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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A CONTABILIDADE BRASILEIRA EM HARMONIA COM O MERCADO
GLOBAL
HERMES COUTINHO FRÓES
C205858
MARCELO SALDANHA
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A CONTABILIDADE BRASILEIRA EM HARMONIA COM O MERCADO
GLOBAL
O objetivo do estudo é mostrar que
existe uma mobilização global visando
à harmonização contábil e como o
Brasil desempenha seu papel neste
processo.
Rio de Janeiro
2011
AGRADECIMENTOS
Ao corpo docente do Instituto “A Vez do
Mestre”, á Dra Andrea Silveira pela paixão
contagiante pelo tema, ao Contador
especialista Evandro Maia pela colaboração
incondicional e à amiga, Advogada Mariana
Bastos, pelo auxílio na formatação.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus cinco filhos
pela missão que me deram de ser um
exemplo a ser seguido.
RESUMO
O presente estudo visa chamar a atenção para um processo para muitos
desconhecido, o da harmonização contábil internacional para um mesmo
idioma.
Efeito da globalização no mundo dos negócios, a contabilidade como
ciência social tem esbarrado nas diversidades pelas quais as sociedades se
caracterizam, ou seja, geográficas, históricas, culturais.
O estudo traz detalhes de como os principais interessados, empresas e
governos, têm se mobilizado para facilitar o fluxo de recursos econômicos
pelos quatro cantos do planeta.
É de surpreender o grande número de normas, padrões, instituições, de
todo cunho, que atuam no sentido de sucesso deste processo.
Se for possível trazer a contabilidade para uma linguagem única para o
mundo dos negócios em todo o globo, sobrepujando as peculiaridades
regionais e nacionais, é o alvo desta investigação.
“A compreensão de regras internacionais é muito difícil porque as regras têm diferentes significados: na Alemanha, tudo é proibido a menos que esteja explicitamente permitido na lei, enquanto que na Inglaterra tudo é permitido a menos que esteja explicitamente proibido na lei. No Irã, por outro lado, tudo é proibido mesmo que esteja permitido na lei, enquanto que na Itália tudo é permitido, especialmente se é proibido.”
Walton (2003)
METODOLOGIA
A metodologia aplicada a este estudo baseou-se em consulta às
publicações direcionadas ao tema, que por se tratar de processo recente, não
existem uma grande diversidade de obras.
Por outro lado, os autores caminham para uma convergência de idéias e
pensamentos, bem apropriada ao tema em questão.
Consultas às matérias de periódicos especializados e internet deram
tons de cor ao pálido aspecto das páginas dos livros.
Entrevistas com profissionais atuantes na área e envolvidos com o
processo de harmonização, além dos professores mencionados e doutores em
contabilidade.
Feito um estudo de caso de uma empresa de capital italiano, atuante no
Brasil, que elabora seu financial reporting para atender as necessidades do
mercado de capitais americano.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CONTABILIDADE NO BRASIL 9
CAPÍTULO II
OMUNDO CORPORATIVO E A NECESSIDADE DE HARMONIZAR OS PADRÕES CONTÁBEIS 11
CAPÍTULO III
DIFERENÇAS INTERNACIONAIS NA APRESENTAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS 13
CAPÍTULO IV
ORGANISMOS MUNDIAIS E REGIONAIS RESPONSÁVEIS PELA INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONTABILIDADE 16
CAPÍTULO V
CAUSAS DAS DIFERENÇAS INTERNACIONAIS DOS PADRÕES CONTÁBEIS 18
CAPÍTULO VI
AMBIENTE LEGAL E REGULAMENTAR DA CONTABILIDADE NO BRASIL 25
CAPÍTULO VII
COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS CONTINENTAL EUROPEU E ANGLO-SAXÃO 31
CAPÍTULO VIII
CONTABILIDADE E EDUCAÇÃO 37
CAPÍTULO XIX
ESTUDO DE CASO – TIM BRASIL 39
CONCLUSÃO 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43
8
INTRODUÇÃO
A importância da contabilidade para o mundo corporativo é indiscutível.
Seu vínculo com o crescimento econômico para as sociedades é evidente.
Quanto maior o nível de qualidade e organização das informações geradas
pelos relatórios contábeis, maior será a eficiência de quem as usa no processo
decisório.
Surpreende constatar o tamanho do contingente humano e corporativo
que se mobiliza num processo quase silencioso, em busca de uma linguagem
única para o mundo dos negócios.
As diferenças sociais são os maiores obstáculos para a conclusão deste
processo, pois aspectos culturais, históricos, regionais e, até religiosos,
moldam o hábito de evidenciação, classificação e validação de valores.
A busca por equalização acaba promovendo os profissionais da área a
se equipararem tecnicamente, o que força os contadores de economias em
desenvolvimento estarem em constante processo de educação e
especialização.
Satisfatório perceber que o processo existe, é concreto, gera empregos,
renda, oportunidades e, principalmente, muita discussão, reconhecido
combustível da máquina do desenvolvimento.
9
CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CONTABILIDADE NO BRASIL
A história da contabilidade no Brasil começa com a chegada dos
europeus e suas atividades comerciais. Mesmo as viagens marítimas já
possuíam seus métodos de controle, seja para estoques de alimentos,
mercadorias, reconhecimento de custos e receitas e, consequentemente,
apuração dos lucros e divisão dos ganhos com investidores, quer de origem
privada, quer de origem estatal. O modelo italiano já adotado pelos
portugueses foi, por séculos, adotado e praticado até momentos bem recentes
de nossa história.
Quando Irineu Evangelista de Souza, nosso Barão de Mauá, ainda muito
jovem teve sua iniciação no mundo dos negócios moldado às normas
britânicas, deparou-se com o primeiro obstáculo em sua longa carreira de
empresário do império: linguagens e interpretações diferentes para o mesmo
negócio. Enquanto a escola britânica o impulsionava para o investimento com
capital aberto aos acionistas, a escola pátria o freava em nome da legalidade
duvidosa dos lucros. Apresentavam-se aí alguns ingredientes que mantiveram
por tanto tempo a busca por crescimento e a busca por legalidade em dois
blocos distintos pelo globo terrestre, ficando por conta de aspectos culturais,
geográficos e históricos, a diversificação destas duas tendências. Hoje se
reconhece estes dois blocos precursores em Continental Europeu e Anglo-
Saxão. Quem procurava crescimento, o encontrou, quem buscava a legalidade,
em muitos casos, continua procurando.
O Brasil legalista direcionou a visão dos empresários nacionais para os
tributos, concentrando seus esforços para reduzir o impacto fiscal em suas
empresas e, demonstrar lucros modestos, foi o exemplo de conduta a ser
seguido por gerações. Lucros pequenos, tributos pequenos, crescimento
modesto, economia tímida. O Estado pesado não era o parceiro, era o fiscal.
10
Na década de 1970 o Brasil experimentou altas taxas de crescimento do
Produto Interno Bruto, despertando a atenção do capital estrangeiro. A entrada
de Multinacionais numa economia atrativa, porém inadequada à dinâmica de
mercado de capitais fomentou a necessidade criação de medidas reformatórias
visando adequação ao mercado mundial. Podemos marcar este momento
como das primeiras medidas conciliatórias em busca de harmonização contábil
promovida pelo Brasil, seguindo uma tendência que brotou após o fim da
segunda guerra mundial com a retomada do comércio entre as nações.
A partir deste ponto o Brasil desenvolveu sua economia com uma visão
mais britânica, onde os lucros substanciosos atraíam investimento do capital de
acionistas. Mais capital na economia, maior crescimento interno. Grande o
crescimento, grande o interesse de mais investidores, mais capital. Um círculo
virtuoso.
Como pano de fundo deste cenário, a credibilidade. Aos contadores
cabia o dever de oferecer a informação confiável ao investidor. Para tal tornou-
se obrigatória às companhias de capital aberto ter suas demonstrações
contábeis auditadas por auditores independentes. Em 1972 O Banco Central
do Brasil padronizou a estrutura e a forma de apresentação das demonstrações
contábeis das companhias abertas. Em 1976 a promulgação da lei 6404 sob
influência da escola norte americana e dos princípios contábeis, mostrou a
mudança de rumo pretendida pelo país na direção do crescimento. No mesmo
ano foi criada a CVM, Comissão de Valores Mobiliários, seguindo modelo
americano, para monitorar o promissor mercado de capitais.
Várias medidas são tomadas periodicamente neste sentido desde então.
Atualmente o CPC, Comitê de Pronunciamento Contábil, emite periodicamente
instruções aos órgãos federais e regionais de contabilidade, buscando uma
padronização nos atos da profissão para favorecer sobremaneira a
harmonização à contabilidade global.
