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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “EDUCAÇÃO AMBIENTAL”
AVM FACULDADE INTEGRADA
O LIXO COMO FONTE DE RIQUEZA E POBREZA DO ATERRO SANITÁRIO
DE JARDIM GRAMACHO – DUQUE DE CAXIAS
Por: Wildson Barcellos de Carvalho
Orientadora
Profª Maria Esther de Araújo
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “EDUCAÇÃO AMBIENTAL”
2
AVM FACULDADE INTEGRADA
O LIXO COMO FONTE DE RIQUEZA E POBREZA DO ATERRO SANITÁRIO
DE JARDIM GRAMACHO – DUQUE DE CAXIAS
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Educação Ambiental.
Por: Wildson Barcellos de Carvalho
3
AGRADECIMENTOS
aos amigos, parentes, professores,
amigos e colegas de sala que
estiveram comigo em mais uma etapa
de minha qualificação.
4
DEDICATÓRIA
Dedico aos meus pais (in memorian)
e à minha querida esposa.
5
RESUMO
O presente trabalho toma como área de estudo o entorno do Aterro
Metropolitano do Rio de Janeiro que está localizado no bairro Jardim
Gramacho, município de Duque de Caxias e visa caracterizar os impactos
sócio-ambientais decorrentes do posicionamento de tal aterro. Antes de tal
caracterização, é feita uma contextualização da área de estudo e uma reflexão
de conceitos e concepções à luz do que aconteceu e acontece no entorno do
Aterro Controlado de Jardim Gramacho, tanto no que tange às questões do
lixão quanto às condições de vida de seus moradores. Em seguida se pretende
falar do lixo como fonte de riqueza e, ao mesmo tempo, segregação social,
apontando possíveis caminhos para a resolução das questões apresentadas.
6
METODOLOGIA
Esse trabalho utilizará, como metodologia, a revisão bibliográfica dos
temas acima propostos e a análise dos mesmos, contidas em artigos,
dissertações de mestrado e teses de doutorado que versam sobre o tema, bem
como outras fontes bibliográficas que poderão embasar cientificamente o
estudo proposto.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................
.........08
CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DO MUNÍCÍPIO DE DUQUE DE
CAXIAS.................10
1.1. A história do Bairro Jardim
Gramacho...........................................................16
CAPÍTULO II - OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS CAUSADOS PELO
ATERRO SANITÁRIO NO BAIRRO DE
GRAMACHO..............................................19
CAPÍTULO III – O LIXO COMO FONTE DE
RIQUEZA.............................................29
CONSIDERAÇÕES
FINAIS.........................................................................................33
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................35
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo, analisar os impactos
ambientais e sociais causados pelo aterro sanitário na área urbana de Duque
de Caxias especificamente o bairro do Jardim Gramacho mostrando os
principais problemas e a situação vivida pelos catadores e trabalhadores que
vivem indiretamente do aterro sanitário.
Ao citar os impactos ambientais e sociais, especificamente do Jardim
Gramacho, remeto-me desde seu surgimento até os dias atuais, para explicar
o motivo principal que levou essa população a ir morar naquela região,
especificamente na área do entorno do aterro sanitário e mostrando porque
esta pequena população não se encaixa no projeto político que está
representado nas esferas de governos envolvidas nesse processo.
Neste período, a migração para esta área aconteceu de forma
acentuada para o Jardim Gramacho, formando uma pequena população
dependente exclusivamente do lixo. Esse local não possui qualquer tipo de
saneamento básico, inclusive de água potável, estando exposta a qualquer tipo
de doença, em consequência dos problemas citados acima.
A constatação das precárias condições sociais dos trabalhadores
envolvidos direta e indiretamente com a catação e a venda de material
reciclável, motivou-me a pesquisar sobre as condições em que vivem essas
pessoas.
Através deste trabalho serão mostrados os principais problemas
daquela região e como os trabalhadores conseguiam se virar ao chegar ao
aterro sanitário e se deparar com os preconceitos, doenças e a falta de
moradia.
9
O trabalho apresentou metodologia descritiva, tendo como base
pesquisa bibliográfica para atingir os objetivos propostos, pois foi o método
mais adequado para conhecer as questões que foram investigadas.
A pesquisa bibliográfica foi feita através de consultas em livros
previamente selecionados, pesquisas em sites e revistas, com artigos
referentes ao trabalho.
No primeiro capitulo falarei sobre a história do município de Duque de
Caxias, relatando fatos ocorridos desde a constituição da cidade, mostrando
como ocorreram as mudanças na economia e as transformações que
ocorreram neste período.
No segundo capítulo, apresentarei dados a respeito do bairro do
Jardim Gramacho, fazendo uma descrição estatística, apresentando dados
atualizados sobre aquela região.
No terceiro capítulo, será descrito o contexto atual do bairro Jardim
Gramacho, destacando os impactos sociais e ambientais deixados como
herança para a população daquele bairro.
10
CAPITULO I
A HISTÓRIA DO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS
Segundo Almeida & Braz (2010) Duque de Caxias é uma cidade de
migrantes. De gerações de migrantes que se sucederam desde as primeiras
décadas do século XX. Os homens e mulheres que chegavam à região, foram
lutadores árduos posto que, durante décadas, lutaram penosamente em um
esforço continuo de construção de suas vidas, de seus projetos, aspirações e
contra a marginalização do que se convencionou chamar a perigosa “Baixada
Fluminense”. Tais moradores transformaram, ao longo do século, um pobre,
evitado e pequeno aglomerado urbano em um parque industrial, destaque
econômico do Estado e do país, de “Merity das febres” a Duque de Caxias,
pólo petroquímico e industrial.
Duque de Caxias é um município que integra a Região Metropolitana do
Rio de Janeiro. Está situado na Baixada Fluminense, definição esta originária
dos estudos geográficos que corresponde, de acordo com pesquisa feita por
Almeida & Braz (2010) ao conjunto de municípios formados por Nova Iguaçu,
Belford Roxo, Queimados, Mesquita e Japeri. Vale ressaltar que o território que
hoje corresponde à Baixada Fluminense abrigou, no século XVI, a porção do
Recôncavo da Guanabara situada ao norte da Vila São Sebastião do Rio de
Janeiro, conhecida na época com Iguassu.
