais da Avenida Afonso Pena, por meio do
Processo de Tombamento n. 27.405/2009-51. Mais especificamente em 2009,
o pedido de Tombamento foi solicitado pelo MPE, com vistas a se limitar e
eliminar uma das principais diretrizes do Plano Diretor de Transporte e
Mobilidade Urbana (PDTMU) em desenvolvimento e finalizado em 2011 – a
implantação de Corredor Exclusivo de Ônibus na avenida Afonso Pena,
eliminando parte do canteiro central, que danificaria o mesmo e seria utilizado
por carga muito baixa que não justifica sua implantação. Em 2014, em
decorrência de sentimento de resistência e entendimento de entraves às
atividades comerciais, houve suspensão do pedido de Tombamento pela
ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande). Finalmente, em
2016, foi promulgado pelo TJMS (Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul ) o Tombamento definitivo dos canteiros centrais da AP.
188
Neste interim, pouco a pouco, a Afonso Pena foi perdendo pontos de
interesse, por um lado, e ganhando outros, por outro, como descreve-se a
seguir.
No canteiro central, na transição entre o bairro Centro e o Amambaí,
localizava-se a famosa “Pedra”, reunião informal de corretores de imóveis, mas
principalmente, automóveis, que ocupam a área como pátio de estacionamento
e negociações financeiras onde se efetuavam troca de bens móveis e imóveis.
O local era bom exemplo de como, além do acesso visual, a proximidade física
com os canteiros e a participação social e econômica que nele se dava
propiciava aos usuários a definição e ocupação de seu território.
Pouco acima, no cerne da região central da Avenida, eram tradicionais
os carrinhos de lanche, de operação intensa no período noturno. Além de ponto
de encontro, atraíam as atividades comerciais do ramo gastronômico popular.
Em imediato ao decreto de Tombamento Provisório, em 2011, estes carrinhos
foram deslocados para a antiga Rodoviária, nas imediações da Avenida Afonso
Pena. O complexo de transporte, recentemente desativado e relegado às
condições de abandono e ausência de manutenção, colocou os lanches sob
condição de funcionamento e atratividade ao público, antes fiel, bastante
desconfortáveis que continuam até hoje.
Como o corredor exclusivo de ônibus não foi implantado, ocorreu então
a extensão e continuidade da ciclovia já existente nos canteiros centrais da
avenida no trecho do Bairro Jardim Veraneio, menos adensado e caracterizado
pelo uso recreativo. Indo de um extremo ao outro da AP, a proposta era
incentivar a mobilidade urbana pelo uso da bicicleta como meio alternativo de
transporte, mas devido a diversos fatores de ordem técnica e execução da
nova ciclovia, em grande parte, ela ainda continua sendo utilizada para fins de
lazer.
Enquanto isso, o Roteiro do City Tour (inaugurado em 2002) deixa de
operar na cidade (2013), e portanto, de usar a paisagem da Afonso Pena e
seus diversos exemplares arquitetônicos como vetores de reconhecimento
urbano e eixo turístico (CLAJUS, 2018); o Obelisco, ancorado desde a década
de 1930 em canteiro central da AP no Jardim dos Estados, vai sendo cada vez
mais ilhado pelos contornos viários das ruas transversais, correndo contínuo
189
risco de ser demolido, como foi o Relógio – mas o Tombamento garante que
ele ali permaneça.
Enchentes, morte das árvores centenárias, poluição ambiental pelo lixo,
debate sobre inserção de novos monumentos artísticos, dentre outros fatores,
denotam a transformação da paisagem urbana da Afonso Pena diretamente
ligada pelas alterações de uso e ocupação do solo.
Observando o estudo da Avenida Afonso Pena e sua paisagem urbana
do ponto de vista da preservação e das transformações conjugadas ao valor
econômico turístico, CAMARGO (1986) entende que o turismo, além de ser
uma das mais nobres atividades de lazer, é também uma das mais fortes
atividades do setor econômico. O conhecimento turístico da Paisagem gira em
torno das peculiaridades de regiões estrangeiras, exóticas e/ou alhures que
constituem o pretexto para o deslocamento dos indivíduos. Porém, o modelo
turístico ainda pouco se aproveita o espaço urbano como meio para “contato
com a cultura da região que se visita” (CAMARGO, 1986, p.177). O autor
entende que “(...) este modelo de turismo não é sempre fator de
desenvolvimento econômico, (...) e menos ainda de desenvolvimento cultural”
(CAMARGO, 1986, p.177).
No sentido contrário, o autor coloca a reflexão de que “o turismo social
vai além: é uma crítica ao modelo (...) inerente à atividade turística
convencional, através de seus hotéis impessoais, que não respeitam a
paisagem local, (...)” (CAMARGO, 1986, p.177). O turismo social apresenta
oportunidade para estabelecer atividade socioeconômica “(...) em sintonia com
a paisagem local; a diversificação do fluxo para o maior número de pontos de
interesse conhecido ou possível de ser despertado, (...)” (CAMARGO, 1986,
p.178).
Tem-se, então, campo fértil para a compreensão do potencial e do valor
socioeconômico das paisagens urbanas e de seus espaços livres externos
como vetores de desenvolvimento local e regional. ARRUDA (2002, p.02)
corrobora esta posição quando afirma que “Além destes fatores, há no mundo
moderno uma alavanca que vem gerando muito emprego e muita renda e não
causa danos ambientais, que é o turismo”. O caso da Avenida Afonso Pena se
aplica nesta questão.
190
Quanto mais a Avenida Afonso Pena for utilizada pela escala do
pedestre e pela população local urbana, mais seu patrimônio material e
imaterial pode ser preservado, aliando o uso socioeconômico ao fator cultural e
ao valor turístico.
6.2.6. Conclusão
Sobrepondo essas análises formais, baseadas nos respectivos mapas,
verifica-se que há gradiente coincidente de densidade, uso e gabarito que
decresce da porção central em direção aos extremos, conferindo contornos
distintos à linha completa da avenida.
O percurso por um caminho histórico, onde os marcos transformadores
são identificados, contribuiu para o entendimento dos fatores socioeconômicos
que envolvem os objetos arquitetônicos e urbanos da paisagem, como
evidenciado no trabalho em questão. A expressão da história e ocupação, nos
fluxos e limites, na atração econômica turística e na referência patrimonial e
paisagística, demonstram que o impacto ambiental ultrapassa a dimensão
física-territorial da AP.
Prova disso é perceber alguns pontos importantes quanto aos
levantamentos físico e cadastral, aspectos censitários que ajudam a modelar e
a definir a paisagem da Avenida Afonso Pena no que concerne à dimensão
territorial, bem como à preservação e transformações da mesma.
Primeiro, que o Centro da cidade é o local mais adensado
populacionalmente da avenida, tanto pela curta faixa de extensão quanto pela
alta densidade populacional. Mas ao mesmo tempo, é a região onde mais se
observa visualmente as ações decorrentes do Tombamento dos canteiros
centrais: a retirada das vagas de estacionamento, o deslocamento dos trailers
de lanche, a eliminação do comércio popular de automóveis, a ausência de
mobiliários urbanos, o estímulo ao trânsito de bicicletas, mas não ao de
pedestres, etc. Várias ações que subtraem o valor de uso do espaço pela
população local, bem como municipal e regional.
Depois, que o bairro Amambaí é regularmente aquele bairro com a
relação entre extensão e a densidade mais equilibrada, com caráter altamente
residencial, contudo, aquele que menos recebe incentivos quanto ao uso do
espaço livre urbano da avenida. Exemplo disto é a precária manutenção das
191
calçadas lindeiras, da completa ausência de mobiliários urbanos no canteiro
central ou do pouco estímulo de apropriação pelo comércio, lazer, cultura ou
tratamento paisagístico dos canteiros.
Por fim, que o bairro Veraneio é o que apresenta a relação mais inversa
entre extensão e densidade demográfica, mas o qual recebe o uso mais valioso
do ponto de vista imobiliário e ambiental – o uso de lazer e recreação,
caracterizado pela proximidade com os parques urbanos e com a área de
influência do shopping Campo Grande, o primeiro e mais antigo da cidade.
Em suma, aponta-se que esta porção do território campo-grandense,
que a Avenida Afonso Pena representa, não está sendo apropriada ou ocupada
no sentido de aproveitamento do seu potencial socioeconômico e valor como
bem tombado. Isto se coloca como fator de risco e enfraquecimento da sua
Paisagem se entendido que a mesma precisa conservar valores históricos e ao
mesmo tempo incentivar e produzir apropriação urbana, por meio da residência
e comércio, bem como atividades citadinas – culturais e turísticas em essência.
Aliando-se desenho e conformação do espaço físico da avenida,
aprofundou-se o conhecimento da evolução no tempo, do suporte físico e de
aspectos funcionais. Após essas análises - dos mecanismos de formação e
estruturação da cidade de CG, na perspectiva da av. AP -, retratou-se, nas
devidas proporções, a complexidade da organização espacial desse contexto
urbano, já detectando diferentes ambientes dentro desse mesmo recorte,
simultaneamente fragmentados e articulados, tanto pelo suporte espacial
quanto pelos laços de apropriação.
6.2.7. Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código
Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a
Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
192
6.2.8. Referências Bibliográficas
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196
6.3. Artigo III - DIMENSÃO PAISAGÍSTICA E IMPACTO AMBIENTAL:
AVENIDA AFONSO PENA E SUBSISTEMA CULTURAL
Victoria Mauricio Delvizio
6.3.1. Resumo
A Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, se faz presente na estrutura
urbana, organizando a cidade tanto economicamente quanto funcionalmente.
Apresenta-se como espaço urbano rico em situações de uso, com dinâmica
social variada, ao que se soma carga histórica forte no território da cidade. A
pesquisa aborda linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento
Regional Sustentável, e parte-se do princípio que espaços da cidade,
principalmente a rua, são símbolos do processo identitário e cultural coletivo
formador da paisagem urbana. O objetivo é compreender subsistema simbólico
que permeiam as representações culturais no tempo e espaço paisagístico e
explicam a paisagem da Avenida Afonso Pena como símbolo de identidade
cultural local. Categorias possibilitaram entender aspectos essenciais do
processo de desenvolvimento cultural conjugado à crescente aglomeração
urbana. Memória, Identidade, Fluxo e Limite foram importantes para descrição
deste subsistema simbólico e cultural da avenida, que aqui é tomada não só
como o ambiente em que indivíduos estão inseridos, mas o personagem
principal em si mesmo. Verificou-se que arbitrariedades podem resultar em
desmotivação pela população, culminando e corroborando o esvaziamento e
abandono, principalmente em áreas centrais, como já se verifica em tantas
cidades pelo mundo. Por isso, a leitura dos grupos (população) que realmente
vivenciam (ou não) determinado espaço por aqueles que planejam o uso do
mesmo (técnicos) e daqueles que assumem a sua administração (gestores) é,
senão interessante, como indispensável à gestão, preservação e
transformação sustentável de um dado Meio Ambiente urbano.
Palavras-chave: Paisagem Urbana, Lugar, Cultura, Meio Ambiente.
197
6.3.2. Abstract
The Afonso Pena Avenue, in Campo Grande/MS, is present in the urban
structure, organizing the city both economically and functionally. It presents
itself as an urban space rich in situations of use, with varied social dynamics, to
which is added a strong historical load in the territory of the city. The research
addresses the research line Society, Environment and Sustainable Regional
Development, and it is assumed that spaces of the city, mainly the street, are
symbols of the collective identity and cultural process that forms the urban
landscape. The goal is to understand symbolic characteristics that permeate
cultural representations in time and landscape space and explain the landscape
of Avenida Afonso Pena as a symbol of local cultural identity. Categories
allowed to understand essential aspects of the process of cultural development
coupled with the growing urban agglomeration. Memory, Identity, Flow, and
Limit were important for describing these symbolic and cultural features of the
avenue, which is taken here not only as the environment in which individuals
are inserted but the main character in itself. It was found that arbitrariness can
result in demotivation by the population, culminating and corroborating the
emptying and abandonment, mainly in central areas, as already happens in so
many cities around the world. Therefore, the reading of the groups (population)
that actually experience (or not) a certain space by those who plan to use it
(technicians) and those who assume its management (managers) is, if not
interesting, indispensable to the management, preservation and sustainable
transformation of a given urban environment.
Keywords: Urban Landscape, Place, Culture, Environment.
198
6.3.3. Introdução
Os espaços construídos que constituem a urbe compõe um sistema, no
qual assume-se que “a paisagem urbana é um conceito amplo que se refere
principalmente, aos aspectos morfológicos de qualquer cidade” (AMADEI et al.,
2011, p.211). Muitos são os elementos que podem formar este conjunto: vias,
limites, bairros, cruzamento, áreas verdes, relevo, clima, marcos urbanos,
equipamentos e mobiliários, dentre outros.
De acordo com CULLEN (2006 apud AMADEI et al., 2011, p.211), “o
conceito de paisagem urbana exprime a arte de tornar coerente e organizado,
visualmente, o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que constituem o
ambiente urbano”.
Porém, a paisagem urbana pode ser descrita à medida em que nela se
transita, vive ou habita, como numa visão seriada, onde muitos pontos de
vistas se combinam, seja em tempo ou espaço. Para quem nela se desloca,
contrastes ou similaridades podem ir se apresentando, ao passo em que vão
despertando impacto visual, causando sensações e oferecendo relações
diversas.
A Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS se faz presente na
estrutura urbana, organizando a cidade tanto economicamente quanto
funcionalmente. Apresenta-se como um espaço urbano rico em situações de
uso, com dinâmica social variada, ao que se soma carga histórica e presença
forte no território da cidade em que está inserida.
