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1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
Por: Athos Paulo da Costa Salles
Orientador
Prof. Edla Trocoli
Rio de Janeiro
2011
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
Educação superior luso-brasileira: uma (des)continuidade
das políticas educacionais no Brasil (1772-1820)
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Docência do
Ensino Superior
Por: Athos Paulo da Costa Salles
3
AGRADECIMENTOS
.... primeiramente, a Deus, aos
meus pais, a minha noiva, amigos e
professores que colaboraram com seu
apóio, orações e conhecimentos......
4
DEDICATÓRIA
.....dedico a minha mãe, minha
grande mestra, mestra da minha vida .......
5
RESUMO
O trabalho de pesquisa que se segue, tem por objetivo averiguar a
continuidade e/ou descontinuidade das políticas educacionais no período que
compreende os anos de 1772 e 1820. Em 1772, durante o reinado de D. José I
em Portugal, ascende o poderoso ministro Sebastião de Carvalho e Melo, mais
conhecido como marquês de Pombal. Durante seu governo, Pombal buscou,
de uma forma muito particular, colocar Portugal no rumo de outros países
europeus que viviam sob a influência do Iluminismo. Tal intento teve como
principal marco a reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra. Esta
reforma caracterizou-se pela condução do Estado do desenvolvimento
científico, sendo este voltado para os fins de recuperação econômica, militar e
administrativa do Estado Português. Com o advento da Era Napoleônica e do
Bloqueio continental, Portugal, sob a regência de D. João e aliado de longa
data da Inglaterra, transmigra para a mais importante colônia portuguesa, a da
América. Além de muitíssimas pessoas o que D. João trouxe em sua
“bagagem”? Como seria organizada a estrutura educacional nas terras
coloniais? Será a mesma desenvolvida pelo marquês de Pomba? Mediante
estas pesquisa, nossa resposta para o nosso grande problema é que houve
uma continuidade. Contudo esta não é uma verdade única, mas uma verdade
científica, passível de discordância e novos resultados.
6
METODOLOGIA
Nosso primeiro procedimento será fazer um levantamento bibliográfico
que engloba estudos sobre política, economia e educação superior no período
histórico abordado por esta pesquisa.
Posterior ao levantamento bibliográfico, realizaremos um levantamento
de fontes documentais em arquivos públicos como Arquivo Nacional no Rio de
Janeiro (AN-RJ), na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BN-RJ), no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e em sites que disponibilizam
documentos históricos na internet como IEB-SP e o site da Biblioteca Nacional
virtual.
Buscaremos um encadeamento entre estes dois métodos, onde
buscaremos embasar nossas proposições e argumentos em fontes
bibliográficas, buscando dar veracidade aos argumentos propostos por meio de
comprovações documentais.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I- Da Reforma a vinda 10
CAPÍTULO II - Iluminismo português e a educação superior 20
CAPÍTULO III – Educação superior joanina 32
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 46
ÍNDICE 51
8
INTRODUÇÃO
1772, ano de grandes mudanças nos rumos da educação superior em
Portugal e para suas possessões. Neste ano, passou a vigorar os Estatutos
reformados da Universidade de Coimbra. Mas em que consistiu esta reforma?
Quais as idéias norteadoras deste processo?
Alguns anos depois, mais precisamente 1808, a Família Real
portuguesa chegou a Salvador e dias depois ao Rio de Janeiro. Trouxe consigo
livros, jóias, uma elevada quantidade de pessoas, mas, também, hábitos,
costumes e, o principal para o desenvolvimento desta pesquisa, uma
concepção de educação. Mas que concepção é esta?
Além destas duas perguntas iniciais podemos elaborar uma terceira
pergunta: estas questões são correlatas?
Estas perguntas são a base para esta pesquisa histórica e científica
que versa sobre as políticas educacionais, para o ensino superior, no fim do
período colonial e o período da permanência da família real na sua ex-colônia,
transformada em Reino Unido de Portugal e Algárves, o centro decisivo da vida
do Império Português.
Temos como objetivo averiguar a continuidade e/ou a descontinuidade
das políticas educacionais, voltadas para o ensino superior, no momento em
que o “Brasil” ainda era uma possessão portuguesa e no momento em que
começam a surgir as primeiras cadeiras de formação superior, momento
concomitante ao de uma maior emancipação do Reino Unido de Portugal e
Algáves.
Para que possamos compreender o levantamento desta questão e,
mesmo, compreendermos o contexto do momento vivido por Portugal e suas
Colônias, buscaremos, no primeiro capítulo, fazer uma levantamento da
situação política e econômica de Portugal e sua colônias em fins do século
XVIII.
9
Neste capítulo primeiro capítulo, abordaremos o contexto português
entre o ano da crise que atingiu o Império português, na década de 1760, e o
desdobramento das ações napoleônicas na Europa que forçou a vinda corte
portuguesa para a sua colônia na América.
Em seguida, recuaremos ao momento da reforma dos estatutos da
Universidade de Coimbra, em 1772, quando as idéias iluministas adentram
Portugal. Neste mote objetivaremos esclarecer os fins da ciência em Portugal;
a que interesses a ciência atendia.
Buscaremos, ainda neste segundo, esclarecer determinadas questões
acerca do iluminismo na Europa, principalmente a que diz respeito à
diversidade assumida por este movimento na Europa.
No terceiro capítulo levantaremos a estrutura do ensino superior
implementada por D. João VI. Termos como base de nossa análise a Academia
Real Militar, fundada em 1810. Ao abordar esta instituição, destacaremos a
figura de Rodrigo de Souza Coutinho, ministro de D. João antes da partida da
Família Real para sua colônia na América.
Político ilustrado, D. Rodrigo de Souza Coutinho já aventava a hipótese
da transferência da corte para sua mais rica colônia. Seu objetivo ao idealizar a
Academia Real Militar, era a defesa deste vasto território, alam da formação de
uma elite intelectual capaz de gerir a administração colonial.
É deste ponto que fecharemos nossa questão que é averiguar a
continuidade e/ou descontinuidade das políticas de educação para o ensino
superior. Faremos uma análise das políticas implementadas nos dois
momentos.
Por fim, porém, não encerrando a discussão sobre a temática,
elaboraremos uma breve conclusão sobre a temática e uma análise sobre o
nosso presente, observando pontos do nosso passado ainda presentes nos
dias atuais.
10
Capítulo 1
DA REFORMA A VINDA
Iniciando nossa caminha ruma a averiguação das rupturas e
continuidade das políticas educacionais na formação de luso-brasileiros em fins
do período colonial, teremos como primeira meta observar o panorama político
e econômico deste momento.
Ao fazermos esta observação buscaremos destacar alguns aspectos
que marcaram a relação entre Portugal e sua colônia na segunda metade do
século XVIII, sob as governanças do Marquês de Pombal, Martinho de Mello e
Castro e Rodrigo de Souza Coutinho.
Em seguida, destacaremos, de forma breve, as motivações que
conduziram a Família Real Portuguesa para a sua colônia, bem como sua
permanência e as necessidades prementes para atendimento das
necessidades estruturais da corte recém-chegada.
1.1– A crise do Antigo Regime Português
Em meados do século XVIII, mais precisamente na década de 60,
Portugal e seu Império passam por uma crise de caráter econômico que não
havia precedentes em sua história (ALDEN, 1999:548), onde traços como a
dependência econômica em relação à Inglaterra e à sua colônia na América
tornaram-se mais aguçados.
Neste momento, entre os anos de 1750 e 1801, emergia no cenário
político português, pessoas públicas, advindas da nobreza portuguesa, que, ao
participarem da administração portuguesa, objetivam modificar este quadro de
extrema dependência econômica.
11
Tais administradores imbuíram-se em levar para dentro de Portugal o
conhecimento e a experiência adquirida no contato com outros países da
Europa que já vivenciavam as tendências iluministas, adaptando-as a realidade
e as necessidades portuguesa.
Os administradores portugueses do período tendo como guia a
inserção das idéias iluministas em setores da sociedade portuguesa, como por
exemplo, o meio acadêmico, buscaram a ciência como linha condutora para a
explicação de fenômenos aplicando-a nos setores que poderiam gerar algum
retorno financeiro para a Coroa portuguesa, tendo, a ciência, a função de
arregimentar recursos financeiros para a solução da crise, colocando-a, então,
a serviço do Estado português.
