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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
HORTAS ESCOLARES: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Por: Fernanda Fonseca Vianna
Orientador
Prof. Maria Esther de Araujo
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
HORTAS ESCOLARES: DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialização em Educação Ambiental.
Por: Fernanda Fonseca Vianna
RESUMO
Este trabalho se baseará no estudo do impacto da implantação de uma horta
escolar em uma escola da rede pública do município de Petrópolis – RJ, bem como
ações pedagógicas que envolvam a Educação Ambiental. Desta maneira, problematiza-
se: é possível através de ações pedagógicas e estímulo a agricultura orgânica, pode-se
pensar consciência ambiental e desenvolvimento sustentável local? O cerne desta
pesquisa está em relacionar a implantação de hortas escolares e conscientização
ecológica, bem como desenvolvimento sustentável local.
Esta pesquisa tem quatro objetivos principais. O primeiro é contribuir para a
formação de uma consciência mais ampla sobre a importância da preservação dos
recursos hídricos e de nossos oceanos, nascentes, fontes, cachoeiras, córregos e rios. O
segundo é oferecer aos educadores algumas alternativas pedagógicas para o
desenvolvimento e a educação ecológica no âmbito escolar. O terceiro objetivo é
despertar nas escolas públicas, a vontade de se aumentar, ainda mais, o número de
árvores a serem plantadas, com as crianças, no entorno de nascentes, córregos e rios; e o
quarto é semear valores fundamentais, como o respeito, a honestidade, a simplicidade, o
amor ao próximo, a perseverança, a serenidade, dentre outros, e cultivá-los nas mentes
das crianças e jovens adolescentes, simultaneamente ao plantio de um maior número de
hortas escolares e comunitárias.
Para solucionar essas questões, acredita-se que um experimento de
desenvolvimento local pode servir de parâmetro de comparação com outras experiências
semelhantes articuladas em outras partes do país e do mundo. Também se pensa que
uma experiência local de desenvolvimento pode mostrar, de forma mais nítida, os
pontos que demandam maior reflexão e que precisam ser mais bem investigados sobre a
viabilidade do planejamento e da intervenção regional.
METODOLOGIA
Inicialmente, o tema foi pensado a partir da vivência em uma escola do
município de Petrópolis – RJ com a implantação de uma horta escolar orgânica. A partir
da pesquisa bibliográfica, o tema foi amadurecendo. Nesse sentido, esta pesquisa foi
realizada à luz da teoria pertinente, composta pela experiência vivenciada e revisão
bibliográfica específica.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO E VALORES
CAPÍTULO 2 – IMPACTO HUMANO
CAPÍTULO 3 – A PARTE PRÁTICA: A EDUCAÇÃO COMO MECANISMO DE
TRANSFORMAÇÃO
CAPÍTULO 4 – HORTAS ESCOLARES
CONSIDERACÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOLHA DE AVALIAÇÃO
INTRODUÇÃO
Alguns pensadores, desde a Grécia antiga, verificaram que a sociedade do futuro
depende do que fazemos com as crianças hoje. Estamos vivendo na era da informação,
do conhecimento científico e da pós-modernidade, e não há dúvida de que precisamos
estimular o processo de desenvolvimento humano como base do desenvolvimento
social, econômico e ambiental de nossos países e/ou municípios, ainda
subdesenvolvidos. Existe uma idéia de que a mente humana é um espaço vazio e um
corpo com funções infinitas (Cleary, 1998, p.12). Outra idéia parte do princípio de que a
mente emerge num cérebro que é parte integrante de um organismo vivo (Damásio,
2003, p.206). Sejam quais forem os arcabouços teóricos em neurobiologia ainda não
dispomos de fundamentos racionais para o estudo sistemático do espírito humano. A
dicotomia mente-corpo continua um mistério. A responsabilidade de o que ensinar,
como ensinar e para que ensinar às crianças irão sempre impor ao educador obstáculos
intransponíveis. Estamos assim no início de uma longa caminhada metodológica com
muitas perguntas e poucas respostas.
Muitas políticas públicas são elaboradas visando romper e diminuir os
problemas do subdesenvolvimento através de planos e programas voltados para o
aumento das taxas de crescimento econômico. Busca-se estimular os investimentos, o
aumento de produção e a ampliação das oportunidades de trabalho. Nem sempre,
entretanto, levam-se em consideração os efeitos de degradação dos recursos naturais e
de extinção de espécies de nossa riquíssima biodiversidade. As análises econômicas
deveriam adotar o cerne do pensamento de Spinoza quando afirmava que a construção
da ética impõe-nos a tarefa de pensarmos sem emoções, para evitarmos as ideias
confusas. Mesmo enfrentando grandes dificuldades metodológicas, esta pesquisa
procura expandir a ética econômica como disciplina, experimentando um mergulho na
metacognição e em áreas e matérias diferentes, tentando extrair delas outras
possibilidades para melhor compreensão e/ou ação (políticas públicas) sobre a educação
fundamental de qualidade, a concepção do conhecimento, a preservação do meio
ambiente e o desenvolvimento da economia.
O processo educacional não pode envolver exclusivamente o aumento de
investimentos e despesas na infra-estrutura educacional, mas deve seguir numa outra
direção, para que esses investimentos possam atingir o objetivo de melhor preparação
de nossas crianças para a vida pessoal e profissional. Essa direção, por sua vez, deve ser
guiada de forma que as atividades educacionais e as práticas pedagógicas aumentem nas
crianças a competência criativa e transformadora e sua consciência de atores do
necessário processo de desenvolvimento produtivo sustentável. A criança precisa, para
isso, fazer exercícios especiais, aprendendo a agir dentro de sua realidade local,
orientada pela sua escola, em ações educacionais onde a sua intervenção modifique a
ética dos adultos. Quando por exemplo, a criança planeja uma campanha de educação
ambiental para o plantio de um número determinado de mudas de espécies de árvores
visando à recuperação de entorno de nascentes ou a recuperação de matas ciliares, ou
faz caminhadas ecológicas, para a mudança do hábito de se jogar lixo nos rios; ou
combate a conduta normal do adulto ignorante que aprisiona passarinhos em gaiolas, ou
muda o hábito de alimentação comendo mais alimentos saudáveis no lugar dos
gordurosos – essa criança adquire mais autonomia, responsabilidade e descobre que
pode ser mais criativa e produtiva. A educação passa a ter um sentido mais concreto
para ela e pode consolidar em sua mente/espírito, a vontade real do estudo mais
sistemático dessa ou daquela matéria. Por isso as práticas pedagógicas fora de sala de
aula têm que trazer contido a semente de compreensão sobre a realidade da mente de
nossas crianças. E é por isso que as atividades educacionais devem ser planejadas e
guiadas por elas próprias para que elas desenvolvam um sentido de “eu sou
competente”. Cabe nesse contexto um trabalho idealista do professor de saber orientar
esse processo na comunidade enfrentando a ignorância e o descaso.
Isso deve ser feito porque o processo de desenvolvimento econômico, nos dias
de hoje, demanda juízos de valor entre preservação e crescimento, precisando ser
interpretado (avaliado/julgado) contemplando, ao mesmo tempo três questões. A
primeira questão é muito simples e significa dizer que o desenvolvimento deve buscar
simultaneamente a consolidação de valores básicos na mente de nossas crianças e
jovens adolescentes e a geração de oportunidades de trabalho e renda para maiores
segmentos da população humana jovem; a segunda é imperativa sobre a primeira, pois
essas alternativas econômicas produtivas, não podem continuar mais degradando a
biodiversidade e poluindo o meio ambiente; e a terceira questão envolve uma
compreensão de que só tem sentido um processo de desenvolvimento, quando este
amplia a qualidade da educação fundamental no sentido da valorização e
desenvolvimento real de nossas crianças, preparando-as de fato para um novo mundo.
Desta maneira, problematiza-se: é possível através de ações pedagógicas e
estímulo a agricultura orgânica, pode-se pensar consciência ambiental e
desenvolvimento sustentável local? O cerne desta pesquisa está em relacionar a
implantação de hortas escolares e conscientização ecológica, bem como
desenvolvimento sustentável local. Este trabalho se baseará no estudo do impacto da
implantação de uma horta escolar em uma escola da rede pública do município de
Petrópolis – RJ, bem como ações pedagógicas que envolvam a Educação Ambiental.
Esta pesquisa tem quatro objetivos principais. O primeiro é contribuir para a
formação de uma consciência mais ampla sobre a importância da preservação dos
recursos hídricos e de nossos oceanos, nascentes, fontes, cachoeiras, córregos e rios. O
segundo é oferecer aos educadores algumas alternativas pedagógicas para o
desenvolvimento e a educação ecológica no âmbito escolar. O terceiro objetivo é
despertar nas escolas públicas, a vontade de se aumentar, ainda mais, o número de
árvores a serem plantadas, com as crianças, no entorno de nascentes, córregos e rios; e o
quarto é semear valores fundamentais, como o respeito, a honestidade, a simplicidade, o
amor ao próximo, a perseverança, a serenidade, dentre outros, e cultivá-los nas mentes
das crianças e jovens adolescentes, simultaneamente ao plantio de um maior número de
hortas escolares e comunitárias.
Além de contribuir substancialmente para a formação de uma consciência
ecológica mais rica de nossas crianças em geral, podem também despertar professoras e
alunos sobre a necessidade urgente de uma maior disciplina em sala de aula, maior
atenção e concentração nos estudos sobre valores, o conhecimento mais racional de
nossas realidades locais, para a ampliação dos horizontes de educação e transformação
concreta. A hipótese quase acadêmica é que isso mudaria os destinos de nosso povo, de
nossa cultura, de nosso mercado de trabalho e renda, de nossa macroeconomia no
cenário globalizado e de nosso meio ambiente, na direção de um país mais desenvolvido
e certamente com menores gastos de governos em saúde pública, infra-estrutura, redes e
programas assistencialistas.
CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO E VALORES
A ciência e a tecnologia são ferramentas poderosas, que tanto podem ser
utilizadas para o bem como para o mal, sendo possível verificar que nos últimos
duzentos e cinquenta anos que o homem econômico vem transformando os recursos
naturais, num ritmo bem mais intenso, para a produção de diversas mercadorias,
esquecendo de cuidar do meio ambiente e deixando de lado a perspectiva do
desenvolvimento como um processo mais amplo de conquista de maiores níveis de
liberdade humana, aprofundando ainda, os possíveis desequilíbrios ecológicos que irão
comprometer a vida das futuras gerações (Tacconi, 2000). Neste processo produtivo
utilitarista, a sociedade capitalista diversifica mercados, cultiva valores, consolida novos
hábitos urbanos e, ao mesmo tempo, multiplica muitas formas de poluição dos recursos
hídricos, ar, oceanos e solos. Os economistas positivistas sempre incorporaram ao seu
arsenal metodológico a idéia de que os recursos naturais são exclusivamente fatores de
produção (a coisificação da natureza e da força de trabalho).
Apesar do grande desenvolvimento material e tecnológico, nossa civilização
produziu violência social, enormes passivos ambientais, acompanhados de profundos
desequilíbrios nos ecossistemas, que talvez irreversíveis, tanto nos fatores bióticos
como abióticos, em diversas regiões do mundo, provocando visíveis transtornos
climáticos, dentre outros problemas ambientais globais. Constata-se que aumentam as
crenças em todo o mundo sobre a importância e mesmo a necessidade crucial da
recuperação desses ambientes degradados. Assim, pode-se fazer um alerta e despertar as
crianças para o desenvolvimento com preservação. O princípio de autonomia de Kant
fundamenta muito bem essa reflexão. Diz um filósofo contemporâneo que
esse princípio exprime sua convicção de que jamais podemos aceitar a ordem de uma autoridade, por elevada que esta seja, como fundamento da ética. Mas se nos é fisicamente possível determinar nosso modo de atuar, então não podemos nos subtrair à nossa responsabilidade última. Pois a decisão crítica cabe a nós: podemos obedecer ou não obedecer; podemos reconhecer a autoridade ou rechaçá-la (Popper, 2006, p.72).
O conceito de desenvolvimento econômico deve ser substancialmente
reformulado dentro de uma nova ética, em que o ser humano ultrapasse seus limites
consumistas para uma estrada de evolução e preservação. Moore (1944, p.22) aponta a
hipocrisia da nossa civilização: em determinada época as companhias de bondes nos
Estados Unidos que matavam por ano muitas pessoas negaram-se a instalar limpa-
trilhos de segurança sob a alegação de que o custo deles seria maior do que as
indenizações pagas por vidas e/ou perda de membros.