Fala-se de uma via que tem sua gênese nos primórdios da origem do
município e que desde muito, por seu traçado urbano e por sua trajetória
histórica, foi adotada como “A Grande Avenida” (MACHADO, 2000). No ano de
1910, a av. Afonso Pena foi implantada definitivamente e é aí, então, que
realmente nasce o processo de urbanização, tanto da avenida como também
da já fundada cidade de Campo Grande, da formação de sua sociedade,
refletindo-se na modificação da sua paisagem.
Por isso, no decorrer dos anos seguintes até a atualidade, foram feitos
prolongamentos e sendo erigidas edificações e monumentos ao longo de sua
extensão que, ao mesmo tempo em que compunham a paisagem da avenida,
formavam também a história local:
199
“Campo Grande surpreende e força a ejeção de adjetivos
sinceríssimos. Porque aquilo não é cidade de fim de
civilização, de beira – sertão, como o viajante, logicamente
é levado a supor. É cidade de começo de civilização, é a
coisa mais reconfortadora que em tais alturas alguém
possa esperar. (...) Mas o melhor de Campo Grande não é
o que Campo Grande já é e sim o que promete ser.
Reúnem-se nelas todas as condições favoráveis para uma
das grandes futuras cidades do Brasil. (...) parece que o
urbanista que lhe traçou as ruas e as praças teve
consciência disso. Tudo em Campo Grande é espaçoso,
arejado; sua arquitetura é bela.” (LOBATO, 1948 apud
ARRUDA, 2002a p.245).
MEDEIROS (2008) abordou colegas de trabalho, familiares e amigos
indagando quais seriam as sete maravilhas de Campo Grande, remetendo à
discussão instaurada no país no ano de 2007, quando foram eleitas as obras
da natureza ou do homem mais significativas da era contemporânea,
destacando-se dentre elas o símbolo nacional do Cristo Redentor, na cidade do
Rio de Janeiro/RJ. Não foi surpresa que, dentre outras maravilhas campo-
grandenses lá estava a avenida Afonso Pena. Mesmo sendo uma investigação
pautada na curiosidade da autora supracitada, ficou registrado que a AP é um
espaço-símbolo, entremeado de valores subjetivos para a população na
paisagem em que se insere.
A ideia e fenômeno de que a Paisagem é capaz de aderir vários tempos
e espaços em si mesma, sobreposta e simultaneamente, é o que lhe faz estar
em perene transformação. Isto é o que SANTOS (2006) denomina rugosidade:
“Chamemos de rugosidade ao que fica do passado como
forma, espaço construído, paisagem, o que resta do
processo de supressão, acumulação, superposição, com
que as coisas se substituem e acumulam em todos os
lugares. As rugosidades se apresentam como formas
isoladas ou como arranjos” (SANTOS, 2006, p.113).
200
É justamente essa sobreposição de valores, de apropriações, de
vivências, que possibilita compreensão do fenômeno complexo da cidade, visto
que “o homem vive em um ambiente simbólico” (CASSIRER, 1994 apud
PELUSO, 2013, p.26). Ou seja, parte-se do princípio que espaços da cidade,
assim como uma avenida como a Afonso Pena. são símbolos de um processo
identitário e cultural:
“A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no
espaço, somos alertados para as relações que existem
entre os lugares. Essas relações são respostas ao
processo produtivo no sentido largo, incluindo desde a
produção de mercadorias à produção simbólica” (SANTOS,
2006, p.45).
Os símbolos, para RAPOPORT (1972 apud MANCEIRA, 2003, p.09),
são originados a partir das forças culturais como meio de expressão e
concretização de ideias e sentimentos, mas acabam por tornarem-se
referências e ao mesmo tempo estímulos na relação do homem com seu
espaço e ambiente. MANCEIRA (2003, p.19) acrescenta que “o fato de um
lugar ser percebido como um símbolo está diretamente ligado à expressão de
sua identidade”.
O símbolo, necessariamente traduzido por forma física, não pode ser
experienciado se alheio ao sistema em que foi gerado, ou seja, “para perceber
o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou”
(LARAIA, 2006, p.56). Dessa maneira, o espaço urbano assume dimensão
simbólica peculiar, variável, porém, segundo quem a interpreta, seja individual
ou coletivamente, pois, “afinal, o ambiente da vida cotidiana é mais significativo
do que parece. Ele é tanto a espinha dorsal quanto o fundo sobre os quais
construímos a própria base de nosso modo de ser-no-mundo” (THIBAUD,
2005, p.210).
No caso da AP, a relação entre espaço urbano e cidadão/sociedade que
a habita estreita-se a cada ida à rua para se fazer compras, no esbarrão com
alguém estranho ou no encontro com o amigo na esquina, até correria para
201
pegar um sinal aberto ou no descanso debaixo da sombra de uma árvore,
dentre tantos outros acontecimentos, a princípio banais, mas que tornam a
existência de ambos indissociável.
DAMATTA (1998) refere-se à cultura como um modo de fazer coisas, de
pensar questões e de expressar ideias. A relação e gestão dos espaços
públicos urbanos liga-se, portanto, ao seu aspecto simbólico, demandas físicas
e psicológicas dos grupos a que se direciona e também da cultura ligada à
localidade em que se insere, principalmente pelo fato de que cada sentimento
humano (individual e coletivo) constrói o espaço e o tempo de um lugar à seu
próprio modo.
SANTOS (1994, p.21) define que Paisagem é tudo aquilo que a visão
pode alcançar: “(...) é o domínio do visível, não apenas volumes, mas também
cores, odores, sons e movimentos”. A paisagem possui escalas diferentes - do
local ao global, do lugar ao território, do indivíduo à sociedade, do arquitetônico
ao urbano, do natural ao artificial – mas há uma dentre elas que perpassa à
todas: a percepção humana, com suas diferentes determinações de valores
sensoriais e culturais.
Se a rua é o espaço da cidade, ela também é capaz de ser
experienciada e representar valores e significados para o cidadão, mas que
sejam comuns ao seu grupo, pois “além de ser uma propriedade das cidades,
deve ser reconhecida como o princípio que as torna cidade” (SANTOS et al.,
1985, p.79).
OLIVEN (1980, p.36 apud BRASILEIRO, 2007, p.04) defende que “(...)
por trás daquilo que é considerado, de uma forma não questionada, uma
uniforme cultura de massa urbana, muitas diferenças se escondem (...)”. Logo,
a leitura e debate dos motivos pelo qual a AP ser uma avenida tida como
‘importante’ proporciona a ‘descoberta’ das diferenças que solidificam seus
valores e significados latentes, consolidados e velados.
Assim, o objetivo neste trabalho é compreender subsistema simbólico
que permeia as representações culturais no tempo e no espaço paisagístico e
que explicam a paisagem da Avenida Afonso Pena como símbolo de identidade
cultural local.
202
6.3.4. Material e Métodos
Com foco na dimensão da Paisagem, e para atender os objetivos, foram
utilizadas fontes primárias e secundárias (documentais e historiográficas). Em
torno da complexidade meio ambiente urbano, os procedimentos, em síntese,
voltaram-se à caracterização cultural da paisagem da Avenida Afonso Pena.
Para analisar estas características culturais, pelo viés simbólico, partiu-
se de registros fotográficos e/ou jornalísticos para descrever manifestações
cotidianas dos usuários que assumem a paisagem urbana da Avenida Afonso
Pena como palco para tal, principalmente aquelas que consigam incentivar a
permanência e as trocas culturais espontaneamente. RAPOPORT (1972, p.12)
entende que “o Meio Ambiente não é uma coisa ‘lá fora’. Ele não é como
imagem ou fotografia admirada por lazer. O homem é no e do Meio
Ambiente”23. Assim, a figura do Homem torna-se indissociável do espaço que
habita e modifica, fazendo com que a Paisagem construída não seja alheia à
cultura que a circunscreve.
Tomando a Paisagem urbana como manifestação do espaço, do
Geossistema, do Território e da cultura, passível de ser descrita e relacionada
a transformações, foi importante estabelecer um recorte espacial urbano
limitado, porém, diretamente relacionado com a avenida objeto de estudo.
Esta pesquisa envolve a extensão da Avenida Afonso Pena, localizada
na cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul (Figura 1).
Figura 1. Mapas de localização: Brasil, Mato Grosso do Sul, Campo Grande,
recorte de estudo, Av. Afonso Pena e entorno. Fonte: A autora (2017).
23 Tradução livre da Autora.
203
Este recorte, além de englobar a área definida para o tombamento dos
canteiros centrais, também inclui toda a extensão da AP e seus bairros24
lindeiros, definidos pelas avenidas, parque e praça que definiram os limites
deste recorte de estudo (Figura 2).
Figura 2. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena e entorno,
CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2017).
Conforme afirma CULLEN (2006, p.11), a definição e a percepção da
paisagem urbana surgem como “uma sucessão de surpresas e revelações
súbitas”. O princípio determinante para tal fato é a “Visão Serial” (AMADEI et
al., 2011), no qual fragmentos visuais estáticos ganham movimento, tanto no
tempo como no espaço, que remontados cognitivamente, permitem a
compreensão do ambiente.
Assim, para que a análise da AP e dos seus 45 canteiros (22 tombados
mais 23 existentes) fosse feita, foi necessária sua divisão em setores, ou
subunidades, ou ainda, geofaces (Figura 3). Esta divisão adaptou e combinou a
existência de variadas ambiências (AUGOYARD, 2004) com a organização
feita por OLIVEIRA NETO (1999), segundo quatro trechos diferenciados de
ocupação econômica. Definiu-se, então, os seguintes setores
(subunidades/geofaces) de análise:
• Amambaí: da Praça Newton Cavalcante (Av. Duque de Caxias) até a Av.
Pres. Ernesto Geisel, compreendendo 02km da avenida;
• Centro: da Av. Ernesto Geisel até a R. José Antônio, menor, com 900m;
24 “são áreas pertencentes às Regiões Urbanas organizadas para qualificar as condições de trabalho, circulação, recreação, moradia e as relações de cooperação em todos os tipos de atividades de vizinhança” (LOUOS/DIOGRANDE, 2012, p.01).
204
• Jardim dos Estados: da R. José Antônio até o viaduto sobre a Av. Ceará,
engloba mais 02km da avenida;
• Altos: do viaduto da Av. Ceará até o Parque dos Poderes (Av. do Poeta).
Estas subunidades foram aqui adaptados e nomeados em função: dos
bairros lindeiros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados), da predominância da
elevada cota topográfica - já assim batizada na cidade - para a congregação
dos bairros Santa Fé, Chácara Cachoeira e Veraneio (Altos), dos marcos
naturais (córrego Segredo, na Av. Pres. Ernesto Geisel), marcos construídos
(Obelisco, na R. José Antônio, e viaduto, na Av. Ceará), e dos limites legais da
Avenida Afonso Pena (Praça Newton Cavalcanti e Parque dos Poderes)
(Quadro 1).
Figura 3. Setores (Subunidades/Geofaces) da Av. Afonso Pena: Amambaí,
Centro, Jardim dos Estados, Altos. Fonte: A autora (2018).
Quadro 1. Campos Visuais dos Setores da Av. Afonso Pena, Campo Grande -
MS
SETOR
SUBUNIDADE
GEOFACE
PONTO CAMPO VISUAL
Altos (1)
Viaduto Av. Ceará (Adaptado de Google Earth/set. 2017)
205
(2)
Parque dos Poderes (Adaptado de Google Earth/dez.
2016)
Jardim dos
Estados
(3)
R. José Antônio (Adaptado de Google Earth/jun.2017)
(4)
Viaduto Av. Ceará (Adaptado de Google Earth/set. 2017)
Centro
(5)
Av. Pres. Ernesto Geisel (set. 2017)
(6)
R. José Antônio (Adaptado de Google Earth/set. 2017)
206
Amambaí
(7)
Praça Newton Cavalcanti (dez. 2016)
(8)
Av. Pres. Ernesto Geisel (out. 2017)
Fonte: A autora (2018).
Dessa forma, com a divisão da avenida em subunidades, foi possível
fragmentar a paisagem da avenida e destacar resultados singulares,
decodificados por categorias, que dão caráter a cada um destes trechos, mas
que ao mesmo tempo, formam o mosaico da paisagem que universaliza a AP,
pois “a análise perceptiva e visual é uma ferramenta fundamental para se
descobrir os componentes da identidade urbana, essenciais para a
preservação da memória da cidade” (TEIXEIRA, 2009 apud AMADEI et al.,
2011, p.216).
A cidade é um todo conjugado e interrelacionado por diferentes escalas
e elementos, no qual se pode identificar subsistemas, para se efetuar a efetiva
leitura do espaço e da paisagem (SALLEM, 2006, p.10). Para compreender
como a paisagem urbana se conjuga como símbolo de dada cultura, três
aspectos são relevantes: ótico, pois a(s) imagem(ns) da paisagem impactam a
percepção emocional; local, pois a organização material do espaço causa
reações físicas; conteúdo, pois os valores e significados dependem de um
contexto social (GARBADO, 2001, p.89).
Assim, neste trabalho, quanto às categorias de análise desta
investigação, elegeram-se aquelas que predominantemente marcam a
percepção e a conotação simbólica de um espaço público urbano, tal qual a
Avenida Afonso Pena: Memória, Identidade, Fluxo e Limite.
207
Assim, os procedimentos metodológicos foram definidos e coletados
através destas quatro categorias de análise: Memória, Identidade, Fluxo e
Limite – conceituadas nos tópicos sequentes.