Em um primeiro momento, temos a figura de Sebastião José de
Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que introduz em Portugal as bases do
pensamento iluministas, ou melhor, traz para o corpo do Estado tais idéias,
moldando-as de acordo com as necessidades portuguesas. Essa idéia fica bem
clara nas palavras do reitor reformador da Universidade de Coimbra:
“Não se deve encarar a universidade como um corpo
isolado, preocupado apenas com seus próprios negócios,
como sucede normalmente, mais como um corpo no
coração do Estado que, mercê de seus intelectuais, cria e
difunde a sabedoria do Iluminismo para todas as partes
na Monarquia a fim de animar e revitalizas todos os ramos
da administração pública e de promover a felicidade do
Homem. Quanto mais se analisa essa idéia, maiores
afinidades se descobrem entre a universidade e o Estado;
quanto mais se vê a dependência mútua desses dois
corpos mais se percebe que a Ciência não pode florescer
na universidade sem que ao mesmo tempo floresça o
Estado, melhorando e aperfeiçoando a si mesmo. Essa
compreensão chegou muito tarde a Portugal, mas em fim
12
chegou e estabelecemos sem dúvida o exemplo mais
perfeito e completo da Europa atual” (PEREIRA
COUTINHO, Apud, MAXWELL, 1996, p. 114).
Além de revelar o enlace entre o iluminismo e o Estado português, a
passagem acima destaca o intento em expandir tais idéias pelo Império frente
ao atraso em que se encontrava a estrutura administrativa portuguesa à época.
Contudo, esta concepção de atraso e de dependência econômica, que
não guardava relação somente com a dependência histórica com a Inglaterra,
mas, também, com sua colônia na América, não eram novidade no
pensamento administrativo da coroa portuguesa.
D. Luís da Cunha, ministro de D. João V, ao analisar a situação em que
se encontravam as finanças portuguesas, fruto destas dependências, aclamara
que uma solução viável a coroa seria transferir-se, com sua corte, para a
colônia na América, principal fonte de riquezas da portuguesa. Tal pensamento
foi reeditado por Rodrigo de Souza Coutinho, ministro do príncipe regente D.
João VI, que aventou a possibilidade descrita acima (SILVA, 1998).
Não tardou muito, a vinda da Família Real portuguesa para a colônia
na América tornou-se realidade, mas não somente por motivos de preservação
das riquezas, mas, principalmente, pelas questões políticas que afloravam na
Europa sob domínio de Napoleão Bonaparte.
1.2 – Primeira corte na Colônia
Para melhorarmos nossa localização temporal, é relevante
destacarmos a “sucessão” do trono Português. Após a morte de D. Jose I, rei
no período compreendido entre 1750 e 1777, sua sucessora foi sua filha, D.
13
Maria I, ou Maria a Louca, denominação vinculada após ter sido declara
incapaz de governar, em 1792 (GOMES, 2007).
O sucessor natural ao trono português, D. José, primogênito de D.
Maria, Morrera em 1788, aos 27 anos, de Varíola. Seu segundogênito, D.João,
segundo Laurentino Gomes (2007) não recebera educação suficiente que lhe
desse os dotes para ser um estadista. Mesmo assim, D. João assume as
rédeas do governo Português em 1792, com o título do Príncipe Regente, título
modificado para D. João VI após a morte de sua, em 1816.
Como podemos aferir a vinda da família real para a Colônia
portuguesa na América, situa-se no governo de D. João
Na regência de D. João, no nível das relações internacionais, temos
como contexto o estabelecimento do Bloqueio Continental estabelecido por
Napoleão Bonaparte em 1806. Tal bloqueio visava enfraquecer o poderio
mercantil Inglês, intimando que os países do continente fechassem seus portos
àquele país e pressionando para uma tomada de decisão dos países que não
haviam se postado de um lado ou de outro (CALMON, p. 1383).
De acordo com Pedro Calmon (1981), em obra relatando o século XVIII
e XIX, pertencente a um conjunto de tomos destinados a relatar a história do
Brasil nos seus diversos períodos, o segundo caso supracitado, engloba a
situação de Portugal. De mesma compreensão temos Laurentino Gomes
(2007), que retrata a vinda e permanência da corte portuguesa em solo
colonial.
Calmon e Gomes Buscam destacar as fragilidades Portuguesa neste
período, elucidando que Portugal estava muito aquém, principalmente em
recursos militares, das duas grandes potências que lhe pressionava como uma
laranja em um espremedor.
Em termos de recursos militares, Gomes (p. 58) nos apresenta dados
que colaboram para a compreensão da situação bélica de Portugal no
momento de nosso interesse:
14
“Soberano nos mares dois séculos antes, Portugal já não
tinha condições de se defender sozinho. Sua outrora
poderosa Marinha de guerra estava reduzida a trinta
navios, dos quais seis ou sete eram imprestáveis – uma
frota insignificante, comparada coma a da Marinha
britânica que, nessa época, dominava os oceanos com
880 navios de combate. Como resultado dessa fraqueza,
entre 1793 e 1796, mais de 200 navios mercantes
portugueses haviam sido capturados pelos franceses.”
Inicialmente, Gomes nos remete ao momento anterior ao foco de nosso
estudo, ao momento em que Portugal vivia os louros do pioneirismo da
Expansão Marítima. Contudo o autor aponta algumas causas para esta
reviravolta em Portugal.
Segundo os fatores que influíram neste processo de decadência foram
“a escassez de recursos demográficos e financeiros e o atraso nas idéias
políticas e nos costumes” (p. 60) além de uma “dependência de uma economia
extrativista [que] fez com que a manufatura nunca se desenvolvesse em
Portugal. Tudo vinha de fora” (p.61).
Em sua dissertação Gomes, no entanto, aponta uma antítese, também
apresentada por Kenneth Marxwell, como a responsável por uma
transformação na sociedade Portuguesa.
Tal fato foi o terremoto que atingiu a capital imperial portuguesa,
Lisboa, em 1º de novembro de 1755. Nas palavras de Gomes a tragédia fez
com que as estruturas portuguesas fossem reformadas pela marquês de
Pombal, onde “Pombal fez isso com mão-de-ferro”e “além de reconstruir a
capital, acabou por reformar o próprio império” (p.63 e 64).
15
Politicamente, encontramos no Portugal do Príncipe D. João, uma
divisão quanto a decisão sobre qual dos dois lados o país deveria se enfileirar.
Neste mote temos, de acordo com Calmon, que
“Duas preliminares estavam estabelecidas: não lutaria
contra os ingleses, nem se deixaria apanhar pelos
franceses. É fácil concluir: tinha na cabeça o plano de
refugiar-se no Brasil – protegido pela ‘tradicional aliada’,
e, no asilo pacífico, esperaria que se desvanecesse a
borrasca. A sua política [de João], apesar das vicissitudes
e dos incidentes que a dramatizaram, simplificara-se
neste propósito. Optava pela América!” (p. 1384 e 1385)
Vale salientar a figura de Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de
Marinha e dos Negócios de Ultramar e Presidente do Erário Régio, antes da
partida, e ministro de D. João VI após a vinda para a América.
Tal ministro era o principal defensor da vinda da família real para a sua
colônia na América, bem como o principal defensor do alinhamento português
do lado Inglês. Seu principal opositor Antônio de Araújo. (CALMON, p. 1384)
Entretanto, mesmo havendo esta divisão, segundo Calmon (p. 1385) e
Gomes (p.65), D. João Buscava uma aparente neutralidade entre as duas
potencias. Esta neutralidade, contudo, era aparente.
Entendamos melhor esta questão por meio de Calmon que o seguinte:
“De novo Portugal se achou, como em 1801, entre a
Espanha, aliada de França, e a Marinha britânica,
senhora do Atlântico. Se atendesse a Napoleão, perderia
o Brasil; se o contrariasse, teria de defender-se na
desabrigada fronteira(L)” (p.1383)
16
Ao observarmos o quadro apresentado anteriormente sobre a
importância da colônia portuguesa na América, podemos compreender o
cuidado em não perdê-la, visto que, como destacamos em Gomes, a frota
naval portuguesa, se comparada a da Inglaterra, que detinha interesses na
América portuguesa, era extremamente inferior, o que inviabilizava a defesa de
sua colônia.
Contudo, onde podemos encontrar o caráter aparente desta
neutralidade? Podemos responder esta questão fazendo referência a Gomes
(p.65) e a citação já feita de Calmon, onde este se refere à Inglaterra como a
“tradicional aliada”.