Segundo Almeida & Braz (2010) estas terras eram cobertas pela Mata
Atlântica e por uma vegetação de várzeas e mangues. Seu relevo formado por
planícies mais amplas a leste, ganha altitude na medida em que acompanha o
curso dos rios em direção às suas nascentes a oeste e a noroeste. Inúmeras
elevações, morros e colinas pontilham o seu território, tornando-o mais
compacto ao se aproximarem das encostas da Serra do Mar e do maciço
11
Mendanha-Gericinó. Sua complexa rede hidrográfica é formada pelas bacias
dos rios Meriti e Sarapuí e mais ao norte pelo Estrela-Inhomirim, nascendo nas
altitudes que margeiam a região e corre em baixa declividade pela planície, o
que dificulta o seu escoamento e acaba por formar e alimentar inúmeros brejos
e pântanos. Nesta região viviam, quando da chegada dos portugueses –
aproximadamente em 1554 – o grupo conhecido como tupinambá e, antes
deles, as populações nativas sambaquieiras. Os colonizadores portugueses,
estimulados a ocupar rapidamente a região em função da concorrência
francesa instalada – entre 1555 e 1567 – por conta da luta pela posse da Baía
de Guanabara, que resultou na fundação da cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro, implantaram um sistema de ocupação baseado na concessão de
extensos lotes de terra que seriam destinados ao cultivo, as chamadas
Sesmarias. De todas extensões doadas, vale ressaltar a Fazenda Iguassu
(hoje, Nova Iguaçu), doada à Cristovão Monteiro cuja esposa, Marquesa
Ferreira doou, após o falecimento de seu marido, parte das terras que lhe
pertencia ao Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro que, aos poucos,
possuiria as terras que formaria a Fazenda São Bento.
Segundo Almeida & Braz (2010) ao longo dos séculos XVI e XVII, a
fazenda produziu açúcar, melaço e aguardente. Ao longo do século XVIII,
especializou na produção de farinha, aguardente, feijão e extração de madeira
que abasteceria o cada vez mais significativo mercado consumidor da cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro. Neste sentido, pode-se dizer que a
região estabeleceu-se como uma área de produção agrícola voltada para o
abastecimento da urbe carioca e da Capitania e que, mesmo sem abandonar
sua produção de açúcar voltada para a exportação, não alcançou a mesma
relevância de outras áreas produtivas da Colônia.
Segundo Bezerra (2004), do ponto de vista administrativo, Iguassu tinha
sua área dividida em circunscrições eclesiásticas como freguesias. Em outras
palavras, a igreja matriz assumia a responsabilidade jurídica e religiosa,
administrando as capelas secundárias, as então chamadas freguesias. Entre
os séculos XVII e XVIII, foram criadas na região seis freguesias, sendo que
quatro delas (Pilar, Meriti, Jacutinga e parte ocidental de Estrela)
12
corresponderiam, de uma forma um tanto imprecisa, às fronteiras do atual
município de Duque de Caxias. No século XIX, este conjunto de freguesias deu
origem a duas grandes Vilas, a de Iguassu e a de Estrela, atestando a pujança
econômica alcançada pela região neste período.
Segundo Almeida & Braz (2010) a partir do século XVIII, a crescente
produção aurífera das Minas Gerais redefiniu a lógica administrativa
portuguesa, implicando na mudança da capital de Salvador para o Rio de
Janeiro, ocorrida em 1763. O porto carioca tornou-se fundamental para o
escoamento do precioso metal com segurança para a metrópole, permitindo
melhor controle e fiscalização. Além disso, o abastecimento desta região cada
vez mais povoada tornou estratégica esta aproximação. Vale ressaltar que o
“ouro das Minas Gerais”, descoberto no momento de crise da lavoura
açucareira e o café do Vale do Paraíba Fluminense, que representou cerca de
setenta por cento de toda a economia brasileira nesta época (grifo meu). Em
função da necessidade de tal transporte, rotas terrestres e fluviais, até então
esquecidas pelo poder público, foram revitalizadas e novos caminhos foram
abertos: Os rios, que não faltavam na região – alem de serem integrados à
Baía de Guanabara – faziam do local um ponto de união entre esta e os
caminhos que subiam à serra em direção ao interior. O Porto da Estrela foi o
marco mais importante desse período. À sua volta, cresceu um arraial que, no
século XIX, foi transformado em município.
Após a decadência da mineração, a região manteve-se ainda como
ponto de descanso, de abastecimento de tropeiros, de transbordo e de trânsito
de mercadorias. Até o século XIX, o progresso local foi notável. Entretanto, a
impiedosa devastação das matas trouxe, como resultado, a obstrução dos rios
e conseqüente transbordamento, o que favoreceu a formação de pântanos.
Das águas paradas e poluídas, surgiram mosquitos transmissores de febres.
Segundo documentos pesquisados na Câmara Municipal de Duque de
Caxias, muitos moradores, após tal decadência, fugiram do local que ficou,
praticamente, inabitável. As terras, antes salubres e férteis, cobriram-se de
vegetação própria dos mangues.
13
Além de toda a devastação ambiental apresentada acima, com a
Abolição da Escravatura, em 1888, a Baixada Fluminense sofreu ainda mais
em função do abandono das obras de saneamento, o que afetou sobremaneira
à saúde da população, fazendo com que a mesma fosse acometida de várias
enfermidades, como a Malária e a Doença de Chagas.
Segundo Torres (2004) os primeiros anos da República foram
trabalhados no sentido de tomar medidas que solucionassem o problema do
saneamento. No entanto, tais ações não chegaram a produzir os efeitos
esperados em função da descontinuidade dos programas e à precariedade dos
recursos materiais. Foi no governo de Nilo Peçanha que se esboçou uma ação
mais consistente em relação ao saneamento da Baixada que contou com a
chegada da água encanada, em 1916, na atual Praça do Pacificador. Mas
somente no governo de Getúlio Vargas, que foi criada a Comissão de
Saneamento da Baixada Fluminense. Até 1945, mais de seis mil quilômetros
de rios tinham sido limpos, retirando dos seus leitos quarenta e cinco mil
metros cúbicos de terra. Com este trabalho, os rios deixaram de ser criadouros
de mosquito, diminuindo em muito o número de doenças na região. Segundo
Torres (2004) outros dois grandes acontecimentos significaram muito para a
região: a instalação da primeira rede elétrica, em 1924 e a fundação da Escola
Proletária Meriti, a primeira no Brasil a aplicar os métodos da Escola Nova
trazidos por Anísio Teixeira.