Estas categorias possibilitaram entender aspectos essenciais do
processo de desenvolvimento cultural conjugado à crescente aglomeração
urbana, pois, “O espaço está carregado de sentido. Suas formas e seu traçado
se remetem entre si e se articulam numa estrutura simbólica, cuja eficácia
sobre as práticas sociais revela-se em toda análise concreta” (CASTELLS,
1983, p.264). Isso significa entender que o próprio espaço, a memória, a
identidade, o fluxo e o limite se apresentam como categorias importantes para
a descrição deste subsistema simbólico e cultural da avenida, que aqui é
tomada não só como o ambiente em que indivíduos estão inseridos, mas o
personagem principal em si mesmo. “As memórias e os valores influenciam a
estruturação dessas imagens e o seu relacionamento com outras informações
atribuindo ao conhecimento de uma cidade uma interpretação pessoal da
mesma” (AMADEI et al., 2011, p.217).
Deste modo, subsistema cultural e simbólico da Paisagem da Avenida
Afonso Pena teve origem em relatos e registros históricos, jornalísticos e
fotográficos aliados aos fatores ambientais do espaço. Entrevistas e
depoimentos em artigos jornalísticos publicados entre os anos de 2006
(primeiro Plano Diretor Municipal) e 2018 (atualidade) serviram de base para a
construção do discurso e da percepção do cidadão campo-grandense da
paisagem cultural da Avenida Afonso Pena. Os resultados apresentados a
seguir foram feitos segundo o cruzamento analítico entre as subunidades de
divisão da avenida e as categorias de análise. Ou seja, nem sempre as
informações respeitaram necessariamente a ordem sequencial temporal
(cronologia/histórica) ou espacial (subunidade/bairros), mas sim a relevância e
encadeamento das considerações que se fizeram necessárias.
A metodologia atendeu às demandas de pesquisa, possibilitando o
alcance dos objetivos traçados, pois “o pesquisador deve se utilizar de
interpretação histórica, análise das condições materiais e imateriais do lugar,
sensibilizando consciências, de modo a despertar latências ainda não
reveladas” (LE BOURLEGAT, 2000, p.19).
208
6.3.4.1. Memória
Ao afirmar que “a cultura é um processo acumulativo, resultante de
toda a experiência histórica das gerações anteriores” (LARAIA, 2006, p.49)
remete-se ao conceito de memória e sua construção progressiva e temporal.
Essa construção não é linear; é estabelecida a partir de impressões
particulares que humanizam o tempo. O indivíduo pode lembrar, esquecer, e ao
mesmo confundir, mas o faz relacionando sentimentos e espaços, que
conjugam a construção do Lugar.
O fato da memória ancorar-se em espaços é vital ao campo da
paisagem urbana, do patrimônio e do meio ambiente que a cidade constitui.
ECKERT (2002, p.82) acredita que a cidade é “guardiã das passagens do
tempo mapeando os lugares que guardam os vestígios da memória coletiva
vivida”. Esse mecanismo, aliado ao tempo humanizado e não linear, faz “dar
conta da cidade construída incessantemente nos jogos de lembrança e
esquecimento daqueles que a habitam a partir de referenciais de identificação
e estranhamento” (ECKERT, 2002, p.81).
Esses “jogos de memória” são importantes ao indivíduo, bem como
para a cidade, onde “uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto
de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes
momentos” (SANTOS, 1994: 66). De qualquer modo, o lembrar (ou não
lembrar) possibilita verificar que “a memória ressalta os significados identitários
e os valores de uso depositados nestas paisagens” (GHILARDI, 2004, p.248).
Para JODELET (2002 apud DEL RIO et al., 2002, p.34), a cidade e
todo seu tecido, constituído de espaços livres e construídos, é vista como
contínua sobreposição de camadas distintas, como “em uma massa folhada”.
Cada uma dessas camadas representa a diversidade de contextos históricos e
usos sociais, refletidos nas diferentes formas de experimentação e apropriação
dos grupos sociais com o espaço urbano em que se insere.
SANTOS e SILVEIRA (2001, p.250) acrescentam que lugares dispõem
desse tecido em camadas ora mais carregadas, ora mais tênues, mas “em
todos os casos, as rugosidades, isto é, as heranças, têm um papel importante,
porque constituem condições para a implantação das novas variáveis”, de
novas possibilidades de interpretação do espaço-tempo.
209
Semelhantemente, DUARTE (et al., 2006, p.03) apresenta a “leitura do
espaço evolutivo”, onde a memória “reflete a relação entre passado, presente e
futuro de cada usuário dos lugares e delimita um princípio importante no
reconhecimento do potencial simbólico e apropriativo dos espaços
construídos”. Nesse sentido, assim como DUARTE (2006), assume-se que “é
preciso buscar no exercício do lembrar a emergência dos espaços como
marcos para ancoragem identitária dos grupos.” (DUARTE, 2006, p.04).
Por isso, a categoria da Memória se torna indispensável à
compreensão de como esses mecanismos de impressão atrelam-se à
dimensão física dos espaços urbanos. Dessa forma, pode-se compreender
com propriedade que a relação entre este conceito e a arquitetura reside na
qualidade do espaço construído incitar o exercício do lembrar, onde vestígios
da memória coletiva repousam, condição sob a qual nos propomos investigar a
Av. Afonso Pena.
6.3.4.2. Identidade
A palavra identidade tem raiz no grego ‘idios’ - ‘o mesmo, ele mesmo’ –
e no latim idem – ‘idêntico’ (COSTA, 2002). Opera como um espelho, no qual o
indivíduo é capaz de reconhecer no espaço características que também
definem sua personalidade “por meio não de uma relação de igualdade, mas
de semelhança, estabelecendo assim mão dupla, pois a partir dessa
identificação com o lugar, o homem também reconhece a si mesmo” (RIBEIRO,
2003, p.83).
Esse fato se reflete na propriedade de reconhecer algo ou alguém
como próprios – a noção de pertencimento. Para FISCHER (1994, p.75), tal
expressão da identidade se manifesta como mecanismo de apropriação, “uma
linguagem simbólica para dizer o espaço social em que se vive, revelando, no
fim das contas, uma parte do mundo interior a transbordar para o espaço no
qual se vive”, onde símbolos cristalizam esse fenômeno como estratégia de
personalizar determinado ambiente.
Por meio dessa ação, “indivíduos são capazes de criar ou captar
significados, simbolizando e interagindo com os mesmos, levando-os a
incorporá-los à sua própria identidade” (KUHNEN, 2001). Tanto na apropriação
quanto na definição do símbolo, este “sentido nasce dessa relação do homem
210
com sua cultura, dele com seu ambiente e com sua criação” (FRÓIS, 2002,
p.45).
Para NORBERG-SCHULZ (1980) esta dinâmica se associa ao caráter
do lugar, seu “genius loci”. Se o homem fosse incapaz de referenciar, sobrepor
ou até impor ao espaço qualidades inerentes ao seu próprio modo de ser, da
sua identidade como indivíduo ou como grupo, relações de afeto não poderiam
ser estabelecidas e se inibiriam qualificações de espaços em Lugar (TUAN,
1983). Essa interdependência entre indivíduo, sociedade e espaço resulta da
“maneira pela qual o homem modifica o ambiente e se deixa modificar por ele
(...) pois os espaços são expressões culturais do homem ao mesmo tempo em
que são suportes espaciais para a construção de sua identidade.” (DUARTE et
al., 2006, p.08).
Se “a identidade das pessoas é, em boa medida, uma função dos
lugares e das coisas” (NOBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.457), então,
a identidade é um processo análogo e, ao mesmo tempo, entrelaçado à
construção da cidade, paisagem, espaços e lugares que a edificam. Por isso é
relevante se utilizar a categoria da Identidade para, como numa figura que se
completa por cheios e vazios, se compreender características que levam certos
lugares a serem símbolos de determinada cultura, como foi investigado no caso
da Av. Afonso Pena.
6.3.4.3. Fluxo
A paisagem da rua predomina na imagem urbana como via de
circulação e mobilidade, onde “pessoas observam a cidade à medida que nela
se deslocam e outros elementos organizam-se ao longo destas vias” (LYNCH,
2005, p.58), unindo atores e cenário em ritmos peculiares.
Fisicamente, o deslocamento é “a variação de posição de um corpo
relativamente a um ponto chamado ‘referencial’” (JAPIASSÚ e MARCONDES,
2006, p.195). Este “deslocamento” (VILLAÇA, 2001) gera fluxos, “sequências
intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre
posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas
econômica, política e simbólica da sociedade” (CASTELLS, 2001).
Sob o aspecto da utilização, vê-se “espaços da fluidez e espaços
viscosos”, onde não é a velocidade nem a densidade da circulação de pessoas
211
ou objetos em deslocamento, mas a frequência em que se manifesta esse fluxo
em espaço designado para o mesmo - “um espaço pode ser denso quanto às
vias, mas não fluido” (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.262). Assim, espaço fluido
é aquele cujo fluxo é regrado a partir do uso frequente, em oposição ao espaço
viscoso.
Já sob o aspecto da hierarquia, tem-se “espaços da rapidez e da
lentidão”. Em oposição ao espaço lento, os espaços rápidos são, na ótica
material, “dotados de maior número de vias (...), de mais veículos privados (...),
de mais transporte público (...)”; e na ótica social, “aqueles onde é maior a vida
de relações, fruto da sua atividade econômica ou sociocultural, ou então, zonas
de passagem, respondendo a necessidades de uma circulação mais longínqua”
(SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.263).
Sob a relação dialética espaço/tempo, há “espaço de fluxos” e “espaço
de lugares”, também denominado fixo (CASTELLS, 2001). Na paisagem
urbana, “os fixos, isto é, o que é imóvel, e os fluxos, isto é, o que é móvel”
(SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.247) correspondem-se onde “a urbanização é o
‘fluxo’, a cidade é o ‘fixo’, o lugar” (SANTOS, 1994 apud SOUZA,1996, p.59).
Daí, o suporte físico para fixos são ruas, avenidas, bulevares, praças, e
são capazes de assinalar seus significados (FERRARA, 2005). A convergência
de infraestrutura e usuários (diga-se, acessibilidade), determina, sob pretexto
político, econômico ou cultural, papel mais destacado de um espaço urbano na
hierarquia da cidade, compreendendo-se porque certas ruas acabam se
tornando caminhos cativos e símbolos coletivos.
Com interdependência, “a dinâmica dos fluxos impregna os fixos,
redefinindo-os, modificando-os, renovando-os até criar os lugares da cidade”
FERRARA (2005, p.02). A “lugaridade”, permite distinguir o local, “referência da
paisagem”, do lugar, “polo cognitivo onde se pode apreender usos e sentidos”
(FERRARA, 2005, p.03).
Assim, “ruas adquirem identidade e movimento, não só pela sua
própria forma ou pelas junções nodais (...)” (LYNCH, 2005, p.96), mas também
pelos ritmos distintos, visíveis e sensíveis, em que se vive a experiência
espaço/tempo. Na trajetória histórica de Campo Grande e da Avenida Afonso
Pena, fluxos foram alterados por necessidades de uso, influenciando a
consolidação simbólica de seu espaço. A sensação transmitida pelos fluxos, de
212
adensamento, rarefação, movimento ou estagnação, são questões que se
apoiam na categoria ora apresentada e agrega fatores explicativos para
compreensão da paisagem e da cultura da AP.
6.3.4.4. Limite
Originária do latim ‘limes’, remete à qualidade de fronteira, e sua
designação é “aquilo que separa uma coisa da outra que lhe é contígua”
(JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p.169). Para cada objeto, natural ou
construído, há um “limite espacial” (CHING, 2000, p.169), onde sua
extremidade, superfície ou volume define-se por intervalo, linha(s) delineadoras
ou contrastes e gradientes de textura e intensidade.
Contudo, limite pode ser tanto um conceito espacial objetivo, bem
como um fenômeno subjetivo e simbólico - “Uma rua comprida com a sua
ambiguidade de caráter, tanto de limite como de via, pode penetrar numa
região e, assim, trazê-la aos nossos olhos, mas pode também, ao mesmo
tempo, desmembrá-la” (LYNCH, 2005, p.95). Ou seja, há tênue diferenciação
entre a rua ter limite ou ser limite.
Objetivamente, quando a rua tem limite, independente da sua natureza
– retilínea, curvilínea, segmentada, interseccionada - “todas as vias têm um
ponto de partida, a partir do qual somos conduzidos através de uma sequência
de espaços até nossa destinação” (CHING, 1998, p.252). Associa-se, assim, à
expressão de direção, movimento, extensão e crescimento. quando arrematada
“por uma forma ou espaço dominante, por uma entrada elaborada ou
articulada, ou pela fusão com outra forma arquitetônica ou com a topografia de
seu terreno” (CHING, 1998, p.198). É passível de ser definida fisicamente,
possuindo necessariamente ponto de partida e de chegada - pois “ruas com
origens e fins claros e bem conhecidos tinham identidades mais fortes,
ajudavam a manter a cidade como um todo e davam aos observadores a
sensação da sua orientação, quando estes por elas passavam” (LYNCH, 2005,
p.65).
Subjetivamente, quando a rua é limite, define a cidade por meio da sua
força dominante espacial, a “visibilidade”. Se a continuidade da rua tem limite
físico satisfatoriamente identificável, com presença de espécies arbóreas
reforçando sua conformação e estrutura, facilita-se seu reconhecimento como
213
centralidade, se torna um marco em si (LYNCH, 2005). Porém, se o limite físico
“em sentido abstrato é contínuo mas apenas visível em alguns pontos”
(LYNCH, 2005, p.74), sua força pregnante vai se perdendo, tornando-se um
“limite fragmentário” (LYNCH, 2005, p.74). De modo algum isso é negativo. Ao
contrário, os limites “não devem ser necessariamente impenetráveis (...) são
mais uma costura de união do que propriamente uma barreira isoladora”
(LYNCH, 2005, p.75).