O destaque que almejamos concretizar é a aliança histórica entre
Inglaterra e Portugal, que não se remete somente ao tratado de Methuen, de
1703, mas aos primórdios da estruturação de Portugal como um país.
Mediante este contexto e o ‘descumprimento’ da ordem de “cerrar os
portos aos navios , e prender os súditos ingleses, em 12 de agosto de 1807”
(Calmon, p. 1385), no dia 29 de novembro de 1807, em uma manhã
ensolarada, por volta das 7h., a Nau Príncipe Real, inflou velas e rumou em
direção ao Atlântico, em meio aos olhos estáticos e confusos dos súditos
(Gomes, p. 67).
Este fato também fora relatado por Calmon:
“Embarcou quem pôde, na ânsia da salvação, como a
escapar de um incêncio.
O espetáculo tanto teve de grotesco como de admirável.
Jamais sucedera cousa semelhante: a emigração dum
governo, com suas principais pessoas, os seus arquivos,
os seus livros, o seu mobiliário, tudo o pôde ser removido,
17
empacotado, metido nos porões dos barcos, enquanto o
povo, comovido e triste, só tinha injúrias (L)” (1390).
A viagem, repleta de contratempos como o ataque de piolhos à nobre
tripulação, teve seu primeiro ponto de parada na Bahia, em 22 de janeiro de
1808. Na Bahia uma série de atos forma tomados como a abertura dos portos,
por carta régia de 28 de janeiro de 1808 (CALMON, 1391).
Outro fato importante que ocorrera na Bahia e nos remete à temática
desta pesquisa foi a instalação de uma escola de cirurgia, que, atendendo
“(L) ao seu médico, Dr. José Correia Picanço, que lhe
representou a necessidade de criar uma escola de
cirurgia anexa ao hospital da cidade, e, em 18 de
fevereiro [1808], baixou o decreto, que, não somente
estabeleceu a cadeira pedida, como as de Anatomia e
Obstetrícia. Lançara a pedra fundamental do ensino
médico (L)” (CALMON, 1395)
Após a Bahia, o destino foi o Rio de Janeiro cuja chegada dera-se em
07 de março de 1808, quando os navios portugueses entraram na Baia de
Guanabara (GOMES, p.139) Após o desembarque, em 08 de março do mesmo
ano, e resolução de questões como a hospedagem das 10 mil almas
pertencentes à corte portuguesa, Calmon afirma que, a partir de 01 de abril de
1808, iniciou-se a organização da administração no Reino Unido de Portugal e
Algáves.
Coincidências a parte, vale ressaltar que, na atualidade o dia 01 de
abril é uma data reservada a pregarmos uma peça em nossos amigos e
parente, pois este é o famoso dia da mentira.
18
Nas palavras de Calmon (p.1400):
“Não se mudou a corte; mudou-se o Estado. Era
indispensável, portanto, instalar ainda as repartições, os
tribunais, as comunidades. Estava o governo organizado.
Cumpria estabelecer a ordem como a polícia, a justiça
superior, os órgãos administrativos que tinham até aí
faltado à colônia. Assim se fez, a partir de 1 de abril (L)”
Dentro desta perspectiva, a da estruturação administrativa na nova
capital do império português, podemos observar a instalação da Academia de
Marinha (1808) e a Academia Real Militar (1810), cujos propósitos
abordaremos no terceiro capítulo.
A estadia de D. João durou até 26 de abril de 1821, quando retorna
para Portugal motivado por questões de cunho político, que se desdobravam
desde o ano anterior, 1820, com a Revolução Liberal do Porto. Isto, segundo
Gomes (p. 320), era significativo, pois, enquanto na França de Luís XVI os
gritos da população eram de protesto, em relação a D, João, a população
gritava seu nome, marcando o quanto o rei era querido pela população de sua
colônia.
Entretanto, D. João VI aqui deixara seu filho, D. Pedro, futuramente, D.
Pedro I, imperador do Brasil, com a seguinte recomendação: “Pedro, se o
Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum
desses aventureiros” (Apud: LIMA, p. 686. In GOMES, p. 319).
Com isto, podemos observar que D. João VI, vendo-se obrigado a
retornar para Portugal, manteve sob sua influência, ou de sua família, aquela
que era a mais rica colônia portuguesa. De certo, este controle da família real
dos Bragança pôde ser sentido no Brasil por todo o período imperial, pois D.
Pedro II, filho de Pedro I, detinha o sangue nobre desta família.
19
No entanto, este não fora o único legado que D. João VI deixara para
sua colônia. Segundo Gomes (p.326), em concordância com vários outros
historiadores, a estadia de D. João VI fora positiva, apesar de manter, com
grande solidez, parte do legado colonial como a pobreza, o analfabetismo e a
mão de obra escrava. Mas que, diferentemente da divisão territorial ocorrida na
América espanhola, após seu processo de independência, conseguiu manter
sua unidade territorial e a formação de um sentimento de Nacionalidade, em
vista da divisão que havia quando da sua chegada.
Após abordarmos o contexto histórico de nossa proposta surgem
algumas questões de relevância para a compreensão do momento vivido entre
1772 e 1822, bem como para o entendimento da nossa questão principal que é
averiguar a ruptura e/ou a continuidade da política educacional no período
colonial e no período joanino no Brasil.
Falamos do iluminismo em Portugal. Ao falarmos de iluminismo, logo
nos salta o nome próprio França, país visto como o lugar das luzes, das
grandes idéias e intelectuais do século XVIII, da grande Revolução que marca
a passagem do Mundo provido pelo Antigo Regime par a o mundo
contemporâneo.
Com base no vimos acima, Portugal não optou pelo lado francês, mas
pelo lado inglês cujas relações comerciais e diplomáticas remetem ao processo
de formação do Estado Nacional português.
Mas será somente por esse fator que Portugal se alinhou ao lado
inglês? Será que existiu somente um iluminismo na Europa, ou vários?
Partindo da hipótese de que existissem diferentes iluminismos na Europa,
como seria o de Portugal? Qual a sua relação e sua aplicabilidade com e na
colônia portuguesa na América?
Estas são questões que pretendemos responder no próximo capítulo,
onde, faremos um pequeno retrocesso cronológico, visto que avançamos até o
fim do período da presença de D. João VI em terras americanas (1821). Tal
retrocesso, temporal, consiste na dissertação sobre o marco do iluminismo em
20
Portugal e os desdobramentos dele na formação de uma elite intelectual. Tal
marco foi a reforma da Universidade de Coimbra (1772).
Capítulo 2
ILUMINISMO PORTUGUÊS E A EDUCAÇÃO
SUPERIOR
Com este capítulo objetivamos compreender as modificações na
política educacional voltada para ensino superior implementadas pelo marquês
de Pombal, tendo como marco a reforma dos estatutos da Universidade de
Coimbra.
Buscaremos destacar os objetivos que permearam tal reforma, assim
como as influências recebidas do campo das idéias que permeavam a Europa,
na figura do iluminismo, e a faceta que estas influências assumem em Portugal.
O primeiro ponto a ser abordado é a questão da geografia do
iluminismo, onde nosso objetivo é compreender a existência do iluminismo na
Europa, demonstrando sua diversidade.
Depois de demonstrado este ponto, partiremos para uma análise da
inserção das idéias iluministas em Portugal, tendo como ponto de partida o
governo de Sebastião de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal.
E, em seguida, adentraremos ao mundo da reforma da Universidade de
Coimbra, 1772.
2.1– A geografia do Iluminismo
Este subtítulo pode ser encontrado em autores como Franco Venturi
(2003), Francisco Calazans Falcon (2009), que dissertam sobre os
21
desdobramentos dos variados anseios do movimento iluminista europeu, que
teve como base as luzes da França.
Francisco Calazans Falcon, em sua obra O Iluminismo, nos faz a
seguinte pergunta: “Europa ou Europas?”
Segundo o autor (2009, p.23), a resposta para uma única Europa está
associada ao caráter “herdado dos próprios iluministas” de uma “ ideologia da
unidade da Europa das Luzes”, com uma unidade metal e intelectual única.
Para a resposta acerca de diversas Europas, Falcon (2009, p.23)
destaca que, uma Europa única decorria de uma “projeto uma ideologia”, logo
não constituía uma realidade prática, mas uma idéia de unicidade.
