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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI TAIANA GRASSI LESSA NEM O QUE NEM QUEM: Análise da Antropomorfia dos Personagens Animais nas Animações de Longa Metragem da Walt Disney São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

TAIANA GRASSI LESSA

NEM O QUE NEM QUEM:

Análise da Antropomorfia dos Personagens Animais nas

Animações de Longa Metragem da Walt Disney

São Paulo 2012

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

TAIANA GRASSI LESSA

NEM O QUE NEM QUEM:

Análise da Antropomorfia dos Personagens Animais nas

Animações de Longa Metragem da Walt Disney

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr Luiz Vadico.

São Paulo 2012

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TAIANA GRASSI LESSA

NEM O QUE NEM QUEM:

Análise da Antropomorfia dos Personagens Animais nas

Animações de Longa Metragem da Walt Disney

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Vadico.

Aprovado em / /

Prof. Dr. Luiz Vadico

Profa. Dra. Bárbara Heller

Prof. Dr. Renato Luiz Pucci Junior

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a Silvia Orrú

meu grande amor, pela confecção desse

trabalho não apenas por contribuir com

seu desenvolvimento e inspiração, mas

também, sendo a verdadeira responsável

por esse grande desafio em minha vida

no mundo acadêmico.

Obrigada pelo companheirismo e

carinho, estando presente em todas as

etapas deste novo percurso.

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AGRADECIMENTO

Agradeço aos meus pais que tanto confiam e se orgulham de mim,

acreditando a todo o momento que o meu trabalho e esforço é o maior do mundo e

por vezes me ajudando a perceber o quão importante isso é para eles.

À Silvia Orrú minha companheira na vida que me motivou a fazer esse

mestrado e a cada momento que pensava nas dificuldades me mostrava que era só

uma barreira que precisava ser transposta e que daria tudo certo, e que muitas

vezes segurou minha mão para que pudéssemos atravessar juntas algum obstáculo.

Agradeço aos meus irmãos que me fizeram rir e me distrair nos momentos de

cansaço.

Ao meu orientador que não apenas me auxiliou nas escolhas do caminho

para esse trabalho, mas teve paciência para lidar com meus ataques de insegurança

e desespero.

Ao coordenador, professor e amigo Rogério Ferraraz que criou as bases de

meu conhecimento e me apoio em cada um dos momentos desse percurso.

À todos os professores do mestrado que contribuíram para solidificar

conhecimento, inspirar e motivar.

À Alessandra Marota que com seu bom humor e boa vontade sempre ajudou

e resolveu os “pepinos” que jogava em suas mãos.

À amiga Érica Almeida por seus ensinamentos de perseverança e alegria.

E à todos aqueles que contribuíram diretamente a esse trabalho ou a minha

formação como pessoa e acadêmica.

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RESUMO Esta pesquisa possui como objetivo identificar a extensão dos personagens animais

dos filmes de longa-metragem dos estúdios Walt Disney e Pixar, no que diz respeito

ao antropomorfismo apresentado por estes, levando em conta o quanto suas

características se aproximam mais ou menos de características humanas. Como

forma de contribuição para análise narrativa das animações, a fim de construir de um

entendimento mais profundo desta vertente do cinema, uma vez que o maior foco

das pesquisas no que diz respeito a animações se encontra na técnica e não tanto

na forma, estética e narrativa das mesmas. A metodologia apresenta quatro etapas

distintas: levantamento das animações, catalogação das 59 animações selecionadas

para análise: a partir de uma tabela por mim desenvolvida para a análise do

antropomorfismo, classificação das animações em três níveis distintos de

antropomorfização, identificadas a partir de análise prévia de uma amostra inicial de

animações. E como última etapa uma análise detalhada da narrativa das animações:

Pinóquio, Robin Hood, Vida de Inseto e O Rei Leão, a partir da estrutura de Vladimir

Propp e releituras de sua metodologia. Após este processo foi possível perceber o

alto grau de importância dos animais nas animações da Disney e Pixar, estando

estes em sua grande maioria ligados a mensagens importantes da narrativa,

aparecendo assim como uma reatualização das fábulas tradicionais.

Palavras-chave: Cinema de Animação. Antropomorfismo. Fábulas.

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ABSTRACT This research has aimed to identify the extent of animal characters from films from

Walt Disney and Pixar, regarding to anthropomorphism displayed by the characters,

taking into account their characteristics as they approach more or less to human

characteristics. As a contribution to the analysis of narrative animations in order to

build a deeper understanding of this aspect of the film, since the major focus of

research in regards to animations is on technique and not so much about. The

methodology has four distinct stages: survey of animations, animations cataloging of

the 59 films selected for analysis using a board developed by myself for the analysis

of anthropomorphism, classification of animations into three distinct levels of

anthropomorphizing, identified by me from prior analysis based on an initial sample of

animations and as the last step a detailed narrative analysis of the animations:

Pinocchio, Robin Hood, a Bug's Life and the Lion King, using the structure of Vladimir

Propp and reinterpretations of his methodology. From the surveys and analyzes

completed was possible to realize a high degree of importance in the animations of

Disney and Pixar, the animals being mostly linked to important messages of the

narrative, thus appearing as a revival of fables.

Key-words: Animation movie. Anthopomorphism. Fables.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição das animações pelo nível de antropomorfismo apresentado

pelos personagens animais. ............................................................................... 33

Gráfico 2 - Comparativo entre grau de antropomorfismo apresentado e importância

do animal na história .......................................................................................... 34

Gráfico 3 - Comparativo entre grau de antropomorfismo e presença de magia ........ 41

Gráfico 4 - Distribuição das animações em função da origem da história ................. 42

Gráfico 5 - Comparativo entre nível de antropomorfismo e origem da história ......... 45

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Levantamento de dados sobre antropomorfismo das animações de longa

metragem do estúdio Walt Disney de 1937 a 2010. ........................................... 28

Tabela 2 - Invariantes desenvolvidas por Coelho (2000, p .109 -110) a partir das

funções de Propp ............................................................................................... 83

Tabela 3 - Comparação entre Tradição herdada e a desagregação ocorrida hoje em

Coelho (2000, p. 19) ........................................................................................ 108

Tabela 4 - Lista de animações de Longa-metragem da Walt Disney ...................... 131

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Bambi X Veado ......................................................................................... 17

Figura 2 - Gatos na animação Aristogatas ................................................................ 18

Figura 3 - Robin Hood versão animação e seriado live action .................................. 19

Figura 4 - Personagens Oswald e Gato Félix ............................................................ 24

Figura 5 - Animais não antropomorfizados que não apresentam característica

alguma que fuja daquelas apresentadas por animais da natureza .................... 36

Figura 6 - Animais Silvestres lavando roupa em A Branca de Neve ......................... 37

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Figura 7 - Animais realizando ações de seres humanos: cadela de Peter Pan

arrumando os brinquedos das crianças, Dumbo ajudando a montar o picadeiro

de Circo e Sebastião com sua partitura prestes a reger uma orquestra em A

Pequena Sereia. ................................................................................................ 38

Figura 8 - Paralelo entre a ONU dos humanos e a ONU dos ratos em Bernardo e

Bianca. Ratinhos confeccionando o vestido para Cinderela. ............................. 39

Figura 9 - Chá com uma Lebre em Alice no País das Maravilhas, Patos em busca de

tesouro em Ducktales e Galo dirigindo um automóvel em O Galinho Chicken

Little.................................................................................................................... 40

Figura 10 - detalhes da casa de Gepeto ................................................................... 51

Figura 11 - Evidência dos relógios que indicam a atividade laboral de Gepeto ........ 52

Figura 12 - Detalhes do cenário ................................................................................ 56

Figura 13 - Diferença do tipo de iluminação entre ambiente externo e interno. ........ 56

Figura 14 - Cenas sombrias da animação ................................................................. 57

Figura 15 -Câmera em posicionamento superior ...................................................... 57

Figura 16 - No teatro cenário mais simples e ponto de luz focal ............................... 58

Figura 17 - Cena em primeiro plano onde o cenário está na escuridão .................... 58

Figura 18 - Cenas contrastantes entre o mundo maravilhoso e o sombrio ............... 59

Figura 19 - Ambiente submarino sem grande destaque de cores ............................. 60

Figura 20- Grilo Falante X Grilo real .......................................................................... 63

Figura 21 - Grilo com nariz avermelhado em função do frio ...................................... 65

Figura 22 - Grilo se aquecendo na lareira ................................................................. 66

Figura 23 - João Honesto e Raposa Vermelha ......................................................... 70

Figura 24 - Comportamentos correspondentes de João Honesto e em um Ser

Humano .............................................................................................................. 71

Figura 25 - João Honesto bate em Gideão. .............................................................. 72

Figura 26 - Fígaro X Gato real ................................................................................... 75

Figura 27 - Fígaro fazendo careta por não gostar do nome sugerido por Gepeto..... 76

Figura 28 - Fígaro calmamente dormindo em sua cama em seguida aborrecido por

ter sido despertado. ........................................................................................... 77

Figura 29 - Fígaro mau-humorado ............................................................................ 78

Figura 30 - Cenário simplificado de Robin Hood. ...................................................... 85

Figura 31 - Aldeia onde vivem os "animais" .............................................................. 86

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Figura 32 - Cenário desfocados onde alguns objetos sequer podem ser identificados.

........................................................................................................................... 86

Figura 33 - Cena cinzenta reforçando a melancolia .................................................. 88

Figura 34 - João Pequeno ......................................................................................... 90

Figura 35 - Xerife ....................................................................................................... 90

Figura 36 - Sr, Chio ................................................................................................... 90

Figura 37 - Personagem Robin Hood ........................................................................ 92

Figura 38 - Robin subindo na árvore ......................................................................... 93

Figura 39 - Comparativo da representação de príncipe João como leão e o animal na

realidade ............................................................................................................ 95

Figura 40 - Rei revelando sua fraqueza .................................................................... 96

Figura 41 - Alarme das formigas e formigueiro ....................................................... 103

Figura 42 - Formiga pronta para sua aventura ........................................................ 104

Figura 43 - Farol da cidade dos insetos .................................................................. 104

Figura 44 - Plano geral da cidade dos insetos ........................................................ 105

Figura 45 - Porporção real do tamanho dos insetos ................................................ 105

Figura 46 - Insetos surpresos ao descobrirem o mal entendido .............................. 106

Figura 47 - Invenção de Flik para colher mais grãos ............................................... 110

Figura 48 - Flik e formiga real .................................................................................. 111

Figura 49 - Posição dos gafanhotos ao invadirem o formigueiro............................. 112

Figura 50 - Detalhes do gafanhoto Hopper em paralelo com um gafanhoto real. ... 113

Figura 51 - Mufasa com expressão de raiva e Scar com desdém ao que está lhe

sendo dito ......................................................................................................... 118

Figura 52 - Oposição entre reinado de Scar e reparação após vitória de Simba .... 121

Figura 53 - Simba X filhote de leão ......................................................................... 122

Figura 54 - Simba e seus amigos olhando as estrelas ............................................ 124

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA ..................................................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 11

CAP. 1 - A DISNEY, E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO DA ANIMAÇÃO ................................. 21

1.2 CLASSIFICAÇÃO DO ANTROPOMORFISMO NAS ANIMAÇÕES ............................................................. 27

CAP. 2 - CONDIÇÃO HUMANA A PARTIR DE ANIMAIS .......................................................................... 47

2.1 PINÓQUIO ................................................................................................................................................... 47 2.1.1 Um Grilo que fala .......................................................................................................................... 61 2.1.2 A Raposa que trai .......................................................................................................................... 69 2.1.3 O Gato Mimado .............................................................................................................................. 75

2.2 ROBIN HOOD .............................................................................................................................................. 80 2.2.1 A Raposa Astuta ............................................................................................................................ 91 2.2.2 Leão Medroso ................................................................................................................................ 94

CAP. 3 - CONSTRUÇÃO SOCIAL DO REINO ANIMAL ............................................................................. 99

3.1 VIDA DE INSETO ......................................................................................................................................... 99 3.1.1 A Formiga Revolucionária ........................................................................................................ 109 3.1.2 Gafanhoto Inteligente................................................................................................................. 112

3.2 O REI LEÃO .............................................................................................................................................. 116 3.2.1 O desenvolvimento de um leão ............................................................................................... 121

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................ 125

ANEXO .......................................................................................................................................................... 131

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INTRODUÇÃO

O cinema é algo que atinge tanto adultos como crianças, sendo as crianças

as mais “contagiadas” pelo cinema de animação. Tassara (1996) afirma que devido

à complexidade para produzir animações os pioneiros dessa arte optavam por uma

narrativa de humor e de ironia fácil, que acabou por atrair as crianças, mesmo não

sendo planejada especificamente para esse público. Animação, portanto, é um

importante elemento na constituição do sujeito, justamente no momento que está

mais suscetível aos estímulos: na infância.

Segundo a teoria Comportamental de Skinner (2003) a partir das relações

humanas, o homem se constitui como indivíduo, para tanto possui a capacidade

inata de aprender a partir de seus contatos. A possibilidade de se aprender

comportamentos específicos é fato inerente ao ser humano, entretanto esse

processo é mais propício de acontecer quando falamos de crianças. A princípio a

criança se comporta por reflexos e imitação, reproduzindo aquilo que as pessoas a

sua volta estão apresentando, feito isso tem a chance de experimentar as

consequências de seu comportamento e isso determina se esse comportamento

será mantido ou não. Tendo em mente que o tempo que a criança teve para passar

por esse processo, conhecer comportamentos, colocá-los em prática e inseri-los ou

não em seu repertório, é menor do que o de um adulto não é difícil imaginar que as

crianças sejam muito suscetíveis aos estímulos externos.

Levando em consideração a afirmação de Skinner (2003, p.455) “No sentido

mais amplo possível, a cultura na qual um indivíduo nasce se compõe de todas as

variáveis que o afetam e que são dispostas por outras pessoas” e a afirmação de

Kellner (2001) de que a cultura da mídia é hoje a forma de cultura dominante que

nos socializa e provê materiais para identidade, temos que hoje a cultura nos é

passada não apenas com o contato entre os membros dos grupos em que estamos

inseridos, mas sim através de uma verdadeira gama de mídias que chegam até

nós. No presente trabalho o foco será uma dessas mídias específicas: o cinema.

Ao analisar o desenvolvimento do cinema de animação é possível perceber

que este utilizou técnicas de áreas distintas do conhecimento e da arte. Muito

ligado à pintura, história em quadrinhos, cinema live action, posteriormente ao

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design gráfico e game. Denis (2007) reforça essa idéia ao afirmar que animação

não é apenas uma técnica, mas um conjunto de técnicas que permite ao criador

uma infinidade de resultados. Isso sem falar na narrativa de suas histórias que

utilizou a literatura, teatro, circo, mitologia, contos populares, etc. Porém em sua

trajetória desenvolveu características próprias e bem particulares, Meckee (2006)

afirma que a animação sustenta-se pelas leis do metamorfismo universal, a partir

das quais tudo pode ser criado e transformado, independentemente de normativas

físicas. Isso pode inclusive ser verificado nas primeiras animações como no caso

do animador francês Emile Cohl:

Cohl mergulhou no universo gráfico criando personagens autônomos, próprios para o mundo da animação, onde seus personagens criam-se e destroem-se, sofrem metamorfoses ilimitadas, são executados através de guarda-chuvas sem perder uma gota de sangue e são vítimas de monstros com faces humanóides e olhos nas pontas de suas caudas (BENDAZZI, 1995, p.9).

Ao falar em animação certamente ao redor de todo o mundo o nome Disney

vem à mente quase que simultaneamente. Isso se dá pela representatividade deste

artista e posteriormente de seu estúdio no desenvolvimento da animação, e ele em

especial manteve a essência das características da animação apresentadas por

Cohl, como é possível perceber a partir da afirmação: “Disney refere-se ao

desenho animado como pertencente ao mundo feérico, da fantasia e magia, um

universo que convida insistentemente à poesia” (FOSSATTI 2011, p.27). Tanto que

o primeiro personagem animado de Disney foi um coelho capaz de coisas incríveis,

muito além do esperado de um pequeno mamífero. A animação de animais se

tornou uma verdadeira marca registrada de Disney. Eles podem aparecer como

figurantes, auxiliares, coadjuvantes ou como personagens principais. Podem ser

representados muito próximos a suas características reais, podem apresentar

comportamentos diferentes daquilo que é esperado da espécie em questão e

podem até mesmo representar seres humanos em seus comportamentos e

vestimentas, mas dificilmente será encontrado um filme da Disney em que eles não

apareçam. Mesmo quando baseadas em histórias já consagradas para o público

como é o caso de Branca de Neve, na adaptação o cuidado com a inserção dos

animais é evidente, uma vez que deixam de ser meros figurantes e ganham

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relevância na narrativa, desempenhando a função de auxiliares conforme a

concepção proppiana1, uma vez que eles conduzem Branca de Neve à cabana dos

anões, e a acompanham assegurando-lhe um novo lar, além de contribuírem com

a comicidade da animação, participando de inserções que provocam gracejos

visuais, em momentos indeterminados, como descreve Fossatti (2011).

Uma vez que a produtora que há mais tempo produz animações para o cinema

é a Walt Disney (em conjunto com a Pixar, que foi adquirida posteriormente pela

Disney), as suas produções foram o foco desta pesquisa. O primeiro passo,

portanto, foi levantar a lista de filmes de longa-metragem produzidos desde o

primeiro: Branca de Neve e os Sete Anões até o mais recente, e assistir algumas

das animações de diferentes períodos em busca de elementos que pudessem dar

indícios de um padrão para inserção dos animais e a forma de representá-los. A

lista foi desenvolvida através da lista de filmes apresentada por Surrell (2009) e

Mutran (2010).

Nesse primeiro percurso o objetivo era criar uma maior familiaridade com os

filmes e não uma análise fílmica detalhada. As animações dessa amostra inicial

foram: Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Bambi (1942), Alice no País das

Maravilhas (1951), A Dama e o Vagabundo (1955), A Espada era a Lei (1963), 101

Dalmátas (1961), Aristogatas (1970), Robin Hood (1973), O Cão e a Raposa (1981),

A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991) e Vida de Inseto (1998). Foi

utilizada uma amostra de conveniência, conforme maior facilidade de acesso às

animações e mais alguns critérios de seleção:

Utilização de ao menos duas animações de cada década;

Buscar uma animação com personagens principais humanos e outra com

animais em cada uma das décadas;

Utilização na amostra de cada década, de animações com textos

originais de diferentes origens.

A partir da amostragem utilizada, algumas diferenças de utilização para os

personagens animais já puderam ser estabelecidas:

a) Há filmes em que animais se comportam como animais;

1

Vladimir Propp (1984), formalista russo, apresentou contribuições à análise narrativa, orientada pela

trajetória dos personagens onde desenvolveu sete esferas de ação correspondentes ao que cada personagem

realiza na narrativa, sendo a esfera de ação do auxiliar descrita como: compreende o deslocamento do herói no

espaço, a reparação do dano ou carência, o salvamento durante a perseguição, a resolução de tarefas difíceis, a

transfiguração do herói.

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b) animais que não se comportam como animais comuns, porém não

representam seres humanos;

c) animais que se comportam como seres humanos.

A partir disso o objetivo da pesquisa passa a ser identificar a função dos

animais nas animações da Walt Disney de longa-metragem desde seu início (1937)

até o mais recente no momento (2010).

Nesse percurso foi necessário entender o momento histórico de cada

animação, verificar seu texto de origem, os animais que são utilizados para

representar seres humanos e o tema de cada animação. Com isso pretende-se

encontrar um padrão para utilização da forma dos animais em cada uma das

funções apresentadas anteriormente.

Inicialmente é possível refletir nesse tipo de utilização dos animais como

forma de explorar a principal vantagem da animação: representar qualquer coisa

que venha à mente, mesmo distante do mundo real. Com o sucesso dos animais

humanizados essa foi uma tendência que se instaurou nas animações, até porque,

mesmo podendo ser destinada a adultos, a animação sem dúvida é diversão

garantida para as crianças, que apresentam uma imaginação fértil e com poder de

fabulação muito grande. Por esse motivo, além das animações da Disney será

necessário retomar alguns dos primórdios da história e constituição da animação

para contribuir para construção da compreensão da utilização da forma dos

animais nos filmes.

Existem diversas pesquisas na área da animação, em sua maioria, realizam um

levantamento detalhado das animações e das técnicas utilizadas, os avanços

tecnológicos aplicados, etc. Outro tipo de pesquisa comum de se encontrar na área

é sobre a tendência de produções autorais e os reflexos disso em cada uma das

animações. Há muito sobre as tendências da estética, porém pouco se encontra

sobre as tendências narrativas e o conteúdo apresentado. Estudo sobre gêneros

na animação, faz-se ainda mais raro. Dessa forma o presente trabalho busca

versar sobre essas áreas mais esquecidas em relação à animação, em busca de

identificar especificidades relacionadas ao conteúdo e à narrativa, o que

posteriormente pode contribuir para embasamento de estudos sobre gêneros

nessa arte. No que diz respeito especificamente à análise relacionada à utilização

da forma dos animais nas animações nada foi encontrado no percurso da pesquisa.

Identificar tendências e padrões no conteúdo narrativo deve contribuir para

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compreender se existem, e quais são os grupos possíveis de classificação de

animação. Afinal a animação possui hoje uma imensa quantidade de produções

muito diversificadas entre si, sendo possível assim pensar em possibilidades de

agrupamento por características específicas encontradas.

A partir do exposto acima, o objetivo do trabalho é identificar nas animações de

longa-metragem da Walt Disney como são representados os animais, o quanto

mantêm suas características naturais e o quanto são humanizados. Identificar qual

é a função dessas figuras na animação e o tipo de narrativa que elas conformam.

Identificar se existe um padrão para tal utilização e qual seria esse. Para tanto será

necessário verificar se existe relação entre o tipo de representação dos animais e a

origem da história e comparar as representações ao longo dos anos a fim de

identificar tendências para a maneira pela qual os animais são utilizados na

narrativa ao longo dos anos.

A metodologia para esta pesquisa é composta por quatro etapas distintas:

1 - Levantamento e seleção dos filmes para análise,

2 - Catalogação dos filmes levantados,

3 - Classificação dos filmes em grupos de semelhança para discussão teórica,

4 - Análise fílmica de filmes representativos.

Levantamento e seleção dos filmes para análise

O primeiro critério para isso foi a decisão de utilizar apenas as animações de

longa-metragem, uma vez que o foco do trabalho é a produção cinematográfica

e com essa seleção há uma maior quantidades de animações longa-metragem

no circuito comercial.

Foram tomadas como base para a listagem as apresentadas por Surrel

(2009) e Mutran (2010). A partir disso foram selecionadas as animações que

seriam objeto de análise; para isso foram descartadas animações que se

tratavam de sequência de outra já apresentada anteriormente, filmes com os

mesmos personagens já apresentados em uma animação anterior que já

haviam feito parte da amostra de objetos selecionados e animações compostas

por uma seleção de curta-metragem. (Anexo I)

Catalogação dos filmes levantados

Para realização da análise dos filmes foi desenvolvida uma tabela com os

principais itens que deveriam ser analisados nos filmes, para dessa forma

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existir um padrão de análise e posteriormente contar com informações

qualitativas e quantitativas.

Os itens para análise são:

1- o filme possui animais? - a fim de identificar o quão freqüente é a

presença de animais nas animações

2 - os animais são os personagens principais? - para identificar a

importância dos animais na animação e identificar possível tendência para o

antropomorfismo.

3 - existe interação entre humanos e animais? - este é novamente um item

que pode demonstrar alguma tendência para utilização do antropomorfismo.

4 - (item válido apenas para animações com presença de animais)

apresentam traços de comportamentos não pertencentes a animais? -

identificação da presença ou não de antropomorfismo.

5 - (item válido apenas para animações com presença de animais)

representam humanos em seus comportamentos e vestimentas? - identificação

do grau de antropomorfismo. Os elementos analisados nesse item são:

vestimenta, habitat, forma física, tipos de ações que realizam e relação com

seres humanos.

Serão considerados quatro níveis distintos:

a - não representam seres humanos, mantêm apenas as características

dos animais. Podem nesse nível falar entre si e até apresentar sentimentos e

algumas atitudes não pertencentes aos animais, porém mantêm suas

características físicas, habitat, alimentação, relação com ser humano tal qual na

realidade, ou seja, são pertencentes ao mundo animal. Vejamos um exemplo de

um personagem que se enquadraria nesse nível: Bambi. O personagem da

animação não utiliza nenhum tipo de vestimenta ou acessório diferente do que

encontramos nos animais dessa espécie na natureza. Seu habitat é a floresta, o

que corresponde à realidade da maior parte dos veados existentes. Fisicamente

ele é bem parecido com um veado real, seus olhos seriam o elemento que mais

se distanciariam no quesito físico. Bambi corre pela floresta, se relaciona com

os demais animais e brinca com os de sua espécie, apresenta dificuldades para

dar os primeiros passos, busca sempre a proteção de sua mãe, entre outras

ações que apesar de envoltas de fantasia e criação própria para a narrativa

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ainda assim não destoam daquilo que podemos aceitar como sendo típicas de

um veado.

Figura 1 - Bambi X Veado

A partir dessa análise inicial foi percebida já uma questão importante

no que diz respeito á antropomorfização, é preciso guardar as devidas

proporções na comparação de animais animados e animais reais, uma vez que

se trata de uma obra ficcional com base na representação de uma realidade,

não sendo possível corresponder à realidade de fato, sendo o documentário o

mais adequado nessa situação (ainda que existam discussões de que mesmo

no documentário tratar-se-ia apenas de uma representação). Porém existe um

universo de animação e representação de animais que podem ser comparadas

entre si, é o universo da forma, e é a partir dessa conclusão que as análises

aqui apresentadas serão realizadas.

O princípio aqui defendido não é o que é verdade, mas o que convence

como tal. Carrière (1995) traz diversos exemplos do quanto o cinema não

reflete uma realidade/ verdade, mas sim constrói uma linguagem

cinematográfica que convença o espectador de que aquilo que ele vê está

ligado a uma verdade. Aqui é possível pensar essa idéia para o

antropomorfismo, ou seja, na linguagem construída para animação no que diz

respeito à representação de animais, esta primeira categoria estaria mais

próxima do que chamamos de real, ou da preocupação do animador em criar

uma verdade relacionada ao personagem animal. A forma assumida pela

animação é a mais próxima da forma do animal.

b - parcialmente, realizam ações que animais normalmente não realizariam,

podendo ser algumas delas características de humanos, mas ainda assim

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representam formas de animais. Isso ocorre principalmente quando apresentam

um ou dois elementos de antropomorfismo citados anteriormente, mas

principalmente respeitam as características físicas dos animais e seu habitat.

Mesmo quando se aproximam bastante de ações realizadas por humanos, a

questão central aqui é: “Estão vivendo em um mundo humano ou, um mundo

que apesar de fantástico, é próprio para esta espécie?” No caso da resposta ser

a segunda, então estamos falando desse segundo nível de antropomorfismo.

Um exemplo desse nível seriam os gatos de Aristogatas, os quais fisicamente

são bem parecidos com gatos da realidade, seu habitat é uma casa humana,

pois são gatos de estimação de uma senhora, como tantos que existem na

realidade, eles não conversam com seres humanos, apenas entre si, porém

apresentam alguns comportamentos que são humanos, como por exemplo

tocar instrumentos musicais.

Figura 2 - Gatos na animação Aristogatas

c - completamente, suas características se aproximam de tal forma das

características dos humanos que o personagem de forma animal poderia ser

substituído por um de forma humana. Nesses casos os animais estão em um

habitat que não é o seu, se comportam de forma muito próxima a seres

humanos, se vestem como esses e ocupam papéis sociais como o de humanos.

Um exemplo desse nível seria Robin Hood, que é uma raposa, mas vive em

uma sociedade tal qual a de seres humanos, se veste como tal e só não fala

com seres humanos porque todos os personagens do filme são animais

humanizados.

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Figura 3 - Robin Hood versão animação e seriado live action2

Vale ressaltar que a análise desses níveis apesar de apresentar um

comparativo com a realidade foi desenvolvida a partir de tendências narrativas dos

filmes de animação, ou seja, deve-se pensar nos níveis comparando as

representações dos animais em animações. Pois é claro que animais de animação

não serão os mesmos que os animais reais, mas ainda assim apresentam

diferentes formas de representação, fato este que é o interesse desta pesquisa.

Dando continuidade aos elementos analisados em cada filme:

6 - possui objetos mágicos? - item para identificação de tendências da

representação de humanos e animais.

9 - origem da história - busca identificar se a história é um conto de fada,

uma história da literatura geral, uma lenda ou uma produção nova. Assim

podendo identificar um padrão ou não para a representação de humanos e

animais.

10 - tipos de animais - (análise de animais parcialmente e completamente

humanizados presentes nos filmes) para identificar se existe algum tipo de

animal mais freqüentemente humanizado.

Classificação dos filmes em grupos de semelhança para discussão teórica

Após preenchimento das fichas de análise, foi feita a separação em três

grupos:

a) animais que se comportam como animais;

b) animais que não se comportam como animais comuns, porém não chegam

a representar seres humanos;

c) animais que se comportam como seres humanos.