11
CAPÍTULO II
O MUNDO CORPORATIVO E A NECESSIDADE DE HARMONIZAR OS
PADRÕES CONTÁBEIS
Em 20.000 anos a.C. a raça humana encontrava-se vagando e
povoando um único bloco continental. Atravessa-se um era glacial e os mares
atingiam níveis 160 metros inferiores aos de hoje. O homem andarilho ocupou
sem dificuldades todas as áreas disponíveis e utilizáveis do planeta. Com o
gradual degelo das calotas polares, as águas dos oceanos subiram e
provocaram a divisão dessas regiões configurando o planisfério como o
reconhecemos na atualidade. Este acontecimento fragmentou o bloco
continental, separando não só as terras habitáveis, como também os povos
que ali ficaram confinados. Este acontecimento extraordinário foi o responsável
pela diversidade de culturas. Adaptando-se as condições climáticas e
geográficas, os povos desenvolveram-se socialmente e economicamente, cada
um a sua maneira, diferindo entre si muitas vezes em escala inimaginável. A
colocação de Voltaire, no século XVIII: “Os chineses são iguais a nós, têm
paixões, choram” evidencia o espanto de como seres tão diferentes poderiam
ser semelhantes aos europeus. Já o pensador alemão Herbart afirmou: “Entre
uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes”. Realmente
esta falta de comunicação representava o choque cultural promovido por
séculos de confinamento e isolamento, quando os valores desenvolvidos
colidiam de sociedade em sociedade.
No período das grandes navegações, estas distâncias entre os povos
começaram e encurtar, as surpresas dos descobrimentos trouxeram novas
culturas e rotas comerciais, novas relações. Pode-se dizer que foi o primeiro
movimento de globalização em grande escala. Focando apenas as relações
comerciais fica clara a dificuldade de evidenciar valores em sociedades tão
diversas. Artigos supervalorizados numa região e tão desprezados em outras;
hábitos religiosos questionando a legitimidade do lucro; atividade burguesa
prestigiada ou marginalizada.
12
A rede mundial de computadores aproximou definitivamente os
continentes de forma mais eficiente que aquele único continente existente na
última era glacial. Embora geograficamente separados as culturas coabitam os
mesmos espaços. As relações comerciais de forma galopante atingem níveis,
diversidade, requinte, em velocidade acelerada, tornando quase impossível o
controle.
No mundo corporativo o fluxo de capital também desenvolve sua própria
velocidade. Os conceitos mercadológicos distorcidos pelos hábitos culturais e
históricos de cada nação precisam também aproximar-se. A linguagem do
capital procura assemelhar-se pelo mundo. O investidor do oriente carece
entender o conteúdo dos relatórios do ocidente. A saúde financeira das
empresas tem que ser interpretada corretamente pelo investidor que nela
aposta suas fichas. A atração do capital necessita de uma padronização de
conceitos, tal qual a linguagem matemática, a dos programas de computador,
de ser universal.
O desenvolvimento tecnológico acentuado na área de comunicações, o
avanço nos meios de transporte e o crescimento do comércio internacional
fortaleceram a interdependência entre nações, trazendo o fenômeno de
globalização de mercados, aproximando o mundo cada vez mais nas últimas
décadas.
De forma geral, tanto em nível de instituições de ensino, entidades
profissionais, empresas, clientes, há um consenso favorável para uma
harmonização dos padrões contábeis que facilitem a comunicação e
contribuam para reduzir as diferenças internacionais das demonstrações
financeiras, financial reporting, permitindo a comparabilidade das informações.
Segundo Jorge Katsumi Niyama:
“Harmonização é um processo que busca preservar as particularidades inerentes de cada país, mas que permita conciliar os sistemas contábeis com outros países de modo a melhorar a troca de informações a serem interpretadas e compreendidas, enquanto padronização é um processo de uniformização de critérios, não admitindo flexibilização”.
13
CAPÍTULO III
DIFERENÇAS INTERNACIONAIS NA APRESENTAÇÃO DAS
DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS
A contabilidade por ser uma ciência social aplicada, é fortemente
influenciada pelo ambiente que atua. Tradição histórica, valores culturais,
estrutura política, econômica e social, política tributária, níveis de inflação,
refletem diretamente nas práticas contábeis e no nível se desenvolvimento
econômico de cada nação.
Para os investidores sempre interessados nos riscos de investimento, a
linguagem dos negócios, a contabilidade, fornece as informações necessárias
para a decisão. Assim sua importância ultrapassou fronteiras, deixando de ser
utilidade limitada ao campo doméstico, para servir de instrumento de processo
decisório em nível mundial.
Esta linguagem não é homogênea em termos internacionais, pois cada
país tem suas práticas contábeis próprias. Isso significa que o lucro
evidenciado por uma companhia de capital aberto na Alemanha, não seria o
mesmo se apurado por normas americanas, dificultando a avaliação dos
investidores espalhados pelo globo.
As dificuldades para se aproximar de uma uniformidade na linguagem
fica evidenciada por Nobes e Parker (1995): “O número de tentativas que têm
sido feitas para classificar sistemas contábeis nacionais é o mesmo esforço
que os biólogos tentam fazer para classificar a flora e a fauna.”
Mesmo com esta dificuldade, pesquisadores dividem a contabilidade
internacional nos dois modelos, continental e anglo-saxão. O primeiro tem
como características: uma profissão contábil fraca e pouco atuante; forte
interferência governamental no estabelecimento de padrões contábeis,
principalmente de natureza fiscal; as demonstrações contábeis procuram
atender primeiramente os credores e o fisco em vez dos investidores; e a
captação de recursos pelas empresas através dos bancos e instituições
14
financeiras, inclusive as governamentais, em vez de captar recursos no
mercado de capitais. Participantes deste bloco pode-se citar França,
Alemanha, Japão, Bélgica, Espanha, países comunistas do leste europeu e
países da América do Sul. Já o modelo anglo-saxão apresenta: profissão
contábil forte e atuante; pouca interferência governamental na definição das
práticas contábeis; sólido mercado de capitais como fonte de captação de
recursos; e as demonstrações financeiras procuram atender prioritariamente os
investidores. Participantes deste bloco são Grã-Bretanha, Austrália, Nova
Zelândia, Estados Unidos, Canadá, Malásia, Índia, África do Sul e Cingapura.
Entretanto a classificação em um dos grupos é discutível para países
que apresentam características híbridas, como o Japão que segue o modelo
anglo-saxão, mas apresenta uma profissão contábil de fraca atuação e as
empresas estão mais preocupadas em atender os credores e o governo,
preterindo os acionistas. A Holanda e países escandinavos apresentam-se
numa classe própria, não sendo classificáveis em nenhum dos dois grupos. A
Holanda que tende para o lado americano, do norte, difere deste pela fraca
atuação dos profissionais de contabilidade, além de um modesto mercado de
capitais. Os países escandinavos têm forte influência governamental nas
atividades sociais, impactando diretamente a contabilidade.
As combinações podem ser tantas quantas as abordagens, a
profundidade e o ângulo de análise. Belkaoui (2000), baseado nos estudos de
Mueller (1996), baseou sua classificação em quatro parâmetros: estágio de
desenvolvimento econômico; complexidade empresarial; economia planificada
ou de mercado; e credibilidade da legislação. Assim chegou a dez grupos:
EUA, Canadá e Holanda, por apresentarem atividade industrial desenvolvida,
moeda estável e forte orientação para inovações empresariais; Austrália e
Comunidade Britânica que apresentam legislação comercial traçada pelo país-
mãe, atividade empresarial altamente desenvolvida, mas com traços
tradicionais; Alemanha e Japão que são países que cresceram
extraordinariamente no pós guerra sob influência externa, notadamente
americana, possuem estabilidade da moeda, social e política; Europa
Continental onde há forte apoio governamental na iniciativa privada, não vendo
15
o lucro como base da orientação empresarial e econômica; Países
Escandinavos, economicamente desenvolvidos mas com baixas taxas de
crescimento e de atividade empresarial; Israel e México, países que atingiram
rapidamente crescimento econômico com atuação significativa do governos
nas atividades empresariais; América do Sul, com países de economia
subdesenvolvida, com problemas na área educacional e social, predominando
as atividades agrícolas, com moeda fraca e presença do controle militar; África,
com a maioria dos países em estágio pouco avançado de civilização e pouca
atividade empresarial; Nações desenvolvidas do Oriente Médio que conflitam
modernos conceitos de ética nos negócios, vindos do ocidente, com a forte
cultura oriental; Países Comunistas, com completo controle do governo central.
Nota-se que Belkaoui especifica detalhadamente os países
desenvolvidos, deixando os países do restante do globo subdividido mais por
posicionamento geográfico, generalizando na maioria das vezes.
No caso específico do Brasil, inicialmente participante do bloco da
Europa Continental caracterizado pela influência governamental na edição de
normas contábeis, pela pouca valorização do profissional da área contábil,
conseqüência de uma formação de qualidade duvidosa, exigindo prova de
suficiência e educação profissional continuada. Contudo, com a promulgação
da lei 6.404/76 e a atuação da CVM para adaptação das normas contábeis
internacionais, a disseminação cada vez mais acentuada na escola americana
de contabilidade e a criação do Comitê de Procedimentos Contábeis,
evidenciam uma vertente para o bloco Anglo-Saxão
De um modo geral, as classificações em blocos variam com o
pesquisador, de como olha a questão, dos critérios de abordagem. As causas
para tanta diversidade são bem mais antigas que o período aqui analisado, as
raízes são tão profundas quanto à história de cada nação.