Com esta introdução de Falcon, temos, contudo, que buscarmos uma
definição para iluminismo, algo controverso se estamos buscando uma
diversidade de sentidos e práticas. Mas tentaremos uma definição mais
genérica.
Em fins do século XVII e início do século XVIII, surge na Europa o
movimento Iluminista, que se configura como continuação da tradição
racionalista iniciada com o Renascimento e desdobrada por Descartes, Galileu
e Newton, reafirmando concepções da filosofia natural como a metodologia
científica baseada na observação e na experimentação, da organicidade das
leis e a visão física e psíquica do comportamento humano. (WEHLING,
2005:152).
Outra definição para Iluminismo que podemos destacar é dada por
Robert Darnton (2005, p. 18) onde toma o iluminismo “como um movimento,
uma causa, uma campanha para mudar as mentes e reformar as instituições”,
que teve sua localização espaço-temporal inicial em Paris, no século XVIII.
Apesar do ponto inicial deste “movimento” ter seu início da França,
como é destacado por Darnton, o próprio Darnton (p.20) afirma que, embora
ele próprio “considere Paris a capital da República das Letras no século XVIII,
concordo que o iluminismo se difundiu a partir de muitos pontos”, dos quais o
autor destaca a cidade portuguesa, capital deste império ultramarino, Lisboa.
22
Partindo de uma análise feita por Flávio Rey de Carvalho (2008),
pautando-se em uma análise historiografia que inclui o próprio Robert Darnton,
o autor afirma que, após a década de 1970 e seu revisionismo historiográfico:
“(^) as pesquisas acerca do Iluminismo, até então
focadas na imagem homogênea, harmônica, coesa e
unilateral das Luzes, passaram a considerar a pluralidade
de nuances com as quais o ideário iluminista se
manifestou nos diferentes contextos cultural e geográfico.”
Com este dado nos cabe as seguintes perguntas: pautado na geografia
do iluminismo, observamos que tal movimento não foi uníssono na Europa.
Desta forma, qual a origem do iluminismo Português? Como se deu o
iluminismo em Portugal?
2.2 – O Iluminismo Estrangeirado
Em 1750 ascende ao ministério de D. José I, Sebastião José de
Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. O então ministro de D. José I, advindo
da baixa nobreza portuguesa, acumulara em seu histórico como agente do
Estado português o cargo de Ministro plenipotenciário em Londres e Viena
(SILVA, 1998, p. 479).
Ser um ministro plenipotenciário significa, na linguagem jurídica, que o
ocupante de seu cargo detinha poderes de decisão perante a diplomacia de
Portugal (SILVA, 1994). Podemos observar desta maneira que Pombal
coagulava em seu histórico de agente administrativo duas características
interessantes: o hábito da tomada de decisões e experiência adquirida em um
23
país onde as idéias iluministas estavam em voga e que, como já destacamos,
era primaz nas relações comerciais portuguesa, a Inglaterra.
Tendo em vista o projeto de “modernização” de Portugal, Pombal
objetivava a centralização absolutista do poder, a separação entre Estado e
Igreja (com a expulsão dos jesuítas) e a criação de grandes monopólios
capitalistas; para além disso, temos a reconstrução de Lisboa após o terremoto
de 1755, que possibilitou transformar a capital do Império em uma cidade
moderna e geométrica, e a reforma da Universidade, em 1772, a fim de formar
em Portugal os técnicos necessários ao desenvolvimento do País (PAIS, 2004).
Com a emergência de Pombal ao ministério de D. José I, no cargo de
Secretário de Estado da Guerra e dos Negócios Estrangeiro e, posteriormente,
como Secretário de Negócios Internos e Presidente do Erário Régio (SILVA,
1998, p. 479), emerge, também, um agente administrativo preocupado em
adaptar o que vira em seu contato com o exterior à realidade portuguesa com
vistas ao provimento do seu almejado processo de modernização.
Esta proposição em adaptar as idéias iluministas à realidade
portuguesa é, nas palavras de Silva, a característica dos Estrangeirados, cuja
figura de Pombal é a primeira em uma sequencia de homens notáveis, como
Martinho de Mello e Castro e D. Rodrigo de Souza Coutinho, sucessores de
Pombal, na administração portuguesa (SILVA, 1998, p. 479).
Acerca da posição dita acima, podemos observá-la nas palavras de
Falcon, que, ao fazer uma referência às influências externas, afirma ter
ocorrido em Portugal
“uma verdadeira releitura, uma reinterpretação do
discurso ilustrado em função das condições concretas ali
existentes, de onde resultou uma construção ao mesmo
tempo nova e original” (1993, p. 197).
24
Podemos perceber a presença de idéias provenientes de outros países
europeus através das palavras do memorialista e doutor em leis na
Universidade de Coimbra, José Antônio de Sá, que defendeu uma ampla
sistematização do Reino de Portugal, seguindo o exemplo de outras nações
européias no que concerne a adoção das ciências naturais e suas utilidades:
“As nações cultas, e potentes tem abraçado este
caminho, a maior parte dos soberanos d´Alemanha
sentirão assaz o quanto he util a huma Republica procurar
as substancias, que fecha a terra no seu seyo, o que bem
pode inferir-se dos regulamentos sobre as minas. Esta
mesma tem sido a prática d´Inglaterra, Holanda, Suecia,
&c.” (SÁ, 1783, p. 11 Apud PATACA, 2006, p.30).
Neste mote, os estrangeirados, segundo Pais, compõem um conjunto
de técnicos, altos funcionários e de burgueses, que em contacto com a cultura
européia, através das viagens, são o elo das idéias iluministas européias e
Portugal (PAIS, 2004). Segundo Silva, os estrangeirados eram portugueses
que, cônscios das dificuldades econômicas portuguesas e do seu atraso
estrutural em relação ao restante da Europa, imbuíram-se em propostas para a
reversão desta situação, pautando-se em conhecimentos e experiências
adquiridas em países “mais avançados” (SILVA, 1998, p. 479).
Desta forma, podemos observar que Portugal recebe as influências
externas do iluminismo europeu. Contudo, mediante sua realidade, seus
‘idealizadores’ fazem as adaptações pertinentes a sua realidade conjuntural,
buscando promover uma grande reforma em Portugal.
Contudo qual o grande marco do iluminismo em Portugal? Qual o
grande marco deste processo de reforma que teve como base a adaptação das
idéias iluministas? Quais as suas principais características?
25
2.3 – Reformar para melhorar
Para Hélio de Alcântara Avellar (1983), o iluminismo em Portugal é de
cunho reformista e pedagógico, tendo como alvo a remodelação dos processos
educacionais, pela introdução das ciências naturais e da filosofia moderna
tendo como expoente o Marquês de Pombal, com continuidade do plano
reformista no reinado de D. Maria I.
O iluminismo português tornando-se um programa político adaptado às
necessidades do reino e de seus domínios funcionando como programa de
governo que visava o atendimento da conjuntura socioeconômica do reino e
das colônias.
Avellar (1983) destaca o caráter pragmático e utilitarista assumido
pelas idéias iluministas em Portugal, tendo como base a reformulação do
ensino, o que podemos observar, também em Sebastião da Rocha Pitta:
“Se a acção reformista do Marquês de Pombal se fez
sentir com maior ou menor intensidade por toda a
sociedade portuguesa, o ensino, foi sem dúvida, uma das
áreas onde Pombal talhou com maior profundidade as
diretrizes renovadoras” (PITTA, 1996, p.40).
Acerca do processo de reformulação educacional, Francisco Calazans
Falcon (2000) destaca que Pombal buscou cindir com o ensino de caráter
religioso, representado pela “Segunda Escolástica”, introduzindo as “ciências
modernas” em Portugal “voltadas para a experimentação e observação e
visando investigar/conhecer uma natureza – a colonial – de acordo com um
certo finalismo pragmático ou utilitarista” (FALCON, 2000, p.158-159).