Faz-se necessário retomar o objetivo principal desta pesquisa, que seria a
implantação de hortas escolares e o impacto que esta teria na consciência ecológica dos
envolvidos. O impacto de uma atitude que envolva Educação Ambiental, além de
contribuir substancialmente para a formação de uma consciência ecológica nas crianças,
podem também despertar nos professores e alunos a necessidade urgente de uma maior
disciplina em sala de aula, o destaque nos estudos sobre valores e o conhecimento mais
racional de nossas realidades locais, para assim, ampliar os horizontes de educação e
transformação concreta. A hipótese quase acadêmica é que isso mudaria os destinos de
nosso povo, de nossa cultura, de nosso mercado de trabalho e renda, de nossa
macroeconomia no cenário globalizado e de nosso meio ambiente, na direção de um
país mais desenvolvido e certamente com menores gastos de governos em saúde
pública, infra-estrutura, redes e programas assistencialistas.
O processo educacional não pode envolver exclusivamente o aumento de
investimentos e despesas na infra-estrutura educacional, mas deve seguir numa outra
direção, para que esses investimentos possam atingir o objetivo de uma educação
efetiva. Essa direção, por sua vez, deve ser guiada de forma que as atividades
educacionais e as práticas pedagógicas, fora de sala de aula, aumentem nas crianças a
competência criativa e transformadora e sua consciência de atores do necessário
processo de desenvolvimento produtivo sustentável.
A criança precisa, para isso, fazer exercícios especiais, aprendendo a agir dentro
de sua realidade local, orientada pela sua escola, em ações educacionais onde a sua
intervenção modifique a ética dos adultos. Quando por exemplo, a criança planeja uma
campanha de educação ambiental para o plantio de um número determinado de mudas
de espécies de árvores visando à recuperação de entorno de nascentes ou a recuperação
de matas ciliares, ou faz caminhadas ecológicas, para a mudança do hábito de se jogar
lixo nos rios; ou combate a conduta normal do adulto ignorante que aprisiona
passarinhos em gaiolas, ou muda o hábito de alimentação comendo mais alimentos
saudáveis no lugar dos gordurosos - essa criança adquire mais autonomia,
responsabilidade e descobre que pode ser mais criativa e produtiva. A educação passa a
ter um sentido mais concreto para ela e pode consolidar em sua mente/espírito, a
vontade real do estudo mais sistemático dessa ou daquela matéria.
A experiência deve ser adquirida na realidade em si, onde a criança pode e deve
conceber, manipular e produzir a idéia da idéia, o saber como estudar e aprender (a
metacognição), assimilando melhor os conteúdos das matérias, também fora da sala de
aula, como complemento pedagógico ao ensino formal. Nós somos o que vivenciamos.
Em novembro de 1929, durante uma aula na Universidade de Cambridge, o
físico e filósofo Ludwig Wittgenstein citando o livro “Principia Ethica” do professor
Moore lembrou que ética é a investigação sobre o que é bom. Naquela aula,
Wittgenstein ampliou o debate com seus estudantes afirmando que Ética é a
investigação sobre o que tem valor, ou sobre o que é realmente importante, ou eu
poderia ter dito Ética é a investigação dentro do significado da vida, ou o que faz a vida
ter valor, ou sobre a forma correta de se viver.
Assim, discorrendo sobre esta obra, o pacifista e físico Bertrand Russel, afirma
que para compreender o livro de Wittgenstein é preciso verificar as condições que
devem ser observadas pela estrutura da linguagem lógica e perfeita. Primeiro, explica
Russel, existe um problema que ocorre nas nossas mentes quando usamos a linguagem
com a intenção de dar significado às coisas. Segundo, qual a relação entre pensamentos,
palavras, ou sentenças, e a que se referem ou significam. Terceiro problema, o uso de
sentenças para o que é verdadeiro ou falso. Quarto, qual a relação de um fato com outro
para que seja um símbolo lógico. Wittgenstein estava preocupado com a precisão do
simbolismo. O objeto da filosofia é, portanto, a clarificação lógica dos pensamentos. No
entanto, compreende-se que o sentido da filosofia não é exclusivamente a interpretação
das palavras como queria Wittgenstein, pois a filosofia persegue, problemas, enigmas,
fragmentos de verdade contidos na realidade em si (Popper, 2006, p.228).
Nem sempre, nós, habitantes das cidades, aprendemos a dar valor ao meio rural,
muito menos ao homem do campo, que trabalha de sol a sol, inclusive nos fins de
semana e feriados, para termos o leite, a manteiga, a coalhada, o queijo, o café, o arroz,
as frutas, a abóbora, a cenoura, o feijão, a carne, a batata, os temperos e outros
alimentos e condimentos tão essenciais à nossa condição vital. Lá não existem os ruídos
da cidade, nem terno e gravata, lá convivemos com os sons, os movimentos e enigmas
da natureza. A verdade é que o homem urbano – cada vez mais estressado e depressivo,
embebido de uma violência urbana descomunal, uma vida urbana “descartável”, de
valores urbanos que são descolados da terra – orienta sua vida, a cada dia, para ganhar
dinheiro e gastá-lo nos centros de consumo, comprando algum tipo de felicidade que
imagina estar dentro das embalagens multicoloridas ou das mercadorias nas prateleiras
dos shopping-centers e supermercados. Se continuarmos a ensinar às nossas crianças
que o mundo é aquilo que o horizonte consumista apresenta como verdade, estaremos
limitando o poder da criatividade dessas crianças. E elas estarão exclusivamente
preparadas para produzir e comprar os bens da sociedade de consumo e das viagens ao
mundo da fantasia da coca-cola, do cheetos, do pateta, do pato mac donald, todos
idealizados pelo professor “almofada” criado em Miami, Nova York e na California.
O professor da Universidade de Harvard, H. Gardner, teórico das inteligências
múltiplas, afirma que
os indivíduos interessados, unicamente em questões teóricas tampouco são cientistas. Podem muito bem ser teóricos ou filósofos, mas às suas afirmações faltará o embasamento na realidade concreta. De fato, foi corretamente afirmado que a maioria das ciências começa na filosofia – na formulação de questões provocadoras e no esboço de possíveis respostas por um pensador que não sai de sua cadeira de braços em seu próprio gabinete de trabalho. (GARDNER, 1999, p.174).
Os americanos se julgam muito práticos e têm utilizado fortes argumentos para
exercício e ações de suas empresas e instituições visando a divulgação do “american
way of life” em países da América Latina, África, Ásia, e nas suas intervenções
militares na Korea, Vietnam, Afeganistão, Iraque, dentre outros. Ainda que o professor
Gardner com sua aparente honestidade intelectual chame a atenção de uma maioria de
pesquisadores, que têm a “dificuldade” de Kant, de passar da teoria para a prática,
parece ser oportuno um parênteses sobre esse tipo de pragmatismo. Continuo com
minha convicção de que devemos buscar uma posição de equilíbrio entre o pensar e o
agir de forma autóctone evitando a ampliação do xenismo e trabalhando na
contracultura. Sou favorável que pesquisadores sérios continuem também em suas
cadeiras de braços refletindo sobre o significado e o valor da vida humana a partir e
dentro de nossa realidade. Sou favorável ao investimento na pesquisa básica e filosófica.
Sem ela a prática pode ser limitada ou mesmo estúpida e medíocre.
O professor Westermarck estudando o comportamento humano de diversas
populações nativas da Austrália Central verificou que as crianças lá são tratadas com
extremo rigor, ao mesmo tempo com profundo respeito e carinho. Um outro estudo
aponta que nos Esquimós a afeição dos pais pelas crianças é extrema. Desta maneira,
pode-se compreender que o carinho pelas crianças em tribos antigas e pessoas com
condições normais de vida, integridade física e mental não é um produto da civilização,
mas uma característica da mente selvagem (SINGER, 1994, p. 61-63).
Assim nos debatemos todos os dias em nossas universidades e instituições de
governo sobre as dificuldades de sair dos princípios gerais, da teoria para os detalhes,
para a prática. Que caminhos devemos escolher para aperfeiçoar o processo de
educação, que conteúdo, que práticas pedagógicas poderíamos adotar?
Faz-se necessário, refletir acerca do que o professor Bruni encontrou em
Nietzsche nas suas conferências “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino”,
onde se destaca:
“O leitor de quem espero algo deve ser calmo e ler sem pressa. O livro está destinado aos homens que ainda não caíram na pressa vertiginosa de nossa época rodopiante e que não sentem um prazer idólatra em ser esmagados por suas rodas. Portanto para poucos homens! Mas esses homens ainda não se habituaram a calcular o valor de cada coisa pelo tempo economizado ou pelo tempo perdido, eles 'ainda têm tempo'; a eles ainda está permitido, sem que venham a sentir remorsos, escolher e procurar as boas horas do dia e seus momentos fecundos e fortes para meditar sobre o futuro de nossa cultura (Bildung), eles mesmos podem se permitir ter passado um dia de maneira digna e útil na meditatio generis futuri (reflexão geradora do futuro). Tal homem ainda não desaprendeu a pensar enquanto lê, compreende ainda o segredo de ler entrelinhas, tem mesmo o caráter tão esbanjador que medita ainda sobre o que leu, mesmo muito tempo depois de não ter o livro entre as mãos. E não para escrever uma resenha ou outro livro, mas apenas e somente isso - para meditar! Condenável esbanjador!” (2004, p.33).
Com essas ideias, o filósofo desperta um convite à reflexão sobre nossos tempos e,
acima de tudo, sobre a velocidade vertiginosa das transformações e mudanças em
diversos aspectos de nossas vidas.
E quais seriam os três principais problemas dos municípios de pequeno e médio
porte de países subdesenvolvidos como o Brasil? A resposta mais direta a essa pergunta
pode ser simplificada, num quadro de três pensamentos: crianças e jovens muito pobres
e em risco social; meio ambiente degradado ou esgarçado e desemprego estrutural ou
quase crônico. Assim não se pode pensar em políticas de crescimento econômico puro,
pois o que é realmente fundamental é o desenvolvimento humano, a liberdade, a
estabilidade social, o equilíbrio ecológico, a recuperação dos passivos ambientais e a
diminuição das desigualdades sociais.
Numa tentativa de integrar os seguintes temas: criança, formação humana, meio
ambiente e desenvolvimento, esta pesquisa objetiva estimular o triângulo formado
educação-preservação-desenvolvimento que procura servir de pilar para qualquer
política pública de desenvolvimento local, onde a educação e a capacitação técnica
complementar ao ensino formal, o reforço escolar e a formação humana de valores mais
sólidos seriam orientados para a ampliação do pensamento abstrato sobre a realidade
local.
Parece ser correto afirmar que nosso país precisa diminuir as suas acentuadas
disparidades regionais e sociais e reverter seu processo de concentração de renda,
recuperando para o mercado interno o centro dinâmico da sua economia. Diversos
autores, como Celso Furtado, acreditam que para reverter esse processo “seria
necessária uma grande mobilização nacional” (Furtado, in Arbix e Abramovay, 2001, p.
27). Mas fica meio que no ar uma pergunta da filosofia prática, que formulamos
diretamente da seguinte forma - como empreender essa grande mobilização nacional?
Partimos de uma hipótese de que, em contextos subdesenvolvidos, como
podemos encontrar no Brasil hoje, o desenvolvimento humano sólido, e não uma
simples questão de educação pode ser a alternativa de política pública com maiores
possibilidades para enfrentamento de muitos problemas econômicos, sociais e
ambientais que tendem a ser agravados nos próximos anos. Projetos nacionais de
desenvolvimento, políticas para arranjos produtivos voltados para a desconcentração
econômica e/ou programas de combate ao desemprego estrutural, dependerão sempre de
uma formação humana mais consistente. Essa assertiva pode ser fortalecida pela
imperativa necessidade de preparação da sociedade subdesenvolvida nas próximas
décadas, em função de novas experiências no plano de evolução do conhecimento
científico e material, bem como a possível crise ambiental global que deverá demandar
a criatividade geral para novos estilos de produção e consumo.
São muitos os autores, as abordagens metodológicas e os diagnósticos sobre os
profundos e crescentes desequilíbrios sociais, econômicos e ambientais, que revelam a
natureza da inserção dos países subdesenvolvidos na economia global que sofreu e vem
sofrendo uma metamorfose, da quase antiga era fordista, para uma nova era
informacional e pós-fordista, chamada por muitos de acumulação flexível de capital.
São também muitas as disputas reformistas travadas no campo conceitual sobre a noção
de desenvolvimento como processo de busca de liberdade e do bem-estar humano
dentro dessas estruturas (Tacconi, 2001). Com base no que pensam esses autores, não
há dúvida de que não serão as mesmas políticas de desenvolvimento industrial do século
XX que promoverão o desenvolvimento do século XXI. Outras estratégias em planos
ontológicos mais integrados precisam ser elaboradas para a redução da pobreza, da
desigualdade e da degradação ambiental. Na visão de Debret, devemos associar
desenvolvimento ao estudo dos caminhos para se atingir uma economia mais humana
(Debret, in Goulet, 1999, p. 26).