16
CAPÍTULO IV
CAUSAS DAS DIFERENÇAS INTERNACIONAIS DOS PADRÕES
CONTÁBEIS
Considerando-se que cada país tem seu conjunto de leis, regras,
filosofias, procedimentos, objetivos, é de se esperar que o sistema contábil de
cada país seja impactado por tais parâmetros, dependendo do seu peso e
influência perante os outros.
Walton (2003) faz a seguinte citação:
“A compreensão de regras internacionais é muito difícil porque as regras têm diferentes significados: na Alemanha, tudo é proibido a menos que esteja explicitamente permitido na lei, enquanto que na Inglaterra tudo é permitido a menos que esteja explicitamente proibido na lei. No Irã, por outro lado, tudo é proibido mesmo que esteja permitido na lei, enquanto que na Itália tudo é permitido, especialmente se é proibido.”
Os principais estudiosos sobre o assunto apresentam como causas das
diferenças internacionais diversos aspectos.
B. Elliot e J. Elliot (2002) destacam os seguintes: características do
sistema legal nacional; a maneira como as empresas obtêm seus recursos
financeiros, se mercado acionário ou credores bancários; o relacionamento
entre o fisco e a contabilidade; a influência e o status da profissão contábil;
nível de desenvolvimento da teoria da contabilidade; acidentes de história, tais
como guerras e ocupação de países; e linguagem.
Saudagaran (2004) diz que “a contabilidade é produto de uma complexa
interação de fatores sociais, econômicos e institucionais de um país.” Destaca
então dez fatores prováveis causadores de tais diferenças: o tipo de mercado
de capitais; o tipo de regimes ou critérios de estrutura e apresentação de
demonstrações contábeis; o tipo de empresas; o tipo de sistema legal; o nível
de exigência; o nível de inflação; vinculação econômica e política com outros
17
países; status de amadurecimento da profissão contábil; existência de um
arcabouço teórico e conceitual; e qualidade da educação contábil.
Radebaugh e Gray (1993); destacam catorze outros diferentes motivos:
estrutura das empresas; fatores internacionais; cultura; regulamentação da
estrutura contábil; sistema legal; inflação; crescimento e desenvolvimento
econômico; ambiente social; nível de atividade empresarial; mercado financeiro
e de capitais; tributação; profissão contábil; educação e pesquisa na área
contábil; e sistema político.
Já Belkaoui (2000), citando Mueller, identificou mais quatro elementos:
nível de desenvolvimento econômico; nível de complexidade da atividade
empresarial; sistema político, se de controle centralizado ou economia de
mercado, vigente no pais; e sistema legal, code-law ou commom-law.
Nobes (1998) menciona em seu estudo dezessete razões: natureza da
propriedade empresarial e a forma que as empresas captam recursos; herança
de ter sido colônia de outro país; invasão; tributação; inflação; amadurecimento
e tamanho da profissão contábil; nível de educação da área contábil; estágio de
desenvolvimento econômico; estrutura e sistema legal; cultura; história.
Geografia; linguagem; influência da teoria contábil; sistema político e clima
social; religião; e acidente de percurso. Contudo, o próprio Nobes reconhece
dois destes fatores como os mais importantes: a forma ou sistema de
financiamento pelos quais as empresas captam recursos, se possuem mercado
de capitais sólido e os preços são determinados pela competição de mercado
ou, se é sistema de crédito bancário ou governamental, sendo o Estado o
principal agente na condução da economia; eventuais heranças decorrentes de
invasões ou colonização por outro país, tal qual percebemos na similaridade de
sistema contábil entre Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Cingapura,
aproximados por questões culturais e comerciais.
18
CAPÍTULO V
ORGANISMOS MUNDIAIS E REGIONAIS RESPONSÁVEIS PELA
INTERNACIONALIZAÇÃO DA CONTABILIDADE
A busca por harmonização contábil internacional tem mobilizado
diversos órgãos pelo mundo inteiro, desde movimentos regionais com atuação
mais pontual, até entidades internacionais. Mesmo organizações tradicionais
como a Organização das Nações Unidas, ONU, reconhecida por sua atuação
no campo da política, tem aplicado esforços na direção da harmonização
contábil, reconhecendo a influência recíproca entre política e economia.
A primeira crise do petróleo em 1973 trouxe à tona a necessidade de o
mundo corporativo expandir o diâmetro da sua mesa redonda. Neste ano foi
criado o Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade, IASC, por
ocasião do Congresso Internacional de Contadores, em Melbourne, tornando-
se, em 2001, o Colegiado de Padrões Contábeis Internacionais, o IASB,
reconhecidamente o órgão mais atuante na atualidade em assuntos de
harmonização contábil internacional.
O IASB, com sede em Londres, é um órgão independente do setor
privado que se destina ao estudo de padrões contábeis. Formado por um
Conselho de Membros constituído por representantes de mais de 140
entidades profissionais de todo o mundo incluindo o Brasil, representado pelo
Instituto Brasileiro de Contadores, IBRACON, e pelo Conselho Federal de
Contabilidade, o CFC, tem como objetivos: desenvolver um único conjunto de
normas contábeis globais de alta qualidade, inteligíveis, que exijam
informações de alta qualidade, transparentes e comparáveis nas
demonstrações contábeis e em outros relatórios financeiros, para ajudar os
participantes do mercado de capital e outros usuários em todo o mundo a
tomar decisões econômicas; promover o uso e aplicação rigorosa dessas
normas; e promover a convergência entre as normas contábeis locais e as
Normas Internacionais de Contabilidade de alta qualidade.
19
Seus pronunciamentos técnicos não têm caráter compulsório, mas uma
referência técnica facultativa para facilitar a interpretação mais harmonizada
das informações contábeis por parte das autoridades, investidores e agentes
econômicos em geral. O benefício prioritário esperado pelo IASB é viabilizar a
comparabilidade das informações contábeis produzidas por empresas situadas
em países distintos, permitindo a interpretação e compreensão de dados
gerados por entidades de diferentes economias e tradições.
Adesão importante a esta linha de raciocínio foi a da União Européia
que desde 2005 exige que todas as empresas sediadas em países membros
adotem as normas contábeis promovidas pelo IASB. Da mesma forma, a
Bolsa de Valores de Nova York também exige das empresas estrangeiras
interessadas em negociar suas ações, que apresentem demonstrações
financeiras pela cartilha do IASB.
A Federação Internacional de Contadores, IFAC, é uma organização
mundial, de natureza não governamental sem fins lucrativos, que representa a
profissão contábil. Localizada em Nova York é composta de 157 membros,
representa 118 países e quase 2,5 milhões de contadores. Tem por missão
estreitar o relacionamento da profissão contábil em nível mundial, contribuir
para o desenvolvimento da economia mundial, além de elevar a qualidade da
formação e atuação do profissional que representa. Dividida em cinco comitês
que têm por finalidades específicas: Comitê de Padrões de Auditoria –
normatizar padrões de auditoria, de controle de qualidade, de segurança da
informação e contribuir para a uniformidade das práticas profissionais em nível
mundial; Comitê de Educação – aperfeiçoamento da educação na área
contábil através de programas e estabelecimento de padrões ou guias de
recomendação; Comitê de Ética – estabelecer o código de ética para
contadores em nível global; Comitê de Contadores Profissionais para
Gerenciamento dos Negócios – orientar contadores em gerenciamento de
orçamento, governança corporativa, finanças corporativas, gestão de custos,
capital intelectual; Comitê do Setor Público – edição dos padrões contábeis
internacionais do setor público, incluindo aspectos de auditoria para os
governos locais; Comitê de Auditores Transnacionais – identificar problemas
20
na prática de auditoria no que concerne sua independência, treinamento e
desenvolvimento, atuando de forma interativa entre empresas de auditoria
internacionais e seus reguladores.
As Nações Unidas também na década de 70 despertaram para o
impacto que a atuação das multinacionais em nível mundial. Para melhor
monitorar as atividades dessas empresas, principalmente no mundo
subdesenvolvido, criou um grupo de especialistas em demonstrações
financeiras contábeis, com o objetivo de recomendar um conjunto de
informações mínimas a serem evidenciadas pelas multinacionais e
subsidiárias, contribuir para o processo de harmonização contábil e,
principalmente analisar e fiscalizar a atuação dessas grandes empresas e os
impactos sociais que produziam onde implantadas. Contudo, pela reputação
historicamente política, a ONU não recebeu apoio de muitos setores de
interesse. Sem a presença relevante dos Estados Unidos da América, perdeu
volume de penetração no mundo corporativo, boicotada pelas multinacionais
que sonegavam informações importantes concernentes às atividades em
países em desenvolvimento. No discurso de todos, a contabilidade deveria ser
moldada pela iniciativa privada, não por entidade política. Apesar das
resistências a ONU continua desenvolvendo programas mais voltados à
conscientização, educação e apoio financeiro aos países em transição de
desenvolvimento. Hoje, com representatividade de mais de 50 países, promove
discussões sobre contabilidade ambiental, contabilidade de pequenas e médias
empresas e responsabilidade de auditores.