Como afirmou Falcon, as ciências modernas em Portugal obedecem a
um utilitarismo que se voltará para o estudo das ciências naturais. Esta
concepção é defendida por Ribeiro Sanches. Este personagem da história
portuguesa foi o responsável pela implementação do processo de reforma do
ensino em Portugal, incluindo o processo de reforma da universidade de
26
Coimbra, entre 1758 e 1772. Sua visão acerca da ciência e da importância do
desenvolvimento da História Natural pode ser observada através do fragmento
a seguir:
“quando tratarmos das viajens que devem fazer os que
tivessem acabado, os seos estudos, por ordem desta
Universidade, e com quem se corresponderiaõ, então
proporemos a necessidade que tem o Reyno de Medicos
versados na Historia Natural para indagarem o que tem as
nossas conquistas e colonias de util para a Medicina, para
as Artes, e para o Comercio: metodo que tem uzado todas
as Naçoens da Europa com tanto augmento das
sciencias, e dos seus Estados. O que seria da
incumbência da Universidade, e especialmente do
Collegio de Medicina, sollicitar e promover esta sorte de
viagens.” (SANCHES, Apud. PATACA, 2006, p.31).
Retomando o discurso de Falcon acerca do rompimento com o estudo
de cunho religioso através da introdução da ciência moderna, Poliana Cordeiro
de Farias (2008) destaca que foi a reforma dos estatutos da Universidade de
Coimbra, promovida por Pombal em 1772, o marco deste processo, onde, além
de adequar os cursos já existentes às práticas modernas de ciência, criou as
cadeiras de História Natural, Física Experimental, Química, pertencentes a
Faculdade de Filosofia Natural, e a Faculdade de Matemática. (FARIAS, p. 2-
3). Tal perspectiva também é levantada por Maria Amélia Dantes, como
podemos ver a seguir:
“Pela reforma, realizada entre 1758 e 1772, foram
introduzidas disciplinas científicas e criados os novos
cursos de Matemática e Filosofia. A universidade passou
a formar naturalistas, sendo que, no final do século XVIII,
27
os cursos de ciências naturais eram os que mais atraíam
estudantes.” (1988, p. 265).
Com o mesmo parecer Flávio Rey de Carvalho (2008) afirma que a
reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra, compõe o marco da
inserção das idéias iluministas em Portugal e ressalta ainda seu caráter de
utilidade para o Estado português.
Sobre a reforma da Universidade de Coimbra, Valadares (2004) afirma
que:
“elaborada sob a autoridade régia que pretendia restaurar
as Ciências e as Artes liberais no reino e nos domínios
ultramarinos, a reforma da Universidade de Coimbra
tornara-se uma necessidade, tanto para desenvolver as
Ciências exactas e naturais, como para abordar as novas
questões da Filosofia (...)” (VALADARES, 2004, p.137).
O fragmento acima assinala o utilitarismo da ciência em Portugal em
sua face principal: a Universidade de Coimbra. Utilitária para o Estado
português que, como já vimos, mediante a adaptação das idéias iluministas de
outros país à sua realidade, visava promover um processo de modernização
em Portugal.
Esta idéia também é defendida por Laerte Ramos de Carvalho (1978)
que concebe a reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra como sendo
fruto uma necessidade de afirmação política, cujos objetivos dos reformadores,
na sua maioria estrangeiros “distintos pelo seu saber e probidade” (p.159), era
o de promover “um programa de estudos secularizados” (p. 152), que
permanecem para a posteridade.
28
Um dos reformadores a que podemos fazer menção e exemplo da
assimilação e adaptação das idéias iluministas em Portugal foi a figura de
Domênico Vandelli.
Vandelli chegou a Portugal no ano de 1764, especialmente contratado
pelo marquês de Pombal para participar da ampla reforma educacional que se
intentou após a expulsão dos jesuítas, o que trouxe os estudos de história
natural para a “ordem do dia” (MARQUES, 2005, p.43).
Doutor pela Universidade de Pádua, Vandelli era correspondente de
Lineu, que, juntamente com Buffon, eram precursores da filosofia natural
(PÁDUA, 2004, p. 15). Em Portugal, organizou o jardim botânico do palácio da
Ajuda e o museu de história natural. Mesmo após a queda de Pombal com a
Viradeira, Vandelli continuou os seus trabalhos, sendo um dos expoentes da
fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, em 1779, já sob o governo
de D. Maria I (PÁDUA, 2004, p.14).
O naturalista italiano foi fonte para inspiração de muitos brasileiros
formados na Universidade de Coimbra e na Academia Real das Ciências de
Lisboa (DEAN, 1996:135), que Pádua (2004:14) usou chamar de “geração
ilustrada”.
Dentre eles, os principais nomes são Alexandre Rodrigues Ferreira,
Baltasar da Silva Lisboa, José Gregório de Moraes Navarro, José Vieira Couto
e Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira, formados em Coimbra e na Academia
de Ciências, e, também, Manuel Arruda da Câmara e José Bonifácio de
Andrade e Silva, formados em Montpellier, mas frutos da “renovação
pombalina” (AVELLAR, 1983:173).
José Augusto Pádua (2004, p.56) salienta um aspecto interessante
sobre estes intelectuais luso-brasileiros. Tal aspecto se configura na proteção,
ou como diríamos na atualidade, no patrocínio, destes estudantes fornecida
pelo Estado português, principalmente pelo Secretário de Estado e dos
Negócios de Ultramar, Rodrigo de Souza Coutinho, que ficou conhecido após a
vinda da Família Real para a América, como Conde Linhares.
29
Na interpretação de Pádua, a formação desta elite intelectual,
patrocinada por Souza Coutinho, era necessária para que, visto a grande
importância do bom funcionamento da economia da colônia portuguesa na
América, fosse formada uma elite intelectual que tomasse a rédea deste bom
funcionamento, mas que mantivesse os laços de fidelidade com Portugal
(p.56).
Estes estudantes tiveram o privilégio de estudar em Coimbra na época
pombalina e pós-pombalina, durante o chamado Ciclo do Ouro, quando
apareceu uma incipiente classe média urbana que trouxe ao Brasil a aguçada
percepção científica do mundo natural e uma percepção apenas parcial ou
incompleta do que se passava no mundo das idéias (STRUMINSK, 2006).
Mas nos restam duas proposições ainda não respondidas: Mas será
somente pelo fator histórico é que se justifica o fato de Portugal ter se alinhado
aos ingleses e não aos franceses? Qual a sua relação e sua aplicabilidade com
e na colônia portuguesa na América?
Uma das diversas respostas à primeira proposição pode ser
encontrada na figura de Vandelli, ou melhor, na sua formação e origem italiana.
Em uma passagem em que Laerte Ramos de Carvalho (1978) faz menção ao
professor Cabral de Moncada é dito o seguinte:
“Certamente não podemos falar de um ‘iluminismo’
português no mesmo sentido pelo qual nos expressamos
ao caracterizar as manifestações do pensamento inglês,
francês e alemão. O iluminismo português – afirmou o
Prof. Cabral de Moncada – foi ‘essencialmente
Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, não-
revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o
francês; mas essencialmente progressista, reformista,
nacionalista e humanista. Era o iluminismo italiano: um
iluminismo essencialmente cristão e católico.’” (p. 26-27)
30
Retomando o argumento da diferença entre os iluminismos e a adoção
de um modelo adaptado mediante as necessidades, podemos, por este prisma,
entender o distanciamento de Portugal do iluminismo francês, revolucionário e
anti-religioso, e a aproximação, por questões econômicas e históricas, com a
Inglaterra.
Acima destacamos uma possível resposta para a questão proposta,
onde, dentro da realidade a qual estamos estudando podemos trazer a baila.
Desta maneira, é relevante destacar que não é nosso propósito o determinismo
e, muito menos, eleger tal possível resposta como a única e verdadeira.
Sobre a questão da relação e a aplicabilidade do iluminismo com e na
colônia, temos, por meio de Maria Odila Leite da Silva Dias (2005), uma
relação entre a elite intelectual luso-brasileira e a formação em Coimbra, nos
moldes reformados com base no iluminismo.
Dias defende que a formação de uma elite intelectual luso-brasileira
esta voltada para um conhecimento com vistas a utilidade da sociedade e que
a estes intelectuais não eram entusiastas da idéia de democracia, “ciosos como
eram de seus privilégios aristocráticos” (p. 41).
Segundo a Maria Odila Leite da Silva Dias, a questão da aplicabilidade
do iluminismo na colônia portuguesa na América, advém de uma preocupação
da metrópole com o favorecimento da agricultura colonial, ou melhor, da
agricultura da principal colônia de Portugal e que segundo os parâmetros da
época consistia na principal atividade a ser desenvolvida pela metrópole em
sua colônia (p.45-46).