A globalização econômica gerou uma situação em que, a razão entre a renda dos
20% superiores e dos 20% inferiores cresceu em 1960 de 30 para 1 e, em 1994, de 78
para 1. Pobreza e miséria são os segmentos que mais rapidamente crescem na população
pobre em quase todos os países (Streeten, in Arbix e Abramovay, 2001, p. 90). O
pesquisador Streeten acrescenta que “devem ser pensadas formas de reduzir a crescente
insegurança que afeta a vida das pessoas, resultante de uma combinação de desemprego,
condições precárias de trabalho, pobreza, desigualdade, marginalização e exclusão com
a redução dos gastos públicos em serviços sociais” (p. 150). No mesmo livro, Ignacy
Sachs cita uma frase de Jean Paul Sartre que diz o seguinte – “o desenvolvimento
repousa, em grande medida, na capacidade cultural das pessoas de inventarem seu
próprio futuro” (p.161). Acompanhando o pensamento estruturalista de Celso Furtado
observa-se que muitos economistas e intelectuais levantam problemas e fazem
diagnósticos criticando a mera transposição das receitas neoliberais do Consenso de
Washington. Entendem eles que os países subdesenvolvidos não devem aceitar as
propostas dos principais organismos internacionais que compreendem a globalização,
como modelo útil de progresso, tipicamente associada ao estilo triunfante capitalista do
sistema norte americano (Stiglitz, 2002). Essa vertente de pensamento desafia o poder
de reflexão e a nossa criatividade, na transposição de um processo de desenvolvimento
mais autêntico e de uma teoria mais independente para a prática. A reconstrução de uma
sociedade implica em mobilização popular em ações políticas e na alocação de recursos
em programas que possam elevar o nível de qualidade de vida de um número maior de
pessoas. Esse conceito de transposição na verdade significa intervenção e processo de
decisão.
Partimos da premissa que devemos buscar soluções autóctones para combater o
desemprego estrutural, orientar a descentralização da atividade econômica, diminuir a
desigualdade social e a degradação de todas as formas de vida, respeitando o conceito
de equidade intergeracional. Quaisquer que sejam as naturezas de arranjos institucionais
e/ou produtivos, a base humana que transforma a utopia em realidade é a mola
propulsora do desenvolvimento econômico e social. Como dizia Cassirer, “a grande
missão do homem ético é abrir passagem para o possível, no sentido oposto a uma
aquiescência passiva do estado presente real de coisas - o homem pode reformular
constantemente o seu universo humano” (2005, p. 104).
Os maiores problemas da América Latina hoje e do Brasil em particular são os
contrastes humanos regionais, as desigualdades sociais, o profundo abismo entre ricos e
pobres, o baixíssimo nível de educação de mais da metade da população e a
heterogeneidade estrutural. Quando isso é analisado mais de perto, aparecem diversas
anomalias no corpo capitalista transplantado para o mundo subdesenvolvido. De um
lado observa-se uma enorme capacidade e dinâmica de combinação de fatores
produtivos nas classes sociais do topo da pirâmide, mas de outro lado, não se verifica
uma distribuição da riqueza material para os outros segmentos da população da grande
periferia de baixa renda. A grande maioria da população fica, na verdade, assistindo ao
chamado desenvolvimento econômico e progresso material pós-moderno, sem
participar, contudo, dos seus frutos. A cultura da cordialidade, da burocracia, do
populismo, dos projetos assistencialistas, dos elevados gastos públicos e das obras
supérfluas, em regra superfaturadas e sem uma contrapartida de serviços de qualidade,
faz crescer ainda mais, um ciclo de desigualdade e desperdício. Verifica-se um fosso
tecnológico, um atraso educacional, uma falta de recursos para a infra-estrutura
econômica e social, observando-se a passividade crônica, a falta de vontade política
para a ruptura do subdesenvolvimento, do desemprego estrutural e da ignorância. Isso
ocorre ao mesmo tempo em que em outros países do mundo, os seus governos ampliam
seus investimentos em educação de qualidade, ciência, tecnologia e abrem a discussão
sobre novos paradigmas na economia ecológica e na preservação do meio ambiente
global, formando os pilares da nova era produtiva baseada no conhecimento científico
(Tacconi, 2000). No caso do Brasil as grandes obras, os grandes financiamentos, os
grandiosos negócios, atendem, ao final, aos interesses dos detentores dos grandes
capitais e da pequena burguesia aliada aos políticos despreparados e/ou corruptos. O
excedente econômico coletivo não flui para um processo de desenvolvimento autêntico
e verifica-se um sangramento antecipado das futuras gerações, com o desvio dos
recursos públicos para a corrupção, para o mercado financeiro e imobiliário.
Na esfera agropecuária nosso país bate todos os recordes de produção,
produtividade e modernidade tecnológica, destinando-se parte considerável desse
esforço produtivo para a exportação. Somos o maior exportador de soja do mundo,
grande produtor de milho, feijão, café, carne, laranja, cacau e cana de açúcar. Nessa
realidade se formos pensar de forma racional seria de se esperar que maiores parcelas do
povo brasileiro tivessem níveis nutricionais mais adequados. Infelizmente não é isso o
que acontece, pois a grande maioria da população vive à margem desse processo
produtivo e comercial e os índices oficiais não capturam o sofrimento das famílias mais
pobres, em todos os cantos do país. O deslocamento da população do campo para a
cidade, nas últimas décadas, através de intensos fluxos migratórios no sentido rural-
urbano acomodou quase 80% da população brasileira nas cidades, contra 20% no início
do século, e verificou-se o inchamento das periferias urbanas e o crescimento de
favelas, com a baixa absorção dessas famílias de migrantes em sistemas produtivos.
Nessas favelas urbanas nosso povo de origem rural, sofreu um impacto de mudança
cultural, encontra-se instalado, precariamente, em barracos, casebres ou casas sem
revestimento e sem esgoto, não podendo criar animais de pequeno porte, não podendo
plantar alimentos básicos e nem podendo viver com um mínimo de espaço necessário à
vida digna. O mercado informal e o tráfico de armas e de drogas proliferam-se em razão
quase exponencial. Uma observação mais cuidadosa e isenta de emoção pode
comprovar uma condição de vida humana inferior à vida de bovinos, eqüinos e suínos
em diversas regiões do meio rural brasileiro. Com a tendência de mecanização dos
processos produtivos, da especialização dos processos de trabalho e com a conseqüente
introdução da função digital no controle dos processos produtivos da nova era
informacional, diminuem as oportunidades de trabalho para as pessoas desqualificadas
(Castells, 1999). Surgem novas levas de trabalhadores desempregados, um maior
número de mendigos, os caymands, os marginais e os desfiliados do sistema que não
conseguem emprego, não podem oferecer aos seus filhos uma estrutura familiar
adequada, nem uma base complementar de educação, nem valores, nem condições de
estabilidade emocional e nem mínimas perspectivas de educação integral ou inserção no
mercado de trabalho. Comprova-se a deterioração da qualidade de vida de segmentos da
população mais pobre, criando-se um novo ciclo de desigualdade e uma tendência para
o desemprego estrutural ou quase crônico nas pessoas mais despreparadas, que não tem
alternativa a não ser sobreviver com baixíssimos níveis educacionais no mercado
informal.
Desde a era mercantilista, geração após geração, a lógica econômica e seus
conteúdos conceituais fundamentais foram desenvolvidos com base na estrutura de
acumulação, concentração e centralização de capital e poder. A grande fome da Irlanda
e as massas de desempregados que estimularam as revoluções em quase todos os países
da Europa no ano de 1848 são exemplos concretos das conseqüências de tal lógica de
mercado (Hobsbawm, 1992). Durante a revolução industrial na Europa, os países da
América Latina funcionavam como provedores de matérias primas, sem a constituição
de um pólo dinâmico endógeno de acumulação capitalista. A burguesia comercial
transferiu o excedente econômico para os países do centro e explorou, até a última gota
de sangue, os escravos, os proletários e os recursos naturais. Os diretores dessa história
econômica sempre compreenderam, como livres, abundantes e inesgotáveis todos os
recursos naturais existentes sobre a terra. Como resultado desse processo de poder
econômico, centralizador, surgiu no mundo, de um lado, um pólo dinâmico constituído
por um conjunto de países desenvolvidos, que estabeleceram uma base industrial
diversificada e dominaram o progresso científico e tecnológico e, do outro, os países
subdesenvolvidos, que se atrelaram ao processo econômico, de forma sempre limitada e
dependente daqueles países.
A interpretação dos economistas, denominados estruturalistas, sobre a realidade
do subdesenvolvimento latino-americano sempre esteve apoiada no conceito centro-
periferia, onde o progresso técnico desigual, a dependência tecnológica, o atraso
cultural, a deficiência educacional, a baixa capacidade de poupança e investimento, a
economia agrário-exportadora, dentre outros fatores, que podem ser definidos por uma
espécie de heterogeneidade estrutural de nossos países – o que torna difícil o
rompimento dessa condição subdesenvolvida (Bielschowski, 2000). As receitas de
políticas públicas preconizadas para romper com a pobreza e o atraso cultural, no
sentido de um desenvolvimento mais equilibrado e duradouro esbarraram sempre
também, em nossa falta de experiência de gestão macroeconômica, na inflação alta e na
incapacidade organizacional. O perfil de demanda, os estilos e padrões de consumo
criados nos países desenvolvidos foram trazidos para o incipiente mercado dos países
subdesenvolvidos para atender o ideal consumista da oligarquia comercial-exportadora-
cafeeira, limitando ainda mais, a idealização, a concepção e a implementação de
políticas públicas voltadas para ampliação do mercado interno e a melhor distribuição
da renda interna (Bielschowski, 2000).
Apesar dos planos econômicos do período de ditadura militar no Brasil e das
elevadas taxas de crescimento econômico no início dos anos 70, dos investimentos em
infra-estrutura e da industrialização das décadas recentes não foram conduzidas os
esforços concentrados para um combate frontal aos contrastes sociais, ao
subdesenvolvimento, nem um ataque às causas da pobreza. Prevaleceram as normas
populistas e os conceitos de crescimento econômico purista e positivista, no lugar do
desenvolvimento humano substancial de nosso povo. Os governantes e a elite burguesa
não tiveram nem a percepção, nem a competência e nem vontade de pensar em
descentralização de poder, de renda e de educação de qualidade, capaz de realmente
fortalecer as economias e o povo dos municípios de pequeno e médio porte. O estilo de
crescimento econômico ficou centralizado nas grandes cidades. Um retrato dessa
situação econômica poderia ser observado nas estatísticas oficiais que revelariam -
apesar do aumento do PIB, do esforço de estabelecimento de uma infra-estrutura
econômica, e de um processo de industrialização concentrado na região sul/sudeste nas
últimas cinco décadas no Brasil - que acabamos por criar um tecido social
profundamente esgarçado. Quase um quinto da população brasileira vive abaixo da
linha de pobreza, com menos de US$ 2,00 por dia. São mais de 30 milhões de
brasileiros.
Apesar de termos um dos maiores PIBs do mundo, a metade dessa riqueza
material, circula todos os anos em menos de trinta municípios, quando comparado a um
total de três mil seiscentos e sessenta municípios existentes em nosso país. Essa falta de
irrigação econômica adequada para a periferia amplia ainda mais os problemas sociais e
ambientais nas áreas pobres urbanas, que crescem ou incham também nas cidades de
médio e pequeno porte, realimentando o processo de pobreza, degradação e violência.
Existem, infelizmente, muitos jovens sem estrutura familiar e, pelo menos, quinhentas
mil crianças envolvidas na prostituição infantil no Brasil atualmente. Na sua grande
maioria, esses jovens se vendem por um prato de comida ou para poderem adquirir um
novo “gadget” lançado no mercado por alguma empresa pós-moderna. Os recursos
alocados em campanhas publicitárias em todos os meios de comunicação envolvem
negócios milionários. A alienação, a falta de cultura, a falta de educação, os baixos
níveis de renda, a precária vida nas favelas e o crescimento dessas populações marginais
realimentam um novo ciclo de reprodução de marginalidade e pobreza. Muitas dessas
crianças/jovens, infelizmente, ainda com menos de dezoito anos de idade estão parindo
e irão reproduzir, conceber e parir novas crianças, que por sua vez não terão uma
estrutura familiar capaz de tirá-las de um provável futuro de inserção na pobreza ou na
possível criminalidade. De acordo com dados do IBGE há vinte e cinco anos atrás
ocorriam 80 homicídios por ano, por grupo de 100 por mil habitantes na população
jovem (14 a 24 anos de idade). Hoje, verifica-se no Rio de Janeiro, um aumento de 100
% nessa taxa, ou seja, mais de 160 homicídios no mesmo grupo de 100 mil habitantes.