Assim, a tênue separação entre o que é e o que tem limite começa a
aparecer, e as ruas também podem assumir esse papel. Esse espaço, então,
“funciona de um modo ambíguo, tanto como um ponto de encontro linear, um
limite, ou uma rua para gente diversa a diversas horas” (LYNCH, 2005, p.76)
de modo a ultrapassar “a imagem da rua, como sendo uma via de circulação”
(LYNCH, 2005, p.76) apenas.
Entretanto, em ambas situações - quando a rua é limite ou quando tem
limite - há uma característica concomitante que as compõem e analisam
simultaneamente: a atividade perceptiva do usuário-observador, ou distância
ou fronteiras psicológicas. Quando a rua se bifurca, por exemplo, os limites
começam a ficar não tão consensuais dentre seus observadores - dizer que a
rua, começa ou termina aqui ou ali depende do referencial, tanto físico como
perceptivo (LYNCH, 2005).
As fronteiras psicológicas que demarcam um espaço pessoal invisível
mas respeitado é legitimado pela população que conhece as lógicas culturais
do lugar. Isso demonstra inclusive que “o espaço vivido (Lugar) é fragmentado
em função do pertencimento ao mesmo povoado (...) ou área cultural, que
fornecem referenciais básicos para o cotidiano em sua dimensão espacial”
(GALLAIS, 1977 apud CORRÊA, 1995, p.32). Essa dualidade coloca em xeque
em que ponto a AP tende a se enquadrar, sendo ou tendo limite. Assim, a
categoria do limite e seus nuances podem nos ajudar a reconhecer os valores
e significados que se aliam a essas questões.
6.3.5. Resultados e Discussão
6.3.5.1. Memória: lembrança e esquecimento
214
As lembranças evocadas por elementos presentes na paisagem da
Avenida Afonso Pena são indícios de que por ali flutuam fragmentos de
Memória, fixados ao longo do tempo na presença da sua forma física.
Algumas dessas referências são monumentos, ocupações ou
interferências na urbanização da avenida que, por diversas vezes, expressam
lugarização de algo que já não mais faz parte desse contexto, mas assumido
como se ainda estivesse por ali.
Antes, durante, e mesmo após, o desenrolar o ato de tombamento dos
seus canteiros centrais (2009-2016), a Av. Afonso Pena vem perdendo e
ganhando uma série de elementos (arquitetônicos, urbanísticos, artísticos,
dentre outros), dentro e fora dos limites do trecho de tombamento. Se, por um
lado, isto demonstra sinais de transformação, por outro, revela a contradição e
a arbitrariedade quanto à preservação da sua história, identidade e,
principalmente, memória e caráter simbólico.
De início, na geoface Centro, no limiar do encontro com a geoface
Amambaí, no trecho da AP após a Av. Calógeras e nas proximidades das
margens do córrego Segredo, há um antigo condomínio residencial, hoje
ocupado majoritariamente por pequenos prestadores de serviços. Por muito
tempo, os canteiros centrais defrontes ao mesmo foram conhecidos pelo
apelido de ‘Pedra’ – feira informal de corretores de automóveis que ocupavam
a área total como estacionamento nos mesmos.
Apesar de fundada em ano incerto – entre meados dos anos 60 e início
da década de 1970 – a Pedra já ocupou três locais: o original (1), na Av.
Afonso Pena, entre as ruas 13 de Maio e 14 de Julho, defronte à Praça Ari
Coelho; o tradicional (2), na mesma avenida, entre a Av. Calógeras e a Av.
Ernesto Geisel; e o atual (3) (e tido como provisório), na plataforma desativada
do terminal de ônibus urbano da antiga Estação Rodoviária Municipal, que fica
nas proximidades da avenida, mas não, de fato, na sua extensão (ARRUDA,
2015).
A primeira mudança de endereço se justifica, conforme relato do
Presidente da Associação de Vendedores de Veículos Autônomos (AVVA), sr.
Isidoro de Oliveira Cardoso,
215
“porque a praça virou centro; mas choveu e virou um barro
só. Pegamos os carros todos e voltamos para o mesmo
lugar (1). O prefeito nos perguntou porque voltamos e nós
dissemos: não tem condições para a gente ficar ali (2), sem
um calçamento, sem as entradas para deixar os carros.
Ficamos ali (1) um mês, que foi o tempo para a Prefeitura
fazer as obras do meio-fio, construir o calçamento e os
bancos no outro ponto (2).” (ARRUDA, 2015)
No segundo ponto de venda, “a Pedra permaneceria (...) até 2012, ano
em que a feira foi removida da Afonso Pena por causa das obras de
revitalização e remoção das vagas de estacionamento da via” (ARRUDA,
2015).
Dos 176 associados da tradicional feira de negociações, somente 40
seguem enfrentando a dificuldade de atrair a antiga clientela para o ‘novo’
endereço. “Os demais ou foram para garagens, ou têm que ficar circulando
pela cidade, para sobreviver”, conforme informação do sr. Isidoro (ARRUDA,
2015). Além de conviver com o abandono e insegurança do antigo terminal
rodoviário e arredores, os vendedores, mais uma vez, buscam viabilizar junto
ao poder público, um local definitivo dotado de infraestrutura adequada
(ARRUDA, 2015). “Hoje, nem dá para dizer, é só para sobreviver (...) o desafio
é manter a Pedra ‘viva’”, como desabafa o presidente da AVVA (ARRUDA,
2015).
Muito antes ainda da definição do tombamento de parte dos canteiros
centrais, a construção, demolição e/ou deslocamento de marcos históricos e
simbólicos, já fazia parte da tradição de desenvolvimento da Avenida Afonso
Pena.
A subunidade Centro, pela idade histórica, é o primeiro a sofrer estes
acontecimentos.
Em 1933, acontece a inauguração do Obelisco, no cruzamento da AP
com a R. José Antônio, em homenagem ao fundador da cidade. O Obelisco
“alto, branco, imponente” (MACHADO, 2000, p.368) perdura na Afonso Pena,
apesar das tentativas de condenação e maus-tratos, o que colocou e mantém
em alerta a sociedade para agressões ao monumento, pois “(...) os obeliscos
216
modernos, inclusive o nosso, também ficam, por vezes, recobertos de
hieróglifos desenhados com tinta de spray, pelos chamados grafiteiros”
(MACHADO, 2000, p.369).
Com o deferimento do seu tombo como patrimônio municipal na década
de 1990, o Obelisco está visivelmente melhor conservado. Mas o procedimento
não evitou que parte do canteiro central da Afonso Pena, que o abriga, fosse
removido, de modo que o monumento ficasse ilhado, se tornando parte de
tímida rotatória, passando rente às mesmas razões que levaram à retirada do
antigo Relógio.
Também no ano de 1933, em ocasião à 1ª Feira de Amostras
(precursora da atual Expogrande, feira agropecuária anual), ocorreu
inauguração do Relógio25. Com quatro faces e em estilo Art Dèco, exatamente
no cruzamento da avenida com a R. 14 de Julho, veio exaltar o progresso local,
oferecendo à sociedade nova referência de lugar para os mais variados tipos
de encontros e eventos a toda e qualquer hora do dia. Porém, em 1969,
subjugado à prevalência do automóvel, aconteceu sua demolição:
“Neste cruzamento existiu até 1969, um relógio que havia
se tornado em ponto de referência para todas as atividades
sociais da comunidade e que de lá foi retirado, para facilitar
o trânsito de automóveis. Isso evidencia a preocupação
com o trânsito de automóveis, pessoas e mercadorias,
sempre presente desde a planta de 1909” (OLIVEIRA
NETO, 1999, p.130).
No ano do centenário municipal (1999) “o povo descobriu a falta que
fazia diversos prédios da cidade antiga” (ARRUDA, 2002b, p.03), a começar
pelo Relógio. Sob grande polêmica, foi discutido se este deveria ou não ser
reconstruído, mas, principalmente onde isto deveria acontecer: no cruzamento
de origem ou outro local. Por fim, uma réplica do antigo monumento foi
edificada em local diferente do original, hoje na Afonso Pena com a av.
25 A base do relógio foi construída por Manoel Secco Thomé, mas o projeto do mesmo, como
também do Obelisco, são possivelmente atribuídos à Frederico Urlass. (ARRUDA, 2002.)
217
Calógeras, ainda em um dos canteiros centrais, porém mais adequado aos
interesses do trânsito de veículos no centro da cidade.
“Mas não dá para reconstruir um marco da importância do
relógio, em outro lugar, descaracterizado e sem nenhuma
discussão com a sociedade. Reproduzir bens históricos é
muito complicado e pode virar um kitsch sem valor, como
acabou acontecendo”. (ARRUDA, 2002b, p.03)
Estes fatos colocados, demonstram que a memória na AP é reconstruída
no imaginário dos usuários que tomam os espaços como referência para
ancoragem de suas histórias de vida. Assim, um marco arquitetônico ou
urbanístico ausente ainda se mantém vivo, pois a memória vivencia e
reconstrói espaços mentais (DUARTE et al., 2006b).
A AP apresenta marcos importantes retomados pelos seus usuários para
evocar um tempo que existe em suas memórias, mas que se firmam como
referências do presente: as árvores que são ‘centenárias’ são evocadas como
testemunhas vivas de sua existência no desenvolvimento não apenas da
cidade, mas dos próprios habitantes que a conheceram na infância e
cresceram com ela.
Entretanto, desde o término do processo e promulgação do tombamento
dos canteiros centrais, em 2011, as árvores da Afonso Pena têm sofrido
bastante com descaso, recebendo pouco ou quase nenhum tipo de manejo
adequado. O último programa de manutenção da arborização urbana ali
desenvolvido data o ano de 2009. Para especialistas, como a bióloga Karina
Sandim, agente fiscal da PMCG, além do abandono, “problemas provocados
pelo meio urbano podem ter contribuído para acelerar a despedida das
figueiras, como a compactação do solo, estresse urbano e poluição”. Além
disso, “elas foram colocadas em condições inadequadas, em calçadas
estreitas, o que hoje não se pratica mais”. Sem o devido monitoramento, as
principais heranças do passado da Capital têm apresentado problemas sérios,
entre eles fungos e pragas.
218
As espécies de Ficus microcarpa, plantadas nos idos dos as 193026 estão
sendo removidas (Figura 4) - em 2016, um ingá (Inga sp.), no trecho entre as
ruas 13 de Maio e Rui Barbosa (VIEGAS, 2016), e, em 2017, um Ficus (Ficus
microcarpa) em frente à Escola Estadual Joaquim Murtinho. “O resultado do
abandono é percebido nas lacunas que elas deixaram na avenida com 'status'
de mais arborizada da cidade. Elas adoecem e acabam não resistindo”
(MIDIAMAX, 2017). Consideradas patrimônio histórico, cultural e paisagístico
de Campo Grande, apesar da importância, as árvores centenárias dos
canteiros já tombados estão ameaçadas de se tornar patrimônio perdido e
esquecido da Capital, como já ocorrido outras vezes na história da avenida:
“No trecho defronte a Praça do Rádio Clube havia árvores
que foram demolidas em 1967, para uma urbanização geral
dos canteiros que nunca aconteceu mas que deixou as
marcas negativas na paisagem da Avenida e com isso,
aquele trecho, é comprometido até hoje”. (ARRUDA, 2016)
Figura 4. Funcionários da prefeitura cortaram o pé de ingá. Fonte: GAIGHER, C.
apud VIEGAS (2016)
26 “No projeto urbanístico do engenheiro Nilo Javary Barem ela era a mais importante rua da primeira planta da cidade, com 55,00 metros de largura e não tinha ainda o canteiro central definido e ela existia, implantada, da Av. Calógeras até a Rui Barbosa; no ano de 1922, o prefeito da época, Arlindo de Andrade Gomes, resolveu construir o canteiro central e plantou as árvores que lá estão até os nossos dias. Os fícus e os oitizeiros da Afonso Pena foram
219
Isso demonstra como a paisagem, o repertório arquitetônico, bem como
o arranjo urbano do qual a AP faz parte, é solidificado através da memória viva
que a cidade representa, evocada através dos “lugares de memória”, que “nos
falam, não somente do passado mas, ainda mais, eles justificam e confirmam o
tempo presente” (AUGÉ, 1989 apud DE BIASE, 2001, p.179). Na avenida, a
ideia de memória são as indicações de uma construção temporal que gira
entorno da sua paisagem, estabelecendo-se ligação entre passado, presente e
futuro.
Mesmo com toda a importância histórica que reside na AP pela sua
intensa participação no desenvolvimento da cidade, a memória relativa
especificamente a esses fatos pouco faz parte do conhecimento geral de seus
usuários. Como por exemplo, a ocasião da inauguração do busto em
homenagem ao fundador de Campo Grande, José Antônio Pereira (Figura 5),
localizado na Avenida Afonso Pena com o cruzamento da Av. Calógeras,
registrada pelo fotógrafo local Roberto Higa. “O fotógrafo conta que muita gente
passava pelo local sem saber o que estava acontecendo e, por isso, parava
para olhar” (PAVÃO, 2014). Hoje, o monumento tem pouco destaque na
paisagem e ainda concorre com o atual relógio, posicionado no canteiro frontal
a ele, com história bem mais polêmica.
Figura 5. Inauguração do busto de José Antônio Pereira. Fonte: HIGA apud
PAVÃO (2014).
plantados em 1921 e em 1939, respectivamente por Arlindo Gomes e Eduardo Olímpio Machado.” (ARRUDA, 2016)
220
A Avenida Afonso Pena tem no Centro da cidade um trecho onde
pululam evidências mnemônicas. Ligado fortemente ao comércio e as
atividades cotidianas de trabalho, estudo e transitação, o centro impregna-se
do ar de saudosismo, próprio daqueles momentos que já ficaram no tempo
passado, mas habitam o presente cotidiano.