É Válido destacar que, após a saída de Pombal, o centro de referência
da produção intelectual em Portugal passa a ser a Academia Real de Ciências
de Lisboa, fundada em 1779, por Martinho de Mello e Castro, tornando-se um
centro de efervescência da produção científica de Portugal durante o governo
de Rodrigo de Souza Coutinho.
31
Tal centro, na visão de Oswaldo Munteal Filho, não irá promover
grandes transformações na estrutura do estudo científico introduzido pela
reforma dos estatutos de Coimbra lançada por Pombal. Para o autor:
“O Estado era o coração, e a Academia uma artéria vital
que drenou e alimentou constantemente a Coroa de
possibilidades de recuperação econômica. O Mundo de
Queluz e a Academia Real selaram uma sólida aliança,
fundada na esperança da regeneração de Portugal pela
via da política colonial ultramarina” (FILHO, 2006, p.7).
Em outras palavras, Pombal lança a semente e seus sucessores dão
sequência aos intentos de modernização embasados pelo iluminismo utilitarista
e voltados para a recuperação econômica de Portugal, tendo como agente
deste processo o estado.
Desta forma, mediante o que apresentamos até o momento, podemos
observar que a reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra caracteriza-
se por uma ruptura dos padrões de ensino vigentes, pautados, até então, no
ensino religioso.
Podemos observar, também, que esta reforma consistiu na introdução
de um novo modo de pensar a ciência em Portugal, embasada nos moldes da
ciência iluminista cujas principais bases teóricas, como destacou Francisco
Calazans Falcon anteriormente, eram a experimentação, a observação e a
investigação.
Contudo, o próprio Falcon destaca a adaptação destas idéias à
realidade portuguesa, transparecendo seu finalismo e seu utilitarismo, ou como
afirma Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 175) “a valorização do trabalho
científico, por intermédio do reconhecimento do seu alcance e utilidade.”
Por fim, podemos observar que este tentáculo do utilitarismo se
espraiou para a colônia, algo que não seria uma verdade absoluta, contudo,
32
tendo em vista a formação destes intelectuais no contexto da reforma dos
estatutos de Coimbra, não seria estranho ao momento em que nos atemos.
Entretanto, esta visão da ciência utilitarista introduzida pela reforma
dos estatutos de Coimbra, vista como uma política educacional, mas também
como uma política do Estado português, terá continuidade ou será
descontinuada ou terá as duas características?
Capítulo 3
A EDUCAÇÃO SUPERIOR JOANINA
Neste capítulo analisaremos as motivações de D. João, Príncipe
Regente, em instalar cursos de formação de caráter superior na colônia,
analisando o público alvo e os intentos do estabelecimento destes cursos.
Chegaremos, então, ao ponto genérico de nossa análise que objetiva
observar as continuidades e descontinuidades das políticas educacionais
voltadas para a formação superior de luso-brasileiros, atrelando-as ao sentido
econômico e político destes dois momentos: a colônia e o Reino Unido.
3.1– A política educacional Joanina
Retomaremos as discussões acerca da vinda da Família Real
portuguesa para a sua colônia na América.
Anteriormente dissemos que D. João não viera sozinho para a colônia,
trouxera consigo um quantitativo de aproximadamente 10 mil pessoas que, de
acordo com Laurentino Gomes (2007, p. 68), “incluía pessoas da nobreza,
conselheiros reais e militares, juízes, advogados, comerciantes e suas famílias
33
(^) médicos, bispos, padres, damas de companhia, pajens, cozinheiros e
cavalariços.”
Ao chegarem no Rio de Janeiro, cidade escolhida para abrigar a D,
João e sua corte, o que encontram foi uma cidade suja, com muitos focos de
doença, muito barulhenta, mas que estava se tornando o principal centro de
comércio do Império português.
Mesmo com esta característica comercial, era necessária uma
transformação na cidade. Ela ocorreu, segundo Gomes:]
“A chegada da família real produziu uma revolução no Rio
de Janeiro. O saneamento, a arquitetura, a cultura, as
artes, os costumes tudo mudou para melhor (L)” (p. 166)
Contudo, esta transformação não se limita a cidade do Rio de Janeiro. O
que ocorre é uma transformação concentrada no Rio de Janeiro, onde ficou
concentrada a corte de D. João. Esta corte necessitava de uma infra-estrutura
para a sua permanência.
Chegamos então ao nosso foco. Discutir os objetivos que levaram D.
João a instalar cursos de formação de nível superior no Brasil e observar sua
finalidade.
As instituições criadas com a finalidade de formação superior foram: a
Academia Real da Marinha (1808), Academia Real Militar (1810), Academia
Médico-Cirúrgica da Bahia (1808) e Academia Médico-Cirúrgica do Rio de
Janeiro (1809).
Podemos observar que estas instituições correspondem a dois campos
de formação: a medicina e a formação militar. Ateremos-nos ao curso de
formação militar da Academia Real Militar.
3.2 – Academia Real Militar
Nossa justificativa para a escolha da Academia Real Militar como
referência para nossa averiguação da continuidade e/ ou descontinuidade das
34
políticas educacionais voltadas para o ensino superior do período que abrange
1772 e 1820, está no fato desta Academia esta inserida em um bloco de
instituições que referenciam o início do ensino superior no Brasil (VIEIRA &
FARIAS, 2007 e PILETTI, 2006).
Um segundo motivo encontra-se no fato de o idealizador da fundação
desta academia, ser um contemporâneo da reforma dos estatutos da
Universidade de Coimbra, um influente político, tanto no momento colonial
quanto após a vinda da família real portuguesa para a América, e um defensor
da formação elite intelectual luso-brasileira. Seu nome: Rodrigo de Souza
Coutinho, conde e, depois, marquês de Linhares.
Como já fizemos referência, a Academia Real militar foi criada por D.
João e consiste, juntamente com a Academia Real de Marinha, nos primeiros
esboços de um curso, do que chamamos hoje, superior.
Cabe um breve esclarecimento sobre a Academia Real de Marinha. Esta
não foi um instituição que nasceu na América, mas, sim, trazida por D. João,
por meio do embarque na viagem para a colônia dos seus mestres, alunos e
oficiais (Martino, 2001, p. 17).
A criação da Academia Real Militar, como já fizemos menção acima, foi
uma idealização de Rodrigo de Souza Coutinho. Mas quem é esta figura?
Ao buscarmos uma possível resposta para a proposição acima, será
possível compreendermos aspectos que permearam a política educacional de
D. João e sua possível ligação com a política pombalina.
3.3 – Rodrigo de Souza Coutinho
O fato de falarmos sobre Rodrigo de Souza Coutinho nos levará,
primeiramente, ao aspecto de continuidade, ou descontinuidade, da política
educacional pombalina e a da política implementada por D. João.
Em um segundo momento, nos levará à questões conflituosos acerca do
quadro político em torno da infra-estruturação da educação na América, pois,
qual o significado de uma instituição de ensino superior, ou melhor, qual o
35
significado político da implementação de uma política educacional, mesmo
sendo ela insipiente e insuficiente aos olhos da atualidade?
D. Rodrigo nasceu em Chaves, no norte de Portugal, em 1755. Foi
criado junto aos príncipes D. José (1761-1788) e D. João (1767-1826). Em
1772, aos 17anos, ingressou no curso jurídico da Universidade de Coimbra.
Vale observar que neste mesmo ano findou-se o processo de reforma
educacional proposto por Pombal, seu padrinho (SANTOS, 2008, p. 1).
A carreira política de Souza Coutinho inicia-se com a sua nomeação
para o cargo de embaixador em Turim, em 1778, quando tinha ainda 23 anos,
permanecendo na Itália durante duas décadas. Em Turim assistiu aos
principais acontecimentos no mundo, como a independência das Treze
colônias e a Revolução Francesa (SANTOS, 2008).
Da observação dos sistemas políticos-administrativos das diferentes
sociedades européias, de suas reformas ilustradas, nascia o desejo de adaptar
o que via e considerava útil para transformar Portugal em um Estado Moderno
(SANTOS, 2009,p. 218).
Esta afirmativa ressalta uma continuidade em relação a captação e
adaptação do conhecimento europeu e a inserção deste em Portugal, o que
caracteriza o secretário como estrangeirado e da continuidade ao projeto de
seus predecessores ( SILVA,1998, p. 479).