São, portanto, dezenas de milhares de jovens brasileiros que todos os anos morrem de
forma violenta dentro do tráfico internacional de armas que estimula o crescimento dos
mercados e dos lucros das empresas estrangeiras do setor. Além do Rio de Janeiro,
Recife e outras grandes capitais onde a taxa de homicídios é crescente podem-se fazer
hipóteses baseadas em experiência pessoal, de que este mesmo processo de aumento da
taxa de homicídio na população jovem, parece ser crescente e diversificado também nas
cidades de médio porte. Em todo o país pode ser constatado um aumento vertiginoso na
taxa relativa de violência infanto-juvenil no meio urbano.
O mesmo grau de crescente violência contra o ser humano apontado acima pode
ser observado contra outras formas de vida existentes no meio ambiente em geral. A
intensa exploração econômica da biodiversidade e dos recursos naturais em grande
escala e de forma contínua, nos últimos duzentos anos, parece simular um cenário de
médio prazo, com possíveis desastres ecológicos e sociais de grandes dimensões e de
difícil previsão na sua extensão no tempo e no espaço. Não é difícil perceber que o mal
não deriva da racionalização do nosso mundo, mas da irracionalidade com que essa
racionalização atua (Adorno, 2001, p.53).
CAPÍTULO 2 – IMPACTO HUMANO
Durante o século XX o Homem multiplica por cinquenta vezes o nível do
produto interno bruto mundial. Depois da primeira guerra mundial (1914-1919) acelera
a produção industrial, com as nascentes indústrias elétricas, química e automobilística.
Logo algumas décadas depois, a concorrência internacional, o desenvolvimento
científico, tecnológico e econômico durante a segunda grande guerra mundial (1939-
1945) lançou o mundo na guerra fria e na corrida para a diversificação industrial,
comercial e para a construção de armas e artefatos atômicos, biológicos e de mísseis de
longo alcance. O estoque de automóveis rodando, trinta anos atrás, nas estradas do
mundo era de quatrocentos milhões de unidades e hoje, com o crescimento dos
mercados na América Latina e a entrada da China e Índia no mercado mundial, logo
estaremos com mais de 1 bilhão de automóveis, provocando a crescente emissão de
CO2 na atmosfera. Nos dias de hoje a China sozinha faz planos para ter cem milhões de
automóveis nos próximos anos. Todas as indústrias aumentaram bastante o volume de
emissão e despejo de resíduos químicos em córregos, rios e oceanos de todos os lugares
do mundo. Os níveis de degradação ambiental refletem dois problemas – a dinâmica
populacional e a poluição resultante do perfil da atividade produtiva atual. A cada nova
década as empresas diversificam seus processos de produção e produtos buscando
sempre o aumento das suas vendas.
A população mundial cresceu bastante nos últimos séculos. Passou de um nível
de 790 milhões de habitantes no ano de 1750, nos fins da economia feudal, para 1,5
bilhões de habitantes e com um PIB de US$ 0,7 trilhões no ano de 1900 e depois para,
quase 6,0 bilhões de habitantes e com um PIB de US$ 22,0 trilhões no ano de 1995.
Provavelmente a população mundial será de oito bilhões de pessoas no ano de 2025 e de
onze bilhões no ano de 2050. A multiplicação, a diversificação, a velocidade das
atividades produtivas e o aumento da população humana num ritmo bastante intenso,
nos últimos duzentos anos, têm contribuído simultaneamente, para a acelerada perda de
biodiversidade na Terra. O total de espécies biológicas existentes não pode ainda ser
estimado de forma correta. Alguns estudos estabelecem o nível de 3-10 milhões de
espécies, outras estimativas falam de 30, 50 e até 100 milhões (Swanson, 1995 – citando
estudos de May, 1990; Erwin, 1982 e Wilson, 1992). Desses totais cerca de 1,7 milhões
de espécies foram descritas pelos estudos científicos, das quais menos de 1 milhão são
insetos, aproximadamente 250.000 são plantas superiores e 4.500 são mamíferos. A
ignorância sobre o número de espécies é tão grande quanto a nossa falta de
conhecimento sobre o ritmo e as taxas de extinção. Alguns estudos, entretanto, indicam
a provável extinção de 50% do total de espécies dentro dos próximos 200 anos
(Swanson, 1995). Apesar de esses estudos serem extrapolações existe pouca dúvida de
que estamos vivendo um período de extinção biológica, em larga escala.
O crescimento da população humana e os modelos econômicos seguidos nas
últimas décadas estão comprometendo de forma irreversível a integridade de
ecossistemas naturais e aumentando as diversas formas de poluição do ar, água, solo,
oceanos e meio ambiente em geral. O crescimento da população pressupõe a
necessidade de aumento da produção agrícola, de outras fontes de energia e da
utilização, em maior volume, de diversos recursos naturais ainda disponíveis em amplas
partes da Terra. No presente, 1,5 bilhões de pessoas ainda recebem alimentação
insuficiente e aproximadamente 10 milhões de pessoas morreram todos os anos, nas
últimas décadas, como consequência da fome ou de doenças relacionadas à fome
(Swanson – 1995, citando estudos de Kates et. al., 1988; Dumont e Rosier, 1969; WHO,
1987 e WRI, 1987). Mesmo nos cenários mais otimistas de eficiência energética a
produção total de eletricidade deverá triplicar até o ano 2050 (Johansson et. al., 1993).
Outros trabalhos indicam que a atividade econômica global deverá aumentar 5-10 vezes
até o ano 2040 (WCED, 1987).
No período 1970-1990 a população cresceu a uma taxa de 0,7 % nos países
desenvolvidos e de 2,19% em países em desenvolvimento. A taxa anual de crescimento
para o período 1990-2000 foi estimada em 0,46% para os países desenvolvidos e de
2,03% para países em desenvolvimento (WRI, 1992). A China cresceu, do ponto de
vista econômico, nas últimas décadas, aproximadamente 10% ao ano e a Índia mais de
5%. Não sabemos ainda o nível dos impactos sobre o meio ambiente e, com certeza,
diversas conseqüências negativas configurarão esse outro lado da moeda no futuro
próximo, ainda desconhecido para muitos.
Aproximadamente 70% do PIB mundial estão nas mãos de 30% da população.
Além disso, a geração dessa riqueza está concentrada nas empresas transnacionais que
controlam aproximadamente 75% do comércio mundial (Arbix e outros, 2000, p. 77).
Nos quinze países mais desenvolvidos o número de matrizes de multinacionais quase
quadruplicou entre 1968 e 1993, passando de sete mil para vinte e sete mil. Em 1995,
havia em todo o mundo trinta e nove mil matrizes de transnacionais e duzentas e setenta
mil afiliadas no exterior, mas com uma distribuição muito desigual dos centros de
poder: cerca de 90% das sedes e 60% das afiliadas estavam situadas no mundo
desenvolvido (Arbix, 2000, p. 317).
O grau de concentração econômica no mundo pode ser visto também no seguinte
exemplo – 70% das compras mundiais de café são feitas por quatro grandes grupos
econômicos num mercado de US$ 80 bilhões anuais. Somente 10 % da renda com o
comércio global do café são absorvidos pelos produtores de café. Enquanto 6.000
trabalhadores faziam a colheita na maior fazenda de café no mundo, hoje 400
empregados e seis máquinas fazem esse mesmo nível de colheita. Isso é apenas um dos
indicadores da tendência da concentração econômica e do desemprego estrutural que
também poderia ser observado em outros setores da economia agrícola. No Brasil 1% da
população detém a posse de 46% da terra e do seu território. De acordo com vários
estudos e imagens de satélite, a maior parte dessas áreas foi desmatada e,
especificamente ao longo do litoral brasileiro, na região de mata atlântica, não existem
mais florestas nativas em, pelo menos, 90% da sua área total.
A pressão econômica sore os recursos naturais deve continuar pois -
"Developing countries as a whole need to generate 700 million jobs (or as many as all
the jobs in the developed world today) during the next 20 years simply to accomodate
new entrants into the labor market, let alone to relieve present unemployment and
underemployment, which amount to 30-40 % of the workforce. During the 1990s the
number of developing-country jobs required is 30 million per year; the United States,
with an economy larger than all the developing countries combined, often has difficulty
generating two million new jobs per year. In Brazil 1.7 million new people seek jobs
each year" (Swanson, 1995, p. 118).
Uma consequência hoje já previsível do impacto das atividades econômicas
sobre a atmosfera deve ser destacada com relação aos danos ambientais dentro do efeito
estufa – o aquecimento da terra devido à emissão de gases, sobretudo o dióxido de
carbono. A queima de combustíveis fósseis e, em menor grau, a perda de cobertura
vegetal, que provocam aumento de concentração de CO2 na atmosfera. Esses níveis de
CO2 eram de 280 ppm (partes por milhão, em volume) antes da revolução industrial,
indo para 350 ppm no ano de 1988 (Porteous, 2000, p. 78). Estima-se, com as
tendências atuais, que na década de 2030, esses níveis de CO2, possam atingir 560 ppm
(IPEA, 1998). Consequências do efeito estufa e possíveis alterações climáticas podem
induzir a modificações nas calotas polares e inundações em diversos países são
esperadas. A duplicação no nível de CO2 poderá elevar as temperaturas médias da
superfície terrestre de 1,5 a 4,5 graus centígrados, elevando o nível dos oceanos entre 25
a 140 centímetros além de provocar outras desordens ambientais. Os clorofuorcarbonos
(CFC), uma classe de compostos químicos normalmente usados como solventes
contidos nos sistemas de refrigeração, usos industriais, latas de aerossóis e na produção
de espumas tais como CFC-11 (CFCl3 or trichlorofluoromethane) ou CFC-12 (CCL2F2
ou dichlorodifluormethane) causam o aumento da destruição gradativa da camada de
ozônio e provocam, por sua vez, maior intensidade das radiações solares. Cerca de 30
km acima da superfície da terra, na estratosfera, existe uma camada natural de ozônio.
Esta é importante para a vida, pois absorve uma parcela da radiação ultravioleta do sol
(Porteous, 2000).
A poluição do ar urbano é fenômeno com gravíssimas consequências sobre a
saúde humana. Por exemplo, ocorrem 100.000 mortes anuais no México por doenças
respiratórias (Ravaioli, 1995, p. 8). A Terra é coberta por 800 km de espessura de
camada de ar. Metade desse ar está concentrada nos primeiros seis quilômetros de
altura. Mais de 99% de todo o ar está localizado numa faixa de quarenta km. O ar é
invisível, sem odor e sem gosto. É uma mistura de nitrogênio (78.1%), oxigênio
(20,9%) e uma pequena quantidade de dióxido de carbono (0,03%) e outros gases
residuais. O ser humano é dependente deste ar e cada indivíduo respira
aproximadamente 22 mil vezes por dia. O ar que entra nos pulmões é essencial às
funções vitais. Os poluentes do ar podem ser particulados e gases. Particuladas são
substâncias sólidas suspensas no ar como, por exemplo, a fuligem, as partículas do solo,
poeiras, névoas ácidas, fumaça de diversas origens, fumos e neblina. Os particulados
podem ser produzidos em decorrência da ação humana da queima incompleta, da
moagem de diversos materiais, do corte ou da perfuração. Os particulados finos podem
ser inalados pelo homem e animais entrando nos pulmões. Os particulados grossos
podem ser absorvidos também pelos seres humanos que respiram pela boca. Os gases
poluentes na atmosfera podem ser aqueles que contêm carbono, enxofre, nitrogênio e
ozônio. Os hidrocarbonetos compreendem uma classe de compostos, formados pela
combustão incompleta e pela evaporação da gasolina, óleo combustível, e solvente. São
compostos de carbono e hidrogênio. Muitos são carcinogênicos. O principal poluente
que contém enxofre é o dióxido de enxofre. O dióxido de enxofre reage com os
materiais na atmosfera para formar partículas de ácido sulfúrico e partículas de sais de
sulfato. Perigoso, o ácido sulfúrico é altamente corrosivo e produz sérios problemas
pulmonares (Porteous, 2000).
Outro problema ambiental muito sério é a proliferação da chuva ácida e do seu
impacto sobre os solos, os recursos hídricos, a fauna e a vegetação. Em decorrência da
queima de enormes quantidades de combustíveis fósseis são descarregados anualmente
na atmosfera milhões de toneladas de compostos de enxofre e óxido de nitrogênio.
Através de uma série complexa de reações químicas, estes poluentes podem ser
convertidos para ácidos, os quais podem retornar a terra como componentes de uma
chuva - chuva ácida (Porteous, 2000).