A Organização Mundial das Comissões de Valores Mobiliários,
IOSCO, órgão com atuação semelhante a nacional CVM, regula mais de 85%
do movimento global do mercado de capitais do mundo. Objetivando cooperar
para a promoção de altos padrões de regulamentação do mercado de capitais,
promover troca de informações e experiências para o desenvolvimento dos
mercados domésticos, monitorar transações envolvendo títulos e, sobretudo,
promover a integridade do mercado. Considerando que a contabilidade é
preciosa ferramenta para promoção de títulos, trabalha com afinco no apoio a
harmonização contábil para evitar distorções nas informações apresentadas,
21
chegando até a exigir das empresas que negociam títulos a adesão as normas
internacionais publicadas pelo IASB, inclusive nas principais bolsas do mundo,
como a de Nova York.
Criada em 1960 a Organização para Desenvolvimento e Cooperação
Econômica, OECD, conhecida como clube dos ricos, responsável por mais de
dois terços do PIB mundial dos 30 países membros. Defendendo práticas
democráticas e economia de mercado, mantém ativo intercâmbio com 70
outros países, entidades não governamentais e a sociedade civil, publicando
questões econômicas e sociais tais como economia, comércio, educação e
ciência. Com seu Grupo de Trabalho de Padrões Contábeis, apóia esforços de
entidades regionais, nacionais e internacionais e promove fórum de debates
para troca de opiniões com as Nações Unidas no que diz respeito à matéria
contábil e relatórios financeiros, contudo, tal qual a ONU, não têm seus
trabalhos largamente reconhecidos. Chegou a publicar um manual para
empresas multinacionais, sugerindo informações que deveriam ser oferecidas
por estas empresas, tais quais: publicar com regularidade relatórios com
informações contábeis pertinentes; a estrutura da empresa, onde e como atua,
quais são as participações em cada braço; controladoras e controladas e suas
posições geográficas de instalação e influência econômica; resultado das
operações fracionado por área e como um todo; demonstração de origem e
aplicação de recursos; novos investimentos e interesses; número médio de
empregados por área geográfica; gastos com pesquisa e desenvolvimento; as
políticas adotadas com relação a preço; e políticas contábeis em consolidação
de balanços. Como trata-se de informações voluntárias, fica a critério das
empresas mais sensíveis à transparência a prática da cartilha. Atualmente a
OECD é mais conhecida por sua atuação na área tributária.
A Comunidade Econômica Européia, atual União Européia, tem suas
raízes na reconstrução da Europa após as duas grandes guerras. Unidos em
bloco para combater o poderio econômico dos Estados Unidos da América,
desenvolveram em parceria a economia e a política, amenizando as
dificuldades individuais. Com o Tratado de Paris permitiram livre trânsito e fluxo
de mão de obra e capital entre os produtores de carvão e aço do continente. O
22
Tratado de Roma, 1957, inicialmente com 6 países, é considerado o marco
inicial da criação de Comunidade Econômica Européia, e com ele veio a livre
movimentação de capital e mão de obra, bens e serviços entre os países
membros. Em 1991, na assinatura do tratado de Maastricht estebeleceu-se um
cronograma para a implantação da moeda única, o EURO, e a criação de um
Banco Central europeu. Na tentativa de harmonização de princípios e práticas
contábeis foram aprovadas as diretivas de caráter supranacional, obrigando
cada país membro a incluir em sua legislação os princípios básicos de cada
Diretiva, permitindo a cada membro escolher a forma e o método de
implementação das regras contábeis, tributárias, trabalhistas e comerciais. Têm
inclusive a opção de adicionar ou excluir alternativas, proporcionando um
flexibilidade apoiada em três aspectos: regras uniformes a serem implantadas
sem alterações; regras mínimas a serem cumpridas; e regras alternativas que
possibilitem livre escolha pelo país membro. Alexander e Archer (1998)
corroboram com a quarta e sétima medidas voltadas para a contabilidade:
“alguns países seguem as diretivas não apenas para efeito de divulgação de demonstrações contábeis externas, mas pela sua incorporação em suas normas internas. Dessa forma, na busca de convergência dos procedimentos contábeis normatizados, um importante princípio, o da visão justa e verdadeira, emanado na quarta Diretiva sobressai dos demais. O principal enfoque deste princípio é que a substância econômica deve prevalecer sobre a forma jurídica. Este enfoque, pela sua importância, vai ao encontro da tradição contábil de parte doa países que compõem a UE, tendo em vista que, pela adesão às normas tributárias, o legal é o que deve prevalecer.”
Com forte influência da Alemanha e da França, a quarta Diretiva dá
ênfase à estrutura das demonstrações contábeis estabelecendo princípios
básicos: a companhia deve estar apta a dar continuidade ao negócio; os
métodos de avaliação devem ser aplicados consistentemente de um exercício
financeiro para outro; a avaliação deve ser feita sobre uma base prudente e
específica; apenas lucros apurados no período do balanço devem nele ser
incluídos; o registro de todo passivo previsível deve ser efetuado no período; o
23
registro de depreciação deve ser efetuado independentemente do resultado do
exercício financeiro ser lucro ou prejuízo; os registros de receitas e despesas
relacionadas com o exercício financeiro deve ser independente da ta a do
recebimento ou do pagamento das mesmas; os itens do ativo e do passivo
devem ser avaliados separadamente; o balanço de abertura de cada exercício
financeiro deve corresponder ao balanço de encerramento do exercício
financeiro precedente. A sétima diretiva foi publicada com forte influência
anglo-saxônia, direcionada para evidenciação e comparabilidade das
demonstrações contábeis das empresas sediados nos países membros,
incluindo a consolidação de balanços para que se possa ter uma imagem fiel
do patrimônio e situação financeira da empresa como um todo. Como
princípios básicos apresenta: permanência dos métodos de consolidação;
eliminação de operações intragrupos e recíprocas; e apresentação em
separado dos interesses minoritários. Este processo de harmonização na
Europa, a partir de 2005, convergiu e afinou-se às normas do IASB para todas
as companhias abertas.
O Comitê de Supervisão Bancária do Banco de Compensações
Internacionais, mais conhecido como BIS, não é exatamente um órgão
voltado para regulamentar normas contábeis, já que sua principal função, além
de atuar como Banco Central para todos os Bancos Centrais de todos os
países, é de estabelecer padrões mínimos de capital e patrimônio líquido para
os bancos que operam no mercado internacional. Os objetivos básicos do
referido comitê são: minimizar os riscos de insucesso bancário que possam
afetar o cenário internacional; manter níveis razoáveis de solvência e liquidez
do sistema financeiro internacional; e uniformizar as normas aplicáveis às
instituições financeiras em seus respectivos países. O BIS é praticamente a
voz do G-10 em matéria de regulamentação do sistema financeiro. O principal
documento produzido pelo comitê foi o Acordo de Basiléia, determinando
padrões mínimos de capital e patrimônio pelos bancos, cuja adoção no Brasil
se deu através do Conselho Monetário Nacional. Mesmo não sendo a
adoção às normas do BIS obrigatória, o banco que quiser abrir uma agência ou
24
subsidiária num país participante do G-10, deverá estar em consonância com
normas mencionadas.
A Confederação de Contadores da Ásia e do Pacífico, CAPA, com 21
países membros é o maior organismo regional em matéria contábil e tem os
seguintes objetivos: aperfeiçoar os padrões e o desenvolvimento da profissão
contábil, buscando harmonização com os pronunciamentos do IFAC e do
IASB; proporcionar assistência para formação e desenvolvimento de
organizações nacionais e regionais, que seja de interesse da profissão contábil,
tanto na área pública, como no comércio, indústria e educação; e atuar no
sentido de buscar estimular uma profissão coesa e forte, sob coordenação do
IFAC.
Outro organismo regional é a Associação Interamericana de
Contabilidade, atuando no interesse da profissão nas Américas, com similar
objetivo de alcançar uma profissão forte e coerente, que cumpra sua
responsabilidade perante a sociedade dentro de um sincero intercâmbio e
convivência fraternal.Dos organismos regionais o que mais peso exerce em
termos de influência no mundo é o FASB, órgão regional Norte Americano,
onde o grandioso mercado de capitais requer uma legislação própria mais ativa
em termos de regulamentação, para evitar distorções e prejuízos no mercado
internacional. O grande número de empresas de capital aberto no mercado dos
Estados Unidos provoca um esmero excessivo nas demonstrações contábeis,
principalmente na evidenciação dos lucros, quesito básico para atratividade de
investidores do mundo inteiro. Atuando fortemente com departamentos de
auditoria no sentido de fiscalização, o FASB trabalha no intuito de preservar a
integridade e a confiabilidade do mercado de ações. Para qualquer empresa do
mundo interessada em colocar suas ações nas bolsas americanas, necessita
que passe pelo crivo do FASB, em primeiro lugar, e pelo IASB em seguida.