2 AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD (The Adventures of Robin Hood - EUA 1938). Direção: Michael

Curtiz e William Keighley.

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Então, foram analisados os demais elementos a fim de identificar as

tendências em cada um dos grupos para, a seguir, verificar se existe

diferenciação entre os grupos.

Análise fílmica de filmes representativos.

A partir dos dados levantados na etapa anterior foram selecionados quatro

filmes para análise dos personagens animais, dando prioridade a filmes onde os

animais fossem os personagens principais, ou apresentassem um papel

significativo na animação. Assim para animação onde animais se comportam

como seres humanos foi selecionado Robin Hood (1973), para o segundo tipo

onde se comportam parcialmente como seres humanos Vida de Inseto (1998),

um no qual encontramos os dois tipos de representação de animal no mesmo

filme- Pinóquio (1940) e por fim um no qual animais se comportam como

animais - O Rei Leão (1994).

Para a análise serão utilizados os conceitos apresentados pelo formalista

russo Vladimir Propp no que diz respeito a morfologia dos contos maravilhosos,

sua releitura por A.J Greimas, linguista lituano que muito contribuiu para teoria

Semiótica e da narratologia. E, quando necessário a simplificação apresentada

pela professora e estudiosa de literatura Nelly Novaes Coelho. Apesar dos

autores apresentados tratarem da literatura partiremos da afirmação de

AUMONT (1995, p. 128) “O filme de ficção, como o mito e o conto popular,

apóia-se em estruturantes de base cujo número de elementos é finito e cujo

número de combinações é limitado”, ou seja, as teorias dos autores

mencionados servem como base para análise de filmes de ficção.

Como estrutura da pesquisa temos o primeiro capítulo onde será retomado

brevemente o histórico das animações com foco nas formas e nas narrativas

apresentadas e em seguida a análise quantitativa que embasa a análise

qualitativa da amostra de animações selecionadas. O segundo e terceiro

capítulo do trabalho terão como foco principal a análise fílmica sendo que

primeiramente será apresentada a análise dos animais completamente

humanizados e no terceiro capítulo os animais parcialmente e não

antropomorfizados.

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CAP. 1 - A DISNEY, E SEU PAPEL NO DESENVOLVIMENTO DA

ANIMAÇÃO

Para compreender como são representados os animais antropomorfizados nas

animações de Disney, é preciso retomar o percurso do cinema de animação,

identificar como se deu a construção de sua linguagem, em especial no caso de

Walt Disney, foco desta pesquisa e grande marco não apenas nas animações, mas

também no que diz respeito à antropomorfização de animais e objetos.

A animação nasceu talvez antes mesmo do cinema live action, se levarmos em

consideração que as primeiras experiências de imagem em movimento diziam

respeito na verdade a desenhos que por técnicas diferentes criavam a ilusão do

movimento. Porém, apesar do início em comum com o cinema, a animação trilhou

um caminho próprio, obtendo seu desenvolvimento e espaço na arte

cinematográfica.

Segundo Beck et al. (2004) Humorous Phases of Funny Faces (1906), de J.

Stuart Blackton é considerada por muitos como a primeira animação. Blackton

nasceu na Inglaterra, mas emigrou para os Estados Unidos, em 1906 produz sua

animação combinando técnicas de parada para ação de Meliés com técnica de

animação frame a frame. Utilizava uma lousa e giz para desenvolver seus

desenhos, apesar de serem desenhos simples, apresentavam certa quantidade de

detalhes.

Porém a primeira animação frame a frame, a qual embasa a técnica de

animação até os dias de hoje, é atribuída a Emile Cohl, em 1908, com uma série

simples de desenhos utilizando traços negros sobre papel branco fotografados. Na

tela utilizou o negativo por isso a imagem projetada de figuras com traço branco se

movendo sobre um fundo negro, tal relato pode ser encontrado em Halas e Manvell

(1976), Denis (2007) e Tassara in Bruzzo (1996). Interessante notar como em

alguns casos da literatura americana o nome de Cohl é deixado de lado, como no

caso do livro Enchanted Drawings de Charles Solomon (1989) e o Animation Art

de Beck et. Al (1995) com pouco destaque ou nenhuma menção. Em Bendazzi

(1995) encontra-se uma descrição mais aprofundada sobre a arte de Cohl, francês

que trabalhava como cartunista para uma revista. Ao contrário de Blackton, que

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estava preocupado com a verossimilhança, Cohl desenvolve um mundo próprio

como já citado anteriormente, podendo dessa forma ser reconhecido não apenas

pela sua contribuição para técnica, mas principalmente para uma tendência de

linguagem para o cinema de animação, amplamente explorada até hoje. É possível

notar a preocupação em mostrar as possibilidades trazidas pela animação, onde a

magia foi bem estabelecida, uma vez que os personagens são capazes de fazer

diversas ações que não seriam possíveis na vida real. Interessante notar também a

base da metamorfose, mostrando o grande poder que está na mão do artista que

muda as formas a seu bel prazer. No primeiro momento da animação a técnica

ainda em pleno desenvolvimento exigia um imenso esforço por parte do artista, que

poderia ficar preso por anos em sua obra não acabada. Cohl demonstra o que é

possível fazer, explora a linguagem da animação com o fantástico, inusitado,

inesperado, abrindo caminho, portanto, para seu desenvolvimento e

aperfeiçoamento.

A necessidade de quebrar as amarras ao real só será teorizada com os surrealistas, após a Primeira Guerra Mundial, mas a abordagem de Cohl já era essa. Menos virado para o espetáculo público do que McCay, ele proporcionava uma dimensão fortemente mental, psicológica, que equivalia a um mergulho direto no cérebro do realizador. O traço branco em fundo negro de Fantasmagories é bem uma aplicação das teorias sobre o sonho e os poderes infinitos do imaginário (DENIS, 2007, p.47).

Cohl abre as portas para novos artistas interessados em produzir animações.

Grande nome neste momento é o americano Winsor McCay, com uma vasta

produção na época. Em 1911 lança o filme Litlle Nemo, segundo Denis (2007, p. 47)

“é um deslumbrante exercício de estilo gráfico”, possível notar a riqueza de detalhe

dos personagens e já um indício de personalidade. Nessa primeira animação

utilizou figuras se movendo, sem um fundo desenhado e sem uma narratividade

concreta. Porém em seguida produz a animação The Story of a Mosquito, na qual

um mosquito gigante, usando um chapéu e segurando uma maleta, tem uma fome

insaciável pelo sangue de um bêbado e acaba explodindo de tanto se alimentar

com o sangue do homem. Neste curta já é possível notar uma tendência na

animação para a humanização e utilização de animais, neste caso um inseto,

fortemente marcados por características psicológicas. Em 1914 produz Gertie the

Dinosaur, onde pela primeira vez pode ser visto um cenário ao fundo, o que gerou

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grande trabalho, bem como fortes indícios de utilização da perspectiva podem ser

verificados, com o dinossauro se movendo pelo cenário e pegando objetos. Porém

talvez o que mais chame a atenção nesse momento é a personalidade dada a

Gertie que se comporta como um animal de estimação, mas revela traços de sua

própria personalidade quando se nega a realizar algum comando, ou quando

Gertie começa a chorar e podemos ver grandes lágrimas saindo de seus olhos.

Fossati (2011) afirma que houve um intenso processo de industrialização da

animação, tendo seu boom entre 1910 e 1940. Isso se dava em função da

necessidade de criar animações cada vez mais rapidamente e com custo menores,

isto pode ser visto como o propulsor para busca de novas técnicas que

otimizassem o processo. Em 1914 Earl Hurd desenvolve a técnica do acetato, em

que o desenho que deve se mover era feito sobre uma folha vegetal transparente e

colocada sobre o desenho fixo do cenário, assim evitando a reprodução cansativa

de elementos fixos da animação. Segundo Denis (2007) esse processo foi decisivo

para possibilitar rentabilidade para animação, juntamente com a invenção de Raoul

Barre que desenvolve um mecanismo de pequenos pinos fixados sobre uma régua

que permitiam posicionar de maneira sempre idêntica os desenhos sucessivos,

garantindo maior qualidade e mitigando a instabilidade dos filmes pelo

posicionamento sem tanta precisão. Em 1915 foi criada a rotoscopia, por Max e

Dave Fleischer. Fossati (2011) afirma que essas invenções buscavam aprimorar os

movimentos, recobrindo-lhes de realismo.

Lucena (2005) afirma ainda que as animações na década de 20 estavam

empobrecidas se comparadas àquelas desenvolvidas por Cohl e McCay, os

movimentos eram simples. Isso muito provavelmente por conta da necessidade já

mencionada de uma maior velocidade de produção, uma vez que a animação

ainda não possuía lugar de destaque no cinema e precisava ainda se impor como

produto autônomo. Disney chega justamente neste momento.

[Para Disney] o personagem de animação tinha de atuar, de representar convincentemente; parecer que pensa, respira; convencer-nos de que é portador de um espírito. E para envolver completamente a audiência, esse personagem tinha, por fim, de estar inserido em uma história (LUCENA, 2005, p. 99).

Disney nasceu em 1901 em Chicago. Bruzzo (1996) ressalta que Disney

costumava passear pelos bosques com seu tio e que nessas ocasiões teve

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certamente muitas oportunidades para observar pequenos animais de toda espécie,

inclusive seus comportamentos e movimentos. Diz que talvez seja essa a origem

de seu apego pelos animais, que criou sua tendência de usá-los em suas

animações fossem antropomorfizados ou não. Ele começou desenhando alguns

anúncios com seu amigo Ub Iwerks, conforme relata Denis (2007). Foi o primeiro

animador a estabelecer-se em Hollywood. Sua primeira produção foi uma série

onde inseriu personagens reais em um mundo de desenho animado. A série não

obteve muito sucesso, porém teve o reconhecimento da qualidade técnica. Foi isso

que garantiu a participação de Walt Disney na Série da Universal: Oswald the

Lucky Rabbit, com sua primeira aparição em 1927. Nesta animação um pequeno

coelho passa por inúmeras situações inusitadas, com possibilidades incríveis de se

esticar, se dividir, ou seja, ações típicas apenas de personagens animados.

Interessante notar que Oswald apesar de ser um coelho andava sobre duas patas

e vestia um short. As histórias do coelho podem fazer lembrar outro personagem

animado, o Gato Félix criado por Pat Sulivan e Otto Messmer em 1919, sendo

considerado o primeiro personagem de cartum3.

Figura 4 - Personagens Oswald e Gato Félix

Em seguida produz a série Mickey Mouse, surgindo em 1928. Vejamos um relato

de Disney em relação a seu personagem:

Mickey devia primeiro ser simples. Devíamos produzir mais de duzentos metros de filme a cada quinze dias; era-nos preciso um personagem fácil para desenhar. Sua cabeça era um círculo e seu focinho uma oval. Suas orelhas, duas rodas que permaneciam redondas em todas as posições. Seu corpo tinha a forma de uma pêra e sua cauda era muito longa. Suas patas se enfiavam em enormes sapatos, que lhe davam o ar de criança que teria posto os sapatos de seu pai. Como ele devia ter o ar humano, não lhe

3 Segundo Bruzzo (1996, p. 211) cartum é um desenho caricatural com propósito humorístico. Designa um tipo

de animação que ignora as leis naturais de tempo e espaço, predominando o exagero e o delírio.

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dotamos de garras de rato, mas de luvas, e cinco dedos sendo demais para um cavalheiro tão pequeno, só lhe concedemos quatro. Isto fazia um a menos para pôr em ação. Para simplificar certos detalhes, Mickey foi vestido com um calção e privado de todos os pêlos e bigodes que teriam atrasado o trabalho, ainda que isto tornasse mais difícil a aparição de sua personalidade (BRUZZO, 1996, p. 55-56).

Esse breve relato revela bastante sobre a forma de desenvolver

personagens de Disney, unindo estratégia para agradar ao público e também

praticidade para a reprodução. Fica evidente a preocupação com a identificação do

espectador com o personagem, assim coloca elementos para que Mickey se

pareça mais humano. Segundo a teoria da Psicologia Comportamental de Skinner

(2003) a identificação é a tendência para nos comportamos do mesmo modo que o

personagem, assim posso compartilhar sentimentos e sentir um maior

envolvimento emocional com o filme. Para isso é necessário reconhecer a

possibilidade de emitir o comportamento da personagem na vida cotidiana em

algum aspecto, é possível também identificação com animais e objetos inanimados

contanto que seja discriminada uma possibilidade de repetir alguma característica

de seu comportamento. Quando Disney comenta sobre os sapatos de Mickey isso

fica evidente. Mesmo que não fique evidenciado para as crianças a imagem pode

remeter a essa lembrança mesmo que não chegue a atingir um nível de

consciência do espectador, mas certamente desperta sentimentos relacionados a

isso.

Fossatti (2011) relata que Mickey não atingiu de imediato o sucesso

esperado, e aponta como um dos motivos para isso o surgimento do cinema falado,

Disney lança então sua primeira animação sonora ainda em 1928 Steamboat Willie,

sendo o terceiro episódio da série do personagem Mickey. Os Fleischer já haviam

aperfeiçoado algumas invenções e apresentado seus resultados, porém dada a

perfeição com que Disney apresentou sua animação ficou conhecido como pioneiro

nessa inovação. Incansável, Disney continuou a desenvolver a qualidade do som

em sincronia com as animações, e lançou sua série Silly symphonies, onde a

música e o som não são elementos secundários, mas sim os elementos principais

da animação. Apresentou algumas histórias inéditas, mas também se aproveitou

de contos e fábulas já conhecidas para atrair ao público. Humanizou animais,

árvores e outros seres inanimados, ganhou inclusive seu primeiro Oscar em 1932

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com o primeiro desenho animado colorido o Flowers and Trees. Continuou seu

aprimoramento técnico com a câmera multiplano que possibilitava efeitos

tridimensionais, que puderam ser conferidos pela primeira vez com a animação O

velho Moinho.

O ápice de seu desejo se deu no desenvolvimento do primeiro longa de

animação. Disney aprimorou muitas técnicas, treinou seus animadores,

demonstrou a importância e magia do som sincronizado, fez o primeiro desenho

animado colorido, criou o storyboard, se estabeleceu como um importante estúdio

e por fim estava pronto para essa grande novidade. Não apenas tecnicamente,

mas principalmente com o conhecimento dos elementos necessários para entreter

o público. Talvez o que nem mesmo Disney imaginasse é que ainda hoje, após

quase 80 anos do lançamento de Branca de Neve e os Sete Anões, a animação

ainda fosse assistida por muitos e seus personagens considerados referências.

Para muitos, falar no conto de fadas A Branca de Neve é o mesmo que falar na

animação, que passou a representar o conto em si.

A produção de Disney se mantém, principalmente de seus longas-metragens.

Segundo Denis (2007, p. 135), o caminho encontrado foi o realismo. Fossatti (2011)

afirma que os sucessivos longas-metragens de animação consolidavam-se como

carros-chefe de Disney, apesar de manter a produção de seus curtas, criando

inclusive novos personagens famosos até hoje: Pateta, Pato Donald e Pluto.

Na época da Segunda Guerra Mundial houve uma queda nos rendimentos o

que fez com que Disney desenvolvesse alguns filmes de instrução militar e de

propaganda norte-americana para o mercado sul-americano para sanar suas

dívidas, como relata Denis (2007), o que demonstrou grande flexibilidade e

maturidade do estúdio.

As produções de animações continuam com momentos mais intensos e

outros de maiores dificuldades, sempre atrelados ao resultado das produções

anteriores. Mogli o Menino Lobo (1967) é a última animação com a participação

efetiva de Disney, que morreu em 1966. Fossatti (2011) afirma que com

Aristogatas (1970) foi encerrada uma importante etapa do cinema de animação.

Houve a popularização da televisão o que trouxe consequências para o estúdio,

que buscaram novas propostas com filmes de atores reais e a Disneylândia, o que

trouxe uma diminuição no ritmo das animações, retomando apenas ao final dos

anos oitenta.

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No momento da chegada da computação os estúdios Disney produziram um

filme chamado Tron, porém terceirizou o trabalho de computação gráfica. John

Lasseter no documentário A História de Disney e Pixar (2001) relata que os

diretores do estúdio não ficaram interessados, porém Lasseter que na época era

animador na Disney, acreditava que o potencial ali contido seria o futuro da

animação, inclusive desenvolveu um filme utilizando a técnica. Porém, foi

despedido pois a Disney não estava interessada nesta nova técnica. John foi

contratado pela Lucas Filmes que posteriormente foi comprada por Steve Jobs,

fundando assim a Pixar. Foi então que nasceu Toy Story, produzida pela Pixar,

mas distribuída pela Disney, assim como as animações que a sucederam. Nascia

assim uma parceria. Entretanto, Disney continuou com a animação tradicional e a

Pixar se aprimorou e desenvolveu novos longas através da computação, como

relata Mutran (2010).

Mutran (2010) ressalta que após a animação Nem que a Vaca Tussa (2004)

Disney decide se render à animação digital e passa a produzir seus filmes com

essa tecnologia. Até que, após muita negociação, em 2006 a Disney comprou a

Pixar.

E assim a produção e sucesso das animações seguem constantes atraindo

adultos e crianças ao cinema, sem dúvidas estabelecidas no mundo do cinema,

acompanhando e ditando tendências.

1.2 Classificação do antropomorfismo nas animações

Observando os aspectos relativos à forma e ao desenvolvimento dos

personagens animados, e a relevância da Disney para os mesmos, passamos a

verificar as tendências e padrões de antropomorfismo no conjunto de produções de

longa metragem deste estúdio.

Para analisar as tendências e padrões para o antropomorfismo foram

analisadas cinquenta e nove animações conforme critérios apresentados

anteriormente, estes foram inseridos em uma tabela para melhor análise

comparativa entre as animações. A partir disso, foi necessário analisar algumas

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variáveis chaves para conduzir os comparativos entre as animações ao longo dos

anos e tipo de história. Vale ressaltar que a análise conduzida não tinha como

objetivo uma análise fílmica detalhada, mas sim um levantamento de dados para

uma análise quantitativa. A seguir o resultado do levantamento de dados:

Tabela 1 - Levantamento de dados sobre antropomorfismo das animações de longa-metragem do estúdio Walt Disney de 1937 a 2010.

Ano Título no

Brasil Possui

Animais? São

principais?

Animais e humanos

interagem?

Apresentam ações não

pertencentes a animais?

Representam humanos?

Há magia?

Origem da

história

Tipos de animais

humanizados

1937

Branca de Neve e os

Sete Anões sim não sim poucas não sim conto de

fadas animais

silvestres

1940 Pinóquio sim não sim sim sim sim literatura

grilo, gato, peixe e raposa

1941 Dumbo sim sim sim sim parcialmente não literatura elefante e rato

1942 Bambi sim sim não poucas não não literatura

veado, coelho,

gamba e coruja

1950 Cinderela sim não sim sim parcialmente sim conto de

fadas rato e gato

1951

Alice no País das

Maravilhas sim não sim sim sim sim literatura coelho e rato

1953 Peter Pan sim não sim poucas parcialmente sim peça

teatral cachorro

1955 A dama e o vagabundo sim sim sim poucas não não literatura x

1959 A Bela

Adormecida sim não sim poucas não sim conto de

fadas x

1967

Mogli - O menino

lobo sim não sim poucas não não literatura x

1963 A Espada era a Lei sim não sim sim não sim literatura x

1961 101

dálmatas sim sim sim poucas não não literatura x

1970 Aristogatas sim sim sim sim parcialmente não literatura gatos

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Ano Título no

Brasil Possui

Animais? São

principais?

Animais e humanos

interagem?

Apresentam ações não

pertencentes a animais?

Representam humanos?

Há magia?

Origem da

história

Tipos de animais

humanizados

1973 Robin Hood sim sim não há

humanos sim sim não lenda

raposa, coelho, lobo, tigre, cobra,

etc

1977 Bernardo e

Bianca sim sim não sim parcialmente não literatura rato

1981 O Cão e a

Raposa sim sim sim poucas não não literatura x

1985 O Caldeirão

Mágico sim não sim poucas não sim literatura x

1986

As Peripécias do Ratinho

Detetive sim sim não há

humanos sim parcialmente não literatura rato

1988 Oliver e sua

Turma sim sim sim sim não não literatura x

1989 A Pequena

Sereia sim sim sim sim parcialmente sim conto de

fadas peixe e siri

1990

DuckTales, O Filme: O Tesouro da Lâmpada Perdida sim sim

não há humanos sim sim sim original

4 patos

1991 A Bela e a

Fera sim não sim não não sim conto de

fadas x

1992 Aladdin sim não sim sim não sim conto x

1994 O Rei Leão sim sim não há

humanos sim não não peça

teatral x

1995 Pateta - O

Filme sim sim não há

humanos sim sim não original cachorro

1995 Pocahontas sim não sim poucas não não lenda x

1995

Toy Story - Um Mundo

de Aventuras -

PIXAR não x x x x não original x

4 O termo original aqui refere-se a roteiro de cinema original, quando as demais categorias abarcam adaptações.

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30

Ano Título no

Brasil Possui

Animais? São

principais?

Animais e humanos

interagem?

Apresentam ações não

pertencentes a animais?

Representam humanos?

Há magia?

Origem da

história

Tipos de animais

humanizados

1996

O Corcunda de Notre

Dame sim não sim poucas não não literatura x

1997 Hércules sim não sim sim não sim mitologia

grega x

1998 Mulan sim não sim sim não sim lenda x

1998

Vida de Inseto - PIXAR sim sim

não há humanos sim parcialmente não original insetos

1999 Doug - O

filme sim não sim poucas parcialmente não original x

1999 Tarzan sim não sim poucas não não literatura x

200 O filme do

Tigrão sim sim sim sim parcialmente não literatura

tigre, urso, lebre,

canguru, leitão e burro

2000 Dinossauro sim sim não há

humanos não não não original x

2000

A nova onda do

imperador sim sim sim poucas não sim original x

2001 Hora do Recreio não x x x x não original x

2001

Atlantis - O Reino

Perdido não x x x x sim lenda x

2001 Monstros S. A.- PIXAR não x x x x não original x

2002 Lilo & Stitch sim não não não não não original x

2002 O Planeta

do Tesouro não x x x x sim literatura x

2003

Procurando Nemo - PIXAR sim sim não sim parcialmente não original peixe

2003 Irmão Urso sim sim sim sim não sim original x

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31

Ano Título no

Brasil Possui

Animais? São

principais?

Animais e humanos

interagem?

Apresentam ações não

pertencentes a animais?

Representam humanos?

Há magia?

Origem da

história

Tipos de animais

humanizados

2004 O Cãozinho

Esperto sim sim sim sim sim sim original cachorro

2004 Nem que a Vaca Tussa sim sim sim poucas não não original x

2004 Os Incríveis

- PIXAR não x x x x não original x

2005

O Galinho Chicken

Little sim sim não há

humanos sim sim não original galo, pato, porco, etc

2006

Os selvagem -

PIXAR sim sim não sim não não original x

2006 Carros não x x x x não original x

2007 A Família do Futuro sim não sim sim parcialmente não literatura

cachorro e sapo

2007 Ratatouille -

PIXAR sim sim sim sim parcialmente não original rato

2008 WALL·E -

PIXAR não x x x x não original x

2008

Tinker Bell - Uma

aventura no mundo das

fadas não x x x x sim original x

2008

Romeu – O Vira-Lata

Atrapalhado sim sim não sim não não original x

2008 Bolt:

Supercão sim sim sim poucas não não original x

2009

Up - Altas Aventuras -

PIXAR sim não sim sim não não original x

2009

Os Fantasmas de Scrooge sim não sim não não sim literatura x

2009 A Princesa e o Sapo sim não sim sim parcialmente sim

conto de fada

jacaré e vagalume

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Ano Título no

Brasil Possui

Animais? São

principais?

Animais e humanos

interagem?

Apresentam ações não

pertencentes a animais?

Representam humanos?

Há magia?

Origem da

história

Tipos de animais

humanizados

2010 Enrolados sim não sim sim não sim conto de

fada x

Já foi mencionada a grande predileção de Disney pela utilização de animais

em suas animações, tendência que se manteve no estúdio mesmo após sua morte.

Das animações analisadas apenas 15% (nove animações) não possuíam nenhuma

aparição de animal (não estamos aqui avaliando o quão significativo o animal era

ou não na animação, sua simples presença já é suficiente para que a animação

seja considerada como possuindo animal), sendo que, desses, seis animações não

se passavam no mundo real, mas sim em mundos alienígenas, mundo de carros,

fadas, brinquedos, robôs etc. Ou seja, a presença de animais com humanos é

quase obrigatória nos filmes da Disney. Durante 48 anos todas as animações da

Disney possuíram animais, foi a partir de 1995 que tal regra foi alterada. É possível

talvez ligar tal fato com o surgimento de uma grande concorrente para o mundo da

animação, a Dreamworks fundada em 1994, o que pode ter contribuído para que

Disney e Pixar explorassem novos mundos para animação, em busca inclusive de

cada vez mais novidades para atrair o público, além de haver um possível reflexo

da mudança da sociedade moderna, explorando-se uma variedade maior de

elementos para ampliar a gama de sensações impostas aos espectadores.

Dentre os 85% (cinquenta animações) em que existe a presença de animais

a maioria (54%) são animações nas quais os animais são os personagens

principais, ou seja 45% do total de animações analisadas, o que revela não apenas

a predileção pela utilização de animais, mas também sua importância na trama.

Neste momento vale avaliarmos dentre as 50 animações mencionadas, a

questão do antropomorfismo para identificar a distribuição da representação

desses animais relacionando-os ao seu papel na trama:

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Gráfico 1 -

Distribuição das animações pelo nível de antropomorfismo apresentado pelos personagens

animais.

A maioria das animações (58%) que apresentam animais não os

representam como seres humanos, ou seja, mantêm suas principais características,

o que reafirma a tendência ocidental de representação de animais em fábulas5:

É acentuada a predileção dos antigos pelas personagens-animais para representarem vícios ou virtudes humanas. Há porém, diferenças entre as que povoam as fábulas de origem oriental e as das fábulas ocidentais. Nas primeiras (como em Calila e Dimna), os animais agem como seres humanos e em nada fazem lembrar os seres de sua espécie. Nas fábulas européias, os animais, embora falem como os homens, mantêm as peculiaridades naturais de sua espécie (é o caso da maioria das Fábulas de La Fontaine) (COELHO, 2000, pg. 107).

E se considerarmos que os 28% que representam apenas parcialmente

seres humanos estão mais próximos de uma representação animal, guardando

grande parte das características originais dos animais, mais se confirma tal

tendência. Isso não quer dizer que afirmo que animações que possuem animais

são fábulas, não é possível fazer tal generalização, entretanto é certo que se

aproximam delas quando de maneira geral buscam apresentar uma moralidade

trazendo à tona discussões relacionadas à inveja, preconceito, sociedade e

distinção entre bem e mal. Uma vez que foi identificada que a maioria das

5 Segundo Coelho (2000, pg. 165) fábula é a narrativa (de natureza simbólica) de uma situação vivida por

animais que alude a uma situação humana e tem por objetivo transmitir certa moralidade. O responsável por

seu surgimento no Ocidente foi o grego Esopo (séc VI a.C). A partir do séc. XIX, o racionalismo crescente vai

estabelecer fronteiras entre as formas literárias, e a fábula passou a ser definida como uma história de animais

que representam os homens, e que tem como finalidade divertir o leitor e ensinar-lhe uma moralidade. Ou seja,

não basta possuir animais, é necessário que estes transmitam uma moral.

Nível de representação de seres humanos por animais

58%28%

14%

não representam

representam parcialmente

representam completamente

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animações apresentam animais como personagens principais, é possível pensar

nessa moralidade sendo apresentada através dos animais, mesmo quando esses

não assumem completamente a posição de seres humanos, o que torna grande

parte das animações analisadas próximas ao que vemos como fábula, sendo

possível assim utilizar tal conceito para analisar os elementos da animação.

Poderíamos pensar em algumas animações em que a moralidade é passada

através dos animais: Pinóquio com o grilo que indica o que é certo e errado,

Dumbo e suas lições em relação ao preconceito, A Dama e o vagabundo revelando

questões sobre humildade, 101 Dálmatas ressaltando a importância da família, O

Cão e a Raposa ensinando sobre amizade, entre outros.

Como verificamos anteriormente, a maioria das animações apresenta

animais em suas histórias, e para identificar a relação entre grau de

antropomorfismo e importância do personagem na história foi feito aqui um

comparativo entre estes dois itens como pode ser observado no Gráfico 2:

Relação entre grau de antropomorfismo e importância do

personagem

55%

36%29%

45%

64%71%

Não

antropomorfizados

Parcialmente

antropomorfizados

Não são personagens

principais

São personagens

principais

Completamente

antropomorfizados

Gráfico 2 - Comparativo entre grau de antropomorfismo apresentado e importância do animal na história

O que é possível perceber a partir do gráfico é que quanto maior o nível de

antropomorfismo maior a tendência para que se tornem os personagens principais,

quando os animais não são antropomorfizados a tendência é que não sejam

personagens principais (55%), porém quando aumenta seu grau para parcialmente

antropomorfizado essa tendência inverte, onde a maioria (64%) dos animais são

personagens principais e essa tendência é ainda maior (71%) quando temos

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animais completamente antropomorfizados, ou seja os animais antropomorfizados

ganham destaque na trama, o que acaba por lhes atribuir novos papéis além

daqueles impostos pela natureza. Tal conclusão parece evidente, pois em

nenhuma animação é colocado um animal antropomorfizado para servir como

“figurante” como veremos adiante em relação aos animais de Lilo e Stitch ou Os

fantasmas de Scrooge, o que faz reafirmar o que facilmente se percebe nos filmes

e com os elementos da pesquisa até o momento: o animal antropomorfizado possui

razões para existir muito ligadas à narrativa e a uma mensagem a ser passada.

