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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHILDE REGINA NASZ IDENTIDADES E MEMÓRIA CULTURAL NO FILME SUNSHINE, O DESPERTAR DE UM SÉCULO” DE ISTVÁN SZABÓ SÃO PAULO 2012

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MATHILDE REGINA NASZ

IDENTIDADES E MEMÓRIA CULTURAL NO FILME

“SUNSHINE, O DESPERTAR DE UM SÉCULO” DE ISTVÁN SZABÓ

SÃO PAULO

2012

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MATHILDE REGINA NASZ

IDENTIDADES E MEMÓRIA CULTURAL NO FILME

“SUNSHINE, O DESPERTAR DE UM SÉCULO” DE ISTVÁN SZABÓ

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa Dra. Maria Inês Carlos Magno

SÃO PAULO 2012

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N222i Nasz, Mathilde Regina Identidades e memória cultural no filme “Sunshine, o despertar

de um século” de István Szabó / Mathilde Regina Nasz. – 2012. 91f. : il. ; 30 cm. Orientador: Maria Ignês Carlos Magno. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade

Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 78-81. 1. Comunicação. 2. Cinema. 3. Cinema húngaro. 4. Identidade. 5. Memória. I. Título. CDD 302.2

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MATHILDE REGINA NASZ

IDENTIDADES E MEMÓRIA CULTURAL NO FILME

“SUNSHINE, O DESPERTAR DE UM SÉCULO” DE ISTVÁN SZABÓ

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa Dra. Maria Inês Carlos Magno

Aprovada em 26/03/2012

___________________________________ Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno

___________________________________ Profa. Dra. Glaucia Eneida Davino

__________________________________ Prof. Dr. Gelson Santana

SÃO PAULO 2012

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AGRADECIMENTOS

A meu pai Francisco Nasz, pelas conversas elucidativas, por seus comentários

pertinentes, por estar comigo em cada passo deste trabalho e pelo seu esforço em

me ensinar húngaro.

A minha mãe, Matilde Claro Nasz, por seu apoio constante e sua confiança

inabalável.

Aos meus irmãos Katia, Walquiria e Francisco e especialmente minha madrinha

Maria Helena Pardini, por seu apoio e participação lendo esta dissertação e

compartilhando comigo suas opiniões.

A minha sobrinha e amiga Carolina Veiga e meu amigo Alexandre Morales,

especialmente nas etapas finais da pesquisa – por saber a hora de dar uma bronca

e a hora de dar um sorriso. Seu apoio e confiança foram fundamentais.

A minha amiga Solange de Césare, que entre todos os seus afazeres sempre

encontrou um tempinho para uma palavra de incentivo.

A minha orientadora, Profa. Dra. Maria Inês Carlos Magno, por sua incansável

dedicação e apoio, e principalmente, por seu entusiasmo e alegria contagiantes.

Aos professores Laura Cánepa e Gelson Santana, por seus comentários e

participação na banca de qualificação, contribuindo para o aprimoramento desta

pesquisa.

Aos professores Bernadete Lyra , Rogério Ferraraz e Vicente Gosciola por sua

confiança e apoio.

A todos os meus demais familiares e amigos que acreditaram em mim.

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RESUMO

A proposta deste trabalho foi analisar as questões relativas à identidade conforme

representadas no filme “Sunshine – o despertar de um século” (1999) do diretor

István Szabó. A Hungria possui uma história complexa, não raro de difícil

compreensão para os próprios húngaros. O cinema, com sua linguagem imagética

universal, permitiu aos húngaros refletir sobre seu passado e até mesmo

transcender a barreira da língua (o idioma húngaro não compartilha sequer as raízes

das línguas indo-européias) para penetrar na consciência de outros povos europeus

e do ocidente em geral. O filme narra a saga de uma família Judia ao longo de um

período de um século e meio e é através de seus personagens protagonistas que

observamos a questões da diáspora Judia, do nacionalismo e do anti-semitismo

neste país. Como parte da pesquisa, pudemos analisar como a dinâmica da

memória cultural foi abordada no filme e a influência dos conceitos elaborados por

Pierre Nora . Na representação da história observamos a influência do pensamento

de Gramsci e abordamos a função social do filme e o papel dos intelectuais na

elaboração do conteúdo ético da sociedade

Palavras-chave: Comunicação, cinema, cinema Húngaro, identidade , memória

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ABSTRACT

The purpose of this study was to examine the issues related to identities as

represented in the film "Sunshine - the awakening of a Century" (1999) from the

director István Szabó. Hungary has a complex history, often difficult to understand

even for the Hungarians themselves. The film, with its universal imagery language

allowed the Hungarians to rethink their past and even transcend the language barrier

(the Hungarian language does not share the roots of Indo-European languages) to

penetrate the consciousness of other peoples of Europe and the West in general.

The film tells the saga of a Jewish family over a period of a century and a half and it

is through his main characters that we observed the issues of the Jewish diaspora,

the nationalism and the anti-Semitism in this country. As part of the research, we

analyze how the dynamics of cultural memory was approached into the filme and the

influence of Pierre Nora concepts. It wa also observed the influence of Gramsci in the

representation of the history which leads to social function of film and the role of

intellectuals in the development of the society´s ethical content .

Keywords: Communication, cinema, Hungarian cinema, identity, memory

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Memorial do Holocausto, Sapatos às margens do Danúbio, em

Budapeste

FONTE: http://www.playandtour.net

Por mais persuasivamente que um filme possa recriar o passado, ele não pode revivê-lo. Ele pode tornar-se um documento histórico do

seu próprio tempo, mas não do tempo que retrata.1

(tradução nossa, YACOWAR, 2002:431)

1 Texto original: “However persuasively a film may recreate the past, it cannot relive it. So it may

become an historical document of its own time, but not of the time it depicts.”

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ..................................................................................................... 24

TABELA 2 ..................................................................................................... 32

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1...................................................................................................... 37

FIGURA 2...................................................................................................... 37

FIGURA 3...................................................................................................... 38

FIGURA 4...................................................................................................... 38

FIGURA 5...................................................................................................... 39

FIGURA 6...................................................................................................... 39

FIGURA 7...................................................................................................... 40

FIGURA 8...................................................................................................... 42

FIGURA 9...................................................................................................... 43

FIGURA 10.................................................................................................... 43

FIGURA 11.................................................................................................... 53

FIGURA 12.................................................................................................... 54

FIGURA 13.................................................................................................... 54

FIGURA 14.................................................................................................... 55

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12

1. OS HÚNGAROS E O CINEMA ....................................................... 14

1.1. Porque o cinema Húngaro é pouco conhecido ........................ 15

1.2. A Fase Imperial ........................................................................ 17

1.3. A Fase Obscura ....................................................................... 19

1.4. Renascimento e transição ....................................................... 21

1.5. Após a queda do muro e os anos noventa .............................. 25

1.6. O diretor: István Szabó ............................................................ 27

2. CINEMA, MEMÓRIA CULTURAL E HISTÓRIA ................................ 34

2.1. Memória Cultural e Representação da História ....................... 34

2.2. Representação da História ...................................................... 45

3. IDENTIDADES ................................................................................... 49

3.1. O mito fundador e o reino encantado ...................................... 53

3.2. A primeira ruptura: O nome ..................................................... 57

3.3. A segunda ruptura: A religião .................................................. 61

3.4. O homem sem Rosto ............................................................... 69

PALAVRAS FINAIS ..................................................................................... 75

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 78

FILMOGRAFIA ............................................................................................ 82

Apêndice A: Decupagem da Morte de Adam Sors ...................................... 83

Apêndice B: Árvore Genealógica dos Sonneschein .................................... 91

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INTRODUÇÃO

Este trabalho analisou as questões relativas à identidade conforme

representadas no filme “Sunshine – o despertar de um século” (1999) do diretor

István Szabó. O filme se prestou, particularmente, a este estudo por cobrir a Saga

de uma família judia ao longo de um século e meio, apresentando o processo de

assimilação dos Judeus neste país. O filme tem inicio ainda durante o império

Austro-Húngaro quando os conceitos de nacionalismo começaram a se tornar

polulares na Europa e termina com o fim do bloco soviético em 1989. Durante este

período os personagens protagonistas irão representar os desafios de cada geração

nos diferentes blocos históricos retratados.

Como decorrência natural da pesquisa e, da limitada bibliografia sobre o

assunto, fui à Hungria para a realização de um curso na Universidade de Széged e

essa viagem abriu uma nova perspectiva sobre o estudo, a do antissemitismo na

Hungria.

Em recente pesquisa realizada por András Kovacs, observou-se que 25% dos

Húngaros são declaradamente anti-semitas. O holocausto na Húngria foi, como

colocado por Wiston Churchill, o maior e mais horrível crime perpetrado na história

do mundo, quando cerca de quinze mil pessoas, na sua maior parte judeus, foram

assassinadas pelo o partido nazista húngaro (Arrow Cross), que ordenava que as

pessoas tirassem seus sapatos a beira do Danúbio para fuzilá-las em seguida. Seus

corpos caiam no rio e eram transportados por milhas. O memorial em Budapeste,

retratado na figura do epígrafe é eloquente em sua simplicidade. Ao longo de toda a

história da Hungria os judeus foram alternadamente aceitos pelo estado e

perseguidos tanto pelo estado como pela população. Assim, como também

observado por RÓZSAVÖLGYI (2003), o Holocausto na Hungria não deve ser

analisado como um evento isolado, mas sim como parte da história do país,

resultado de uma série de ansiedades e medos, que ainda hoje persistem.

Em Sunshine, Szabó revisita a história na tentativa de compreender melhor

este fenômeno e como ele se repetiu ao longo do período coberto pelo filme. O

antissemitismo será apresentado como uma Fênix, que ressurge de cinzas de um

braseiro que nunca chega a se extinguir de fato. Esta percepção da intenção de

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Szabó será discutida no primeiro capitulo onde falamos das características do

cinema húngaro e do diretor apontando as razões que nos levaram a tal conclusão.

No segundo capitulo analisamos a dinâmica da memória cultural abordando os

conceitos desenvolvidos por Pierre Nora. Neste segmento também vemos como a

história foi representada no filme e a influência do pensamento de Gramsci na forma

como a dinâmica social é apresentada e como tanto a estória como a estrutura do

filme suportam a percepção de “intencionalidade” de Szabó na realização de

Sunshine.Finalmente, no terceiro capitulo retomamos as questões relativas a

identidade ao analisar a diáspora judia na Hungria por meio da Saga familiar dos

Sonnenschein.

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1. OS HÚNGAROS E O CINHEMA

Os húngaros, na verdade, parecem haver identificado o cinema como uma forma de arte antes de qualquer outra nacionalidade no mundo, incluindo os franceses2. (tradução nossa, COOK, 1996: 717)

Considerando-se que a Hungria é do tamanho do estado de Santa Catarina, e

com uma população total equivalente a da cidade de São Paulo, isso em números

de 2011, é surpreendente a quantidade e a qualidade de filmes produzidos neste

país, cujo cinema é considerado por muitos críticos um dos melhores e mais

originais de toda a Europa3.

Para entender a especial devoção dos húngaros pelo cinema, é preciso

conhecer a complexa história deste país, desde o nascimento do cinema sob o

império Austro-Húngaro até a queda do muro, passando pelas primeira e segunda

guerras mundiais, a revolução de 1956, o stalinismo, e o comunismo4. Os húngaros

encontraram no cinema a mídia para expressar o caráter nacional e sua intricada

história e cultura. Foi através do cinema e de sua linguagem imagética universal que

os húngaros puderam transcender a barreira da língua (o idioma húngaro não

compartilha sequer as raízes das línguas indo-européias) e penetrar na consciência

de outros povos europeus e do ocidente em geral.

É pouco conhecido o fato que os húngaros influenciaram fortemente o cinema

americano entre as décadas de 30 e 50. Dois dos principais estúdios, Paramont e

Fox foram fundados por húngaros, Adolf Zukor e William Fox respectivamente.

2 Texto original; “The hungarians, in fact, seem to have identified film as an art form before any other

nationality in the world, including the French.” David A. Cook (Ph.D., University of Virginia) é professor e diretor de estudos de filmes na Universidade de Emory, onde leciona desde 1973. Ele também publicou o livro "Lost Illusions: American Cinema in the Era of Watergate and Vietinal, 1970-1979" um dos volumes de uma coleção entitulada "Historia do Cinema Americano". 3 Esta afirmação é baseada nas declarações de Cook (acima), Warchol, Petrie, Burns e Cunningham.

4 O comunismo é uma estrutura socioeconômica e uma ideologia política, que pretende promover o

estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes sociais e apátrida, baseada na propriedade comum e no controle dos meios de produção e da propriedade em geral. O termo stalinismo surgiu em função de Josef Stalin, ditador da antiga União Soviética, por muitos considerado um contra-revolucionario que utilizava Marx como pretexto pretensões políticas pessoais, sendo o “stalinismo” uma perversão desta ideologia. O regime implementado por Stalin foi de terror e intrigas, com a expansão dos antigos Gulags (campos de concentração na Sibéria) e perseguição política sem precedentes. O termo stalinismo ao longo deste trabalho será utilizado para designar o período político em que a União Soviética foi governada por este ditador e stanilistas aos seus seguidores.

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Alexander Korda, também húngaro, depois de agraciado com o título de cavalheiro

do império britânico (o primeiro diretor a receber esta honraria) por sua contribuição

ao cinema daquele país, também imigrou para os Estados Unidos onde se tornou

acionista majoritário e foi um dos principais executivos da United Artists por vários

anos, e mais recentemente podemos citar Andy Vajna, co-fundador dos estúdios

Caralco Pictures. A influência dos húngaros não se limitou apenas a direção dos

principais estúdios. Michael Curtiz, diretor de filmes de sucesso, entre eles

Casablanca(1942), pelo qual recebeu um Oscar, também era húngaro, bem como

George Cukor (My fair lady, 1964, e O mágico de Oz,1939,), André de Toth

(Laurence da Arábia, 1962 e Superman,1978) a quem Tarantino dedicou Reservoir

Dogs(Cães de Aluguel-1992), Vilomos Szigmond (diretor de fotografia e ganhador do

Oscar por Contatos Imediatos do 3º. Grau,1977), Joe Pasternak (produtor com duas

indicações ao Oscar), entre muitos outros. Também vale mencionar Ladislau Vadja,

que atuou no cinema espanhol e dirigiu o filme Marcelino Pão e Vinho (1955), que foi

sucesso mundial. Entre os atores podemos destacar Béla Lugosi (o Drácula

original), Houdini, Peter Lorre (interpretou a primeira versão do filme alemão O

Vampiro de Dusseldorf, 1931), Marta Eggerth, Eva e Zsazsa Gabor, Tony Curtis, e

Paul Newman (este último filho de húngaros).

1.1. Porque o cinema húngaro é pouco conhecido?

Apesar de o cinema húngaro ser extremamente rico e considerado um dos

melhores e mais originais de toda a Europa, e ainda que seja significativo o número

de imigrantes húngaros no Brasil5, são poucos os filmes que chegam ao nosso país,

legendados ou não em português. Esta não é uma questão isolada ao Brasil e se

repete em outros países, e mesmo nos Estados Unidos, que possui a maior

comunidade húngara fora da Hungria, a situação é pouco melhor.

5 Existiriam cerca de 150.000 imigrantes húngaros vivendo no Brasil, sendo 30.000 radicados em São

Paulo segundo o periódico Délamerikai Magyar Hirlap de 15/07/1933. Entretanto este número pode ser maior pois os imigrantes que deixavam os territórios desmembrados, viajavam com passaportes de seus novos governos, ou seja: romenos, iugoslavos, tchecoslovacos e austríacos. Estes números referem-se a primeira leva de imigrantes húngaros que deixaram o pais natal após o Tratado de Trianon em 1920 – quando a Hungria perdeu 2/3 de seu território para os países vizinhos mencionados. Uma outra leva de imagrantes deixou o pais em 1956 após o fracasso da revolução húngara, mas não foi possível levantar o número de imigrantes vindos ao Brasil neste caso.

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Não foram encontrados livros ou mesmo estudos em português sobre o tema,

apenas pequenas notas e artigos de jornal e pouquíssimos ensaios sobre um ou

outro filme mais recente. Também não existe uma grande bibliografia em inglês ou

espanhol. Os livros dedicados ao tema, ou mesmo capítulos em obras dedicadas ao

cinema mundial, mal somam uma dúzia. Foram realizadas apenas algumas poucas

mostras no Brasil, em cinematecas ou universidades, e mesmo assim, quase

sempre com filmes legendados em inglês6. Alguns dos filmes mais recentes e,

portanto com maior apelo ao grande público, como Sangue nas águas (Szabaság,

szerelm) de Kriztina Goda (2006), e alguns filmes de István Szabó e Miklós Jancsó,

(diretores húngaros reconhecidos internacionalmente), já podem ser encontrados

com legendas em português, mas ainda são poucos os títulos. Os brasileiros que

falam inglês podem contar com a importação de títulos legendados em inglês

através da Amazon, entretanto, nem todos os títulos disponíveis neste site podem

ser adquiridos, pois alguns são disponibilizados por pequenas lojas ou sebos, sem

licença para operar no mercado internacional.

As razões para esta dificuldade em encontrar filmes e fontes de pesquisa em

português, inglês ou espanhol não são poucas7, e a primeira e principal delas é o

fato da Hungria ter sido um dos países da cortina de ferro. O cinema húngaro sofreu

sanções comerciais assim como outros produtos culturais ou não, e a distribuição de

filmes oriundos dos países do bloco soviético era quase inexistente no Ocidente,

sendo a recíproca verdadeira. Em segundo lugar, o cinema húngaro tem entre seus

temas mais freqüentes a história e a cultura de seu próprio país, pouco conhecida no

Ocidente, fato também decorrente do silêncio imposto pela cortina de ferro,

especialmente no que se refere aos anos subseqüentes a “libertação” da Hungria

pelos Russos ao final da Segunda Guerra Mundial. O comunismo também impôs

uma forte censura às artes em geral, e por isso, não raro, o cinema húngaro utiliza

6 A TV Cultura apresentou um festival de cinema Húngaro no início dos anos 90, contando com cerca

de uma dúzia de filmes legendados em português, é quase remota a a possibilidade de localizar estes filmes, ainda em formato VHS, para venda ou locação. 7 BURNS “No curso da pesquisa e redação deste livro, fui frequentemente atingido pela

improbabilidade de que este livro pudesse mesmo ser escrito. A Hungria é um país pequeno, evidentemente não esta na corrente da cultura ocidental e ainda separado de seus vizinhos por sua linguagem exótica por sua cultura ter mais influências asiáticas que Européias.” Texto original:" “In the course of researching and writing this book, I have often been struck by the unlikelihood that such a book could be writeen at all. Hungary is a small country not evidently in the mainstream of Western culture and separated from its neighbours by its exotic language and the Asiatic, rather than European, provenance of its civilisation.”. (BURNS, p. 202)

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abstrações, alegorias, simbolismos e narrativa não linear, o que resulta em uma

linguagem cinematográfica pouco familiar àqueles habituados a narrativa clássica

hollywoodiana, além disso, os húngaros são apaixonados pela fotografia, preferindo

filmar em preto e branco. Por último temos a barreira do idioma pouco conhecido e

de difícil aprendizagem. Assim, exceto por filmes produzidos após a queda do muro,

o cinema húngaro é caracterizado por filmes de autor, que apesar de seu inegável

valor artístico, tem pouco apelo junto ao grande público e são, portanto,

comercialmente pouco atrativos.

É possível dividir a história do cinema húngaro, pela própria história do país:

Fase imperial: do nascimento auspicioso sob o império Austro-

Húngaro até a década de 20 aproximadamente;

Fase obscura: de 1920 após o final da Primeira Guerra Mundial e o fim

do império (terror branco) até 1960 aproximadamente, cobrindo o fim

da Segunda Guerra Mundial e o Stalismo (terror vermelho);

Renascimento e Transição: de 1960 até 1989 ainda sob o

comunismo;

Após a queda do muro e a década de 90.

Em função dos limitados estudos sobre o tema em português, nos

estenderemos um pouco mais sobre as fases iniciais do cinema húngaro, entretanto,

ressalto que para efeito deste trabalho nos interessa principalmente suas duas

últimas fases seja por sua influência na formação e desenvolvimento do diretor

István Szabó como pela importância deste dentro do cinema Húngaro.