Ainda segundo o autor, o progresso e o grande crescimento pelo qual
passava Meriti levou o deputado federal Manuel Reis a propor a criação do
Distrito de Caxias. Assim, em quatorze de março de 1931, através do ato do
interventor Plínio de Castro Casado, foi criado, pelo decreto estadual número
2.559, o Distrito de Caxias, com sede na antiga Estação de Meriti, pertencente
ao então município de Nova Iguaçu. Desde então, o Distrito de Caxias não
parou de crescer.
Vale salientar, que embora o progresso estivesse “batendo velozmente
à porta” – 1940 prenunciou a industrialização que viria mais tarde com a
instalação da Fábrica Nacional de Motores no mesmo ano e a Companhia
União Manufatura de Tecidos, em 1949 – a população já ultrapassava a casa
14
dos cem mil habitantes e “Caxias” não dispunha da maioria dos serviços que o
poder público deve prestar. O Governo Municipal instalado em Nova Iguaçu se
mostrava impotente para satisfazer as menores necessidades do Distrito.
Desta forma, a emancipação política ia, aos poucos, seduzindo a elite local.
Tal processo de emancipação da cidade esteve relacionado à formação de um
grupo que organizou a União Popular Caxiense (UPC), grupo este formado por
jornalistas, médicos e políticos locais. Assim, em 1940, foi criada a comissão
pró-emancipação composta, entre outros, por Silvio Goulart, Rufino Gomes
Júnior, Amadeu Lanzeloti, Joaquim Batista Linhares, José Basílio da Silva,
Carlos Fraga e Antônio Moreira. Este grupo encaminhou um memorial ao
então Interventor Federal do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto,
expondo as possibilidades do município de Caxias emancipar-se de Nova
Iguaçu. A reação do governo foi imediata e os manifestantes foram presos,
ficando adiada, assim, o sonho da emancipação.
No entanto, três anos mais tarde, mais precisamente em trinta e um de
dezembro de 1943, através do Decreto-Lei 1.055, Caxias foi elevada à
categoria de município, recebendo o nome de Duque de Caxias A cidade deve
seu nome ao patrono do exército brasileiro, Luís Alves de Lima e Silva, o
Duque de Caxias, também chamado de Pacificador e nascido na região em
1803. Já a Comarca de Duque de Caxias foi criada pelo Decreto-Lei nº 1.056.
Com a emancipação, o município recebeu grande incentivo em sua
economia. Várias pessoas, oriundas principalmente da Região Nordeste do
Brasil, chegavam ao Rio de Janeiro em busca de trabalho e estabeleciam
residência em Duque de Caxias.
Segundo Almeida & Braz (2010) o poder executivo foi instalado
oficialmente em 1º de janeiro de 1944, quando o interventor federal Ernani do
Amaral Peixoto designou, para responder pelo expediente da prefeitura, o
contabilista Homero Lara. Outras nove pessoas foram designadas
posteriormente para o mesmo cargo.
O primeiro prefeito eleito foi Gastão Glicério de Gouveia Reis, que
administrou a cidade de setembro de 1947 a dezembro de 1950. Depois dele
vieram, também pelo voto direto, respectivamente, Braulino de Matos Reis,
15
Francisco Correa, Adolpho David, Joaquim Tenório Cavalcante e Moacir
Rodrigues do Carmo.
Segundo Almeida & Braz (2010) as eleições foram interrompidas com a
decretação de Duque de Caxias como Área de Segurança Nacional pelo
regime militar em 1971, tendo tomado posse o presidente da câmara,
Francisco Estácio da Silva. A partir daí, muito contra a vontade das lideranças
políticas e populares da região, foram eleitos prefeitos, pela ditadura militar, o
general Carlos Marciano de Medeiros, os coronéis Renato Moreira da Fonseca,
Américo Gomes de Barros Filho e o ex-deputado Hydekel de Freitas Lima.
O município conquistou, depois de muita movimentação de lideranças
políticas, empresariais, sindicais e comunitárias, a sua autonomia em 1985,
tendo sido eleitos, daquele ano em diante, Juberlan de Oliveira, Hydekel de
Freitas Lima (em 1990, deixou o cargo para assumir uma cadeira no Senado
Federal), José Carlos Lacerda (vice-prefeito de Hydekel, tomou posse após
sua renúncia), Moacyr Rodrigues do Carmo, José Camilo Zito dos Santos Filho
e Washington Reis de Oliveira, sendo que o penúltimo retornou à prefeitura em
2009.
Atualmente o município possui uma população estimada em oitocentos
e cinquenta e cinco mil e quarenta e seis habitantes, segundo censo realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). O município
limita-se
ao norte com Petrópolis e Miguel Pereira; ao leste, com a Baía da Guanabara
e Magé; ao sul, com a cidade do Rio de Janeiro e, a oeste, com São João de
Meriti, Belford Roxo e Nova Iguaçu. O município possui clima quente, porém os
terceiro e quarto distritos (Imbariê e Xerém) têm temperatura amena em virtude
da área verde e da proximidade da Serra dos Órgãos.
Segundo dados da Prefeitura (2012), o município tem um arrecadação
anual na ordem de R$ 20,125 bilhões (CIDE/2006). O município concentra a
maior parte das indústrias e serviços especializados do mercado: são um mil,
noventos e oitenta e quatro indústrias e dezenove mil, quinhentas e sessenta e
dois estabelecimentos comerciais, de acordo com a Secretaria Municipal de
Fazenda (2009).
16
No que tange às ações relacionadas ao meio ambiente, a Prefeitura
assinala como importante a assinatura do protocolo de intenções referente ao
Plano Regional de Gestão de Resíduos da Construção Civil, um dos problemas
enfrentados pelos seis municípios da Baixada Fluminense. Pelo Consórcio
Intermunicipal oficializado, os municípios de Duque de Caxias, Belford Roxo,
Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João de Meriti passarão a ter
legislação própria a partir da Lei Federal de Saneamento Básico (Lei
11.445/2077) que definiu as responsabilidades públicas.
Pelo plano, os municípios assumirão a competência de gestão dos
resíduos sólidos, inicialmente de construção civil e volumoso. Os materiais
reciclados poderão ser usados pelos governos para o barateamento de obras
públicas. Pelo A rede de captação terá cento e sete ecopontos que receberão
madeira e podas, concreto e alvenaria e materiais volumosos e leves.
Separados, os materiais serão transportados para as áreas de triagem e
transbordo para reaproveitamento. O plano terá, como parceiros, carroceiros e
empresas coletoras, construtores, associações de moradores e organizações
de bairros que orientarão à população na disposição dos resíduos em áreas
adequadas e as punições previstas na legislação de casa município.
Seguir-se-á este trabalho com a apresentação do Bairro Jardim
Gramacho, berço do Aterro Sanitário, tema deste trabalho.
1.1 – A HISTÓRIA DO BAIRRO JARDIM GRAMACHO
Segundo Oliveira (2007) Jardim Gramacho é sub-bairro do bairro de
Gramacho, localizado no município de Duque de Caxias. De acordo com o
IBASE (2011) tal sub-bairro possui grandes bolsões de miséria e demandas de
infra-estrutura urbana necessárias à sobrevivência da maior parte de seus
moradores. Boa parte deste sub-bairro constitui-se de ocupações recentes e,
desta forma, ainda não constam nos mapas oficiais da prefeitura.
Jardim Gramacho é dividido em localidades, algumas mais antigas como
COHAB, Morro do Cruzeiro, Morro da Placa e outras mais recentes como
17
Chatuba, a Favela do Esqueleto, o Beco do Saci, a Cidade de Deus, a Avenida
Rui Barbosa, o Parque Planetário e a Comunidade da Paz ou Maruim. Aquelas
possuem infra-estrutura urbana; estas, no entanto, sofrem com a precariedade
de tal infra-estrutura, isto porque já foram concebidas em situações nada
adequadas, como a ocupação desordenada, por exemplo, onde algumas
casas ou barracos são construídas em cima do manguezal, através de
loteamentos realizados pelos políticos locais (RIBEIRO, 2011).
Ainda de acordo com o IBASE (2011) tais localidades surgiram através
da ocupação desordenada do solo, a partir de um processo de loteamento
realizado pela Associação de Moradores e por vereadores locais. Está limitado
a leste da Baía de Guanabara, ao norte pelo Rio Sarapuí, ao sul por um
manguezal e a oeste pela BR-040 (Rodovia Washington Luiz). Ao longo desta
rodovia, nas décadas de 1980 e 1990, surgiram as ocupações desordenadas.
Jardim Gramacho possui de acordo com diagnóstico do IBASE (2011)
uma população em torno vinte mil habitantes e a maior parte ela trabalhando
no mercado informal. Uma destas atividades informais exercida pelos
trabalhadores era, até junho deste ano, a catação de “lixo” no aterro, que de
acordo com Bastos (2005) eram, até aquele ano, cerca de mil e quinhentos
catadores cadastrados pelo Serviço Social e identificados na entrada do
Aterro, pelo Setor de Segurança. Estes trabalhadores defendiam direta e
diariamente o “pão de cada dia” que vinham transportados pelas carretas e
caminhões.
Analisando o exposto por Bastos (2005), Jardim Gramacho é mais um
local periférico, como alguns outros existentes em nosso país, que revela uma
grande desigualdade social atrelada a outros tipos de desigualdade (a
ambiental), por abrigar um dos maiores aterros de lixo da América Latina, o
que coloca em debate os riscos ambientais aos quais a população residente e
trabalhadora está exposta. O bairro é permeado por todo o trajeto da rota do
lixo e que por mais que se tente desvinculá-lo da atividade de catação, torna-
se quase impossível, visto que, quase a totalidade do bairro tem sua vida ativa
economicamente em função da catação.
18
No próximo capítulo, apresentar-se-à o Aterro Sanitário do Bairro Jardim
Gramacho com foco nos impactos sociais e ambientais causados pelo mesmo.
CAPÍTULO II
19
OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS CAUSADOS PELO ATERRO
SANITÁRIO DO JARDIM GRAMACHO
Situado no Município de Duque de Caxias, em uma área onde há vinte
anos era um grande manguezal à beira da Baia de Guanabara, o Aterro
Metropolitano do Jardim Gramacho, ocupa uma parte da região pertencente à
antiga Fazenda São Bento que, com sua desativação, foi repassada ao
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). No final de 1973 foi
assinado um contrato entre o INCRA, a Fundação para o desenvolvimento da
Região Metropolitana (FUNDREM) e a Companhia de Limpeza Urbana do RJ
(COMLURB). Na ocasião, esta última ganhou um lote, transformando-o em
depósito de lixo. Vale ressaltar que a assinatura de tal contrato desrespeitou o
Código Florestal Brasileiro criado criado pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro
de 1965, uma vez que o mesmo preconiza, em um dos seus artigos, que os
manguezais são áreas de preservação permanente. Ainda, a Constituição
Federal de 1988 o Art. 255, Par. 4º, considera “patrimônio nacional” a Mata
Atlântica e a Zona Costeira, bem como a Constituição Estadual, em seu Art.
265, declara que a Baía de Guanabara e seus manguezais são áreas de
preservação permanente.
Em 1996, a Empresa de Terraplanagem Queiroz Galvão ganhou a
concessão do aterro e, logo em seguida, procedeu ao trabalho de
cadastramento dos garimpeiros. Destinado a fechar suas portas em abril do
corrente, o lixão de Gramacho foi finalmente fechado em 03 de junho do
corrente.
No que tange ao tipo de lixo recebido pelo lixão, pode-se dizer que o
mesmo recebeu lixo de toda região metropolitana do Rio de Janeiro. Tais
resíduos foram divididos em quatro grandes áreas, a saber: 1) Lixo
Hospitalar: acesso proibido; 2) Lixo Industrial: alguns catadores têm acesso;
3) Lixo Domiciliar: todos os que possuem autorização podem garimpar nele e
no entulho que não tem valor comercial.