Além da questão da identificação mencionada anteriormente, ao decidir utilizar um

animal como personagem principal é necessário que o espectador encontre

elementos de semelhanças com esse personagem, o que apenas é possível

através de um certo nível de antropomorfismo.

Uma questão importante a ser destacada é que mesmo quando a

representação dos animais foi classificada como “não representa ser humano” isso

não quer dizer que todas as ações apresentadas pelo personagem em questão

sejam correspondentes a ações de animais, apenas em 10% (3 animações dentre

29) das animações com animais não antropomorfizados encontramos animais sem

nenhum traço que fuja daqueles encontrados na natureza. Temos nesse item o

cachorro de A Bela e a Fera, que possui uma aparição muito singela no filme, na

qual aparece apenas latindo e correndo para seu dono; em Lilo e Stitch aparecem

alguns animais marinhos nas cenas aquáticas, estes podem ser encarados

praticamente como cenário e não como personagens, servindo apenas como

ilustração do ambiente em que se encontra a menina; e, por fim em Os Fantasmas

de Scrooge aparece um cachorro roubando um pedaço de carne e alguns cavalos

puxando carroças, tal qual ocorre na realidade (Fig 05).

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Figura 5 - Animais não antropomorfizados que não apresentam característica alguma que fuja daquelas apresentadas por animais da natureza

Vejamos agora alguns exemplos de personagens que foram classificados

como não representando seres humanos em suas ações, mas que apresentam

alguns comportamentos que não são pertencentes aos animais, para compreender

o porquê ainda se mantiveram na classificação mencionada. Nessa situação

estariam os animais silvestres de Branca de Neve que ajudam a garota a limpar a

casa dos anões, porém respeitam as características físicas e limitações dos

animais, e não chegam a apresentar características humanas, ou seja, fogem um

pouco do que é esperado de animais, mas não apresentam elementos humanos

que os tirassem desta categoria. O mesmo acontece com A dama e o Vagabundo,

que são agraciados com um jantar romântico a luz de velas, ou com os macacos

em Tarzan, que possuem regras e uma sociedade bem estruturada, mas é própria

da espécie. Consideramos tais características como próprias de uma história de

ficção de animação, onde a aproximação com o fantástico é maior. Importante

ressaltar que foram classificados como não representando seres humanos as

animações que possuíam humanos transformados em animais como o caso de A

espada era a Lei, A nova onda do Imperador, Irmão Urso. Para o caso de A

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Princesa e o Sapo, a classificação como parcialmente representando humanos se

deu em função do jacaré que toca instrumentos musicais e não em função dos

sapos que na verdade eram seres humanos. Pois o objetivo da pesquisa é analisar

a representação de animais e nestes casos por questões mágicas temos na

verdade seres humanos, o que faz com que sejam esperados comportamentos

distintos daqueles normalmente apresentados por animais.

Figura 6 - Animais silvestres lavando roupa em A Branca de Neve

Quando analisamos as catorze animações onde os personagens animais

foram classificados como representando parcialmente seres humanos temos uma

diversificação maior na utilização dos personagens, temos animações nas quais os

comportamentos pertencentes aos seres humanos são pontuais, como é o caso da

cadela babá de Peter Pan, onde a personagem possui vestimentas próximas de

uma empregada humana e é a responsável por cuidar das crianças na ausência de

seus pais, os elefantes em Dumbo sendo responsáveis pela montagem do

picadeiro de circo, utilizando inclusive ferramentas humanas com suas vestimentas

ou Os Aristogatas, onde há a presença de gatos tocando instrumentos musicais,

muito próximo ocorre em A Pequena Sereia com o siri regente de uma orquestra,

em Doug com seu cachorro tocando piano, os sapos pertencentes a uma banda de

a Família do Futuro ou o jacaré tocador de trompete e fã de Blues em A Princesa e

Sapo.

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Figura 7 - Animais realizando ações de seres humanos: cadela de Peter Pan arrumando os brinquedos das crianças, Dumbo ajudando a montar o picadeiro de Circo e Sebastião com sua partitura prestes a reger uma orquestra em A Pequena Sereia.

Há também as animações onde o comportamento humano não é pontual,

mas sim alguns elementos de sociedade e realidade humana que são

transportadas para o filme, como exemplo temos os ratinhos e passarinhos em

Cinderela que conversam com ela, se vestem com roupas humanas

(confeccionadas pela garota), a acordam todos os dias, além de costurarem para

ela. Ou seja a somatória dos elementos faz com que assumam uma posição

diferente de animais naturais se aproximando de ações humanas. Mais

intensamente isso ocorre em Bernardo e Bianca onde há uma sociedade da ONU

própria para ratos, que se vestem como seres humanos e se ocupam de assuntos

importantes relacionados à segurança nacional, ou em As Peripécias do Ratinho

Detetive, onde há uma sociedade próxima ao que vemos no mundo dos humanos,

porém adaptada para realidade dos ratos, em Vida de Inseto algo semelhante

acontece, uma sociedade específica é criada onde o capitalismo impera, mas não

como na realidade humana, mas construída propriamente para insetos, onde a

moeda de troca são sementes, a cidade possui trânsito de insetos correndo e as

casas são latas velhas. Em Procurando Nemo temos uma escola própria para os

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peixes, ambientes destinados à residência, peixes com dentes e uma peixinha que

sabe ler. Em Ratatouille o rato não apenas é capaz de ler, mas também cozinhar e

apesar de não falar, se comunica muito bem com seu amigo humano.

Figura 8 - Paralelo entre a ONU dos humanos e a ONU dos ratos em Bernardo e Bianca. Ratinhos confeccionando o vestido para Cinderela.

Os animais completamente antropomorfizados são a minoria dentre as

classificações (7%), pois o critério para essa classificação também foi bem

restritivo, o animal precisa estar na realidade humana para ser categorizado como

tal. Temos em Alice no País das Maravilhas a cenas do chá, onde o principal

objetivo em optar pela utilização de animal antropomorfizado é de ressaltar o

fantástico6, pois estão vestidos como humanos, conversam naturalmente com Alice,

estão sentados à mesa se alimentando exatamente como humanos. A cena é curta,

porém não poderia ser classificada de outra maneira uma vez que as

características humanas se apresentam bem marcantes, inclusive representando a

6 Segundo Todorov (1981) o fantástico está pautado em uma oscilação entre real e imaginário, entre causas

naturais e sobrenaturais e isso se dá normalmente pela inserção de elementos não pertencentes à realidade

humana, onde há questionamento se de fato se trata de algo real. Poderia ser pensado que toda aparição de

animal antropomorfizado contribuísse para tornar uma obra fantástica, entretanto isso só ocorre quando isso se

torna o ponto de estranhamento de assombro e questionamento da realidade, por esse motivo os animais

antropomorfizados em Alice no País das Maravilhas servem de manutenção ao fantástico uma vez que são

mais um elemento a fazer que espectador e Alice se questionem sobre se o que vivem é real ou sonho, uma vez

que tais seres não são encontrados no mundo cotidiano da garota.

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loucura, pois a lebre é muito confusa em suas ações e palavras, e realiza ações

que não seriam normais para seres humanos ou animais. Em Ducktales e Pateta

os personagens antropomorfizados clássicos da Disney, apresentados em diversos

curtas são trazidos aos filmes de longa-metragem, temos patos e cães

respectivamente vivendo em mansões ou casas, voando em aviões, dirigindo carro,

brincando, comendo e se comportando tal como seres humanos, nada os distingue

de tal a não ser sua aparência física. O mesmo ocorre em Robin Hood que será

analisado mais adiante, e também em O Galinho Chicken Little onde é apresentada

uma comunidade de animais, sem uma espécie definida, mas todos vivem tal como

os seres humanos. No caso do filme O Cãozinho Esperto a classificação já seria

mais complexa, pois existe a consciência de que se trata de um animal

antropomorfizado, tanto que o principal objetivo do cachorro é se tornar um menino

de verdade. No entanto, não poderia deixar de entrar nessa categoria, pois não é

um ser humano, mas se veste como tal, frequenta escola, estuda, lê, canta e

conversa normalmente com outros seres humanos. São diversas as situações em

que animais recebem status de seres humanos, os tipos de narrativa e forma de

representação variam bastante como foi possível perceber nesse agrupamento.

Figura 9 - Chá com uma lebre em Alice no País das Maravilhas, patos em busca de tesouro em Ducktales e galo dirigindo um automóvel em O Galinho Chicken Little.

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A partir dos objetos analisados foi possível perceber que não existe uma

preocupação em explicar no contexto da narrativa como ou por que um animal foi

antropomorfizado, ele simplesmente possui tais características. Mesmo quando há

interação desses personagens animais com seres humanos, estes não parecem

questionar ou estranhar as características dos animais, salvo raras exceções como

o caso de Ratatouille onde o personagem humano acha estranho encontrar um

rato que cozinha e com o qual ele consegue se comunicar, ou em Alice no País

das Maravilhas, pois o mundo ao qual a garota é levada é questionável como um

todo, e a construção da narrativa existe justamente para que seja questionado o

que foge à realidade. Ao contrário do que seria normal pensar, não existe uma

proporção crescente relacionada ao grau de antropomorfismo e presença de magia

nas animações, como pode ser verificado no Gráfico 3:

Gráfico 3 - Comparativo entre grau de antropomorfismo e presença de magia

Apesar de não existir uma proporcionalidade percebe-se uma relação

contrária entre presença de magia nas animações com animais não

antropomorfizados e nas animações com animais completamente

antropomorfizados. É possível pensar nesses extremos como resultado do

delineamento de uma realidade específica, sendo que no primeiro caso estão mais

próximas do mundo real, com animais comuns e sem magia, já no extremo oposto

teríamos o mundo diferente do que existe realmente, onde os humanos são

representados por animais e a magia faz parte do cotidiano. Ressaltando que

nestes casos a atribuição de antropomorfismo não estava relacionada com a magia,

Relação de antropomorfismo com presença de magia

59%

71%

43% 41%

29%

57%

Não antropomorfizado

Parcialmente antropomorfizado

Completamente antropomorfizado

Sem Magia Com Magia

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esta apenas estava presente em situações diversas e não na humanização dos

animais. Já para o caso de animais parcialmente antropomorfizados a quantidade

de animações em que não há presença de magia é muito maior o que está

relacionado diretamente com a origem da história. Pois, em algumas das

animações onde há classificação de animais como parcialmente antropomorfizados

estes estão ligados a contos de fada. E apenas nesta situação é que há presença

de magia. Nas demais, há maior proximidade com a realidade, como mencionado

anteriormente mesmo quando o animal é pertencente a essa categoria significa

que está muito próximo dos animais reais com ações pontuais não pertencentes a

estes ou há a criação de um mundo próprio para estes animais de animação, mas

nesse caso o objetivo é representar como se fosse o mundo real das espécies em

questão como se fosse esse o mundo natural vivido por estes animais e que nós

humanos não temos conhecimento criando uma ilusão momentânea de que isso

não seria fantasia e sim realidade.

Um importante item a ser analisado quando falamos de antropomorfismo é a

origem da história. No Gráfico 4 é possível verificar as diferentes origens das

animações selecionadas para o estudo:

Origem da história

40%

34%

12%

7%3% 2% 2% história original

literatura

conto de fadas

lenda

peça teatral

conto arábe

mitologia grega

Gráfico 4 - Distribuição das animações em função da origem da história

A maioria das animações (40%) analisadas é de histórias originais. Foram

classificadas como originais os filmes que não tiveram como base história ou

personagens pré-existentes. Mesmo quando a animação preserva pouco de seu

original, ainda assim não foi classificada como história original, pois possui raízes

que não apenas a mente de seus autores. Ou seja, quando existe algum indício de

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origem em história pré-existente não entrou nessa classificação, pois para análise

do antropomorfismo das animações é importante distinguir o que foi feito

exclusivamente para animação no que diz respeito às características dos animais e

o que faz parte da sua história de origem. Surrell (2009) exemplifica que a Dama e

o Vagabundo, O Rei Leão e Lilo e Stitch seriam histórias originais. Na classificação

aqui apresentada apenas Lilo e Stitch seria classificado dessa forma, pois O Rei

Leão na verdade foi ligeiramente inspirado por Hamlet, peça teatral de

Shakespeare. Dama e o Vagabundo possui influências de um conto de Ward

Greene: “Happy Dan, the Cinical Dog”, que inspirou a personalidade do

personagem Vagabundo. Das vinte e quatro animações classificadas como

originais, nove (37,5%) foram desenvolvidas pela Pixar. Segundo John Lasseter

em seu depoimento para o DVD A História de Disney e Pixar (2011), essa foi

justamente a proposta da Pixar, focar em criação de histórias e personagens nunca

antes vistos. Outro ponto importante é que a primeira história original foi produzida

apenas 53 anos após o primeiro longa de animação, revelando certo

conservadorismo do estúdio e predileção pelas adaptações e que a mudança

dessa tradição pode ser pensada como um amadurecimento, uma vez que já havia

uma estabilidade financeira e de público.

Na sequência são as histórias baseadas na literatura (34%) que se

destacam na classificação de sua origem. Algumas histórias são de adaptações

mais próximas da história original e já amplamente conhecidas pelo público, como

por exemplo: Pinóquio, Alice no País das Maravilhas, O Cão e a Raposa, Os

Fantasmas de Scrooge. Em contrapartida, outras tomam como base apenas algum

elemento da história ou do personagem, por exemplo: Oliver e sua turma, A Dama

e o Vagabundo, As peripécias do Ratinho Detetive. Porém independente da maior

ou menor proximidade do original, uma coisa é certa em todas as animações há o

desenvolvimento próprio de Disney tanto na história quanto nos personagens.

Também muito representativo como base das animações encontram-se os

contos de fadas (12%). Talvez muito mais pelo seu sucesso e tradição do que pela

quantidade produzida propriamente dita. Em sua maioria, as adaptações são dos

contos dos irmãos Grimm, clara predileção do estúdio (quatro das sete animações).

O sucesso desta fórmula é tão evidente que se mantém constante o lançamento

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deste tipo de animação pelo estúdio, com praticamente uma animação baseada em

conto de fada por década. Bruzzo (1996) destaca que:

Os contos de fada, as narrativas folclóricas e as fábulas acompanham a humanidade desde tempos que ficaram há muito para trás. Como produtos da imaginação dos homens, sofrem os efeitos da dinâmica das sociedades e se transformam com elas. Assim, é muito acertada a máxima: “quem conta um conto aumenta um ponto (Bruzzo, 1996, p. 179).

Tal tendência fica evidente nas versões de Disney, como já apontado

anteriormente. Porém pode-se perceber também que com o passar do tempo a

ousadia para adaptação ficou maior. As três primeiras (Branca de Neve e os Sete

Anões, Cinderela e a Bela Adormecida) apresentam grande parte dos elementos

da história original. Já no caso de A Pequena Sereia e a Bela e a Fera a essência é

mantida, porém há uma considerável inserção de novos elementos.Quando

entramos no século XXI, com as animações A Princesa e o Sapo e Enrolados, o

rompimento com o original é significativo nestes casos, apresentando uma

construção da história numa versão completamente atualizada. Tonin (2012) traz

uma discussão em relação a essa atualização de contos de fada como um

“espelho do homem contemporâneo” onde seriam reveladas tendências da

sociedade atual. A partir dos elementos7 apresentados como foco de alteração

nessas novas versões pode-se identificar nas duas animações as seguintes

alterações: o desencantamento, em Enrolados apesar da magia ainda estar

presente, o esforço físico e as trapalhadas são o grande destaque da trama, e na

Princesa e no Sapo a magia é justificada pela religião e elementos espirituais e não

o encanto pelo encanto. Além disso, em ambas animações é possível verificar a

significativa alteração do papel representado pelas mulheres e consequentemente

pelos homens. Estas não são mais figuras indefesas que necessitam de

salvamento, mas, sim, senhoras de suas ações. Ao homem, portanto, é consentida

a permissão para o erro e a necessidade de ser ajudado. Com isso fica evidente

7 Os temas recorrentes apresentados por Tonin (2012) são: necessidade da revelação da verdade, de um fato

oculto, como se nas versões anteriores houvesse algo escondido. Conseqüentemente, o segundo tema liga-se a

um desencantamento, como se a verdade fosse revelada para levar ao conhecimento de um mundo mais real do

que fantástico. O terceiro tema é questão da mulher como nova heroína, há toda uma nova compreensão do

papel que ela representa, do conhecimento e poder que possui. Por derivação, como quarto tema evidencia-se o

papel e perfil do homem, do herói invencível torna-se apenas homem. Por fim a questão do corpo ligadas a

noções de aparência, forma e saúde.

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que Disney se atualiza com as tendências da sociedade não ficando simplesmente

alheio em suas fórmulas de sucesso.

Em seguida temos algumas histórias pautadas em lendas (7%), que em

alguns casos tratam-se apenas de lendas ligadas a personagens, passeando por

culturas e realidades bem distintas. O que reforça a versatilidade na criação de

histórias.

Com menor representatividade, por fim, há animações com base em peça

teatral (3%), mitologia grega e conto árabe, representando 2% cada. Ou seja,

inspirações para as histórias não são restritas. Vejamos a relação da origem da

história com a antropomorfia dos animais a partir do Gráfico 5, onde foram

consideradas as quatro origens mais recorrentes das histórias:

Gráfico 5 - Comparativo entre nível de antropomorfismo e origem da história

A partir da distribuição apresentada no gráfico, não é possível identificar

relação entre origem da história e o grau de antropomorfismo. Apenas é possível

identificar algumas possíveis indicações de tendências. No caso de histórias

baseadas em literatura e contos de fadas, encontramos a maior proporção de

animais não antropomorfizados, o que pode fazer pensar que nas histórias

originais eles de fato existissem dessa maneira e os produtores das animações

optaram por mantê-los assim. No caso das histórias baseadas em lenda, olhando a

29%

38%

17%

17%

5%

55%

30%

10%

-

57%

-

43%

25%

50%

-

25%

Original Literatura Contos de Fada

Lenda

Distribuição do nível de antropomorfização em relação a origem da história

completamente antropomorfizado

parcialmente antropomorfizado

não antropomorfizado

sem animal

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proporção é possível imaginar como a maior tendência à antropomorfização

completa. Mas em números absolutos, isso não seria de fato uma realidade, não

sendo possível ser concluído como tendência.

Com o levantamento realizado, identificou-se a forte presença de ratos nas

animações, o que não seria difícil de supor uma vez que o personagem principal

que representa o estúdio é justamente um rato, o Mickey Mouse. Das 59

animações analisadas este pequeno roedor esteve presente em seis animações, o

que pode parecer pouco, mas, se pensarmos que nas animações cinco possuíam

cachorros e três possuíam gatos. As demais animações apresentam espécies

variadas: animais silvestres, tigre, sapo, peixe, raposa, elefante, coruja, coelho,

cobra, etc. Os roedores em sua maioria (cinco) são animais parcialmente

antropomorfizados que ou aparecem em uma sociedade específica como o caso

de Bernardo e Bianca e As peripécias do ratinho detetive ou são amigos dos

personagens principais como em Dumbo, Cinderela e Ratatouille.

É comum ao estudar animações e mais especificamente as de Disney ouvir

comentários sobre os animais humanizados produzidos pelo estúdio, entretanto no

momento de organizar o que de fato é um animal humanizado, percebemos que tal

generalização não é de fato correta uma vez que a maioria das animações nas

quais há presença de animais esses preservam grande parte de suas

características naturais. Entretanto é fato que os animais são presença quase

obrigatória, estando fora das animações apenas em poucas animações que às

vezes sequer apresentam seres humanos, como por exemplo, Wall- e onde todos

os personagens são robôs. Os tipos de comportamentos são bem variados,

entretanto, no caso das animações em que havia animais classificados como

parcialmente antropomorfizados comportamentos relacionados com atividades

musicais chamam atenção, deixando clara a união por dois elementos bastante

explorados por Disney: a música e os animais. Outra grande tendência para esses

casos é a construção de uma sociedade específica para a espécie, que não é a

sociedade humana, mas a representa a partir de elementos próprios, gerando a

questão como isso é construído? Como é apresentada a linha entre humano e

animal nesta sociedade? Já nos casos de utilização de animais completamente

antropomorfizados fica a pergunta: por que optar pela utilização de animais ao

invés de seres humanos?

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CAP. 2 - CONDIÇÃO HUMANA A PARTIR DE ANIMAIS

A presença dos animais nas animações da Disney é quase obrigatória como

podemos verificar até o momento; já a interação de animais antropomorfizados

completamente e seres humanos é mais rara. Se uma das condições para que um

animal seja considerado completamente antropomorfizado é estar ocupando o

lugar de um ser humano como fica essa questão no caso de existirem humanos e

animais completamente humanizados em uma mesma animação? Dentre a

listagem de filmes levantados os únicos filmes em que isso acontece são Pinóquio

e Alice no País das Maravilhas, porém uma vez que o segundo se passa em um

mundo declaradamente fantástico e não numa imitação da realidade humana,

optamos por analisar Pinóquio em busca de verificar tal questão.

2.1 Pinóquio

Pinóquio é uma animação estadunidense de longa-metragem produzida em

1940, por Walt Disney, para o cinema. Trata-se da história de um entalhador

solitário que conta com a companhia de seu gato Fígaro e de sua peixinha Cléo e

que fez um lindo boneco de madeira a quem deu o nome de Pinóquio. Certa noite

antes de dormir faz um pedido para uma estrela de que seu boneco se tornasse

um menino de verdade. Seu desejo é parcialmente atendido pela Fada Azul, que

dá vida ao boneco, mas que coloca nas mãos deste a responsabilidade de

concretizar de fato o desejo de Gepeto. Para isso contará com a ajuda de um

pequeno Grilo falante que é nomeado como sua consciência. Já em seu primeiro

dia fora de casa, em função de sua ingenuidade é desviado do caminho do bem e

passa a se envolver em inúmeras confusões, como ser preso por um diretor de

teatro de marionetes e ser levado para uma terra na qual tudo é permitido, mas que

ao final os meninos são transformados em burros. Com a ajuda do Grilo consegue

escapar das confusões e voltar para casa, momento no qual descobre que seu pai

foi devorado por uma baleia, mas ainda assim está vivo. Pinóquio então arrisca sua

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vida e salva Gepeto, provando assim sua virtude e sendo transformado em um

menino de verdade.

Para analise dos personagens tomaremos como base as esferas de ações

dos personagens propostas por Propp (1984):

1. Antagonista - gera dano ou luta com o herói;

2. Doador - prepara ou transmite o objeto mágico;

3. Auxiliar - dá o suporte ao personagem para seu deslocamento, repara um

dano ou uma carência, salva ou ajuda o herói em momentos de dificuldade;

4. Princesa - compreende a transposição de tarefas difíceis, a imposição de

um estigma, o desmascaramento, o reconhecimento, o castigo do malfeitor e o

casamento;

5. Mandante - envio do herói;

6. Herói - compreende a partida para realizar a procura, a reação perante as

exigências do doador, casamento;

7. Falso herói - compreende a partida para realizar a procura, a reação

perante as exigências do doador, sempre negativa e com pretensões enganosas.

Somando Greimas apud Aumont (1995)8,que apresenta um modelo actancial

em seis termos onde encontra-se:

1. Sujeito - herói;

2. Objeto - que pode ser a pessoa em busca de quem o herói parte - não

existe correspondente exato na versão de Propp, mas pode ser visto como uma

atualização da função da princesa e seu pai;

3. Destinador - o que estabelece a missão, a tarefa ou a ação a ser realizada

- mandante na versão de Propp;

4. Destinatário - o que recolherá os frutos da tarefa realizada;

5. Oponente - que atrapalha a ação do herói - malfeitor na versão de Propp;

6. Adjuvante - que ajuda o herói - auxiliar na versão de Propp.

Segundo Aumont (1995) Greimas define como actante aquele que só

cumpre uma função ao longo da história e ator aquele que cumpre muitas. Propp já

havia identificado isso também, mas Greimas organiza essa idéia. Segundo ele os

8 Optamos pela utilização dos dois teóricos por entender que, apesar da afirmação de que as funções dos

Contos Maravilhosos atendem bem à estrutura de um filme de ficção na análise inicial, percebemos que não

atende a todas as variações, assim sendo necessário uma união das teorias para completar uma compreensão no

caso de análise das animações,

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actantes são um número finito e permanecem invariáveis, já os personagens não

possuem essa limitação.

O que é normalmente chamado de riqueza psicológica de um personagem muitas vezes só provém da modificação do feixe de funções que ele cumpre. Essa modificação não se opera com relação à realidade, mas com relação a um modelo preexistente do personagem, onde certas ligações actanciais, geralmente admitidas, são abandonadas em proveito de combinações inéditas (AUMONT, 1995, p.132).

Assim em Pinóquio encontramos:

- Pinóquio (no caso de Disney o herói/sujeito, porém na versão de Collodi pode-se

pensar nele como um tipo de antagonista e a partir da definição de Greimas seria

também o Objeto e o Destinatário, pois seu principal objetivo é encontrar o menino

em seu interior, o que implica a esse personagem um alto grau de complexidade)-

marionete de pau, que busca ser um menino de verdade e passa por diversas

aventuras ao ser enganado por João Honesto;

- Gepeto (auxiliar/ adjuvante podendo ser pensado também como destinatário uma

vez que seu desejo é que Pinóquio se torne um menino de verdade e o sucesso da

ação traz frutos diretos a esse personagem) - simpático senhor solitário que

entalha objetos em madeira;

- Grilo falante (auxiliar/ adjuvante)- grilo antropomorfizado que se torna a

consciência de Pinóquio;

- Fígaro (sem esfera de ação) - gato ciumento e birrento companheiro de Gepeto;

- Cléo (sem esfera de ação) - peixinha doce e simpática companheira de Gepeto;

- Fada Azul (doador e mandante/destinador)- Fada que realiza o desejo de Gepeto

e ajuda Pinóquio em diversas situações;

- João Honesto (antagonista) - raposa antropomorfizada que tira Pinóquio do

caminho do bem, em prol de adquirir recompensas financeiras;

- Gideão (antagonista/ oponente) - gato antropomorfizado, parceiro trapalhão de

João honesto, que não fala nada durante todo o filme;

- Stromboli (antagonista/ oponente) - dono do teatro de marionete que se aproveita

de Pinóquio para fazer dinheiro e acaba por lhe prender evitando assim perder sua

nova fonte de renda;

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- Cocheiro (antagonista/ oponente) - homem gorducho que negocia com João

Honesto a compra de inúmeros meninos a serem levados à ilha dos prazeres, para

então transformá-los em burros para vendê-los;

- Espoleto (falso herói) - menino malcriado que foi para ilha dos prazeres e se torna

o amigo de Pinóquio, acaba transformado em burro;

- Baleia Monstra (antagonista/ oponente)- enorme baleia que devora Gepeto.

É possível notar uma complexidade maior para os personagens que

acumulam funções fazendo parte de mais de uma esfera de ação.

O filme é baseado em As aventuras de Pinóquio, do italiano Carlo Collodi,

de 1881, descrita por Coelho (2000) como uma novela da literatura infantil clássica,

devido a sua característica longa e em capítulos. Pouco dessa característica restou

na versão animada, onde não houve exploração de tantas aventuras, apenas de

três centrais: o teatro de marionetes, a ilha dos prazeres e a baleia Monstra. Alguns

episódios da história original encontram-se diluídos ao longo desses três principais,

como Pinóquio pegando fogo e o nariz que cresce ao mentir. Porém, outro aspecto

destacado por Coelho (2000) é que Pinóquio faz parte de uma narrativa

transformada para a era do Romantismo 9 , expressando um estilo

racionalista/romântico e no caso de Pinóquio temos uma narrativa híbrida

resultando da fusão da linguagem realista com a simbólica 10 (mantendo uma

estrutura dos contos maravilhosos como poderá ser verificado mais adiante), o que

será também refletido na animação, sendo quesito de animais antropomorfizados

que representam completamente seres humanos conviverem em uma realidade

humana, inclusive com interação direta entre as espécies um indício desta

tendência.