Esta louca corrida pelas demonstrações de lucro enraizadas na cultura do
empreendedorismo regional americano já criou, mais de uma vez, bolhas de
supervalorização sem lastro de solvência, tendo repercussões catastróficas nas
economias dos quatro cantos do mundo
25
CAPÍTULO VI
AMBIENTE LEGAL E REGULAMENTAR DA CONTABILIDADE NO BRASIL
A contabilidade brasileira tem a tradição de ser regulamentada por
órgãos públicos, sob forte influência governamental, limitando os órgãos de
classe a pouquíssima influência política na produção de diretrizes da profissão.
O ambiente em que se desenvolveu a contabilidade brasileira é basicamente
de escrituração, desenvolvida por uma educação de nível técnico médio.
Apenas a partir do final da segunda grande guerra mundial que o Brasil passou
a ter curso de Bacharelado em Ciências Contábeis de nível universitário.
Apenas em 1972 ouviu-se pela primeira vez o termo “princípios contábeis”
divulgados pelo Banco Central e pelo Conselho Federal de Contabilidade,
tornando obrigatória sua observância pelas companhias de capital aberto.
O termo ficou vago ainda por algum tempo por falta de definição de
quais seriam estes “princípios”, deixando uma abertura para que os cursos
formadores de profissionais da área os especificassem. Abriu-se uma fenda pra
que a cultura da contabilidade anglo-saxônia, notadamente a americana, se
instalasse gradativamente, acompanhando os movimentos da economia
globalizada mundial. Somente em 1981 o CFC divulgou a resolução 530
definindo quais eram os princípios fundamentais de contabilidade, eliminando
de uma vez o duvidoso termo “princípios contábeis geralmente aceitos” que até
então se aceitava. Em 1993 os princípios foram reduzidos e firmados em sete:
Entidade; Continuidade; Custo como Base de Valor; Prudência; Competência;
Objetividade e Correção Monetária. Este último princípio decorrente das altas
taxas de inflação vivenciadas à época, chegando a 1800% no ano de 1990.
O desenvolvimento histórico no nosso mercado financeiro e de capitais
se baseou em duas leis: Lei da Reforma Bancária (1964) e Lei do Mercado de
Capitais (1965). Até a edição da primeira os órgãos responsáveis pela política
monetária nacional, de crédito e de finanças públicas recaíam sobre o
Ministério da Fazenda e sobre o Banco do Brasil. Estas instituições não
acompanhavam o crescimento do movimento bancário e de capitais tornando
26
necessária uma mudança nesse comando estrutural. Esta Lei criou o Banco
Central do Brasil e o Comitê Monetário Nacional, estabelecendo normas e
rotinas de funcionamento e procedimentos de qualificação aos quais deveriam
subordinar-se as instituições do Sistema Financeiro Nacional.
Quanto a Lei de Mercado de Capitais, visava o fortalecimento da
poupança interna para financiar o crescimento nacional direcionando recursos
para o setor produtivo. Contudo a preferência nacional por imóveis, cultura das
empresas familiares que até hoje são maioria no quadro empresarial brasileiro,
e no inadequado crédito bancário vigente à época, impediram a realização
desses objetivos. Várias tentativas de ativar o mercado de ações como mais
uma fonte de captação de recursos às empresas, além do crédito bancário,
foram implementadas sem sucesso. Os altos níveis inflacionários além da
preferência por propriedades desestimulavam qualquer tipo de investimento em
bolsa, considerados de risco naquela conjuntura.
Neste período for\am criados o FGTS, PIS/PASEP, formas de poupança
compulsória para fortalecimento do sistema oficial de crédito. Seguiu-se um
momento de crescimento do setor primário atraindo investidores de toda
monta, contudo despreparados e imaturos, pois no primeiro momento de baixa
retiraram-se do mercado. Também as Bolsas mostraram-se igualmente
despreparadas para aquele volume de negócios, revelando uma estrutura
inadequada, segundo Andrezo e Lima (2000). Para equilibrar a oferta os
recursos vieram do exterior, porém aplicados em obras de sucesso duvidoso tal
qual a Transamazônica.
No início da década de 70 aconteceu o milagre econômico brasileiro em
plena ditadura militar. As taxas de crescimento real chegavam a 8% ao ano,
atraindo o interesse de investidores externos, e, para garantir e fortalecer o
funcionamento regular do mercado de valores mobiliários, foi criada a CVM. Tal
medida visava dar confiança e garantias ao investidor que titubeava em fazer
tal tipo de investimento, visto que os riscos eram altos.
Na década seguinte aconteceu o início do período conhecido como
“década perdida”. Elevada inflação e diversos planos econômicos heterodoxos
27
para combatê-la desarticularam de tal maneira o mercado que em 1985 foi
decretada a primeira moratória, com péssima repercussão no cenário
internacional. Mas nem tudo foi negativo neste período e alguns fatos foram
relevantes: a queda do regime militar e restabelecimento da democracia com
eleição de presidente civil; nova Constituição Federal; criação dos bancos
múltiplos, com alterações do sistema financeiro vigente, permitindo que uma
única instituição concentrasse atividades até então fracionadas por bancos
comerciais, bancos de investimento, financeiras, sociedades de crédito
imobiliário e sociedades de arrendamento mercantil.
A década de 90 foi marcada pelo crescimento do mercado de capitais no
Brasil, aproveitando uma série de mudanças no quadro macroeconômico
seguidos da abertura comercial, estabilização da moeda e abertura para
investimentos estrangeiros em bolsa, o mercado brasileiro ficou mais atraente e
acessível aos interessados internacionais. A entrada líquida de capitais
praticamente triplicou de 1991 para1993. Em 1996 a Bolsa Mercantil e de
Futuros, BMF, chegou a ocupar o terceiro lugar no ranking mundial em termos
de volume de negócios. Com a implantação do Plano Real a economia
nacional teve um forte impacto, derrubando estruturas viciadas pela inflação,
oportunizando a eficiência operacional. Diversas instituições, incluindo bancos,
que não acompanharam as mudanças estruturais fecharam suas portas ou
foram absorvidas por outras maiores. De qualquer forma, a base da nova
economia foi estabelecida vigorando até os dias atuais, prevalecendo a cinco
mandatos presidenciais. O cenário externo foi muito favorável nesse período à
política econômica brasileira, nos colocando no patamar das maiores
economias do globo. O crescimento do parceiro comercial China, a dissolução
da União Soviética, crise nas Bolsas Asiáticas, afetaram muito mais o alicerce
da economia americana do que o emergente Brasil.
Tratando-se da estrutura empresarial brasileira, é dividida basicamente
em dois grupos, as sociedades anônimas e as sociedades por quotas de
responsabilidade limitada. As primeiras têm responsabilidade legal de publicar
suas demonstrações na forma da lei societária vigente, ter conselho fiscal, e
ser transparente nos seus atos. Além disso, devem enviar trimestralmente suas
28
demonstrações financeiras à CVM e à Bolsa de Valores acompanhadas de
parecer de auditores independentes. As sociedades por quotas de
responsabilidade limitada não tem a obrigatoriedade de apresentar
demonstrações financeiras de qualquer espécie, não informando, assim, seu
desempenho operacional ou econômico-financeiro. Muitas das empresas
Multinacionais se enquadram nessa categoria. Segundo a Junta Comercial
aponta que apenas 1% das empresas no Brasil são de capital aberto.
A auditoria passou a ter importância a partir da década de 70 após a
obrigatoriedade das companhias de capital aberto terem suas demonstrações
contábeis publicadas e auditadas por auditores independentes, fugindo da
pequena atuação a que se submetia. Apenas nos casos de atendimento à
exigências estatutárias, exigências de consolidação de balanço para
subsidiária brasileira de multinacionais no exterior e para obtenção de crédito
junto a instituições financeiras oficiais ou provadas. Hoje estão obrigadas a
ação de auditoria: bancos e instituições financeiras equiparadas, segundo
normas do Banco Central do Brasil; seguradoras, segundo normas da
Superintendência de Seguros Privados do Brasil; empresas de previdência
privada, segundo norma da Secretaria da Previdência Complementar;
empresas de telefonia, segundo Agência Nacional de Telecomunicações; e
empresas de energia elétrica, segundo normas da Agência Nacional de
Energia Elétrica. A entidade que congrega os profissionais de auditoria no
Brasil é a IBRACON e para se credenciar como auditor independente, além do
registro como contador no Conselho Regional de Contabilidade, o profissional
deve ter registro junto a CVM, a qual exige uma experiência comprovada na
profissão por pelo menos cinco anos. A Comissão de Valores Mobiliários, para
companhias abertas, e o Banco Central do Brasil, para Instituições Financeiras,
exigem o rodízio dos auditores independentes periodicamente. Segundo esses
órgãos reguladores, a prestação de serviços a um mesmo cliente por um longo
período de tempo compromete a independência desses profissionais,
colocando em cheque a credibilidade dos pareceres. È certo afirmar que os
procedimentos de auditoria no Brasil seguem os parâmetros estabelecidos pelo
IFAC, estando em sintonia com os pronunciamentos internacionais.