As fontes de energia como o petróleo, o gás natural, o carvão mineral, a lenha, a
energia de base hidráulica, os minérios radioativos, o vento, etc, aproveitados em
refinarias e usinas constituem centros de transformação que depois de processados
geram suas diferentes formas finais que são aproveitados pelos consumidores na forma
de gasolina, eletricidade, óleo diesel, carvão vegetal, etc. Toda a utilização de energia
apresenta riscos como, por exemplo, os vazamentos de óleo que são responsáveis por 35
% do total de descargas nos oceanos, com impactos ambientais negativos em vários
pontos de zonas costeiras, onde se encontram os manguezais que são importantes locais
de reprodução de peixes e crustáceos (IPEA, 1998).
Até o ano de 1986 a energia nuclear fornecia 15% de toda a eletricidade no
mundo com 366 reatores em funcionamento (IPEA). Podemos, por precaução, lembrar e
considerar, numa abordagem mesmo que preliminar sobre o uso em larga escala de
energia nuclear, de que os seguintes riscos existem no uso desse tipo de fonte de
energia. Os prováveis efeitos de mutações genéticas, sobre o homem, da radiação
associada ao ciclo de combustível nuclear a partir do césio, estrôncio, trítio, carbono 14
e criptônio 85. As falhas humanas na manutenção de equipamentos em instalações
nucleares. Os impactos desconhecidos da disposição dos resíduos radioativos sobre o
meio ambiente. A produção de plutônio, no caso do reprocessamento do combustível e a
possibilidade de sua utilização para fins militares, em ações terroristas ou atos de
sabotagem.
Os impactos ambientais e humanos a partir do uso da hidroeletricidade são
diversos. As técnicas de construção de barragens causam problemas para o meio
ambiente. Muitas transformações ocorrem no desvio de rios e na constituição de lagos
artificiais. Isso gera problemas na reprodução dos peixes, na devastação da fauna e flora
locais, na perda de produção agrícola, na desestruturação da pequena produção agrícola,
na intensificação das migrações de populações humanas, na perda de sítios
arqueológicos, na perda da biodiversidade local, no impacto sobre as reservas indígenas
e na destruição de paisagens de grande valor eco-turístico.
A conversão ambiental deverá crescer em função do aumento da demanda por
álcool e por bio-combustíveis gerando outros passivos ambientais, custos sociais e
bloqueando as alternativas de uso do solo para produção de alimentos.
As pesquisas sobre fontes alternativas de energia deverão receber grande atenção
da comunidade internacional nas próximas décadas, na medida em que os estoques de
petróleo estão acabando. Ou mesmo parece que o petróleo deverá ser direcionado como
matéria prima para a indústria petroquímica. As fontes de energia das variações de
marés e ondas do mar, a energia solar e a eólica, ainda são aproveitadas em pequenas
comunidades rurais ou para bombeamento e aquecimento em pequena escala industrial.
Talvez um dos problemas ambientais mais sérios seja a poluição hídrica –
diversos compostos orgânicos bioresistentes e metais pesados que são introduzidos nos
cursos de água todos os dias em grandes volumes, como dejetos de atividades
industriais. A poluição hídrica decorre também de: esgotos domésticos, despejos da
produção industrial, despejos da produção agropecuária e águas urbanas de escoamento
superficial. Os efeitos da poluição hídrica podem ser sentidos de forma objetiva na
eliminação dos peixes, algas, na poluição de nascentes, córregos e rios, na eliminação
de diversos animais aquáticos quando as partículas sólidas se acumulam nos órgãos
respiratórios desses animais e quando variações térmicas e modificações no ph da água
se alteram (IPEA, 1998).
A questão ambiental é multidimensional e envolve aspectos econômicos, sociais,
antropológicos e psicológicos. A amplitude da questão demanda uma abordagem
interdisciplinar e coloca novo paradigma no planejamento estratégico das empresas que
atuam no mercado internacional. O esverdeamento dos processos produtivos (the
greening of production processes), a certificação ambiental e o crescimento do mercado
de produtos orgânicos configuram novos cenários para a economia mundial que
precisam ser analisados como tentativa de diminuição da poluição global. Sejam quais
forem os caminhos políticos perseguidos pela humanidade, um dos principais atalhos
para a preservação, a conservação, a proteção e a recuperação de todas as formas de
vida depende de investimentos em projetos educacionais de qualidade em maior escala.
O trabalho do homem econômico deverá ser integrado à natureza e não continuar
agredindo e transformando todas as formas de vida substanciais exclusivamente em
dinheiro. O princípio da precaução indica claramente que por falta de informações
científicas completas sobre muitos transtornos e desequilíbrios ecológicos, devemos
buscar investir em outros padrões de produção e mudar antigas crenças sobre nossa
forma de exploração econômica, infelizmente ainda predatória. Tudo indica que a
natureza não suportará um crescimento econômico na China, Índia e América Latina,
semelhante ao praticado, até agora, pelos países chamados desenvolvidos.
CAPÍTULO 3 – A PARTE PRÁTICA: A EDUCAÇÃO
COMO MECANISMO DE TRANSFORMAÇÃO
Defender de forma objetiva a construção de um processo educacional mais
sólido e mais consistente é como defender a construção de uma ponte, que pode
transportar o ser humano sobre os abismos da sua vida e sobre as suas dificuldades
existenciais e profissionais. Ninguém nasce sabendo viver. Integrar educação, com a
economia, a ecologia, a agricultura e o desenvolvimento, significa um passeio
interdisciplinar. Para iniciar de forma mais concreta a explicação sobre os núcleos de
desenvolvimento humano, cabe lembrar que a formação do homem, o seu
desenvolvimento pessoal, a expansão do seu pensamento abstrato e de sua capacidade
de trabalho, são os mais nobres investimentos que poderiam ser realizados por países
como o Brasil para desconcentrar riqueza, poder e conhecimento.
Qualquer plano, projeto, atividade, obra, construção que envolve trabalho
coletivo demanda em primeiro lugar uma boa base de ideias. Em segundo lugar, para
que o resultado a ser alcançado evite o desperdício de recursos humanos e materiais, as
pessoas precisam participar ativamente da concepção dos referenciais filosóficos e da
natureza do projeto pretendido. O planejamento participativo é em si o método. Um
detalhe muito importante sobre a concepção da metodologia dessa construção é que ela
não pode e não deve ser realizada descolada da realidade local.
No Brasil, em todas as esferas de governo, as políticas públicas e os planos
econômicos sempre foram, em sua grande maioria, concebidos em gabinetes e sem a
participação efetiva do povo. Isso sempre prejudicou a prática da implementação. Nesse
projeto, procura-se contribuir para o processo educacional estimulando novas práticas
pedagógicas, onde o aluno e a comunidade devem interagir fortemente com os
problemas da sua realidade local. Procura-se reforçar o processo educacional
valorizando o trabalho criativo, a reflexão e o contato com os problemas econômicos e
sociais locais. Em resumo é uma construção fundamentalmente interior, de dentro para
fora. O cerne de nossas ideias é constituído do envolvimento do aluno com a realidade
multidimensional, onde ele deve trabalhar dentro dos problemas e encontrar e testar na
prática as suas soluções e não necessariamente as que podem ser encontradas nos livros.
Diferentemente de perceber os conceitos, os alunos devem concebê-los trabalhando no
laboratório da vida.
A palavra trabalho vem do latim tripalium e estava associada à ideia de atividade
obrigatória – escravo, sem remuneração, sempre seguida de sanções e torturas. O
proletário do mundo fordista sempre foi orientado para o mercado de trabalho e para os
ganhos de produtividade. Alienado da sua realidade local, o trabalhador não pensa em
seus problemas, transforma-se de fato também em escravo da máquina cultural
capitalista que internaliza seus valores de fora para dentro. O subdesenvolvimento passa
a ser compreendido como algo natural. O jovem não precisa saber pensar, pois é
treinado para apertar um parafuso dessa maravilhosa máquina produtiva.
Submetem-se a longas jornadas de trabalho, baixos salários e deles se exige
pouca criatividade. Romper, transformar essa estrutura e pensar novos horizontes de
vida substancial requer um esforço humano muito grande para que as futuras gerações
possam sonhar em viver dentro de um mundo menos desigual e instável. Mesmo depois
da escravidão as ditaduras de poder mantiveram-se no mundo e hoje, estamos
aparentemente regulados pela ditadura do mercado neoliberal. O poder econômico e a
propaganda dos grandes conglomerados financeiros continuam impondo os padrões de
acumulação e de consumo.
No livro A Política, Aristóteles caracterizava as tiranias com algumas máximas:
"Rebaixar os personagens mais eminentes enquanto possível e desfazer-se dos mais hábeis; não permitir aos súditos nem banquetes, nem associações, nem instrução... tomar todas as medidas para impedir que os habitantes não se conheçam entre si, já que as relações só servem para torná-los mais confiantes; manter patrulhas que andem dia e noite pelas ruas e escutem nas portas das casas... Semear a discórdia entre amigos... Empobrecer os cidadãos... Aumentar o peso dos impostos... Guerrear." (Aristóteles, 2002, p. 246).
Somos bombardeados, todos os dias, com valores imorais, mostrados nas
novelas e programas da chamada televisão conemporânea, os impostos aumentam sem
contrapartida de prestação de serviços, as guerras fazem as fortunas da indústria bélica e
os pobres ficam mais pobres. Assim como na Grécia antiga, nos feudos, nas
comunidades, nos municípios, nas ruas, nas micro-bacias, onde quer que as atividades
produtivas sejam realizadas, elas foram sempre orientadas para a ética da acumulação e
da exclusão social. Se não considerarmos o trabalho informal no cálculo da taxa de
desemprego essa pode atingir níveis alarmantes no Brasil e alcançar patamares acima de
30% da força de trabalho sendo essa taxa maior ainda na população jovem.
Diversas atividades educacionais podem ser planejadas e conduzidas de forma
que o aluno compreenda o conteúdo escolar dentro dos problemas de sua realidade
local. Quando o aluno pode manipular a ideia e enfrentar problemas reais, ele
experimenta o trabalho concreto e produtivo, sua mente passa a ser exposta aos planos
multidimensionais da vida produtiva na sua comunidade, onde vive, e parece despertar
para um sentimento de maior responsabilidade com o aprendizado e a sua realidade
local.
Os conceitos e a experiência adquirida na tenra idade em práticas pedagógicas
não-formais concebidas dentro de áreas rurais e favelas podem ser úteis na formação
profissional futura em diversas áreas de trabalho, como por exemplo, nas áreas de
engenharia civil, arquitetura, economia, políticas públicas, administração e agricultura.
Podemos combinar a razão, com a possibilidade e com a intuição na elaboração de
projetos urbanos, rurais ou paisagísticos. Em muitos projetos rurais podemos também
combinar a vontade, com a escolha e com a intuição, especialmente quando diversas
alternativas se apresentam sobre o uso de variedades vegetais ou raças de animais, mais
ou menos adaptados às características locais, épocas mais adequadas de plantio, capina,
reprodução ou colheita.
O desenvolvimento humano pode ser mais sólido quando aliamos a teoria à
prática dentro dos fenômenos produtivos da vida real, ainda na tenra idade. Quando
submetemos a mente do jovem à micro realidade, e ele é estimulado a trabalhar em
grupo, em problemas concretos, por exemplo, planejando, concebendo, organizando,
implantando projetos, executando tarefas, todo o seu corpo trabalha e na minha hipótese
isso pode alargar a sua percepção multidimensional da vida em si. Dentro do processo
de trabalho e produção, o jovem pode recuperar as ideias, as teorias e os conceitos que
foram transmitidos através do sistema de ensino formal, repensar sua aplicabilidade e
consolidar no conjunto ação-reflexão uma experiência única produtiva.
Essa experiência não é só instigante como abre novas portas para o
desenvolvimento da auto-estima, da criatividade e da inovação. A consciência sobre a
condição de subdesenvolvimento passa a ser internalizada, assimilada e pensada, ao
contrário de percebida ou aceita passivamente. Ao refletir sobre os núcleos do homem
dentro da prática pedagógica integrada verifica-se possivelmente um aumento do
espectro de chances de autodomínio e de concepção de outras formas de trabalho
criativo, de maior liberdade mental e de maior estabilidade emocional. A concepção da
ideia no desenvolvimento humano integral é a matéria prima mais importante para o
sucesso no estabelecimento de políticas públicas consistentes para o desenvolvimento
econômico e social de baixo para cima, bem como para a preservação, a conservação, a
proteção e a recuperação da biodiversidade e do meio ambiente rural e urbano.
Envolver os jovens em práticas educacionais complementares à educação formal
da escola pode servir também de poderoso instrumento para ocupá-los produtivamente,
principalmente quando recebem orientação da estrutura familiar em sentido contrário.
Muitos desses jovens, muitas das vezes não dispõem de renda familiar mínima para
aquisição de livros, sapatos, roupas, para matrícula e/ou pagamento de mensalidade de
cursos de idiomas, informática ou esportes, além de inúmeras atividades educacionais
que as famílias com renda média alta, por outro lado podem, normalmente, oferecerem
aos seus filhos, nos horários fora da escola. Como todos nós sabemos, a pobreza, a
cabeça e a barriga vazia, na fase de jovem adolescente é estrada para um possível ciclo
de ignorância, ociosidade e marginalidade.
Toda a ideia de transformação surge na mente humana de duas formas básicas -
através da percepção ou da concepção sobre os fragmentos de ideias que imaginamos
sobre a realidade. O homem nunca tem a percepção sobre a realidade total. Aquilo que é
válido hoje, não foi no passado e não será no futuro. Essa transitoriedade das ideias em
contextos históricos específicos aumenta a necessidade da reflexão intertemporal e
multidimensional. Quando o conhecimento é percebido, a mente está passiva; quando o
conhecimento é concebido, a mente está ativa. Esta é a base metodológica que
encontramos no livro Ética, de Spinoza.
Nos dias de hoje as ideias sobre o trabalho e a produção econômica local, por
exemplo, não podem ser debatidas fora da realidade global e ambiental. Os jovens
podem assimilar as ideias e conceitos de forma mais efetiva quando concebem os
fragmentos dos diversos níveis e relações entre objetos de conhecimento no mundo
vivo, isto é, quando criam. Nessa ordem é possível tentar a prática da
interdisciplinaridade em práticas educacionais não formais, estimulando o movimento
ação-reflexão-ação, onde podem ser fixados e absorvidos diversos estilos de vida e
valores morais sólidos, condutas e comportamentos adequados, atitudes sociais
equilibradas, virtudes, dons para capacitação de técnicas produtivas e de novos hábitos
de maior cuidado com a substância da vida em geral.
O desenvolvimento humano pode experimentar na síntese concreta da
manipulação das ideias uma relação mais forte onde a cultura produtiva substitui a
cultura passiva (Spinoza, 2000). Muitos pesquisadores no mundo acreditam que é
importante estudar os índices sobre a pobreza, a degradação ambiental, as taxas de
crescimento econômico e a poluição industrial. Outros estão mais preocupados em
desenvolver projetos, ações e atividades que possam contribuir para a transformação da
realidade e a recuperação de ambientes empobrecidos ou esgarçados (Tacconi, 2000).
Um dos conceitos mais importantes que podemos lembrar nesse momento para
fundamentar nosso propósito nesse texto foi elaborado por Kant. Ele cria um conceito
sobre o "ato de julgamento" na transição, ou na conexão da teoria com a prática. Um
resumo do pensamento de Kant sobre o assunto pode ser apresentado afirmando que
toda a teoria para ser colocada em prática requer um processo racional de planejamento,
organização, implementação e decisão. Seja na matemática, na engenharia, na
agricultura, na educação, na justiça ou em qualquer outra área da vida e do trabalho o
homem enfrenta a dificuldade de estruturar suas ações corretamente (Kant, 1999, p.
278-310). Spinoza (2000) também já havia chamado a atenção para o poder da mente
humana e do intelecto para orientar uma vida livre – de modo sive via quae ad
libertatem ducit. Assim como Kant valorizava o poder da razão humana, também
Spinoza trespassa seu livro sobre ética ressaltando a conduta racional sobre as emoções
e ainda cita Descartes quando lembra que “ele conclui que não há mente tão fraca que
não pode, se bem dirigido, adquirir poder absoluto sobre as suas paixões" (2000, p.
194).
Entretanto o mundo da razão não é soberano no campo da filosofia prática e da
educação e é, portanto, fundamental encontrar outros pensadores críticos que
alternativamente ao racionalismo puro chamem a nossa atenção. Vale lembrar outro
autor que diz:
"Quem, ao contrário, se mantém sintonizado com a realidade concreta da vida, logo se convence de que o verdadeiro centro de gravidade do ser humano não está nas forças intelectuais, mas nas emocionais e volitivas. Vê que o intelecto está completamente inserto na totalidade das forças espirituais humanas, delas depende e por elas está condicionado de muitas maneiras no exercício de suas funções. Não o intelecto, mas as forças do sentimento e da
vontade, é que lhe parecem as dominantes nesse jogo de forças que chamamos vida" (Hessen, 2003, p. 109-110).
O filósofo Max Frischeinsen-Köhler, seguidor de Dilthey procura mostrar que
estaremos impotentes diante do problema da realidade, enquanto admitirmos, com Kant,
apenas duas fontes de conhecimento – a sensação e o pensamento. Desse modo não é
possível superar o idealismo. O máximo que podemos fazer é pôr, no lugar da
construção idealista, uma outra. Isso acontece de forma mais clara, por exemplo, no
campo estético e religioso. Só é possível, portanto, uma solução efetiva do problema
quando supomos outra fonte do conhecimento além da sensação e do pensamento: são
elas a experiência e a intuição interna (Hessen, 2003). Ora a fonte do dinamismo é a
concepção da ideia na medida em que ela mobiliza a vontade, a razão e a intuição
simultaneamente.
Educar é ensinar a pensar. Educar é pensar concebendo e manipulando as ideias
para integrar. Educar é colocar em prática o pensamento concreto. Educar é pensar,
refletir, criar e construir. Educar é errar e viver a experiência. Educar é saber ouvir
ideias, inovar e testar. Educar é orientar com clareza o próprio movimento do
pensamento. Educar é encontrar a paz interior, o equilíbrio, a serenidade e a
compreensão. Educar é remover as dificuldades, os obstáculos da vida e a ignorância.
Educar é buscar o desenvolvimento interior. Quando isso é trabalhado pode-se dizer que
estamos caminhando no sentido do crescimento da auto-estima e da auto-confiança.
Essa busca de tranquilidade mental tem por objetivo despertar uma visão mais ampla da
vida e alargar o pensamento abstrato.
O conceito de formação cultural e a arte do pensamento sobre a utopia são como
um rio que flui para uma humanidade sem injustiças sociais, onde todas as nossas
crianças devem ter as mesmas chances de lutar pela possibilidade de ascensão na
hierarquia social. A racionalidade iluminista e positivista do século XIX promoveram o
imenso canteiro de obras festejado em todos os grandiosos shoppings centers,
inaugurados, em larga escala, nos últimos quarenta anos no mundo. Os homens têm os
corações abertos para os sons dos homens, devem ser ensinados a se abrirem para os
sons da terra. Deveriam perceber melhor a diversidade de vida animal e vegetal para
poder pensar em novas formas de produção, que sejam menos agressivas e mais
sustentáveis ao longo do tempo. Talvez seja útil chamar a atenção para o pensamento de
Goethe, que dizia que as flores são os belos hieróglifos da natureza que indica o quanto
ela nos admira e preserva (Nukaryia, 1973, p.71). Quando for possível ao homem a
compreensão do perfume que as flores exalam, iremos colocar mais energia na
preservação do silêncio do olhar de nossas crianças. Seremos também capazes de
cuidar, proteger e recuperar o nosso patrimônio natural, restaurando todas as fontes,
nascentes, córregos, rios, fauna e flora, que de forma quase irreversível a ação humana e
a chamada revolução industrial sepultou a golpes de intensa covardia, nunca observados
na história da civilização.
A arte da educação fundamental é a arte de despertar a criança na tenra idade
para o pensamento, a reflexão, a consciência, a interpretação e a criatividade
sistemática. A capacidade de pensamento abstrato é sedimentada na mente humana,
quando criamos um ambiente de serenidade, de equilíbrio, de tranquilidade, de
estabilidade e de concentração. Sabemos também que as atividades produtivas, quando
desenvolvidas com concentração evitam diversos tipos de acidentes e podem servir de
estímulo a processos educacionais metacognitivos (Williams e Burden, 1997).
A natureza, as árvores, as flores e as pastagens, por exemplo, crescem e se
desenvolvem no silêncio. O brilho das estrelas, o calor do sol e as montanhas "vivem"
em silêncio absolutos. O pescador compreende o significado do silêncio quando
mergulha no fundo do mar. O silêncio do tempo e da distância cura as feridas
incuráveis. No silêncio encontramos o equilíbrio, a serenidade e a vontade. No silêncio
sagrado podemos alcançar o sublime. O trabalho do retireiro é arte verdadeira quando a
vaca não fica nervosa e produz o leite puro no silêncio da madrugada. Só conversamos
com um cavalo no pasto, uma pedra no córrego, ou um galho de árvore quando estamos
em silêncio profundo. O feijão, o milho, a soja, as hortaliças e outras "lavouras brancas
ou temporárias" se desenvolvem no silêncio do dia e da noite. O café, o cacau, o
palmito, a mangueira, a seringueira e outras lavouras perenes também. O produtor rural
só faz bom plano de produção pensando em silêncio. O amor sublime só é sentido de
verdade dentro do silêncio. A mente humana só fica vazia e lúcida no silêncio absoluto.
Dizia um pensador que “pois sabia que não há nada a fazer para convencer um
jovem que acaba de se incrustar num sistema. Nesta época da vida, a discussão é vã.
Pode-se agir sobre ele, quando este paguro ainda procura sua concha” (Rolland, 1941,
p.187). É importante ressaltar que a substância do processo de estabilidade e
desenvolvimento humano envolve sempre a fixação de valores éticos, a criação de um
ambiente tranquilo para o exercício da criatividade humana, a liberdade de pensamento
e o estímulo constante à reflexão sobre ideias, métodos e atividades produtivas. Assim
devemos estimular que a educação, a produção e a cultura andem de mãos juntas.
A tenra idade é um estágio onde a confiança no mundo como um lugar
previsível e confortável deve ser proporcionado pelos pais e família da criança para que,
ele ou ela tenha autonomia e possam aprender a confiar nos outros e a internalizar um
sentimento de competência (Hamachek, in Williams and Burden, 1997). Na idade de
quatro anos ocorre a experiência do sentido de iniciativa e as crianças podem ter
dificuldades de aprendizado se suas necessidades básicas não estiverem sendo atendidas
em casa ou na escola. A importância de garantia de um ambiente seguro, respeito
próprio e respeito dos outros, tarefas que promovam a curiosidade são alguns aspectos
que permitem a exploração do potencial da criança e fazem o objeto relevante para o
sujeito. O ambiente de aprendizado nessa fase da vida deve minimizar a ansiedade. É
com as ideias que o mundo é feito, o bem mais caro, o bem que não se vende, são as
ideias. Prova disso são os tigres asiáticos que estão dominando o mundo. Japão, Coréia,
Formosa, pobres de recursos naturais, se enriqueceram por ter se especializado na arte
de pensar (Alves, 2004, p.58).
Podemos afirmar que a experiência histórica do homem é a de uma constante
intervenção sobre a realidade que o cerca. Por isso podemos fundamentar nossa hipótese
de que a educação precisa ser complementada com ações e práticas pedagógicas coladas
nas comunidades e no povo. Aprendemos realmente a cultivar os solos arando a terra e
nela colocando uma semente de esperança. Aprendemos a educar semeando na mente o
movimento de concepção da ideia.
Em Spinoza a intuição não desempenha qualquer papel essencial na teoria do
conhecimento. Se para o racionalismo o pensamento é a fonte e o fundamento do
conhecimento, e para o empirismo essa fonte é a experiência, o intelectualismo
considera que ambas participam na formação do conhecimento (Hessen, 2003). Em
economia política os pensadores neo-clássicos procuram defender uma espécie de
transposição do método científico racionalista para suas análises, modelos teóricos e
sugerem a aplicação de ideias administrativas, gerenciais, políticas, éticas, econômicas
na idealização e no plano de que o homem pode "funcionar" no mercado como um
relógio onde, essa máquina institucional, representada pela experiência de fenômenos,
assume a certeza e a ética capitalista, do consumo, do lucro, da taxa de juros, do
investimento, da poupança, dos preços das ações, todos atuando num grande mercado
de fatores onde os preços são regulados dentro da lei da oferta e demanda. E mais, numa
quase perfeita coexistência "natural" entre a população miserável das periferias urbanas
com a classe burguesa e os interesses econômicos das corporações estrangeiras. O
método econômico parte da ideia de que existe uma mecânica de preços onde as
respostas são dadas pelos movimentos das categorias e instituições que se relacionam
nesse sistema de produção e comércio. Os problemas e os desequilíbrios do sistema são
compreendidos dentro dessa lógica, portanto, como "falhas de mercado". A
racionalidade produtiva deve observar no plano da eficiência econômica sempre o
aumento da produtividade e das margens de lucro como que valores máximos do
empreendimento humano coletivo. Os salários invariavelmente devem ser mínimos e
reduzidos para não causarem inflação ou romperem com a racionalidade do aumento de
custos operacionais e o prejuízo. Dentro dessa racionalidade individualista o sistema
capitalista tem a lógica própria da produtividade neo-liberal como valor intocável. A
busca da produtividade é o único e imutável referencial dessa superestrutura que sobre-
determina tudo e todos. Tudo que vai contra a ideia de produtividade é por natureza
anti-econômico. Um exemplo disso é que seria possível pensar na recuperação de
passivos ambientais, solos degradados, entorno de nascentes degradadas, rios poluídos,
matas ciliares destruídas e de crianças abandonadas, mas ao mesmo tempo isso fere a
ordem produtivista e, portanto, não pode sair do pensamento para a prática por ser anti-
econômico para "a ordem natural" das coisas. Mesmo havendo o desejo e a intuição de
realizar o pensamento mais lógico, a racionalidade irracional do sistema aponta no
sentido contrário. Portanto o estudo da economia política e dos mercados envolve o
esforço produtivo humano construído dentro de uma teia diversificada de aspectos
culturais, sociais, ambientais e institucionais.
Conforme Pascal disse (pensador francês, 1623-1662) "existem dois excessos
que devemos evitar - excluir a razão e só admitir a razão". Sem a boa teoria não existe a
boa prática. É isso que destaca o próprio Kant - a dificuldade de diversos profissionais
na transposição da boa teoria para ações concretas e práticas (Kant, 1999, p.273-309).
Dessa forma, podemos encontrar um cozinheiro muito técnico, que não sabe o ponto do
tempero da comida; o engenheiro agrônomo que estuda as relações solo-água-planta,
mas que transplanta, sem adaptação, a tecnologia de manejo de solos de regiões frias
para solos tropicais, comprometendo a vida da micro-fauna do solo; o médico que não
sabe improvisar uma mesa de cirurgia no meio da floresta, nem intervir a tempo para
salvar uma vida; um político que não sabe escolher o bom caminho para o seu povo; um
professor que só sabe repetir um bom livro para seus estudantes, mas nunca arrisca
pensar com suas próprias ideias; um juiz sem intuição que julga precipitado com base
nas aparências das provas; um religioso que frequenta as missas aos domingos, mas que
tem uma vida pessoal desregrada e agressiva durante a semana; um economista que
investe tempo simulando planos e indicadores, mas que nunca coloca em prática suas
ideias; um administrador que não percebe a boa estratégia em função do momento; um
mergulhador que não controla a profundidade e o oxigênio remanescente nos tanques;
um psicólogo com dramas existenciais; um veterinário que não sabe orientar o tipo de
gado adequado a uma determinada região em função de clima e solo; um pai que não
sabe orientar o filho ou a filha adolescente na solução de um problema de
relacionamento humano mais complexo. Para um escritor o importante é escrever um
bom livro. Para um professor o importante é ter a certeza que a maioria de seus alunos
está estudando e absorvendo os conhecimentos. Para um empresário o importante é
aumentar a participação de seu produto no mercado maximizando lucros e minimizando
seus custos de produção. Para um atleta o importante é superar marcas sem se
machucar. Todas as pessoas têm seus objetivos individuais, mas vivem coletivamente.
Nessa vida social precisamos reconhecer o direito dos outros. Todas as ações
individuais dentro da sociedade envolvem direitos e obrigações. Para produzir, o
homem constrói suas formas de governo, escreve códigos e leis, utiliza os recursos
naturais e estimula a acumulação de riqueza e capital. Com isso alterou profundamente
a base natural e social. Mas que tipo de mudança ou destino está reservado para o
homem que concentra riqueza material? Quais as consequências da acumulação de
capital sobre o tecido social quando promove essas desigualdades sociais? O homem
deve acumular riqueza nas mãos de uma minoria com a pobreza da maioria? Existem
caminhos alternativos que levem a uma maior estabilidade econômica e social? É
possível mudar a trajetória do homem aqui na Terra? Como?
Um caminho a solucionar tais questionamentos é o que se propõe nesta pesquisa:
compreender desenvolvimento sustentável a partir de hortas escolares.
CAPÍTULO 4 – HORTAS ESCOLARES
Em Petrópolis podemos contar 135 escolas da rede fundamental pública que
abrigam na sua maioria crianças e adolescentes de famílias em risco social. Podemos
identificar muitas dessas escolas em localidades da periferia urbana e rural, onde
existem pelo menos 10 mil famílias (aproximadamente 50 mil habitantes) vivendo
abaixo da linha de pobreza. Essas populações enfrentam muitas dificuldades de acesso
ao mercado formal de trabalho, convivem dentro de bairros, ruas e moradias precárias e
na medida em que o processo de pobreza, quase crônica, se amplia, muitos valores
éticos e morais não são bem cultivados nas suas estruturas familiares. Essa fragilidade
interfere nos hábitos e nas condutas sobre uma alimentação e nutrição menos saudável,
da mesma forma que não se cultiva uma cultura de preservação e recuperação do meio
ambiente e da biodiversidade local.
Normalmente na estação de chuva ocorrem problemas de enchentes e
deslizamentos de terra que não raro ocasiona a morte e/ou acidentes todos os anos, em
que famílias ficam desabrigadas, ampliando os gastos da Prefeitura e espraiando a praga
dos passivos ambientais. Por diversas razões culturais e educacionais esses acidentes,
quase sempre, são provocados pela ação irresponsável do próprio ser humano ou por
ignorância em crenças inadequadas sobre a conservação dos recursos naturais.
O objeto de estudo e ação de intervenção a que se propõe esta pesquisa, assume
a perspectiva de contribuir para um processo de educação capaz de ampliar os
horizontes de vida de algumas crianças e jovens, vítimas dessas desigualdades e do
crescente processo de exclusão em que estão submetidas. Esta proposta de intervenção
busca contribuir para a preservação, a proteção, a conservação e a recuperação do meio
ambiente de algumas comunidades do meio urbano e rural de Petrópolis e estimular a
alimentação saudável.
Além da substância educacional de estímulo à agricultura orgânica e à
alimentação mais saudável, justificam-se as ações desenvolvidas pela sua possibilidade
de contribuir para a preservação do meio ambiente e a expansão do turismo ecológico.
O trinômio, valores básicos-hortas escolares-campanha de educação ambiental, pode
ampliar bastante as chances de mobilização da população de Petrópolis e ter um
significado (símbolo) especial na essência do “Produto Petrópolis”, capaz de servir
como elemento de marketing para a atração de fluxos de novos turistas do país e do
exterior, que a cada dia demonstram maior preocupação com a preservação ecológica de
remanescentes de Mata Atlântica. As ações propostas podem ser justificadas também
pela possibilidade de maximização do esforço e do nível de consciência de professoras,
crianças, instituições públicas e privadas de Petrópolis, numa verdadeira ação de
multiplicação de potencia de capital social, a ser aplicado no sentido de uma educação
de qualidade.
As ações que envolvem este projeto de implantação da horta escolar estão
direcionadas para mobilizar e envolver lideranças, comunidades em risco social,
diretoras, professoras, crianças e jovens entre 04 e 18 anos de idade, visando à
construção de uma cultura de “atividades produtivas”, onde eles serão os protagonistas
de sua própria história, despertando, estimulando e promovendo, as suas possibilidades
de assimilação de valores básicos, uma maior autonomia pessoal (“eu sou capaz”) e as
suas maiores chances de desenvolvimento interior. Em síntese, na prática da construção
de um modelo de educação pró-ativo, de políticas públicas e cidadania ao nível local,
com a finalidade de maior valorização da vida em si.
O eixo das ações educacionais aqui propostas está centralizado basicamente
dentro de duas estratégias: a primeira que pode ser definida como um conjunto de
informações transmitidas aos alunos de escolas públicas com o objetivo da expansão do
pensamento abstrato na idade pré-adolescente e adolescente sobre valores éticos
básicos, agricultura urbana e questões ambientais e o segundo na implementação da
difusão de práticas educacionais não-formais fora da sala de aula na implantação e
manutenção de hortas escolares e comunitárias. O jovem se submete assim à educação
criativa na ação produtiva, à formação e à concepção da idéia sobre a dimensão e a
extensão dos objetos na mente humana, através da experiência concreta.
Em duas vertentes, espera-se atingir resultados como: Desenvolvimento e
ampliação da agricultura urbana orgânica; compostagem orgânica; organização,
implantação e manutenção de hortas orgânicas; plantio de árvores nativas e frutíferas
em volta das nascentes, em terrenos declivosos urbanos, em áreas degradadas e em
matas ciliares do meio rural. Numa outra perspectiva: Consolidação da roda de valores e
reforço escolar para o cultivo sistemático do pensamento abstrato, do planejamento
estratégico, da união, do trabalho em equipe, do respeito ao próximo, da humildade, da
serenidade, da concentração em sala de aula, da criatividade, da determinação, da
coragem, da prudência e da busca de paz interior. Realização de campanha de educação
ambiental contra o hábito de se jogar, colocar e depositar o lixo nas ruas, córregos e rios
de Petrópolis.
Visando três objetivos básicos. O primeiro e mais amplo que pode ser entendido
como um conjunto de ações nas comunidades e escolas públicas da rede municipal,
visando à valorização de práticas pedagógicas no sentido da sustentabilidade e da
agricultura urbana. O segundo objetivo na busca de concepção de ideias dentro de ações
de recuperação ambiental, trabalhando principalmente sobre a mudança de conduta
irracional sobre o enorme volume de lixo que o povo joga nas ruas e rios, com graves
consequências na saúde da população, na queda de barreiras, entupimento de bueiros,
poluição e no desestímulo ao turismo, etc. As atividades do projeto têm também por
finalidade a busca de novas formas mais eficazes de mudança de comportamento
humano e de consolidação de hábitos que possam contribuir para a formação de uma
conduta correta e uma cultura de maior respeito a todas as formas de vida, de uma
forma geral e específica. E em terceiro lugar a multiplicação de hortas e de uma cultura
de alimentação mais saudável, que possam contribuir para o estímulo da agricultura
orgânica, sistemas agro-ecológicos, a preservação ecológica e o desenvolvimento
econômico/social de Petrópolis.
O projeto também tem influência positiva em algumas atividades econômicas
específicas. Podem-se identificar três segmentos de atividades econômicas muito
importantes na estrutura de produção de Petrópolis. Todos são responsáveis por
oportunidades de geração de renda e de trabalho no município, ao mesmo tempo com
baixo impacto ambiental relativo. Pode-se citar o setor de turismo, abrangendo o
turismo histórico tradicional, o ecoturismo e o turismo rural; o reflorestamento, a
agricultura convencional e orgânica e o pólo de empresas de tecnologia limpa. No caso
do turismo, a possibilidade de seu desenvolvimento está condicionada à limpeza dos
rios e córregos, ruas, estradas, trilhas na mata e à preservação dos equipamentos urbanos
e monumentos naturais, que caracterizam Petrópolis como uma das cidades mais
bonitas do mundo. Sabemos, entretanto, que nem sempre a população local tem
consciência disso. A cadeia produtiva do segmento agrícola e pecuário e seu
prolongamento nas feiras livres, quitandas, restaurantes e atividades do setor secundário
e terciário é importante não só pela geração de vagas de trabalho com as menores taxas
de investimento per-capita, como tem a proximidade do mercado do Rio de Janeiro. E o
polo educacional e de empresas de tecnologia limpa que apresentam grandes
possibilidades de desenvolvimento e por uma série de razões depende de jovens com
uma educação de maior qualidade.
Nestas perspectivas, compreende-se o desenvolvimento do projeto desta
maneira:
• Ação educacional dentro de uma amostra de duas escolas da rede pública
sobre a qualidade da educação fundamental e sua importância como fator de
desenvolvimento sustentável;
• Implantação e manutenção de duas hortas em escolas/comunidades da rede
pública;
• Plantio com a finalidade educacional e de efeito-demonstração de árvores
nativas e frutíferas com diretoras, professoras e alunos de escolas públicas
do meio urbano e rural;
• Ações educacionais e campanhas públicas locais visando à mudança de
comportamento com relação à atitude, bem como mobilização, organização e
realização da campanha de educação ambiental mais ampla para que a
população em geral modifique o hábito, quase cristalizado, de se jogar lixo
nas ruas e rios de Petrópolis.
Ações de preservação, conservação e recuperação ambiental podem contribuir
para geração de oportunidades de trabalho para diversos segmentos de população além
de estimular a pesquisa sobre formas de reconversão ambiental. Os clássicos princípios
de precaução e de irreversibilidade de restauração de ecossistemas sinalizam para a
necessidade de maiores estudos sobre a gestão da sustentabilidade local, que podem ser
cruciais quando pensamos na ética de longo prazo da equidade intergeracional
(Swanson, 1999 e Tacconi, 2000).
Um pouco da ideia de pós-modernidade pode ser explicitada através da tomada
de consciência de que estamos vivendo em um mundo que se transforma por inteiro em
ritmo constante e acelerado. Na visão neoclássica a felicidade do homem é, portanto
uma razão direta de mais elevados degraus de satisfação do consumidor, dito soberano.
Para atingir esses níveis mais elevados de consumo as empresas e os governos buscam
cada vez mais o aumento e a diversificação da produção e da segmentação do mercado,
em escala global. Nessa aventura humana de apropriação, uso indiscriminado e
espoliação dos recursos naturais, verdadeiros elementos de formas sagradas de vida no
planeta, não só se alteram, os fatores bióticos, abióticos, os ecossistemas e a biosfera,
como também se estimulam uma ética produtivista e consumista.
A aparente centralidade do homem nesse processo enraíza valores competitivos
e opostos à harmonia, ao equilíbrio e à pureza do coração humano. A civilização
caminha assim para um mundo extremamente desigual do ponto de vista social e
econômico. Dentro dessa realidade dialética e contraditória precisamos encontrar
mecanismos de sustentabilidade e o manejo adequado entre os fatores éticos,
econômicos, sociais, institucionais e sociais.
Assistimos bastante perplexos, a um processo de degradação ambiental
generalizado e ao acúmulo de gigantescos passivos ambientais. As gerações futuras
terão que administrar esse processo de degradação, deslocando e remanejando recursos
produtivos para a recuperação desses passivos. Se esse caminho irracional fosse evitado
com a expansão da consciência humana aplicada em ações de educação prática, muitos
recursos produtivos poderiam ser aplicados em outras atividades econômicas e culturais
mais nobres, como por exemplo, nas diversas formas de artes, na ciência, na música e
no desenvolvimento de sistemas agro-ecológicos. Os diagnósticos de instituições como
o World Watch Institute, o WWF e os recentes relatórios “Stern”, e o filme do Al Gore
– Uma Verdade Inconveniente, são retratos dessas questões, mas ainda sentimos a falta
de uma ação pedagógica mais eficaz capaz de transformar a realidade antes que a
destruição seja irreversível.
Os estudiosos da globalização e dos ciclos econômicos procuram soluções para
diminuir os impactos das crises e das desigualdades globais e os países do primeiro
mundo escrevem uma nova página da história de dominação econômica sobre os países
mais atrasados. A mola econômica é mais forte do que o enigma filosófico. E na
verdade o que observamos é que, pouco se faz ou se deixa “acontecer”, para melhorar,
efetivamente, a qualidade de vida das pessoas mais pobres, mais carentes e em risco
social no local.
Superar esses problemas sociais e ambientais é uma parte central do processo de
desenvolvimento com ética. Muitas pesquisas na área de economia do desenvolvimento
comprovam as consequências negativas do processo de globalização e de seus diversos
sentidos sobre as economias dos países subdesenvolvidos (Arbix e Abramovay, 2001).
O subdesenvolvimento é apresentado como um processo de dependência econômica,
tecnológica e cultural que submete a participação de algumas parcelas de populações
humanas ao papel de passivos consumidores de bens econômicos e padrões culturais
concebidos por outros povos. A grande parte da população é exposta a esses padrões de
consumo sem, contudo, dispor de renda suficiente para participar do mercado de forma
substancial. O poder de acumulação, concentração e centralização do capital, resultado
da expansão produtiva em escala internacional, definida a partir do modo de produção
capitalista dominante, acaba por impor e moldar um tipo de crescimento econômico em
nossos países, cujo resultado tem levado ao aumento das desigualdades internacionais,
regionais e individuais. Verifica-se o inchaço do setor terciário e da indústria bélica que
contribuem para uma vida urbana mais violenta.
Os dados do IBGE traduzem numa linha de uma folha de papel um simples fato
– nos últimos 25 anos nas capitais do Brasil a taxa de homicídios na população jovem
(14 a 24 anos de idade) dobrou de 90 homicídios por grupo de 100 mil habitantes para
180. Mesmo com todo o vertiginoso processo de crescimento econômico houve um
aumento de 100% na taxa de criminalidade letal nos segmentos da população jovem.
Parece que esse fenômeno tende a se espraiar para o interior e para as cidades de médio
porte, se nada for feito de forma mais consistente a respeito. Teremos um número maior
de menores infratores, criminosos e iremos gastar mais dinheiro com polícia, cadeia,
juízes, promotores e penitenciárias. No final um maior custo para a sociedade. Apesar
das conquistas científicas e dos avanços tecnológicos da humanidade, os desequilíbrios
provocados pelo homem a partir da revolução industrial, além de acelerarem a
destruição dos recursos naturais, aumentando os níveis de poluição, aprofundando a
degradação humana nas periferias urbanas, alastrando diversas formas de violência e de
injustiças sociais, de uma forma geral, estimulam e conduzem empresas, organismos
públicos, pesquisadores, políticos, organismos internacionais e nacionais, às vezes até
bem intencionados, a enfrentarem os problemas sociais e econômicos, copiando
soluções impróprias, sem o devido conhecimento das realidades locais dos países
subdesenvolvidos. Pensam muitos que o desenvolvimento deve ser um processo
exclusivamente de aumento das taxas de poupança, de investimento, de substituição de
importações, de política monetária, de responsabilidade social das empresas e de
crescimento econômico puro.
O que significa desenvolvimento? Qual o sentido prático do desenvolvimento
sustentável? Qual a relação entre a questão social, a questão econômica e a questão
ecológica? Como podemos contribuir de forma efetiva para a diminuição da fragilidade
humana? Como tornar possível maior equilíbrio na sociedade e menor desigualdade
entre classes e segmentos de população humana? As perguntas são muitas e não
pretendemos respostas complexas. Este projeto procura contribuir com respostas dentro
de nossa realidade local, através de ações simples, práticas, ampliando a participação e
consciência da população interessada sobre como passar de um nível de
desenvolvimento para outro.
A questão metodológica é o maior desafio deste projeto, pois temos poucas
experiências no mundo atual sobre práticas de sustentabilidade integrada (Tacconi,
Swanson, 2000). Temos que reconhecer nossas limitações teóricas.
O desenvolvimento da agricultura urbana, as hortas nas escolas, o plantio de
árvores, o combate ao comportamento irracional de se jogar lixo nas ruas e rios podem
contribuir para a consolidação de valores nas crianças e, ao mesmo tempo fomentar
condutas de maior cuidado com a riqueza natural sagrada, a preservação da
biodiversidade e a alimentação e nutrição saudáveis. “As coisas mais simples estão na
frente dos nossos olhos e não podemos ver” (Wittgenstein, 1992).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não sabemos até onde nos é permitido intervir na natureza humana, quais são os
limites de nossas intervenções sobre a vida de outras pessoas, nem qual o direito que
temos a essa intervenção. A vida e a mente humana apresentam situações tão
misteriosas como a nossa imaginação sobre o universo, provavelmente, quase infinitas
Nossos olhos podem ver estrelas e imaginar outras formas de vida. O homem pode
imaginar, conceber e criar ideias até sobre o que não é real. Encontramos basicamente
na história do homem, sua natureza egoísta, voltada para suas realizações em primeiro
lugar, de reprodução e garantia da própria condição de manutenção da sua vida. Nessa
história, os mais fortes dominam os mais fracos e submetem-nos à condição de
membros de tribos, escravos, servos da gleba e trabalhadores assalariados. Nessa
relação de poder o homem passa por estágios, modos de produção econômica, níveis
diferentes de evolução de sua organização técnica de produção e, evolui materialmente,
sem mudar de forma substancial sua estrutura de valores morais. E é por isso que a ética
do desenvolvimento e o desenvolvimento local devem situar a natureza do homem no
centro de suas atenções de estudos e pesquisas, para que os resultados desses estudos
sejam mais consistentes, eficazes e realistas.
A deterioração dos termos de troca no mercado internacional, a crise do modelo
agrário-exportador, o desemprego involuntário, a pobreza e a heterogeneidade estrutural
que caracterizavam as economias da América Latina em décadas passadas, contribuíram
para o surgimento de idéias desenvolvimentistas como forma de superação daqueles
problemas que alargavam, cada vez mais, as desigualdades entre países ricos e pobres.
Nas últimas décadas, muitos economistas defenderam a adoção de um corpo teórico
mais independente em relação ao pensamento econômico utilitarista clássico inglês.
Reconheciam que a absorção do progresso técnico se dava de forma bastante desigual
entre os países que experimentaram a dinâmica da revolução industrial de um lado e os
países da América Latina, que foram submetidos à exploração colonial do outro. Na
verdade, o espaço geográfico mundial ficara dividido entre o norte rico e o sul pobre e
atrasado. De uma forma geral os autores que participaram do movimento estruturalista
recomendavam a fundamental intervenção do Estado na economia, visando à superação
daqueles problemas estruturais, através da aceleração do processo de industrialização.
Isso deveria ser realizado utilizando-se de medidas protecionistas, de sistemas de
planejamento e programação intra-setorial, de apoio específico à implantação de setores
de infra-estrutura, da tributação das classes mais ricas, visando desviar recursos
financeiros do consumo supérfluo para mecanismos de aumento de poupança interna
com a finalidade de investimentos produtivos, diversificação e ampliação do mercado
interno. A questão do desenvolvimento das economias latino-americanas foi e vem
sendo amplamente debatida com especial atenção em três pontos básicos. O primeiro
como reflexo de uma condição histórica de desigualdade e discrepância nas
transformações das estruturas de produção e no grau de absorção e internalização das
inovações tecnológicas nos sistemas de produção e nos sistemas educacionais. A
consequncia disso foi o atraso tecnológico relativo de nossos países, em relação às
economias que experimentaram a revolução industrial. O segundo ponto, como
decorrência do primeiro, numa impossibilidade para ampliação e consolidação de postos
de trabalho na indústria e na pesquisa científica e tecnológica, na medida em que nossas
economias estavam voltadas, quase exclusivamente, para a exportação de produtos
agrícolas e matérias primas até a década de quarenta. E em terceiro, a questão da
"pobreza crônica" e dos padrões de consumo de produtos de luxo e supérfluos, que
foram forjados por padrões de demanda e modelos culturais, a partir dos interesses dos
segmentos de população associados à oligarquia do café e à burguesia comercial local.
Após cinco décadas de história mundial, o pensamento pós-estruturalista ganha
força na medida em que a economia liberal não oferece a mínima possibilidade de um
desenvolvimento endógeno, com maior justiça social e maior equilíbrio ambiental. Isso
pode ser retratado nos índices de pobreza e de baixa renda da grande maioria da
população dos países da América Latina, guardadas as devidas proporções e diferenças
de contexto social, político e cultural, verificando-se a persistência do atraso relativo de
nossas economias, na manutenção das condições ressaltadas pelos economistas da Cepal
décadas atrás. A tarefa essencial nos dias de hoje parece ser resgatar as raízes
substanciais do pensamento estruturalista, reforçando suas idéias básicas direcionadas
para uma nova ética do desenvolvimento que permita repensar o problema da pobreza e
do desemprego estrutural ou quase crônico. Na realidade, consiste na ampliação das
oportunidades de vida e na humanização das ações de desenvolvimento para assegurar a
implementação de políticas públicas, como um escudo protetor contra essa ideologia
neo-liberal absolutista que se esconde atrás de uma bandeira positivista. A ordem
econômica mundial existente é incompatível com a busca da eqüidade dentro dos países
em desenvolvimento, já que a racionalidade de mercado e de padrão concentrador
espelha o padrão de consumo dos bens de luxo. Nesse caso a desproporção entre as
características das mercadorias e o padrão de distribuição de renda cria implicitamente
uma impossibilidade de consumo para as camadas de baixa renda. E isso forja um
padrão de desigualdade nas economias subdesenvolvidas.
Com este referencial, procuramos resumir as distorções no campo econômico e
social que caracterizam nossa complexa realidade global. A grande pergunta pode então
ser colocada. Quais os fatores que podem contribuir para diminuir as desigualdades
regionais em nossos países mais subdesenvolvidos? Quais as ações mais adequadas de
intervenção que podemos e devemos empreender para alcançar o desenvolvimento
econômico e social com estabilidade? Como articular um processo de desenvolvimento
local mais equilibrado? Para responder a essas perguntas acredita-se que um
experimento de desenvolvimento local pode servir de parâmetro de comparação com
outras experiências semelhantes articuladas em outras partes do país e do mundo.
Também se pensa que uma experiência local de desenvolvimento pode mostrar, de
forma mais nítida, os pontos que demandam maior reflexão e que precisam ser mais
bem investigados sobre a viabilidade do planejamento e da intervenção regional.
Educação, formação humana, valores, ética e desenvolvimento cultural andam de mãos
juntas. Esses fatores podem ser considerados como que fertilizantes, onde o solo são os
métodos e as sementes as nossas crianças.
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