9 Romantismo foi um movimento artístico que sucedeu o Classicismo, teve início no final do século XVIII e

se estendeu por grande parte do século XIX. Sua característica principal era o racionalismo. Segundo Coelho

(2000) o indivíduo passa a ser valorizado pelo que ele é, sabe ou faz, e não mais pela classe social a que

pertence. A novidade maior seria a preocupação de realismo, sua intenção de expressar a vida realmente vivida

pelos homens A autora ressalta também que até essa época não existia literatura escrita especificamente para a

infância e a juventude, algo parecido ocorreu com a representação de crianças nas artes plásticas até o século

XII pois segundo Ariés (1981) estas eram vistas como pequenos adultos em um período de transição que logo

seria ultrapassado, mas foi a partir daí que começaram a perceber melhor as especificidades dessa fase humana.

Talvez algo similar tenha acontecido a literatura quando durante os séculos XVIII e XIX identificou-se a

necessidade de adaptar a literatura adulta especificamente para as crianças. As Aventura de Pinóquio seria um

exemplo de obra desenvolvida já em seu original especificamente para crianças. 10

Coelho (2000) afirma que na ficção contemporânea surge uma forma híbrida. Seria essa uma linguagem

usada pela ficção do Realismo Absurdo ou do Realismo Mágico, no qual o cotidiano mais comum passa a

conviver com um elemento maravilhoso que na história é vista como natural.

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Assim como em Branca de Neve a versão de Disney é mais amena que a

original, onde Pinóquio é descrito como “uma personagem visualmente concebida

para despertar ternura. É sua ingenuidade que o desvia do caminho justo, que lhe

é indicado pelo Grilo Falante.” Bruzzo (1996, p. 240). Porém ainda assim guarda

características primordiais de burlar as regras impostas e buscar o caminho mais

fácil, que definem a narração, deixando claro o tom educacional da história.

A animação poderia ser facilmente dividida em 5 momentos centrais:

introdução, as 3 aventuras citadas anteriormente e a conclusão.

A introdução se estende por 30 minutos, e é composta pela apresentação

dos personagens: Grilo Falante, Fígaro, Cléo, Gepeto e Pinóquio. Equivaleria ao

que Propp (1984) descreve como situação inicial11. No caso da animação esta

introdução representa 1/3 do filme, explorando não apenas as características dos

personagens, mas também a riqueza da animação, a casa de Gepeto possui

inúmeros detalhes, cada cantinho possui um belo objeto bem desenhado para

ornar a cena, muitos elementos entalhados em madeira que tornam o cenário

fascinante, além das cenas musicais que animam e tornam mais divertida a história.

O ambiente apesar de não ser muito claro, pois representa a iluminação fraca da

luz de uma vela, possui uma imensidão de cores nos objetos de Gepeto.

Figura 10 - detalhes da casa de Gepeto

11

Onde os membros da família e o herói são apresentados.

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Figura 11 - Evidência dos relógios que indicam a atividade laboral de Gepeto

Neste momento fica clara a conjunção entre real e simbólico/ fantástico

apontado anteriormente, pois na cena é a realidade que prevalece, a situação

econômica evidenciada pela casa pequena ocupada pelos seus objetos de

sobrevivência, a profissão de Gepeto com sua produção exposta pela casa, sua

solidão com a casa vazia, mas ao mesmo tempo temos o Grilo falante em todo

momento e a chegada da Fada que dá vida a Pinóquio e faz com que possamos

pensar na história como um conto de fada:

Com ou sem a presença de fadas (mas sempre com o

maravilhoso), seus argumentos desenvolvem-se dentro da magia

feérica (reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, gênios, bruxas,

gigantes, anões, objetos mágicos, metamorfoses, tempo e espaço

fora da realidade conhecida etc.) e têm como eixo gerador uma

problemática existencial. Ou melhor têm como núcleo problemático

a realização essencial do herói ou da heroína, realizações que, via

de regra, está visceralmente ligada à união homem-mulher

(COELHO, 1987:13).

No caso de Pinóquio isto é evidenciado não apenas pela presença da fada,

mas também pela questão existencial e a trajetória para superar uma condição

inicial atingindo uma nova forma de existência.

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O momento que chamamos de introdução apresenta cenas mais longas,

propiciando explorar características da personalidade dos personagens e do

ambiente em que se encontram. Os diálogos são poucos, sendo as canções bem

presentes nessa seqüência.

Uma vez identificado como Conto de Fadas para analisar o conteúdo do

filme é possível utilizar a estrutura de funções propostas por Propp (1984, p. 19 -

37) que segundo ele seriam a base morfológica dos contos de magia em geral, de

forma simplificada estas seriam:

I - Um dos membros da família sai de casa (definição: afastamento)

II - Impõem-se ao herói uma proibição (definição: proibição)

III - A proibição é transgredida (definição: transgressão)

IV - O antagonista procura obter uma informação (definição: interrogatório)

V - O antagonista recebe informação sobre sua vítima (definição: informação)

VI - O antagonista tenta ludibriar sua vítima e apoderar-se dela ou de seus bens

(definição: ardil)

VII - A vítima se deixa enganar, ajudando assim, involuntariamente seu inimigo

(definição: cumplicidade)

VIII - O antagonista causa dano ou prejuízo a um dos membros da família

(definição: dano)

VIII-A - Falta alguma coisa a um membro da família, ele deseja obter algo

(definição: carência)

IX - É divulgada a notícia do dano ou carência, faz-se um pedido ao herói ou lhe é

dada uma ordem, mandam-no embora ou deixam-no ir (definição: mediação,

momento de conexão)

X - O herói-buscador aceita ou decide, reagir (definição: início da reação)

XI - O herói deixa a casa (definição: partida)

XII - O herói é submetido a uma prova; a um questionário; a um ataque, etc., que o

preparam para receber um meio ou um auxiliar mágico (definição: primeira função

do doador)

XIII - O herói reage diante das ações do futuro doador (definição: reação do herói)

XIV - O meio mágico passa às mãos do herói (definição: fornecimento - recepção

do meio mágico)

XV - O herói é transportado, levado ou conduzido ao lugar onde se encontra o

objeto que procura

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XVI - O herói e seu antagonista se defrontam em combate direto (definição:

combate)

XVII - O herói é marcado (definição: marca, estigma)

XVIII - O antagonista é vencido (definição: vitória)

XIX - O dano inicial ou carência são reparados (definição: reparação do dano ou

carência)

XX - Regresso do herói (definição: regresso)

XXI - O herói sofre perseguição (definição: perseguição)

XXII - O herói é salvo da perseguição (definição: salvamento, resgate)

XXIII - O herói chega incógnito à sua casa ou a outro país (definição: chegada

incógnito)

XXIV - Um falso herói apresenta pretensões infundadas (definição: pretensões

infundadas)

XXV - É proposta ao herói uma tarefa difícil (definição: tarefa difícil)

XVI - A tarefa é realizada (definição: realização)

XVII - O herói é reconhecido (definição: reconhecimento)

XVIII - O falso herói ou antagonista ou malfeitor é desmascarado (definição:

desmascaramento)

XXIX - O herói recebe nova aparência (definição: transfiguração)

XXX - O inimigo é castigado (definição: castigo, punição)

XXXI - O herói se casa e sobe ao trono (definição: casamento)

Então passamos para a primeira aventura de Pinóquio propriamente dita que

dura 20 minutos:

I - Pinóquio deve ir para escola, vale novamente observar o teor realista da

situação, o afastamento ocorre tal como na sociedade;

II - no caso de Pinóquio a proibição não é verbalizada, mas a ordem seria:

“Não deixar de ir à escola”;

Na verdade no caso de Pinóquio há uma inversão da ordem, pois a

transgressão da proibição só ocorre após ser ludibriado pelo antagonista,

lembremos que Disney desejou criar um personagem ingênuo e não malandro

como na história original, assim temos:

VI - João Honesto ludibria o herói falando e encantando Pinóquio com

histórias sobre a glória e fama no teatro;

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VII - Pinóquio se deixa enganar no momento em que concorda em ir para o

teatro ao invés da escola;

Então com isso:

III - Pinóquio vai ao teatro transgredindo a proibição.

A função IV (o antagonista busca obter informação de sua vítima) e V (o

antagonista recebe informação) ocorrem de maneira indireta com João Honesto

observando Pinóquio e vendo que se trata de um boneco de pau com vida e

conclui que pode tirar proveito da situação assim apesar de não buscar informação

através de questionamentos o faz através de observação que faz com que passe a

um estágio em que já possui a informação.

VIII - João Honesto não causa dano a um dos membros da família

diretamente, nesse caso é Pinóquio que se coloca na situação de prejuízo por

vontade própria e acaba preso, assim sendo não apenas João Honesto e Stromboli

são antagonistas, mas o próprio Pinóquio que infringe dor ao seu pai devido ao seu

sumiço, gerado por sua própria desobediência, o que retoma as características de

Antagonista do personagem de Collodi.

IX - A carência é o próprio Pinóquio que faltou com seu compromisso de ser

bom para poder tornar-se um menino de verdade, assim lhe é dada uma nova

chance, novamente o mundo maravilhoso volta à cena com o nariz de Pinóquio

crescendo magicamente quando mente e com a fada o libertando. Representando

também alguns elementos das funções de X a XVIII relacionadas ao objeto mágico

e ao doador mágico. Até que por fim:

XIX - Pinóquio é solto e pode voltar para seu pai e assim reparar o dano

causado.

Grande parte dessa aventura se passa em um ambiente externo, aonde

passeiam pela cidade, a quantidade de detalhes se comparada com a sequência

anterior é menor, mas ainda assim é possível notar o capricho e cuidado com o

cenário, das vielas italianas.

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Figura 12 - Detalhes do cenário

A luz é mais intensa, se comparada com a seqüência anterior (iluminação

por vela), devido ao ambiente externo. Ainda em comparação com a introdução é

possível notar que a quantidade de interações entre os personagens através do

diálogo também é maior.

Figura 13 - Diferença do tipo de iluminação entre ambiente externo e interno.

Uma cena muito sombria seria a que Gepeto sai durante a noite chuvosa.

Segundo análise apresentada nos extras do DVD de Pinóquio, esse seria um

exemplo de como a essência sombria de conto de fadas foi mantida por Disney,

bem como a cena em que Pinóquio é preso em uma pequena gaiola na carroça de

Stromboli, escuridão e raios tomam conta da cena.

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Figura 14 - Cenas sombrias da animação

É possível notar em alguns momentos a amplitude do espaço em função do

posicionamento da câmera, quando, por exemplo, um plano geral a partir de um

ângulo superior é apresentado, ampliando o espaço fílmico e revelando a cidade

que se tem ao redor, como se a história acontecesse independente da câmera e

esta existisse apenas para registrar o ocorrido e não o contrário. A animação se

estabelece assim de uma forma mais real, como se de fato a imagem que passa na

tela tivesse sido filmada a partir de uma situação cotidiana, o que no caso da

animação é evidente ser impossível, pois, apesar da câmera ser utilizada, tudo que

é visto na tela depende da mão do artista que inclusive dá essa impressão de

diferença de posicionamento de câmera.

Figura 15 -Câmera em posicionamento superior

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Já no momento em que estão no teatro de marionetes o cenário é mais

simples e a iluminação própria de teatro, ou seja, há um foco de luz nos elementos

de interesse, apresenta-se uma quantidade de planos conjuntos focados apenas

nos personagens e não mais em um ambiente geral, pois o interesse aqui é

apenas a ação, além de acentuar a dramaticidade presente.

Figura 16 - No teatro cenário mais simples e ponto de luz focal

Dando sequência às funções do Conto Maravilhoso, nota-se que não

ocorrem as funções XX, XXI e XXII, porém há a repetição das funções III e VIII a

XVIII, quando se dá início à nova aventura de Pinóquio que o levará à Ilha dos

Prazeres. Nesta podemos notar que algumas alterações no ambiente são

implicadas na imagem que é apresentada, a cena de negociação entre João

Honesto e o cocheiro ocorre em sua maior parte em primeiro plano, com

iluminação fraca (com destaque apenas para os personagens) e com leve névoa

(causada pelo fumo dos três personagens) encobrindo o local, o que

provavelmente traz maior tensão à cena.

Figura 17 - Cena em primeiro plano onde o cenário está na escuridão

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No momento em que Pinóquio reencontra João Honesto é noite e os

detalhes da cidade não são tão explorados quanto anteriormente, talvez uma

economia de desenhos, afinal o espectador já pode construir o ambiente em sua

cabeça. Porém isso muda quando chega-se a Ilha dos Prazeres, a trilha sonora e

os detalhes nas imagens contribuem para criar a atmosfera maravilhosa

empregada pelo ambiente. Por fim na cena dramática em que Espoleto se

transforma em Burro e Pinóquio precisa fugir novamente a luz mais fraca esta em

cena com ambiente mais sombrio.

Figura 18 - Cenas contrastantes entre o mundo maravilhoso e o sombrio

Não há também as funções de XXIII e XXIV, assim passa-se direto para a

seguinte.

XXV - Proposta ao Herói uma tarefa difícil - que na verdade não é imposta,

mas demonstrada uma situação problema a qual Pinóquio decide agir, que seria o

resgate de seu pai de dentro do estomago da baleia Monstra.

XXVI - A tarefa é realizada - Pinóquio consegue salvar sua família.

Uma vez que Pinóquio é um misto de herói e antagonista, podemos pensar

que XXVII onde o herói é reconhecido, e XXVIII onde o falso herói é desmascarado,

seriam representados pela superação do estigma do personagem, sendo

finalmente de fato apresentado como herói de bom coração e corajoso. Até que por

fim temos XXIX o herói recebe nova aparência, onde o objetivo final é atingido e o

boneco se torna menino de verdade.

Nesta última seqüência há grande destaque para as cenas submarinas

enquanto Pinóquio e Grilo procuram a baleia, um novo ambiente é apresentado

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estão submersos, andam mais devagar em função da resistência da água, o

ambiente é mais claro, mas pouco colorido, exceto pelos peixes que cruzam o

caminho dos personagens. Afinal novamente a cena deve estar impregnada de

perigo e a ausência de cor pode contribuir sutilmente para isso.

Figura 19 - Ambiente submarino sem grande destaque de cores

Com esta análise é possível perceber que apesar de não ter sido concebido

como um conto maravilhoso o romance de Collodi se enquadra muito bem em sua

estrutura, com pequenas variações (comum em todos os contos) e que na versão

de Disney, mesmo apresentando elementos condensados a estrutura geral pode

ser bem enquadrada com a proposta de Propp.

A partir dos elementos simbólicos de Pinóquio é possível pensar em seu

conteúdo ligado inclusive aos Contos de Fada, segundo definição de Coelho (1987),

onde diz que tais contos possuem a presença de fadas e dizem respeito a uma

problemática existencial, onde o herói busca uma auto-realização, tal como ocorre

em Pinóquio. Ou seja, apesar de vir em uma época na qual esses contos estavam

sucumbindo ao romance, e até poder ser visto como tal no caso de Pinóquio, o teor

híbrido se mantém fortemente.

Uma das formas de evidenciar o teor híbrido apontado por Coelho (2000)

seria a utilização de seres inanimados que adquirem vida e falam ou agem como

humanos ou pela presença de animais representando ideias, estes vivenciariam

situações exemplares, como ocorre nas fábulas. No caso de Pinóquio encontram-

se as duas situações, porém para os objetivos da pesquisa seria a utilização de

animais que mais chama a nossa atenção.

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Para um aprofundamento nas questões relativas ao antropomorfismo dos

animais, foram escolhidas três personagens para análise: O Grilo Falante devido à

sua representatividade na animação e repercussão anos ainda após sua aparição

em Pinóquio (sendo utilizado em outras animações do estúdio), João Honesto, por

se tratar do vilão do filme que tem seu correspondente também animal na literatura

de Collodi e por fim o gatinho Fígaro, criado especialmente para a animação da

Disney, além de possuir uma representação diferente de antropomorfismo, sendo

tal conjunção de representações difícil de ser encontrada nas demais animações.

2.1.1 Um Grilo que fala

Grilo Falante, personagem que na literatura não possuía grande destaque

mas, na animação foi concebido de forma a ser um personagem importante,

conforme declara Ollie Johnston nos créditos do DVD do 70º aniversário de

Pinóquio: “ele acabou sendo o coração da história ao invés de ser esmagado com

um martelo, como foi na versão original de Collodi”. Nos 36 capítulos do livro de

Collodi o personagem do Grilo está presente apenas nos capítulos 4, 13, 16 e 36,

sem grande impacto para a narrativa, a não ser nas reflexões do próprio Pinóquio

em relação as suas ações. Não existe sequer uma descrição física desse

personagem, sendo então sua antropomorfia na literatura designada pela fala e

seu raciocínio sobre questões humanas.

Por se tratar da segunda animação de longa-metragem dos estúdios Disney,

precedidos do imenso sucesso A Branca de Neve e os Sete Anões, havia grande

preocupação com a superação deste:

Quando a produção começou, Walt sentiu que no novo filme faltavam a simpatia e o apelo - faltava o coração - de seu primeiro longa-metragem de animação. Mais precisamente: ele sentiu que no segundo filme faltava um personagem central envolvente... (SURRELL 2009, p.180)

A partir disso algumas alterações foram feitas no personagem principal, de

forma a atrair a simpatia do público, segundo depoimento do historiador J.B.

Kaufman nos créditos do DVD de Pinóquio, foi nesse mesmo momento que

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decidiram usar o Grilo de uma maneira ampliada em relação à versão original,

justamente para contribuir para a história funcionar e atrair a simpatia do público.

Ele foi transformado em um amigo de Pinóquio presente em quase todas as cenas

do filme.

Para analisar as características estéticas desse personagem foi selecionada

a seqüência inicial do filme, onde o Grilo aparece sozinho em grande destaque,

onde a construção desse personagem é feita.

O filme se inicia com os letreiros de abertura com uma canção em voz forte

até o momento em que é apresentada a imagem de um livro com o título Pinóquio,

e o espectador pode perceber que aquela bela voz pertence a um pequeno ser de

roupa social e cartola (Figura 20), não é possível apenas a partir da imagem definir

de que espécie é o personagem que se revela na tela, seu formato não remete

facilmente a nenhum ser conhecido. Pela voz e vestimenta percebe-se que é do

gênero masculino. Ele está vestido como um ser humano, com um casaco, camisa,

calça, sapato, luvas,cartola e um guarda-chuva nas mãos, caminha de maneira

ereta, possui dois olhos, nariz, boca, sobrancelhas, uma cabeça ovalada muito

grande se comparada com o restante do corpo, braços, pernas, mãos e pés,

próximo ao formato que estamos acostumados a encontrar nas figuras humanas,

mas ainda assim não é possível ter certeza se este personagem é humano, animal

ou alguma outra espécie ainda desconhecida para o espectador, uma vez que na

animação tudo é possível e possuímos representações diversas para os elementos

da realidade, como por exemplo Betty Boop 12 , com sua cabeça enorme e

retangular e Mônica13 com ausência de dedos nos pés e nariz quase inexistente,

mas que ainda assim não deixam de ser reconhecidas pelos espectadores como

seres humanos, pois em seu conjunto as semelhanças são maiores que as

diferenças, principalmente no que diz respeito a sua forma de agir. Mas é essa

possibilidade infinita de representação que faz com que mais elementos sejam

necessários até a identificação do que está sendo representado. O personagem

em questão possui uma pele bege14, em um tom muito próximo às cores usadas

para representar personagens humanos (que normalmente são mais rosadas),

12

Criada por Max Fleischer na década de 30. 13

Criada por Maurício de Souza em 1963 como história em quadrinhos ganhando sua primeira animação em

1982. 14

Normalmente em imagens na internet o Grilo aparece com a pele verde, bem como na impressão do DVD do

70º aniversário, porém tanto no filme original quanto na versão de aniversário sua pele é tal qual a descrita

neste trabalho.

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porém é muito pequeno para um ser humano e apresenta apenas quatro dedos,

mas nada disso é determinante para que o espectador possa chegar a alguma

conclusão. Porém após 40 segundos do momento em que esse personagem

aparece na tela é esclarecido ao espectador o que de fato ele é. Apenas por sua

aparência as conclusões não foram possíveis de serem tomadas, então o

personagem mesmo se define dizendo: “Sou apenas um Grilo cantando...”

Figura 20- Grilo Falante X Grilo real

Grilo é um inseto que possui longas antenas, os machos emitem sons

friccionando uma asa na outra, pesa aproximadamente quinze gramas, a cor mais

comumente encontrada nas espécies de grilo é o verde, seu habitat são campos,

terras cultivadas e relvas. De fato percebemos poucas semelhanças físicas com o

personagem apresentado, principalmente ao comparar as imagens.

A partir dos elementos apresentados até aqui não é difícil perceber que esse

personagem precisa ser construído para o espectador, pois a categorização dele a

partir de elementos já presentes em seu repertório não é possível de ser feita, pois

ele não é humano tanto por suas características quanto por sua própria auto-

descrição como grilo, mas também não é grilo por suas características físicas, o

ambiente em que se encontra e principalmente por falar como um ser humano.

O Grilo, sorridente e de formas arredondadas, olha diretamente para a

câmera e fala como se conversasse diretamente com os espectadores, criando

uma proximidade entre personagem e quem assiste ao filme, pois segundo

Bernadet (2000) a ilusão de verdade, chamada impressão de realidade, seja talvez

a base do grande sucesso do cinema, e para isso ocorrer é preciso que haja

identificação entre espectador e personagem, para que seja possível compartilhar

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sentimentos e sentir um maior envolvimento emocional com o filme. Assim o

diálogo direto contribui para o desenvolvimento dessa identificação, colocando

personagem e espectador em um mesmo ambiente, compartilhando de um diálogo,

logo devem compartilhar também de uma mesma realidade.

Em seguida o Grilo abre o livro com certa dificuldade afinal ele é muito

pequeno perto do tamanho do livro. Ao tentar iniciar a narração da história uma

página começa a tentar se fechar, ele então para e se contorce para segurar a

página, então busca prendê-la de forma que não mais o atrapalhe. Esse trecho

certamente traz um toque de comicidade à cena, porém reitera uma questão que já

foi possível de ser percebida: o inseto pensa, encontra soluções para seus

problemas, assim na mesma proporção que o espectador é lembrado que vê um

pequeno inseto (afinal é muito pequeno para segurar a página do livro) também é

lembrado que não é qualquer inseto, mas sim o Grilo Falante, com suas

características próprias, semelhantes aos seres humanos.

Ao apontar para a figura do livro a câmera se aproxima desta até mergulhar

completamente na imagem, assim pode-se perceber que não mais estamos no

ambiente inicial, mas sim entramos na história que está sendo contada em primeira

pessoa. E, o mais interessante, é que entramos a partir da visão subjetiva do Grilo,

isto é percebido pois, a câmera em plano geral está fazendo uma panorâmica pelo

local e vemos exatamente o que ele vai descrevendo como tendo visto, até que por

fim ele descreve ter visto uma casa iluminada, a qual está sendo mostrada em

cena em plano geral, neste momento, diz que foi pulando até a casa e neste

instante a câmera faz movimentos como se estivesse subindo e descendo ao

mesmo tempo em que se aproxima da janela. Ou seja, reproduz o movimento do

Grilo, levando o espectador a vivenciar tal experiência.

Neste momento não é mais o grilo assumindo a posição de ser humano,

mas o contrário, reforçando a fusão entre as espécies, porém a preocupação com

a identificação continua por isso. Mesmo quando o personagem assume a posição

de inseto o espectador é levado a assumir junto. Porém, vale lembrar que estamos

em 1940 e esta é a segunda animação de longa-metragem da Walt Disney, onde

as técnicas ainda possuem grande destaque, ou seja, a movimentação da câmera

para se aproximar da janela da casa chama a atenção por não ser usual.

Em seguida o Grilo volta a ser mostrado com uma câmera objetiva. Ele não

está mais vestido com os trajes elegantes apresentados anteriormente, mas com

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roupas rasgadas, velhas e remendadas. No momento em que a câmera o focaliza

é possível notar que sua cor está ligeiramente diferente, ao invés de um bege

homogêneo, seu nariz está levemente rosado (Figura 21), fenômeno normal de

acontecer a seres humanos quando estão em locais gelados, exatamente a

situação na qual o Grilo se encontra. Dessa forma é possível perceber que esse

pequeno inseto está sujeito a efeitos físicos próprios dos humanos.

Figura 21 - Grilo com nariz avermelhado em função do frio

Em continuidade à cena, o Grilo decide se proteger do frio entrando na casa

de Gepeto, passa por baixo da fresta da porta, lembrando ao espectador das

características ainda de inseto dessa pequena criatura. Neste momento a câmera

focaliza o Grilo em primeiro plano destacando suas expressões faciais, olhos

arregalados boca levemente entreaberta como uma pessoa que está atentamente

verificando o local, em seguida vagarosamente quase nas pontas dos pés,

demonstrando grande cautela, vai se esgueirando ainda mais para o interior da

casa. Essa cena evidencia o que afirmou Bruzzo em relação à função desse

personagem:

[...]outra grande mudança operada pelos animadores responsáveis pelo filme: tornar o Grilo Falante o narrador da história. Assim a atenção do espectador é atraída quase o filme todo para os movimentos e a graça do bichinho...Essa escolha deveu-se à necessidade de um personagem marcante que permitisse a criação das gags visuais fundamentais para o sucesso do filme junto ao público adulto. Um boneco de madeira não permitia muitas variações de desenho e expressão. Vale lembrar que os Estúdios Disney tinham conseguido enorme sucesso com Branca de Neve e os sete Anões, principalmente pelos momentos

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de humor criados por causa dos anões (BRUZZO, 1996, p. 242 - 243).

As expressões e movimentos cuidadosos do Grilo nessa cena de fato

mostram um personagem desenvolvido cuidadosamente e capaz de muitas coisas.

A cena continua, após perceber que não havia ninguém por perto, passeia

pelo local, enquanto uma música animada toca ao fundo. O Grilo caminha ao ritmo

da música rodando o guarda-chuva, demonstrado um ambiente tranquilo e

agradável. O Grilo sempre sorridente se aproxima da lareira para se aquecer, neste

momento traz novamente sua característica mais cômica, enquanto passa mão em

suas nádegas voltadas para a lareira (Figura 22) diz: “parado ali e aquecendo um

pouco a minha...(pausa), a minha pessoa” onde pela pausa, posição e mesmo pela

sua expressão pode-se imaginar que a palavra na verdade que será dita será

“poupança”, mas como que por respeito aos espectadores tal palavra é substituída

por “pessoa”, o que traz uma comicidade à cena além de conectar constantemente

o espectador ao Grilo de uma forma como se houvesse um diálogo direto.

Figura 22 - Grilo se aquecendo na lareira

O Grilo então passa a observar a casa, enquanto seu olhar e a câmera

demonstram para os espectadores o que está na casa, sua fala descreve cada

elemento que está sendo mostrado. Até que por fim Pinóquio chama sua atenção.

Ele explica aos espectadores que se trata de uma marionete, enquanto se

aproxima do boneco, no momento que está frente com Pinóquio não mais fala na

primeira pessoa, não mais está no papel de narrador, mas assume ação e fala

dentro da cena, tornando-se agora personagem daquela história.

A aparição do Grilo se mantém ao longo de toda animação, estando

presente em praticamente em todas as cenas, sem dúvida contribuindo à narrativa,

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mas, pelo que pudemos perceber suas formas estéticas, contribuem para uma

afeição do público não só em relação a ele, mas aos personagens em geral.

Em relação à função narrativa do Grilo é possível enquadrá-lo como Auxiliar

que conduz o herói, Pinóquio, reparando danos, aconselhando, e salvando

(considerando que Pinóquio é seu próprio antagonista, o que melhor do que sua

consciência para ser seu suporte). Porém é possível pensarmos em algo além, a

partir de uma nova função para as personagens de animação:

Além destes, observa-se, hoje, que uma outra configuração de personagem vem ganhando inserção, principalmente junto às animações e outras produções filmográficas, o comic relief15. Esse personagem através de suas atribuições hilariantes e divertidas, oferece alívio cômico às cenas. Assim, o denso conteúdo afetivo-emocional das histórias, o impacto dramático e as cenas de suspense são suavizados por esse personagem picaresco. Apresentando-se sob distintas nuances, personagem e narrativa retroalimentam-se, povoando de vida e dinamismo as histórias (FOSSATTI, 2011, p. 75-76).

Em muitos momentos sua aparição se dá apenas para trazer um toque

cômico a cena, são momentos sutis, mas que certamente fazem o espectador rir,

como o momento no qual encosta-se a uma boneca e, quando se dá conta, está

com a mão nas nádegas dela, então pede desculpas; ou quando interage com os

objetos inanimados na casa de Gepeto; quando faz comentários irônicos sobre a

opção de Pinóquio de ser ator. Assim é possível afirmar que apresenta também

essa nova função na narrativa.

Apesar de presente em quase todas as cenas o Grilo não interage com

muitos personagens aos 15 minutos do filme interage com a Fada Azul em seguida

apenas com Pinóquio, até que com 1 hora de filme interage também com Espoleto,

menino amigo de Pinóquio. Mas interessante ressaltar que na história original a

interação do Grilo é apenas com Pinóquio e com a Fada, ou seja, está ainda mais

ligado ao mundo da magia e da não realidade humana do que na animação.

Ficando muito mais no mundo não humano (fada e boneco de pau não fazem parte

de uma realidade) do que humano, assim principalmente na animação foi possível

perceber que suas características humanas de alguma forma humanizam o boneco

de madeira, pois é seu conhecimento de mundo e de certo e errado que devem

conduzir Pinóquio ao caminho do bem, além de sua constante preocupação com a

15

Comic Relief tradução livre: alívio cômico. Neste trabalho usaremos o termo em inglês conforme

apresentado por Fossatti 2011.

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segurança e os sentimentos do boneco que despertam um sentimento semelhante

no espectador. Podemos pensar nesse pequeno personagem como o principal

responsável por doar características humanas a Pinóquio, é sua existência que

destaca as características que precisam ser adquiridas por Pinóquio e isso só se

dá por apresentar um alto grau de antropomorfismo o que é essencial para esse

efeito. O trecho a seguir refere-se aos animais das animações dos grandes

estúdios: MGM, Warner Brother, Universal e Paramount, apesar de se tratar de

outro tipo de animação pode contribuir a uma reflexão:

[...] Ele pensa fala, veste-se e comporta-se como ser humano, mas permanece um bichinho em seus instintos; apesar de sua origem e de sua aparência, sempre sonha com mulheres; ao mesmo tempo que usa garfo, faca, panela e fogão, permanece um canibal ou um franguinho assado na imaginação do animal inimigo. Estas contradições do personagem de Cartum permitem sua identificação com a criança, também um adulto em espírito e uma vítima em potência. A criança pensa, fala, veste-se e comporta-se como um adulto, mas ainda não superou sua animalidade [...] (NAZÁRIO in BRUZZO, 1996, pg 45).

No caso do Grilo acontece algo semelhante quando pensamos em sua

ingenuidade, muito próxima da infantil, mas tão responsável e preocupado que é

ao mesmo tempo adulto e criança, bem como é humano e animal. O que

certamente contribui para identificação de crianças com este personagem, além de

que a proximidade do Grilo com Pinóquio pode levar facilmente ao espectador

estabelecer uma generalização16 entre as características dos dois personagens,

tomando-as como pertencentes a um mesmo grupo, onde tanto animal quanto

criança possuem comportamentos semelhantes, seja pela humanização do Grilo

seja pela animalidade presente na criança de Pinóquio.

Assim suas características estéticas tão distorcidas do que é um grilo na

natureza e tão próximo a um pequeno homem acabam por ter importante função

narrativa. Ao mesmo tempo fosse esse um pequeno homem apenas, as inserções

cômicas não teriam muito efeito, afinal um grilo se preocupando em apalpar as

nádegas de uma boneca certamente tem um efeito mais interessante do que um

16

Generalização é um conceito da teoria Behaviorista da Psicologia que diz que no desenvolvimento de nossa

aprendizagem quando são discriminados estímulos semelhantes nossa resposta tende a ser a mesma. Pois

temos a tendência de aglutinar informações em grupos dependendo de sua similaridade. No caso apresentado o

estímulo em questão são as características do personagem e a resposta é nossa conceituação em relação a eles.

Para mais informações em relação a esse conceito buscar em Bock e colaboradores (1988)

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pequeno homem. Além disso, o grilo apresenta um misto de ingenuidade e

maturidade, que talvez seria difícil de ser empregada a um pequeno homem. Ou

seja, no caso de Pinóquio há a necessidade das características humanas e animais

do personagem, prestando-se assim à ampla função narrativa empregada.

As características físicas do pequeno personagem contribuem para à

narrativa e também para simpatia do público, que facilmente o acha “bonitinho”,

“engraçadinho”, atingindo os objetivos mencionados pelos animadores para esse

personagem. Além de reiterar uma característica própria da animação onde tudo é

possível, linguagem estabelecida desde os primórdios da técnica como apontado

na introdução. Além de certamente se prestar a uma forma mais prática de

reprodução, como pudemos notar anteriormente ser uma preocupação quando um

personagem é desenvolvido.

O Grilo seria um personagem classificado no nível de completamente

humanizado, apesar de suas características animais terem sido necessárias a

narrativa, com a análise realizada é impossível negar sua representação humana,

tanto nas questões estéticas quanto psicológicas. Apesar de não ser possível

substituí-lo por um personagem humano, como seria um critério para essa

classificação, é fácil identificar a partir do exposto na análise o quanto este é um

personagem animal que se encaixa bem neste nível de antropomorfização.

2.1.2 A Raposa que trai

Aos 28 minutos do filme os espectadores são apresentados a dois novos

personagens: Sr. João Honesto e Gideão, uma raposa e um gato respectivamente,

ambos vestidos como seres humanos: cartola, calça, camisa, capa, as roupas são

nitidamente velhas, percebidas pelos remendos apresentados. Ambos caminham

sobre duas patas. Para a análise aqui proposta a raposa será utilizada devido a

sua representatividade na narrativa.

Diferentemente do caso do Grilo, o reconhecimento da espécie da

personagem é mais fácil, devido às semelhanças físicas com o animal, seu corpo é

coberto de uma pelagem avermelhada, possui um focinho alongado, duas orelhas

em pé, patas de animal, que estão a mostra pela ausência do sapato e longa

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cauda peluda. Dessa forma, mesmo apresentando mão com longos dedos

humanos, proporção corpórea (longo tronco, com cabeça menor e braços e pernas

cumpridos) muito próxima à representação de seres humanos, sua origem fica

mais explícita, tanto que não há necessidade de auto-nomeação. É preciso

também levar em conta que o Grilo já serviu como preparação aos espectadores

em relação ao tipo de personagens que podem encontrar, bem como inúmeras

situações que demonstram que o ambiente de Pinóquio é diferenciado, não

seguindo regras do mundo animal e nem tão pouco do mundo humano. Mas trata-

se na verdade de uma construção específica, própria do ambiente da ficção.

Figura 23 - João Honesto e Raposa Vermelha

O caráter do personagem é que fica difícil de ser desvendado neste primeiro

momento, pois faz uma apologia à importância da escola, ao mesmo tempo em

que pega uma bituca de charuto no chão e começa a fumar (ação dificilmente

associada a personagens bons, afinal essa seria uma ação errada), então a dúvida:

está é uma personagem que apóia importantes regras sociais ou é na verdade um

malandro fanfarrão? Fato também que não demora a ser esclarecido, quando ao

falar com seu parceiro conversa sobre uma armação que fez em situação anterior,

apenas para ganhar dinheiro.

João Honesto e seu companheiro possuem uma maneira diferente de andar,

com um leve pulinho entre um longo e arrastado passo e outro, o que indica a

tranquilidade e falta de pressa para qualquer coisa, o que de forma sutil demonstra

mais características a respeito deste personagem.

Ao ver Pinóquio pela primeira vez, não percebe que pode tirar proveito do

fato deste ser um menino de pau, mas no instante seguinte se dá conta, então

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muito rapidamente muda a direção em que estava indo para seguir Pinóquio, agora

o público já está mais ciente das intenções desta personagem, que busca fazer

qualquer coisa para ganhar dinheiro, ação tipicamente humana, uma vez que o

mundo capitalista é inerente à sociedade humana.

Os movimentos desta raposa são pautados em movimentos humanos e não

de animais. No momento em que está tendo ideias em relação a como tirar

proveito de Pinóquio, leva a mão no queixo, movimento típico de pessoas que

estão tendo idéias. Reforçando o antropomorfismo, não apenas nas características

físicas, mas na representação de seus movimentos e comportamentos,

demonstrando cada vez mais a proximidade física com homens comuns. Isto é

feito com tamanha naturalidade que é fácil passar despercebido ou mesmo fazer

com que o espectador se esqueça de que está vendo uma raposa na tela, tamanha

é sua semelhança com personagens humanos que tantas outras vezes foram

vistos em situações semelhantes.

Figura 24 - Comportamentos correspondentes de João Honesto e em um Ser Humano17

João Honesto e Gideão começam a seguir Pinóquio, neste momento por

duas vezes a raposa utiliza sua bengala para puxar Gideão pelo pescoço, deixando

clara sua natureza de desenho animado. Os movimentos também são típicos de

animações, quando ao se movimentar mais rápido e se esconder atrás de algum

objeto um leve borrão colorido fica na tela, representando o movimento tão rápido

que os olhos não foram capazes de acompanhar.

No momento em que esperam escondidos por Pinóquio, Gideão tira um

enorme martelo de dentro de suas roupas, fato bem pouco provável considerando

o tamanho do martelo. Está em posição como que aguardando para acertar

17

Figura do personagem Ron Weasley do filme Harry Potter, interpretado pelo ator Rupert Alexander Grint.

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Pinóquio, mas nesse momento João Honesto retira o martelo de sua mão e acerta

o gato na cabeça, que não sofre grandes consequências.

Figura 25 - João Honesto bate em Gideão.

Tal cena indica um padrão cartum de animação:

Dentro das diferentes modalidades de animação, uma outra forma de divisão se faz: quando o movimento busca uma expressão natural, querendo tornar crível a relação personagem-tempo-espaço, falamos de animação clássica; ela possibilita a identificação do espectador com o filme nos níveis emocional e narrativo. Quando as leis naturais são ignoradas prevalecem o exagero e o delírio, estamos falando de animação Cartum. Tudo é possível (TASSARA in BRUZZO, 1996, p -167-168).

Pinóquio em geral segue as regras da animação clássica, mas

principalmente nesta primeira sequência de João Honesto e Gideão, é a linguagem

de Cartum que prevalece, talvez como mecanismo para amenizar as

características maldosas dos personagens e implicar comicidade na sequência, o

que acaba por levar a associação dos animais de Pinóquio com cenas engraçadas,

mesmo quando estamos vendo o vilão. A cena continua a se desenrolar dentro

dessas mesmas características, onde João Honesto bate em Gideão e vice-versa,

de uma forma cômica próxima das comédias pastelão18, onde os personagens se

agridem mutuamente sem que cause nenhum dano real, fato que torna a cena de

traição e persuasão para o mal de fato algo engraçado e ameno, o que demonstra

também o fascínio das personagens, destacando seu lado interessante e não

18

Gênero de comédia cinematográfica que priorizam cenas que geram riso na platéia implicando comumente a

violência física. Cruz (1986)

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maldoso. Assim, se o próprio espectador de distrai e se deixa levar por esses

personagens, por que com Pinóquio seria diferente? Semelhante com o que

aconteceu com o personagem do Grilo, a identificação de sentimentos entre

espectador e Pinóquio, intermediadas e promovidas pelos personagens

humanizados do filme podem ser identificadas como forma de humanizar Pinóquio,

espectador humano e o boneco são acometidos pelo mesmo sentimento pela

raposa, o que aproxima ficção de realidade.

Assim que conseguem envolver e convencer Pinóquio que a escola é

besteira, agora deixando mais clara a ironia quando fazia apologia à escola no

início da cena, saem todos cantando de forma animada reforçando a proposta de

vida maravilhosa feita a Pinóquio.

A cena poderia facilmente possuir homens ao invés da raposa e do gato

vestidos como seres humanos, uma vez que além de sua característica física nada

mais remete o personagem a uma raposa, porém na própria versão de Collodi

(1992) é colocado desta maneira, apesar de que no livro a situação em que João

Honesto e Gideão aparecem seja diferente da apresentada no filme, estão também

enganando Pinóquio, mas sobre questões diferentes. Na literatura, assim como no

caso do Grilo, apesar de serem apresentados animais que falam e interagem com

Pinóquio, não há descrição de sua aparência, nem tão pouco comicidade nos

personagens, assim é possível perceber isso como criação própria para animação

de Disney.

João Honesto aparece também interagindo com um ser humano em uma

cena posterior, onde novamente está fazendo negócios ilícitos a fim de receber

dinheiro, demonstrando toda sua ganância, estando inclusive disposto a tirar vida

de alguém se isto fosse necessário. Estão ele e Gideão em um bar bebendo e

fumando enquanto acertam os detalhes de seu próximo golpe com um cocheiro

maldoso (humano). Isso mais ainda descaracteriza o personagem como animal e o

aproxima do mundo humano, em momento algum de sua aparição foi percebido o

cuidado em apresentar comportamentos típicos de uma raposa, ao contrário do

que foi feito com o Grilo que vez por outra fazia algo que lembrava ao espectador

sua real origem. João Honesto só é uma raposa por sua aparência, nada além

disso, nem sequer é nomeado dessa forma.

Segundo a definição proppiana, João Honesto estaria próximo a esfera de

ação do malfeitor, que segundo a definição geraria danos ao Herói, que no caso da

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história original de fato ocorre, pois este rouba e assusta Pinóquio, mas na

animação isso de fato não ocorre, ele apenas é um intermediário entre Pinóquio e

os que de fato lhe causarão mal, assim poderia ser pensado como o mandante, um

pouco diferente do que se encontra descrito nas funções propostas por Propp, mas

ainda assim adequadas para o contexto.

Como mencionada no caso do Grilo é perceptível o quanto o personagem

passeia entre o mundo humano e animal e a partir da análise foi possível perceber

as funções para ambas as características, mas no caso de João Honesto isto não

acontece, sendo por isso que fomos em busca de elementos além daqueles

presentes no filme para construir uma compreensão em relação à representação

desse personagem.

A raposa é um animal comum de ser encontrado em fábulas infantis. Vale

nesse momento uma discussão em relação a esse tipo de narrativa. Como por

exemplo, A Raposa e a Uva (Esopo), A Raposa e a Cegonha (La Fontaine), A

Raposa e o Corvo (Esopo), O Galo e a Raposa (La Fontaine), O Gato e a Raposa

(Esopo), entre outros. Nestes a Raposa é retratada ou como um animal arrogante,

sem capacidade alguma de demonstrar humildade, ou como um animal esperto

pronto a tirar vantagem de situações diversas. Muito semelhante de fato com a

representação da raposa de Collodi e Disney. O que torna possível pensar que o

histórico de representação deste animal tenha sido determinante para a escolha do

personagem, de quem já se espera alguma atitude negativa, tendo significados que

vão além daquilo que está descrito, mas está implícito no conhecimento humano.

Tal conceito pode ser reforçado pela frase de Bruzzo (1996, p. 240),

“ Coelhos, ratos, gatos, cães, variadas espécies de pássaros, além dos malvados

de sempre - lobos, leões e raposas - , todos nos são familiares...” (grifos nossos),

com isso reforça-se a ideia de que fato existe uma predisposição para o papel

designado aos animais, pois já vêm carregados de informações prévias, que

sequer precisam aparecer na história, como o fato por exemplo, que a raposa é um

caçador, veloz e perigoso, a mensagem: “cuidado com a raposa!” não precisa ser

dita. Mas isso não é regra como poderá ser visto no caso da raposa de Robin Hood

mais adiante.

A raposa João Honesto seria mais um representante do tipo de animal

completamente humanizado, com um alto grau de antropomorfismo.

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2.1.3 O Gato Mimado

Inexistente na versão de Collodi, o gato Fígaro é uma criação original da

Disney e que rouba algumas cenas do filme devido a suas características

peculiares. Para análise deste personagem foram escolhidas duas cenas, pois se

faz necessário para que a análise de sua personalidade seja clara e completa.

O primeiro trecho analisado faz parte da introdução do filme onde os

personagens estão sendo apresentados, para assim verificar como foi construída à

imagem deste personagem, que, apesar de figurante, no que diz respeito a

ausência de função narrativa segundo a classificação de Propp, se enquadraria na

função de Comic Relief, como poderemos identificar a seguir.

Estamos falando de um pequeno gato, que por seu tamanho pode até ser

pensado com um filhote, desenhado com as características físicas tais quais às do

mamífero na realidade, exceto pelos seus olhos maiores e não tão arredondados.

O formato utilizado no desenho é maior do que o que seria na realidade e contribui

para as expressões faciais do personagem. Não apresenta nenhum tipo de

acessório como adereço e encontra-se em um ambiente totalmente adequado para

outros de sua espécie.

Figura 26 - Fígaro X Gato real

Fígaro entra em cena no mesmo momento em que Gepeto, e é visto ao lado

deste quase na totalidade das cenas em que o entalhador aparece, demonstrando

desde o início que é sua verdadeira companhia. Algo que não é se de estranhar e

está absolutamente dentro de representação realista aonde o gato é um animal

doméstico comum de ser encontrado.

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Sua primeira interação com Gepeto é apenas um miado em resposta à

pergunta deste, mas nada que possa surpreender, pois interação frente ao

estímulo da voz do dono é comum. Isso isoladamente não diz muito sobre as reais

capacidades do gatinho. Ele tenta brincar com o pincel, presta atenção aos

movimentos de seu dono, senta-se calmamente enquanto este finaliza seu trabalho,

mostrando suas características de um animal de estimação.

Ao finalizar seu trabalho entalhando o boneco de madeira, Gepeto pergunta

a Fígaro o que acha do nome escolhido para sua obra. O gato nitidamente

compreende o que seu dono quis dizer e responde a ele, não mais na forma de um

miado, como é comum na realidade, mas com uma careta expressiva que não

deixa dúvidas de seu descontentamento com o nome indicado. Seus olhos são

fechados bem espremidos e sua boca é entortada, então ele balança

negativamente a cabeça, não deixando dúvida de que apesar de não falar é capaz

de compreender e se comunicar com Gepeto.

Figura 27 - Fígaro fazendo careta por não gostar do nome sugerido por Gepeto

Então o pequeno gato aparece seguindo Gepeto em passadas ritmadas ao

som que toca, e com um leve semblante de sorriso, reforçando suas características

que fogem de comportamentos restritivos a animais. Além de andar de ré, algo que

não ocorre entre os animais. O que mais valoriza a personalidade de Fígaro são

suas expressões, ele não precisa dizer uma só palavra para que Gepeto ou os

espectadores sejam capazes de compreender seus sentimentos, o mais

interessante é que para isso não precisou descaracteriza-lo fisicamente como um

animal.

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Fígaro aparece em seguida “tomando banho”, ou seja, está calmamente

passando sua língua pelo corpinho, como os gatos fazem para se manterem limpos,

se esfrega dengosamente nas pernas de Pinóquio e se assusta com as

brincadeiras de Gepeto, tal qual um gato de estimação comum poderia fazer. O

que reforça suas características de felino. Em seguida busca a atenção de Gepeto

que está concentrado conversando e elogiando Pinóquio, é inclusive acusado por

seu dono de estar com ciúme, sentimento caracteristicamente humano, porém que

quando olhado mais de perto pode ser encontrado em animais muito apegados a

seus donos.

No momento em que Gepeto e Fígaro vão para o quarto dormir, temos

reforçadas algumas características humanas do gatinho, pois este possui uma

cama humana em miniatura, se deita em posição tal qual um homem deitaria e

ainda puxa sua manta, como se possuísse mãos e se acomoda na cama. Fica

extremamente incomodado quando Gepeto interrompe seu sono, novamente tal

incômodo é expresso através de suas feições e reações físicas como no momento

em que retira nervosamente sua manta de seu corpo para se forçar a levantar. A

interrupção ocorre, pois o velhinho solicita que Fígaro abra a janela, este

compreende perfeitamente o que lhe está sendo pedido, e mesmo com as

limitações físicas de ser um gato, realiza a ação, o que traz uma comicidade à cena,

justamente pela irritação e dificuldades do gatinho para atingir um objetivo que lhe

foi imposto.

Figura 28 - Fígaro calmamente dormindo em sua cama em seguida aborrecido por ter sido despertado.

Outra cena na qual Fígaro chama atenção é no momento em que Gepeto

decide sair em busca de Pinóquio. A mesa do jantar está posta e o gato aparece

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sentado em uma cadeira com um guardanapo amarrado em seu pescoço, possui

um prato a sua frente. Cheira a comida, não da forma que os gatos fazem

aproximando o focinho do alimento, mas como os humanos, ao inspirarem

profundamente para inalar o cheiro. Enquanto a imagem demonstra o gato ansioso

para comer seu prato de comida, a fala de Gepeto demonstra sua aflição à

Pinóquio. Antes de sair o velho dá a ordem de que não se pode comer enquanto

ele não voltar de sua busca pelo filho. O gato faz menção com a cabeça de que

compreendeu e acatou a orientação, porém assim que seu dono sai esfrega uma

pata na outra em sinal de satisfação e faz menção de começar a comer, porém é

impedido pela peixinha de estimação de Gepeto, ele então passa a língua nos

beiços demonstrando nitidamente seu desejo pela comida, então se sacode todo,

cruza os braços no corpo e fica com cara de mau-humorado.

Figura 29 - Fígaro mau-humorado

A classificação desse personagem quanto parcialmente representando seres

humanos e não representando possui uma linha tênue, o que o torna tão

interessante para análise. Ele possui expressões faciais e demonstra sentimentos

e reações muito próximas a de seres humanos, mas conserva as características

físicas e habitat de um gato de estimação. Poderíamos pensar em alguns dos

filmes classificados como possuindo personagens que não representam seres

humanos e fazer uma comparação com Fígaro:

- Personagem Tambor em Bambi: o coelho Tambor é muito expressivo é possível

apenas através de suas expressões faciais perceber seu humor ele demonstra

timidez, colocando as patinhas para trás encolhendo o pescoço e balançando seu

corpinho, nada muito diferente de algumas reações do gato em questão. Ainda

para agravar, o coelho aparece na tela conversando com os demais animais,

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porém tudo ocorre restritamente ao mundo animal, como uma representação real

desse mundo, o qual nós humanos não conhecemos, afinal não fazemos parte. No

caso de Fígaro a interação é com um ser humano, com quem ele praticamente

conversa. Por isso que no caso de Bambi a classificação que melhor se enquadra

é que os personagens não representam os seres humanos, já Fígaro a

classificação é mais delicada.

- Os cachorros de 101 Dálmatas: o casal de cães aparece ao lado de fora da Igreja

enquanto seus donos se casam, como se estivessem casando também, o que

representa romance, compreensão de religião, elementos exclusivos dos humanos;

claramente compreendem a conversa dos seres humanos; apresentam expressões

faciais claramente não pertencentes a seres animais, falam entre si, mas ainda

assim toda a sua relação com os seres humanos se restringe à forma real de

animais interagirem, ou seja, são cães como podemos concebê-los como tal. Os

sutis elementos que fogem a isso não são para caracterizá-los como seres

humanos, mas sim para cumprir com a narrativa que se passa no mundo canino.

Assim nesse caso também a classificação se enquadra bem no item de “não

representam seres humanos”.

- O beija-flor e o guaxinim de Pocahontas: fisicamente são iguais aos animais na

realidade, porém eles interagem entre si com expressões distintas àquelas

reservadas aos animais, eles brigam em função de intrigas e confusões causadas

por eles próprios, sendo responsáveis pelo comic relief do filme. As interações com

a protagonista do filme Pocahontas apresentam também expressões faciais e

indicações de compreensão do que esta fala em alguns momentos até um

pequeno nível de comunicação entre eles, mas tudo isso é sutil e em momentos

curtos do filme, o que fez com que a classificação do mesmo fosse “não representa

seres humanos”, sem maiores dificuldades para tal conclusão.

Já nos casos de Bernardo e Bianca, Aristogatas, As Peripécias do Ratinho

Detetive entre outros classificados como animais que representam parcialmente

seres humanos, temos animais com vestes humanas, operando veículos,

resolvendo casos de mistério, porém sempre dentro de uma realidade de mundo

animal, fantástico, mas animal. Porém, possuem características muito marcantes

que os distinguem dos animais que não representam seres humano, por isso se

enquadram tão bem no item “representam parcialmente seres humanos”. É Fígaro

ainda estaria muito distante desses personagens. A partir disso, percebe-se que

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apesar de não atender a todos os critérios e destoar dos demais animais nessa

classificação, o mais adequado é considerar Fígaro como não representando seres

humanos. Lembrando que a classificação é feita não a partir apenas da realidade,

mas de um comparativo de representações de outros personagens animais de

animações, e levando isso em conta é desse grupo que o gato mais se aproxima.

Lembrando que essa não é uma ciência exata e sim composta de variáveis

independentes, ou seja, uma classificação perfeita para cada personagem só seria

possível se tivéssemos tantas classes quantos são os personagens.

2.2 Robin Hood

Segundo Coelho (2000), a literatura tem suas raízes no que podemos

chamar de fantástico, principalmente em função da falta de explicação científica

para diversos fenômenos. Foi a partir disso que surgiram os mitos que se

desdobraram em inúmeras variantes como lendas, contos maravilhosos, sagas, etc.

É nessa fase que segundo a autora as fábulas revelam uma preocupação crítica

com as relações humanas. Tal natureza mágica acabou por atrair as crianças. Na

animação a seguir temos a união desses elementos, a criação lendária e utilização

de animais corroborando para uma realidade fantástica.

Robin Hood é uma animação de longa-metragem produzida pelos estúdios

Disney em 1973, porém vale ressaltar que esta foi produzida após a morte de

Disney, mas ainda teve a participação deste, pois originou-se de uma animação

abandonada, Reynard the fox, da qual Disney havia participado. Conta a história de

um fora da lei que vive nas florestas e rouba dos ricos para dar aos pobres, que

são explorados pelo príncipe João, irmão do rei, que, aproveitando-se da ausência

deste em função de uma cruzada, usurpa o trono e impõe altas taxas de imposto a

população. Robin Hood e seus companheiros saem em defesa dos camponeses a

fim de aliviar suas aflições. Enquanto paralelamente o herói se preocupa com seu

romance com a sobrinha do rei. Na versão da Walt Disney todos os personagens

são na verdade animais. Os principais personagens na história são:

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- Robin Hood - fora da lei que se arrisca para prover aos mais necessitados. É

querido e simpático com todos à exceção dos vilões do filme. Representado por

uma raposa. Representa o herói nas esferas de ação de Propp e Greimas.

- Príncipe João - irmão do rei da Inglaterra que se aproveita da ausência do rei

para aumentar os impostos para proveito próprio. Apesar de ser representado por

um leão, não possui a coragem entre suas características, além da ingenuidade

que o torna um tolo digno de piadas. Sua função corresponde ao

antagonista/oponente.

- Sr. Chio - Fiel companheiro do príncipe, perspicaz e inteligente, porém apanha de

João constantemente, por julgá-lo desconfiado, porém dificilmente segue os

conselhos dessa serpente com poderes hipnóticos, que entretanto sempre estava

certa. Uma vez que é o cúmplice de Príncipe João sua função também é a mesma

na narrativa.

- Lady Marian - sobrinha do rei Ricardo, muito generosa e que vive a sonhar com

seu reencontro com Robin Hood. Abre mão de seu conforto no palácio para viver

seu grande amor e ajudar seu amado em sua nobre missão. Assim como o

personagem principal da história é também uma raposa. Esta personagem pode

ser percebida exercendo a função de princesa segundo as esferas proppianas e o

objeto na versão de Greimas, não que ela seja o único objetivo do herói, mas é um

deles, em determinado momento da narrativa.

- Narrador - Aparece no início do filme esclarecendo que a história que será

apresentada já foi representada muitas vezes, mas que existe uma versão própria

do reino animal, este personagem é um galo trovador.

- Pequeno John - Grande amigo de Robin Hood que faz parte de todas as suas

aventuras em busca de recuperar o dinheiro do povo. Representado por um grande

urso é um personagem doce e preocupado com Robin Hood, e suas decisões, em

alguns momentos demonstra dúvidas sobre se as ações que realizam estão de fato

corretas, ainda assim se dedica a cada aventura intensamente. Seria, no que diz a

esfera de ação o auxiliar/ adjuvante.

- Frei Tuck - Auxilia Robin Hood a distribuir as riquezas conquistadas, além de em

diversas situações enfrentar o xerife verbalmente. É representado por um texugo.

Assim como João Pequeno, o Frei corresponde a esfera de auxiliar/ adjuvante.

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- Lady Kluck - Dama de companhia de Lady Marian que a incentiva

constantemente a raposa a ir em busca de seu amor. É representada por uma bem

humorada galinha. Pode ser classificada também como auxiliar/ adjuvante do herói.

- Xerife de Nottingham - Maldoso xerife responsável pela cobrança de impostos e

por prender Robin Hood. Representado por um traiçoeiro lobo. Faz parte dos

antagonistas/ oponentes do herói.

- Tiro Certo e Biruta - Soldados atrapalhados que acompanham o xerife, são

representados por urubus. Também podem ser classificados como mais

antagonistas/ opositores de Robin.

Mas, não se restringem a esses, há a tropa real composta por elefantes,

rinocerontes e hipopótamos, são guardas leais ao príncipe João e ao xerife, os

camponeses que são representados por famílias de coelhos, tartarugas, cachorros

entre outros que podem ser identificados como destinatários segundo as esferas

de ação de Greimas que irão se beneficiar do objeto conquistado pelo herói: o

dinheiro.

A animação foi baseada no personagem de lendas inglesas de mesmo

nome. Lyon (1990), no Dicionário da Idade Média, afirma que tal personagem tinha

base histórica e sua primeira referência foi em um poema de 1377, assim como

outras histórias incluindo uma peça de 1475. Nessas primeiras histórias, conforme

descrito no dicionário, Robin é um fora-da-lei, mas não um rebelde social. Existem

algumas figuras que se acredita ter dado origem à lenda, porém com o passar do

tempo história e estória acabaram por se misturar, sendo difícil precisar o que é

fato ou não. No cinema há também inúmeras versões da história, sendo As

Aventuras de Robin Hood de 1938, baseada no livro Robin dos Bosques, de 1920,

uma das mais famosas, e talvez sejam as características dessa versão as mais

difundidas até hoje. No filme de 1938 pode se notar semelhanças com o

personagem Ivanhoé de Walter Scott, de 1820, comprovando a forma em que

diferentes elementos acabam por compor a personalidade de Robin Hood, o que

reafirma sua origem na lenda:

Lenda, episódio heróico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitido e conservado na tradição oral popular, localizável no espaço e no tempo. De origem letrada, lenda, legenda, legere, possui características de fixação geográfica e pequena deformação. Liga-se a um local, como processo

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etiológico de informação, ou à vida de um herói, sendo parte e não todo biográfico ou temático (CASCUDO, 2001, pg. 328).

A utilização de uma lenda como base para desenvolvimento de um roteiro

da Disney, não é algo comum de ser encontrado, Robin Hood foi o primeiro e até o

momento apenas, mais três filmes utilizaram esse tipo de inspiração: Pocahontas,

Mulan e Atlantis. Adaptação de lendas para o cinema permite uma maior liberdade,

pois não há uma sequência de fatos já pré-estabelecida e fixada para os

espectadores. Pode, sim, existir versões conhecidas da história em livros ou filmes,

mas há também a consciência de construção a partir de fatos segmentados, sem

esperar por uma fidedignidade muito grande, a não ser pelas características ou

fatos que deram origem à lenda, e Disney fez isso nos quatro filmes citados.

O grande diferencial no caso da Disney para Robin Hood foi certamente a

transformação dos personagens em animais. Este é o primeiro longa metragem em

que isso acontece, ou seja, em que são apresentados animais como personagens

principais, sendo esses completamente humanizados. A utilização de tal forma de

representação de animais já havia ocorrido anteriormente em Pinóquio e Alice, mas

os animais não eram os personagens principais.

A sequência e fatos da narrativa apresentados em Robin Hood, não

coincidem com as funções propostas por Propp, mas, segundo a definição de

lenda, entendemos que podemos fazer uma relação deste tipo de narrativa com o

Conto Maravilhoso, assim utilizaremos aqui a versão simplificada de Coelho (2000),

que a partir das funções de Propp identificou algumas invariantes presentes nos

contos.

Tabela 2 - Invariantes desenvolvidas por Coelho (2000, p .109 -110) a partir das funções de Propp

INVARIANTE EXPLICAÇÃO

Desígnio Aspiração que levam o herói à ação.

Viagem A condição para o desígnio é a saída do herói de casa, ou seja deve ocorrer

um deslocamento para um ambiente estranho, não familiar.

Obstáculos Desafios à realização pretendida aparentemente insuperáveis que se opõem

à ação do herói.

Mediador Surge alguém ou algo entre o herói e o objetivo que está difícil de ser

alcançado. Este pode ser natural ou sobrenatural, que afasta ou neutraliza

os perigos e ajuda o herói a vencer

Conquista Conquista do almejado objetivo.

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I - desígnio - logo na abertura do filme o narrador já apresenta tal situação

relatando que o príncipe usurpou o trono do rei, e sendo ganancioso, isso era um

problema, e que o herói era a única esperança, roubando dos ricos para dar aos

pobres. Esta é uma breve introdução com menos de 30 segundos, com imagens

fixas a partir de um livro ilustrado, revelando o caráter lendário da história que será

vista. Vale ressaltar que o espaço geográfico da história é mantido, preservando o

caráter de lenda apresentado por Cascudo.

Em seguida, através de uma canção, são apresentados os personagens

Robin Hood e seu amigo João Pequeno, além do primeiro vilão (malfeitor que gera

dano não apenas a Robin, mas à comunidade inteira): o xerife, que durante a

canção está perseguindo os heróis. Ressaltando sua amizade e despreocupação,

trata-se de uma cena curta apenas com Robin e João Pequeno. Porém para

reforçar o que está sendo cantado pelo narrador, a música cessa. Então João

Pequeno começa a falar demonstrando que já viveram muitas aventuras tendo que

fugir inúmeras vezes do xerife, aparentando ser um personagem mais consciente e

preocupado se comparado com Robin, que chega a ser retratado como

inconsequente. A cena se passa em uma floresta, com desenhos não muito

complexos ou detalhados, afinal são mostradas apenas árvores e em alguns

momentos de fuga o cenário não passa de um borrão colorido ao fundo (porém

apesar de muito simples deve-se ressaltar que o desenho é bonito e cuidadoso).

Revelando uma diferença em relação à produção anteriormente analisada.

Lembremos que nesse momento o estúdio já está estabelecido, além do que esta

animação reflete também uma fase difícil, logo após a morte de Walt Disney.

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Figura 30 - Cenário simplificado de Robin Hood.

II - viagem- esta não fica muito clara na lenda de Robin Hood, pois não é

revelado o momento que saiu de casa para viver em uma floresta em defesa do

povo, entretanto, uma vez que vive em uma floresta, fica claro que em determinado

momento teve de sair de casa. Porém no caso da animação da Disney isso se

torna mais obscuro, pois Robin Hood é uma raposa, ou seja, sua casa é a floresta,

mas tomando o princípio de que todos os personagens do filme são animais, ainda

assim moram em casas ou palácio, é preciso considerar sim que apesar de não

revelada essa é uma função implícita na narrativa. Porém a cena seguinte onde a

carruagem real passa pela floresta com o resultado da arrecadação de impostos,

um indício do motivo de Robin viver na floresta fica claro, pois ali roubar o dinheiro

da coleta é mais fácil. Nesse momento são apresentados mais dois vilões o

príncipe João e sua serpente, Sr. Chio (malfeitores que assim como o xerife,

causam dano à comunidade e não apenas ao herói), nesta cena há um complexo

diálogo entre o príncipe e Chio, apresentando cenas em primeiro plano,

ressaltando o diálogo e não os elementos do ambiente.

Em seguida é mostrada uma cena em que Robin e João Pequeno

consumam um assalto, mas tal situação não é marcada pela ação, mas sim pelo

diálogo e esperteza para enganar o príncipe. Desenrolando ainda mais as esferas

I e II.

III - obstáculos - é oferecida uma recompensa pela captura de Robin, o que

demonstra que sua dificuldade para cumprir seus desígnios iriam aumentar, mas

isso não foi o suficiente para impedir o herói de cumprir seus ideais. Neste

momento é mostrada a vila de camponeses passando dificuldade e sendo

explorados pelo xerife, o que ressalta o ato heróico de Robin, em função de um

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bem maior, sequer se preocupa com os obstáculos que lhe são impostos e

continua a praticar seus atos heróicos.

Figura 31 - Aldeia onde vivem os "animais"

Além de reforçar o caráter humano dos animais que moram em casas muito

simples construídas de pedra e palha, tal qual encontramos em filmes e imagens

de residências da era medieval, é mostrada também a vida cotidiana das

profissões da pobre população. Novamente é apresentado um cenário sem muitos

detalhes onde os elementos muitas vezes aparecem distorcidos (desfocados).

Outro item que chama atenção no cenário são cartazes falando a respeito da

cobrança de impostos, ou seja, estes animais sabem ler e escrever!

Figura 32 - Cenário desfocados onde alguns objetos sequer podem ser identificados.

IV - mediador- Frente às dificuldades para que Robin possa atingir seus

objetivos, surge a figura de Frei Tuck que cumpre com a distribuição do dinheiro

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enquanto o herói precisa ficar escondido. Sua função é diferente da de João

Pequeno devido ao momento em que aparece no filme, além do que ele não é

responsável por proteger o herói, mas sim seus objetivos.

Em seguida novas personagens são apresentadas, Lady Marian e sua dama

de companhia, estão no quintal do Castelo jogando peteca, é então que é revelada

a parte romântica da narrativa, pois é mostrado que esta raposa é apaixonada por

Robin e que inclusive já teve um romance com ele no passado. Em seguida Robin

aparece pensando em seu amor. Pela primeira vez este não está mais preocupado

com seu objetivo social e, sim, com seu amor.

Neste momento temos a repetição dos itens I, II, III e IV:

I - novo desígnio surge: a retomada do romance com Lady Marian,

II - viagem nesse caso representada por adentrar em um ambiente

desconhecido: o castelo de príncipe João, pois toma conhecimento de um torneio

de arco e flecha no qual o vencedor receberá um beijo da raposa Marian;

III - obstáculo: o torneio é apenas um plano para capturar Robin Hood, onde

João e sua guarda o esperam para prendê-lo e apesar de seu disfarce ele é

descoberto, preso e condenado a morte;

IV - então João Pequeno assume a função de mediador, forçando o rei a

libertar o herói;

Essa sequencia da história é finalizada com a função designada por Coelho

(2000) como a conquista do objetivo (V), pois Robin e Marian fogem para a floresta

e ficam juntos, que terá sua consumação final no término do filme com o

casamento do casal.

Entretanto o desígnio inicial ainda não obteve o sucesso necessário, assim

retomando esta parte há a retomada da função III quando os impostos são

duplicados e diversos trabalhadores são presos, inclusive o Frei acaba na prisão

por desacato à autoridade. Espera-se com isso prender o próprio Robin Hood.

Neste momento a cena fica mais escura e com chuva, a cor das cenas e da própria

vestimenta dos animais fica mais acinzentada, trazendo melancolia à cena.

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Figura 33 - Cena cinzenta reforçando a melancolia

Então por fim a conquista do objetivo (função V) onde Robin e João

Pequeno conseguem libertar os presos, recuperar todo o dinheiro dos impostos,

após a perseguição e batalha final, na qual Robin quase é morto pelos guardas do

príncipe. O rei Ricardo retorna de sua cruzada e pune os vilões prendendo-os e os

fazendo trabalhar.

Ao longo de toda a animação é possível perceber que as cenas são

permeadas por diálogos longos saindo do padrão “uma imagem vale por mil

palavras”. O filme passa em sua maior parte com diálogos entre as personagens,

revelando fatos e situações, discutindo questões sociais e não com muitas ações,

como normalmente é possível ver em outras animações do estúdio. Isso pode ser

pensado em função do momento complicado que o estúdio se encontrava, ou seja,

utilizar planos mais fechados diminui a quantidade de desenhos necessários,

otimizando a produção.

Além disso, na própria narrativa é possível perceber uma repetição de

situações e piadas, sem que a história de fato tivesse um prosseguimento.

Podemos observar no trecho a seguir que de certa forma isso é o esperado para a

narrativa infantil:

Consiste na repetição exaustiva dos mesmos esquemas básicos (argumentos, invariantes e variantes, tipos e atributos de personagens, motivos de conflito, funções das personagens, valores ideológicos). Da mesma forma que a simplicidade inerente à mente popular ou infantil repudia estruturas narrativas complexas (devido às dificuldades de compreensão imediata que elas apresentam), também se desinteressa de textos que apresentam

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excessiva variedade ou novidades que alterem continuamente os elementos já conhecidos (Coelho, 2000, p.105).

Mesmo levando tal estrutura em consideração, se compararmos a narrativa

de Robin Hood com a de Pinóquio é notória a redução de funções narrativas, o que

inevitavelmente levou a uma maior repetição. Podemos pensar que, no caso do

filme em questão, a inspiração veio de uma lenda, constituída a partir de uma

complexa história medieval de disputas territoriais entre povos distintos, sendo tal

questão inapropriada para o público infantil, sendo omitida da animação de Disney,

restando apenas as características do personagem de Robin Hood, para serem

exploradas. Para se estender durante um longa-metragem de 1 hora e 23 minutos,

precisaria utilizar da repetição, a fim de atingir a duração necessária. Talvez

justamente tamanha simplificação tenham contribuído para a decisão de trazer

animais para vivenciarem a lenda, ou seja, esse seria o “toque especial” da

animação, como relatado no bônus do DVD da animação:

Já que muitas crianças já conhecem a história de Robin Hood os artistas decidiram tentar algo novo, eles transformaram Robin Hood, Marian e todos os outros personagens em animais [...] Será que você adivinha por quê os artistas da Disney decidiram contar a história Robin Hood com animais ao invés de pessoas? Foi porque acharam que seria mais divertido ver animais fazendo coisa que pessoas fazem. Ora você já viu um leão de verdade chupando o dedão? (narração do bônus especial galeria de vídeo do DVD Robin Hood).

Apesar deste comentário não confirmar diretamente a hipótese apresentada,

demonstra que de fato a utilização de animais teve como objetivo deixar o filme

mais rico. O que de fato aconteceu, criando uma atmosfera cômica que se

encenada por seres humanos não teria o mesmo efeito.

Para análise do antropomorfismo no caso de Robin Hood os animais

escolhidos foram o próprio herói, pois existe a possibilidade de compará-lo com o

que foi construído sobre sua personalidade nas lendas, além de ser novamente a

representação de uma raposa, porém dessa vez como herói. Outro personagem

escolhido foi o príncipe João como oposição ao herói.

Porém considerando a riqueza das questões de antropomorfismo presentes

nesta animação, abaixo algumas observações referentes a outros personagens:

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João Pequeno - é um urso grande e meigo. Ursos

apresentam representações distintas no imaginário, são os

bichos de pelúcia mais comuns de serem encontrados,

assim facilmente relacionados a amizade, mas também são

as feras que atacam pessoas em florestas, ou seja

representando força. O que combina exatamente com o

que se deseja para personalidade do personagem, uma

vez que deve ser o amigo de Robin, mas possuir força e coragem para vivenciar

cada uma das aventuras. Suas características físicas deixam nítido que representa

um urso, sendo a imagem do desenho próximo ao que encontramos de urso na

natureza. Entretanto esse personagem anda a todo momento sobre duas patas, o

que já não acontece com ursos na realidade. Além da imagem de urso não possui

outro atributo que assim o caracterize.

Xerife - é um lobo, porém sua imagem ao contrário da

maioria nessa animação não deixa isso tão evidente, pois

trata-se de um animal grande e barrigudo e andando sobre

duas patas o que dificulta sua identificação, pois lobos

normalmente são animais mais esbeltos, sendo associados

à velocidade e à destreza. Mas também como traiçoeiros,

como podemos constatar pelo dito popular: “lobo em pele de

cordeiro”. O xerife do filme se enquadra bem nesta descrição.

Quando em alguns momentos conversa com os

camponeses, finge interesse em algo até conseguir seu objetivo. Também não

apresenta mais características que possam contribuir para sua caracterização

como animal, sendo completamente humanizado.

Sr. Chio - uma cobra que mantém bem suas

características físicas, de movimento de corpo e língua

próximos ao encontrado nos animais desta espécie. Sua

vestimenta não é muito complexa devido ao formato de

seu corpo, mas ainda assim possui acessórios humanos.

A ausência de membros de certa forma deixa seus

movimentos limitados aos de uma serpente, sendo esse

o animal que na animação mais conserva as

características originais da espécie. A cobra é um animal discreto e atento para dar

Figura 34 - João Pequeno

Figura 35 - Xerife

Figura 36 - Sr, Chio

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o bote, tais características foram repassadas a Chio, que está sempre observando

e identificando situações em que o príncipe será enganado. Esta é a única

animação da Disney em que uma cobra possui tamanho destaque e seja,

humanizada.

2.2.1 A Raposa Astuta

Robin Hood é o personagem principal da lenda e suas características de

fora da lei que não aceita as regras da monarquia são sua principal característica.

No caso da animação são essas características que servem como base principal

para o desenvolvimento da narrativa.

O herói é na verdade uma raposa, parecido esteticamente com a

representação de Raposa encontrada anteriormente com o personagem João

Honesto, porém Robin Hood possui um focinho menos alongado e o pelo um tom

menos avermelhado, mas ainda assim suas características físicas são muito

próximas de raposas na realidade. Assim como o personagem anteriormente

analisado, esta raposa usa vestes humanas (próprias ao personagem que ele

representa), com uma única diferença, dispensou a calça, sua blusa é comprida o

suficiente para cobrir suas partes íntimas, mas vemos suas pernas à mostra. Utiliza

sapatos que também correspondem ao que é encontrado como vestimenta desse

personagens em representações com seres humanos. Caminha sob duas patas e

manuseia objetos tal como um ser humano faria. Suas expressões faciais também

são exatamente correspondentes a de seres humanos. A partir apenas dessa

descrição é possível perceber uma conjunção entre características humanas e

animais no que diz respeito a sua apresentação física.

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Figura 37 - Personagem Robin Hood

Na cena inicial onde há um diálogo entre o herói e seu companheiro João

Pequeno, no qual já podemos perceber algumas características da personalidade

de Robin. Demonstra-se ser despreocupado com os perigos a que se submete,

inclusive quando seu amigo diz que ele se arrisca demais Robin nega, porém está

com uma flecha atravessada em seu chapéu, sua expressão facial e resposta

verbal a João Pequeno revelam aqui um certo nível de sarcasmo do personagem,

característica complexa encontrada nos seres humanos. Enquanto fala o

personagem está tranquilamente encostado em uma árvore olhando suas unhas,

revelando sua total falta de preocupação, ainda finaliza dizendo que estava apenas

se divertindo. Ao mesmo tempo em que a cena nos mostra traços importantes da

personalidade do herói, revela também a natureza da animação, na qual deverão

prevalecer as leis do mundo real e não do cartum, uma vez que está evidenciado

que os personagens estão sujeitos a danos físicos. O que estabelece o tipo de

preocupação que o espectador deverá ter com os personagens, construindo assim

a relação de identificação.

A discussão que se segue trata de uma questão primordial que define se

Robin é um herói ou não, pois é o questionamento sobre se é correto roubar dos

ricos para dar aos pobres. O herói faz questão de afirmar que não é roubo, e, sim

um “empréstimo”. Dessa forma reafirmam-se as características tiradas da lenda

original onde Robin é um fora da lei. Aqui temos isso evidenciado o que aproxima a

história da animação de suas bases originais.

Em seguida ao ouvir tocar uma corneta rapidamente sobe em uma árvore,

ainda na posição ereta. Tal atividade pode ser realizada por algumas espécies de

raposas, o que não distanciaria tanto o animal da realidade, não fosse a forma em

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que fez a ação, como pode ser verificado na figura 38, onde Robin se apóia em

João Pequeno e sobe rapidamente na árvore:

Figura 38 - Robin subindo na árvore

Outra cena que revela muito a respeito do personagem é quando Robin rouba o

príncipe João, mas para isso não precisa utilizar força, apenas sua astúcia. Ao perceber a

carruagem real passando pela floresta, Robin decide junto com João Pequeno disfarçar-se

de cigana para enganar o príncipe. Ou seja, além de vestirem-se como seres humanos

ocupam papéis sociais e crenças como estes, fugindo completamente do mundo animal.

Tamanha é a perfeição do disfarce que o príncipe confia nas ciganas que encontra, ao

ponto de não perceber quando estas roubam seus diamantes ao cumprimentá-lo. Robin

finge ler o futuro do príncipe, para tanto pede que este fique de olhos fechados, é nesse

momento que Robin rouba o dinheiro da realeza. Novamente revela-se uma cena muito

mais pautada no diálogo, em que não há nenhum indício de que se trata do mundo animal.

Como visto no caso de João Honesto, a esperteza é normalmente uma característica

associada à raposa, como nas histórias infantis mencionadas anteriormente. Assim,

mesmo que em uma animação analisada tenhamos um antagonista, e nesta o herói com a

mesma espécie de animal, no qual encontramos características de personalidade muito

semelhantes sendo empregadas nos personagens com base nas características do animal

que está sendo representado.

Algo interessante de se pensar é que uma vez que em Robin Hood todos são

animais, a questão do simbolismo implícito ao personagem é menos evidente que no caso

de Pinóquio, onde os animais são minoria, assim quando aparecem chama a atenção para

algum motivo especial. No segundo caso se busca compreender o todo muito mais do que

um personagem específico. Mas ainda assim é possível perceber o cuidado com a escolha

dos animais que representaria cada personagem.

Além das características exploradas até o momento, existem alguns elementos que

fogem da representação tradicional da raposa, como a bondade e altruísmo e isso se fez

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necessário uma vez que a escolha de utilização do animal não foi pontual ou com base em

uma história na qual tal animal já era utilizado, pelo contrário trata-se de uma história

amplamente conhecida onde o herói é um ser humano, ou seja, ele já tem uma gama de

características que mesmo não sendo correspondentes às características da raposa

precisavam ser retratadas em função da narrativa, o que impossibilitou um casamento

perfeito entre o simbolismo do animal e as características do herói, o que facilmente passa

desapercebido uma vez que muito facilmente esquecemos que Robin é uma raposa.

2.2.2 Leão Medroso

O antagonista no filme é o príncipe João, representado por um leão. Possui

pelos amarelados como de um leão, sua pata apresenta apenas quatro dedos

curtos como os de um leão. Apresenta também focinho próximo ao de leão na

realidade, entretanto não possui juba, o que dificulta o reconhecimento do animal,

porém sabe-se que ele é um leão, pois na abertura da animação ele foi

apresentado como tal através do letreiro inicial. Suas vestes correspondem à de

alguém pertencente à realeza, com um manto vermelho, anéis de brilhante e uma

bela coroa. Encontramos aqui a primeira explicação da escolha de um leão para o

personagem, a partir do conhecimento popular o leão é reconhecido como o Rei

dos Animais, em função de estar no topo da cadeia alimentar das localidades em

que vive e segundo o site de ecologia online isso se deve também a sua postura

majestosa e sua juba, considerada como uma coroa cabendo a ele defender o

território. Já um elemento de curiosidade é o fato do príncipe João não apresentar

juba, discussão que será apresentada mais adiante quando analisarmos as

características desse personagem.

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Figura 39 - Comparativo da representação de príncipe João como leão e o animal na realidade

A primeira cena em que vemos o príncipe, é no momento que ele está em

sua carruagem conversando com seu fiel criado, Sr. Chio. Ele aparece brincando

com moedas contidas em um saco, muito feliz e satisfeito, revelando que tal

dinheiro é fruto dos impostos recolhidos do povo. Tal cena revela uma sociedade

capitalista pautada na divisão social muito clara entre ricos e pobres, nada

relacionado com uma sociedade animal, que pode apresentar divisões de trabalho,

alguma hierarquias, mas dinheiro é algo que nunca fez parte do reino animal.

Assim os animais de Robin Hood se aproximam ainda mais da representação

humana e o príncipe revela uma característica restrita aos seres humanos:

ganância. Revela inclusive seu mau caráter ao dizer: “roubo dos pobres para dar

aos ricos”, deixando ainda mais evidente a oposição em relação a Robin Hood que

sequer concorda em usar a palavra “roubar” para seus atos.

Na sequência o príncipe está ajeitando sua coroa na cabeça, algo que faz

com dificuldade uma vez que a coroa é grande demais para sua cabeça, revelando

sua inferioridade em relação ao rei, pois pelo diálogo é revelado que tal coroa

pertence na verdade ao Rei Ricardo, irmão de João, a quem este enganou para

afastar do trono e usurpar seu lugar. Revela nesse momento grande desejo pelo

poder, algo incomum de se encontrar no reino animal, existem, sim, disputas, mas

sempre ligadas a alimentos e sobrevivência.

No momento em que Sr. Chio fala a respeito da mãe do príncipe, este

demonstra seu lado fraco, dizendo que a mãe sempre gostou mais do irmão do que

dele, leva seu dedo à boca e segura a orelha em uma ação que remete a atitudes

de bebê, como se este estivesse tendo uma regressão, como alguma

consequência psíquica de algum trauma ou questão mal resolvida de sua infância.

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Quem já viu animais agirem dessa forma? Isso não é muito bem explorado, apenas

inserido talvez para despertar o comic relief, que como mencionado anteriormente

se dá justamente porque o príncipe é um leão e está apresentando

comportamentos inesperados para a espécie. Porém ao analisar a cena, a questão

de se tratar de um leão não tem grande significado, pois este personagem se

aproxima de tal forma das características humanas que facilmente esquecemos

sua origem, mas ainda assim a cena é engraçada, pois vemos um príncipe

ganancioso sentindo falta da mãe e chupando o dedo. Reforçando o caráter

cômico da cena, o Sr. Chio repreende João, não por este estar demonstrando

fraqueza, mas porque seu polegar faz muito barulho. A cobra inclusive revela que o

príncipe está tendo uma crise psicótica.

Figura 40 - Rei revelando sua fraqueza

Os termos empregados na conversa por parte do Sr. Chio nessa sequência

são um tanto complexos e talvez difíceis de serem compreendidos pelo público

infantil, como por exemplo: “como vos assenta bem”, “lapso da minha língua

viperina”, “o hipnotismo vai vos livrar de vossa psicose”.

Em seguida à cena em que Robin Hood engana o príncipe revelando mais

algumas características desse leão, que se demonstra pouco desconfiado e até

mesmo ingênuo, não escutando os avisos de seu conselheiro de tomar cuidado

com as “ciganas”, mas o príncipe não lhe dá atenção, está mais preocupado com

sua diversão e preocupado em descobrir seu futuro do que prezar pelo ouro que

possui. Robin e João Pequeno tiram os diamantes do rei sem que este perceba

revelando ser até mesmo um tanto bobo, caindo em um golpe tão distante da

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realidade, com espíritos sendo invocados, não percebendo o sarcasmo da “cigana”

dizendo que ele é bondoso, majestoso, amável, etc... até porque João se percebe

dessa forma. Os heróis conseguem facilmente atingir seu objetivo e João só

percebe isso quando está sem roupa e seus inimigos já estão em fuga.

Em nenhum momento no filme ele assume uma briga, sempre delegando a

outros tal responsabilidade, o que pode inclusive ser visto como uma característica

antagônica do leão que seria de força e coragem, tomando frente das brigas e

disputas. Ou seja, esse leão não seria tão leão assim, inclusive por isso não teria

uma juba. Ele não é o rei por direito e não se comporta como tal, não sendo digno

das características majestosas de um leão. Isso é reforçado com o príncipe caindo

na lama e ao ouvir Sr. Chio falando em sua mãe coloca novamente o dedo na boca,

inclusive queixa-se que seu dedo está sujo com voz de criança. Com a postura tal

qual a de um bebê e mais distanciada de um rei.

Assim como a raposa, o leão aparece em algumas fábulas, como: O leão e o

rato, O leão apaixonado, O leão e o Asno (Esopo) e o Leão e o Mosquito (La

Fontaine) em todas o leão sendo retratado como forte e temido pelos demais

animais que na maioria das histórias buscam derrotá-lo, sem grande exploração de

outras características. O que leva a pensar que a única marca da personalidade do

leão não é refletida no personagem do príncipe João.

O que é possível perceber a partir das análises apresentadas é a

simplicidade dos personagens no que diz respeito as suas características

acompanhando a tendência geral dessa narrativa onde poucos elementos são

repetidos ao longo da história, não havendo espaço para grandes novidades.

A partir desse primeiro capítulo é possível perceber que mesmo com as

diferenças de representação de animais em Pinóquio em Robin Hood em ambos

encontramos preservação de alguns elementos naturais de animais e

características marcantes de seres humanos nos personagens, o que aproxima a

espécie humana da animal, relembrando nossas semelhanças e características

compartilhadas. Algumas características apresentadas pelos personagens animais

servem para evidenciar elementos da condição humana.

É possível perceber o cuidado para escolha dos animais para servir de

personagens nas animações, mesmo em Robin Hood onde a estrutura narrativa é

mais simples, ou seja, o simbolismo dos personagens acaba por enriquecer a

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narrativa trazendo conteúdo implícito aos personagens em função da escolha do

animal a ser utilizado.

Com isso, por mais que inicialmente pudéssemos pensar que os

personagens animais completamente humanizados poderiam simplesmente ser

substituídos por personagens humanos, com uma análise mais profunda fica claro

que o conteúdo narrativo seria completamente diferente se assim o fosse e

algumas mensagens não existiriam. Como por exemplo de que por vezes um

estigma não se confirma na prática, mesmo que acreditemos que todos os leões

são corajosos a partir de Robin Hood percebemos que isso não é uma verdade

universal, então esse tipo de conceito pré estabelecido deve também servir para

seres humanos.

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CAP. 3 - CONSTRUÇÃO SOCIAL DO REINO ANIMAL

Quão próximo um personagem animal pode chegar de características

humanas sem que se torne um animal completamente humanizado? Quais as

características que o mantêm como animal? Essas são questões que precisam ser

analisadas a partir de personagens animais categorizados como apenas

parcialmente humanizados ou não humanizados. Para tanto foram selecionadas as

animações Vida de Inseto e Rei Leão, ambas com animais como personagens

principais e com uma sociedade específica construída em torno da espécie

predominante de animais nos filmes.

3.1 Vida de Inseto

Animação estadunidense de 1998 produzida pela Pixar e distribuída pela

Disney. Conta a história de uma comunidade de formigas que sistematicamente

precisa separar parte de sua colheita para os opressores e fortes gafanhotos. Flik,

uma formiga criativa e visionária, vive se metendo em confusão e a fim de afastá-lo

do formigueiro as formigas do conselho da rainha o mandam em busca de ajuda,

quando Flik encontra uma trupe de insetos circenses, mas os confunde com

guerreiros, ao levá-los para o formigueiro ele é considerado um herói. Porém, logo

a confusão é identificada e as formigas se desesperam, mas graças às invenções

malucas de Flik as formigas conseguem derrotar os gafanhotos.

São muitos os personagens encontrados em Vida de Inseto, inclusive

porque a história não é pontual sobre um personagem, mas sim a realidade e

desdobramentos de uma sociedade inteira, assim temos:

- Sr. Solo - Formiga macho responsável por coordenar as formigas trabalhadoras.

Não apresenta uma função narrativa conforme as apresentadas por Propp ou

Greimas.

- Princesa Atta - Formiga fêmea, filha da rainha, que está sendo preparada para

assumir o trono, é preocupada e perfeccionista. As funções desta personagem

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variam entre princesa/objeto uma vez que as ações do herói são em grande parte

para impressioná-la, porém é preciso pensar nesta como uma função atualizada,

uma vez que a personagem não precisa ser resgatada, e, sim conquistada. Outra

função na qual se pode encaixar a personagem é a de mandante/destinador, tanto

pensando que ela o faz diretamente, quando impõem a jornada de buscar ajuda ao

herói, quanto indiretamente, quando pensado que as ações do herói são motivadas

pela conquista da princesa. Aqui já é possível perceber uma atualização da

sociedade refletida na animação, onde o papel da mulher se modifica e as funções

são acumuladas.

- Rainha - Formiga fêmea que conduz o formigueiro, é ponderada e sábia e tenta

passar valores importantes para a princesa que está sendo preparada para

sucedê-la.

- Cão - Pulga que se comporta como cachorro, é o animal de estimação da rainha.

Pode ser visto pela sua simples existência como ocupando a função de comic relief.

- Dot - Filha mais nova da rainha, parece ser a única em enxergar em Flik um herói,

ocupando dessa forma a função de auxiliar/adjuvante a pesar de ser apenas uma

formiga criança. O que quebra com paradigmas colocando todos como potenciais

agentes de mudança no mundo, o que traz maiores possibilidades e

responsabilidades a cada indivíduo.

- Flik - Formiga macho que gosta de criar objetos a fim de facilitar a vida das

formigas, não recebe muito crédito por suas idéias. Em alguns momentos também

é o causador de confusões. Representa o herói. Apesar de ser reconhecido como

tal após muito tempo, é rejeitado por considerarem que ele não age como uma

formiga, ou seja, não segue o padrão.

- Hopper - Líder dos gafanhotos, é ditador e opressor inclusive com sua

comunidade preza pelo poder acima de tudo, sem se preocupar com as

consequências disso, prefere tirar proveito da comunidade das formigas a trabalhar.

Ocupa a função do antagonista/oponente.

- Molt - Irmão trapalhão de Hopper que não parece muito à vontade com a

exploração das formigas, entretanto segue fielmente o irmão. Ocupa a função de

comic relief na animação.

- Tambor - gafanhoto que apresenta certa deficiência mental e foi treinado para ser

agressivo. Enquadra-se também como antagonista/oponente, não sendo possível

identificar se por vontade ou por aquilo que Hopper o treinou para ser.

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- Dim - besouro que trabalha no circo e namora com uma aranha, algo raro de ser

encontrado nas animações com animais que é a relação entre espécies,

novamente indicando uma mudança da sociedade onde as regras raciais e sociais

mudaram, havendo possibilidades de relacionamentos tantas quanto o indivíduo

deseje e não mais unicamente o imposto por regras da sociedade. Apesar de ser o

maior dos insetos é também o mais sensível. Assim como todos os personagens

do circo apresentam a função de auxliar/adjuvante, além de comic refief.

- Rosie - aranha viúva-negra cuidadosa com todos seus amigos e principalmente

com seu querido Dim. Nova quebra de paradigmas pois, ao que parece, como é

comum à espécie, a aranha matou seus antigos companheiros, porém com o

besouro foi diferente.

- Chucrute - lagarta comilona que sonha em se tornar borboleta.

- Francis - joaninha macho de cílios longo e feições femininas, porém com voz

grossa, que traz à tona sutilmente temas relacionados com sexualidade e auto-

aceitação.

- Cigana - bela borboleta casada com um louva deus. Temos assim nova relação

entre espécies diferentes e agora oficializada pelo casamento.

- Manuel – louva deus que faz o papel de um mágico no circo, é um inseto tranquilo

e decidido.

- Vareta - bicho palito que se incomoda com os desígnios que lhe são impostos em

função de seu formato.

- Deita e Rola - dois tatubolas trapalhões e divertidos, mesmo sem falar nada ao

longo de toda animação.

- P.T - pulga ranzinza dono do circo, apresenta a função apenas de comic relief.

Vida de Inseto é uma produção original escrita e dirigida por Jonh Lasseter,

evidentemente inovadora que participou ativamente da criação da Pixar. Isso

também fica claro em suas animações, sempre trazendo realidades diferentes e

mundos fora do normal para seres humanos.

O filme se inicia levando o espectador ao mundo dos insetos, pois apresenta

inicialmente um plano geral de uma imagem em uma área com árvores e grama e

a partir do movimento de câmera há cada vez uma aproximação maior com a área

do gramado ao ponto em que a câmera “toca” nas hastes da grama então a

primeira formiga aparece. Ou seja, o espectador que foi levado para esse ambiente

através do poder da câmera. O cuidado com a proporção de tamanhos ao longo da

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animação fica muito claro. Esse já é também um indício em relação a utilização dos

animais, eles não estão no mundo dos humanos, mas nós estamos tendo o

privilégio de estar no deles, onde teremos elementos revelados para nós nunca

vistos antes. Pois não podemos entrar nesse minúsculo mundo pertencente aos

insetos.

Podemos identificar a estrutura narrativa de cinco invariantes apresentadas

anteriormente, com uma pequena inversão em sua ordem como veremos a seguir.

Temos inicialmente a apresentação do cenário e de alguns personagens,

bem como de uma situação que parece ocorrer há um bom tempo: as formigas

devem colher sementes e ofertar para os gafanhotos. Então somos apresentados

para essa comunidade de formigas onde fica evidenciada sua maneira tradicional

de agir, com uma sociedade fechada para o novo, fixa a regras e formatos já há

muito pré-estabelecidos. Mostrando a falta de possibilidade das formigas do

formigueiro pensar além do que lhes foi determinado, o que fica claro quando uma

pequena folha cai na frente de uma das formigas que está na fila da colheita e esta

se desespera dizendo que se perdeu, apesar do tom cômico a cena serve para

mostrar a limitação desses seres. No oposto, temos o personagem Flik, que criou

um objeto capaz de colher mais sementes em menos tempo, porém nem a rainha,

nem a princesa nem seus conselheiros acham esta uma boa idéia.

Pouco antes do momento da chegada dos gafanhotos Flik acidentalmente

joga fora toda a comida que deveria ter sido deixada para eles, o que faz com que

os gafanhotos “desçam” no formigueiro para reivindicar sua comida e quando

informados que não há comida ameaçam matar as formigas caso estas não

providenciem o que lhes é devido.

Alguns elementos importantes são as mensagens que são passadas a todo

o momento no filme. Nesse primeiro trecho um dos conselheiros da rainha diz à

princesa quando esta entra em pânico em função a uma falha na fila das formigas:

“tudo bem, alteza, falhas acontecem, só perdemos alguns centímetros”. Ou como

no momento em que Flik explica a Dot que não é tão ruim ser pequena, dizendo

que quem é pequeno tem grande potencial, precisa apenas de algum tempo, como

se fosse um recado direto para as crianças que estão a assistir a animação. Isso

também fica nítido no momento no qual a princesa pensa em se justificar sobre a

ausência da comida dizendo que não foi culpa dela, e prestes a dizer quem é o

responsável, então Hopper lhe diz : “primeira regra da liderança: tudo é culpa sua!”,

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importante mensagem não apenas para as crianças mas principalmente para

adultos que certamente assistem às animações que cada vez mais apresentam

conteúdos para esse público também.

Porém, além do conteúdo da história, é muito importante verificar o cuidado

com o cenário apresentado, reforçando a todo o momento a idéia de que estamos

sendo levados para o mundo dos insetos. Como no momento em que soa o alarme

avisando que os gafanhotos estão se aproximando, onde vemos formigas

assoprando conchas que produzem o barulho do alarme, ou quando as formigas

entram no formigueiro, onde há uma rampa para as formigas que consiste na

verdade de um grande tronco de árvores, e a luz é fornecida pelos raios que

entram no ambiente ou por cogumelos florescentes, mas não há um só elemento

que seja de uma comunidade humana, o conceito pode ser o mesmo, mas os

objetos são próprios da comunidade das formigas da animação.

Figura 41 - Alarme das formigas e formigueiro

Nesse momento temos a finalização da parte inicial e entramos nas etapas da

narrativa apresentadas por Coelho (2000)

I - desígnio - após a determinação de Hopper de um novo prazo para a colheita. as

formigas precisam fazer nova colheita, mas não têm tempo, então a partir de

sugestão do próprio Flik e com a concordância da princesa e seu conselho deverá

deixar o formigueiro em busca de ajuda para derrotar as formigas. Apesar de se

classificar como desígnio, a verdade é que as formigas não esperam que este seja

de fato cumprido, estão apenas em busca de uma maneira de se livrarem das

trapalhadas dessa formiga revolucionária.

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II - viagem - então Flik sairá do formigueiro para um lugar desconhecido em busca

de ajuda. Temos a cena dele caracterizado para uma caminhada, com boné (feito

de folhas), ao que parece uma barraca ou saco de dormir (feito de folhas), cantis

(sementes), mas novamente sem nenhum elemento seja do mundo do humano,

mas sim uma recriação para uma formiga.

Figura 42 - Formiga pronta para sua aventura

O destino final de sua viagem é a cidade, não a dos homens, mas, sim, dos

insetos, momento no qual são revelados diversos elementos semelhantes à cidade

dos homens, mas ao mesmo tempo bem diferentes, em alguns momentos

encontramos, sim, elementos humanos, mas nitidamente resgatados de algum lixo

e reaproveitados para situações específicas da sociedade dos insetos, como o farol

que é feito a partir de pisca-pisca controlado por um vaga-lume, ou o bar localizado

dentro de uma lata velha, o circo onde os assentos são uma forma de gelo, cidade

com caixas no lugar de prédios e outdoors, trânsito de insetos ao invés de carro,

inclusive com mendigo.

Figura 43 - Farol da cidade dos insetos

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Figura 44 - Plano geral da cidade dos insetos

Porém, além da parte visual, nesse novo ambiente vemos uma divisão social

estabelecida, onde além dos profissionais do circo, temos donos de bar, motorista

de ônibus, taxista, garçonete, sempre na proporção e especificações pertinentes ao

ambiente construído para os insetos.

A quase todo momento o espectador vê os insetos e seu mundo em

tamanho grande, devido à aproximação da câmera apresentada anteriormente,

mas em alguns momentos essa câmera se afasta como que para mostrar a

proporção real dos elementos desse mundo, como no momento que Flik volta para

casa com seus novos amigos, que ele acredita serem grandes guerreiros, mas

tudo não passou de um mau entendido que pode ser acompanhado pelos

espectadores.

Figura 45 - Porporção real do tamanho dos insetos

Insetos

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Aqui uma pequena inversão nas invariantes apresentadas. Antes de

aparecer o obstáculo, temos o mediador.

IV- Mediador - seria justamente a chegada dos insetos do circo, sendo

apresentados como guerreiros, são vistos como a solução dos problemas das

formigas. Para o mal entendido não houve nenhuma das partes mal intencionadas,

apenas a ansiedade de ambas as partes de atingirem seus objetivos, um arranjar

ajuda para o formigueiro e outro desejo de atingir a fama. Assim Flik acredita que

os insetos são guerreiros e fala isso para a princesa e todo o formigueiro que

recebe os insetos com grande cordialidade e entusiasmo, o que faz com que os

insetos sintam-se de fato um sucesso. As esperanças de todo o formigueiro de

derrotarem os gafanhotos são depositadas nos mediadores que acabam de chegar.

Por isso uma festa de boas-vindas é feita em homenagem dos “guerreiros”.

III - Obstáculo - este surge exatamente no momento em que é revelado para

os insetos através de uma encenação do grupo de teatro da escola infantil o real

motivo para a presença dos insetos. A surpresa dos insetos e sua preocupação é

evidenciada por suas feições. Essa cena revela que a antropomorfização aparece

em pequenos detalhes. O cuidado em apresentar uma sociedade própria dos

insetos vem ficando claro a partir da análise, entretanto pequenos gestos e

comportamentos tipicamente humanos são encontrados, como o de Rosie com a

mão na boca esboçando susto, ou Vareta protegendo Chucrute ao colocar sua

mão nos olhos deste, impedindo que veja as cenas reveladas pela peça teatral.

Não é preciso diálogo algum para perceber que os insetos estão com medo e que

de fato não tinham ideia em que estavam se metendo. Apenas suas expressões

faciais e gestos são suficientes para que o espectador perceba isso, principalmente

porque são gestos comuns a humanos nesta situação.

Figura 46 - Insetos surpresos ao descobrirem o mal entendido

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Após se darem conta do mal entendido, os insetos comunicam isso a Flik e

decidem ir embora, porém na fuga enfrentam um passarinho faminto e junto com

Flik conseguem se sair bem da situação, porém como Francis machuca sua pata,

precisam voltar para o formigueiro, além de se motivarem com os aplausos

recebidos após a vitória na fuga do pássaro.

Porém o obstáculo continua, os gafanhotos ainda devem chegar e os

mediadores não são mediadores de verdade. Flik tem então uma ideia de construir

um pássaro para espantar os gafanhotos, todos juntos colocam o plano de ação.

Quando parece que o obstáculo foi superado, todos descobrem que os

insetos não são guerreiros, pois P.T chega no formigueiro e reconhece seus

artistas. Com uma nova rejeição, os insetos não têm opção a não ser irem embora,

e Flik os acompanha. Com isso, a crença de que seria possível derrotar Hopper é

deixada de lado. Mesmo com o pássaro pronto, as formigas não acreditam em si

mesmas e desistem de lutar.

IV- Mediador - A partir do que aprendeu com Flik, Dot o convence a voltar

acompanhado dos demais insetos e cumprir com sua tarefa. Ela lidera seus

colegas que se tornam os novos mediadores, responsáveis pela luta contra os

gafanhotos, e os insetos retomam sua posição.

V - Conquista - O plano de espantar os gafanhotos com o pássaro é posto

em prática, porém por acidente é posto fogo no pássaro e Hopper descobre que

não se passava de um plano das formigas. Mas ainda assim Flik toma coragem e

enfrenta Hopper, que faz com que Tambor dê uma surra nela. As feridas causadas

podem ser vistas em seu olho roxo e em marcas pelo seu corpo, revelando

também uma característica inédita pelo menos para formigas. Mas mesmo muito

machucado, Flik questiona Hopper quando este diz que as formigas não servem de

nada a não ser para servir os gafanhotos, mas o herói declara a todas o quanto

elas são capazes e as relembra do que fizeram quando se uniram, e quantas vezes

colheram para elas e para os gafanhotos, revelando que gafanhotos é que

precisam de formigas, isso desperta a coragem das formigas que se viram contra

os gafanhotos e os espantam da ilha, sem plano, sem guerreiros, apenas com sua

própria coragem e união. Dessa forma a conquista vai muito além de derrota e

expulsão dos gafanhotos, mas em um autodescobrimento e criação de

autoconfiança até então inexistente na espécie. Flik também atinge seu objetivo, e

as formigas passam a confiar nele e utilizar os eventos propostos por ele.

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A narrativa claramente apresenta valores e contribui para formação de uma

mentalidade para quem a assiste, com mensagens que podem ser utilizadas por

adultos e crianças. Coelho (2000) apresenta um comparativo interessante entre os

valores tradicionais (estipulados a partir do romantismo) e os novos, para isso

vejamos o quadro comparativo de conteúdo apresentados por ela:

Tabela 3 - Comparação entre tradição herdada e a desagregação ocorrida hoje, em Coelho (2000, p. 19)

O Tradicional O Novo

1. Espírito Individualista 1. Espírito Solidário

2. Obediência absoluta à Autoridade 2. Questionamento da Autoridade

3. Sistema social fundado da valorização do

ter e do parecer, acima do ser

3. Sistema social fundado na valorização do

fazer como manifestação autêntica do ser

4. Moral dogmática 4. Moral de responsabilidade ética

5. Sociedade sexófoba 5. Sociedade sexófila

6. Reverência pelo passado 6. Redescoberta e reivenção do passado

7. Condição de vida fundada na visão

transcendental da condição humana

7. Concepção de vida fundada na visão

cósmica/ existencial/ mutante da condição

humana

8. Racionalistmo 8. Intuicionismo fenomenológico

9. Racismo 9. Antirracismo

10. A Criança: “adulto em miniatura” 10. A Criança: ser-em-formação

(“mutantes” do novo milênio)

Vida de Inseto é o filme mais recente analisado (lançado em 1998), e é

possível perceber claramente as modificações destacadas pela autora. Se

voltarmos para Pinóquio será possível perceber que se enquadra mais no formato

tradicional, entretanto no caso de Robin Hood e até mesmo O Rei Leão que será

apresentado adiante (que, apesar de ser uma produção de 1994, segue uma

vertente da Disney mais tradicional). Apesar de termos um herói central, o

interesse da sociedade está em primeiro lugar e todos apresentam um importante

papel na trama. A autoridade já nos primeiros minutos é questionada e por fim

derrotada. O herói não tem nada, na verdade nenhum deles têm, as formigas estão

todas em pé de igualdade, porém são as idéias e manifestações de Flik que o

destacam, o formigueiro está repleto de dogmatismos que são superados ao longo

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da animação, nitidamente temos novas formas de relacionamento no filme

revelando a quebra com a tradição sexófoba e racista. A criança no filme é

encarada de forma diferente e passa a ser agente de mudança e transformação e a

criança espectadora passa a receber mensagens diretas e específicas para sua

realidade.

Com tudo isso, temos uma vasta gama de mensagens sendo passadas que

refletem ideais de uma sociedade contemporânea e, a partir das explicações vistas

anteriormente, é possível pensar nessa animação, apesar de original, como

criando uma nova fábula, própria de um novo tempo, mas certamente uma fábula.

A escolha dos personagens segue, entretanto, características já conhecidas,

formigas são trabalhadoras, característica já explorada em fábulas anteriores no

caso do gafanhoto temos um inseto preguiçoso que apenas se preocupa com

diversão e que precisa da formiga para lhe dar comida como representado na

fábula de Esopo.

Para a análise dos personagens, foram escolhidos os opostos: Flik e Hooper.

3.1.1 A Formiga revolucionária

Flik aparece aos 43 segundos da animação, logo após a aparição das

formigas em fila colhendo cada uma um grão, porém esta formiga aparece com um

protetor nos olhos, como de trabalhadores que trabalham em indústria, com uma

máquina presa ao seu corpo, que corta uma haste de grãos e tira mais de um grão

de uma só vez. Antes de prosseguir, interessante analisar a engenhoca do herói:

seu capacete é originado de uma semente preparada para isso, a máquina é feita

de gravetos, pedaços de grama que mantêm presos uns aos outros, pedra que gira

como motor, ou seja, não é uma máquina de humanos e, sim, uma máquina de

formigas, como reforçado ao longo da análise anterior.

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Figura 47 - Invenção de Flik para colher mais grãos

Em relação a sua aparência, há um misto entre características de formiga e

outras específicas, para animação. Primeiramente, temos a questão da cor, na

natureza formigas são pretas, marrons ou avermelhadas, na animação elas são

azuis, cinzas ou rosas dependendo de seu sexo e idade, o que se faz necessário

para as relações que se estabelecem. Certamente essa foi a forma que os

animadores encontraram de transmitir tais características das formigas sem ter que

sistematicamente comunicá-las aos espectadores. O corpo de uma formiga é

dividido em três partes; cabeça, tórax e abdômen, sendo cabeça e abdômen as

partes que mais se sobressaem, exatamente como apresentado na animação,

entretanto as formigas na realidade apresentam seis patas e na animação apenas

quatro, o que pode estar diretamente ligado com questões práticas do desenho e

complexidade para reprodução, além de ser necessário dar movimento e utilidade

constante para mais um par de patas, porém com essa característica a formiga se

aproxima ligeiramente dos seres humanos no quesito físico, além de andar ereta

sobre duas patas.

As formigas da animação também possuem antenas, que no reino animal

servem para tatear e sentir odores, porém na animação não houve momento algum

em que ficou evidenciada a utilidade das antenas, sendo muito mais um elemento

para o design físico do personagem. A partir das características físicas, a categoria

“parcialmente antropomorfizado” é reforçada, pois há um hibridismo nas

características do inseto, que contribuem para a aproximação de características

humanas, mas ao mesmo tempo há características marcantes da espécie que

reafirmam os personagens como pertencentes às formigas. Apesar de não

entrarmos aqui em detalhes, o mesmo acontecerá com os demais personagens,

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perderão algumas de suas características naturais, porém ainda podem ser

reconhecidos como membros da sua espécie.

Figura 48 - Flik e formiga real

Flik pertence a um formigueiro, mas ele é diferente, não consegue

simplesmente aceitar o que ouve, de que certas coisas sempre foram feitas

daquele jeito. Ele quer mudanças, quer revolucionar. Mas isso não é bem aceito

pela sociedade conservadora da qual faz parte. Outro fator que contribui para isso

é que Flik é muito desastrado, na primeira cena isso já fica estabelecido, onde,

após cortar a haste de grama e retirar os grãos sua máquina, arremessa a haste

para longe e nesse momento as hastes caem sobre a princesa. Flik então corre

para ajudar, e uma das formigas diz: “Ahh... é o Flik”, revelando que este tipo de

coisa pode acontecer constantemente. Então ele começa a falar sobre as

vantagens de sua produção de uma forma muito rápida e empolgada, o que revela

pontos de sua personalidade como ansiedade e hiperatividade. Ao que parece, a

única que gosta de Flik é a irmã mais nova da princesa Atta, a pequena Dot. Após

seu discurso, as formigas mais velhas do formigueiro se dirigem para ele e dizem

que, se deseja ajudar, deve largar a geringonça e colher os grãos como uma

formiga. Como se pelo fato de poder fazer algo de forma diferente, o

descaracterizasse como formiga.

Há uma reprodução clara de uma sociedade a partir do filme, onde ficam

estabelecidas as regras sociais, as relações de poder e fortemente o preconceito

existente. Apesar do mundo ser de insetos e formigas, os problemas e situações

do filme certamente são reflexos de uma sociedade do homem, o que reforça ainda

mais o caráter de fábula da animação, cheia de mensagens, do tipo: “não devemos

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julgar o diferente, pois este pode ser melhor”, “não é porque algo sempre foi feito

de uma determinada maneira que não possa ser mudado”, entre inúmeras outras.

A escolha pelas formigas, além de sua característica já conhecida de

trabalhadoras, há também a questão de ser fato conhecido que as formigas se

organizam em sociedade, onde vários membros da espécie vivem juntos no

mesmo ambiente (o formigueiro), onde existe divisão de tarefas e papéis.

3.1.2 Gafanhoto inteligente

Hopper é o líder de uma comunidade de gafanhotos que exploram as

formigas para obterem alimento. No momento que chega no formigueiro para

reivindicar sua comida, é possível ter clara percepção em relação às características

desse personagem e de seu bando. Os gafanhotos invadem o formigueiro e entram

de forma bem característica a insetos, andando sob suas seis patas de forma

rápida e emitindo um ruído característico. Nesse momento fica clara a antítese em

relação às formigas, são desordeiros, entram gritando, voando sem organização, a

música de fundo não é mais serena e, sim, contribui para o tom caótico da cena,

que reflete o caos da desorganização dessa sociedade de antagonistas.

Figura 49 - Posição dos gafanhotos ao invadirem o formigueiro

Em relação à aparência de Hooper, os detalhes com que ele foi produzido,

chamam a atenção em oposição à simplicidade do design das formigas, ele

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apresenta manchas em seu corpo e textura diferenciada para cada parte (pernas,

tórax, rosto, casco etc) dando grande realismo ao personagem. A parte traseira de

seu corpo, de onde saem as asas, também é cuidadosamente apresentada, saindo

por baixo da carapaça rígida típica da espécie, deixando o inseto ainda mais

próximo do representante natural. As pernas traseiras de um gafanhoto são muito

maiores, e os personagens da animação seguem exatamente essa característica e

as utilizam para dar impulso para voar, assim como ocorre na natureza.

Apresentam antenas que são úteis para cheirar outros animais e alimentos. Na

animação é colocada uma cena na qual fica evidente que Hopper utiliza tal função

de sua antena, quando passa antena pelo rosto da princesa Atta e constata que ela

não tem “cheiro de rainha”. Entretanto sua cabeça é um pouco mais arredondada

que o da espécie na realidade e seus olhos estão posicionados na parte frontal e

não lateral como podemos verificar na figura. Na animação os gafanhotos

apresentam dentes e, apesar de andarem sobre as seis patas em alguns

momentos, seus movimentos normalmente ocorrem apenas com os personagens

eretos sobre duas patas.

Figura 50 - Detalhes do gafanhoto Hopper em paralelo com um gafanhoto real.

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Apesar de algumas características discrepantes com o inseto na natureza,

Hopper respeita muito bem a ideia geral das características de um gafanhoto.

Já na primeira cena em que Hopper aparece, é perceptível o cuidado para

que seja implicada a grandiosidade e força características ao líder dos gafanhotos

a câmera o filma de baixo para cima contribuindo para a sensação de grandeza do

personagem, além do que ele é filmado em primeiro plano em grande parte das

cenas, destacando os detalhes de seu rosto e corpo tão próximos da realidade de

um inseto.

No momento em que entra no formigueiro, as formigas fogem dele sem que

ele tenha que falar nada, apenas sua presença impõe o medo necessário para as

formigas. Certamente sua aparência foi desenvolvida cuidadosamente para criar

esse efeito, sem que para isso tenha se afastado das características reais do

inseto. Sua primeira frase é em tom forte e gritado questionando sobre sua comida,

o que faz com que todas as formigas se encolham de medo. Quando a princesa

questiona se a comida não está na pedra da oferenda, Hopper lhe pergunta se ela

o está chamando de otário, mostrando certamente sua firmeza. Na continuação de

sua resposta, o gafanhoto mostra a complexidade de seu raciocínio e preconceito,

dizendo à princesa que, caso a comida estivesse lá no alto ele não desceria ao

nível dela para buscar.

Apesar de ser o antagonista do filme, Hopper passa grandes mensagens, e

a primeira dela é em relação à liderança já mencionada anteriormente, o que

reforça sua posição de líder. Fala também que no mundo “é inseto comendo

inseto”, grande reflexo da sociedade atual onde as pessoas se tornam cada vez

mais individualistas e egoístas no que diz respeito à busca por poder e dinheiro. O

que novamente cria para o espectador o paralelo entre a sociedade animal que

está sendo apresentada, mas que reflete na verdade a sociedade em que vivemos.

Talvez alguns pontos apresentados por Hopper passem despercebidos pela

percepção nas crianças, que ainda não desenvolveram um pensamento crítico

sobre a sociedade, mas a mensagem ainda assim é passada e pode despertar

identificação de crianças, mas principalmente nos adultos que podem estabelecer

um paralelo imediato com sua realidade. O personagem está o tempo todo sério e

não apresenta nem um momento de trapalhada ou como comic relief que têm sido

um padrão para os animais até o momento analisados.

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Os movimentos do personagem são reforçados pela movimentação de suas

quatro patas dianteiras, então, ao falar e gesticular, ao invés de apenas duas patas

acompanhando sua fala temos quatro, cuidadosamente ilustrando o que ele está

dizendo.

No momento em que Hopper percebe um pequeno movimento das formigas

se rebelarem quanto às regras impostas, ele fica mais duro e impõe como meta o

dobro de quantidade de comida.

Na cena posterior, em que é apresentado ao espectador o reduto dos

gafanhotos, é possível notar que os gafanhotos pertenceriam a uma cultura latina,

o que pode ser interpretado como certo preconceito por parte dos produtores da

animação, pois os exploradores e aproveitadores seriam os latinos, ou seja, é essa

raça que tira comida da sociedade modelo (americana), quando na realidade o que

ocorre é o contrário, mas não pode ser deixado de lado a origem do estúdio. Mas

apesar da força dos gafanhotos as formigas são capazes de derrotá-los (e

permanece intocada a soberania americana). Hopper passa uma nova mensagem

aos gafanhotos explicando que mesmo mais fracas as formigas estão em maior

quantidade e que caso elas percebam isso poderão derrotá-los, o que de fato

acontece.

Outro ponto importante no momento em que vemos a morada dos

gafanhotos é o quanto eles apenas realizam tarefas de lazer, como andar em algo

que representa um esqui aquático, tocam música, dança, bebem e recebem

massagem. Ou seja, temos assim um paralelo muito grande com a fábula

mencionada anteriormente, onde a cigarra (aqui representada pelo gafanhoto,

inseto com formato bem parecido inclusive com a cigarra) se diverte enquanto a

formiga trabalha e depois estes precisam da comida das formigas para

sobreviverem.