29
O Conselho Federal de Contabilidade e o Instituto dos Auditores
Independentes do Brasil são os organismos responsáveis pela regulamentação
e fiscalização da profissão de contador no país. Desde sua criação em 1946, o
CFC tem por objetivo orientar, normatizar e, principalmente, fiscalizar o
exercício da profissão contábil. Promove duas vezes ao ano o Exame de
Suficiência Profissional, apurando a posse de conhecimento como requisito
para obtenção de registro profissional e com isso, o índice de aprovação oscila
entre 50% a 65% dos graduados em todo o país, medida voltada a manter
certo nível de qualificação na profissão.
O CFC mantém um Grupo de Trabalho com representantes de diversos
órgãos reguladores do país, como Banco Central, Comissão de Valores
Mobiliários, Superintendência de Seguros Privados, Secretaria da Receita
Federal, Secretaria do Tesouro Nacional, Secretaria Federal de Controle, além
do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil. O objetivo deste Grupo de
Trabalho é o de harmonizar normas contábeis no âmbito nacional, editadas por
órgãos com competência legal e regulamentar para tanto, mediante as normas
brasileiras de contabilidade, em conformidade com as normas internacionais
editadas pelo IASB. Entretanto os documentos editados pelo CFC ainda não
possuem autoridade substantiva para serem compulsoriamente adotados pelas
empresas, o que enfraquece a profissão. Como exemplo, os contratos de
leasing que o CFC determina que se reconheça como uma compra a prazo
com característica claramente financeiras, em conformidade com os padrões
internacionais, as empresas contabilizam os referidos contratos como aluguel,
atendendo dispositivos da legislação tributária.
O IBRACON editava pronunciamentos técnicos a serem seguidos por
seus membros, os auditores independentes, quando da emissão dos seus
pareceres, mas deixava uma lacuna de interpretação de quais seriam os
princípios geralmente aceitos. Hoje o IBRACON tem atuação destacada na
elaboração dos procedimentos e padrões de auditoria.O Brasil hoje é visto
como membro estratégico pelo IASB. Da reportagem do Valor Econômico de
29/01/2010, por Fernando Torres, do pronunciamento de David Tweedie,
presidente da entidade:
30
"Nós não somos do conselho da Europa, não somos americanos, somos globais. A assinatura do memorando é para garantir que vamos ouvir os comentários dos brasileiros. Nem sempre vamos concordar com as sugestões, mas vamos ouvir o que vocês têm a dizer.”
Ao adotar a partir deste ano o IFRS como padrão contábil, o Brasil se
junta a um grupo formado hoje por 117 países, sendo a maioria deles da
Europa e da Ásia. Outro país importante que decidiu permitir o uso do padrão
internacional de contabilidade para as companhias abertas recentemente foi o
Japão. Na lista das nações que estão na fila para seguir o mesmo caminho nos
próximos anos estão Coréia do Sul, México, Argentina, Cingapura, Malásia e
Taiwan. A expectativa de Tweedie é de que mais de 150 países estejam
usando IFRS dentro de cinco anos. Em relação à adoção do padrão pelos
EUA, o presidente do Iasb diz acreditar que, em 2011, o país dará a opção
para que as empresas americanas usem o IFRS, em substituição ao modelo
americano, chamado US Gaap.
"Anos atrás, os EUA tinham 50% da capitalização de mercado global.
Hoje essa fatia é de 30%, por conta do crescimento de mercados como o do Brasil e o da China, entre outros. Ou seja, a participação está caindo. Assim (se não adotarem o IFRS), eles podem acabar sozinhos, e acho que eles não querem ficar isolados no mundo".
De fato, os órgãos responsáveis pela contabilidade nos EUA, como a
Securities and Exchange Commission (SEC) e o Fasb (análogo ao Iasb, só que
americano) já sinalizaram que pretendem aderir em algum momento ao padrão
global, mas com a condição de poderem participar da sua formulação. Na
avaliação do ex-ministro Pedro Malan, curador da Fundação Comitê
Internacional de Normas Contábeis, vinculada ao Iasb, a crise financeira
internacional tornou o complexo processo de convergência às regras
internacionais ainda mais urgente. "Estou convencido de que se trata de algo
extremamente benéfico para o mercado de capitais", ressaltou. Malan afirmou
que a adoção do IFRS facilitará o acesso das empresas brasileiras ao mercado
internacional, por permitir a leitura e a comparação com companhias de
diversos países.
31
CAPÍTULO VII
COMPARAÇÃO ENTRE OS MODELOS CONTINENTAL EUROPEU E
ANGLO-SAXÃO
O objetivo deste capítulo e fazer um estudo comparativo entre os dois
blocos de referência na contabilidade internacional, o Anglo-Saxão e o da
Europa Continental. A escolha de Estados Unidos e Grã-Bretanha, o primeiro
por representar o maior mercado de capitais do planeta, com grande tradição
em pesquisa na área contábil e, o segundo, por ser o berço da contabilidade,
com reconhecida contribuição na área de auditoria e normatização contábil. Por
outro lado, Alemanha e França são exemplos clássicos do modelo da Europa
Continental, com forte tendência de apresentar suas demonstrações
financeiras voltadas aos credores e aos governos, ao invés de focar o
investidor. O Japão como exemplo atípico pelas características híbridas de
assemelhar-se hora a cada modelo e , finalmente a Holanda que é o exemplo
da exceção, parece ter desenvolvido doutrina própria em assuntos de
contabilidade.
Nos Estados Unidos a normatização e regulamentação de matéria
contábil é feita pelo FASB, um organismo do setor privado e a edição de
padrões contábeis é produzida pelo SEC.Na teoria o Congresso Nacional é
autoridade máxima para legislar sobre a matéria, mas na prática tem delegado
responsabilidades ao SEC, que é um órgão independente e não sofre
influência política direta do poder executivo. Seus membros são nomeados
pelo Presidente da República, mas submetidos à aprovação do Senado, tal
qual no Brasil. Criado em 1934, após a “quebra das bolsas”, o SEC tem
fiscalizado a atuação das companhias listadas nas Bolsas de Valores e tem
autoridade legal para definir padrões contábeis para estas companhias. Na
década de 70 transferiu esta tarefa para o FASB que passou a regular a prática
contábil no país. Contudo o SEC pode reassumir o controle caso o FASB
fracasse em suas tarefas, o que os mantém ligados e em constante
intercâmbio. A profissão contábil neste país tem muita tradição na participação
da legislação, desde 1887, quando a primeira associação americana de
32
contadores foi fundada. No episódio da quebra da bolsa de Nova York, esta
associação foi determinante na reorganização do mercado. No decorrer do
tempo a classe se especializou, se uniu e valorizou a profissão. Neste país o
contador tem fé pública e seus documentos são considerados de alta
confiabilidade. Para reger os princípios contábeis americanos, o USGAAP
incorpora convenções, regras e procedimentos necessários para definir
práticas contábeis aceitas, não se limitando a ser guia de orientação. Em
ordem de importância o FASB se destaca dos outros órgãos pertencentes ao
USGAAP. Seus princípios contábeis são: objetividade; entidade; custo como
base de valor; continuidade; reconhecimento da receita; independência de
exercícios; confrontação com as despesas; materialidade; evidenciação;
consistência; e conservadorismo. Quanto a convergência para os padrões do
IASB, os americanos consideram o FASB muito mais detalhado, pois o vultoso
mercado local exige este detalhamento. Foram apontadas por Delaney (2004)
aproximadamente 250 divergências entre os padrões do FASB e do IASB. Nos
anos recentes o FASB tem se aproximado do IASB na tentativa de reduzir as
distorções.
Girando os holofotes para o outro lado do Atlântico vemos que a Grã-
Bretanha tem uma longa tradição de organização, liderança, profissionalismo e
transparência na matéria contábil, exportando e influenciando outros países do
mundo, especialmente os que foram suas colônias no passado. Tais países,
após tornarem-se independentes incorporaram a essência do financial
reporting britânico, e a maioria deles encontra-se a meio caminho da
harmonização internacional. Como exemplo da exportação deste método pode-
se citar o próprio Estado Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Hong Kong,
Canadá, Índia, Cingapura, Malásia, Quênia, Nigéria, Nova Guiné, África do Sul,
Taiwan, Filipinas, Coréia do Sul, Japão e Tailândia. A legislação comercial e a
profissão contábil são os principais responsáveis pela normatização dos
padrões no setor, deixando as deliberações da União Européia e do próprio
IASB em segundo plano, bem como da legislação tributário que tem pouca
influência no estabelecimento de regras contábeis. A Bolsa e Londres, uma das
principais no mundo, tem 2300 companhias de capital aberto listadas e tem
33
participado historicamente de forma ativa da vida econômica da Grã-Bretanha.