1.2. A fase Imperial

O nascimento do cinema na Hungria foi muito auspicioso. Os primeiros filmes

foram exibidos no Valence Café em Budapeste em 1896 e dois anos mais tarde seu

proprietário fundou a primeira empresa cinematográfica da Hungria, a Projectograph.

De acordo com Slater (1992), ”o lançamento de uma de suas produções Today and

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Tomorrow8 (Ma és Holnap), provavelmente dirigida por Mihály Kertesz

(posteriormente Michael Curtiz/Casablanca) em 1912 marca o nascimento oficial do

cinema húngaro”. Por volta de 1912 a Hungria tinha seu primeiro estúdio, o Hunnia,

que a despeito do fracasso inicial foi seguido pelo surgimento de outros mais bem

sucedidos. O cinema era visto como uma forma de arte única e autônoma, com

potencial revolucionário, a Hungria tinha mais de 120 salas de exibição

permanentes, e entre 1907 e 1920 computava, no mínimo, 17 periódicos dedicados

exclusivamente ao cinema, sem contar as colunas fixas em muitos jornais e revistas.

A indústria cinematográfica contava com mais de 30 diretores trabalhando

ativamente na produção de filmes, a maioria oriundos do jornalismo, da fotografia e

do teatro.

Os dois diretores mais proeminentes deste período foram Mihály Kertesz

(Michael Curtis) e Sándor Korda (Alexander Korda), que entre 1912 e 1919 fizeram

39 e 24 filmes respectivamente, poucos registros restaram dessa época. Kertesz

deixou a Hungria em 1918 para fazer um projeto em Viena e nunca mais voltou.

Após alguns anos no exílio ele finalmente se estabeleceu nos Estados Unidos onde

assumiu o nome de Michael Curtiz. Korda imigrou para a Inglaterra em 1919 onde,

sob o nome de Alexander Korda, tornou-se o primeiro diretor de cinema a receber o

título de Cavalheiro do Império Britânico. Depois imigrou para os Estados Unidos

para juntar-se a seus irmãos Vincent e Zoltán também talentosos e premiados

diretores.

A maioria dos filmes deste período eram adaptações de clássicos da literatura

húngara, parte de um ambicioso programa para familiarizar os húngaros com sua

própria herança cultural. Com este propósito os estúdios criaram uma posição

exclusiva de editor literário, responsável pela supervisão da adaptação de textos

literários para roteiros cinematográficos. Kertesz foi uma exceção, pois boa parte

de seus filmes eram baseados em roteiros originais.

8 Sem título em português.

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1.3. A Fase Obscura

Em outubro de 1918 a Hungria tornou-se uma nação independente, sob as

ruínas do império Austro-Húngaro. Após a morte do imperador Franz Joseph o país

passou por um período de violentas lutas sociais e mudanças radicais. No início de

1919 o governo liberal foi derrubado pelos radicais de esquerda cujo líder, Béla Kun,

declarou a criação da Republica Parlamentar da Hungria. Entre outras mudanças,

Kun nacionalizou a indústria cinematográfica (cinco meses antes da União

Soviética). Kun também não durou muito no governo, e após alguns meses, em

agosto de 1919, foi deposto pelo exército Romeno. O novo governo logo desfez as

mudanças de Kun restaurando a monarquia. O fato de não haver um rei pouca

relevância teve. O general Miklös Horthy foi nomeado regente, e seu objetivo

principal era garantir a manutenção do regime e dos privilégios da aristocracia e da

elite burguesa a qualquer preço. Seu governo, conhecido por “terror branco”,

gradualmente forçou muitos artistas e intelectuais a deixarem o país, e muitos foram

presos. Entre os cineastas, nenhum dos mais de 30 diretores ativos em 1912

continuava trabalhando em 1925. Enquanto em outros países o cinema florescia, na

Hungria ele simplesmente desapareceu.

Com o surgimento do cinema falado, e a demanda por filmes em Húngaro, a

indústria cinematográfica ganhou um novo fôlego com subsídios obtidos de impostos

sobre os distribuidores de filmes estrangeiros. Entretanto, o caráter monopolista e

centralizado deste sistema excluía qualquer esperança por um cinema crítico e

original. O livro Handbook of Soviet and East European Films and Filmmakers, de

Warchol, 1992, ilustra o quanto a censura era restritiva na passagem que se segue:

Nenhum filme poderia mostrar cascos de cavalos levantando poeira nas ruas, porque as ruas da Hungria não deveriam ser empoeiradas, também não poderiam ser mostrados oficiais húngaros de alta patente correndo ou descendo escadas apressadamente, pois “um representante do nosso país nunca se comporta de forma indigna“.9 (tradução nossa, WARCHOL, 1992:231)

Assim, não é de admirar que praticamente nenhum dos 132 filmes produzidos

entre 1931 e 1938 sejam distintos sob qualquer aspecto individualmente. Setenta

9 Texto original: “No film could show horse´s hooves raising dust on the road, because Hungarian

roads were not supposed to be dusty, “nor could high-level Hungarian officials be shown running up or down stairs in a hurry [because] “a representative of our country never behaves in an undignified manner”.

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por cento destes filmes eram comédias ligeiras ambientadas na Hungria

contemporânea e os demais, operetas melodramáticas adaptadas de folhetins

populares glorificando o passado aristocrático. Em resumo, eram todos filmes

reacionários, entretenimento superficial, produzidos sob encomenda por artesãos

leais ao sistema e interessantes como objeto de estudo apenas enquanto conjunto.

Um quarto destes filmes, por exemplo, foram produzidos por István Székely que

mais tarde seria conhecido por Steve Sekely, um diretor menor em Hollywood.

Uma notável exceção a mediocridade reinante foi Pál Fejös com seu filme

Spring Shower10 (Tavaszi Zápor) de 1932. O filme foi duramente atacado pela

imprensa aliada ao regime, por transmitir uma imagem falsa e negativa da sociedade

húngara, e forçou Fejös a rodar seus próximos filmes fora do país.

Com o país caminhando para o fascismo, e a Hungria participando da

Segunda Guerra ao lado da Alemanha, os filmes franceses, ingleses e americanos

foram proibidos e os distribuidores tiveram seus negócios encerrados. Obviamente

isto aumentou o mercado para filmes nacionais, mas a maioria era flagrantemente

de propaganda do regime. Um filme que merece destaque é o People from the

Alpes11(Emberek a Havason) de 1942, dirigido por István Szöts, foi premiado no

prestigiado (mesmo sob Mussoline) Festival de Veneza. A projeção internacional só

trouxe problemas a Szöts que foi praticamente banido do cinema depois que seu

pedido para adaptar o romance Song of the Cornfields12 (Ének a Búzamezökröl) foi

negado. Quando finalmente conseguiu autorização para a filmagem, o filme foi

banido como “não-marxista” e “ideologicamente equivocado”. Szöts deixou a

Hungria após a revolução de 1956, para nunca mais voltar.

Imediatamente após a Segunda Guerra e antes da indústria cair

completamente sob o controle dos comunistas, entre 1945 e 1947, a Hungria lançou

apenas sete filmes de longa metragem, um dos quais Somewhere in Europe13

(Valahol Európában) de 1947, dirigido por Géza Radványi, merece destaque. O filme

é uma obra-prima do cinema neo-realista, comparável a Ladrões de Bicicleta de De

Sica, 1948 ou Roma Cidade Aberta de Rosselini, 1945. Radványi foi o primeiro

10

Sem título em português. 11

Sem título em português. 12

Sem título em português. 13

Sem título em português.

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húngaro a introduzir a edição moderna e a câmera móvel no cinema húngaro, bem

como um pioneiro no método Stanislavsky de atuação. Somewhere in Europe 1948

é seu único filme húngaro até 1979, quando retornou brevemente ao país para rodar

Circus Maximus.

Nos anos subseqüentes o cinema foi embargado pela crua propaganda do

administrador cultural soviético A.A. Zhdanov, e nenhum filme digno de nota foi

produzido. Ao contrário, o país sofreu seu pior terror: a coletivização forçada das

fazendas, a nacionalização da indústria, o confisco de igrejas, deportações em

massa e expurgos de toda sorte. O país era como uma grande prisão, com todos

culpados até prova em contrário. Foi este clima que conduziu à erupção da

revolução de 1956, logo dizimada pelos tanques soviéticos, e que em poucos dias

resultou na execução sumária de mais de quinhentos ativistas políticos, treze mil

mortos, dez mil deportados, e perto de um quarto de milhão de pessoas forçadas a

deixar o país. Após a revolução de 1956, as forças soviéticas designaram János

Kádár para “restaurar a ordem” e reconstruir o desmoralizado partido comunista,

rebatizado de Partido dos Trabalhadores Socialistas Húngaros. Como resultado da

revolução os Húngaros só vivenciaram o relaxamento da repressão que seguiu a

morte de Stalin, após o inicio dos anos 60.

Apenas um pequeno número de filmes foi produzido entre 1954 e 1957 – dois

produzidos por Zoltán Fabri: Marry-go-Round (Körhinta) de 1955 e Professor

Hannibal (Hannibál tanar úr) de 195614, com este último filme Fábri introduziu o que

se tornaria o tema mais comum dos melhores filmes húngaros: a luta individual por

identidade e autonomia num mundo de pressões políticas.

1.4. Renascimento e Transição

Depois de uma fase inicial de perseguição e repressão, o regime de Kádar

começou a encorajar, passo a passo, uma atitude mais liberal, e várias reformas

econômicas, sociais e culturais foram introduzidas, houve uma significativa

liberalização das artes, especialmente no que se referiu a censura. Kádar foi

14

Ambos os filmes sem título em português.

Page 22: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHILDE REGINA NASZ

22

assistido nesta tarefa por György Aczél, vice-ministro da cultura entre 1957 e 1967 e

depois Ministro da Cultura de 1967 até 1974.

Uma das medidas mais importantes foi a reorganização da indústria

cinematográfica. Em 1962 foram criados quatro estúdios, organizados de forma a

permitir uma grande flexibilidade entre eles, incluindo a possibilidade de um diretor

ter seu filme aprovado por um estúdio ao qual não estava associado. Na prática, as

mudanças estruturais poderiam não parecer significativas, mas na direção de cada

estúdio foi colocado um profissional que estava diretamente envolvido na produção

de filmes e realmente se importava com o destino da indústria, e não um simples

burocrata. Ao invés de múltiplos pontos de controle em cada estágio da produção, a

censura passou a ser um processo posterior. Apenas um pequeno número de filmes

foi censurado, não apenas pela intenção do governo em manter uma imagem mais

liberal, mas porque os diretores também procuravam evitar tratar de temas mais

problemáticos de forma direta, freqüentemente utilizando-se de linguagem ambígua

e alegorias para fazer críticas sociais mais contundentes. O Ministro da Cultura

ainda tinha a última palavra e poderia proibir um filme, como aconteceu com The

Witness15 (A Tanú) de 1969, dirigido por Péter Bacsó, mas como foi dito

anteriormente, estes casos eram incomuns. Os filmes deste período são, no

mínimo, excepcionais tanto por sua diversidade como por suas qualidades artísticas.

Subsidiados pelo governo e guiados pelo senso artístico, os filmes deste período

tinham pouca preocupação em satisfazer o público, e eram classificados, em sua

maioria, como cinema de autor.

Outro marco importante na reformulação da indústria cinematográfica húngara

foi a criação do estúdio Balázs Béla. Embora contando com um orçamento pequeno,

os filmes realizados neste estúdio não necessitavam de aprovações prévias para

exibição, requisito exigido apenas para os filmes destinados ao grande público.

Jovens profissionais terminando a universidade tinham a oportunidade de

rapidamente juntarem-se a uma produção de verdade. O estúdio tornou-se o

principal laboratório para filmes experimentais e avant-garde, contribuindo

grandemente para as mudanças iniciadas nos anos sessenta e o surgimento de

novos talentos.

15

Sem título em português.

Page 23: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHILDE REGINA NASZ

23

As co-produções e co-operações internacionais ganharam espaço. Uma

expressão da liberdade destes tempos é que apenas duas produções foram

realizadas com países do bloco soviético: Every Day, Sunday16 (Pirosbetüs

hétköznapok) de 1962, dirigida por Felix Máriássy e The Red and the White17

(Csillagosok, katonák) de 1967, dirigida por Miklós Jancsó. Um marco, de várias

formas, foi alcançado em 1964 com a co-produção Húngaro-americana The Golden

Head18 (Az aranyfej), dirigido por Richard Thorpe. Além de ser a primeira co-

produção com americanos, em muitos anos, também foi o primeiro filme húngaro a

utilizar a tecnologia widescreen. O filme desapareceu em circunstâncias obscuras,

aparentemente vítima da disputa entre a MGM e a Cinerama quando do fim de sua

sociedade. Um projeto mais bem sucedido foi realizado em 1968 com a adaptação

do livro The Paul Street Boys19 de autoria do dramaturgo Ferencz Molnar, dirigido

por Zoltán Fábri e indicado ao Oscar. No total, foram sete co-produções na década

de 60.

Rumo ao final dos anos de 1960 surgiram novos e importantes talentos, mas

duas figuras destacaram-se: István Szabó e Miklós Jancsó ambos reconhecidos e

consagrados internacionalmente. Dos poucos filmes húngaros legendados em

português, a maioria é destes dois diretore.

Tanto os filmes ficcionais quanto os não ficcionais passaram por um processo

de estilização na década de setenta. Os filmes não ficcionais procuravam retratar

com mais fidelidade os processos sociais com clara tendência ao documentário, e os

filmes ficcionais tornam-se cada vez mais focados na estética que na estória em si.

Em ambos os casos, as formas de narrativa clássica foram deixadas em segundo

plano e os elementos pictóricos foram reforçados, freqüentemente recorrendo a

alegoria.

A tendência de maior influência na década de 1970, sem dúvida, foi o

documentário, criando-se o gênero do documentário ficcional, um gênero

considerado distintamente húngaro (Escola de Budapeste). Documentários de longa

e curta metragem criados no estúdio Balázs Béla no final da década de 1960 foram

16

Sem título em português. 17

Título em português: Vermelhos e Brancos 18

Sem título em português. 19

Título em português: Os meninos da Rua Paulo

Page 24: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHILDE REGINA NASZ

24

a maior influência na criação deste gênero. Os diretores dos anos setenta estavam

insatisfeitos com a ilusão de realismo dos anos anteriores e sentiam que o drama e

atuação tradicionais não ofereciam mais possibilidades de inovação. Muitos dos

filmes deste período incluem, ou tentam superar o documentário, afastando-se da

simples retratação da realidade para criar cenas não convencionais e revelando uma

linguagem cinemática muito peculiar e às vezes grotesca, como nos trabalhos de

Judit Elek, Ferenc Grunswalsky, Lívia Gyarmathy, Géza Böszörményi e Gábor Bódy.

Depois dos triunfos da década de 1960, os anos setenta e oitenta foram mais

irregulares. O volume de produções permaneceu nos mesmos patamares, contudo,

sem alcançar a qualidade artística inicial com a mesma freqüência. Os diretores

lançados em 1960 continuavam trabalhando mas apresentaram projetos menos

excepcionais. Destacam-se neste período Zoltán Huszárik, András Jeles, Péter

Gothár e Pál Gabor e Bela Tarr.

Embora os subsídios do governo de certa forma garantissem proteção contra

uma economia inflacionada, o cinema perdia cada vez mais audiência para a TV e

para o vídeo. As salas de exibição foram reduzidas praticamente pela metade

enquanto a quantidade de aparelhos de vídeo quase triplicou entre 1988 e 1990.

Além disso, os filmes ocidentais, especialmente, os produzidos em Hollywood,

passaram a ocupar as primeiras posições nos rankings de bilheteria.

TABELA 1 – Disponibilidade de Salas de cinema em função do crescimento nas

vendas de equipamentos de VCR (Vídeo)

ANO CINEMAS ESPECTADORES VCRS

1988 2.943 50,7m 340.000

1989 2.180 45,8m 500.000

1990 1.603 35,7m 900.000

FONTE: Screen Digest, setembro 1991 e Janeiro 1992

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25

1.5. Após a queda do muro e os anos noventa

A Hungria entrou na década de noventa com uma inflação galopante e a

maior dívida externa entre os países do antigo bloco soviético, quase metade da

população encontrava-se abaixo da linha de pobreza20 e a taxa de desemprego

crescia dia a dia. Fecharam-se salas de exibição, a receita diminuiu, o número de

espectadores caiu drasticamente e os filmes internacionais abundavam.

O cinema húngaro passou a competir com os filmes internacionais em um

mercado aberto e os cineastas húngaros não tinham a experiência dos americanos,

em fazer filmes voltados ao grande público. Além disso, os subsídios

governamentais, embora ainda representassem a maior fonte de financiamento, já

não eram suficientes para cobrir os custos de produção e era necessário buscar

fontes externas – também esta uma tarefa nova para o cinema húngaro e uma

necessidade que cresceu a cada ano após a queda do muro. Portanto, os anos

noventa foram um período em que os diretores tentaram encontrar o equilíbrio entre

a necessidade de atender ao grande público e o desejo de produzir filmes de autor

intensamente pessoais.

Por volta da metade dos anos 1990a tendência de queda nas bilheterias

reverteu-se. Embora ainda baixa (700.000 em 1996) foi uma significativa melhora se

comparada aos números abismais de 1992 (284.000). O número de filmes

produzidos flutuou mas a tendência geral foi de queda: de 35 filmes (incluindo

documentários de longa metragem) produzidos em 1989 para 15 em 1995 e 13 em

1998.

Até que ponto, os problemas da indústria cinematográfica húngara derivavam

de uma simples questão de recursos financeiros, era um ponto discutível. O

argumento da falta de recursos era forte, e sem dúvida, algum capital extra foi bem

vindo, mas o tipo e qualidade dos filmes também era uma questão relevante, ou

20

Um novo cálculo do Banco Mundial aponta que o número de miseráveis cresceu em quase todo o mundo. A nova linha da pobreza, de US$ 1,25, revela que em 1981 havia 1,9 bihão de pessoas vivendo com essa quantia diariamente, ao contrário da antiga margem, que considerava que 1,5 bilhão sobrevivia com US$ 1,00 por dia. De acordo com o novo cálculo, em 2004 havia 1,4 bilhões de pessoas vivendo com US$ 1,25 diários; com a margem antiga, 985 milhões viviam com US$ 1,00. Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,banco-mundial-cria-nova-linha-internacional-da-pobreza,231143,0.htm acesso em 2/04/2012.

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26

seja, um grande orçamento não garantiria um bom filme ou uma boa bilheteria. As

co-produções ganharam força. Tornou-se comum encontrar filmes húngaros co-

produzidos com estúdios da Alemanha, França e Canadá. Aliada a esta tendência,

cresceram o número de produções internacionais rodados na Hungria, utilizando os

estúdios e equipe técnica húngara. Esta última tendência claramente em função dos

custos atraentes de produção que na Hungria podem ficar entre 40 e 60 por cento

abaixo dos custos de produção internacionais. Além disso, Budapeste praticamente

não mudou no último século e é possível utilizar locações na cidade para substituir

outras locações com custo de produção mais alto ou mesmo eliminar a necessidade

de construir réplicas: por exemplo Paris como em Josephine Baker Story21 de 1991,

Buenos Aires no caso de Evita (1996) ou Russia como em Red Heat22 (1988)

apenas para citar alguns casos.

O maior problema, entretanto não estava em obter recursos para produção,

mas sim na distribuição dos filmes. Dos treze filmes lançados em 1998, oito ficaram

nas prateleiras esperando pela distribuição no ano seguinte. O fato é que a

produção e distribuição de filmes foi objeto de transformação nos últimos anos da

década de 1990 mas até 2001 ainda não havia sido aprovada uma lei própria para a

indústria cinematográfica.

[...] Talvez o mais importante de tudo é que a indústria cinematográfica Húngara ainda era bastante ativa, e capaz de produzir filmes de qualidade fosse com fundos do estado, fosse contando com financiamento privado, ou com uma combinação de ambos.”23 (tradução nossa, CUNNINGHAN, 2004: 154)

Os conflitos após a queda do muro foram temas de poucos filmes,

observando-se uma ligeira tendência para filmes com temas místicos ou fantásticos

e comédias. A grande tendência foi justamente a diversificação de temas e gêneros.