Uma característica, não só de Rodrigo de Souza Coutinho, mas
também de Pombal e Mello e Castro, era o fortalecimento do poder Real, “suas
políticas estavam baseadas numa firme crença no poder absoluto do rei,
amparado em um governo esclarecido” (SILVA, 1998, p. 479). Acerca desta
inclinação podemos destacar o seguinte documento:
“Ninguém é mais apaixonado do que eu por um
despotismo luminoso, em que o interesse do déspota e o
da nação é inseparável, em que todos os vassalos são
igualmente sujeitos a lei, todos contribuindo igualmente
36
para a defesa e segurança do Estado, em que nenhuns
[sic] corpos intermediários de magistratura, clero ou
nobreza podem, pelos seus pretendidos privilégios e
pelos seus prejuízos, obstar a execução das ordens reais,
sempre dirigidas ao bem público, porque o interesse do
déspota sábio e hábil é inseparável daquele do povo”
(Rodrigo de Souza Coutinho, “Discurso sobre a
mendicidade”. IN: SILVA, 1993: 205-206)
Outra passagem que ilustra tal intento foi redigida pelo secretário em
“Memória Sobre o melhoramento dos domínios de Sua Majestade na América”,
onde Souza Coutinho defende o argumento de unidade entre colônia e
metrópole para a defesa da monarquia, ou da manutenção da mesma, como
pode ser visto adiante:
“(...) e já que ditosamente, segundo o
emcomparavel Systema dos Primeiros Reys desta
Monarquia que fizerão descobertas, todas ellas foram
organizadas como Províncias da Monarquia,
condecoradas com as mesmas honras e Privilégios que
se concederão aos seus Habitadores e Povoadores, todas
reunidas ao mesmo Systema Administrativo, todas
estabelecidas para contribuírem á mutua e recíproca
defesa da Monarquia, todas sujeitas aos mesmos usos e
costumes, he este inviolável e sacrosanto principio da
Unidade, primeira base da Monarquia que se deve
conservar com o maior ciúme afim que o Portuguez
nacido nas Quatro Partes do Mundo se julgue somente
Portuguez e não se lembre se não da Glória e Grandeza
da Monarquia, a que tem a fortuna de pertencer,
recconhecendo e sentindo os felizes effeitos da reunião
37
de hum só todo, composto de partes tão differentes que
separadas jamais poderião ser igualamente felizes pois
que emquanto a Metropole se privaria do glorioso destino
de ser o Entreposto commum, cada Domínio Ultramarino
sentiria a falta das vantagens que lhe resultão de receber
o melhor deposito para todos os seus gêneros de que se
segue a mais feliz venda do Mercado Geral da Europa”
(SOUZA COUTINHO,1797 Apud MENDONÇA, 1933:270).
Através deste fragmento pode-se ter a percepção da manutenção dos
vínculos entre Portugal e sua colônia na América, ressaltando ser vantajosa,
para a colônia, esta manutenção. Acerca desta característica do governo
Souza Coutinho, Silva (1998), destaca que, no que foi referido à política
colonial, Souza Coutinho, assim como seus antecessores,
“(...) acreditam que o Brasil era vitalmente importante para
a própria sobrevivência da metrópole, e assim pretendiam
estender seu território até onde fosse possível, reforçar
sua estrutura administrativa, judicial e militar mediante o
fortalecimento do poder absoluto da monarquia, e
assegurar o desenvolvimento da economia brasileira
dentro estritamente da estrutura do pacto colonial (...)”
(SILVA, 1998: 480).
Podemos observar que, para Rodrigo de Souza Coutinho, a colônia era
de uma importância sem igual para a metrópole e que tal importância
decorreria de suas riquezas passíveis de comercialização por Portugal.
Para tanto, era necessário o estabelecimento de um sistema de defesa
para o território que, de acordo com Calmon, era muito vulnerável,
38
principalmente, mediante a ameaça de invasão inglesa, caso D. João aderisse
ao Bloqueio Continental.
Quando da chegada da família real portuguesa na América, Rodrigo de
Souza Coutinho foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra,
sendo inserido no processo de organização da infra-estrutura administrativa da
do governo joanino no Brasil.
Mediante o fato da importância econômica do Brasil para Portugal e o
fato da vinda da corte para a América, Rodrigo de Souza Coutinho almejou a
permanência da família real nas terras coloniais.
Este argumento vem a se unir com outro apresentado por Marcio
Constantino Martino , que defende que,
“D. Rodrigo admitia a permanência definitiva da Corte no
Brasil, por isso procurou dar à colônia sua emancipação
literária, artística e científica. Dentre suas obras,
destacam-se a criação das Academias Real Militar e a de
Marinha, e as Escolas Superiores de medicina e Cirurgia,
no Rio de Janeiro e em Salvador.” (MARTINO, 2001, p.
17)
Dentro da interpretação dos projetos e anseios de Rodrigo de Souza
Coutinho, a criação da Academia Real Militar representa uma convergência de
interesses: a defesa de um território economicamente importante e a formação
de uma elite intelectual para o atendimento das necessidades da
administração.
Importante, também, é compreendermos que os dos interesses expostos
acima, não divergem quanto a sua relação com o Estado, pois, ao formar um
engenheiro militar, estaria sendo formado um agente do Estado. E ao formar
um intelectual, este estaria defendendo os interesses do Estado.
39
Podemos observar esta perspectiva ao analisarmos o preâmbulo da
Carta da Lei de 4 de dezembro de 1810 abaixo:
"D.João, por Graças de Deus, Príncipe Regente de
Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além Mar, Em África
de Guiné, da Conquista, Navegação e Comércio da
Ethiópia, Arabia, Persia, e da Índia, etc. Faço saber a
todos que esta Carta virem, que Tendo consideração ao
muito que interessa ao Meu Real Serviço, ao Bem Público
dos Meus Vassalos, e a defesa e segurança dos Meus
Vastos Domínios, que se estabeleça no Brasil, e na minha
atual Corte e Cidade do Rio de Janeiro, um Curso regular
das Ciências exatas, e de Observação, assim como de
todas aquelas que são aplicações das mesmas aos
Estudos Militares e Práticos, que formam a Ciência Militar
em todos os seus difíceis e interessantes ramos, de
maneira que dos mesmos Cursos de estudos se formem
hábeis oficiais de Artilharia, Engenharia e ainda mesmo
Oficiais da classe de Engenheiros Cartógrafos e
Topógrafos, que possam também ter o útil emprego de
dirigir objetos administrativos de Minas, de Caminhos,
Portos, Canais, Pontes, Fontes, e Calçadas” (transcrito de
Barata, 1973, p. 48 Apud MARTINO, 2001, p. 22)
Observamos que o objetivo precípuo é a defesa do território. Contudo,
estes intelectuais poderiam ser utilizados na administração estatal. Isto vem a
convergir com o que levantamos por meio de José Augusto Pádua, onde, o
mesmo idealizador da Academia Real Militar, e quem patrocina, financia a
formação de uma elite intelectual luso-brasileira, onde esta atuaria na
burocracia portuguesa.
40
É interessante destacarmos, ainda, a questão do significado da
permanência da família real na colônia defendida por Souza Coutinho. Neste
ponto, temos como partida a seguinte afirmativa:
“Sofreu intensas resistências, tanto da Corte que ficara
em Portugal quanto da que aqui se instalou, sonhando
com o momento da volta ao continente europeu, onde
estavam seus patrimônios e interesses comerciais. Esta
constituía o "partido português", que advogava a volta da
Corte a Lisboa tão logo fosse possível, e não queria
estabelecimentos de ensino superior no Brasil, para evitar
a capacitação cultural e militar da colônia.” (MARTINO, p.
17)
Podemos observar, com este fragmento, que a idéia de uma
permanência na colônia, não era um projeto uníssono na corte recém-chegada.
Além disto, observamos que a idéia de permanência se reveste de um caráter,
na visão de Souza Coutinho, voltado para a composição de uma infra-estrutura
que atendesse às necessidades prementes da colônia.
Indica, também, a questão do monopólio do conhecimento, mas
primordialmente, o ensino como algo perigoso, pertencente ao jogo de poder,
pois, no caso em que estamos estudando, o ensino é o ponto inicial para a
reflexão autônoma, o que, para aqueles que não a desejavam, era uma
maneira de manter a colônia, após um possível retorno, no estado anterior ao
da chegada.
Contudo, como já destacamos, a Academia foi constituída e os anseios
de Rodrigo de Souza Coutinho forma concretizados.