Alguns dos produtos e materiais enviados para a “lixeira” foram
reaproveitados e transformados pela indústria de reciclagem, o que possibilitou
20
renda para a população e economia de recursos naturais (água, energia,
matéria-prima). Os rejeitos, ainda presentes no aterro, são uma ameaça ao
Meio Ambiente, à saúde e a qualidade de vida. A Constituição responsabiliza a
União, os Estados e Municípios pela proteção ao Meio Ambiente e o combate
à poluição em qualquer de suas formas (Art. 23, inciso VI).
O artigo 225 determina que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
É possível observar as modificações sofridas pelo local, como por
exemplo, a instalação de empresas diretamente ligadas à garimpagem do lixo
e que atuavam também na área de reciclagem. Tais empresas exploravam o
trabalho dos garimpeiros, que por sua vez não eram – e não são – muito
simpáticos à Cooperativa, uma vez que ganham mais trabalhando por conta
própria.
Segundo Bastos (2005), o bairro de Jardim Gramacho, tem sua história
socioeconômica pautada em torno deste aterro, uma vez que a Companhia
Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) destaca que o
bairro emprega formal e informalmente cerca de quinze mil pessoas. Ednelson,
que trabalhou no local desde 1978, enfatizou que o lixo dos outros lhe
proporciona “o sustento da sua vida”. Percebe-se aqui que o valor que os
trabalhadores do lixão dão ao lixo; tal valor é atribuído ao contexto social e
ideológico em que ele vivem. Esta realidade é apresentada, re-apropriada pelo
indivíduo ou pelo grupo, reconstruída no seu sistema cognitivo e integrada no
seu sistema de valores.
Em seu trabalho de pesquisa, Gonçalves (2006) interpretou a produção
não apenas pela sua lógica de eficiência material, já que os objetos
garimpados possuíam suas características e seus valores eram
predeterminados. O pesquisador procurou dar uma explicação “cultural da
produção”, pois sabe que é crucial notar que o significado social de um objeto,
o que o faz útil a uma certa categoria de pessoas, é menos visível por suas
21
propriedades físicas que pelo valor que pode ter na troca. Assim, foi possível
provar que a produção destes garimpeiros e seus manifestos funcionais
estavam enquadrados em uma estrutura cultural definida que envolve a
racionalidade do mercado vigente e da sociedade burguesa.
No que tange às relações de trabalho, pode-se dizer que eram relações
firmadas injustamente, uma vez que as empresas pagavam um preço muito
baixo pelo material coletado pelos trabalhadores. Além disso, tais empresas
não mantinham nenhum vínculo com os trabalhadores e se eximiam,
arbitrariamente, de sua responsabilidade social. As condições de trabalho
eram precárias e não possuíam qualquer alternativa de inserção ou ascensão
social.
Neste sentido, o que se percebe que estes trabalhadores, homens e
mulheres, que produzem riqueza – entendendo aqui produção em um grau
determinado do desenvolvimento social, uma vez que tais catadores e todos os
outros indivíduos que vivem da lixeira compõem o próprio instrumento de
produção – não eram – e não são – respeitados legal e dignamente por seu
trabalho.
Eu trabalhei vinte anos registrados, mas depois que desempreguei fiquei muito tempo no lixão e sabe que do jeito que estava não dá para pagar é nada. A gente não tinha nem dignidade no trabalho. Agora com a cooperativa estou pagando INPS. O dinheiro é suado, mas a gente tem que fazer por onde pagar, se não é pior. (HENRIQUE TADEU DE CARVALHO, Trabalhador da Cooperlix, 2003).
Ainda no campo das relações trabalhistas, nem mesmo a promulgação
de leis como o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), que entrou em vigor em
janeiro do 2011 com vistas a substituir de maneira mais abrangente a Política
Nacional do Idoso (Lei 8.842.194), ampliou os benefícios e garantias à terceira
idade que mora e depende do lixão. Os idosos catadores de lixo continuaram
sem documentação e sofrem sem assistência, sem atendimento à saúde e à
habitação.
Outro grupo de “excluídos” são os menores de dezoito anos. O Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), em consonância com o Art. 227
22
da Constituição e da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente
criados pela ONU, garante a proteção aos menores de dezoito anos e
determina seus direitos e deveres, dividindo a responsabilidade entre a família,
o Estado e a sociedade. Um dos pontos do Estatuto, atribui o direito a cultura,
ao esporte e ao lazer como fundamental ao desenvolvimento sócio-
educacional de crianças e adolescentes. Em outro ponto proíbe qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz aos
maiores de quatorze anos. Esta não é a realidade do lixão. Alguns
adolescentes, apesar de serem matriculados em escolas, não vão à aula,
porque precisam ganhar dinheiro para ajudar a família.
Esta situação fez – e faz – com que os adolescentes se sintam
marginalizados, inferiores aos demais, pois não conseguem aprender a ler e
escrever com clareza. Aliado a isto, mesmo sabendo do valor econômico
dispensado ao lixo, sabem que trabalham com objetos indesejáveis para
outras pessoas. Cria-se, então, um círculo vicioso: por falta de opção, os mais
jovens seguem os mais velhos e criam um sentimento de familiaridade em
relação ao lixo: afinal há uma necessidade das famílias se sustentarem.
Segundo Gonçalves (2006), reconstituir estas vivências históricas
individuais permitiu a observação das condicionantes impostas ao
comportamento humano dentro da estrutura geral dessa comunidade. A
história social mantém, entretanto, seu nexo base de constituição, enquanto
forma de abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de
diferenciação e individualização dos comportamentos e identidades coletivas e
sociais na explicação histórica.
Vale registrar que o importante não é apenas relatar o encontro ou as
atitudes de um indivíduo que tem o direito de garimpar no depósito e outro que
não possui esse direito e presta trabalhos secundários na redondeza, mas,
observar em que grau isso se expressa em suas mentes e relações. Neste
sentido e, como este trabalho fala da relação entre homem e natureza, faz-se
necessária uma pesquisa da atual situação ambiental da região. Os conflitos
ambientais não fogem da ótica econômica, pois ocorrem simultaneamente nos
espaços de apropriação material e simbólica e na interatividade do espaço e
23
das práticas sociais. Assim, o estudo destas relações deve ser encarado como
o estudo relativo à preservação da vida global, e não apenas como “um
mecanismo a serviço do indivíduo” (grifo meu).
Diante de tudo o que foi relatado até aqui, é importante refletir o que
nossa sociedade pensa a respeito do lixo, uma vez que, a percepção que se
tem, é que se vive em uma imensa contradição em relação ao valor que damos
ao lixo. Exemplo disto é que, quando se joga algo no lixo, é porque julga-se
desnecessário ao uso. Neste sentido, considerar o lixo como algo utilitário faz
parte de uma mudança de comportamento; logo, um caminho tortuoso, porém,
sustentável a percorrer.
Segundo Machado (2011), a história do Aterro Metropolitano de Jardim
Gramacho, em Duque de Caixas reflete, em parte, a demora na evolução das
políticas brasileiras de destinação de lixo. Maior aterro sanitário da América
Latina, o lixão de Gramacho começou a funcionar a céu aberto em 1978. Em
2005, a inexistência de medidas alternativas eficazes fez com que o terreno de
um milhão e três mil metros quadrados atingiu o que até então se acreditava
ser sua capacidade máxima. As pilhas de detritos alcançaram até oitenta
metros de altura. Não obstante ao fato, o aterro continuou aberto e o acúmulo
de lixo provocou três acidentes geotécnicos nos anos que se seguiram: 2006,
2007 e 2008.
24
Em 2008, uma vistoria da Fundação Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente (Feema) encontrou rachaduras de até quarenta centímetros no
terreno, o que já indicava a possibilidade de vazamento de milhares de litros de
chorume na Baía de Guanabara ou na Foz do Rio Sarapuí.
Segundo a Revista Radis (2011) somente a Companhia Municipal de
Limpeza Urbana (Comlurb) do Rio de Janeiro despeja mais de seis mil
toneladas de lixo por dia no aterro, segundo dados da própria Comlurb. Caxias,
Nilópolis, Meriti e Queimados levam mais cerca de 1,5 mil toneladas ao local
diariamente.
Em 1996, iniciou-se um trabalho que teve como objetivo, transformar
Gramacho em aterro controlado. Em outras palavras, foram pensadas
estratégias e adotadas medidas para minimizar a agressão ao meio ambiente.
Algumas das ações consistiram em cobrir os resíduos sólidos com argila,
melhorar o sistema de drenagem de águas pluviais e de coleta de chorume,
captar os gases por meio de poços, aplicar barreira vegetal, criar estação de
tratamento de chorume e revitalizar mais de cento e dez hectares de
manguezal.
Em 2009, foi inaugurada a Usina de Biogás de Jardim Gramacho,
considerado o maior projeto de redução de emissões de gases do efeito estufa
no Brasil. A usina capta e queima o gás produzido pela decomposição da
matéria orgânica, evitando a liberação de cerca de 75 milhões de metros
cúbicos de metano para a atmosfera anualmente.
Jardim Gramacho foi tema do Documentário “Lixo Extraordinário”,
dirigido pela britânica Lucy Walker e pelos brasileiros João Jardim e Karen
Harley. Tal documentário mostra o trabalho do artista plástico brasileiro Vik
Muniz com os catadores do aterro. O filme foi premiado nos festivais de
cinema de Berlim, Sundance, Paulínia, São Paulo e Amazonas, entre outros.
Segundo Santos (2005), saúde e meio ambiente estão íntima e
historicamente relacionadas: não é possível prevenir e proteger a saúde
individual e coletiva sem cuidar do meio ambiente. Se saúde pressupõe um
meio ambiente saudável não se pode falar em danos ao meio ambiente sem
pensar em danos à saúde individual e coletiva. É fato incontroverso que a
25
degradação do meio ambiente corresponde a graves danos à saúde individual
e coletiva.
Ainda segundo a autora, meio ambiente e saúde compreendem os
aspectos da saúde humana, das enfermidades, dos danos e do bem-estar que
são determinados ou influenciados por fatores do meio ambiente. Também se
refere à teoria e pratica de avaliar, prevenir, corrigir e controlar os riscos do
ambiente que potencialmente podem prejudicar a saúde individual e coletiva
de gerações atuais e futuras.
Neste sentido, percebe-se que saúde não somente se refere à ausência
de doenças, mas sim ao completo bem estar físico, mental e social de um
indivíduo.
A orientação que se extrai da disposição contida no artigo 3º da Lei nº
8.080/90 é que
a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
A Constituição Federal do Brasil, em seu Art. 225 estipula que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Nota-se que o dispositivo em foco é categórico ao afirmar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, ou seja, à própria saúde.
Embora se tenha várias leis relevantes relacionadas ao Meio Ambiente e
Saúde em nosso país, os moradores que vivem próximo ao Aterro
Metropolitano de Jardim Gramacho (AMJG) – Duque de Caxias ainda estão
longe de serem contemplados com o cumprimento de boa parte destas leis,
como já exposto neste trabalho.
O crescimento urbano que ocorreu em Jardim Gramacho, segundo
levantamento feito pela Secretaria do Meio Ambiente (2011) não foi
acompanhado de investimentos adequados em infra-estrutura habitacional
26
formando em muitas localidades assentamentos "ilegais", as favelas e os
cortiços. O resultado deste crescimento desordenado foi o aumento de
pessoas vivendo em condições insalubres, em alguns casos em condições
subumanas, sem cobertura de serviços básicos essenciais como água, esgoto
e coleta de lixo e ainda expostas a diversos contaminantes ambientais típicos
do desenvolvimento do AMJG, como o manuseio direto ou indireto com o lixo,
a contaminação do solo e água subterrânea por agentes patogênicos, pelo
chorume e por produtos químicos e a poluição atmosférica (Esquema 1).
Esquema 1: Vias de contato homem – lixo.
Estima-se que nesta região boa parte dos moradores vive em condições
inadequadas de moradia. Além da disponibilidade dos chamados serviços
essenciais, outros fatores relacionados à qualidade das habitações, podem
também afetar a saúde. Por exemplo, condições térmicas precárias, umidade,
presença de mofo, má-ventilação, grande adensamento de indivíduos por
cômodo, infestações por insetos e roedores, nível de ruído, todos estes fatores
têm sido descritos como potenciais fatores de risco à saúde.
A falta de periodicidade nas coletas de lixo acarretou problemas como o
assoreamento de rios e da Baía de Guanabara, o entupimento de bueiros com
27
conseqüente aumento de enchentes nas épocas de chuva, além do mau-
cheiro, proliferação de moscas, baratas e ratos, todos com graves
consequências diretas ou indiretas para a saúde (Esquema 2).
Esquema 2: Limpeza pública e saúde – modelo causal.
Vale ressaltar que os ratos são uma praga em todo o bairro do Jardim
Gramacho, conseqüência de todos estes anos de lixão. Várias são as doenças
transmitidas por este roedor, tais como Leptospirose, Peste Bubônica, Tifo
Murino, Riquetsiose, entre outras, que podem levar o individuo à morte.
A Secretaria do Meio Ambiente acredita que controlar os vetores e as
pragas é um importante complemento às ações de saúde e bem-estar de
cidades Para isto será necessário realizar um projeto de saneamento básico
priorizando a retirada do lixo de diversos vazadouros existente na região, assim
como regular a periodicidade das coletas de lixo e com destino ecologicamente
adequado.
28
Segundo o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – IETS (2001)
o uso da água subterrânea está intimamente relacionado à saúde. Ainda
segundo o IETS, este processo se intensificou a partir da influência do AMJG,
uma vez que boa parte do chorume que não é captado pela estação de
tratamento é percolado subterraneamente e também em função da
precariedade no abastecimento da água fornecida pela CEDAE. A utilização
desta água comprometeu – e ainda compromente – a saúde da população
local, uma vez que são encontradas nesta água desde organismos
patogênicos até elementos químicos e metais pesados, tais como mercúrio,
chumbo, cromo, cobre e cádmio. Além disso, moléculas orgânicas como os
organoclorados, podem ser encontradas nos aqüíferos a partir destes
depósitos de lixo.
Ainda não se sabe em que raio de distância a pluma de chorume
proveniente do AMJG está atingindo a água subterrânea da região. Responder
esta questão é de suma importância para se pensar em estratégias de controle
ambiental e qualidade de vida da população local e adjacente.
O próximo capítulo versará acerca do lixo como fonte de riqueza e
segregação social.
CAPÍTULO III
O LIXO COMO FONTE DE RIQUEZA
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Lavoisier
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Talvez, ao proferir estas palavras, o famoso químico Antonie Laurent
Lavoisier não tenha percebido a dimensão que a mesma tomaria nos anos que
se seguiram à sua morte. Pensada em um primeiro momento para ser aplicada
às experiências químicas pelas quais se tornou célebre, a frase de Lavoisier se
serve hoje para diversas situações e está intimamente ligada ao conceito de
sustentabilidade. A frase “tudo se transforma” pode ser dita, nos dias atuais de
outra forma: tudo se recicla, principalmente no que tange ao lixo por nós
produzido (grifo meu). Segundo a Revista Ambiente Brasil (2011)
...pode-se dizer que a reciclagem é um dos melhores caminhos a serem seguidos, uma vez que a mesma converte, por meio de um processo industrial, o lixo descartado (matéria-prima secundária) em produto semelhante ao inicial ou outro. Reciclar significa economizar energia, poupar recursos naturais e trazer de volta ao ciclo produtivo o que é jogado fora. As indústrias de reciclagem produzem papéis, folhas de alumínio, lâminas de borracha, fibras e energia elétrica, gerada com a combustão, entre outros materiais que são utilizados constantemente pela população, tanto em bens de consumo como em serviços prestados.
A palavra reciclagem foi introduzida ao vocabulário internacional no final
da década de 1980, quando se constatou que as fontes de petróleo e outras
matérias-primas não renováveis estavam se esgotando (AQUINO, 2003).
Ainda segundo o autor supracitado, para se compreender a reciclagem,
é importante "reciclar" o conceito que se tem do lixo. Faz-se necessário deixar
de enxergá-lo como uma coisa suja e inútil em sua totalidade e, um dos
primeiros passos para o despertar de tal consciência, é perceber que o lixo é
fonte de riqueza.
A reciclagem traz benefícios. Entre eles Aquino (2003) destaca a
diminuição da poluição do solo, água e ar, a melhoria da limpeza da cidade, a
qualidade de vida da população, a melhoria na produção de compostos
orgânicos, a geração de receita com a comercialização dos recicláveis, o
estímulo à concorrência – uma vez que os produtos gerados a partir do
material reciclado são comercializados concomitantemente àqueles oriundos
de matérias-primas virgens – o prolongamento da vida útil dos aterros
sanitários, a geração de empregos para a população não qualificada e, o mais
30
importante, a valorização da limpeza pública com vistas á formação de uma
consciência ecológica cidadã.
Em se tratando do Aterro Sanitário do Bairro Jardim Gramacho, tema de
pesquisa deste trabalho, Barbosa e Silva (2011) sinalizam que o término das
atividades gerou preocupação, já que a economia do bairro se estruturou em
torno da atividade de catação e também da reciclagem, advinda de tal catação.
O encerramento das atividades colocou incertezas para a comunidade quanto
à opção de geração de trabalho e renda, visto que são poucas as ações em
andamento, do poder público, para resolver esse impasse.
Diante disto, os próprios catadores, preocupados com o futuro, criaram
estratégias através da busca de parcerias e contratos, voltados para coleta
seletiva a fim de continuar com o trabalho, pelo menos na cooperativa. Porém,
é relevante interrogar se esta proposta conseguirá absorver toda população
que vive da reciclagem do lixo. Embora, existam alternativas, como a coleta
seletiva, o trabalho com a catação é o que prevalece.
Em pesquisa realizada pelas psicólogas Luiza Ferreira Medeiros e Kátia
Barbosa Macedo, que culminou com o trabalho “Catador de material reciclável:
uma profissão para além da sobrevivência”, publicado em 2006 na Revista
Psicologia & Sociedade, fica claro que o lixo é, sem dúvida, fonte de renda
direta para mais de meio milhão de brasileiros que atuam como catadores.