Hopper é um personagem inteligente capaz de passar importantes

mensagens sobre sociedade, apesar de utilizar sua capacidade para explorar

aqueles que se acreditavam mais fracos, como muitos governantes são capazes

de fazer, ainda assim passa valores aos espectadores. É um personagem

complexo e cheio de detalhes que não persegue o herói diretamente porém, causa

impacto a uma comunidade inteira.

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3.2 O Rei Leão

A animação de 1994 faz parte de um novo momento da Disney e sua busca

pela criação de novos clássicos e um restabelecimento no mercado de longa-

metragem que apresentou uma queda desde a morte de Disney. A animação conta

a história de um pequeno leão que perde seu pai a partir de uma armação de seu

tio que intenta tomar o trono e de fato o faz. O Rei Leão é uma história original que

tem como inspiração a peça Hamlet, de Shakespeare, na qual o rei da Dinamarca

é morto por seu irmão que coloca veneno em seu ouvido. Após a morte do rei, o

traidor toma seu lugar no trono, entretanto o fantasma do rei assassinado aparece

para seu filho contando a verdade e pedindo por vingança. Hamlet mata o tio e

assume o trono. De fato é possível identificar uma linha semelhante da trama:

O projeto estivera rodando o estúdio desde 1989, quando a equipe

da Feature Animation expressou interesse em fazer outro conto

alegórico com um elenco todo composto de animais, na tradição de

Bambi. O pessoal terminou aterrissando em um cenário africano

com os leões como protagonistas.

Quando entrei, me descreveram o projeto como Bambi na África e

um pequeno Hamlet no meio... era um Bamblet - Lembra a

correteirista Irene Macchi ( SURRELL, 2009, p. 145).

A história é conduzida quase em sua totalidade a partir do protagonista,

Simba, muito parecido com a estrutura vista em Pinóquio, mas ainda assim existem

personagens interessantes que suportam e acompanham a trama:

- Simba príncipe da selva, que está sendo preparado para ser rei, assume a esfera

de herói.

- Mufasa pai de Simba e rei da selva, ele passa noções importantes sobre valores

para seu filho preparando-o para seu futuro. Nesse momento, pode ser visto como

auxiliar/ adjuvante que prepara e auxilia o herói, porém no momento em que

aparece como espírito pode ser interpretado como mandante/ destinador onde

relembra o filho de suas responsabilidades e, a partir disso, Simba decide lutar pelo

seu reino.

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- Sarabi é mãe de Simba e esposa de Mufasa. Suas esferas de ação são bem

singelas ao longo da história. Pode ser reconhecida como auxiliar/adjuvante na

batalha final com as hienas, e, como destinatário da recuperação do reino por seu

filho, o que a livrará de uma vida de servidão a Scar.

- Zazu é o mordomo de Mufasa e serve como auxiliar/ adjuvante em muitos

momentos em que Simba está em perigo, porém seu grande destaque é como

comic relief, sempre amenizando situações e sendo enganado pelo filho travesso

do rei.

- Nala melhor amiga de Simba na infância, porém depois assume a esfera de ação

da princesa auxiliando Simba na transposição da tarefa difícil que é se reconhecer

como rei e responsável pela vida dos animais que estão sujeitos aos caprichos e

maldade de Scar.

- Timão, um suricate boa vida, que não gosta de se preocupar com nada, junto com

seu amigo Pumba ensinam a filosofia Hakuna Matata para Simba e milhões de

espectadores no mundo todo. Pode ser enquadrado na esfera de auxiliar /

adjuvante uma vez que auxilia Simba a se recuperar da morte do pai, acolhe-o em

sua terra e posteriormente luta contra as hienas junto com Simba e os leões.

Grande responsável pela esfera do comic relief.

- Pumba um porco do mato companheiro inseparável de Timão, muito sensível e

engraçado, acompanha as mesmas esferas descritas para o personagem anterior.

- Rafiki é um babuíno sábio e religioso, inclusive que batiza Simba, revelando uma

tradição bem humana em determinado momento do filme. Ocupa a esfera de

auxiliar / adjuvante bem como de comic relief. Além disso, pode ser encarado como

doador, pois ele que coloca Simba em contato com o espírito de Mufasa.

- Scar irmão de Mufasa, responsável pelo assassinato deste para assumir o trono,

ocupa a esfera de antagonista/ oponente, inclusive, interessante notar que retoma

uma tendência clássica para representação do antagonista nos westerns, onde o

bandido normalmente usa chapéu preto, Scar, ao contrário dos leões da realidade

e dos demais da animação, apresenta uma juba preta, o que já esteticamente

revela algo sobre sua personalidade.

- As hienas Eddie, Banzay e Chanzie são ajudantes de Scar, ocupando dessa

forma a esfera de antagonistas. Interessante que Eddie é uma hiena tão burra que

acaba por ocupar também a função de comic relief.

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No que diz respeito às esferas de ação ocupadas pelas personagens, é

possível perceber um nível intermediário de complexidade. Não temos grandes

variações de esfera de ação ou de personagens ocupando mais de uma esfera

como ocorreu em Pinóquio, mas não temos uma simplificação extrema como no

caso de Robin Hood.

Rei leão não se enquadra em uma estrutura de Conto de Fada nem de

Conto Maravilhoso, mas apresenta uma trajetória existencial, e, como apontado

anteriormente, por se tratar de uma ficção pode ser analisado a partir da base

morfológica de contos maravilhosos apresentados por Propp.

Como trecho de introdução há a música “Ciclo Sem Fim”, onde, segundo

Surrell (2009, p. 91), há o resumo da história e apresentação dos personagens,

através do fundo musical. Esta abertura tem duração de 4 minutos e 30. Em

seguida há uma cena na qual o personagem Scar é apresentado e onde já fica

nítida sua insatisfação em relação ao reinado do irmão e nascimento do sobrinho.

Scar é um leão magro e sarcástico, com expressões faciais que revelam muito de

seu sentimento, bem como as expressões de Mufasa, ambos aparentam tal como

leões, porém suas expressões de raiva e felicidade os distanciam do que

encontramos nos animais na natureza, porém ainda assim podem ser

considerados como pertencentes à classificação não antropomorfizados.

Figura 51 - Mufasa com expressão de raiva e Scar com desdém ao que está lhe sendo dito

No que diz respeito à morfologia dos contos, não é apresentada a ação em

que um membro da família sai de casa, iniciando com:

II proibição - a cena se inicia com Simba tentando acordar o pai, neste momento

temos uma visão da caverna em que dormem os leões, de forma selvagem e sem

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nenhum elemento que descaracterize o habitat selvagem do qual fazem parte.

Então Mufasa apresenta o reino a seu filho, com uma visão em plano geral da

Savana africana, caracterizando muito bem o ambiente em que se passa o filme,

com as tradicionais cores amareladas, comuns de serem vistas na representação

deste ambiente. Então o rei indica a seu filho uma área à qual não têm permissão

para ir, uma vez que esta fica fora dos domínios do reino. Nesse momento,

algumas mensagens sobre equilíbrio da vida são passadas.

Então, uma pequena inversão na ordem das ações apresentadas por Propp, temos:

IV - interrogatório - Scar busca saber se a proibição foi imposta a Simba, de forma

sutil e sem revelar suas reais intenções.

V - informação - Simba revela que o pai lhe proibiu de ir além dos domínios do

reino.

VI - ardil – Scar, fingindo ser sem querer, revela a Simba o que há no local que lhe

foi proibido ir, sabendo da curiosidade e ousadia do sobrinho imagina que com

essa informação o sobrinho realize a transgressão.

VII - cúmplice - Simba não se dá conta das intenções do tio e decide ir ao local

proibido.

III transgressão - após um belo número musical que Simba cria para despistar

Zazu que está responsável por vigiá-lo, ele e sua amiga Nala chegam finalmente

ao ambiente que havia sido proibido, o cemitério de elefantes. Porém Mufasa

chega e não permite que o dano seja causado.

VIII - dano - apesar de não haver um dano físico, é instaurado nesse momento um

dano psíquico em Simba que se sente envergonhado perante o pai e com desejo

de reparação de seu erro.

Então há repetição das ações VI, VII onde, Scar pede a Simba que aguarde

em determinado local, revelando que Mufasa tem uma surpresa para ele. Em

função do dano causado anteriormente e sem saber do envolvimento do tio

anteriormente, Simba decide não transgredir uma falsa ordem e fica a esperar o pai.

Novamente temos a ação de dano, porém desta vez irreversível, com a morte de

Mufasa. Scar e suas cúmplices estouram uma manada de gnus e Simba está

prestes a ser pisoteado, mas, graças a Scar, Mufasa chega ao local, com isso o

antagonista intenta a morte de ambos os leões da família real, o que o colocaria no

trono, entretanto apenas Mufasa morre.

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VIII carência e IX mediação - Simba então se dá conta da morte do pai e com isso

Scar se aproveita e diz ao sobrinho que ele deveria fugir, pois todos pensarão que

a culpa pela morte do rei foi dele. Com isso, nova carência é imposta, porém agora

a todos os animais, pois com Scar como rei o reino entra em profunda

degeneração.

Assim Simba parte (XI) não como reação em busca de reparar a carência,

como na estrutura proposta de morfologia, mas para se esconder da vergonha do

dano causado. Então Simba se encontra em um ambiente distante onde conhece

Timão e Pumba, que dirão a ele que é ´importante levar a vida mais leve e deixar

os problemas para traz, ou seja, Hakuna Matata. É com essa filosofia e na

companhia desses amigos que Simba cresce.

Quando Simba já é um leão formado, Nala, que está em busca de comida,

chega na mata em que se encontra Simba. Eles conversam, se apaixonam, mas

Simba não concorda em ir com ela clamar pelo seu reino. Então temos a ação XII

(primeira ação do doador) onde Rafiki começa a irritar Simba, brincar com ele,

bater em sua cabeça, o que pode ser encarado como preparo para receber o

auxiliar. Simba reage negativamente às ações de Rafiki, mas ainda assim o segue

então podemos interpretar seu contato com o espírito do pai como a recepção do

auxiliar mágico (XIV - recepção do objeto mágico), ou seja, é o contato com esse

espírito que desperta as forças adormecidas de Simba. Nesse momento seria

possível categorizar o babuíno como parcialmente humanizado, pois carrega um

cajado e o manuseia de forma incomum para animais, além disso em determinado

momento se coloca a meditar sentado sobre uma pedra, além disso ele claramente

é praticante de algumas religiões, o que é incomum para os animais, então apesar

da classificação geral dos animais do filme, esse se destoa da classificação.

XVI - combate - Simba vai então ao seu reino e percebe o quanto as coisas

estão mudadas e deterioradas, o que fica bem marcado pela cor cinzenta e

ausência de plantas. Nesse momenta enfrenta Scar e o fantasma da culpa pela

morte de seu pai, porém no momento que lhe é revelado que não teve culpa pela

morte do pai, fica ainda mais forte e derrota o tio (XVIII - vitória). Com isso o

equilíbrio do reino volta a seu equilíbrio inicial (XIX - reparação), então há um salto

para a ação XXXI - casamento, quando Simba sobe ao trono e se casa com Nala.

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Figura 52 - Oposição entre reinado de Scar e reparação após vitória de Simba

O filme segue uma certa linearidade de ações e se encaixa bem em

algumas esferas da morfologia apresentada por Propp, além de apresentar

algumas mensagens importantes que aproximam a animação da fábula, como

aconteceu em Vida de Inseto.

3.2.1 O desenvolvimento de um leão

Segundo relato de Surrell (2009), o objetivo no desenvolvimento de O Rei

Leão era a criação de uma história sobre o amadurecimento. Simba recebe lições e

valores importantes de seu pai que o ajudam no desenvolvimento de sua

personalidade. São lições não apenas para o pequeno leão, mas para todas as

crianças que precisam perceber que todos os elementos do mundo estão

interligados e relacionados entre si. Ele passa por sérios problemas e foge, porém

é relembrado de que deve cumprir com suas responsabilidades e assumir seu

papel no ciclo da vida. Essas são mensagens importantes e muito bem passadas

através dos animais agindo como animais, não foi necessário humanizá-los, todos

os acontecimentos poderiam ser facilmente encontrados no reino animal. Lógico

que as características e sentimentos são característicos dos seres humanos, mas

nada que não convença bem quando colocado para um animal, como podemos ver

a partir do personagem Simba.

A aparência de Simba, seja quando criança seja quando adulto, é muito

próxima de um leão na realidade. Anda sobre quatro patas, possui o pelo

amarelado, dentes afiados, um rabo que se mexe involuntariamente, olhos

arredondados com contorno preto, quando adulto apresenta uma juba com um

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amarelo mais escuro em volta de seu pescoço. Ou sej,a em termos físicos a

semelhança com o mundo natural é grande.

Figura 53 - Simba X filhote de leão

O que aproxima muito Simba de humanos são suas expressões faciais e

sentimentos, porém isso não é suficiente para mudá-lo de categoria no que diz

respeito ao nível de antropomorfização. Ele ocupa bem a descrição de animal não

antropomorfizado, ele se enquadra na descrição de Surrell (2009,p. 53) que diz que

muitas vezes os animais de Disney são naturais e não evidentemente

antropomorfizados, e que muitas vezes parecem animais selvagens de verdade,

em cenários naturais. Ainda reforça que isso contribui para que o público acredite

que aquele animal é tão real quanto eles próprios, ou seja, a identificação nesse

caso se dá pela aproximação com a realidade e não com a humanidade. Os

produtores optaram claramente pela utilização de animais mais próximos da

realidade, pois isso dá um caráter atemporal para história e deixa o filme mais

próximo dos contos da carochinha e fábulas de Esopo (SURRELL, 2009, p. 54) ou

seja, a mensagem é passada, mas de forma alegórica.

A cena em que Simba está com seu pai conhecendo o reino e se distrai,

tentando caçar uma marmota, é marcada pela natureza selvagem do leão, onde

seu instinto o impele a caçar, seu pai o ajuda reforçando aqui a ligação e a

amizade entre pai e filho.

Na sequencia há a cena em que Simba e Nala tentam despistar Zazu e para

isso contam com a ajuda de outros animais selvagens que começam a dançar

enquanto Simba canta. Mas ainda assim, não foge do mundo selvagem, seria mais

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uma pausa musical do que uma caracterização como ser humano. Seus

movimentos continuam restritos aos de um leão.

Em seguida, Simba chega ao cemitério de elefantes, local proibido, sua

expressão varia entre surpresa e medo, o que deixa claro seus sentimentos sem

que tenha que falar, mas ainda assim se comporta como um leão. Outra ação que

chama atenção é a risada. Simba, enquanto conversa com Nala, em alguns

momentos ri, não apenas com expressão facial, mas emitindo som de risada que

também não é comum a um leão, o que serve para reforçar um sentimento que

está sendo expressado.

Simba e Nala são cercados por um bando de hienas e começam a fugir. No

momento da briga, o que ocorre é um arranhão de Simba em uma das hienas, até

que Mufasa chega para salvá-los. Os comportamentos dos leões são sempre muito

cuidadosos no que diz respeito às limitações animais quando correm e precisam

subir por pedras, simplesmente não conseguem, pois andam sobre quatro patas e

não possuem mãos para se segurar em nada porém, as falas e diálogos são

complexos mostrando uma configuração complexa desses seres, como quando

após a desobediência do filho Mufasa lhe dá lições sobre responsabilidade e

medos.

Em oposição às cenas em que Simba recebe lições de responsabilidade no

momento que vai viver com Timão e Pumba, é como se tudo o que aprenderá

precisasse ser descartado, o que é uma nova lição, pois demonstra que em alguns

momentos é preciso relaxar, e deixar os problemas para trás. É dessa forma que

ele cresce inclusive. Como a cena é permeada de um fundo musical, Simba está

andando de forma mais relaxada, ritmada à batida da música. Após essa situação,

aparecem o leão e seus amigos deitados vendo as estrelas e discutindo a origem

das mesmas. Essa configuração o aproxima de seres humanos, mais pelo teor da

conversa do que pela sua posição.

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Figura 54 - Simba e seus amigos olhando as estrelas

O personagem enquanto imagem é um leão puro, enquanto ao que é visto

se comportando destoa de um leão nas expressões faciais, porém o raciocínio e

forma de encarar o mundo estão ligados a questões humanas complexas, tal como

ocorre nas fábulas.

Como já foi apontado anteriormente, não existem fábulas que explorem

muitas características do leão. Assim podemos pensar que a opção pelo animal

não se deu por algum traço específico de sua personalidade, mas sim para compor

um cenário já escolhido, a África, e uma vez que o leão já é considerado rei seria

coerente colocá-lo na história como tal, porém sem grandes mensagens

complementares como suporte a essa escolha.

Com as análises realizadas neste capítulo, é possível notar a importância

dada para a comunidade e as relações, as quais geram as mensagens principais

da animação. Não mais apenas as características do animal são usadas para

passar mensagens, mas da estrutura de sociedade que é construída, o que fica

mais evidente em Vida de Inseto, mas também pode ser percebido em O Rei Leão.

A proximidade dos animais com a natureza não diminuem a aproximação

com os seres humanos, pois a todo momento é possível identificar como uma

determinada situação vivida na animação pelos animais ocorre na realidade

humana, e assim mesmo com animais não antropomorfizados temos um grande

paralelo com seres humanos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de identificar um padrão para a utilização de personagens animais nas

animações da Disney e identificar sua forma de representação, principalmente no

que diz respeito ao antropomorfismo aplicado, foi feito um vasto percurso por

diversas animações e análises mais profundas em quatro dessas animações para

poder compreender melhor tal utilização.

Dessa forma a conclusão possível a partir da análise é que a representação

do personagem animal humanizado se dá de forma a facilitar funções narrativas

aplicadas ao personagem. Mas os personagens precisam ser de tal forma

construídos para passar um nível de verdade, onde apesar do antropomorfismo, há

o cuidado em preservar características importantes humanas e do animal em

questão, construindo o personagem de forma dual, o que acaba por necessitar

cenas específicas de construção do personagem, para posicionar o espectador

sobre o que esperar desse ser que não faz parte de seu repertório (não

desconsiderando que em alguns casos isso pode ser realizado de forma mais

simples em função da repetição de um personagem já conhecido, onde se espera

que este já seja familiar ao espectador). É fato que a construção do personagem,

seja ele da espécie que for, é sempre algo presente nas narrativas, mas no caso

mencionado, como foi possível verificar essa construção, precisa ser feita

reforçando a cada momento as características que estão sendo tomadas de cada

espécie, além das características pessoais do personagem.

Outra característica própria da Disney presente, em Pinóquio, é a utilização

das músicas como elemento narrativo, que complementam a história e até mesmo

contribuem para a efabulação, impondo ritmo e conteúdo à narração, dinamizando-

a de forma a prender a atenção do público. Mas para a análise aqui proposta traz

uma novidade interessante do que foi visto na literatura é possível assistir aos

animais humanizados, não apenas falando, mas cantando e dançando, o que os

aproxima ainda mais dos seres humanos, não tendo sido colocados apenas por

questões de personalidade e virtude, mas para animar de fato, caso contrário não

precisariam fazer parte de tal número musical. Isto reforça ainda mais a presença

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do maravilhoso mesmo quando a história se aproxima de características do

realismo e racionalismo.

Na maioria das animações o questionamento da realidade está muito

presente, pois, como já foi dito anteriormente, o que no mundo natural não tem vida

passa a ter em um filme de animação, então somos levados a passear entre o real

e o irreal com muita naturalidade, sendo difícil identificar quando algo na animação

é impossível, se é que existe o impossível nesse gênero. Entretanto esse

questionamento dificilmente é feito pelos próprios personagens de uma animação.

Por esse motivo, logo no início desta pesquisa foi apontado que as características

de animais em animações são próprias. Mesmo que comparemos ao mundo real

de animais ou humanos, ainda assim nunca se encaixarão com exatidão, pois

trata-se de uma linguagem específica desenvolvida para uma forma específica de

comunicação: a animação.

As variáveis possíveis para a utilização de animais em animações são tantas

que não existe uma tendência, mas sim formas diversas de utilização em função da

narrativa. Quando tratamos de animais completamente antropomorfizados temos a

união de características humanas e preservação de características de animais,

principalmente no que diz respeito à parte física, pois o comportamento em si é

dominado pelos referenciais humanos. Podemos pensar que as características

comportamentais de animais ficam apenas no nível simbólico, do “não dito”, mas

“percebido”, o personagem é carregado de uma mensagem prévia baseada em um

conhecimento geral das características de determinado animal. E, assim, sem

muito esforço, o personagem recebe elementos em sua personalidade sem que o

animador tenha que fazer grandes esforços a não ser escolher cuidadosamente

seu personagem.

A partir das análises realizadas foi possível perceber a preservação destas

características pré-existentes de conhecimento comum, no que diz respeito à

representação de animais. Para esses casos é possível pensar a identificação

ocorrendo pela aproximação com a “humanidade”. O espectador espera dos

animais comportamentos que ele mesmo emite e assim ocorre a identificação.

No lado oposto, quando tratamos de animais não antropomorfizados, é

possível perceber o cuidado para que os comportamentos dos personagens

fossem compatíveis, ou muito próximos, a comportamentos reais dos personagens,

fugindo disso apenas sutilmente. Inclusive porque para esses casos a identificação

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deverá ocorrer pela similaridade com o mundo natural, o mundo no qual o

espectador vive. Ele precisa saber o que esperar de um animal, por isso este não

pode romper demasiadamente com a realidade. No caso de animais parcialmente

antropomorfizados temos duas vertentes, uma na qual as características animais

se sobressaem sobre as humanas e apenas alguns comportamentos humanos são

apresentados, na maioria das vezes para reforçar um comic relief, porém os mais

interessantes são aqueles onde as características dos animais são preservadas e

uma sociedade, próxima à organização da sociedade humana, é apresentada.

Nesse caso a metáfora impera, pois a crítica ou mensagem é suavizada pela

leveza de ser representada por animais e não seres humanos.

Sem dúvida, além de seguir uma linguagem de animação já estabelecida, na

qual a representação de animais já era comum, Disney trouxe uma maior

complexidade e variedade para tal representação, assim sendo possível entreter e

ensinar ao mesmo tempo, criando personagens que por vezes são esquecidos

como animais e, por outras, é justamente sua animalidade que se torna

encantadora.

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ANEXOS

As linhas selecionadas demonstram animações que não foram incluídas nos

objetos selecionados para análise, por se tratarem de seqüência de animações

anteriores, repetição de personagens ou animações que não foram localizadas

para ser realizada a análise.

Tabela 4 - Lista de animações de Longa Metragem da Walt Disney

ANO TÍTULO NO BRASIL

DIRETOR

MOTIVO DA NÃO INCLUSÃO

1 1937

Branca de Neve e os Sete Anões

William Cottrell

David Hand

Wilfred Jackson

Larry Morey

Perce Pearce

Ben Sharpsteen

2 1940

Pinóquio

Norman Ferguson

T. Hee

Wilfred Jackson

Jack Kinney

Hamilton Luske

Bill Roberts

Ben Sharpsteen

1940 Fantasia Coletânea de curtas

3 1941

Dumbo

Samuel Armstrong

Norman Ferguson

Wilfred Jackson

Jack Kinney

Bill Roberts

Ben Sharpsteen

John Elliotte

4 1942

Bambi

James Algar

Samuel Armstrong

David Hand

Graham Heid

Bill Roberts

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Paul Satterfield

Norman Wright

1943 Alô, amigos Coletânea de curtas

1945 Você já foi à Bahia? Coletânea de curtas

1946 Música, Maestro! Coletânea de curtas

1947 Como é Bom se Divertir Coletânea de curtas

1948 Tempo de Melodia Coletânea de curtas

1949 As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo

Coletânea de curtas

5 1950

Cinderela

James Algar

Samuel Armstrong

David Hand

Graham Heid

Bill Roberts

Paul Satterfield

Norman Wright

6 1951

Alice no País das Maravilhas

Clyde Geronimi

Wilfred Jackson

Hamilton Luske

7 1953

Peter Pan

Clyde Geronimi

Wilfred Jackson

Hamilton Luske

Jack Kinney

8 1955

A dama e o vagabundo

Clyde Geronimi

Wilfred Jackson

Hamilton Luske

9 1959 A Bela Adormecida Clyde Geronimi

10 1967 Mogli - O menino lobo Wolfgang Reitherman

11 1963 A Espada era a Lei Wolfgang Reitherman

12 1961

101 dálmatas

Clyde Geronimi

Hamilton Luske

Wolfgang

Reitherman

13 1970 Aristogatas Wolfgang Reitherman

14 1973 Robin Hood Wolfgang Reitherman

1977 Puff - O ursinho guloso Coletânea de curtas

15 1977 Bernardo e Bianca John Lounsbery

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Wolfgang

Reitherman

Art Stevens

16 1981

O Cão e a Raposa

Ted Berman

Richard Rich

Art Stevens

1983 Natal do Mickey

17 1985 O Caldeirão Mágico

Ted Berman

Richard Rich

18 1986

As Peripécias do Ratinho Detetive

Ron Clements

Burny Mattinson

David Michener

John Musker

19 1988 Oliver e sua Turma George Scribner

20 1989 A Pequena Sereia

Ron Clements

John Musker

21 1990

DuckTales, O Filme: O Tesouro da Lâmpada Perdida

Bob Hathcock

1990 Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurus

Sequencia de um filme já incluso na listagem

22 1991 A Bela e a Fera

Gary Trousdale

Kirk Wise

23 1992 Aladdin

Ron Clements

John Musker

24 1994 O Rei Leão

Roger Allers

Rob Minkoff

25 1995 Pateta - O Filme Kevin Lima

26 1995 Pocahontas

Mike Gabriel

Eric Goldberg

27 1995 Toy Story - Um Mundo de Aventuras

John Lasseter

28 1996 O Corcunda de Notre Dame

Gary Trousdale

Kirk Wise

29 1997 Hércules

Ron Clements

John Musker

30 1998 Mulan

Tony Bancroft

Barry Cook

31 1998 Vida de Inseto

John Lasseter, Andrew

Stanton

1998 O Rei Leão 2 Sequencia de um filme já

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incluso na listagem

32 1999 Doug - O filme Maurice Joyce

33 1999 Tarzan Chris Buck, Kevin Lima

1999 Toy Story 2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

1999 Fantasia 2000 Coletânea de curtas

34 2000 O Filme do Tigrão Jun Falkenstein

35 2000 Dinossauro

Eric Leighton

Ralph Zondag

36 2000 A nova onda do imperador Mark Dindal

37 2001 Hora do Recreio Chuck Sheetz

38 2001 Atlantis - O Reino Perdido

Gary Trousdale

Kirk Wise

39 2001

Monstros S. A.

Pete Docter

David Silverman

Lee Unkrich

2001 A Dama e o vagabundo 2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

2001 O Natal mágico do Mickey Coletânea de curtas

2002 Peter Pan - De Volta à Terra do Nunca

Sequencia de um filme já incluso na listagem

40 2002 Lilo & Stitch

Dean DeBlois

Chris Sanders

2002 A Pequena Sereia: O Retorno para o Mar

Sequencia de um filme já incluso na listagem

2002 Cinderela 2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

41 2002 O Planeta do Tesouro

Ron Clements

John Musker

2002 Os vilões da Disney Sequencia de um filme já

incluso na listagem

2003 Mogli - O menino lobo 2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

2003 Leitão - O Filme Sequencia de um filme já

incluso na listagem

42 2003 Procurando Nemo

Andrew Stanton

Lee Unkrich

43 2003 Irmão Urso

Aaron Blaise

Robert Walker

44 2004 O Cãozinho Esperto Timothy Björklund

2004 O Rei Leão 3 - Hakuna Matata

Sequencia de um filme já incluso na listagem

45 2004 Nem que a Vaca Tussa

Will Finn

John Sanford

46 2004 Os Incríveis Brad Bird

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135

47 2005 O Galinho Chicken Little Mark Dindal

2005 Era uma vez um Haloowen Sequencia de um filme já

incluso na listagem

48 2006 Os Selvagens Steve Willians

49 2006 Carros

John Lasseter

Joe Ranft

2006 Irmão Urso 2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

2006 O cão e a Raposa2 Sequencia de um filme já

incluso na listagem

2007 Cinderela 3 - Uma Aventura no Tempo

Sequencia de um filme já incluso na listagem

50 2007 A Família do Futuro Stephen J. Anderson

51 2007 Ratatouille Brad Bird, Jan Pinkava

52 2008 WALL·E Andrew Stanton

53 2008 Tinker Bell - Uma aventura no mundo das fadas

Bradley Raymond

2008 A Pequena Sereia: A História de Ariel

Sequencia de um filme já incluso na listagem

54 2008 Romeu – O Vira-Lata Atrapalhado

Jugal Hansraj

55 2008 Bolt: Supercão

Byron Howard

Chris Williams

56 2009 Up - Altas Aventuras

Pete Docter, Bob

Peterson

2009 Tinker Bell e o Tesouro Perdido

Sequencia de um filme já incluso na listagem

57 2009 Os Fantasmas de Scrooge Robert Zemeckis

58 2009 A Princesa e o Sapo

Ron Clements, John

Musker

2009 Os tres porquinhos Coletânea de curtas

2010 Toy story 3 3D Sequencia de um filme já

incluso na listagem

59 2010 Enrolados

Nathan Greno

Byron Howard