De acordo com Cunninghan, 2004, “O número de comédias nos anos recentes

sugere que os húngaros não são os maníaco-depressivos como às vezes foram

retratados”.24 (tradução nossa, CUNNINGHAM, 2004: 196)

21

Sem título em português. 22

Título em português: Inferno Vermelho 23

Texto original: Perhaps most important of all is that the Hungarian film industry is still capable of turning out films of extremely high quality, whether relying on commercial backing, state funding or a combination of both”. 24

Texto original: “The number of comedies in recent years suggests that Hungarians are not the maniac depressives they are sometimes portrayed as;”

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27

São os nomes mais representativos deste período: Ibolya Fekete, Tamás Sas,

Ferenc Török, Zoltan Kamondi, Ildiko Enyedi, János Szász, György Pálfi Kornel

Mundrusczó.

1.6. O diretor: István Szabó

Nascido em 18 de fevereiro de 1938, na cidade de Budapeste, Hungria, é o

diretor húngaro mais conhecido do público internacional, e é considerado um dos

melhores expoentes do cinema húngaro. Szabó graduou-se na Academia de

Budapeste em 1961 e imediatamente integrou-se ao estúdio Béla Balázs onde

dirigiu dois curtas: Variations on a Theme (Variációk edgy témára, 1961) e You (te,

1963)25, este último tornou-se um clássico e o mais premiado curta da história do

cinema húngaro26. Nas décadas de 1960 e 1970 produziu várias fitas em húngaro

catalogadas como cinema de autor, nas quais explorou a história recente do país

desde a perspectiva de sua geração. Seu primeiro longa foi The Age of

Daydreaming (Álmodozások Kora, 1964) seguido por Apa (Father) de 1966;

Szerelmesfilm (1970); e 25 fireman´s Street (Tűzoltó utca 25 - 1973)27. Na década

seguinte, seu trabalho saiu das salas de cine-arte e ganhou notoriedade com a

trilogia composta por Mefisto (1981), ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro,

Coronel Redl (1983), ganhador de vários prêmios no Festival de Cannes, e por fim

Hanussen28 (1988). A partir dos anos de 1990 dirigiu filmes em inglês como

Encontro com Vênus (1991), Sunshine, O despertar de um século (1999), Taking

Sides 29(2001) e Adorável Julia (2004), sendo Sunshine seu projeto mais

importante. Em 1996 recebeu o Prêmio Pulitzer da Hungria, por sua participação na

série documental "Os cem anos do cinema". Durante a elaboração deste estudo

(2011), Szabó estava trabalhando no filme “The Door”30, em produção pela Bankside

Films, ainda sem previsão de lançamento. Além de diretor Szabó atuou como

roteirista, e co-roteirista em cerca de 25 filmes e conta com participações como ator

ou produtor.

25

Ambos os curtas sem título em português 26

History of Narrative film p. 726 David A. Cook. 27

Os filmes citados não dispõe de título em português. 28

Lançado em Portugal com o título “Hanussen, o profeta” 29

Sem título em português 30

Sem título em português

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28

Sunshine, segundo o próprio Szabó31, teve suas raízes em outros trabalhos

seus como Father (1966), Mefisto (1981), Coronel Redl (1985) e Confidence32

(1979). Nascido em 1938 em uma família abastada de judeus convertidos, Szabó foi

educado como católico e ele e sua família sobreviveram ao Holocausto escondendo-

se sobre a proteção de uma família cristã. Szabó viveu o ressurgimento do anti-

semitismo que se seguiu a queda do Stalinismo e não é difícil encontrar referências

pessoais no personagem de Ivan, que narra à estória e é um dos personagens

protagonistas de Sunshine. Petrie já havia observado características autobiográficas

nos filmes de Szabó33 que, no entanto, vê seus filmes como autobiografias de uma

geração. Por esta razão Szabó alega que as cenas finais de seus filmes

freqüentemente colocam o protagonista, em um momento isolado e intimista, no

meio uma multidão que executa a mesma tarefa, como podemos observar na cena

final de Sunshine.

Sunshine foi produzido em 1999, período em que uma nova onda anti-semita

emergia na Hungria. Não coincidentemente este é o tema que permeia todo o filme.

Esta percepção é baseada em algumas observações:

a) Szabó planeja cuidadosamente seus filmes, com roteiros

escrupulosamente detalhados34. Sunshine é seu projeto mais

31

Entrevista do diretor à revista online IndieWire em 12/06/2000. 32

Lançado em Portugal com o título “confiança” 33

PETRIE (1978) “Szabó nega que seus filmes seja autobiográficos em essência, embora reconheça que Bálint (que ele descreve como seu colaborador mais próximo) tenha aproximadamente a mesma idade que ele e que os filmes geralmente cobrem um período similar ao de sua própria vida; infância durante a Segunda Guerra Muldial, adolescência no inicio dos anos 50, juventude no fim dos anos 50. O filme, ele diz, é mais a autobriografia de uma geração, e é por isso que cada um deles termina com uma cena em que o personagem central, ainda que isolado, repentinamente se vê em um contexto com dúzias de outras pessoas fazendo o mesmo que ele.” Texto original: “Szabó denies that his films are in essence autobiographical, though he acknowledges that Bálint (whom he describes as his closest creative collaborator) is much the same age as himself and that the films generally cover a time span similar to that of his own lifetime; child-hood during the Second World War, adolescence in the early 1950´s, young manhood in the late 1950´s. The film, he says, are more "the autobiography of a generation" and this is why each of them ends with a scene in which the central character, hitherto rather isolated, is suddenly seem in a context in which dozens of other people are performing the same actions as himself” 34

PETRIE (1978) “Szabó planeja seus filmes antecipadamente com muito cuidado: o roteiro contém instruções detalhadas de exatamente onde o bashbacks vão ocorrer e quanto tempo eles devem durar, e cada tomada é cuidadosamente elaborada com antecedência em conjunto com o diretor de arte. Ele também gosta de manter seus colaboradores e, especialmente, os atores, completamente informados sobre o padrão geral do filme e do papel que desempenham nele. O resultado desta escrupulsa exatidão, juntamente com a complexidade do processo de edição final, é que cada filme o ocupa por mínimo de dois anos [..]. Texto Original: Szabó pre-plans his films very carefully: the script contains detailed instructions of exactly where the bashbacks are to occur and how long they are to last, and each shot is carefully worked out in advance with the director of photografy. He also likes to

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29

importante na década de 1990, e cientes que o roteiro original foi

cortado pela metade para adaptação ao cinema, é razoável supor que

Sunshine tenha ocupado Szabó por um período superior a dois anos

antes do inicio da produção. Assim, é provável que a idéia do roteiro

original tenha surgido, ou foi fortemente influenciada, pela nova onda

anti-semita na Hungria.

b) Em entrevista a Susan Suleiman, Szabó afirma que o anti-semitismo é

antes uma plataforma política para alcançar o poder35, ponto de vista

que fica claro nos três blocos históricos representados no filme.

c) Assim como outros diretores húngaros36, Szabó entende como tarefa

dos diretores de cinema (intelectuais) explorar e analisar a sociedade e

as forças que a moldam37. Esta visão de Szabó, constatada também

por Suleiman, estaria alinhada com a visão de Gramsci38 sobre o papel

dos intelectuais como “agentes” responsáveis por estabelecer o

keep his colaborators, and especially the actors, completely informed of the overall pattern of the film and the part they play in it. The result of this scrupolous excactness, together with the complexity of the final editing process, is that each film occupies him for a minimum of two years [..](PETRIE, 1978, p. 109)

35 SZABÓ em entrevista a Susan Suleiman. Disponível em http://kinokultura.com/specials/7/ssi-

szabo.shtml acesso em 09/04/2011: “O Anti-semitismo na Europa central é sempre uma ideologia política para ajudar algumas pessoas a carregar uma bandeira. Na Hungria, na minha opinião, anti-semitas de verdade é um pequeno grupo que almeja alcançar o poder político através dessa ideologia.” (tradução livre). Texto Original: Anti-semitism in middle Europe is always a political ideology to help some people carry a flag. In Hungary, in my view, real anti-semites are a a small group that would like to reach political power through that ideology. 36

PETRIE (1978) “A Hungria tem uma longa tradição em fazer filmes desenhados para reveler e explorar conflitos sociais e mesmo antes da nacionalização da indústria cinematográfica em 1948, os melhores filmes Hungaros quase sempre escolheram enfrentar ao invest de ignorer problemas sociais e politicos. (tradução livre). Texto Original: Hungary has a long tradition of making films designed to reveal and explore social conflicts and even before the nationalization of the film industry in 1948, the best Hungarian films had almost always choosen to tackle rather than ignore social and political problems (PETRIE, 1978, p. 3) 37

PETRIE (1978) “Embora se possa definitivamente falar sobre uma “nova geração” de diretores de cinema que ficaram em evidência no ínicio dos anos 60, a situação não é de fato comparável com um fenômeno como a Nouvelle Vague Francesa [...] Seus equivalentes húngaros satisfizeram-se em basear-se nas realizações do passado e continuaram a tomar como certo que a sua tarefa como artistas era explorar e analisar sua sociedade e as forças que a haviam moldado “(tradução livre). Texto Original: Although one can definitely talk about a "new generation" of film-makers that came into prominence in the early 1960´s, the situation is not really comparable to a phenomenon like the French Nouvelle Vague [...] Hungarian equivalents were content to base themselves on the achievements of the past and continued to take it for granted that their task as film artists was to explore and analyse their socity and the forces that had brought it into being. (PETRIE, 1978, p.16) 38

HALL (2003) “Os agentes principais são os intelectuais que têm uma responsabilidade especial na circulação e no desenvolvimento da cultura e da ideologia, e que se alinham às disposições existentes das forças sociais e intelectuais (os intelectuais "tradicionais") ou se alinham às forças populares emergentes e buscam elaborar novas correntes de idéias (os intelectuais "orgânicos").” (HALL, 2003, p. 305)

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30

conteúdo ético conciliador dos interesses da sociedade cível e do

estado. Em diferentes momentos do filme esta leitura do papel dos

intelectuais será evidenciada39 .

d) É uma particularidade do trabalho de Szabó utilizar as experiências de

um personagem como um microcosmo da história da Hungria40. Aqui,

a utilização do mesmo ator para os três personagens, além de outros

elementos cênicos, evidência a posição do diretor sobre o anti-

semitismo não passar de uma estratégia das classes dirigentes para

alcançar hegemonia política41.

e) O filme contempla aspectos distintos na sua avaliação do período

retratado: de um lado reflete as questões de identidade e nacionalismo

(o dilema dos protagonistas) e de outro uma leitura das forças sociais

atuantes na política grandemente influenciada por Gramsci (ao mesmo

tempo uma justificativa e um alerta ao expectador).

f) A mensagem final do filme é um manifesto contra o anti-semitismo e

em prol da tolerância conforme expresso pelo diretor no prefácio do

livro “The Cinema of Central Europe” de Peter Hames42 e remete

39

SULEIMAN, Susan; On Exile, Jewish Identity, and filmmaking in Hungary: a conversation with Istvan Szabó conforme publicado em http://kinokultura.com/specials/7/sso-szabo.shtml acesso em 09/04/2011: “ Sunshine retoma as preocupações históricas de seus primeiros filmes e cobre todo o periodo que o tem fascinado ao longo de sua carreira. […] Aqui, assim como em muitos de seus filmes, Szabó explora as questões dos intelectuais e artistas que compactuam com regimes autoritaristas. (tradução livre). Texto Original: “Sunshine, returns to the historical preoccupations of his earlier films and covers the whole period that has fascinated him throught out his career. Here, as in so many of his other films, Szabó explores the questions of intellectuals and artists compromise with authoritarian regimes. 40

PETRIE (1978) “Uma qualidade particularmente assombrosa nos filmes de Szabó, deriva de uma combinação do total domínio da mídia e do padrão extremamente pessoal de suas temáticas que tenta usar as experiências de uma figura (sempre interpretado por András Bálint) como um microcosmo da história húngara dos passados 30 anos” (tradução nossa). Texto Original: The particularly haunting quality of Szabó´s fims derives from a combination of total mastery of his medium and an extremely personal thematic patern that attempts to use the experiences of one figure (always played by András Bálint) as a microcosm of Hungarian history of the past thirty years. (PETRIE, 1978, p. 107) 41

SULEIMAN, Susan; On Exile, Jewish Identity, and filmmaking in Hungary: a conversation with Istvan Szabó. Publicado em http://kinokultura.com/specials/7/sso-szabo.shtml acesso em 09/04/2011 : “Mesmo nas eleições, as pessoas não votam em alguem, mas sim contra alguem […] Sim, a exclusão é o element mais importante da mentalidade tribal. Aqueles que não são Húngaros… […] Algumas pessoas precisam criar inimigos para a sua meta ideológica. (tradução nossa). Texto original: “Even in elections, people don´t vote for someone, but rather against [...] Yes, exclusion is the most important element of the tribe mentality. Those who aren´t Hungarian... [..] Some people need to create enemies for their ideological goal.” 42

SZABÓ, Istvan (2004). Prefácio. In: HAMES, Peter. The Cinema of Central Europe. London: Wallflower Press, 2004. p. xiii-xv: “Era assim que a Europa Central era antes da Primeira Guerra Mundial, um mundo de diversidade e tolerância, um mundo de convivência onde a dissimilaridade era

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31

justamente ao inicio do filme como demonstraremos no capitulo 3 onde

abordaremos a questão do mito fundador.

honrada. A força motriz interna comum sempre havia sido o orgulho nacional e o tradicionalismo. E então, como em todos os demais lugares, algo diferente assumiu: ao invés de resolver os problemas internos pelo auto-exame, as pessoas começaram a procurar por uma imagem de inimigo como uma saída para as hostilidades crescentes. Duas guerras se seguiram e um século de ditaduras baseadas em ideologias – e talvez a área que foi mais afetada tenha sido a Europa Central. As vidas de duas ou três gerações de quase toda família foi seriamente afetada, quase toda família Centro Européia teve suas vitimas”. (tradução nossa) Texto original: “This is what Central Europe used to be before the First World War: a world of diversity and tolerance, a world of living together where dissimilarity was honoured. The common inner driving force had always been national pride and traditionalism. And then, like everywhere else, something else took over: instead of solving internal problems by self-examination, people began to search for an enemy image as an outlet for growing hostilities. Two world wars followed and a century of dictatorships based on ideologies – and maybe those are which was afflicted most was Central Europe. The lives of two or three generations of almost every family were seriously affected; almost every Central European family had its casualties.”

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32

TABELA 2 - Filmes dirigidos por István Szabó até 2011

Título Original Outros Títulos Ano de Produção

The Door 2011

(lançamento previsto para 2012)

Rokonok Relatives 2006

Being Julia Adorável Julia; Csodálatos Júlia 2004

Európából Európába (curta documentário –

segmento 2) 2004

Ten Minutes Older segmento: the cello 2002

Taking sides 2001

Sunshine Sunshine, o despertar de um século, Anapfény íze 1999

(lançado no Brasil em julho de 2001)

Offenbachs Geheimnis (filme para TV) 1996

Édes Emma, draga Böbe – vázlatok, aktok Dear Emma, Sweet Bobe; Queridas Amigas 1992

Meeting Venus Encontro com Venus 1991

Hanussen 1988

Oberst Redl Coronel Redl 1985

Bali (filme para TV) 1984

Katzenspiel (filme para TV) 1983

Levél apámhoz (filme para TV) 1982

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TABELA 2 – Filmes dirigidos por István Szabó até 2011 (Cont.)

Título Original Outros Títulos Ano de Produção

Mephisto 1981

Der Grüne Vogel 1980

Bizalon Confidence; Confiança 1980

Várostérkép (curta) 1977

Budapesti mesék Budapest Tales 1977

Ösbemutató (filme para TV) 1974

Tüzoltó utca 25 25 Fireman´s Street 1973

Álom a házról (curta) 1972

Budapest, amiért szeretem 1971

Szerelmesfilm A film about Love 1970

Vesztegzár a határon (série de TV) Bors 1978

Kegyelet (curta) 1967

Apa Father 1966

Álmodozások kora The age of daydreaming 1965

Kresz-mese gyerekeknek (curta) 1965

Te (curta) You 1963

Koncert (curta) 1963

Variációk egy témára (curta) Variations on a them 1961

Plakátragasztó (curta) 1960

A Hetedik napon (curta) 1959

Fonte: imdb conforme publicado em 6/1/2001 no site http://www.imdb.com/name/nm0843640/bio

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2. CINEMA, MEMÓRIA CULTURAL E HISTÓRIA

“O passado húngaro nunca está distante do presente, e o desejo, com freqüência conflitante, de lembrar, descrever e reconciliar o presente com o passado é expresso com palpável urgência”.43(tradução nossa, PORTUGES, 2003: 44)

2.1. Memória Cultural e Representação da história

Como mencionamos no capítulo anterior, Szabó entende como tarefa dos

diretores de cinema, intelectuais, explorar e analisar a sociedade e as forças que a

moldam. O que nos interessa é esta “responsabilidade” apontada por Gramsci, e

como Szabó, aceita esta responsabilidade, e a exerce na “representação da

história”44 em Sunshine. Abordaremos a função social45 do filme na construção de

uma memória coletiva (conteúdo ético que o diretor como agente da sociedade

constrói) e como isso acontece.

Segundo Pierre Nora46 (1989) a “memória da nação” (memory-nation) é hoje

uma ciência social, a memória um fenômeno puramente particular. A “memória da

nação é, portanto, a ultima encarnação da unificação de memória e história” 47

(tradução nossa, NORA, 1989:13). Neste trabalho entenderemos o filme como um

43

Texto original: “… the Hungarian past is never far from the present, and the often conflicting desires to remember, describe, and reconcile the present with the past are expressed with palpable urgency”. 44

PORTELLI (1977) “O intelectual é, pois, autônomo em relação à classe fundamental, na medida em não evolui no mesmo nível que o bloco histórico. Sua função é exercer a direção ideológica e política de um sistema social, homogeneizar a classe que ele representa. Enfim, a relação entre intelectuais e classe social coloca os mesmos problemas que a relação entre os dois momentos do bloco histórico.” [...] “Esta autonomia provoca certas conseqüências na evolução de um determinado período histórico: este perigo devera ser estudado em seu conjunto, pois “são os homens que fazem a história”, particularmente os intelectuais; e certas iniciativas desses intelectuais podem não corresponder momentaneamente à evolução geral da estrutura sócio-econômica do bloco histórico.” (PORTELLI, 1977, p. 88) 45

PORTELLI (1977) “É evidente que, se a identidade de representante e representado significa uma maior consciência de classe do intelectual, este será considerado como o representante da classe de onde se originou e não como membro de tal classe: o chefe de empresa – homem político aparecerá como o intelectual orgânico da burguesia e não como chefe de empresa; sua função predomina sobre sua origem social. (PORTELLI, 1977, p. 85) 46

Historiador, assistente no Institut d’Études Politiques de Paris entre 1965 e 1977. Diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales desde 1977. É membro da Academia Francesa desde 2001 47

Texto original: “The memory-nation is now a social science, memory a purely private phenomenon. The memory-nation was thus the last incarnation of the unification of memory and history”. (NORA, 1989, p. 11):

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35

“memorial” (lieux de mémoire), pois assim como um “local” de celebração de eventos

passados, sua função será a de relembrar o passado e a história e transmití-los ao

público. Esse entendimento do filme como um lieux de mémoire (memorial) estaria

incorporado na concepção do próprio termo:

O lugar de memória pode ser concebido como um ponto em torno do qual se cristaliza uma parte da memória nacional [...] A Nação, segundo a definição (impressionista) que escolhe Pierre Nora, presta-se de maneira ideal ao exercício do lugar de memória: "é que a nação é inteiramente uma representação. Ela não é nem um regime, nem uma política, nem uma doutrina, nem uma cultura, mas sim o palco de todas as expressões destes elementos, uma forma pura, uma fórmula imutável e mutável de nossa comunidade social, como, aliás, de todas as comunidades sociais modernas. (ENDERS, 2002),48

Para entender Sunshine como um memorial é preciso reconhecer que a

dinâmica da memória cultural está fortemente ligada ao processo de mediação e

remidiação. Como observou Nora, “o que hoje nós chamamos de memória não é

memória, mas de fato história e a memória-história moderna baseia-se na

materialidade do traço, no imediatismo da gravação, na visibilidade da

imagem”49(tradução nossa, NORA, 1989:13). Deste modo ERLL & RIGNEY, 2009,

afirmam que:

[...] as mídias são elementos essências da memória-história na medida em que fornecem quadros que nos permitem formar tanto a experiência quanto a memória. Isto acontece de duas formas interconectadas: como instrumentos produtores de significado elas mediam entre o individuo e o mundo; e como agentes de uma rede, elas mediam entre indivíduos e grupos”50 (tradução nossa, ERLL &

RIGNEY, 2009, introdução)

Observando um “memorial” é possível constatar que estes são baseados em

repetidas representações midiadas do passado que convergem e se consolidam no

próprio memorial. O processo se apóia na reapropriação de uma memória midiada,

48

Enders, Armelle; Les Lieux de Mémoire, dez anos depois; Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11 pag 128-137 conforme publicado em www.cipedya.com/web/FileDownload.aspx?IDFile=176322 acesso em 01/02/2012. 49

Texto original: “What we call memory today is therefore not memory but already history […]The quest memory is the search for one´s history. {...] Modern memory is, above all, archival. It relies entirely on the materiality of the trace, the immediacy of recording, the visibility of the image. [...] Fear of a rapid and final disappearance combines with anxiety about the meaning of the present and uncertainty about the future to give even the most humble testimony, the most modest vestige, the potential dignity of the memorable.” 50

Texto original: "media of all sorts - spoken language, letters, books, photos, films - also provide frameworks for shaping both experience and memory. They do so in at least two, interconnected ways: as instruments for sense-making, they mediate between the individual and the world; as agents of networking, they mediate between individuals and groups”

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emprestando, incorporando, absorvendo e reciclando memórias para lhe conferir um

novo propósito e significado. Esta é uma característica intrínseca ao memorial e a

dinâmica da memória coletiva51, i.e. a idéia de que a memória só pode se tornar

coletiva como parte de um processo contínuo através do qual as memórias são

compartilhadas. O conceito do “memorial” como um dispositivo de mídia que pode

ser visto como parte integrante de um dispositivo de “memória maior” nos permite

analisar a forma como vários “textos” midiáticos se combinam para dar ao memorial

sua função52. Por mais rigoroso que seja o tratamento dado a retratação histórica,

ela é sempre sujeita as representações de mundo do individuo, construídas em

grande parte através do conhecimento que lhe foi transmitido de forma midiada.

A midiação53 da história é parte importante da narrativa Sunshine. István

Szabó aborda a questão da midiação na construção de uma memória cultural não

apenas com a introdução de uma série de imagens históricas de arquivo

(remidiação), mas também na forma como a família toma conhecimento dos eventos

externos através do jornal ou do rádio. O personagem de Valéria (matriarca dos

Sors) não coincidentemente é fotógrafa e os próprios personagens ficcionais são

“midiados” dentro da história.

51

ERLL and RIGNEY (2009) Introduction; texto original: “Indeed, the very concept of cultural memory is itself premised on the idea that memory can only become collective as part of a continuous process whereby memories are shared with the help of symbolic artifacts that mediate between individuals and, in the process, create communality across space and time.” 52

ERLL and RIGNEY (2009) Introduction; texto original: “Instead of focussing on one medium in isolation, the concept of the memory site allows us to examine how various medial processes and the "interactions betweem media technologies, genres and products combine to form "a self-perpetuating vortex of symbolic investment" that may absorb and proliferate certain meaning pertaining to aspects of both the past and the present, without ignoring the importance of medium specificity. In this sense it would be useful to consider a memory site as comprising a media dispositif, which can be seen as integral part of a larger memory dispositif. [...] thinking about a memory site as dispositf allows us to move beyond looking at individual texts or media as they relate to cultural memory and to see a site of memory as being made up of a conglomeration of heterogeneous media texts, the specific relationships between which determing the nature and functions of the memory site at a given time.” 53

Ao longo deste trabalho iremos nos referir ao termo midiação enquanto apresentação ou representação da história através dos meios de comunicação de massa e não a mediação enquanto mecanismo entre duas ou mais partes no processo de comunicação

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FIGURA 1 - Jornal divulgando o assassinato do arquiduque Ferdinand em

Sarayevo em 1914

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

FIGURA 2 - Foto de Adam Sors simulando cobertura jornalística Olimpíadas

1936 em Berlin

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

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FIGURA 3 - Selo comemorativo da vitória de Adam nas Olimpíadas de 1936

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Algumas cenas foram filmadas de forma a reproduzir a qualidade de um filme

ou foto correspondente ao período representado no que se refere a granulação,

iluminação ou enquadramento. No exemplo abaixo a continuidade de um plano

(imagem de arquivo ou apresentação da história) para outro (representação da

história no filme) foi mantida pela textura (qualidade), localização (manifestação) e

pela narração em off. Por fim a transição para o filme (ficção) tem a sua continuidade

através da banda sonora tanto pela voz em off de Ivan (narrativa) como pelo som

dos manifestantes que permanece no fundo.

FIGURA 4 - Imagem de arquivo

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

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Na transição de cena é mantido o ângulo de câmera, côr e textura de filme

antigo, conforme é possível ver abaixo:

FIGURA 5 – Transição da cena

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

FIGURA 6 - Transição de cena em outro ângulo

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Nova transição de cena com mudança de ângulo de câmera, mas ainda

mantendo textura de filme antigo e o personagem protagonista em destaque.

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FIGURA 7 – Transição de cena para textura do filme

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Na transição para o filme mantém o foco no personagem principal ao lado de

uma janela (sua visão corresponderia ao ângulo de câmera utilizado na cena

anterior), o diretor retoma a textura e cor do “filme”, mantendo a banda sonora como

som de fundo para obter a continuidade da narrativa.

Produções ficcionais que utilizam arquivos documentais para dar maior força

a narrativa não são artifícios originais embora em Sunshine, possamos facilmente

identificar os componentes-chave na formação da memória cultural: mediação,

remidiação e desempenho na arena pública com o objetivo de obter um conexão

mais direta com a realidade54(tradução nossa, ERLL and RIGNEY, 2009,

introdução). O que é particularmente interessante em Sunshine é a crítica à própria

mídia: o uso de imagens de arquivo ou cenas que mimetizam uma imagem de

arquivo aproximam a narrativa da realidade e reforçam o aspecto memorial do filme,

54

. Texto original: [...] key components in the formation of cultural memory: mediation, remediation, and performance in the public arena. We certanly do not suggest that there is a clear-cut distinction between the three components; it is rather through their constant interplay that cultural memory is continously being produced […] remediation: the transference of one medium into another with the aim of obtaining a more direct connection with reality.

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41

entretanto o próprio diretor alerta para a necessidade de questionar a “verdade” de

seu conteúdo.

Uma das cenas de Ivan, mostra o personagem interrogando um cineasta e o

acusando de apoiar o sistema ao produzir filmes pró-fascismo. O cineasta diz que

nunca esteve no front russo. Abaixo o dialogo entre os personagens ilustra este

ponto:

Ivan replica: “Não minta. Esta tudo no filme”.

Cineasta: “Recebi ordens de filmar como se estivesse no front russo.

Construímos a aldeia russa, era um cenário. Foi tudo filmado a 20 km de

Budapeste”.

Ivan: “Ficaram ali assistindo, sem fazer nada, só filmando? Se acha um

artista, não é? Mas é o da pior espécie, sequer acha que cometeu um crime?

Ivan: (jogando sua arma sobre a mesa ) “pegue, é muito mais leve que uma

câmera”

Nesta seqüência Szabó aponta a um só tempo como o registro imagético tem

força de verdade incontestável (“Não minta. Esta tudo no filme” diz Ivan), como esta

“verdade” na realidade pode ser manipulada (“era um cenário” retruca o cineasta), e

mais uma vez ressalta a responsabilidade da mídia (ou dos intelectuais) na

construção da memória cultural (“sequer acha que cometeu um crime?” pergunta

Ivan). Neste dialogo observamos nova referência ao papel que o intelectual ocupa

dentro dos estudos de Gramsci como agente construtor do conteúdo ético da

sociedade-estado. Com esta cena Szabó manifesta seu compromisso como “agente”

construtor deste conteúdo e alerta o espectador a manter um olhar crítico sobre o

conteúdo divulgado pela mídia questionando a sua veracidade. Outro exemplo é

dado no dialogo entre Adan e Knorr , quando este apresenta uma relação de nomes

de traidores e Knorr risca alguns deles. Ivan fica surpreso mas Knorr diz “Não

queremos prejudicar talentos genuínos. Basta assustá-los. Acabarão trabalhando

conosco (...) Todo novo regime pede traição. Até consolidar seu poder, usa de

traidores e então, livra-se deles.”

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Szabó reconhece a importância da mídia na construção da memória coletiva e

também sua perenidade, como pode ser observado ao longo do filme, e

principalmente, em uma das cenas finais de Sunshine. Enquanto Ivan desocupa a

casa da família, e lê a carta deixada por seus ancestrais (cujas imagens são

inseridas neste momento), um caminhão de lixo recolhe os objetos e móveis que

estão sendo descartados. Entre estes objetos estão pilhas de jornais cujas

manchetes estampam os fatos históricos cobertos no filme e, assim como os objetos

e heranças familiares, seu destino é o caminhão de lixo. Assim, presentificando e

entrelaçando o passado particular ao passado histórico Szabó convida o expectador

não a esquecer, mas sim a “livrar-se” das crenças que conduziram aos equívocos

cometidos.

FIGURA 8 – Jornal retratanto a família imperial Austro-Húngara

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

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43

FIGURA 9 - Jornal divulgando a aliança com o regime nazista

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

FIGURA 10 – Jornal divulgando noticia sobre Stalin

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Por mais persuasivamente que um filme possa recriar o passado, ele não pode revivê-lo. Ele pode tornar-se um documento histórico do

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44

seu próprio tempo, mas não do tempo que retrata.55

(tradução nossa,

YACOWAR, 2002:431)

Além da utilização de imagens de arquivo, como vimos acima, o cinema ainda

permite recriar um evento, de forma que o espectador tenha a ilusão de vivenciar a

experiência e de certa forma apropriar-se da memória de outrem na construção de

sua própria memória-história. Observamos em Sunshine o que HIRSCH, (2003),

chama de “trauma vicário”, isto é, a reação dos espectadores diante da

representação cinematográfica de um evento traumático que é midiado de forma a

mimetizar a experiência das vitimas ou testemunhas do evento ou suas

conseqüências. O cinema, com sua capacidade de imergir o espectador dentro da

representação imagética, tem a capacidade de recriar ou mimetizar a experiência do

testemunho direto e potencialmente induzir um trauma vicário ou análogo, como

também é denominado por outros pesquisadores. Hirsch argumenta ainda sobre o

pensamento de Walter Benjamim:

“... se a fotografia, em sua habilidade reproduzir a visão de um momento e de ser reproduzida infinitamente, destrói a “aura” tradicional da arte e a substitui por uma nova política da imagem, então um dos efeitos desta nova política é potencialmente o da

infinita reprodução e disseminação do trauma”. 56

(tradução nossa,

HIRSCH, 2003:96)

Este tipo de representação do “trauma” de que se utiliza o cinema pode ser

observado na narrativa da morte do personagem de Adam Sors (ver decupagem da

cena, Apêndice A). Quando as primeiras imagens do Holocausto surgiram,

chocantes e inconcebíveis, estas praticamente não demandavam qualquer narrativa

para produzir um trauma vicário. Entretanto, quando as imagens per se não eram

mais capazes de traumatizar, o cinema necessitou ir além da simples exposição

para ultrapassar o entorpecimento provocado pela super exposição. As imagens

documentais passam a ser submetidas a um discurso narrativo cujo propósito é, se

não traumatizar o espectador, no mínimo evocar uma consciência histórica pós-

traumática – uma espécie de compromisso textual entre a falta de sentido do trauma

e o aparato produtor de sentido de uma narrativa.

55

Texto original: “However persuasively a film may recreate the past, it cannot relive it. So it may become an historical document of its own time, but not of the time it depicts.” 56

Texto original: “If photography, in its ability both to reproduce itself and be disseminated endlessly throughout society and history, shattered the tradicional “aura” of art and replaced it with new politics of the image, as Walter Benjamin argued, then one of the effects of this new politics is the potentially endless reproduction and dissemination of trauma.”

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45

2.2. Representação da História

Como vimos, Sunshine pode ser entendido como um memorial, tendo por

função construir uma memória da nação (Hungria). Isto acontece através do tempo e

espaço, em que a estória se desenrola. Szabó, como observado no capitulo anterior

incluiu muitas de suas memórias, diretas ou indiretas, na elaboração dos

personagens, e muitos dos personagens incorporam as experiências vividas por

pessoas reais, como no caso de Adan. Apesar do caráter autobiográfico

incorporado ao filme (Ivan tem a idade aproximada de Szabó que utiliza algumas de

suas próprias memórias na construção do personagem), Sunshine procura traçar um

retrato exato dos acontecimentos históricos.

Como já observamos, nem todos os fatos históricos relevantes foram

incluídos, mas a questão da diáspora Judia na Hungria, suas etapas e seus dilemas

foram reconstituídos fielmente através das experiências dos protagonistas, utilizados

para representar a história de toda comunidade Judia na Hungria.

Os governos, da Monarquia ao Stalinismo são retratados como corruptos de

um modo geral. Entretanto, é na representação do Estado que podemos observar

uma maior influência do pensamento de Gramsci na retratação dos governos

enquanto blocos históricos57. Szabó não se posiciona claramente contra ou a favor

de qualquer regime, o foco esta justamente em como cada um dos governos

manipulou o nacionalismo e o anti-semitismo como armas para atingir seus próprios

objetivos políticos. (HALL, 2003:292). As alianças com os judeus, (monarquia e

stalinismo) ou contra estes (fascismo e stalinismo) se repetem ao longo da história e

espelham o próprio comportamento dos personagens contra ou a favor de

determinado governo. O foco da representação da história esta centrado na

57

HALL (2003) “Primeiramente "hegemonia" é um momento historicamente muito especifico e temporário da vida de uma sociedade [...] tais períodos de "estabilidade" talvez não durem para sempre. Em segundo lugar, devemos observar o caráter multidimensional que envolve diversas arenas da hegemonia. Ela não pode ser construída ou sustentada por uma única frente de luta (por exemplo, a econômica). O domínio não é simplesmente imposto, nem possui caráter dominador. Efetivamente resulta da conquista de um grau substancial de consentimento popular. Em terceiro lugar, o que lidera em um período de hegemonia não é mais a classe dominante da linguagem tradicional, mas um bloco histórico. Esse termo se refere decisivamente à "classe" como um nível determinante de análise; mas não traduz todas as classes diretamente sobre o palco político-ideológico como atores históricos unificados. Os "elementos de liderança" em um bloco histórico podem ser apenas uma fração da classe econômica dominante.”

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46

dinâmica entre uma classe subalterna (judeus, representados pelos personagens) e

a classe dominante (governo), dinâmica esta, central ao pensamento de Gramsci58.

Brahmam59, um estudioso das questões do Holocausto e politica Húngaras,

em seu artigo “The assault on Historical Memory: Hungarian Nationalists and the

Holocaust”,1999 aponta o revisionismo histórico na Hungria como uma nova cepa

potencialmente virulenta de anti-semitismo, comparando a estratégia dos politicos

Húngaros na década de 1990 àquela já empregada por Horthy: o bode expiatório

(Horthy foi regente da Hungria no período entre Guerras e acabou conduzindo a

participação da Hungria na Segunda Guerra Mundial ao lado dos nazistas)60.

O foco de Szabó na dinâmica entre classe subalterna e classe dominante e

como o fenomeno se repete ao longo dos blocos históricos, endereça esta questão e

funciona como um alerta ao povo Húngaro, para que este não cometa o mesmo erro

do passado ao abraçar uma ideologia anti-semita, mostrando ao longo da

58

HALL (2003) "É esse processo de coordenação dos interesses de um grupo dominante aos interesses gerais dos outros grupos e à vida do estado como um todo que constitui a "hegemonia" de um bloco histórico particular. É somente em momentos como esse da unidade do "nacional popular" que a formação daquilo que se denomina "vontade coletiva" se torna possivel." 59

Randolph L. Braham é Distinto Professor Emerito de Ciências Politicas do Centro de Gradução da Universidade da Cidade de Nova York. Especialista em politica comporativa e no Holocausto, ele também é director do Centro de Graduçao do Instituto Rosenthal para os estudos do Holocausto. Ele é autor, co-autor ou editor de mais de 60 livros e escreveu mais de 300 artigos e estudos, a maioria

sobre o Holocausto na Hungria. (HALL, 2003 p. 293) 60

Braham, Randolph L.; The assault on historical memory: Hungarian Nationalists and the Holocaust. East European Quarterly. Volume: 33 Issue: 4 Publication Year 1999 pag number 411 editora Gale Group.: “O revisionismo histórico, representando uma nova cepa potencialmente virulenta de anti-semitismo, já infectou também o estrato nacionalista xenófobo da sociedade húngara. Ironicamente, essa nova cepa veio à tona na sequencia das medidas liberalistas do primeiro governo democraticamente eleito e adoptadas após a mudança sistêmica de 1989. As tensões politicas e deslocamentos socioeconimicos engendrados pelas medidas de privatização e mercantilização do novo governo forneceu aos nacionalistas-populistas xenófobos os elementos para reavivar a questão judaica e o anti-semitismo como instrumentos convenientes de sua política interna. Eles têm revivido e habilmente explorado a técnica favorita da era Horthy: o bode expiatório. Eles estão claramente resolvidos a dirigir a ira de pessoas que sofrem a devastação do desemprego, inflação e empobrecimento geral contra os judeus, culpando-os pelos males atuais e passados do país.” Texto Original: Historical revisionism, representing a new and potentially virulent strain of anti-Semitism, has infected the xenophobic nationalist stratum of Hungarian society as well. Ironically, this new strain came to the fore following liberalization measures the first democratically elected government adopted after the systemic change of 1989. The political stresses and socioeconomic dislocations engendered by the new administration´s privatization and marketization measures enabled the xenophobic nationalist-populist elements to revive the Jewish question and anti-Semitism as convenient instruments of domestic politics. They have revived and skillfuly exploited a favorite technique of the Horthy era: scapegoating. They clearly are resolve to direct the anger of people suffering from the ravages of unemployment, inflation, and general impoverishment against the Jews, blaming them for the current and past ills of the country”

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47

estória/história de Sunshine que o anti-semitismo não passa de uma manobra

políticapara alcançar o poder61.

Sunshine mostra a repetição desta estratégia de governo após governo.

Szabó chama seus compatriotas a olhar para a própria história e a assumir a

responsabilidade por suas próprias vidas sem que para isso sejam usados de

bodes-expiatórios62. No filme, ainda que a serviço deste ou daquele governo, e

independente das alianças de cada governo, os acertos e erros são cometidos por

Húngaros. Szabó sequer aceita o caminho fácil, de usar uma referência externa

como os alemães (nazismo) ou russos (stalinismo) como bode expiatórios.

Esta percepção fica evidente na cena da morte de Adan (ver apêndice A) e

nas falas dos personagens de origem judia Andor Knorr, conforme abaixo:

Quem se beneficia me transformando em inimigo? Voltamos ao anti-semitismo como uma solução? Nenhuma idéia nova?”) e Valeria (“Vi a queda de um governo atrás do outro e todos achavam que durariam mil anos, todos declaravam o anterior criminoso e corrupto e sempre prometiam um futuro de justiça e liberdade. Querido, você não esta preso, são eles que estão. (transcrição de áudio do DVD

Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Como o próprio Szabó declarou em entrevista63, seu trabalho é primeiramente

entreter o público e Sunshine cumpre esta função ao contar a Saga dos

Sonnenschein, com suas desventuras, romances e redenção. A estória, a produção

internacional, os atores de língua inglesa e a reputação internacional do diretor

61

Hall (2003) p. 309: "O racismo e as práticas e estruturas racistas ocorrem geralmente em alguns setores da formação social, mas nem todos; seu impacto é penetrante, porém irregular; e a propria irregularidade deste impacto pode ajudar a aprofundar e exacerbar os antagonismos setoriais contraditórios." 62

SULEIMAN, SUSAN RUBIM On Exile, Jewish Identity, and filmmaking in Hungary: A Conversation with István Szabó conforme publicado em http://kinokultura.com/specials/7/ssi-szabo.shtml acesso em 09/04/2011 – Entrevista concedida a Suleiman Szabó afirma: “Eu receio que não, devido a mentalidade das pessoas que querem alcançar o poder e que pensam que este só pode ser alcançado se eles excluírem outras pessoas. Porque as pessoas não querem aceitar a responsabilidade por suas próprias vidas. Este é o problema. A democracia funciona apenas em países em que as pessoas estão dispostas a ser responsáveis por suas próprias vidas.texto original: “I´m affraid not, because of the mentality of people who want to reach power and who think they can do that only if they throuw out other people. Because people don´t want to accept responsibility for their own life. That is the problem. Democracy works only in a country where people are willing to be responsible for their own life” 63 SULEIMAN, SUSAN RUBIM On Exile, Jewish Identity, and filmmaking in Hungary: A Conversation with István Szabó conforme publicado em http://kinokultura.com/specials/7/ssi-szabo.shtml acesso em 09/04/2011 - Texto Original: “I just try to tell the story. I don´t care about film styles: I´m not a stylist. I have only one aim, to be clear and understandable and simple. Honest and understandable. And of course I have to entertain people. That´s my job”.

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48

apenas facilitaram a captação dos recursos financeiros necessários a viabilização do

filme. Sunshine é endereçado a uma audiência internacional enquanto

entretenimento e alcançou este objetivo, mas não tenho duvidas de que Szabó fez

um filme sobre os Hungaros e para os Hungaros.

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49

3. IDENTIDADES

A supressão de uma identidade nacional Húngara no último século e meio resultou em uma visão deliberadamente falsa, distorcida, alterada e manipulada da história, sociedade, cultura e língua húngara... Agora, pela primeira vez em muito tempo, o húngaro tem a oportunidade de examinar as características de sua própria identidade nacional [...] (tradução nossa, MARÁCZ, p. 5)

Sunshine, o despertar de um século é o projeto mais significativo de István

Szabó na década de 1990 e, narra a saga de uma família de judeu-húngaros, de

1828 até a queda do comunismo (1989), misturando ficção com cenas de

documentários históricos.

David Walsh, editor de arte do World Socialist Web Site, e autor de vários

artigos sobre a arte e cultura contemporânea do ponto de vista marxista, afirma que

Sunshine é uma pobre tentativa de explicar o século XX64. Primeiramente, destaco

que o filme não é sobre a história mundial ou mesmo sobre a história da Europa.

Mesmo enquanto retrato da história da Hungria no século XX, local e período onde a

estória se desenrola, é preciso reconhecer que existem lacunas importantes nos

eventos históricos relatados, o tratado de Trianon65, por exemplo, não é

mencionado, entretanto, o roteiro original do filme foi criado para uma série de

televisão e posteriormente cortado pela metade para adaptação ao cinema66, o que

talvez esclareça o fato de alguns eventos serem abordados superficialmente ou

simplesmente ignorados. Por outro lado, Walsh não é Húngaro e embora conheça

profundamente as teorias marxistas seu conhecimento sobre a história da Hungria,

seu momento político durante a produção do filme e mesmo as características de

Szabó enquanto diretor parece superficial. Walsh assistiu ao filme como um

ocidental e como destacamos no capitulo anterior, Sunshine foi feito para os 64

David Walsh, World Socialist Web Site de 10 Julho 2000 , “ A poor attempt to explain the twentieth century” conforme publicado em http://www.wsws.org/articles/2000/jul2000/sun-j10.shtml em 22/10/2010 65

“A Hungria perdeu mais de dois terços de seu território devido ao tratado de Trianon, assinado em 4 de junho de 1920 no Palácio Petit Trianon, em Versalhes na França. Seu território, que era de 282.000 km² passou para apenas 93.000 km² após a assinatura deste tratado. Praticamente dois terços de sua população de 18,2 milhões de habitantes, caiu para 7,6 milhões. Muitos húngaros mudaram de nacionalidade sem sair de suas casas” Fonte: Mini Hiradó, Informativo da Associação Húngara, Ano 11, nr. 27 de Junho de 2010 – São Paulo conforme publicado em 20/04/2011 em http://www.ahungara.org.br/admin/upload/hirados/MiniHirado27.pdf 66

Conforme mencionado pelo próprio David Walsh no artigo em referência.

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Húngaros. O filme mostra os principais acontecimentos do período em que se

desenrola a estória, mas não se propõe a fazer uma retrospectiva da história da

Hungria, embora até certa medida o faça. István Szabó serve-se de dados históricos

referentes a diáspora judia na Hungria, para propor um diálogo com o espectador

sobre a identidade húngara e como este anseio por uma identidade nacional foi

manipulado ao longo da história por seus governantes (monarquistas, fascista e

comunistas sem exceção). Sunshine é um romance apenas enquanto formato

escolhido para discussão sobre a manipulação de sentimentos nacionalistas e do

anti-semitismo com fins políticos – uma problemática profundamente Húngara.

Deixemos de lado estes aspectos, já discutidos no capitulo anterior, para

focar nas questões de identidade e na diáspora Judia na Hungria.

A lealdade e a identificação que, numa era pré-moderna ou em sociedades mais tradicionais, eram dadas à tribo, ao povo, e à religião, foram gradualmente sendo colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de “teto-político” do estado-nação, que se tornou, assim, uma fonte poderosa de significados para as identidades culturais modernas.(HALL, 2006:.49)

Na Hungria, afligida ao longo de sua história por invasões e guerras67, as

representações da identidade nacional flutuaram conforme os regimes que

assumiram o poder. Assim, cada Sonneschein irá perseguir um objetivo móvel e

fluído, uma identidade nacional que mudava a cada novo governo.

Através da vida de seus protagonistas o filme analisa a assimilação dos

judeus húngaros e, o quanto de sua integridade os indivíduos estão dispostos a

sacrificar para conquistar os benefícios de uma maior identificação com o regime em

vigor. Não por acaso, os personagens principais, descendentes de Emmanuel,

serão interpretados pelo ator Ralph Fiennes. Em uma entrevista ao jornal “Jewish

News of Greater Phoenix” Istvan Szabó declarou: “Usando o mesmo rosto para o

avô, o pai e o filho, eu quis mostrar que através dos desafios da história, a luta dos

67

Apenas durante o período coberto pelo filme temos a monarquia (1686-1918), a 1ª. Guerra Mundial, um período entre guerras marcado por conflitos internos (terror branco), a 2ª. Guerra Mundial e a ocupação soviética. Fonte: “Pequena História da Hungria”, conforme publicado em 20/4/2010 em http://www.ahungara.org.br/site/PEQUENA%20HISTORIA%20DA%20HUNGRIA.pdf.

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judeus para serem aceitos pela sociedade, repetiu-se em casa geração” 68 (tradução

nossa, TUGEND, 2000)

Até certa medida é possível traçar um paralelo entre o atual fenômeno da

fluidez das identidades nacionais trazido pela globalização, com o processo vivido

pela Hungria neste último século e meio. Hoje, a internet, as mídias e os

movimentos populacionais permitem a integração de novos valores e identidades

dentro das fronteiras de uma nação. Na Hungria, as constantes invasões foram

responsáveis por um fenômeno que guarda características semelhantes, renovado

com a integração do país à Comunidade Européia em 2004.

Num país que agora é um repositório de culturas [...] O fortalecimento de identidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles membros dos grupos étnicos dominantes que se

sentem ameaçados pela presença de outras culturas.(HALL, 2006: 84-85)

Os judeus, apresentaram-se como o “inimigo interno”69 adequado a

necessidade de reforçar uma identidade nacional húngara tornaram-se sinônimos

do capitalismo por sua significativa participação no desenvolvimento de uma

sociedade moderna (durante o império austro-húngaro) e posteriormente sinônimos

do comunismo, por sua participação no regime, em grande medida devido à

“libertação” da Hungria do nazifascismo e ao fim do Holocausto, creditada aos

russos.

Istvan Szabó em sua representação dos judeus na diáspora, não fez destes

vítimas inocentes. Os protagonistas masculinos são ambíguos, tanto vitimas quanto

algozes, tanto fortes quanto fracos em seus esforços pelo pertencimento a nação

68

Texto original: “By using the same face for grandfather, son and grandson, I wanted to show that the challenges of history, the jewish struggle to be accepted by society, reapeted itself in every generaltion”, conforme publicado no Jewish News of Greater Phoenix. Disponível em <http://jewishaz.com/jewishnews/000630/sunshine.shtml> Acessado em 20/05/2010 69

Os Judeus não possuiam uma identidade nacional que haviam abandonado em função da emigração, a diáspora judia é um fenômeno com características particulares. Em parte o movimento sionista é justamente uma resposta do povo judeu por um “estado-nação” que os abrigue e onde não sejam uma minoria, mas sim seus senhores de fato. O movimento sionista foi fundado oficialmente em 1897, mas apenas a partir de 1917 seu foco firma-se no estabelecimento de um estado-nação e mesmo assim sem grande impacto nas comunidades judias européias. Conforme MILGRAN (2009) “Anos após o surgimento do sionismo, sua plataforma ideológica era rejeitada pela maioria dos judeus na diáspora [...] não surpreende a sensação de impotência sentida pelos sionistas nos anos de 1930 e 1940, quando a Alemanha de Hitler deu início à política de discriminação, expulsão e extermínio de judeus. Naquela altura, o sionismo, desarmado política e militarmente, não tinha meios para salvar milhões de judeus condenados à morte.” (tradução nossa)

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Hungara Os governos sucessivamente, são levados a extremos ditatoriais em

função de suas alianças externas, mimetizando o comportamento dos protagonistas

– mas nem mesmo estas alianças são condenadas. Istvan Szabó não aponta

culpados externos, (a cena da morte de Adam Sors é protagonizada por oficiais

húngaros – nenhuma suástica é mostrada em cena – ver apêndice A). Os erros e

acertos foram cometidos por húngaros e contra húngaros.

No prefácio do livro “The Cinema of Central Europe”, 2004, de Peter Hames,

Istvan Szabó inicia o prefácio lembrando como a Hungria, no período anterior a

primeira guerra mundial, era um país que se destacava pela tolerância à diversidade

cultural e orgulho patriótico e como a manipulação do sentimento nacionalista por

seguidas ditaduras marcou a vida dos húngaros e seu cinema. O Diretor valeu-se

da diáspora judia na Hungria para exemplificar como a “discriminação” de uma

minoria foi utilizada pelos governos para construir uma hegemonia70 ilusória.

A oportunidade de examinar as características de sua própria identidade

nacional, como apontado na citação inicial de Marácz, é convite aceito por István

Szabó em Sunshine. Esta questão assume particular importância considerando os

movimentos políticos e a intensificação de um lado, de plataformas políticas anti-

semitas (25% dos Húngaros são declaradamente anti-semitas) e de outro o

“renascimento” da comunidade judia71.

Sunshine é um romance com elementos de “memorial” e ao mesmo tempo

um manifesto ideológico contra o anti-semitismo e um alerta contra as

70

Aqui o termo hegemonia esta sendo utilizado como a supremacia de uma classe (grupo) sobre outras, seja através da introdução de sua cultura ou por meios militares. Observa-se no filme a influência do pensamento de Gramsci na representação dos blocos históricos. Esta influência sera abordada com maior profundidade ao longo do texto. 71

Fontes: a) KOVÁCS, András. Jewish Assimilation and Jewish Politics in Modern Hungary. Disponível em: <http://www.ipr.org.uk/downloads/JPR%20Hungary%20report%20for%20website.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. “Many signs indicate that the appearence and representation of Jews as a social group, that is, their self-image and the image formed by outsiders, has inceansily taken on a political sifnificance in Hungary today.(...) The aim of the construction of na ethnic group is to achieve certain political goals." e b) KOVÁCS, András. Antisemitic Prejudices in Contemporary Hungary. ACTA ANALYSIS OF CURRENT TRENDS IN ANTISEMITISM:A special research unit of SICSA The Vidal Sassoon International Center for the Study of Antisemitism, The Hebrew University of Jerusalem . Disponível em: <http://sicsa.huji.ac.il/16Kovacs.html>. Acesso em: 01 dez. 2011. Texto Original: “According to the results of our examination, 29% of the Hungarian adult population is non-antisemitic, 25% antisemitic, and 32% accept some of the economic stereotypes formed over the centuries about the Jews without thesestereotypes being accompanied by any particular antisemitic feeling” (…) “The experiences of recent years indicate that since the fall of the communist system, antisemitism has strengthened in Hungary, or at least, underlying antisemitic attitudes and ideologies are now expressed more openly.”

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movimentações presentes no período da produção do filme e ainda atualmente

(2011), e que fazem com que a Hungria seja conhecida como a capital européia do

anti-semitismo72.

3.1. O mito fundador e o reino encantado

A estrutura de Sunshine é a de um romance, ou mais precisamente uma

fábula. A saga é narrada pelo último descendente desta família, e tem inicio com a

saída de seu bisavô Emmanuel Sonnenschein, de uma pequena vila no interior rumo

à cidade, após a morte de seu pai na explosão de sua destilaria, para obter recursos

para sustentar sua mãe e irmão. A imagem é de um menino, caminhando sozinho

por um imenso campo aberto apoiado apenas por uma bengala. A melancólica trilha

do filme acompanha a cena. A imagem ligeiramente fosca enfatiza a fragilidade do

menino frente ao desafio que se apresenta e com isso seu heroísmo, criando um

clima de sonho e distanciamento: “era uma vez, há muito tempo atrás, em uma terra

distante”.

FIGURA 11 – Emmanuel Sonnenschein saindo de sua vila, grande plano geral

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

72

Gruber, Ruth Ellen; conforme artigo “Could Hungarian Anti-Semitism get out of Control” publicado no normal JTA Jewish & Israel News de 21 de Dezembro de 2010 conforme publicado em http://www.jta.org/news/article/2010/12/21/2742260/could-hungarian-anti-semitism-get-out-of-control acesso em 02/12/2011.

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FIGURA 12 – Emmanuel Sonnenschein saindo de sua vila, plano geral

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Emmanuel carrega consigo um relógio e um livro que contém a receita secreta

de um tônico de sabor inigualável fabricado por seu pai, ambos recuperados dentre

os destroços da destilaria e sua única herança. As imagens de como estes tesouros

são recuperados e passados a Emmanuel são representados sob a mesma aura de

sonho e sagrado.

FIGURA 13 – A recuperação do livro com a receita secreta e do relógio

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Temos portanto o herói vindo de uma terra distante com sua varinha mágica

(receita), em uma missão altruísta (sustentar a mãe e irmão), apoiado apenas na

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sua coragem e valores nobres (representados pela bengala que lhe é entregue por

um ancião devidamente paramentado com roupas típicas dos judeus ortodoxos), e

que neste momento estabelece o exemplo a ser seguido.

FIGURA 14 – Emmanuel Sonnenschein recebendo a bengala do ancião

FONTE: DVD - Sunshine – o despertar de um século” (1999)

Emmanuel torna-se um bem sucedido industrial vendendo o tônico secreto de

seu pai ao qual dá o nome de “Taste of Sunshine” (sabor do brilho do sol) em

referência a seu nome de família, Sonnenschein, cujo significado é Sunshine. O

relógio, o livro e o tônico, junto com outros elementos cênicos, se repetirão ao longo

do filme representando tanto a identidade judia que vai se perdendo com o passar

das gerações quanto à permanência da questão da identidade judia através das

gerações, a despeito de todas as ações em busca da assimilação.

Emmanuel tem dois filhos, Ignatz e Gustav e adota Valéria, a filha de seu

irmão. Nenhum de seus filhos se interessa pelos negócios da família, Ignatz se

torna Advogado e Gustav Médico73.

73

O fato de os filhos não se interessarem pelos negócios da família não parece constituir motivo de aborrecimento para Emmanuel. Conforme cita TUMANOV (2004) – a participação dos judeus nos assuntos de estado é quase um dever religioso: “Os judeus devem participar nos assuntos de estado; eles devem apreciar os bons elementos de uma sociedade não Judia e cooperar sempre que possível” (tradução livre). [texto original: “The Jews must participate in the affairs of state; they must appreciate the good elements of non-jewish society and cooperate wherever possible”. Importante

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O núcleo e a dinâmica familiar promovidos pela presença de Emmanuel irão

representar a situação da comunidade Judia como um todo no período histórico

anterior a primeira Guerra Mundial. A família será representada como um núcleo

respeitado, perfeitamente integrado dentro da sociedade e a religião não constitui

elemento de diferenciação (o reino encantado)74. O mito fundador constituído por

Emmanuel será evocado em vários momentos ao longo do filme com a função de

relembrar o espectador que se trata de um romance mas também para evocar o

“reino encantado” e a herança Judia, e será sempre representado com uma aura de

sagrado.

Apesar de integrados na sociedade como em nenhum outro momento da

história da Hungria, e assim como os húngaros católicos de origem eslovaca ou

alemã, os judeus eram percebidos como “diferentes” pelos húngaros de origem

magyar, embora não menos húngaros75. Em uma carta de Emmanuel a seu filho

mencionar que por volta de 1900, período em que se situa o filme neste ponto, os judeus húngaros eram relativamente bem aceitos, a ponto de o principal rabino húngaro ter uma cadeira no parlamento. Os judeus tiveram um papel importante na comercialização, industrialização e desenvolvimento da burguesia na Hungria pois as elites húngaras menosprezavam estas ocupações. Nesta época, mais de 20% da população de Budapeste era composta por Judeus. Os alemães chamavam ironicamente a cidade de Judapeste. ROZENBLIT (2011). 74

Segundo TURMANOV (2004) “Uma especificidade dos Judeus Húngaros até o Holocausto [...] é que eles sentiam-se húngaros: eles não eram exilados, a Hungria era seu lar. Mais do que isso, como vimos, eles tiveram um importante papel histórico na modernização da Hungria e na criação da moderna identidade húngara. Intelectuais judeus – escritores, jornalistas, editores – tiveram papeis de grande importância na vida cultural húngara, e os profissionais liberais foram em alguns períodos mais que 50% judeus”. [Texto Original: “The specificity of Hungarian Jews until the Holocaust […] is that they felt Hungarian: there not exiles. Hungary was their home. Furthermore, as we have seen, they alyed and important historical hole in the modernization of Hungary and in the creation of modern Hungary identity. Jewish intellectuals – writers, journalists, publishers – played major holes in Hungarian cultural life, and the liberal professions were at times more than 50% Jewish”. Conforme publicado em http://unomaha.edu/jrf/Vol8No2/TurmanovSunshine.htm acesso em 18/05/2010. 75

Até 1920 os termos húngaro e magyar abarcavam conceitos diferentes, sendo “húngaro” o termo usado para designar todos os cidadãos nascidos em território húngaro, incluindo alemães, eslovacos, romenos e etc. e magyar apenas os cidadãos húngaros de origem étnica magyar. Por volta de 1900 mais de 50% dos húngaros era de origem magyar, em parte devido a um processo de “magiarização” instituído entre 1867 e a primeira Guerra mundial. “Foi neste período do império Austro-Húngaro que os judeus sentiram-se mais fortalecidos e integrados na sociedade que em qualquer outra época, antes ou depois”(TUMANOV, 2004). O movimento nacionalista húngaro envolvia mais do que a simples coesão lingüística, ele continha a promessa de igualdade no cenário político. Os judeus, pelo menos na mente de muitos, tornaram-se húngaros. Citando GERÖ (2004) p.181-182: “O poder e a profundidade da assimilação pode parecer menos convincente em retrospectiva, mas permanece o fato que mais e mais judeus na Hungria percebiam-se primeiramente como Húngaros, e em segundo plano Judeus. [...] e assim, os judeus, que haviam se identificado por sua religião, adquiriram para si uma identidade nacional.” Texto original: “the Power and depth of assimilation may seem less convincing in retrospect, but the fact remains tha more and more Jews in Hungary saw themselves as Hungarians and were increasingly looked on first of all as Hungarians, and only secondarily as Jews […] And so the Jews, who had identified themselves by their religion, acquired for themselves a national identity”.

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Ignatz, o primeiro alerta que a religião pode ser um fator diferenciador mas que esta

diferenciação não constitui superioridade nem deve ser utilizada para dominação,

conforme extraído do filme:

A nossa exclusão da sociedade nos torna adaptáveis a outras, e capazes de sentir a ligação entre coisas diversas, mas se achar que tem poder, estará enganado. Se achar que tem o direito de se colocar a frente dos outros porque pensa que sabe mais do que eles, estará errado. (...) se a sua vida for uma luta por aceitação você será sempre infeliz.(...) Sobre as pessoas que julgará, saiba que tudo que fazem é lutar para ter segurança. São pessoas como nós. Portanto não julgue pelas aparências ou boatos. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Esta carta será recuperada por Adam (bisneto de Emmanuel) no final do

filme. A leitura da carta será representada através trechos proferidos pelos

antepassados de Adam, representando uma profecia do mito fundador, quase uma

maldição típica dos contos de fada que anuncia as desventuras que o herói deve

enfrentar antes da “redenção final”, que se dará pela retomada do nome judeu

Sonnenschein por seu último descendente.

3.2. A primeira ruptura: o nome

Ignatz é primeiro protagonista da saga, filho de Emmanuel, se torna um

advogado de destaque na corte Austro-Húngara, ocupando o cargo de Juiz.

Orgulhoso deste feito e para celebrar a ocasião Ignatz recebe o relógio do avô cuja

representação de sua herança judia esta expressa na fala de seu pai Emmanuel:

Quando julgar as pessoas, nunca se esqueça de quem você é. E para ajudá-lo a lembrar, este é o relógio de seu avô. O relógio de um taberneiro de aldeia. Agora é seu (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Ignatz inicia um romance secreto com sua prima Valéria, criada como sua

irmã, e com quem mais tarde se casa apesar da desaprovação familiar. Ignatz vai

conquistando uma posição de destaque como Juiz, e tudo parece bem até que seu

superior o chama para uma conversa em seu gabinete e acena uma possibilidade de

ascensão com a seguinte fala:

Eu serei franco com você. Espero que não se ofenda. A Suprema Corte não pode ser presidida por um juiz de nome Sonnenschein.

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Queríamos promovê-lo. Confiamos em você. Precisamos de você. Mas você teria que mudar seu nome para um nome mais húngaro. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Movido tanto pela própria ambição quanto pelo desejo de servir ao Imperador,

de quem é admirador fiel, Ignatz discute uma possível mudança de nome com sua

família e Emmanuel pergunta se Ignatz pretende abandonar sua fé76. Este responde

que não, que nunca faria isso. Valéria (sua prima) e Gustav (seu irmão) também

expressam o desejo de mudar de nome para facilitar sua “assimilação” e reforçam

que a mudança de religião não está em questão. A despeito de lamentar a decisão,

esta é aceita por Emmanuel. Os irmãos discutem o nome que irão adotar e optam

por Sors cujo significado tanto em latim como em húngaro é “profecia, destino,

tarefa”.

A hungarização dos nomes tornou-se comum, e não foram poucas as pessoas que, após ascender socialmente, converteram-se ao Cristianismo na esperança de acelerar e assegurar sua escalada e firmar-se ainda mais como húngaro77 (tradução nossa, GERÖ, 2004:182)

76

Marsha L. Rozenblit; Reconstructing a National Identity: The Jews of Habsburg Austria during Wolrd War I; Oxford Universty Press; New York; 2001; pg 18-19 A Áustria, que se considerava um estado de nacionalidades e não um estado-nação, reconheceu a igualdade de suas nacionalidades garantido-lhes o direito de usar suas línguas nacionais na vida pública. [...] Na Hungria, que se considerava um estado-nação, os Magiares, que representavam apenas 48% da população total, dominavam a política e cultura, e procederam a Magiarização de outros grupos nacionais na Hungria, incluindo eslovacos no norte, Sérvios e Croatas, no sudoeste, os Romenos na Transilvânia no sudeste, e os Alemães e os Judeus como um todo. [...] Antes do último terço do século dezenove, a identidade nacional era muito fluída, e muitos suditos da monarquia Habsburgo ligavam-se a uma identidade nacional simplesmente aprendendo um novo idioma e adotando uma nova cultura. Alemães e judeus na Hungria, por exemplo, Magiarizaram-se e se tornaram Húngaros [...] Só no final do século dezenove, quando a luta por uma nacionalidade se intensificou, as idéias nacionalistas proliferaram através da educação cada vez mais acessível, e noções da identidade nacional baseadas em raças floreceram é que o pertencimento a uma nacionalidade se fez mais rigido. Texto Original: Austria, which considered itself a nationalities-state, not a nation-state, regocnized the equality of its nationalities and guaranteed to them the right to use their national languages in public life.[...] Within Hungary, which considred itself a nation-state, the magyars, who formed only 48% of the total population, dominated politics and culture, and they attempted to Magyarise the other national groups in Hungary, including Slovaks in the north, Serbs and Croats in southwest, Romanians in Transylvania in the southest, and Germans and Jews throughout. [...] Before the last third of the ninetheenth century, national identity was very fluid, and many residents of the Habsburg Monarch switched national identity simply by learning new language and adopting a new cultures. Germans and Jews in Hungary, for example, magyarized and became Hungarian.[...] Only at the end of the ninetheenth century, when the nationality struggle intensified, nationalist ideas proliferate through increasingly accessible education, and racially determined notions of national identy flourish, did belonging to a natinality become more rigid. 77

Texto original: “ Hungarianisation of names became commom, and not a few people, after rising in society, actually converted to Christianity in the hope of speeding and securing their rise, and making themselves more firmly Hungarian”.

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Talvez, por comum ao período, os irmãos trocam seu nomes sem perceber

nesta concessão nenhuma importância maior, saindo do cartório entre risos e

brincadeiras.

Valéria engravida e ela e Ignatz casam-se em uma típica cerimônia judia,

apesar da oposição inicial dos pais uma vez que o casamento entre primos iria

contra suas tradições religiosas. O casamento entre primos também é percebido

como uma ruptura com a herança judaica por Emmanuel e um presságio de que o

custo desta ruptura poderá ser alto.

Ignatz apóia fervorosamente o Imperador aconselhando a postergação de

julgamentos de casos de corrupção. Isto gera conflitos com sua esposa e irmão que

acreditam que a corrupção da monarquia é responsável pela miséria em que vive a

população. Em uma discussão entre Valéria que lhe pergunta a quem ele está

tentando agradar, Ignatz responde:

Comecemos por você e seu coração húngaro. Depois nossa família e a memória de meu avô e sua sagrada Tora. Também ao imperador, ao governo e a oposição. E o meu senso de justiça? Tenho que agradar ao irmão que quer mudar o mundo pelo avesso e ao nosso pai que quer mantê-lo exatamente como é. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

A fala de Ignatz, coloca como distintas e opostas à identidade húngara e

judia, e enfatiza sua frustração em não conseguir harmonizar uma e outra.

Entretanto, a colaboração de Ignatz rende frutos e ele é convidado a

concorrer a uma cadeira no parlamento. Este convite irá gerar novas discussões em

família, com forte oposição de Gustav e Valéria. Emmanuel alerta o filho

ressaltando sua condição judia, e novamente, sua identidade distinta dos húngaros:

Estamos orgulhosos do convite. Prova que sua educação teve valor, que faz bem o seu trabalho e é respeitado. Mas nosso povo nunca sobe tão alto, mesmo convidado. O homem que vem de outro lugar é sempre suspeito. Temos de aceitar isso. Para sermos felizes nesta vida temos que saber quem somos. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Ignatz acaba recusando o convite mas os conflitos se seguem quando recebe

uma lista com nomes de pessoas suspeitas de estarem envolvidas em uma

conspiração para derrubar a monarquia. O nome de Gustav está nesta lista e Ignatz

comenta isso com seu superior que responde: “porque judeus ricos e educados

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estão sempre por trás das tentativas de derrubar o poder?” Ignatz questiona o irmão

e trocam acusações de lado a lado, entretanto, fica claro que ambos buscam a

assimilação, que ambos acreditam que o caminho está nas mãos do governo, mas

enquanto Ignatz acredita na monarquia, Gustav apóia o Socialismo. Valéria é a

única que não associa a “identidade” com o sistema de governo, como vemos pelo

dialogo abaixo:

Ignatz: Eu acredito num sistema judiciário forte e no direito de ser assimilado pelo país que amo!

Gustav: Assimilado? Nunca será aceito, sempre será tratado com desconfiança. Só o movimento dos trabalhadores o aceitará!

Valéria: Querem saber o que eu quero mesmo? Quero ter orgulho da minha língua, quero abrir a janela e ver um país que eu conheço e amo. Quero ser como uma flor do campo que floresce naturalmente no lugar a que pertence. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Com o assassinato do arquiduque Ferdinand em Saravejo o Imperador

declara guerra à Servia. Tanto Gustav quanto Ignatz juntam-se ao exercito78. A

Guerra dura por vários anos e Ignatz fica afastado de sua família. O imperador

morre e no mesmo dia também falece Emmanuel. Ignatz fica profundamente

abalado e coloca as fotos de seu pai e do imperador lado a lado. A foto do imperador

é maior que a de Emmanuel e indica a opção de Ignatz pela identidade húngara

sobre a judia. Isso fica claro quando após o funeral do pai, Ignatz é abordado por um

escrivão que o informa que um dos oficiais que Ignatz irá julgar é judeu, ao que

Ignatz responde: “Antes de mais nada sou oficial do Imperador”. Entretanto essa é

uma opção que o envergonha pois, em seguida cospe em sua própria imagem no

espelho.

78

Marsha L. Rozenblit; Reconstructing a National Identity: The Jews of Habsburg Austria during Wolrd War I; Oxford Universty Press; New York; 2001; "Os judeus, portanto, não experimentaram qualquer dissonância entre suas identidades Austríaca e Judia durante a Primeira Guerra Mundial [...] Pelo contrário, a guerra reforçou a noção Judaica de que estes poderiam ser Austríacos e bons Judeus ao mesmo tempo. [. ..] os Judeus na Áustria acreditavam que a guerra iria confirmar a sua identidade tripartite como austríacos fiéis que aderiram à cultura de uma das nacionalidades, mas que permaneceram devotados ao povo judeu. eles rezavam pela continuação da Monarquia, porque eles sabiam que só tal Áustria permitiria essa identidade confortável.” Texto Original: "Jews therefore did not experience any dissonance between their Austrian and Jewish identities during World War I. [...] On the contrary, the war reinforced the Jewish notion that they could be good Austrians and good Jews at the same time.[...]Jews in Austria thought that the war would confirm their tripartite identity as loyal Austrians who adhere to the culture of one of the nationalities but who remained devoted to the Jewish people. They prayed for the continuation of the Monarchy because they knew that only such an Austria allowed them this confortable identity. (ROZENBLIT, 2001:40)

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Valéria pede o divórcio e ela e Ignatz acabam discutindo e nisso quebram

uma xícara. Valéria recolhe os cacos dizendo que é melhor não brigarem mais ou

acabarão quebrando toda sua herança. A quebra da louça será novamente utilizada

como elemento cênico para representar o fim de um ciclo ou a perda de uma parte

da identidade judia. Na cena subseqüente entram cenas de documentários, os

comunistas sobem ao poder em 1919 e Gustav torna-se alto oficial do governo. Ele

tenta convencer Ignatz a se juntar a causa, mas este se recusa. Gustav informa que

agora ele é que esta na lista e que terá de responder por si. Ignatz é mantido em

prisão domiciliar e com isso Valéria volta pra casa. Após alguns meses o regime

militar derruba os comunistas e Gustav foge para França. Ignatz se recusa a presidir

os julgamentos dos comunistas e é forçado a se aposentar. Sua saúde fica

comprometida. Valéria discute com a mãe/sogra e esta diz que assim que Valéria

devolver o livro com a receita do tônico, herança de Ignatz, ela vai expulsá-la de

casa. Valéria diz que não está com o livro, mas começa imediatamente uma busca

frenética pela casa. O livro não é encontrado e Ignatz morre um ano depois e sua

mãe logo em seguida. Valéria torna-se a cabeça da família.

3.3. A segunda ruptura: a religião

Embora se trate de uma ficção, o personagem de Adam Sors foi baseado em

fatos reais da vida dos esgrimistas Attila Petschauer e Endre Kabos, ambos de

origem judia. A morte de Adam é baseada na morte de Petschauer, aclamado como

o “novo D´Artagnan” por seu treinador e medalha de ouro em vários campeonatos

europeus, mas foi Endre Kabos que ganhou a medalha de ouro nas olimpíadas de

Berlin (1936).

A ocupação da Hungria pelos alemães no último ano da Segunda Guerra

Mundial resultou na deportação da maioria dos judeus para campos de

concentração. Previamente os judeus haviam sido submetidos a uma série de leis

restritivas impostas pela aliança com a Alemanha nazista, entretanto, a reputação de

Petschauer como renomado esportista garantiu-lhe um documento especial de

“isenção”. Durante uma verificação de rotina feita pela polícia, Petschauer percebeu

que havia esquecido seus papeis em casa, explicação inaceitável para o oficial

responsável, e ele acabou sendo deportado para um campo de concentração na

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Ucrânia. Durante uma revista, Petschauer foi reconhecido por um oficial militar, o

Coronel Kálmán Cseh, que como ele também havia participado dos jogos Olímpicos

de 1928, mas pela equipe de equitação. Apesar de terem sido amigos, Kálmám

exortou os soldados do campo a “esquentarem as coisas para o Judeu” e ordenou

“você, ganhador da medalha olímpica, vamos ver se você pode subir em árvores”.

Apesar do rigoroso inverno Petschauer foi forçado a despir-se e a empoleirar-se na

arvore como um galo, os soldados começaram a esguichar água sobre ele que

morreu congelado em pouco tempo.

Para entender a recusa do personagem em admitir sua origem judia é preciso

ter em mente que a esgrima tornou-se quase uma obsessão entre os judeu-

húngaros na busca por integração social e aceitação psicológica. Além disso, os

duelos eram aceitos socialmente, e não raro católicos se serviam do desafio como

forma de antagonizar judeus. Diferente de Adam Sors, tanto Petschauer quanto

Kabos não se converteram ao catolicismo, entretanto, esta era uma prática comum

entre os judeus neste período em sua busca pela assimilação. Os judeus

convertidos eram identificados com uma estrela branca, ao invés da tradicional

estrela amarela, mas pouca diferença isto fez por ocasião da ocupação da Hungria.

No campo de concentração, o uniforme de oficial do exercito e a estrela branca em

contraste com a amarela identifica Adam como judeu convertido, um sinal de

assimilação que constitui uma provocação para o oficial verdadeiramente anti-

semita.

A cena de Adam busca retratar o holocausto, busca recriar o horror deste

período (ver apêndice A), sua força vinda da tensão entre imagem e som, dilogo e

silencio, ação e imagens estáticas. O prolongado close-up na imagem de Adam

congelado cria uma imagem que muito se assemelha às representações do Cristo

crucificado. A negação de sua identidade por Adam, na verdade a consolida. No uso

de simbolismos e iconografias cristãs, Sunshine segue a tendência de vários filmes

sobre o mesmo tema, em que valores e heroísmos cristãos distorcem ou mesmo

eclipsam a identidade e experiência dos Judeus.

Ao contrário de seu pai Ignatz, que viveu em um período que os judeus eram

relativamente bem aceitos, na virada do século, Adam, já um adolescente, sente na

pele a discriminação. A identidade húngara deixa de centrar-se em um ideal de

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liberdade que abraçava os judeus e outras minorias para reforçar uma identidade

Magiar, profundamente atrelada ao cristianismo. Em parte devido a própria

desintegração de uma identidade judia, o conceito de Judeu passa de uma simples

diferença religiosa para assumir proporções étnicas mais amplas.

Este “judeu total” era um judeu em todos os aspectos da vida. Ele comia, falava e pensava como um Judeu. Um judeu era Judeu mesmo que não fosse Judeu.” [...] Uma conseqüência maior foi o aparecimento de uma percepção de etnia judia. Aqueles para quem a narrativa anti-semita e sua força social era prova que a assimilação estava destinada ao fracasso, e que um retorno a “Judiacidade” era impossível, começaram a pensar em termos de uma alternativa ao conceito de judeu e identidade judia 79. (tradução nossa GERÖ, 2004,:184)

Imediatamente após a morte de Ignatz segue-se uma cena em que Adam é

confrontado por outro rapaz da academia militar que o ameaça com um sabre e o

humilha por sua identidade:

É este o judeu que vive sorrindo? De joelhos, judeu! Eu pensei que o fedor da sinagoga tinha sumido com os comunistas, mas ainda o sinto. Desculpe-se por poluir o ar com seu cheiro.(transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Adam conta o episódio a seu irmão Istvan que o aconselha a treinar esgrima

com ele para se defender de outros confrontos semelhantes. A esgrima torna-se a

paixão de Adam que revela um talento extraordinário para o esporte. Ele e Istvan

tornam-se os melhores esgrimistas do clube cívico, comparável apenas aqueles que

treinavam pela Academia Militar. Após uma disputa em que o juiz deliberadamente

favorece o esgrimista do Clube Militar, Adam é abordado por seu treinador que lhe

diz:

Era evidente que você seria o vencedor! Pode se tornar um grande esgrimista, um campeão nacional, mas se permanecer no Clube Cívico será sempre o segundo. Falei com o general ontem e você seria bem vindo no Clube dos Oficiais (...) Judeus não são aceitos no Clube dos Oficiais. Você terá de se converter. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Assim como seu pai, Adam viverá o mesmo dilema entre manter sua

identidade judia ou abrir mão desta para ser aceito e ascender na carreira. Da

79

Texto original: “The total Jew was a Jew in every area of life. He ate, spoke and thought as a Jew. A Jew was a Jew even when he was not a Jew. […] One major consequence was the appearance of Jewish ethnic awareness. Those for whom the anti-Semitic narrative and its social force were proof that assimilation was doomed to failure, and that a return to traditional Jewishness was impossible, started to think in terms of a national alternative to the Jewish concept and Jewish identity.”

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mesma forma, o assunto foi discutido em família. “Você quer se converter?” pergunta

Istvan. “Eu quero ser húngaro” responde Adam. Valéria é quem disse que a

conversão não o tornará húngaro, e que o que o Clube dos Oficiais deseja é que ele

seja Cristão. Assim como Ignatz e seus irmãos, também Adam e Istvan se

converteram ao catolicismo para serem aceitos socialmente e ascenderem em suas

carreiras. Ambos são aceitos no Clube dos Militares e em um encontro com o

General este diz a Adam : “Você fez a escolha certa. A assimilação é a única saída

possível”. Mais tarde, esta declaração será revista. Istvan (irmão de Adam) casa-se

com uma católica, Greta e Adam com uma Judia que como ele converteu-se ao

cristianismo. Istvan e Adam tornam-se pais praticamente ao mesmo tempo e Adam

batiza seu filho de Ivan.

“...as alegrias e virtudes da assimilação foram proclamadas, mas as escolhas tradicionais preferidas estavam no casamento. Esta falta, ou mais exatamente, este fracasso em articular para encontrar uma identidade real, deixaram os húngaros judeus quase completamente indefesos quando a policia federal desconsiderou sua identificação assimilativa.” 80(tradução nossa, GERÖ, 2004: 185)

O Clube Cívico convida Adam a voltar a treinar com eles, oferecendo uma

generosa remuneração que Adam recusa. Dançando com sua cunhada Greta

(Rachel Weiss), seu comentário mostra que Adam não apenas nega suas origens

judias, como a repudia: “

Adam: “Esta gente é repulsiva! Acham que podem comprar qualquer um!”

Greta: “Quem?”

Adam: “O Sr. Brenner e seus amigos judeus. Acham que dinheiro é tudo”.

Greta: “O Sr. Brenner especificamente ou o Sr. Brenner e seus amigos judeus?”

Adam: “São todos iguais. É pura perda de tempo ser cordial com eles.”

(transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

80

Texto original: “... the joys and virtues of assimilation were proclaimed, but traditional choices were preferred in marriage strategy. This absence, or more accurately the failure to articulate and to find a real identity, left the Hungarian Jew almost completely defenceless when state policy ultimately disregarded their assimilative identification.”

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Adam é escolhido para representar a Hungria nas Olimpíadas de Berlin

(1936) e influencia tanto na seleção do técnico como na de seus colegas de equipe.

Na partida final pela disputa seu sabre parte e antes de escolher um novo, Adam

reza o pai nosso. Adam ganha a medalha de Ouro e é aclamado como um “Tesouro

Nacional” da Hungria.

Antes de seu retorno à Hungria e ainda se recuperando da excitação do

momento, Adam vai ao Museu Pergamon em Berlin, encontrar-se com um

compatriota radicado nos EUA.

O primeiro tesouro do acervo que ele encontra são os famosos leões do Portão de Ishtar. A seqüência de eventos é importante porque Adam admira algo construído sob o reino de Nabucodonosor II, o mesmo Rei que derrotou Judah e levou os judeus para o exílio na Babilônia. O atleta olímpico assimilado parece ser lembrado que ele não pode fugir de si mesmo. Assim como os primeiros israelitas deportados que admiraram estes mesmo leões 2000 anos, Adam é um judeu exilado, não importa com quanto afinco tente negar este

fato” 81

(tradução nossa, TUMANOV, 2004)

Seu compatriota é presidente do Clube de Esgrima de Boston e o convida a

imigrar para os Estados Unidos. Adam recusa dizendo que nunca deixaria a

Hungria.

Você passa ao mundo a boa imagem de uma ditadura que enforca inocentes. Você comete crime igual ao glorificar um regime sanguinário” comenta seu compatriota, ao que Adam responde: ”Esta dizendo que eu esgrimo por um regime e não por meu país? Desculpe-me, você não vive aqui. Eu vivo. O país está muito mais civilizado agora. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999).

Voltando a Hungria Adam é recebido com honras de herói, participando de

várias cerimônias públicas. Assim como seu pai, Adam também vai ao Palácio

Imperial para ser condecorado com uma medalha de honra, também o ponto

máximo de sua vida. Seu patriotismo é exacerbado e até mesmo motivo de

brincadeiras em sua família.

O General comunica que o treinador deixou o país e Adam julga isso uma

traição. O general diz que não é assim tão simples, que a esposa do treinador é

81

Conforme publicado em 18/05/2010 em http://www.unomaha.edu/jrf/Vol8No2/TumanovSunshine.htm

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judia e, portanto, seus filhos serão considerados judeus. “O anti-semitismo é um

credo de gente ressentida e fracassada. Uma loucura que o treinador não aceitava,

e que nós aceitamos. O pior é que é uma filosofia provinciana. É de mau gosto. Não

sei por quanto tempo ainda concordarei com isso” diz o general a Adam.

A discriminação contra os judeus cresce. A partir de 1938 foram criadas leis

cada vez mais restritivas a atuação de Judeus em atividades de influência pública ou

econômica, nas ciências e nas artes.

Deve-se estabelecer uma distinção entre assimilação e aceitação social. Quando os indivíduos estranhos só diferem do grupo majoritário em cultura, assimilação pode facilmente levar a uma aceitação completa e a um ajustamento social.[...] mas quando uma barreira social, ou aquilo que é interpretado como barreira social, também existe entre dois grupos, a situação se torna radicalmente diferente... (CARDOSO & IANNI, 1971:280)

Adam e sua Família ouvem no radio a notícia da aprovação de uma

importante Lei restringindo os direitos dos Judeus:

A cláusula quatro que passou no Parlamento esta tarde, limita o envolvimento judeu no âmbito público e econômico. Segundo a nova lei uma pessoa é judia se o pai ou a mãe ou avós na data da legislação forem membros de uma congregação judaica. Ou se antes da lei tiverem sido membros de uma Congregação judaica [...] Todos os juízes judeus serão removidos. Em organizações jornalistas, engenheiros, no teatro e no cinema o número de judeus não poderá passar de 6% do total de membros. Um judeu não poderá ser editor, nem exercer qualquer outra função de influência editorial em qualquer revista ou jornal. Um Judeu não pode ser diretor artístico, nem agente literário, nem exercer qualquer função que tenha influência na direção intelectual ou artística de um teatro.” (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

A família continua ouvindo as notícias no radio e o locutor segue explicando

que existem isenções e quais judeus estarão livres das implicações da Lei. Valéria

parece ser a única a perceber os desdobramentos de tal Lei. Adam, e os demais

membros da família, apenas sentem-se aliviados por atenderem os critérios de

exclusão e estarem livres das restrições impostas. Todavia, apesar de ser um

medalhista olímpico e, portanto, estar isento das restrições, Adam é expulso do

Clube dos Oficiais.

Valéria reunida com a família para o Ano Novo e relembra o pai “seu avô

Emmanuel costumava dizer: Peço a Deus que continuemos cantando, sempre.

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Fiquem felizes por terem nascido aqui. Esta é a terra prometida”, ela diz. Adam diz

que a situação é apenas temporária, mas Istvan diz que Adam não quer ver a

realidade.

A cegueira deste membro da família Sors, tão decidido na hora de escolher a esposa e de seguir a carreira de esgrimista, o levará e à sua família a uma situação catastrófica, pois paulatinamente a família perde direitos na medida em que o nacionalismo da corte nazista cresce e o Estado militar estabelece regras restritivas para os judeus, até mesmo para aqueles, a exemplo de Adam, considerados heróis nacionais.(CÂMARA, 2009:.284)

Istvan e Greta querem deixar o país e, tentam convencer Adam que esta é a

melhor solução. Valéria pergunta como eles irão viver e Greta diz que poderão

vender o tônico Taste of Sunshine. Valéria diz que não sabe preparar o tônico e que

a receita está escondida em algum lugar da casa, mas ela não sabe onde. Greta,

quer procurar o livro imediatamente e acaba discutindo com Istvan gritando: “Dane-

se sua impotência, dane-se sua covardia judia. Eu quero viver e quero que meu filho

viva. Se vocês querem morrer ajustando-se a essa gente, que morram!” ela deixa a

sala tempestuosamente e quebra uma louça que mais uma vez Valéria irá juntar e

guardar. Novamente a receita perdida e a louça quebrada irão sinalizar a morte de

um Sonnenschein e também o fim de mais um ciclo e um maior distanciamento da

identidade Judia.

A situação agrava-se cada vez mais e Adam e sua família tentam obter vistos

para sair do país, mas as cotas já foram preenchidas. Adam pede ajuda ao General

que promete interferir e se despede com a seguinte fala: “uma vez eu lhe disse que

a assimilação era a escolha certa. Perdoe-me por ter dito isso. Eu estava

profundamente enganado”.

Adam e Ivan são enviados a um campo de concentração onde Adam é

assassinado, na cena mais brutal do filme, por se recusar a admitir sua condição de

judeu. Enquanto congela nu e pendurado em uma árvore Adam apenas repete: Eu

sou Adam Sors, campeão olímpico pela Hungria. “Medalha de ouro Olímpica”. Ivan,

vê seu pai ser morto sem poder fazer nada. Todos os membros da família são

mortos pelos nazistas por exceção de Valéria e Ivan.

Desde o surgimento de uma questão étnica e não religiosa, a complexidade das divergentes das identidades judias, e das identidades das pessoas que haviam renunciado a sua “Judaicidade"

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, foram reduzidas à uma única categoria. Tornou-se irrelevante se alguém era ortodoxo, neologista, convertido ou ateu, ou qualquer das outras muitas possibilidades. Eles eram apenas judeus – mesmo que até aquele momento tivessem vivido com a total convicção de que eram húngaros.” 82 (tradução nossa, GERÖ, 2004: 191)

Com a invasão alemã, 440.000 dos 800.000 judeus húngaros que viviam na

Hungria foram deportados, outros deixaram espontaneamente o país e um grande

número morreu nas mãos dos nazistas.

O escopo de vida para os judeus estreitou-se, eles foram privados de tudo que um dia havia sido deles, incluindo, para muitos, a própria vida. Pouco valor teve se um era um campeão olímpico, um eminente acadêmico da literatura húngara, um grande poeta [...] Não importa quem você tivesse sido, a igualdade sob Lei foi substituída pela igualdade da destruição.” 83(tradução nossa, GERÖ, 2004:182)

A morte de Adan é talvez a mais interessante em todo o filme (ver apêndice

A). A ausência de suásticas ou outros símbolos nazistas é a forma de Szabó

creditar, exclusivamente, aos Húngaros o horror do Holocausto neste país, negando-

se a utilizar os nazistas como bodes-expiatórios de um capítulo negro na história de

seu próprio país. Adan é, entre os protagonistas masculinos, o que mais repudia

sua origem Judia. O personagem aprende esgrima, inicialmente, não por amor ao

esporte, mas para livrar-se das perseguições de que é vitima; converte-se ao

catolicismo, não por qualquer sentimento mais nobre, mas simplesmente para

ascender em sua carreira; não hesita em trair seu irmão tornando-se amante de sua

esposa - não por amá-la (o que fica claro nos diálogos entre o casal) mas por

luxúria - e finalmente, não esconde seu desprezo pelos Judeus como pudemos

observar em seu dialogo com Greta na cena de baile (transcrita anteriormente).

Adan é tão anti-semita quanto o general que o assassina – reclama sua identidade

Húngara não por amor a pátria mas por horror a sua identidade Judia (Ivan dirá mais

tarde a Gustav: ele morreu porque não admitiu ser Judeu). Szabó mata o anti-

semita Adan, o homem que “vende sua alma” por ascensão e o transforma num

82

Texto original: “Since this arose as a racial and not a religious issue, the widely divergent complex of Jewish identities, and identities of people who had renounced their Jewishness, was reduced to a single category. It then became irrelevant whether somebody was orthodox, neologist, converted, atheist, or any of the many other possibilities. They were just Jews – even though they had hitherto lived under the full convection that they were Hungarians.” 83

Texto original: “The scope of life for Jews narrowed, they were deprived of everything that had been theirs, including, for many, life itself. It counted for little whether one was an Olympic champion, an eminent scholar of Hungarian literature, a great poet, or a law-abiding citizen. Whoever you were, equality under the law was replaced by the equality of destruction.”

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mártir da comunidade Judia que tanto despreza concedendo-lhe uma morte “cristã”

(ver apêndice A).

3.4. O homem sem rosto

Os russos libertam Budapeste e tem fim a Segunda Guerra Mundial. Valéria

volta a casa da família e Gustav, exilado na França desde a década de 20, retorna

ao país a convite dos comunistas assumindo uma posição influente dentro do

partido. Ivan retorna ao lar e conta a Valeria que Adam morreu. Gustav lhe pergunta

como e acusa Ivan de ter deixado o pai morrer sem fazer nada pois, os judeus eram

em número maior que os soldados e poderiam ter se rebelado e fugido. “Para

onde?”,pergunta Ivan,”Não havia para onde ir. As pessoas ou nos odiavam ou nos

temiam. Para sobreviver teríamos que permanecer juntos como um grupo”.

Com a ajuda de Gustav, Ivan entra para a Polícia onde conhece Andor Knorr

(William Hurt) admirador de seu pai. “Você veio ao lugar certo, vamos pegar cada

um desses calhordas fascistas. Não podemos culpar apenas os alemães (...) Os

húngaros bons e comuns fizeram o trabalho sujo. A maioria fingiu que não via.

Pense no seu pai, é seu dever procurar esses assassinos”. Diferente de seu pai e

avô, não é o desejo de assimilação que move Ivan, mas sim o desejo de vingança.

Abandonar a judaicidade tornou-se uma ato apoiado e promovido pelas autoridades. [...] Aqui deve ser reenfatizado que o compromisso com sistema de auto-identificação baseado em classes, se consistentemente perseguido, significava o abandono de qualquer forma de identidade judaica. [...] O comunismo dizia: não importa o que você é, se você não é comunista não pode ser nada mais. Os comunistas, em seus idéias, e por um período na pratica, quiseram expurgar e suprimir quaisquer identidades diferentes de si, por conseqüência forçando as pessoas ao disfarce ou a auto-

enganação. 84

(tradução nossa, GERÖ, 2004: 193)

84

Texto original: “To abandon Jewishness was now an act supported and promoted by the authorities. It should be re-emphasised here that a commitment to class-based and universal self-identification, if consistently pursued, meant abandoning any form of Jewish identity. […] Communism said: it doesn´t matter what you are, if you are not a Communist, you cannot be anything else. Communists – in its aims, and for a while in practice – wanted to expunge and surpress any identities differing from it, thus forcing people into disguise or self-deception.”

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Ivan é condecorado Major e faz um discurso pró-stalinista em uma importante

cerimônia pública onde conhece a esposa de outro oficial com quem terá um caso.

Ivan, Valéria, Gustav e Kato (empregada) jantam e Ivan recebe da avó o relógio que

um dia foi de seu bisavô Aaron Sonneschein. “A única coisa que falta é o Sabor de

Sunshine” dizem Valéria e Gustav. “Era bom assim?” pergunta Ivan. “Maravilhoso!”

respondem Valéria e Gustav em uníssono e ambos dirigem-se ao piano onde em

dueto tocam a música tema do filme. “você deveria tocar piano... seu tio e eu

podemos ensinar-lhe” diz Valéria. Nesta cena fica claro o distanciamento de Ivan de

sua identidade judia. Ele não conhece o tônico “Taste of Sunshine” e não sabe tocar

um instrumento, em particular a música do filme, ambas representações de sua

identidade judia. Entretanto, a cena seguinte é uma seqüência na qual Ivan está

caçando com outros oficiais, a exemplo de uma cena semelhante com Ignatz, o que

enfatiza os ciclos se repetem e que o mesmo dilema esta presente, ainda que sob

novas cores.

Ivan é convocado ao gabinete do general que diz ter descoberto uma grande

conspiração contra o governo financiada por Israel e os sionistas. Ele faz um

discurso coberto de ódio contra os judeus e diz a Ivan que é tarefa deste localizar os

“calhordas” e indiciar todos eles, começando por seu amigo Andor Knorr, um dos

cabeças deste movimento. “um último conselho”, diz o general, “mantenha os judeus

fora de sua equipe”.

Ivan sente-se desconfortável com a tarefa mas chama Knorr para

interrogatório e explica a razão deste. “Quem se beneficia me transformando em

inimigo? Voltamos ao anti-semitismo como uma solução? Nenhuma idéia nova?”

retruca Knorr. “Eu não tenho de me envergonhar, nem de me orgulhar de minha

origem (...) Sors, chega deste absurdo!”. Gustav morre. Ivan reporta ao General que

Knorr é inocente, este questiona sua lealdade, e diz a Ivan que este tem sorte de

seu tio ter morrido, que era um dos suspeitos e, ainda faz insinuações sobre Valéria.

Por conta de seu relatório inocentando Knorr, Ivan é afastado do caso e torna-se ele

próprio objeto de investigação.

Stalin morre e começa a luta pelo poder dentro do partido comunista. Os

crimes de Stalin são revelados, Knorr é transformado em herói e o general é preso.

“Mas nada mudou de fato. Um grupo substituiu o outro, mas a ditadura comunista

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continuou” narra Ivan. Ele é chamado a identificar o corpo de Knorr e convidado a

falar em seu enterro. Seu discurso mostra seu desapontamento com o regime

comunista e define sua participação na revolução de 1956 que se seguirá:

Andor Knorr, um de seus assassinos veio ao seu tumulo para lhe dizer adeus. Eu fui seu primeiro interrogador. Alguém que você treinou para defender a causa. Acreditávamos que tornaríamos o mundo melhor, mas o tornamos muito pior. Ao servir criminosos ávidos de poder nós também nos tornamos criminosos. Nossos políticos mentiram ao povo dizendo que faziam o bem e o povo mentiu dizendo que acreditava neles. Não estou me despedindo só de você, estou me despedindo também de mim mesmo. Assisti a meu pai ser torturado e executado e não fiz nada. Vi fazerem a mesma coisa com você e não fiz nada. Faço a promessa aqui diante de seu tumulo de fazer tudo para punir os que transformaram os ideais em crimes. Logo depois da guerra achei esta citação na mesa de meu pai - temos medo de ver claramente e de sermos vistos claramente – na época não entendi mas hoje entendo perfeitamente pois é exatamente o que nos aconteceu.” (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Ivan deixa a policia imediatamente após o enterro de Knorr com o propósito

de lutar contra o regime comunista vigente e seus abusos. Adam participa

ativamente da revolução de 1956 e assiste ao massacre dos húngaros pelos

tanques soviéticos. Adam é condenado a cinco anos de prisão onde recebe a visita

de Valéria que lhe diz:

Vi a queda de um governo atrás do outro e todos achavam que durariam mil anos, todos declaravam o anterior criminoso e corrupto e sempre prometiam um futuro de justiça e liberdade. Querido, você não está preso, são eles que estão. (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Ivan é solto após três anos e, seu relógio, que havia sido guardado com seus

pertences, desaparece. Ivan volta à casa de Valéria, que agora é também ocupada

por outras pessoas em função da “socialização” das propriedades, e eles dividem

um quarto. Adam conta à avó que perdeu o relógio e ela responde “não tem

importância querido, coisas mais importantes desapareceram. Amor, pessoas... o

que é um relógio de bolso?”.

Valéria diz a Ivan que eles deveriam procurar a receita perdida que ainda está

escondida em algum lugar da casa. Eles começam a procurar mas, Valéria passa

mal, no hospital lhe perguntam seu nome, ela responde: “Valéria Sonnenschein”.

Valéria morre e a sua única lembrança é a bengala na qual se apoiava, a bengala na

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qual um dia Emmanuel Sonneschein havia se apoiado em sua viagem de uma

pequena vila rumo à cidade grande. Despido de sua herança Judia e descrente do

Governo que um dia representou, Ivan tem um pesadelo e acorda dizendo “eu não

tenho rosto”.

Ivan sai da casa que um dia foi da família, separando as coisas que serão

descartadas ele encontra um cofre com uma carta de Emmanuel a Ignatz. Ao abrir a

carta, cai no chão o caderno com a receita secreta, sem que Ivan perceba. Enquanto

lê a carta, o caderno e os cacos de louça que Valéria recolheu e guardou antes das

mortes de Ignatz e Adam são jogados no caminhão de lixo e perdem-se para

sempre, também vemos jornais antigos sendo jogados no lixo, estampando

manchetes dos momentos históricos que fizeram parte da vida dos protagonistas.

Ao fim da leitura, na sala vazia, uma das crianças que veio a ocupar a casa dedilha

a música tema do filme ao piano.