Tais profissionais entendem que é preciso, urgentemente, pensar nesta
questão e ainda pensar na elaboração de políticas públicas que possam
minimizar os efeitos sociais perversos causados aos trabalhadores do lixo e
maximizar as possibilidades de inclusão social e, mais que isto, valorizar tal
trabalho, por meio da divisão dos lucros. Salientam ainda que, mais que isto, é
preciso pensar estratégias de tomada de consciência social acerca das
inúmeras possibilidades de não desperdício que a reciclagem pode trazer.
Vale ressaltar, no entanto, as questões de ordem social que perpassam
o tema reciclagem. Entre eles, poder-se-à enfatizar principalmente no que se
refere ao “tipo de público” empregado nesta ocupação. Barbosa e Silva (2011),
por exemplo, salientam que o binômio “pobreza e degradação ambiental” é
antigo nas narrativas dos segmentos sociais dominantes
31
é costume datar os anos 1960 e 1970 como os anos dos primeiros registros mais expressivos de crítica da relação homem-natureza, quando também se iniciaram os movimentos ambientalistas. O que se coloca em cena a partir dessa época é o enquadramento da crise da organização social da produção, do consumo e o meio ambiente. A partir de então, o debate nessa área caracteriza-se como mais diversificado e contraditório, envolvendo desde visões românticas sobre um mundo sem ação humana sobre a natureza, como também expectativas de uma maior racionalização tendo em vista um “desenvolvimento limpo”. Esse quadro se desenha contraditoriamente no contexto do acirramento da internacionalização da economia quando a cena social se enche com estratégias de um modelo de desenvolvimento baseado na polarização entre ricos e pobres, em termos de geopolítica e de classes sociais, descortinando um frágil compromisso pela sustentabilidade social. O processo de globalização contemporâneo provoca polarização social e geográfica. Assim, a maior ou menor ação em favor ou contra a degradação ambiental e o empobrecimento se referem sempre a busca de sustentabilidade do capitalismo para fazer frente a essas contradições. A diferença a se manifestar aí será sempre a ação política, de modo que os movimentos sociais e ambientalistas consigam tornar a sustentabilidade um problema político, porque geradora e produto de clivagens sociais e desequilíbrios ambientais.
Diante do exposto, o que se percebe é que a maioria dos trabalhadores
que trabalham com a reciclagem – exceto os que trabalham em sistema de
cooperativa – dificilmente têm o devido retorno financeiro da matéria-prima
com a qual trabalham. Neste sentido, o lixo torna-se, ao invés de “fonte de
riqueza”, fonte de preconceito e segregação social (grifo meu).
Ainda no que tange à questão do trabalho voltado para a reciclagem,
Magera (2003) salienta
...as características diferenciais de unidades de trabalho baseadas no cooperativismo e nas empresas de mercado demonstram que a experiência da reciclagem nem bem se apoia na doutrina cooperativista nem bem atende a legislação trabalhista. Ela reserva-se como uma atividade subjugada às relações de forte dependência de instituições sociais externas, de empresas e do trabalho precarizado.
É fato que o lixo traz riqueza, tanto financeira quanto material e social;
porém, é preciso que os empresários queiram “dividir a fatia do bolo” com
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quem de direito, ou seja, aqueles que impulsionam a economia e o
desenvolvimento e que não são impulsionados por eles (grifo meu).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O governo acha que somos uma cambada
de idiotas. Não pode fechar e acabou. Precisamos de uma proposta. São famílias inteiras,
com taxa de natalidade de quatro, cinco filhos, e senhoras que trabalharam a vida toda e
precisam de uma aposentadoria.
Tião Santos, ex-morador do lixão e atual Presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável de Jardim Gramacho.
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Diante de tudo o que foi apresentado neste trabalho, pode-se dizer que
os impactos sócio-ambientais ocasionados pelas atividades do antigo Aterro
Sanitário de Jardim Gramacho continuarão sendo sentidos ainda por algum
tempo.
No que tange às condições sociais, principalmente no que tange ao
saneamento básico, pouco se fez desde a criação do Aterro Sanitário, uma vez
que apenas metade dos domicílios tem acesso à rede geral e à canalização. A
maioria ainda depende da “bica comunitária” para ter acesso a este bem,
essencial á sobrevivência da vida humana.
Quanto ao fornecimento de luz elétrica às residências, pode-se dizer
que poucos são as residências em Jardim Gramacho que possuem acesso à
rede elétrica oficial; as demais residências possuem o que chamamos de
“gato” na rede elétrica.
No que tange ao sustento diário, a falta do referido “lixão” deixou os
catadores preocupados com o futuro. Por isso que, como dito acima, foram
criadas estratégias voltadas para coleta seletiva a fim de continuar com o
trabalho, pelo menos na cooperativa. De qualquer forma, como também
exposto neste trabalho, tal proposta não conseguirá absorver toda população
que vive da reciclagem do lixo; neste sentido, pode-se dizer que a falta de
emprego e de perspectiva – pouca participação governamental – também é um
fator que contribui para o não desenvolvimento local.
No que tange ás questões ambientais, a instalação dos grandes
empreendimentos econômicos ocorridos na região também causaram danos à
natureza. Em se tratando de Jardim Gramacho, pode-se dizer que tais danos
foram sofridos também pelos moradores da região, uma vez que, como dito
acima, é um local onde não se investe em saneamento, onde há ausência de
políticas de controle dos depósitos de lixo tóxico ou orgânico – e, em função
disso, o chorume se espalha e se infiltra no solo –, onde há moradores vivendo
em condições de risco, entre outros. Em outras palavras, a instalação de tais
empreendimentos – que visam somente o lucro – dividem com estas
populações, menos dotadas de recursos financeiros o risco desproporcional
dos danos ambientais.
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No que tange à destinação do uso da área do aterro, talvez possam ser
pensadas ações como a criação de um parque público, a exemplo do Fresh
Kills Park (FKP) em Nova Iorque que possui uma área muito maior que aquela
destinada outrora ao Aterro.
Para isto, no entanto, faz-se necessário compromisso e interesse dos
órgãos públicos em restaurar a qualidade ambiental em Jardim Gramacho e
proporcionar uma melhor qualidade de vida à sua população.
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