Em oposição, outra área onde se percebe a diluição de memórias
evocadas refere-se ao trecho do Amambaí, bastante ligado atualmente à
influência decadente do prédio da Rodoviária Municipal e das atividades e
grupos sociais marginais que, por consequência, acabam sendo atraídos ao
local. Esse fator negativo influencia menor presença dos usuários, que por
evitarem a área, deixam de relacionar-se com o espaço, sombreando as
memórias positivas do bairro como um local histórico e de formação da cidade.
O caso dos carrinhos de lanches é um exemplo dessa alternância de
memórias na avenida. Por muito tempo, trailers de lanches, os ‘dogueiros’,
ficaram instalados nos canteiros centrais da AP, fazendo parte do hábito
noturno dos campo-grandenses de se comer no fim de noite, assim como
ocorria na Feira Central, que também é um caso à parte. Após o tombamento
dos mesmos, em 2011, o futuro deles se tornou incerto, pois este ato removeu
dos canteiros todos os elementos físicos e sociais que não faziam parte do
Plano original da avenida, incluindo a retirada de estacionamentos e
recapeamento da via (SANTOS e OLIVEIRA, 2011). Os leitores de jornais e
cidadãos locais, ficaram divididos sobre a medida da Prefeitura de acabar com
os dogueiros da Avenida Afonso Pena (CONCEIÇÃO, 2011). Com a ocasião do
desativamento da antiga Rodoviária, no Bairro Amambaí, os carrinhos de
lanches foram provisoriamente instalados no antigo terminal Heitor Laburu,
antes de serem instalados no Horto Florestal Municipal, a fim de se formar
praça de alimentação à céu aberto, ‘lanchódromo’. A proposta é que os trailers
sejam substituídos por quiosques. Enquanto isso não ocorre, os dogueiros
passaram a reclamar da queda nas vendas. Antônio Carlos do Prado, o
Toninho, proprietário de um dos traillers removidos, que por cerca de 17 anos
trabalhou na avenida, informou que “para a maioria dos carrinhos, caiu em 80%
o movimento. Eu mesmo, que antes trabalhava com sete ou oito funcionários,
hoje tenho apenas dois”. Ainda comentou que “a rodoviária antiga é muito
discriminada e que muita gente tem medo de ir até o local, fora isso há clientes
221
que nem sabem que os dogueiros foram para lá”. Outro proprietário de carrinho
de lanches, Rodrigo Bittencourt, que estava há cinco anos na Avenida Afonso
Pena, revelou:
“Deixaram a gente meio que na mão. Não deram estrutura
e a prefeitura não cumpriu nada daquilo que prometeu.
Falaram que iam pintar, e nada. A gente mesmo que está
tirando dinheiro do bolso e colocando água encanada,
esgoto e fazendo a pintura” (VASQUES, 2011).
Nelson Bogado Ostemberg, presidente da Associação dos Vendedores
Ambulantes Autônomos de Campo Grande (AVAL), conta que dos 19 trailers
que antes ficavam na Avenida Afonso Pena, hoje na rodoviária estão apenas
15, ponderando que “temos um lado positivo, que é a união, pois passamos
grande parte do tempo juntos, tempo este que deixamos de estar com nossas
famílias; e também que muitos carrinhos não tomam chuva”, conta. Também
afirmou que “muitas pessoas tinham medo da região, por causa da fama da
antiga rodoviária”, que após o encerramento das atividades e da omissão dos
proprietários e órgãos competentes, atraiu população de rua para a ocupação
do prédio, estando associada ao consumo de drogas, atividades ilícitas,
prostituição e insegurança social. O prédio da antiga rodoviária é particular, e
não da PMCG, por isso, apenas o espaço onde os dogueiros estão, que são as
antigas plataformas de ônibus, é que são da administração municipal, e sendo
assim, os dogueiros, bem como os também removidos comerciantes da
'Pedra', continuam por lá até hoje (VASQUES, 2011).
Essa alternância da memória aos espaços se explica, segundo
DAMATTA (1998, p.68), porque o ser humano “se constrói pela lembrança,
pela recordação e pela ‘saudade’, e se ‘desconstrói’ pelo esquecimento e pelo
modo ativo com que consegue deixar de lembrar”. Essa alternância entre
memória viva e memória adormecida configura um ritual, que segundo
ECKERT (2002, p.80), trabalha “é a construção social da memória coletiva,
forma de abrir dialeticamente o presente ao fluxo do tempo”, bem como se
colocar o debate de quais manifestações cotidianas na e da paisagem são
caras à sociedade que lhe produz.
222
Todos os casos ilustrados até aqui apresentam arbitrariedades da
memória na Avenida Afonso Pena. A apreensão do espaço urbano se dá como
um reflexo da sociedade, porém, não como um reflexo direto e claro, mas sim,
complexo e contraditório. Composto por inúmeras ações, tanto as realizadas no
presente como também as ocorridas no passado, esse reflexo é capaz de
deixar marcas impressas nas formas espaciais da cidade, seja hoje ou
amanhã. Essa ideia de camadas sobrepostas engendram a formação da
paisagem urbana, não só em aspecto concreto, mas também abstrato.
No caso da AP, o reconhecimento da avenida está contido no impacto
visual e mnemônico da paisagem. Certos aspectos materiais dela são capazes
de evocar memórias de forma mais ativa do que outros, demonstrando que
memórias presentes e memórias ausentes dão caráter também à sua
interpretação.
Partindo de uma rua como a Avenida Afonso Pena, verifica-se que ali há
vestígios de memória coletiva, ou que ela mesma é o fio condutor de diversas
memórias, sendo um lugar capaz de fazer parte da identidade campo-
grandense e, assim, simbolizar a cidade.
6.3.5.2. Identidade: diversidade e cotidiano
A impressão que emana da paisagem da AP é que ela assume a função
de porta-voz do povo campo-grandense, comunicando mensagens que
ganham atenção através da sua espacialidade. Cabe a ela a atribuição de
cartão-de-visita da cidade, como se os cidadãos pudessem se apresentar ao
estrangeiro que ali chega, transmitindo rapidamente aquilo que ostentam como
lhe sendo próprio e representativo de toda a comunidade em que se insere.
Num primeiro reconhecimento do local, captar, mesmo que
superficialmente, valores que são significativos para o campo-grandense, como
a organização do traçado da via; a modernidade, condicionada ao shopping; a
incorporação da natureza, representada pelos parques e canteiros; a
cidadania, promovida pelas Praças; dentre outros.
A avenida é o local onde ele leva forasteiros que chegam para conhecer
a cidade. Isso porque os espaços podem representar a metáfora do caráter do
“si mesmo”, através do qual as pessoas desejam ser reconhecidas (DUARTE
et al., 2008). Por considerar que a avenida é a “beleza da cidade”, o cidadão
223
sente orgulho de se apresentar por ali, pois está, dessa forma, construindo a
visão que quer que tenham de si mesmo, através da cidade onde mora.
“Qual é a rua mais importante de Campo Grande? A
maioria das pessoas, certamente, escolhe a Av. Afonso
Pena como nosso cartão postal urbanístico e paisagístico
(...). A Avenida Afonso Pena, para quem chega em nossa
cidade, impressiona pela sua generosa qualidade urbana.
Sua história está ligada à história do desenvolvimento da
cidade” (ARRUDA, 2016).
Um ponto interessante é o processo de nomenclatura que envolve a
avenida, não só pelo nome oficial, mas também pelos nomes atribuídos
especialmente a um trecho ou área. Este foi um aspecto revelador da
investigação acerca da identidade na paisagem da AP, pois “(...) o homem
seleciona um número determinado de estímulos e depois os relaciona entre si
para criar uma ideia, antes de dar-lhe um nome” (BAILLY, 1979, p.90).
Originalmente, no Plano de Alinhamento de Ruas e Praças, de 1910, a
grande avenida em estudo denominava-se, então, Marechal Hermes e a Rua
Velha, primeira via pública da cidade às margens do córrego Prosa, era a que
possuía o nome de Afonso Pena. Somente no ano de 1916 é que foi
apresentada a proposta na Câmara Municipal onde a avenida central da vila
passasse a se chamar Afonso Pena - como modo de se homenagear o
presidente que aprovou o traçado da estrada ferroviária Noroeste do Brasil,
beneficiando Campo Grande - e a outra, que tinha esse nome, mudasse para o
nome de 26 de Agosto (MACHADO, 2000). “Aqui já teve dois nomes. A
Marechal Deodoro era este pedaço onde tinha a classe média baixa. A Afonso
Pena era o centro que depois virou lugar de casa mais abastada (...)”, conta a
professora aposentada Horaide Pavon Barros, que nasceu ali, numa casa nas
primeiras quadras da avenida Afonso Pena, no bairro Amambaí (Figura 6)
(MACIULEVICIUS, 2013).
224
Figura 6. B. Amambaí, 1972 e 2013 - duas imagens para a mesma Av. Afonso
Pena. Fonte: MACIULEVICIUS (2013).
Essa dupla nomeação do passado ainda perdura no cotidiano presente
da avenida, mas com outra representatividade simbólica:
“Nos 7,8 quilômetros de extensão ela tem duas caras,
representa dois séculos. Da antiguidade à modernidade, a
Afonso Pena do bairro Amambaí parece ter parado no
tempo em vista da colorida composição de shopping,
prédios e toda paisagem que os Altos elevam”
(MACIULEVICIUS, 2013).
A topografia mais elevada da avenida no ponto é também um dos
fatores de sua nomeação como Altos (Figura 7). Mas os contrastes sociais e
culturais são evidências muito mais latentes na diversidade e identidade da
avenida, que já teve ou que poderia continuar tendo vários nomes, como os
associados aos bairros (Amambaí, Centro, Jardim dos Estados, Santa Fé,
Chácara Cachoeira e Veraneio). A Afonso Pena persiste como um nome, no
sentido substancial da palavra, designando a paisagem campograndense. “Os
contrastes do começo ao fim contemplam passado e presente. É um histórico
somado à atualidade e não deixa de ser a identidade, ainda que mesclada, da
cidade Morena” (MACIULEVICIUS, 2013).
225
Figura 7. Altos da Av. Afonso Pena. Fonte: MACIULEVICIUS (2013).
A Identidade afirma-se pela diversidade, seja quanto às ambiências,
ritmos, usos e significados comuns, compartilhados coletivamente, indicando
que é possível apontar a avenida como um retrato da sociedade local, onde
seu espaço público também serve como atenuante das disparidades sociais,
culturais e econômicas. “Do início aos Altos, Afonso Pena é uma avenida de
extremas diferenças” (MACIULEVICIUS, 2013).
De acordo com CULLEN (2006), o fenômeno da “apropriação do
espaço” se refere diretamente à expressão dos usuários de um espaço urbano.
Utilizar a calçada, a esquina ou o canteiro central da Avenida Afonso Pena para
fins comerciais, sociais, culturais ou políticos, cotidianamente ou
ocasionalmente, são evidências que afirmam essa apropriação do espaço,
como se descreve:
“Mas a tradição se consolida: na esquina com a Rua 14 de
Julho, aos domingos, os jornais gratuitos distribuídos há
mais de 30 anos; quando adolescentes passam no
vestibular, comandam as esquinas atrás de pequenas
doações para suas campanhas; as grandes empresas
andam também usando as esquinas para fazer seu
marketing, o que reflete o sucesso da avenida principal”
(ARRUDA, 2016).
226
Um meio de apropriação estreitamente relacionado ao espaço e
paisagem da avenida diz respeito ao gosto pelas caminhadas, recreativas ou
esportivas. Iniciado nos tempos dos grandes cinemas da avenida, como o Cine
Central e o Cine Alhambra, se estabelecia um verdadeiro circuito cultural entre
os estabelecimentos, promovendo a caminhada descompromissada e
domingueira, o chamado ‘footing’ (MACHADO, 2000).
Nos anos 1980, após o prolongamento da avenida da região central para
o sentido leste, promovido pela construção do viaduto sobre o vale da Av.
Ceará, esse hábito se desloca para outro ponto. “Com isso, aos domingos, o
footing, costumeiro dos anos 1930 na Praça Ari Coelho, se desloca em
modalidade para os altos da avenida” (ARRUDA, 2016).
Em sequência, com a implantação do Parque dos Poderes, a Afonso
Pena passa a interligar o complexo político do estado e, assim, o Shopping
surge como empreendimento da modernidade.
Depois, o Parque das Nações Indígenas e, recentemente, o Parque do
Prosa, complexo de visitação ambiental, fazem com que, nesse ponto, a
ciclovia que corta os canteiros torne-se intensamente utilizada, assim como a
calçada frontal ao Parque das Nações Indígenas, por pessoas praticantes da
caminhada, ciclismo e outras atividades desportivas e recreativas, como andar
de patins e brincar com carrinhos de controle remoto.
Simultaneamente a todo esse desempenho do lazer ativo, há também o
atrativo pela atividade contemplativa particular que se enquadra nesse
contexto. A paisagem, ainda em estado mais natural, oferta a proximidade com
a natureza em menor presença em outros trechos da avenida, estimulando a
permanência por meio das rodas de tereré no fim de tarde.
Este deslocamento reforçou, dentre outros fatores, o processo de
esvaziamento da zona central da Afonso Pena, que apesar do recente
prolongamento da ciclovia, não resgatou o footing de outrora para o trecho
original da avenida. A afeição negativa por certo lugar “provoca a sua
desvalorização, que pode ser percebida pela presença de marcas depreciativas
ou pela sua destruição” (MANCEIRA, 2003, p.10).
De qualquer modo, este processo frisa a importância da avenida a partir
do seu espaço exterior e público (calçadas, canteiros centrais, leito carroçável)
e sua paisagem como plano de contato do usuário com o espaço da rua, que
227
demonstra a prevalência da AP enquanto lócus do contato social como fator de
identidade da avenida.
Essa desocupação ou omissão do espaço tem, em geral, a raiz de um
mesmo fator, indicando que a falta de vivência é diretamente ligada à falta de
opinião ou de identidade compartilhada.
Até certo ponto, isto também remete à passagem da colocação da
Estátua de Manoel de Barros no canteiro da Avenida. “A celeuma com a
instalação da estátua ocorreu após recomendação do MPE (Ministério Público
Estadual) de que a obra não fosse instalada no espaço original, em frente ao
hotel de trânsito do Exército, por se tratar de uma área tombada”
(CAVALCANTE, 2017). Até que se decidisse por implantá-la em outro ponto do
canteiro - que na verdade também é tombado - outros locais foram cogitados, e
a população ficou em meio à polêmica, sem ser consultada sobre o valor do
próprio poeta homenageado ou de qual lugar estaria mais adequado à imagem
e relevância do mesmo para a cidade. Por fim, a mesma foi colocada na AP,
esquina com a R. Rui Barbosa, privilegiada pelas sombras das árvores
centenárias que justificam o projeto da obra artística feita em metal. O autor da
obra, artista plástico Ique, explica que “o sombreamento também era
tecnicamente muito importante para o trabalho, que tem proposta interativa, se
não ficar na sombra, ninguém senta, porque o bronze absorve o calor
naturalmente. (...) Este espaço é sombreado e está no coração da cidade”
(CAVALCANTE, 2017).
Do distanciamento da população para com o debate, a interatividade e a
polêmica chegaram a outro extremo – quando moradores de rua passaram a
usar o banco que compõe a estátua como local de pouso (Figura 8),
justamente porque quase todos os outros bancos da avenida já haviam sido
retirados anteriormente (JORNADA, 2018). Desde a ocasião do tombamento
dos canteiros, a população teve sua circulação e permanência limitadas por
cercamentos físicos e ausência de bancos. Os cidadãos, o elemento humano
da paisagem, foram impedidos de interagir com os canteiros ou a sombra de
suas árvores enquanto um novo elemento, artístico, estava sendo incluído. A
contradição e arbitrariedade ficaram expostas com a apropriação espontânea
dos moradores de rua, mas velada no restante da população campo-
grandense.
228
Figura 8. Estátua de Manoel de Barros. vira abrigo para moradores de rua.
Fonte: JORNADA (2018).
O sentimento de pertencimento e seu rebatimento experiencial - a
apropriação - são fundamentais para a construção de identidade coletiva, pois,
“a criação dos ambientes sociais pode, nesse sentido, ser compreendida como
um prolongamento e um reflexo da imagem que uma sociedade tem de si
mesma” (FISCHER, 1994, p.09). A identidade coletiva pode ser construída por
meio de diversas ações de uso e apropriação, de forma que “o processo de
apropriação espacial, consequente das intensas relações da população com o
espaço, torna o ambiente rico em significados, conferindo à paisagem
construída a capacidade de expressar a identidade do local” (MANCEIRA,
2003, p.20).
Esse meio ambiente humano continua em mutação, e é, nesse contexto,
que se pode falar de cultura, esse movimento de criação simbólica que dá
significado aos objetos, aos espaços e aos pensamentos, fazendo ao mesmo
tempo a transmissão e a reformulação dos signos. Nesse sentido, pode-se
dizer que a identidade tem um caráter de permanência, de resistência e de
continuidade e que ela utiliza a memória como base de seus registros e de sua
transmissão (COSTA, 2002, p.146).
6.3.5.3. Fluxo: mobilidade e temporalidade
Por ser visualmente reconhecida, a dinâmica do fluxo e os ritmos
urbanos também oferecem direções ao entendimento de que questões ligadas
à vivência e experiência podem extrapolar a dimensão concreta presente no
espaço urbano.
229
A Afonso Pena é urbanisticamente e funcionalmente ligada ao
‘movimento’, eixo de passagem, seja por uso do pedestre, ciclista ou
automóvel, caracterizando-se por axialidade estruturante das demais áreas de
Campo Grande. A origem da cidade de Campo Grande, calcada na qualidade
de rota de passagem, cristaliza-se na AP por meio da vocação da avenida em
se estabelecer como um lugar onde todos vão e passam. A centralidade da
avenida na malha urbana atual comprova que essa característica serviu como
condicionante do crescimento campo-grandense. Ao mesmo tempo em que
esta condição se coloca como grande qualitativo desta paisagem, é aquela que
mais oferece riscos e preocupações quanto ao seu patrimônio construído,
ambiental e histórico, dependendo das ações para com seu planejamento e
gestão urbana.
“O risco futuro, ligado ao tráfego e ao trânsito está na sua
condição linear de cortar a cidade de leste a oeste e assim,
um alcaide pode aparecer propondo um sistema de
transporte usando-a como meio e as árvores tombarem em
nome do progresso, como já tombou seu relógio”
(ARRUDA, 2016).
Este monumento, no cruzamento da Rua 14 de Julho com a Avenida
Afonso Pena foi o primeiro sucumbir à evolução do ritmo e fluxo urbano (Figura
9). Na década de 1970, devido ao crescimento da cidade, o bem público
precisou ser demolido. "Construíram na época sem imaginar que o trânsito
ficaria caótico com esse desvio no meio", explica Evandro Higa, fotógrafo do
crescimento da cidade nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Uma réplica foi
erguida em 2000 a uma quadra de distância do ponto original, no canteiro
central da avenida (PAVÃO, 2014).
230
Figura 9. 1º Relógio Central de Campo Grande, derrubado em 1970. Fonte:
HIGA apud PAVÃO (2014).
Desde então, a cada vez que se relaciona o fluxo com a área central da
avenida, torna-se expressiva a sensação opressora, a qual FISCHER (1994,
p.98) descreve como “o amontoamento (que) é o sentimento de desconforto
mais ou menos pronunciado produzido por uma situação de densidade”.
Ainda hoje, esta densidade é, em boa parte, enfrentada no alto tráfego
do Centro da cidade, onde faixas de pedestres na Avenida Afonso Pena estão
bem visíveis, mas são ignoradas no dia a dia (Figura 10). “Já acostumados a
“enfrentar” os veículos, as pessoas caminham de forma acelerada, com direito
a corridinha, mesmo com um policial paralisando o trânsito para garantir a
passagem em segurança”. A vendedora autônoma Gertrudes Batista da Costa
diz: “Só passo na faixa e só ando na calçada”, enquanto a atendente Daise
Sena, que passa quatro vezes ao dia pelo local, relata: “Quando não tem
policial é difícil atravessar. Às vezes um carro para, mas o do lado não”. São
depoimentos da conturbada vida de pedestre na principal avenida da cidade
(SANTOS, 2011).
231
Figura 10. Policiamento para segurança no trânsito de automóveis e pedestres
na Av. Afonso Pena. Fonte: PERALTA apud SANTOS (2011).
Apesar da condição de cartão postal, a Afonso Pena sente os sinais da
contemporaneidade: trânsito no horário de pico confuso, com inúmeros
veículos, ciclistas e transeuntes. O resultado desta combinação muitas vezes
resulta em acidentes que causam lentidão na via, alterando o fluxo local do
trânsito e das pessoas (BOGO e FERNANDES, 2016).
O fluxo pode ser importante não somente pelos momentos em que é
verificada sua presença, mas também quando não acontece ou é
desacelerado, refletindo no grau de atenção e percepção da paisagem da
avenida. Enquanto a apropriação pelo movimento se manifesta devido ao
intenso fluxo de pessoas no horário comercial, em que essas se apropriam do
espaço exterior da avenida, a sombra oferecida pelas copas das árvores e os
raros bancos instalados nos canteiros proporcionam um ambiente para
ocupação estática, porém, não monótona.
Peculiarmente, é possível distinguir que o fluxo não é um fenômeno
restrito ao espaço, visível e mensurável apenas pelo sentido visual. Também
era relativizado ao tempo subjetivo, externando a perceptividade particular de
cada indivíduo quanto à velocidade dos acontecimentos. “Ao cruzar a Afonso
Pena de ponta a ponta tem-se a impressão de que os anos acompanham o
passar das quadras. São os extremos do avanço que deixou para trás o
começo e pulou logo para o final” (MACIULEVICIUS, 2013).
Com a explosão do tecido urbano em Campo Grande, com sua elevação
à capital do Estado na década de 1970, consolidou-se configuração urbana
radial onde praticamente todos os acessos convergem para o centro da cidade,
reforçando a centralidade comercial e de serviços que caracterizam a Av.
232
Afonso Pena (PLANURB, 2006). Por isso, a AP, com posição central na área
urbana de Campo Grande, está ao alcance fisicamente dos mesmos. Mas,
mais que isso, é capaz de atrair mais do que fluxos de mercadorias, os fluxos
humanos. A professora aposentada Horaide Pavon Barros descreve que a
Afonso Pena “Continua um trecho calmo, tranquilo, só na hora do rush que o
trânsito é tumultuado, mas a gente não deixa de estar no coração da cidade. A
gente vê as vilas muito distantes, porque para nós aqui é tudo muito próximo”.
(MACIULEVICIUS, 2013).
Como conector estrutural entre partes da cidade, onde o Fluxo na
avenida AP aplica-se ao movimento de ir e vir, quanto à sua intensidade,
qualidade e direção e é capaz se fragmentar, dividir, limitar a paisagem em
trechos distintos. O Amambaí “não é que aqui tenha parado no tempo, mas (...)
demorou muito para desenvolver e pouca coisa mudou”. Já córrego acima,
Centro, Jardim dos Estados, Altos, “Lá é bem mais organizado, bonitinho(...)
então dá essa sensação de que aqui é desvalorizado e muito afastado de lá”
diz Aldivino Luiz da Cunha, morador da Avenida. (MACIULEVICIUS, 2013).
O fluxo, na abordagem sociológica de DAMATTA (1998) sobre a rua,
resulta do ritmo ditado pela memória e experiência: “O fluxo da vida, com suas
contradições, durezas e surpresas, está certamente na rua, onde o tempo é
medido pelo relógio e a história se faz acrescentando evento a evento numa
cadeia complexa e infinita” (DAMATTA, 1998, p.29).
Num modelo de cidade onde vias arteriais, grandes e largas, estão
sendo mais destinadas ao escoamento de automóveis do que ao resgate do
pedestre ao domínio da rua, a proporção do fluxo do desenvolvimento cultural
pode ficar inverso. Se o tempo e fluxo humano que percorrem a Avenida
Afonso Pena não forem apropriados pela gestão do patrimônio urbano que
constitui sua paisagem, corre-se o risco de que “o avanço virá aos poucos, a
passos lentos, ao contrário do fluxo do trânsito da pista e não seguindo a
ordem cronológica de existência da avenida”. (MACIULEVICIUS, 2013).
6.3.5.4. Limite: físico e percebido
Com base nos critérios de LYNCH (2005), a Avenida Afonso Pena pode
ser classificada como “Via” - eixo de circulação ao longo do qual um cidadão o
utiliza habitual ou ocasionalmente, à medida em que por ele se deslocam.
233
Conforme registrou MACHADO (2000), a Praça Newton Cavalcante e o Parque
dos Poderes definem dois extremos “Limites” de sua extensão, que apesar de
serem obstáculos penetráveis, quebram a continuidade da Avenida. Ao longo
de seu comprimento, existem vários “Marcos”, elementos físicos e simbólicos,
que se tornam pontos de referência espacial e identitária da paisagem urbana.
Importante elemento na compreensão do Limite no estudo da Afonso
Pena foi constatar que seu espaço, de traçado contínuo, pode ser, na verdade,
interpretado como sucessão de diferentes subunidades, distintas por
características que lhe fazem peculiares. “A nossa concepção de espaço tem
em conta os limites das coisas. Se não tiverem limites, estabelecemo-los,
criando linhas artificiais (...)” (HALL, 1994, p.201).
Em se tratando das extremidades de começo e fim, as subunidades do
Bairro Amambaí e dos Altos simbolizam-se como tais, respectivamente. A
primeira toma, na visão dos usuários, o significado de ‘início’ ou ‘princípio da
avenida’, apesar de a avenida ter nascido em seu trecho central, pelo
pioneirismo como bairro e pelo maior tempo de existência, que remete ao
tempo passado. A segunda foi considerada como sendo o ‘término da avenida’,
pela pouca densidade e ocupação, que indefinem e deixam em aberto
possibilidades que remetem mais ao tempo futuro.
“São os extremos do avanço que deixou para trás o
começo e pulou logo para o final. Os prédios que de forma
simplória compõem o cenário da antiga avenida se
resumem a hotéis. Enquanto no trecho onde o presente e o
futuro se encontram, estão edifícios residenciais,
comerciais e até mesmo os que fogem do padrão e não
obedecem a regra, cada andar de uma altura.”
(MACIULEVICIUS, 2013).
Essas subunidades tornam-se, então, não somente definições físicas do
espaço da avenida, mas também metáforas que revelam valores
corporificados.
Um fator para essa diferenciação em partes também reside na topografia
variada pela qual a avenida passa, sobrepondo diferentes níveis e cruzando
234
acidentes geográficos, como córregos e vales, que lhe conferem diferentes
ambientações e perspectivas, também combinadas ao subsistema
socioeconômico. Nascida e criada na Afonso Pena, a professora aposentada
Horaide Pavon Barros diz que o trecho privilegiado começa córrego acima, em
referência ao sentido leste, oposto ao curso do córrego Segredo. “As casas
mantêm o estilo, aos poucos que vem saindo sobrados. Mas eu tenho a
impressão de que do córrego para cima é que a avenida tem mais privilégios.
Até os jardins são mais bem cuidados” (MACIULEVICIUS, 2013).
Na dinâmica espacial da rua, o processo de limitação da paisagem
urbana não se restringe “(...) a reproduzir a divisão física das ruas: cada
segmento é marcado por tipos característicos e atividades correspondentes”
(MAGNANI, 2004, p.04), o que também se verifica na Afonso Pena. Edilberto
Souza, gerente de antigo hotel na região do Amambaí define: “Eu diria que são
dois pontos distintos. Shopping e Parque das Nações Indígenas; já aqui,
acesso ao aeroporto, onde ficaram situados só os hotéis” (MACIULEVICIUS,
2013). Para Fernando Moraes, morador do Jardim dos Estados, a área central,
“que antes era mais residencial, está se tornando comercial e que por isso tem
toda uma infraestrutura (...) de um bairro consolidado que está passando por
uma transformação” (MARIN, 2017).
Mas, independentemente do número de segmentos delimitados, a
explicação está no fato de que “(...) em todos os casos houve uma tentativa de
transcender a divisão sugerida pelo recorte físico das transversais” (MAGNANI,
2004, p.05) pelo fato de que a diversidade de um espaço não advém somente
da sua qualidade de sobressair-se visualmente, mas principalmente daqueles
indivíduos e grupos que nele existem e que dele se utilizam.
A engenheira civil Valéria Gabas, integrante do Conselho Municipal de
Meio Ambiente, também ressalta a característica mista do bairro Jardim dos
Estados - “Tem um setor comercial e casas antigas, pessoas que foram morar
em outras regiões. Eu cresci no Jardim dos Estados e ainda moro no bairro e
gostaria que houvesse a convivência entre as áreas de moradia com o serviço
que é forte” (MARIN, 2017).
Assim, “como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes
de relações (...)” (SANTOS, 2006, p.77), o ingrediente ‘indivíduo’ e ‘sociedade’
se tornam fundamentais na apreensão dos significados que nele se depositam,
235
principalmente, porque os limites que o definem, como no caso da Afonso
Pena, mesmo que sejam marcados e visualizados por elementos do espaço
urbano, são, em várias ocasiões, eleitos segundo parâmetros subjetivos e
pessoais, frisando o caráter significativo que esses valores desempenham na
setorização da avenida. “Olhe para o canteiro daquele trecho, o verde é numa
escala de cores apagada, há mais terra do que grama e folhas secas. É como
andar hoje numa Afonso Pena do século passado, porque o atual abriga nada
menos do que o Parque das Nações Indígenas, dono de um verde exuberante”,
descreve a professora aposentada Horaide Pavon Barros o Bairro Amambaí.
(MACIULEVICIUS, 2013).
Apesar dessa unidade formal, a avenida pode ser dividida ou limitada
em ambiências ou segmentos, segundo critérios pessoais, subjetivos, rebatidos
fisicamente da mesma forma, indicando sob quais maneiras a AP repercute em
seu usuário: econômica, histórica, afetiva, física.
Verifica-se que mesmo definindo elementos físicos do espaço urbano
para limitar extremidades ou trechos da avenida, os usuários atrelam
acontecimentos e usos para conferir respectivo caráter para tal.
Geometricamente falando, a reta da avenida é concisa, mas a vivência e a
interpretação se dão em função partes, dos segmentos de reta que preenchem
o cotidiano dos usuários.
6.3.5.5. Preservação e Transformações na Grande Avenida: Patrimônio e
Valor Cultural
O Patrimônio, assim como o Território, não existe a priori. Ambos são
construídos coletivamente e de forma intencional, ao longo do tempo. A
patrimonialização, como procedimento de salvaguarda, de conservação e de
valorização do patrimônio, ajuda a redefinir e fortalecer territórios. Por meios
desse processo, ocorre atribuição coletiva de sentido ao Patrimônio, traduzido
num acordo social implícito sobre valores coletivamente admitidos, que ajuda a
testemunhar identidade compartilhada. Nesse caso, a apropriação patrimonial
se confunde com a apropriação territorial e se expressa na forma que se
pretende usá-lo.
Até aqui, toda esta discussão colocada por meio das categorias de
leitura da paisagem da avenida Afonso Pena destaca a arbitrariedade com que
236
ela e seu caráter simbólico e cultural tem sido tratado. A questão se coloca não
somente pela execução precipitada e inadequada, mas não ilícita, dos
regimentos, regras ou leis que a regem (Lei de Uso e Ocupação do Solo, Plano
Diretor e de Mobilidade, Ato de Tombamento, etc.), mas também pelo demérito
aos valores e significados culturais que a mesma personifica. A falta de
correspondência ou analogia entre os elementos formais de seus espaços
(canteiros, calçadas, monumentos, etc.) e as entidades a que eles se referem
(cidadão e sociedade) são indícios de que este fato não pode ser negado. São
muitos exemplos e fatos que concorrem para este entendimento (desocupação
da Pedra, replicação do Relógio, remoção dos carrinhos de lanche, isolamento
do Obelisco, etc.). Estas arbitrariedades podem resultar em desmotivação pela
população, culminando e corroborando o esvaziamento e abandono,
principalmente em áreas centrais, como já se verifica em tantas cidades pelo
mundo.
Isto posto, verifica-se que incluir a leitura destes que realmente
vivenciam (ou não) determinado espaço (população) por aqueles que planejam
o uso do mesmo (técnicos) e daqueles que assumem a sua administração
(gestores) é, senão interessante, como indispensável à gestão, preservação e
transformação sustentável de um dado Meio Ambiente urbano, como é o caso
da Avenida Afonso Pena.
237
Quadro 2. Bens com Registros e Tombamentos em Campo Grande/MS.
BENS TOMBADOS – CAMPO GRANDE/MS
NO. BEM LOCAL CARÁTER QUALIDADE ESFERA DATA/
PROCESSO
01 Obelisco Av. Afonso Pena, 2949, Centro Monumental Material Municipal 09/09/1975 Lei n. 100
02 Museu ‘José Antônio Pereira’ Av. Guaicurus, Jd. Monte Alegre Arquitetônico Material Municipal 20/04/1983
Dec. n. 4.934
03 Morada ‘dos Baís’ Av. Afonso Pena, 1702, Centro Arquitetônico Material Municipal 04/06/1986
Dec. n. 5.390
04 Casa do Artesão Av. Afonso Pena, 1837, Centro Arquitetônico Material Estadual 13/07/1994
Dec. n. 7.863
05 Quartel General 9ª RM (Antigo Edifício Sede) Av. Afonso Pena, 2270, Centro Arquitetônico Material Estadual 26/07/1994 Lei n. 1.526
06 Conjunto dos Ferroviários R. dos Ferroviários, Cabreúva Arquitetônico Material Municipal 13/05/1996
Dec. n. 3.249
07 Complexo Ferroviário Rede Noroeste do Brasil Av. Calógeras, Cabreúva Arquitetônico Material Estadual 26/03/1997 Lei n. 1.735
08 Escola Estadual ‘Mª Constança de Barros Machado’ R. Mal. Candido Mariano Rondon, 450, Amambai Arquitetônico Material Estadual 03/07/1997 Res. SECE
09 Colégio ‘Osvaldo Cruz’ Av. Fábio Zahran (antiga Av.Noroeste), Centro Arquitetônico Material Municipal 27/10/1997 Lei n. 3.387
10 Igreja São Benedito ‘Tia Eva’ R. Dom Cirílo, Jd. Seminário Arquitetônico Material Municipal Estadual
07/05/1998 Res. SECE
11 Acervo Artes Plásticas ‘Lydia Baís’ --- Artístico Material Estadual 30/12/1998 Res. SECE
12 Escola Municipal ‘Isauro Bento Nogueira’ Sítio Histórico, Anhanduí Arquitetônico Material Municipal 10/01/2003
Dec. n. 8594,
13 Loja Maçônica ‘Estrela do Sul nº. 3’ Arquitetônico Material Municipal 29/06/2004
Dec. n. 8.966
14 Monumento Símbolo UFMS Av. Costa e Silva, Cidade Universitária, Pioneiros Monumental Material Municipal 10/01/2006
Dec. n. 9.489
15 Prato Típico ‘Sobá’ --- Cultural Imaterial Municipal 18/07/2006 Dec. 9.685
16 Loja Maçônica ‘Oriente Maracaju’ Av. Calógeras, 1952, Centro Arquitetônico Material Municipal Estadual
30/07/2007 Lei n. 3.406
17 Residência R. Antônio Maria Coelho, 1334 Arquitetônico Material Municipal 16/01/2008 Dec. 10.327
18 Árvore R. da Paz esq. c/ R. Rio Grande Do Sul Botânico Material Municipal 08/06/2009
Dec. n 10.875
19 22 Árvores (espécie Ficus microcarpa) e Canteiros Centrais da
Avenida Afonso Pena Av. Afonso Pena, entre R. Pedro Celestino e Av. Calógeras Urbanístico Material Municipal
17/08/2011 Dec. n. 11.600
20 Sede ‘Rádio Clube’ R. Padre João Crippa, 1280 Arquitetônico Material Municipal 15/8/2012
Dec. n. 11.937
Fonte: Adaptado de FCMS (2018)/ FUNDAC (2018).
238
Outro ponto a ser destacado considera que, dentre o total de 20 (vinte)
bens tombados em esfera municipal e estadual localizados dentro do perímetro
urbano de Campo Grande (Quadro 2), 10 (dez), ou 50%, estão contidos dentro
do recorte de estudo aqui abordado, incluindo-se aí os canteiros centrais da
avenida Afonso Pena. Desta dezena de bens, 05 (cinco) estão precisamente
situadas na Afonso Pena, com a adição dos próprios canteiros, o que significa
dizer que metade deles (50%) está na avenida (Figura 11).
Figura 11. Área de recorte do objeto de estudo, Av. Afonso Pena, entorno e
bens tombados, CGR/MS. Fonte: Adaptado de Google Earth (2018).
De um lado, vê-se, o peso que a avenida possui como um vetor do
processo de patrimonialização da cidade. Ao mesmo tempo, compreende-se
que sua área de entorno, embora não definida pelo Tombamento de parte da
Avenida, opera papel relevante neste contexto. Ou seja, a preservação da
avenida Afonso Pena prescinde também do resguardo patrimonial de
elementos que giram em sua periferia, material e imaterialmente falando.
Se entendermos que “Lugar significa mais do que uma localização”
(NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.447), a rua, então, se apresenta
como um universo múltiplo de relações e acontecimentos, cada qual lhe
aferindo um espírito singular. Ao compreender o subsistema simbólico e
cultural da Avenida Afonso Pena, fica explícito que muito mais do que simples
referência espacial ou geográfica, sua paisagem se apoia em qualitativos ao
longo de sua extensão, bem como do seu entorno direto, para se tornar
referência simbólica.
239
O agrupamento isolado dos canteiros centrais, somente, não é e nem
pode ter a pretensão de resguardar todo um conjunto de valores complexos e
dinâmicos que constituem a paisagem cultural da Avenida Afonso Pena. Sua
compreensão, como colocado, extrapola seu limite vetorial e abrange a escala
local dos bairros centrais da cidade, bem a escala regional da zona urbana
municipal.
6.3.6. Conclusão
As categorias de análise da paisagem na dimensão cultural apontaram a
diversidade e o cruzamento de olhares neste território único que é a Avenida
Afonso Pena. A identidade, a memória, o fluxo e o limite tornam-se, então, não
somente definições físicas do espaço da avenida, mas também metáforas que
revelam valores identitários corporificados.
São diversos os atores que constituem o elemento humano nesta
paisagem urbana, dentre eles empresários, comerciários, turistas, gestores
municipais, munícipes, dentre tantos outros. A percepção destes por meio dos
relatos históricos, jornalísticos, documentais, registrou conhecimento e relação
com os elementos da paisagem da AP.
Embora haja diferenças de memória na avenida, onde uma ou outra
geoface se destaca mais ou menos positiva ou negativamente, essa, como
campo subjetivo e psicológico que é, promove e consolida a formação da
identidade, vinculada aos espaços vividos, participando da preservação e da
transformação da avenida como patrimônio cultural local. O fluxo e limite,
embora fatores de dimensão mais física, também refletem impressões
subjetivas, tornando-se parte integrante da percepção da paisagem da avenida,
estabelecendo divisões e movimentos.
O sentido de lugar, seu “genius loci” (NORBERG-SCHULZ apud
NESBITT, 2006, p.451), só se faz acontecer mediante aqueles que vivenciam e
experienciam o espaço e lhe conferem significação, sensível e relativa, que
extrapola as meras condicionantes funcionais. A avenida AP se manifesta
como um lugar à disposição de todos, à princípio, sem distinções sociais,
caracterizada pela diversidade que lhe torna representativa na cidade.
Fatores econômicos, políticos ou culturais podem alterar a importância
que é designada ao mesmo, pois “o valor atribuído a um dado lugar pode variar
240
ao longo do tempo” (CORRÊA, 1995, p.40). Essa alteração pode ser vista na
subunidade Bairro Amambaí ou Centro, que de um lugar bucólico para seus
moradores, se tornou um lugar esquecido para todos que frequentam a
avenida.
Apesar de ser qualidade perene à trajetória de vida e existência de um
lugar, esse “genius loci” não é estanque; possui ainda a qualidade de se
transformar à medida que a existência decorre. “Até certo ponto, o caráter de
um lugar é uma função do tempo; ela muda com as estações, com o correr do
dia (...)” (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006, p.451). é isso que precisa
ser levado em conta, por exemplo, quando se retira, precipitadamente os
dogueiros da avenida ou a Pedra dos canteiros, pois são eles que, hoje,
justificam e potencializam valores do passado, como o footing central os as
árvores centenárias. É dentro dessa compreensão que SANTOS (2006, p.78)
confirma que “há uma alteração no valor do objeto (lugar), ainda que
materialmente seja o mesmo, porque a teia de relações em que está inserido
opera sua metamorfose”.
Assim, pôde-se confirmar que mergulhar na atmosfera local que constitui
a Afonso Pena e absorver seu “genius loci” é possível por meio do plano do
vivido, do incentivo à permanência, ao contato cotidiano com os elementos
materiais, naturais e construídos da sua paisagem, que constroem tanto seu
valor afetivo como patrimonial. “Pode ser o bairro, a praça, a rua, o condomínio,
a pequena vila ou cidade, o lugar rural, desde que possibilitem o encontro
coletivo e relações de afetividade. (...) O lugar, portanto, é onde a vida se
desenvolve em todas as suas dimensões” (LE BOURLEGAT, 2000, p.17-18).
Na Avenida Afonso Pena, conclui-se que o Tombamento parcial dos seus
canteiros centrais não toma esta dinâmica como origem deste processo,
tampouco a toma como destino de suas ações de transformação desta
paisagem urbana.
6.3.7. Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código
Financiamento 001. A autora também agradece a Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, a Universidade Anhanguera UNIDERP -
241
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e a
Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.
6.3.8. Referências Bibliográficas
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327-361.
250
7. Conclusão Geral
O tema e objeto desta pesquisa, a Avenida Afonso Pena, apresentou-se
muito oportuno, principalmente por ter sido realizado concomitantemente ao
momento em que a AP se torna objeto de novas proposições de uso e de
possíveis ressignificações, a partir e em decorrência do processo de
tombamento de parte dos seus canteiros centrais.
O repensar deste espaço, no seu contexto do espaço-tempo histórico,
geográfico, cultural, bem como do ponto de vista da Paisagem – pensada como
ambiente natural (geossistêmico), territorial (espaço real, efetivamente
construído e vivido) e cultural (das percepções, valores e significados
atribuídos ao longo do tempo), traz consigo contribuições às tomadas de
decisão, relacionadas à gestão urbana de forma mais sustentável,
minimizando, assim, as arbitrariedades dispensadas para com a avenida. Da
mesma forma, também pode vir a servir de referência às situações de mesma
natureza, vivenciadas em outros territórios urbanos similares, sejam eles locais,
regionais ou nacionais.
O desenvolvimento das indústrias, a grande ênfase na mobilidade
urbana e o uso exagerado de veículos particulares, criou o ideal de vias largas
em grandes cidades. Herança do urbanismo no século XIX, que acabou por
influenciar vários planos diretores e traçados urbanos, como ocorreu em
Campo Grande. Nascia, assim, a Avenida Afonso Pena, como um Boulevard,
cuja proposta original previa a implantação de árvores em seus canteiros
centrais.
A utilização de outros recursos do urbanismo clássico, como o da
perspectiva monumental, com a inserção de símbolos da modernidade, e hoje
contemporaneidade, em pontos estratégicos, também tinha e ainda tem a
intenção de ostentar, por meio de monumentos, o poder político. O antigo
Relógio, o Obelisco, o novo Relógio, o viaduto, estátua do Poeta, os próprios
canteiros hoje tombados da Avenida são grandes evidências para este fato.
Contudo, de maneira intuitiva, mas com a comprovação da pesquisa, o
seu reconhecimento como local relevante para Campo Grande não advém
somente dessa memória histórica, estando mais ligada, assim, à sua
participação enquanto cenário de vida própria história de seus usuários.
Quanto mais se usa e se apropria o espaço da avenida, mais sua paisagem
251
adere significados e valores, e mais forte seu patrimônio material e imaterial
ficam. Porém não é o que tem sido previsto e aplicado na Avenida.
A partir dos subsistemas físico natural e construído, socioeconômico e
cultural investigados com base no sistema GTP, pôde-se refletir sobre os
impactos locais e/ou regionais deste recente fato. Com o processo
metodológico proposto pode-se analisar, por meio complexo espectro de
Paisagem, um Meio Ambiente urbano tão singular quanto a Avenida Afonso
Pena, indicando-se possíveis diretrizes arquitetônicas e urbanísticas que
preservem suas dimensões paisagísticas sem comprometer seu
desenvolvimento ambiental permanente.
A pesquisa empírica, apoiada nas observações da avenida, no Artigo I,
foi de fundamental importância para identificação na AP de seus elementos que
configuram diferentes ambiências e corporificam os valores impregnados de
significados para os campograndenses. As análises tecidas evidenciaram as
peculiaridades espaciais da avenida quanto à arborização, topografia, recursos
arquitetônicos e marcos na paisagem.
O levantamento e a análise do processo de formação de Campo
Grande, onde se inseriu a estruturação e configuração socioeconômica que
resultaram na Afonso Pena de hoje, como foi visto no Artigo II, revelou como o
desenvolvimento urbano e histórico foram aliados para sua relevância no
contexto local. Além disso, revelou-se o potencial que a avenida tem para o
turismo local intraurbano.
Ao mesmo tempo, aprofundar o estudo acerca das questões simbólicas
e culturais que transformam esta rua em síntese e laboratório da experiência
urbana na cidade, como apresentado no Artigo III, contribuiu para compreender
e salientar a sonegação dos valores e significados, bem como da apropriação
que a população faz de todo o seu conjunto. São parâmetros complementares
à dimensão material do espaço que ajudam gestores, técnicos e a própria
população a relacionar questões que estão ligadas à apreensão da rua como
Lugar.
O sistema GTP estabelece conjugação intrínseca aos preceitos da
sustentabilidade no meio ambiente. Paralelamente, o geossistema dá bases
ambientais, o território constrói bases socioeconômicas e a paisagem entrelaça
bases simbólicas que explicam e permitem reconhecer potenciais e riscos para
252
o desenvolvimento local, oferecendo oportunidades de planejamento decisivas
para a preservação e transformação da qualidade de vida nas cidades.
Somente entrelaçadas estas três dimensões é que o processo de
patrimonialização é duplamente expressado e internalizado pela população.
Dessa maneira, pôde-se avaliar se há contradições ou coerências entre
sua preservação e sua transformação ambiental. Isto significa dizer que foi
cumprido o objetivo geral de “compreender a multiplicidade e a evolução da
Paisagem da Avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, no tempo e no
espaço, com vista à Gestão Urbana sustentável do Meio Ambiente voltada ao
desenvolvimento local e regional, apontando impactos locais e/ou regionais
decorrentes do decreto de Tombamento dos canteiros centrais (entre R. Pedro
Celestino e Av. Calógeras) ao longo de toda a extensão da Avenida Afonso
Pena (do Parque dos Poderes à Praça Newton Cavalcanti)”.
Assim, a questão inicial de “considerar e refletir até que ponto o recente
tombamento da avenida Afonso Pena, em Campo Grande/MS, pode contribuir
para minimizar possíveis proposições arbitrárias que possam interferir na
sustentabilidade (ambiental, social e cultural) desse espaço ou reforçar o
engessamento no uso desse patrimônio” pode ser apresentada como
contribuição e novidade. Essencialmente, porque corrobora que este ato legal
trouxe legitimação de significado coletivo à paisagem central da cidade, mas ao
mesmo tempo, marginalizou e tirou estímulos do seu contexto que justifiquem a
fonte e origem desta significação e simbolização: o cidadão urbano.
As intervenções feitas após 2011 nos canteiros da avenida trouxeram
sentido contrário à preservação, sem necessariamente se dirigir à uma
transformação qualitativa da Avenida Afonso Pena. Desse modo, o
tombamento tem se mostrado muito mais inadequado e arbitrário, assim como
todas as ações decorrentes deste manifesto, do que diferente.
No caso da Avenida Afonso Pena, este estudo aponta alguns reflexos e
contradições de que o tombamento dos canteiros sublinha potenciais e riscos
desta rica e diversa paisagem, na intenção de que arbitrariedades sejam
minimizadas e a sua patrimonialização ampliada a todo o seu conjunto
paisagístico:
Isolar as árvores centenárias da população, com cercamentos, retiradas
de bancos e afins, não trouxe preservação a ponto de as árvores não
253
morrerem. Ao contrário, diluir a concentração física e simbólica das árvores
centenárias do centro para os demais canteiros pode ampliar a imagem da
arborização para outros pontos da avenida, considerando-se a possibilidade
imensa que o cerrado oferece para tanto. A combinação disto com os recursos
arquitetônicos diversificará e consolidará os diversos perfis da avenida para
local de relações interpessoais – alimentação, lazer, recreação. Para tanto é
preciso se sentar em mesas, cadeiras, com lixeiras próximas a se usar, etc.
Estender a ciclovia de uma ponta a outra, somente, não garante a
existência da mobilidade urbana. Faltam calçadas para caminhar, pérgulas
para descansar, enfim, articulações de fluxos com segurança e distinção.
Apesar de garantir a preservação das árvores centenárias na porção central
dos canteiros, a remoção dos estacionamentos a 45° não incorporou medidas
que proporcionem ‘vitalidade humana’ à avenida. De um falso progresso
estimulado pelo ordenamento do trânsito e privilégio do automóvel, como
aconteceu com o Relógio ou quase voltou a acontecer com o Obelisco,
população, através do noticiário local, demonstra-se sendo preterida, por não
ter sido consultada em nenhum momento a respeito dessas intenções.
O canteiro da avenida, como área verde livre pública, carece de ser vista
como reserva de espaço comunitário que combina qualitativos para exercício
da vida urbana. A sustentabilidade ambiental, social e cultural desta paisagem
natural e construída depende da ligação e aplicação destes fatores. Qualquer
mudança direcionada ao espaço da avenida, sem o conhecimento da realidade
simbólica que se atrela a esse contexto, pode acarretar em danos às relações
ambientais, sociais e culturais que, mesmo tidas como invisíveis, têm grande
peso em sua paisagem urbana.
A partir disso, o planejamento e a gestão as paisagem da Avenida
Afonso Pena deve assumir algumas diretrizes que estejam voltadas para as
forças que engendram a sua produção, preservação e transformação.
Campo Grande dispõe hoje de diversos parques lineares, que são áreas
que margeiam córregos com finalidade primordial de proteção da mata ciliar e
preservação ambiental, algumas com equipamentos de lazer. A Avenida
Afonso Pena não é uma via marginal, mas sim um grande veio de
desenvolvimento da cidade. A mesma pode e deve ser vista como um local
propenso a se tornar um grande Parque Linear. Isto marcaria uma série de
254
intervenções sociais, urbanísticas e ambientais em uma das principais áreas de
Campo Grande, que além do turismo urbano, atrairia projetos de educação
ambiental em ponto central, privilegiado e extenso. Sendo dotada de vários
equipamentos para condição de utilização múltipla, que lhe são ausentes ou
desvalorizados, como lazer, recreação, apropriação, comercialização e também
para a cultura, voltar-se-ia a ações destinadas à recuperação e revitalização da
infraestrutura urbana e ambiental. Esta estratégia pode ofertar a visão de
conjunto à avenida, que percebida por fragmentos da paisagem marcados por
personalidades tão distintas, tem sido trata por fatias que não se alinham. Não
seria apenas o caso de embelezamento, mas principalmente da possibilidade
de qualidade de vida maior para a população, com mais atrativos de
apropriação, se colocaria mais em contato e próxima da paisagem da avenida.
Isto é importante pois, visto ser uma área extensa, a manutenção exigiria não
somente o aporte financeiro e técnico do poder público, mas também a
fiscalização constante da população para que esta valiosa paisagem seja
permanentemente e constantemente preservada e transformada em conjunto.
Recordando o patrimônio material de Belo Horizonte, em fato ocorrido à
avenida homônima da cidade, repentinamente, os gigantescos Ficus da
também Avenida Afonso Pena mineira, o mais importante cartão postal da
cidade, foram cortados. Felizmente, a Avenida Afonso Pena campo-grandense
já tem os grandes fícus de sua paisagem tombados. Mas isto não quer dizer
que a Avenida não sofra mais riscos contra o seu patrimônio, seja ele tombado
ou não.
De modo preventivo, subsistemas e dimensões naturais e construídas,
valores socioeconômicos e afetos e significados validados pela população
campo-grandense que indicam a maneira pela qual AP se apresenta aos olhos
de quem a vivencia estão sendo resguardados ao se fazer esta pesquisa. Mas,
dada a dinâmica inerente à construção das paisagens, muitos outros podem se
perder antes mesmo de serem conhecidos ou vividos pela população. Por isso
é tão caro a apropriação dos Lugares, como resultado expressivo do contexto
cultural em que se encontra, o significado da paisagem da Avenida Afonso
Pena pode persistir no tempo, servindo de influência a outras gerações.
A necessidade dos homens de se enraizarem a um espaço vincula-se ao
anseio por identidade, seja individual, bem como coletiva. A manifestação dos
255
lugares como lembranças vivas, passadas e presentes, através de seu espaço,
sentidos e pessoas, propicia a habilidade de formar um repertório mnemônico.
O meio urbano, coletivo por princípio, é extremamente importante ao propiciar
o suporte da memória, já que as lembranças são como pedras que formam,
literalmente, a cidade.
O escritor Victor Hugo considerava que a cidade, por sua arquitetura, é
tal qual um livro, no qual cada pedra é uma letra, cada hieróglifo, uma ideia.
Assim como o diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan que abre este trabalho,
as frentes de investigação do sistema GTP, constroem e ligam a análise
ambiental da Avenida Afonso Pena. Os subsistemas socioeconômico, cultural e
geográfico, distintamente sedimentam as bases para a compreensão
articulada, complexa, híbrida e dinâmica que define a Paisagem da Avenida
Afonso Pena como uma ponte que conecta os habitantes ao seu meio
ambiente urbano em diferentes dimensões temporais e espaciais.
256
APÊNDICE
MAPA-CHAVE
257