Mesmo com um mercado de capitais altamente desenvolvido, não cabe a Bolsa
determinar ou deliberar em matéria de contabilidade, deixando a cargo das
associações representantes de investidores esta tarefa. Neste país a profissão
de contador é altamente organizada e orgulhosa de ter sido a primeira a criar
uma entidade profissional representativa da classe, a Sociedade de
Contadores de Edimburgo, na Escócia, em 1854. A partir daí, muitas outras
vieram respeitando a seriedade e profissionalismo como essência. Padrões
contábeis são editados pelo Colegiado de Padrões Contábeis e contam com a
participação de seis organismos profissionais. De um lado é bem democrático,
por outro permite que o desacordo de uma delas trave todo um processo de
deliberação. Os princípios contábeis praticados na Grã-Bretanha são:
continuidade da exploração; comprometimento ou independência dos
exercícios; consistência; prudência; não compensação; materialidade; custo
histórico; intangibilidade do balanço; prevalência da essência sobre a forma.
Com relação à aderência às normas do IASB, é de influência significativa, pois
é neste país a sede do IASB, sendo inglês seu primeiro presidente, Lord
Benson, contudo existem pequenas diferenças quanto a critérios de
mensuração, mas no cômputo geral as regras internacionais se afinam
bastante com as locais.
Chegando a parte Continental Européia, encontramos a França como
um exemplo atípico, pois apresenta dualidade de abordagem dependendo do
tamanho da empresa. Para as firmas individuais que atuam em território
doméstico, o tratamento é plenamente tradicional e legalista, ofertando aos
credores e ao fisco as demonstrações necessárias. Para empresas
Multinacionais o tratamento é moderno e dinâmico mais perfilado as
orientações da União Européia e do IASB. O Plano Geral de Contas francês é,
na verdade, inspirado pelos alemães, quando da invasão na segunda guerra
mundial. Fortemente legalista foi de grande importância para o controle Estatal
da economia francesa. O código comercial francês, datado de 1673, é
reconhecido em muitas obras como o primeiro documento a regulamentar a
atividade comercial e estabelecer regras para registro de contas. O Código
34
Comercial proporciona um arcabouço teórico sobre as regras contábeis em
geral para todas as formas e tipos de sociedades e a ênfase predominante é
voltada para registros contábeis e suas demonstrações. A Comissão das
Operações de Bolsas é um organismo do setor público, mas com atuação
relativamente independente do Governo. È responsável pela proteção dos
investidores de Bolsas de Valores e monitora o bom funcionamento do
mercado de capitais. Os princípios contábeis na frança são: continuidade;
independência dos exercícios; custo histórico; prudência; permanência dos
métodos; não compensação; intangibilidade do balanço; prevalência da
essência sobre a forma. Além destes mais conhecidos, a França apresenta
uma peculiaridade na formulação de dois princípios: Princípio da Regularidade
e Princípio da Sinceridade. O primeiro significa que deve estar em
conformidade com as regras exigidas, o segundo mostra a necessidade de
transparência nas transações, eventos e situações, ou seja, o profissional deve
estar preparado para descrever de forma adequada, fiel, clara, precisa e
completa a essência da operação. Quanto à aderência às normas do IASB a
França reconhecidamente é resistente. Deixar um padrão historicamente
legalista e com controle estatal para a iniciativa privada deliberar sobre a
matéria, não é nada para se mudar rapidamente.
A Alemanha saiu derrotada na segunda guerra mundial, dividida e
ocupada e, em poucas décadas, atingiu um status de potência econômica.
Neste país a vigilância e a legalidade imperam, servindo de exemplo e
influência para todo bloco continental. Em termos de financial reporting, a
preocupação maior está voltada para a proteção do credor, até com certo
exagero. Tal fato deve-se à herança do passado, provocado pela crise
econômica mundial decorrente da quebra das bolsas em 1929, que acarretou
numa onda de falências e quebras de empresas. Como conseqüência disso
entendeu-se que as práticas contábeis vigentes à época não foram
suficientemente capazes de proteger o credor e a legislação acabou
incorporando este pensamento em detrimento dos investidores. Devido a essa
visão legalística da contabilidade na Alemanha, o Fisco não abre mão de sua
atuação, estabelecendo procedimentos tão detalhados que não possibilitam às
35
companhias locais definir sua própria política contábil, nem à profissão contábil
desenvolver discussões técnicas mais acaloradas sobre temas mais
controversos. Por conseqüência o mercado de capitais é reprimido, tímido,
ficando a cargo dos Bancos o duplo papel de credores e investidores. A cultura
local prega que as instituições bancárias além de emprestar recursos devem
preocupar-se com a vida da empresa ao longo se sua continuidade. Os Bancos
não buscam apenas uma transação, mas um aprofundamento no
relacionamento com a empresa, no sentido de um convívio em longo prazo.
Para adequar-se ao efeito da globalização, empresas participantes do mercado
de capitais receberam autorização para apresentar suas demonstrações
financeiras em consonância ao USGAAP ou IFRS, mas sem antes um parecer
de auditor independente visando evidenciar os riscos que a empresa pode
correr. O Código Comercial, a legislação societária e fiscal representa a
espinha dorsal em matéria de normatização contábil, ficando em segundo
plano a profissão contábil e a Bolsa de Valores. A legislação fiscal influencia
princípios e práticas contábeis causando impacto significativo no financial
reporting. Os princípios contábeis na Alemanha são: continuidade;
competência; prudência; consistência; não compensação; materialidade;
transparência; inteireza; e substância sobre a forma. A profissão contábil não
tem forte influência no desenvolvimento e edição de princípios contábeis,
característica do bloco continental, mas divide-se em duas categorias: uma
equivalente ao contador público certificado, que requer aprovação num exame
de qualificação profissional, com formação universitária em finanças,
contabilidade, direito, economia e comprovação de experiência mínima de
cinco anos para ser credenciado; outra categoria de fiscalizador licenciado, que
é considerado de nível inferior e só pode auditar pequenas e médias empresas.
Quanto à aderência às normas do IASB encontram-se inúmeras divergências
devido o grande contraste nas características dos blocos. Contudo, as
empresas alemãs que lançam ações nas bolsas americanas tiveram que
adaptar-se ao USGAAP. Esta reconciliação tem revelado grandes diferenças e
um exemplo clássico é o caso da empresa Daimler Benz que, segundo padrões
contábeis alemães, tinha lucro de $ 615 milhões e, segundo regras
americanas, um prejuízo de $ 1.839 milhões no exercício de 1993.
36
Mudando mais uma vez de continente, o Japão constitui-se num desafio
para os estudiosos em padrões contábeis pelas seguintes razões: é um país do
oriente; é totalmente diferente em termos de cultura, com arraigado senso de
hierarquia, lealdade e obediência; dificuldade de comunicação pela barreira do
idioma; e apresenta ambigüidade de estilo contábil. Num breve histórico, a era
de economia industrial no Japão começou no século XIX com a abertura dos
portos, principalmente aos americanos e aos ingleses, que trouxeram o modelo
anglo-saxão de economia. Mesmo contra a vontade japonesa, essa entrada
dos estrangeiros veio com benefícios para o crescimento do país, notadamente
em tecnologia industrial. Após a derrota na segunda guerra mundial, os
americanos tentaram implementar a SEC para desenvolvimento do mercado de
capitais, bem como as normas e padrões contábeis do ocidente. Por
conseqüência, evoluiu a profissão do contador através do Instituto Japonês de
Contadores Públicos Certificados. Choi (2002) pronuncia:
“As companhias japonesas possuem participações societárias umas nas outras e, frequentemente possuem juntas outras companhias. Tais investimentos interligados geram conglomerados gigantescos chamados de Keiretsu. Bancos geralmente integram conglomerados industriais. O uso difundido do crédito bancário e financiamentos de longo prazo para atender grandes empresas, sob a ótica do Ocidente é extremamente grande, e a administração da empresa deve dar primeiramente satisfações a bancos e outras instituições financeiras em vez dos acionistas. O Governo também exerce controle em muitas atividades no Japão, o que significa forte burocracia nos negócios e a contabilidade está nela inserida.”
Para finalizar o tour contábil, a Holanda se apresenta como modelo de
contabilidade própria, Nobes (1983), onde a influência se baseia na legislação
societária e pela profissão contábil. A legislação fiscal não exerce influência
como nos vizinhos Alemanha e França. Seus princípios contábeis são:
realização; prudência; competência; continuidade; e avaliação individual. O
tamanho territorial da Holanda facilita o controle, já que é possível se exigir
auditoria de todo tipo de companhia, especialidade local. A flexibilidade é um
perfil da contabilidade regional, PIS aceita facilmente os traços do modelo
anglo-saxão como do continental europeu. Portanto, tratando-se de aderência
aos padrões do IASB, a Holanda é tão permeável a penetração deste como
dos padrões da União Européia, não tendendo fortemente para qualquer dos
lados.
37
CAPÍTULO VIII
CONTABILIDADE E EDUCAÇÃO
A qualidade da educação na área contábil tem significativo impacto na
qualidade e no tipo de informação, bem como na formulação do sistema
contábil capaz de gerar informações. Em certos países com longa tradição
contábil, a contabilidade é objeto de curso superior, podendo os alunos se
candidatar a cursos de mestrados e doutorado, contribuindo para fortalecer a
atratividade do setor no campo educacional em nível elevado. Em outros
países, a contabilidade em termos de ensino é fraca, limitando-se à
escrituração, confundida mais como uma vocação do que uma profissão,
limitada aos cursos de nível médio.
No Brasil vivemos duas realidades na educação contábil, a do contador
e a do técnico de contabilidade, muito raro em outros países. A própria co-irmã
Argentina só oferece cursos da área em nível superior. Entende-se, de um
modo geral, que no Brasil o contador é responsável pela escrituração,
débito/crédito, e pelo Imposto de Renda. O curso de bacharelado é para a
maioria dos formandos o fim da linha na formação, pois apenas 1% destes
chega a um curso de mestrado ou doutorado em Ciências Contábeis.
A primeira escola a ministrar cursos da área no Brasil foi a Fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado, FECAP, em São Paulo (1906), ainda
em nível secundário, sob forte influência da escola italiana, ou seja, no método
das partidas dobradas e pouca discussão sobre o produto final para os
usuários, as demonstrações financeiras. Esta influência da escola italiana
prevaleceu até meados da década de 70 quando a lei 6.404/76 estabeleceu
critérios e procedimentos contábeis baseados na escola norte americana de
contabilidade. Além disso, cabe ressaltar o impulso dado pela USP, primeira
entidade a oferecer cursos de mestrado e doutorado em Ciências Contábeis no
país. Hoje estão autorizados a funcionar 11 programas de Pós-Graduação
Stricto Sensu, em Contabilidade e Controladoria, sendo apenas um com nível
de Doutorado, pela USP, concentrando as atividades nas regiões Sul e
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Sudeste. Mesmo assim o número de Doutores até 2005 não passava de 135,
acompanhados por 800 Mestres, o que torna tímida a evolução, provocando
endogenia , pois uma única corrente de pensamento não gera discussões, o
que desenvolveria a formação de uma postura doméstica, como é visto na
Holanda, na Grã-Bretanha, nos EUA.
Com a globalização e a necessidade de acompanhar o movimento da
harmonização contábil em nível internacional, a educação do setor torna-se
obrigatoriamente continuada. Dominar o conteúdo e a prática da contabilidade
nacional não basta mais, conhecer e manipular os preceitos do IASB,
USGAAP, União Européia, requer muito estudo, inclusive o de idiomas. A
Resolução 945/02 estabeleceu norma para educação continuada aplicada aos
auditores independentes, estipulando carga horária mínima anual em cursos de
especialização e participação em eventos relacionados ao setor, tais como:
cursos, seminários, conferências, simpósios, cursos de pós-graduação;
docência em graduação ou pós-graduação; participação em comissões
técnicas relacionadas com a profissão contábil; e produção intelectual por meio
de publicação de artigos em revistas nacionais e internacionais. Este esforço
visa colocar o contador brasileiro num patamar mais elevado e valorizado, pela
necessidade te contar com profissionais aptos a fazer esta transição.
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CAPÍTULO XIX
ESTUDO DE CASO – TIM BRASIL
A TIM Brasil é uma empresa de telecomunicação móvel, regulada pela
ANATEL, com capital italiano, presente em todos os estados brasileiros,
possuindo 10 mil funcionários, 50 milhões de clientes e faturou em 2010 cerca
de 20 bilhões de reais. O depoimento de Evandro Maia, um dos especialistas
da empresa em harmonização contábil para modelos internacionais, serve de
apoio ao estudo deste caso. Abaixo foram transcritas as perguntas e respostas:
- Como se dá na prática a harmonização contábil no Brasil? que modelo
segue? a qual mercado procura harmonizar-se?
“Deu-se com a promulgação da lei 11.638/2007, que alterou e inseriu novos dispositivos na lei das S.A.s (6404/76). Essa harmonização se dá através da adimplência aos requisitos dos pronunciamentos do CPC, que seguem o modelo dos IAS/IFRSs emanados do IASB. De acordo com o IASB, só é harmonizado quem adere 100% aos seus requisitos.”
- A aplicação dos IRFS e dos CPCs gera mais trabalho, mais custos às
empresas? O retorno pode vir a curto, médio ou longo prazo? Exigiu maior
preparo do profissional de contabilidade? Houve valorização e reconhecimento
financeiro desse profissional?
“Num primeiro momento gerará mais trabalho, pois envolvem conceitos até então inexistentes na contabilidade brasileira, como valor justo, marcação a mercado, e principalmente descolamento entre contabilidade e fisco. Acredito pessoalmente que o retorno é imediato no que concerne à necessidade de reciclagem e treinamento dos contadores. O mercado para os profissionais contábeis que já dominam contabilidade internacional está muito aquecido. O risco fica para aqueles que não procurarem treinamento e auto-aprimoramento.”
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- Pessoalmente, você acredita no processo de harmonização? Aproxima ou
aproximará os mercados? Devido às variáveis envolvidas, históricas,
geográficas e culturais, de 0 a 10, que grau de harmonização você considera
possível esse processo alcançar? Por quê?
“Harmonização é diferente de padronização. A contabilidade é uma ciência social, que reflete tão bem a cultura de cada povo. As práticas contábeis foram harmonizadas com sucesso na Europa, que é um caldeirão de culturas. A padronização contábil eu creio que não será possível. Acredito que podemos chegar a um grau 9.”
- O Brasil ganha com este processo? Por quê?
“O Brasil ganha tremendamente pela transparência que suas Demonstrações Financeiras terão no contexto global. Qualquer investidor, banco de investimento, ou fundo será capaz de ler e interpretar DFs de entidades brasileiras, gerando mais confiança e agilidade.”
As colocações de Evandro Maia são corroboradas pela Dra Contábil Andrea
Silveira que aponta o manual de Normas Internacionais da FIPECAFI como
base para sustentar os pilares deste momento de adequação. Segundo a Dra
Andrea:
“O contador deixou de ser aquele praticante de escrituração. A mentalidade deste profissional está dirigida à gestão das informações geradas por seus relatórios, influindo diretamente nos processos decisórios da empresa. Cabe aos profissionais a especialização necessária para acompanhar a evolução que o momento requer. A educação continuada deixou de ser uma opção para ser, acima de tudo, uma necessidade.”
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CONCLUSÃO
Após análise do extenso material estudado foi surpreendente deparar
com um movimento silencioso por harmonização contábil, mas que mobiliza um
grande mundo corporativo. Um sem número de normas e padrões que tentam
convergir para um único código, especialmente focando o mercado financeiro
de capitais.
Verdade que os mentores da idéia, participantes do G10, criam uma
espécie de vestibular para os países em ascensão econômica, para que
possam atuar, pelo menos na hora de fechar negócios, no mesmo nível ou
próximo dele. Contudo, as economias mais tradicionais, apesar de pregarem a
unificação, agem muitas vezes de forma ambígua, apresentam relatórios em
linguagem para inglês ver e tratam a economia doméstica de maneira própria e
tradicional.
Esta característica apresenta-se mais nitidamente nos países do bloco
continental europeu, mais legalista, caso exemplar da Alemanha, que aderiu às
normas internacionais do IASB com o propósito de permitir que algumas
empresas nacionais penetrassem no seleto mundo das Bolsas americanas.
Observando pelo lado profissional, a geração de empregos
especializados, bem remunerados, evidenciam a valorização da profissão de
contador, que em países como a já mencionada Alemanha, é altamente
gabaritada, agregando além dos conhecimentos contábeis, os de economia,
finanças e direito.
Interessante também observar exemplo como o Japão, que é uma das
maiores economias do mundo, tem seu ambiente contábil voltado para
americanos e europeus, pouco valoriza a profissão e possui o menor
contingente de auditores entre os participantes do G10. Motivo? A forte cultura
local, onde fazer o que é certo está no cerne da tradição japonesa, a honra.
No Brasil o ambiente é propício ao crescimento da profissão. A
mentalidade de técnico em contabilidade está dando lugar ao analista
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financeiro, ao gestor de decisões, ao gerador de informações direcionadas ao
mercado competitivo, essencial participante nos processos de fusão, cisão e
incorporação de empresas, articulador das relações das companhias com a
legislação fiscal.
No estudo de caso apresentado, os depoimentos do especialista da área
nos mostram uma realidade incomum, a de uma empresa européia atuando no
Brasil, produzindo seus relatórios em vários idiomas financeiros: o nacional; o
europeu e os do IASB e USGAAP. Todo este esforço para ofertar aos
investidores de vários pontos do planeta, as informações que os levarão a
comprar suas ações.
Abordando de frente a hipótese: Será possível realizar a harmonização
contábil a nível internacional? Impossível não se posicionar nesse momento.
Sim é possível, mas no tempo necessário para suplantar hábitos culturais
tradicionais. No presente existe muito movimento neste sentido, muito ainda se
fará, muito se moldará, num processo lento como toda transformação
consistente.
O Brasil que possui apenas 2% de empresas com capital aberto, nem
todas participantes do mercado de capitais das principais praças, o caminho é
longo. Será preciso grande evolução da estrutura empresarial nacional para
popularizar as práticas contábeis ditadas pelo IASB.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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