Carta de Emmanuel Sonnenschein

“Querido filho Ignatz,

Você partiu da segurança da casa em que nasceu para realizar o objetivo de sua vida, tornar-se juiz. Para criar Leis como Moisés, para fazer justiça como o Rei Davi e exercer o poder, o que Deus nos proibiu e do que talvez tenha nos protegido por milhares de anos. Nesse novo mundo você terá sucesso porque tem conhecimento. Estudar sempre foi nosso dever religioso como judeus. A nossa exclusão da sociedade nos torna adaptáveis a outras, e capazes de sentir a ligação entre coisas diversas, mas se achar que tem poder, estará enganado. Se achar que tem o direito de se colocar a frente dos outros porque pensa que sabe mais do que eles, estará errado. Nunca se deixe levar pelo pecado da vaidade. A vaidade é o maior dos pecados, a fonte de todos os outros. Nunca abandone sua religião, não por Deus que está presente em todas as religiões, mas se a sua vida for uma luta por aceitação você será sempre infeliz. A religião talvez não seja perfeita, mas pode ser um barco estável para conduzi-lo à outra margem. A vida é um barco á deriva constantemente agitado pela incerteza. Sobre as pessoas que julgará, saiba que tudo que fazem é lutar para ter segurança. São pessoas como nós. Portanto não julgue pelas aparências ou boatos. Não confie em ninguém, examine tudo por você mesmo. Não faça o mesmo que o poder. Despreze patentes. Não ostente o que é seu. Possuir bens e propriedades nada significa. Bens e propriedades podem ser consumidos pelo fogo, carregados

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pela inundação ou tomado por políticos. Não assuma o que não conhece. Isso causa ansiedade e pode adoecê-lo. Pratique a disciplina. “Com todo amor, seu pai, Emmanuel Sonnenstein” (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

Ivan muda seu nome para Sonnenschein. Enquanto desce a rua, Ivan termina

sua narrativa:

Pela primeira vez desci a rua sem sentir que me escondia. Meu bisavô deve ter sido o último Sonnenschein a se sentir assim. Eu sabia que só encontraria um sentido para minha vida, que a minha única chance na vida seria aceitar a responsabilidade por isso. Lembrei-me das palavras de minha avó – Tente fotografar o que é belo na vida. Ao terminar esta história, a terceira aventura trágica do século XX terminará. Após a monarquia e o fascismo, também o comunismo desapareceu. Lembrei-me do caderno da receita perdido e me dei conta que o segredo da família não estava nestes papéis, havia sido preservado pela minha avó, a única na família que tinha o dom de respirar livremente.” (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999)

É interessante que justamente Ivan, que já não guarda em si traços de sua

herança judia, seja aquele que vê na retomada de sua herança cultural, sinalizada

pela adoção do nome de família original, o caminho para sua própria libertação –

assumindo o hibridismo da identidade de seu personagem que abraça sua herança

judia assim como sua herança húngara. Conforme observou CAMARA (2009) “Por

fim Ivan, não precisou negar sua origem porque a desconhecia, não precisou negar

sua religião, pois aderiu ao stalinismo”. (CAMARA, 2009: 389). Repetindo o

“exemplo a ser seguido” estabelecido por Emmanuel (o mito fundador) no inicio do

filme, Ivan caminha, também sozinho embora em meio a uma multidão, rumo a um

mundo novo e desconhecido que se abre com o fim do comunismo.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens das mídias e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente” (HALL, 2006: 75)

Na “paz” de Ivan podemos observar que as convicções religiosas bem como o

alinhamento com o regime, seja ele qual for, deixam de compor uma identidade

nacional. Ivan é húngaro e judeu sem que isto constitua conflito – a identidade

nacional se amplia e se diluí para abraçar a multitude de identidades que

caracterizam o mundo moderno. (HALL, 2006:74).

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74

A necessidade de revisar a identidade húngara de modo que esta atenda as demandas de um mundo moderno não é apenas um artifício retórico vazio, mas um requisito essencial para garantir a relevância desta nas mentes dos cidadãos húngaros85.(tradução nossa, KOSZTOLÁNYI (2000)

Nestes tempos de hibridismo cultural, o que constitui a identidade húngara

continua uma questão aberta, mas este é um fenômeno que a Hungria agora divide

com outros países.

85

Conforme publicado em 05/07/2010 em http://www.ce-review.org/00/6/essay6.html

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75

PALAVRAS FINAIS

A proposta deste trabalho foi analisar as questões relativas às identidades

nacionais e a dinâmica da memória cultural conforme representadas no filme

“Sunshine – o despertar de um século” (1999) do diretor István Szabó. Acreditamos

ter cumprido este objetivo. A questão da diáspora Judia, embora antevista como

parte do estudo sobre as identidades nacionais acabou se mostrando mais ampla

que a princípio foi percebida. Como desdobramento natural da pesquisa, fomos

levados a analisar o objetivo do diretor Szabó e o período histórico não coberto pelo

filme (após a queda do muro em 1989) e com isso constatar a função social do filme,

e do cinema de modo geral, como agente influenciador nas dinâmicas que atuam na

sociedade.

A dificuldade em encontrar referências bibliográficas que permitissem avançar

com a pesquisa me levou a Universidade Széged86, no interior da Hungria, para

realizar um curso sobre as representações visuais da “hungaridade”87. Parti cheia de

perguntas, a maioria respondida com “este é um assunto delicado”. Pareceu-me que

os húngaros não se sentiam a vontade em discutir sua história com estrangeiros,

ainda que estes tivessem antepassados húngaros. Após a conclusão deste estudo,

compreendi que cada pergunta demandaria uma longa explicação que

possivelmente ocuparia todo o período do curso e talvez mais.

A Hungria ao longo do período coberto pelo filme fez alianças questionáveis,

como por exemplo, sua posição ao lado dos nazistas na segunda-guerra mundial e

depois ao lado dos comunistas. Conciliar o orgulho patriótico com um passado de

tão difícil compreensão é de fato uma tarefa desafiadora para os Hungaros e a

busca por uma resposta conciliatória ainda hoje acaba conduzindo aos mesmos

erros do passado, como observado por Braham88 em seu artigo sobre o revisionismo

histórico.

86

A Universidade de Szeged esta entre as 400 melhores universidades do mundo, segundo analise realizada anualmente pela Universidade de Jiao Tong em Shangai. 87

Curso: Hungary Made Visible; Universidade de Szeged; Verão 2010. Szeged, Hungria. 88

Braham (1999) “A retórica e tatica destes respeitáveis indivíduos varia em termos se suas ideologias políticas particulares a um grupo ou ambições pessoais. Eles apresentam-se unidos apenas por sua resolução manisfesta de “explicar” e justificar a ligação dos Hungaros com a Alemanha Nazista, reabilitando o regime Horthi, e acima de tudo absolver o pais de qualquer responsabilidade pela destruição de aproximadamente 550.000 de seus cidadãos de origem ou herança Judia. Em outras palavras, eles mostram todas as evidências de sua determinação de limpar o registro histórico da Hungria na era Nazista.” Texto Original: “The rhetoric and tactics of these respectable individuals vary in terms of their particular political-ideological group interests and

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76

Ao longo da pesquisa pude conhecer muitos detalhes relativos a presença

Judia na Hungria que me conduziram a questionar minha própria história. Meus avós

eram católicos, imigraram para o Brasil em 1925, após a Primeira Guerra Mundial,

quando a Transilvânia, sua região de origem, passou a pertencer a România em

função do Tratado de Trianon, e esta sempre foi a razão por mim conhecida para a

vinda de meus avós ao Brasil. Entretanto, entre as muitas leituras realizadas para

esta pesquisa tomei conhecimento da grande comunidade Judia que habitava a

Transilvânia o que me levou a pesquisar o meu sobrenome e a descobrir que este

possui 3 registros no Jewish Worldwide Burial Record (Registro Mundial dos

Cemitérios Judeus) relativos à esta região. Seriam os meus antepassados Judeus?

O quanto da estória dos Sonneschein também não é a história dos meus ancestrais?

A atração por este tema em particular foi realmente coincidência? Refleti o quanto as

terceiras gerações de imigrantes estão distantes de suas origens e quantos, como

eu, não já tomaram seu brasileiríssimo cafezinho acompanhado de um delicioso diós

rétes, baklava ou strudel89, sem pensar muito nas suas próprias origens. O Brazil,

como nação, já nasceu sob o hibridismo cultural e não são poucos os estudos sobre

a influência africana ou portuguesa na nossa cultura, entretanto, esta é uma colcha

de retalhos com muitas peças e este estudo espera ter ampliado este conhecimento

e talvez despertado a curiosidade de outros pesquisadores sobre o assunto.

Minha sobrinha, cujos ancestrais englobam muitos e diferentes imigrantes,

costuma dizer que ela é a versão brasileira da ONU (Organização das Nações

Unidas). Creio que hoje todos somos, e esta rica herança multicultural talvez nos

conduza a um patriotismo mais próximo daquele implícito em Sunshine. Retomo

Szabó que procura recuperar este orgulho da nação, do solo Húngaro, desvinculado

personal ambitions. They appear united only by their manifest resolve to “explain” and justify Hungary’s linkage to Nazi Germany, bring about the rehabilitation of the Horthy regime, and above all absolve the country of any responsibility for the destruction of approximately 550,000 of its citizens of the Jewish faith or heritage. In other words, they show every evidence that they are determined to cleanse Hungary’s historical record of the Nazi era. 89

Strudel de nozes . O strudel pode ter nascido na Áustria, mas é uma derivação da sobremesa turca baklava, que por sua vez, teve sua origem na Hungria conforme publicado em http://www.azeite.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1358:strudel-encantadora-sobremesa&catid=83:sobremesas&Itemid=126 acesso em 01/02/2012.

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77

dos regimes políticos, através do personagem Valéria, que segundo ele mesmo é o

herói invisível do filme90.

Quero ter orgulho da minha língua, quero abrir a janela e ver um país que eu conheço e amo. Quero ser como uma flor do campo que floresce naturalmente no lugar a que pertence.” (transcrição de áudio do DVD Sunshine – o despertar de um século, 1999 – fala da personagem Valéria)

Ao fim desta pesquisa, assim como Szabó, eu também acredito que o que

constrói uma “nação” é este amor pela terra, e no Brasil este amor abraça a

pluralidade das muitas culturas, dos muitos imigrantes que daqui fizeram seu lar,

sem discriminação.

90

SZABÓ, istvan em entrevista à SULEIMAN, Susan Rubin (Harvard University); conforme publicado no site Kinokultura em 09/04/2011 no endereço Http://www.kinokultura.com/specials/7/ssi-szabo.shtml

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FILMOGRAFIA

Título Original: Sunshine

Título Português: Sunshine - O despertar de um século

Direção: Istvan Szabó

Roteiro: Istvan Szabó e Israel Horovitz

Ano Produção: 1999

Protagonistas: Ralph Fiennes, Rosemary Harris

País: Canadá, Alemanha, Hungria, Aústria

Duração: 181 minutos

Resumo: Sunshine, o despertar de um século de Istvan Szabó (1999) narra a saga

de uma família de judeu-húngaros, de 1828 até a queda do comunismo, misturando

ficção com cenas de documentários históricos. O filme mostra os principais

acontecimentos deste período mas não se propõe a fazer uma retrospectiva da

história da Hungria em geral, embora os principais acontecimentos históricos ali

estejam registrados. Estes acontecimentos servem como pano de fundo para

discussão da identidade e situação dos judeus na Hungria, e neste aspecto Istvan

Szabó forneceu, se não um cenário completo, um esboço bastante fiel da diáspora

judia na Hungria. A estória da família Sonnenschein é a história de muitas famílias

judias no período coberto por Sunshine.

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APENDICE A

Decupagem da Seqüência da morte de Adam, imagens e diálogos extraídos do

filme Sunshine – o despertar de um século, 1999

Um evento traumático não tem semelhança com a representação mental de

mundo de um individuo, na mente em choque as impressões permanecem intactas,

mas não assimiladas. Enquanto a memória normal muda ao longo do tempo

conforme as condições em que elas surgem mudam, a memória traumática

permanece como uma gravação literal das percepções vividas, um tipo de falha

narrativa – o comando sobre o tempo e ponto de vista inexiste, e nisso guarda

semelhanças com as formas narrativas do cinema moderno.

É relativamente comum na narrativa de eventos traumáticos um tipo de

realismo com tendências modernistas. É da convergência entre o discurso realista

da representação e do discurso modernista da impossibilidade desta representação

que se produz o “desconforto” no espectador. Alguns filmes apresentam imagens

com potencial traumático apenas para formalmente contrariar este potencial através

da forma convencional de narrativa histórica.

Em Sunshine, podemos observar esta convergência na cena da morte do

personagem Adam Sors. A narrativa clássica é feita em off por seu filho Ivan, tanto

testemunha quanto vítima, e observa uma ordem cronológica linear. Entretanto a

narrativa é interrompida como que por flashes de memória, com introdução de

diálogos e sons isolados como o dos golpes recebidos por Adam ou a água que

corre da mangueira, a banda imagem apresenta uma rápida alteração entre

diferentes planos (geral, médio, closes) e câmera, ora subjetiva ora objetiva, projeta

o espectador sucessivamente para dentro e fora da ação – por um lado criando uma

fantasia de presença e por outro o recolocando num ponto de referência externo.

Após ganhar a medalha olímpica na esgrima e ser sagrado herói nacional na

Hungria, seguem-se às seqüências em que a família houve no rádio o anúncio de

leis restringindo a participação dos judeus na vida pública, a dispensa de Adam do

Clube de Oficiais, a impossibilidade de conseguir vistos, a convocação pra

apresentação dos judeus nos guetos e campos de trabalho e finalmente a reunião

de Adam com o General que promete ajudá-los como for possível.

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A seqüência da morte de Adam tem início após este último acontecimento e a

narração é feita em off por Ivan, como em outros trechos do filme.

Abre-se a seqüência com uma tomada em grande plano geral de um campo

de concentração. Vê-se um grande grupo de judeus voltando-se ao chamado de um

oficial. A câmera inicialmente está posicionada na diagonal atrás do grupo de

judeus, em plongée, com um corte seco temos o mesmo grupo, agora com a câmera

posicionada atrás do oficial em ligeiro diagonal em norme, filmando o grupo de

judeus de frente. A banda sonora não contém outros sons além do chamado do

oficial e a narração em off. Estas tomadas em grande plano geral permitem ao

espectador perceber o isolamento dos judeus, a aridez do local representadas pela

neve e pela quase ausência de cores, a formação em bloco, as cabanas simples e

afastadas. Aqui o oficial é focalizado isoladamente na frente do grupo de judeus

estático. Corte para tomada em primeiro plano de Ivan com narração em off.

Ivan (em off): O general não pôde ajudar. Meu pai e eu fomos enviados a um campo perto do front russo.

Corte para Plano Geral com a câmera em norme, lateral, um travelling

acompanha o oficial que se dirige ao grupo de judeus e apontando para Adam

ordena: Você, com a braçadeira branca, venha cá! Um zoom in para plano

americano mostra o grupo, de onde Adam sai posicionando-se a frente do general,

que lhe dá um tapa na cabeça derrubando seu chapéu.

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Oficial: Isso é decoração de Natal?

Adam: Sou o Dr. Adam Sors, oficial do exército húngaro.

Outro tapa do oficial em Adam.

Oficial: O que essa faixa de isenção faz no seu braço? Onde comprou isso, judeu? Quanto Foi?

Adam: Sou o campeão nacional de esgrima.

Novo tapa do oficial.

Oficial: O que é você?

Adam: Medalha de ouro nos jogos olímpicos.

O oficial acerta dois socos no estomago de Adam.

Oficial: Olhe pra mim, levante-se! Levante-se. Vou lhe ensinar quem é você. É lixo. É um judeu nojento. Tira a roupa judeu! Toda a roupa.

Corte para plano de conjunto, a câmera, subjetiva, apresenta a visão de Ivan

por entre os ombros de dois outros prisioneiros, e mostra Adam de costas. Ele se

despe e vira a cabeça para olhar para Ivan entre os prisioneiros, vê-se dois

soldados, também de costas para a câmera. Apenas o oficial é mostrado de frente.

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Corte para o rosto de Ivan em primeiro plano, seguindo de corte para a cena

anterior, com o mesmo posicionamento de câmera, mas com Adam já nu, sendo

amarrado em uma viga de madeira e pendurado como um animal entre dois bancos.

Temos em seguida closes alternados, com câmera subjetiva em plongée e

contre- plongée, mostrando respectivamente os ângulos sob a visão de Adam e do

oficial. Na banda sonora, além das vozes dos atores pode-se se ouvir os sons dos

golpes que estão sendo dados em Adam, acompanhados pela expressão de dor do

ator em close.

Oficial: vou perguntar de novo. Quem é você?

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Adam: Adam Sors, advogado, oficial do exercito húngaro.

Corte para grande plano geral com a câmera posicionada diagonalmente

atrás do grupo de judeus, reforçando a visão da aridez do campo apresentada na

cena inicial, o grupo de judeus de costas e estático, as árvores sem folhas, a

paisagem coberta de neve e quase sem cores Adam, ao fundo e quase

indistinguível, ainda está sendo espancado pelos soldados. Destaca-se no

enquadramento uma grande árvore próxima a Adam. Corte para close em Ivan,

mostrando sua expressão horror diante do que esta acontecendo.

Segue-se uma seqüência de closes de Adam e do oficial. O som dos golpes dos

soldados são acompanhados pela expressão de dor do ator.

Oficial: Quem é você?

Adam: Adam Sors, campeão olímpico pela Hungria. Medalha de ouro nos jogos olímpicos.

Oficial: Devo estar ouvindo mal. Quem você acha que é?

Adam (repetidamente): Adam Sors, campeão olímpico pela Hungria. Medalha de ouro nos jogos olímpicos.

Corte para grande plano geral, câmera frontal, norme para o grupo de judeus

com Adam e os soldados a frente, seguido de corte para close no rosto de Adam

que continua repetindo a mesma frase seguido de novo corte para grande plano

geral, desta vez com mudança do posicionamento da câmera para trás do grupo e

com Adam ao fundo. Nesta última tomada, a câmera esta mais próxima do grupo e

a árvore ao lado de Adam aparece em maior destaque. Ouve-se a voz do oficial:

Pendurem-no na árvore.

Corte para plano americano nos judeus a frente do grupo estáticos seguido de

corte para plano geral, com a câmera em diagonal atrás do grupo de judeus,

posicionada mais baixa, mas ainda em ligeiro plongée. Corte para plano próximo

dos judeus a frente do grupo e suas expressões de pena e horror seguido de novo

corte para plano geral, desta vez com a câmera posicionada atrás da arvore em

plongée, tendo Adam em primeiro plano e o grupo de judeus ao fundo. Os soldados

começam a jogar água em Adam que está nu e pendurado na árvore.

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Oficial: e agora... quem você é, judeu?

Corte para Adam em primeiro plano com câmera em contre-plongée frontal

seguido de corte para primeiro plano com câmera lateral, norme.

Adam: Adam Sors, medalha de ouro pela Hungria nas olimpíadas.

Seguem-se varias tomadas alternadas com corte seco tendo na banda sonora

apenas o som da água que sai da mangueira.

grande plano geral, diagonal, plongée atrás do grupo

plano próximo do grupo com câmera frontal paralela

plano próximo de Adam em contre- plongée diagonal

close de Adam em contre- plongée frontal

Plano próximo de Ivan sendo contido pelos outros judeus

Plano próximo de Adam em contre- plongée câmera

diagonal

Close de Adam em contre-plongée frontal

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89

Close de Ivan frontal

grande plano geral, diagonal, plongée atrás do grupo

plano próximo de Adam em contre- plongée diagonal

close de Adam em contre- plongée frontal

A cada close de Adam, percebe-se que a água vai transformando-se em gelo

e acumulando-se até que no último close o que temos é uma figura que lembra a

imagem do Cristo no Santo Sudário ou o “Cristo Agonizante” de El Greco pelos tons

sombrios e a figura alongada de Adam pendurado na arvore.

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Cristo Agonizante, El Greco Sudário de Turin

Na seqüência da morte de Adam, o que salta aos olhos é a imobilidade do

cenário, o silêncio, a escassez de cores, a aridez em contraste com a brutalidade

com que o personagem está sendo tratado. Os cortes são secos, a banda sonora

apenas com os sons dos atores e da água que corre da mangueira, com rápidas e

freqüentes mudanças de planos, a câmera ora subjetiva ora objetiva, mas quase

sempre fixa (sem travellings, zoom in ou out ou outros efeitos). O espectador se vê

tanto dentro da ação (visão de Adam, Ivan ou do oficial) como fora dela (grandes

planos gerais). A sensação é de impotência e perplexidade, o espectador é

transportado àquele momento, e torna-se um dos muitos judeus no campo de

concentração.

O conhecimento da real atrocidade ofusca e paralisa as funções de fantasia e representação, criando um espaço vazio, sem um ponto de vista externo do qual se possa ver ou no qual se possa refugiar 91(tradução nossa,DIAMOND,2003:108)

Com as várias alterações de planos e posicionamento de câmera o diretor

István Szabó consegue provocar este efeito de perplexidade no espectador e torná-

lo ao mesmo tempo cúmplice e vítima.

91

Texto original: Knowledge of real atrocity sclipses and paralyses the functions of fantasy and representation, creating “an empty space, a black hole, with no outer reference point from wich to view it or take refuge”.

Page 91: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MATHILDE REGINA NASZ

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APENDICE B

ARVORE GENEALOGICA DOS SONNENSCHEIN