Desta forma, observamos que o atendimento dos interesses do Estado é
o ponto máximo da política educacional implementada por D. João em sua
estadia na sua colônia na América, assim como, os interesses empreendidos
41
por Pombal com reforma dos estatutos de Coimbra e com Rodrigo de Souza
Coutinho, ao fomentar a formação de uma elite luso-brasileira.
Para tornar mais saliente o entendimento de continuidade e/ ou
descontinuidade cabe ressaltarmos, em um sub-capítulo, alguns autores e seus
pareceres sobre tal questão.
3.4 - Continuidade e/ou Descontinuidade: is the question
Continuidade e/ou descontinuidade: esta é a nossa grande questão.
Mediante o levantamento que fizemos do contexto de nossa questão e
das políticas educacionais empreendidas pelos governantes do período que
abrange o ano de 1772 até 1820, cabe destacarmos algumas referências que
abordam esta temática da continuidade descontinuidade política e da política
educacional.
No mote político, podemos apresentar Maria Odila Leite da Silva Dias
(2005) que, defende a idéia de continuidade política entre o período colonial e o
momento em a família real esteve na colônia, bem como uma continuidade
após seu retorno para Portugal, mediante as pressões da Revolução Liberal do
Porto, ocorrida em 1820.
Dias (2005) tem como foco de pesquisa a intelectualidade destes
momentos. Sua visão pode ser observada através da seguinte passagem:
“Aproveitados por uma política de Estado ‘ilustrada’,
crentes no poder da razão, única e universal e na função
pragmática da ciência a serviço do progresso material,
procuraram os estudiosos brasileiros dos fins do século
XVIII e início do XIX integrar o Brasil na cultura ocidental,
traduzindo, aprendendo e, sobretudo, tentando aplicar [
técnicas e conhecimentos]” (p. 78)
42
Neste fragmento fica claro, ainda, que as práticas de um iluminismo
estrangeirado português, que buscavam na experiência de outros países mais
avançados sua referência para uma recuperação econômica, continuavam a
ser desenvolvida.
Este fragmento de Dias promove o entrelaçamento da questão política
com a questão da política educacional, onde a primeira é determinante da
segunda, pois a política de Estado ilustrada, determina a formação de uma elite
intelectual nestes moldes.
Sobre este entrelaçamento destacamos Nelson Piletti (2006) que, ao
dissertar sobre a ‘evolução’ das políticas educacionais no Brasil no decorrer
dos anos coloniais até os dias atuais, afirma que
“A vinda da Família Real e a Independência do Brasil
produziram modificações na educação brasileira. Pode-se
afirmar que o objetivo das reformas pombalinas, de criar a
escola útil aos fins do Estado, passaria a ser
concretizado, mas apenas no que diz respeito ao ensino
superior” (p.42)
Por fim, temos um fragmento analítico esboçado por Sofia Lerche Vieira
e Isabel Maria Sabino de Farias (2007, p. 43) onde as autoras ressaltam a
permanência, no período joanino no Brasil, da política pombalina para
educação, da formação de uma intelectualidade voltada para as necessidades
do Estado, brindando-nos, ainda, com uma reflexão histórica acerca da
educação, referendando no passado os reflexos sobre a educação na
atualidade:
“A obra resultante da mudança da sede do reino
praticamente se limita ao Município da Corte e à Bahia,
43
onde são criados os primeiros cursos superiores, com o
objetivo de servir aos interesses imediatos dos reinóis
recém-transferidos. O legado desse momento histórico,
todavia, ultrapassam tais objetivos, avançando noutras
direções”
44
CONCLUSÃO
Desta feita, podemos observar a existência de uma continuidade das
políticas educacionais do período pombalino até a instituição dos primeiros
cursos destinados a formação de nível superior no Brasil, durante a estadia de
D. João VI na colônia.
Em virtude de este trabalho ser de cunho acadêmico e de História é uma
característica daqueles que se propõem a fazer este dois trabalhos, levar ao
passado uma preocupação do seu presente. Podemos ir até um pouco mais
além. É uma característica do ofício do historiador elaborar uma REFLEXÃO
sobre o passado, com olhos no passado, contudo buscando uma
contextualização com o seu presente, ou uma relevância social para o seu
tema de estudo (BLOCH, 2001).
Neste trabalho de pesquisa tivemos a oportunidade de dissertarmos
sobre algo que muito aflige a sociedade atual: a educação. Nosso foco foi a
educação superior? Sim. Pois este vem sendo alvo de grandes políticas
educacionais para a viabilização do acesso este grau por uma maior parcela da
população brasileira.
Durante todo este trabalho nossa reflexão permeou a formação da elite
intelectual luso-brasileira. Elite no sentido de que somente pessoas com
posses poderiam desenvolver seus estudos, em virtude dos altos custos.
Na atualidade, os custos continuam para a manutenção de um estudante
no nível superior, de caráter público ou privado, continuam sendo altos.
Contudo, o governo brasileiro tem promovido uma série de políticas que
permitem a um número maior de pessoas e de diferentes classes sócias ao
estudo universitário.
De acordo com alguns autores o período em que a corte esteve no
Brasil, pouco se fez pela educação que hoje denominamos de básica. O foco
era estritamente para o ensino superior, para a formação da mão-de-obra util
45
ao momento em que se necessitava de defesa, de progressão econômica, e de
formação dos quadros funcionais.
Nossas políticas educacionais, no momento estudado por este trabalho,
foram de caráter utilitarista e controlada pelas mãos do Estado despótico, mas
que promoveu, ao seu modo, avanços neste quesito, provendo a modificação
da estrutura educacional aos moldes do racionalismo iluminista, rompendo com
os paradigmas religiosos da Escolástica jesuíta.
Como afirmam Vieira e Farias (2007, p. 45) “o saldo da obra educativa
nos primeiros tempos do Brasil colonial não chegam a ser animador”. Contudo,
nossa função aqui não é julgar o que foi feito, mas refletirmos acerca do
passado da educação brasileira para podermos averiguar, não somente se
houve uma continuidade e/ou descontinuidade das políticas educacionais do
período compreendido entre os anos de 1772 e 1820.
Nossa função, enquanto pesquisador e professor de História, vai além. É
buscar refletir e prover resposta para questões de hoje, com vistas a
experiências passadas.
Tais questões consistem em sabermos se hoje, na atual conjuntura
política da educação, nos rompemos com as estruturas vigentes neste passado
ao qual nos referimos. Se nossa política educacional ainda é finalista e
utilitarista como no momento estudado. E, ainda, se nossa política educacional
continua super-valorizando o ensino superior e deixando a nossa educação
básica muito aquém do que deveria ter em termos de qualidade.
Em fim, nossa função não julgar, mas esclarecer, se houve ou não uma
continuidade entre as políticas educacionais entre 1772 e 1820. De acordo com
o que vimos podemos afirmar que houve.
Contudo, como já afirmamos, este trabalho é um trabalho científico,
passível de contestações e discordâncias, assim sendo, aberto para novas
respostas às mesmas problemáticas suscitadas aqui, pois, como veicula o
comercial de um canal de televisão da rede fechada, não são as respostas,
mas os questionamentos que movem o mundo.
46
BIBLIOGRAFIA
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31- VIEIRA, Sofia Lerche & FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política
educacional no Brasil. Brasília: Liber Livro Editora, 2007.
51
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Da reforma a vinda 10
1.1 – A crise do Antigo Regime português 10
1.2 – Primeira corte na colônia 12
Capítulo II
Iluminismo português e a educação superior 20
2.1 – A geografia do Iluminismo 20
2.2 – O iluminismo estrangeirado 22
2.3 – Reformar para melhorar 25
Capítulo III
52
A educação superior joanina 32
3.1 – A política educacional joanina 32
3.2 – A Academia Real Militar 33
3.3 – Rodrigo de Souza Coutinho 34
3.4 – Continuidade e/ou descontinuidade: is the question 41
CONCLUSÃO 44
BIBLIOGRAFIA CITADA 46
ÍNDICE 51
FOLHA DE AVALIAÇÃO 53
53
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Instituto a vez do mestre – Universidade Candido Mendes
Título da Monografia: Educação superior luso-brasileira: uma
(des)continuidade das políticas educacionais no Brasil (1772-1820)
Autor: Athos Paulo da Costa Salles
Data da entrega: 02/04/2011
Avaliado por: Conceito: