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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
SINALIZANDO METÁFORAS EM LIBRAS
Por Luciana Gois Ferreira da Fonseca
Orientadora:Mary Sue Carvalho Pereira
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
SINALIZANDO METÁFORAS EM LIBRAS
Apresentação de monografia à Universidade Cândido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Educação Inclusiva
Por Luciana Gois Ferreira da Fonseca
3
Ao
meu esposo Marcos e meus filhos Camila,
Caio Marcos e Carina, pelo afeto e a longanimidade
em todos os momentos.
4
Agradeço a Mary Sue,minha
professora Orientadora pelas
sugestões e incentivo e aos amigos
e familiares pelo estímulo.
5
SUMÁRIO Introdução....................................................................................6 Capítulo I: Apresentando a Língua Brasileira de Sinais.........8 Capítulo II: Metáfora: Uma possibilidade lingüística na Língua de Sinais............................................................................................17 Capítulo III: Sinalizando metáforas em LIBRAS......................26 Conclusão...................................................................................32 Bibliografia..................................................................................35
6
INTRODUÇÃO
As palavras ao serem concatenadas, produzem uma série de efeitos cujos
significados flutuam do mais transparentes ao mais opacos; do mais simples ao
mais complexos;dos mais excêntricos ao mais poéticos .Atrelado a isso, existe o
fator cultural de cada indivíduo(na comunidade a que pertence)que contribui para
a expressividade dessa língua. As metáforas apresentadas na Língua de sinais
como em qualquer outra Língua não se restringem apenas a empréstimos
adquiridos da Língua Portuguesa, mas também são geradas e motivadas pela
significação de mundo da comunidade de surdos.
A deficiência auditiva não limita a pessoa em atividades cotidianas, como
caminhar sozinha e ler, mas pela falta de comunicação, muitas vezes os
deficientes se fecham em seu próprio mundo.É mister entender que a língua de
sinais possui uma organização estrutural que deve ser compreendida para que
haja uma boa comunicação.
O escopo desse trabalho é buscar um significado mais profícuo e profundo
para a leitura da língua de sinais: Eis a meta fundamental deste trabalho. Uma
resposta para a pergunta: “O que é metáfora?”, envolve um trajeto de investigação
cuidadoso e uma série de averiguações a respeito dessa figura de linguagem tão
presente nas línguas e particularmente na língua de sinais.
Inicialmente apresentamos a Língua de Sinais, objeto de estudo dessa
pesquisa, que tem a capacidade de evocar uma multiplicidade de significados ao
ser interpretado por um leitor leigo. Daí a importância de um trabalho interpretativo
no sentido de destacar aqueles aspectos que serão necessários para a
compreensão dessa língua.
7 A linguagem é um sistema de símbolos, voluntariamente produzidos e
convencionalmente aceitos. Isolada do seu contexto social ou situação ela pouco
significa. É inútil ou improfícuo tentarmos traduzir expressões que a experiência
não nos proporcionou. Desta maneira, devemos estabelecer uma diferença
semântica entre sentido e significação.
O sentido de qualquer termo específico quase sempre é determinado pelos
elementos que o procedem e o sucedem. Quando nos perguntamos: ”O que quer
dizer esse sinal?”, teremos como resposta qual sentido esse sinal apresenta
dentro de uma particularidade; já a significação responde a questão: “Que valor
tem esse sinal?”.Logo, demonstramos nessa pesquisa que o sentido é singular e o
significado, variável. Dessa forma, surge a importância de se estabelecer àquela
diferença para entendermos o processo metafórico na linguagem de sinais e
organizarmos a mensagem de forma sêmica, enfatizando que nenhum dicionário
pode dar todos os sentidos das palavras, em virtude das inúmeras situações em
que aparecem.
É de suma importância analisarmos uma outra categoria que faz com que a
metáfora funcione como nítido objetivo estético: a denotação e a conotação.
Explicitamos que a ambigüidade dos sentidos decorre precisamente do litígio entre
o extrato do sentido referencial e o extrato do sentido não referencial; que se
entrelaçam para preservar a natureza originária da ambigüidade, que por sua vez
realiza um feixe imprevisível de probabilidades.
Finalizamos essa pesquisa, classificando as metáforas e explicando o
porquê da sua utilização na língua de sinais, no intuito de revelar a palavra como
símbolo duma representação dominante que deve causar certo efeito, uma
sensação emotiva junto a quem a entende, visto que, o estudo da metáfora pode
ser visto como um caminho para se entender a visão do surdo, tanto no mundo do
ouvinte como no seu próprio mundo.
8
CAPÍTULO I: APRESENTANDO A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Desde a Antiguidade Clássica, a gramática chamada descritiva tem
encontrado defrontações no que diz respeito a enorme variabilidade do uso da
língua num determinado momento. Mattoso Câmara em Estrutura da Língua
Portuguesa, diz que “a língua varia na hierarquia social e se estabelece como
dialetos sociais. Varia ainda, param um mesmo indivíduo de acordo com a
situação em que se encontra estabelecendo registros”.a língua é simultaneamente
produto e condição da vida social. Em todas as configurações históricos –sociais
da vida , trabalho ou cultura, a língua revela-se como produto e condição das
formas de sociabilidade e dos jogos das forças sociais. Tanto no nacionalismo,
quanto no tribalismo , como no mercantilismo , colonialismo, imperialismo ou no
globalismo, , os signos e significados, as figuras e figurações da linguagem se
revelam constitutivas da realidade, das condições e das possibilidades
socioculturais e político-econômicas de indivíduos e coletividades.É a língua que
se constitui como patamar da história, o sistema de signos sob ao qual se
pronunciam o presente, o passado e o futuro, a história e a geografia, as façanhas
e as derrotas;tudo se expressa, articula,movimenta-se , tensiona,
transforma,floresce ou declina em signos,símbolos, emblemas, conceitos,
metáforas,explicações e mitos.
A cultura é o universo no qual se constitui a língua , sob todas as suas
modalidades Desta forma, podemos afirmar que a língua entra decisivamente na
construção da cultura;assim como a língua entra decisivamente na constituição da
cultura.
É necessário reconhecer como fundamento da origem e destino da língua,
que ela começa por desenvolver-se como produto e condição da práxis social.
Assim como outras formas culturais, tais como religião, música, filosofia e ciência,
9a língua também expressa uma gama de realizações materiais e espirituais,
físicas e psicológicas, sem as quais a sociedade não se constitui. Karl Marx em
Ideologia Alemana cita:
“A linguagem é tão velha como a consciência: A linguagem
é a consciência prática,a consciência real,que existe tam -
bém para os outros homens e que,portanto,começa a exis-
tir também para mim mesmo;e a linguagem nasce como
consciência,da necessidade , do intercâmbio com os ou -
tros homens...A consciência, portanto, é desde o início, um
produto social e continuará a sê-lo enquanto existirem se-
res humanos”
Essa afirmativa evidencia que o que distingue o ser humano é que ele
pensa, mentaliza e transforma a sua realidade imaginária ou não. A sua atividade
social sempre está expressa em signos, símbolos, problemas ou metáforas. Dessa
forma, o pensamento, também é produto da língua.
Muito se confunde a definição de língua e linguagem. Na verdade, a
linguagem é “um arsenal da mente humana,no sentido de ser um ato lingüístico
(uma palavra ou uma frase),enquanto a língua é um sistema de atos lingüísticos
idênticos realizados numa comunidade lingüística”(conforme Evanildo Bechara).
Seguindo esse raciocínio é lícito dizer que à medida que a linguagem se
particulariza recebe o nome de língua .Saussure afirmou que “a linguagem tem um
lado individual e um lado social,sendo impossível conceber um impossível
conceber um sem o outro”.Dessa maneira, a língua pelo fato de ser um produto
social da linguagem faz com que ambas sejam indissociáveis do ponto de vista
sociolinguístico, já que a linguagem pressupõe a língua e esta o meio pelo qual o
ato linguístico se manifesta.
10 Mas ,há momentos em que a língua emudece, seja por que não há o que
dizer, seja por que nada é necessário dizer ou, ainda, porque não há como dizer.
É como se a palavra não estivesse disponível, não fosse capaz de exprimir o
indizível ,não tivesse sido inventada,ou fosse totalmente dispensável,Lombardi
Satrianni revelou em ‘Aulas de Português “ com muita propriedade:
No mundo há muitos silêncios :quando se estuda,dorme,
está quieto , ou inclusive quando se é surdo. O silêncio
de quem ouve Bach ou lê um livro de poesia. O silêncio
de como está agora, a lua. O silêncio da morte. O silên -
cio da solidão, do medo, da dor, da raiva,da tristeza da
melancolia. Os silêncios que existem podem ser infinitos
como os silêncios extremos de quem está fechado em si
mesmo e o silêncio do amor. O silêncio de quem quer
sentir a música e a poesia.
Verdadeiramente a própria palavra está em silêncio, antes de transfigurar-se
em pensamento ou imaginação,sentimento ou ação entendimento ou
compreensão,utopia ou nostalgia. Paradoxalmente a palavra aguarda em silêncio
o seu esclarecimento , a sua revelação. Essa metáfora ilustra a linguagem do
surdo .Para entender a Linguagem Brasileira de sinais, é necessário lançar mão
de alguns conceitos e se livrar de preconceitos arraigados na sociedade.
Razões sociais,históricas e políticas levaram a concepção clínico terapêutica
e oralista da surdez e consequentemente permearam uma série de equívocos
linguísticos. Deste modo, a língua e a fala quanto a definição se confundem e a
aquisição da linguagem em termos psicológicos e sociais também não obtiveram a
11devida importância dentro do contexto lingüístico. Existe uma regra de ouro em
Lingüística que diz “Só existe língua se houver seres humanos que a
falem”.Aristóteles, filósofo grego, nos ensina que ‘o ser humano é um animal
político “.Usando essas duas afirmações como os termos do silogismo, podemos
chegar a conclusão de “que tratar da língua é tratar de um termo político”,como
bem afirmou o professor e Lingüista renomado Marcos Bagno.Diante de todos os
preconceitos que existem temos, o preconceito lingüístico,não só em relação a
própria Língua Portuguesa, mas também em relação à língua de sinais.Não
queremos nos aprofundar em relação a esse tema, mas faz-se necessário objetar
sobre alguns aspectos que permearam a trajetória da Língua de Sinais Brasileira.
Em 1880, o método oral foi oficializado e tornado obrigatório a partir do
Congresso de Milão, mais de trinta anos antes doa publicação do “Curso de
Lingüística Geral”, de Saussure, um dos marcos fundadores da Lingüística pela
delimitação do seu objeto. Portanto, não há fundamentação linguistica para a
validação do método oral para a educação de surdos, uma vez que a lingüística
como disciplina, independente é posterior do advento oralista. O próprio mestre
da Linguística afirma:“No ponto essencial ,porém,Whitney,(o lingüista norte-
americano ,nos parece ter razão:a língua é uma convenção e a natureza do signo
convencional é indiferente. A questão do aparelho vocal se revela, pois,
secundária no problema da linguagem”.É por isso , que a língua de sinais não é
um tipo de linguagem,mas, como a própria nomenclatura diz é uma língua. Uma
língua viva,com autonomia e reconhecida pela Lingüística. As línguas de sinais
são consideradas línguas naturais,já que,segundo Chomsky, em termos formais
língua natural “é toda língua que reúne características que se definem em um
conjunto de sentenças (finitas ou infinitas) cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos” .esses elementos básicos
aos quais Chomsky se referiu são as palavras faladas para as línguas orais e as
palavras sinalizadas para as línguas de sinais,sendo essas frases, por sua vez
representáveis por uma encadeamento dessas unidades, formando um
vocabulário.
12 Na língua, tudo tende a ter um nome, movimento ou significado. O nome, o
conceito ou a metáfora, pode ser um momento essencial, constitutivo, sem o qual
nada se configura como existência. Mas, há momentos em que a língua emudece,
seja porque não há o que dizer, seja porque nada é necessário dizer ou
ainda,porque não há como dizer.É como se a palavra não estivesse disponível, ou
não fosse capaz de exprimir o que não se sabe dizer. Isso pode definir a palavra
para o surdo;que é manifestada através do sinal. Esse sinal, sob muitos aspectos,t
ransborda dos limites habitualmente estabelecidos pelas taxionomias,
formalizações ou teorias. Nesse sentido, podemos afirmar que na língua de sinais,
“esconde-se” o conteúdo, o significado ou a semântica, compreendendo a
metáfora e a alegoria, o conceito e a categoria, a sublimação e o exorcismo, o
estilo e o mito , a utopia e a nostalgia ,também.
Desvendar os mistérios das língua de sinais é um desafio por que se descobre o
segredo do estilo do pensamento do surdo.
Da consolidação da disciplina lingüística em língua de sinais,houve um
intervalo de quase meio século. Em 1960 ,Stokoe em seu livro Ling Language
Structure observou que a língua de sinais era efetivamente uma língua com
estruturas gramáticas que possuía regras específicas em todas as esferas
lingüísticas.
Atribuiu-se às Línguas de sinais o status de língua por que elas também são
compostas do nível ,fonológico ,morfológico,sintático e semântico. O que se
denomina em outra língua como palavra ou item lexical,nas línguas oral-
auditivas,são denominadas sinais na língua de sinais .A diferença entre as línguas
de sinais e as demais está na sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa
que começa a aprender a língua de sinais ,na verdade,inicia um aprendizado de
uma nova língua da mesma maneira em que estaria aprendendo o alemão, o
francês,etc...
Etokoe em seu trabalho verificou três aspectos formais na língua de
sinais:localização dos sinais,configuração das mãos e movimentos. Esses
13aspectos que formavam a língua de sinais eram análogos aos fonemas das
línguas orais (Stokoe,1960 apud FINAU,2004,p 54).Observou ainda, que os sinais
não eram apenas imagens, mas, símbolos abstratos complexos que tinham uma
estrutura interior .Ele foi o primeiro a dissecar sobre os sinais ,analisando as
partes que os constituíam e pesquisar sobre os mesmos. Esse foi o início de uma
série de estudos em relação a língua de sinais,em particular a língua de sinais
americana ,que mostraram entre outras coisas , a opulência de esquemas e
combinações possíveis entre os elementos formais que servem para ampliar
consideravelmente o vocabulário básico da língua dos surdos. Verificou-se
também que os sinais não foram ordenados de forma temática,ou seja,(sinais para
alimentos, para vestuários,etc),mas de forma sistemática conforme as partes
constituintes daqueles sinais .
De acordo com Quadros, Stokoe delineou dezenove configurações de
mãos diferentes, doze localizações distintas e vinte e quatro tipos de movimentos
componentes dos sinais e ainda, inventou um sistema de notação para tais
elementos.
O meio acadêmico via com certa relutância essa proposta, e a língua de
sinais ainda era considerada um modo primário de comunicação e ,por
conseguinte,excluído do ensino formal .
Vários estudos, entretanto, contribuíram para que a língua de sinais
fosse comprovadamente aceita com estruturas semânticas,sintáticas, fonológicas
e pragmáticas. Demonstrando também a existência de inúmeras línguas de sinais
em todo o mundo, desmistificando a idéia de que a língua de sinais é uma língua
universal e passível de ser entendida por todos, independentemente da cultura.
Desta forma, depreende-se que a comunidade surda possui a sua própria
língua e a idéia de que a língua oral é o único meio de se comunicar entre os
surdos começa a cair por terra.
As línguas de sinais são, portanto, consideradas pela Lingüística com línguas
naturais ,como já citado anteriormente, ou com um sistema de língua legítimo e
14não como um problema do surdo ou uma patologia da linguagem . Segundo
Quadros, “pode-se discutir sobre política economia,matemática, física,
psicologia,respeitando-se as diferenças culturais que determinam a forma de as
línguas expressarem quaisquer conceitos”.
É interessante percebermos também, que a língua de sinais não é uma língua
universal,se assim fosse, aceitaríamos a hipótese de que as condições
geográficas e culturais não influenciam na determinação de uma língua. Sabe-se
,porém que a língua de sinais possui dialetos como os há na línguas orais. Em
conformidade com essa fidúcia, já que cada país recepciona uma cultura
diferente,com suas diversidades lingüísticas ,obviamente que cada comunidade
surda tenha sua língua particularizada,da mesma maneira que a língua inglesa, a
espanhola, a alemã,e assim sucessivamente. Ainda conforme a autora, fazendo-
se um exame dos dicionários das línguas de sinais de alguns países ,comprova-se
que nem todas as pessoas surdas fazem referência a um determinado objeto
usando o mesmo sinal.
A língua de sinais expressa conceitos abstratos como qualquer outra língua
é um alegoria se pensar que esta é tão somente uma mistura de gesticulações e
mímica. É de suma importância assegurar que as línguas de sinais tem
independência em relação ao léxico,não se tratando ,por conseguinte, de
transliterações ou meros sinais traduzidos manualmente para palavras das
línguas orais,como sugere a tradução manual,conhecida por dactilologia,que
representa letra por letra enunciados da língua falada,pondera Quadros,que os
surdos somente utilizam esse recurso em situações específicas,quando
estritamente necessário.
Métodos de investigações científicas afirmam que os aspectos icônicos ou
pictográficos na língua de sinais não são os aspectos mais relevantes da estrutura
dessa língua. O que deve ficar estritamente esclarecido é que a língua sendo
arbitrária , a sua aparência pode ser enganosa, já que pode expressar um aspecto
diferenciado em relação a um objeto,por exemplo ,o sinal de negação que temos
15na língua brasileira tem como representação lexical o de lugar para os surdos
americanos. Fica evidenciado; portanto, que cada grupo social poderá selecionar
um traço para identificar um mesmo objeto. Nesta asseveração, são fortes a
evidências de que as línguas de sinais consistem em uma figuração sistêmica de
uma nova modalidade de língua.
Na verdade, a alegação de empobrecimento do léxico dessa língua deve-se
ao fato de que a língua de sinais não foi bem tolerada na sociedade e em
particular, na educação. Todavia, esse preconceito começa a decair e esbarra
com grande pujança nas palavras de J. Schuylerhong:
“É impossível para aqueles que não conhecem
as línguas de sinais perceberem sua importância
para os surdos,sua enorme influência sobre a
felicidade moral e social dos que são privados
da audição e sua maravilhosa capacidade de
levar o pensamento a intelectos que de outra for-
ma ficariam em perpétua escuridão.
Enquanto houver dois surdos no mundo l e
eles se encontrarem, haverá o uso de sinais”
No Brasil, a Língua de sinais foi reconhecida pela Lei 10436 de 24/04/04
como um sistema linguístico oriundo de comunidades de pessoas surdas .E a sua
origem veio da Língua de Sinais Francesa. Esse reconhecimento e sua
regulamentação através do Decreto nº 5626 de 22/12/2005 operam inúmeras
mudanças que atingem especificamente o sistema educacional do Brasil.
No nosso país, e em diversos outros países,a proposta bilíngüe ainda se
limita a poucos centros, pela dificuldade de se organizar em grupos de surdos, e
16ouvintes com domínio de libras, pela resistência em aceitar a língua de sinais
como a primeira língua dos surdos e por não se entender a necessidade do seu
uso como instrumento de trabalho junto às pessoas surdas.
Na proposta bilíngüe, a língua de sinais brasileira deve ser introduzida
como primeira língua e o Português, como a segunda. Dentro dessa proposta, a
língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa
surda em contato com as pessoas que a usam. Por outro lado, a língua na
modalidade oral e escrita conforme Quadros (1997),é adquirida de forma
sistematizada.
De acordo com a autora,a nova proposta bilíngüe, visa a assegurar o
acesso dos surdos às duas línguas,respeitando-se a autonomia da língua de
sinais e da língua majoritária do país, no nosso caso, o Português.Karin Strobel
registra em seu livro a Imagem do Outro Sobre a Cultura Surda:”(...) a criança
surda necessita de professores surdos usuários naturais da língua de sinais e
cultura própria em seu processo de construção de identidade educacional.O
imaginado é que os surdos tenham contato com os outros surdos que constituem
o povo surdo ,onde acontece o seu desenvolvimento como sujeito diferente,sendo
um centro de encontro com o semelhante para que desenvolva sua identidade
cultural, por isto esses defendem a importância de termos uma escola para
surdos...”
Assim,em conformidade a esse pensamento,podemos perceber a
importância de a escola oferecer,à criança surda,oportunidade de adquirir a sua
primeira língua e de se constituir como sujeito autônomo e lingüístico,do mesmo
modo que a oportunidade é oferecida à criança ouvinte. Skliar ,sugere que este
novo olhar sobre o surdo pressupõe o respeito e o reconhecimento de sua
singularidade e especificidade humana,refletindo no direito de apropriação da
língua de sinais, na qual depende os processos de identificação pessoal, social e
cultural.
17
CAPÍTULO II
Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Aurélio,interpretar significa
‘traduzir ou verter de língua estrangeira ou antiga’.O Dicionário Enciclopédico
ilustrado Trilíngue da língua Brasileira de Sinais define interpretar como “traduzir
ou verter da língua para outra”exprimindo a mesma mensagem.
Quando queremos recorrer ao significado de uma palavra ou sentença
fazemos uso da Semântica. Essa é parte da lingüística que estuda a natureza do
significado individual das palavras e do agrupamento dessas palavras nas
sentenças,que podem apresentar uma riqueza de expressividade diferente das
línguas orais, incorporando tais elementos na estrutura dos sinais através de
relações espaciais, estabelecidas pelo movimento ou outros recursos lingüísticos.
Para se interpretar a linguagem de sinais ,tomemos comoexemplo a frase de
J.M.Marandin:
“Não se trata de uma leitura plural em que o
sujeito joga para multiplicar os pontos de vis-
tas possíveis para melhor aí se reconhecer,
mas, de uma leitura em que o sujeito é ao
mesmo tempo despossuído e responsável
. pelo sentido que lê”
Diante dessa explanação,podemos inferir que a simples leitura de um sinal não
significa exatamente que o leitor compreendeu o seu significado. Os estudiosos
acreditam que ,além da fidelidade da interpretação literal da língua,nesse caso
dos sinais,é importante seguir alguns critérios interpretativos .
18 Às vezes, a imagem está expressa,mas o objeto referente embora não
esteja explícito,é indicado pelo contexto. A pergunta “Você entende o que lê?”
indica uma possibilidade de não se entender literalmente o que se vê, mas a
possibilidade também de se fazer entender. Desta maneira, não podemos
presumir que uma figura de linguagem, nesse caso, a metáfora,sempre signifique
a mesma coisa.
O caráter da Língua de sinais não é outro, senão o de resgatar através dos
sinais, a linguagem social da redundância e da inércia pela criação de um novo
espaço em que as palavras usadas pela comunidade surda surjam diariamente
como se fossem lidas primeira vez e tenham novo significado na vida do leitor.O
esforço para que a mensagem seja adequada ao destinatário,e, portanto,à
situação de comunicação, não é apenas daquele que deve interpretá-la, mas
obviamente do próprio emissor. Se nem o “falante” da língua de sinais corrige a
falta de ajuste no conhecimento dos interlocutores nem o ouvinte encontra pistas
que corrijam as distorções, ele pode se dar por satisfeito, mesmo saindo da
conversa com uma interpretação oposta à pretendida pelo falante.
Entender o sentido de cada sinal que é intencionado pelo surdo não é tarefa
fácil, visto que a língua de sinais está repleta de conceitos metafóricos.Se não se
fizer a transferência metafórica que constitui a chave para uma boa interpretação,
não haverá interação. Afinal, a metáfora não é simplesmente um item de lição
estilística. Torna-se necessário saber que devemos compreender o sentido antes
de compreendermos o seu significado. Quando isso não acontece,erros graves e
interpretações distorcidas são gerados ou ainda pessoas intencionalmente
adulteram a interpretação.
O sentido ,segundo E.D.Hirsch,filósofo,”designa aquilo que permaneceu
estável na recepção de um texto”. O sentido responde a questão:”O que quer dizer
esse texto?”. A significação designa o que muda na recepção de um texto .Ela
responde a questão:”Que valor tem esse texto?”.O sentido é então,o objeto de
interpretação do texto;enquanto que a significação é o objeto da aplicação do texto
19ao contexto. Assim , a linguagem de sinais pode ter um sentido original e
também sentidos ulteriores. O sentido ulterior pode identificar-se com o sentido
original, mas, não impossibilita que dele se afaste. Diante dessas ilações,podemos
perceber que o problema não é o da preferência do intérprete leigo ou não em
relação ao sentido original , quando se interpreta um sinal da linguagem usada
pela comunidade surda, mas, o de perceber o sentido próprio que cada sinal
representa , que está oculto na linguagem figurada que esse sinal apresenta.Para
fazermos uso da palavra , no nosso caso, de um sinal, devemos reconhecer dois
importantes instrumentos da linguagem : a denotação e a conotação.
Os lingüistas reconhecem a função referencial ,cognitiva ou
denotativa,como a mais importante da linguagem humana.
A linguagem tem dupla função:a da “Ação”,denotativa; e a da “Paixão”,conotativa.
Aristóteles dizia que a metáfora tem uma única estrutura,mas, duas funções:a
Retórica e a Poética.
A função retórica representa a área do saber , do conhecimento, da ciência e é
expressa pela linguagem unívoca, nocional,referencial,e, numa classificação de
Le Guern,denotativa.
A função poética representa a área de sentir, da paixão;se processa no campo
emotivo ,numa linguagem plurívoca, polivalente, portanto, conotativa.
Ao conhecermos as duas funções da linguagem,percebemos o valor
nocional da metáfora lingüística e poética.
Na linguagem de sinais, a metáfora lingüística suscita um desvio paradigmático
e provoca uma simples mudança de sentido,porém sempre dentro da mesma
função de linguagem, no mesmo campo semântico,ou seja o denotativo;ao ponto
que na metáfora poética,há uma mudança de sentidos,passagem de sentido
nocional para um sentido emocional. Essa metáfora não se apóia valores
objetivos,ontológicos,mas em fatores subjetivos,idiossincráticos e conotativos. O
sentido conotativo dessas linguagens. Uma vez descoberto seu código ,torna-se
20denotativo, porque é unívoco. Assim , a denotação é uma retórica do mecanismo
lógico, de estrutura conceitual que gera metáforas objetivas e, a conotação,uma
retórica de mecanismo emocional de estrutura profunda ,que cria metáforas com
variantes míticas e até lógicas. Podemos categoricamente afirmar que não há
metáforas no dicionário, tão somente no discurso. Massaud Moisés, define a
denotação como a linguagem que corresponde ao sentido literal dos vocábulos
apresentados no dicionário à proporção que um signo lingüístico tem de remeter a
um objeto exterior da língua. Aproxima-se então, o sentido referencial da
linguagem.
A conotação designa os vários sentidos que o signo lingüístico adquire no contato
com outros signos dentro do texto: por contigüidade, o sentido literal se amplia,
tornando-se polivalente. A conotação depende do contexto e exercita-se no âmbito
da fala, enquanto que a denotação se move no perímetro da língua.
D’Onofrio vincula à metáfora lingüística um significado denotativo e à metáfora
poética, um significado conotativo. Para ele, “É preciso distinguir a conotação
poética, ou artística em geral, da conotação de outros sistemas semióticos:o da
linguagem jurídica,médica, diplomática,gíria, etc...
O sentido conotativo dessas linguagens uma vez descoberto seus códigos,torna-
se denotativo, por que é unívoco. A linguagem literária, pelo contrário,é sempre
polissêmica,aberta a várias interpretações”.
Podemos inferir que onde a conotação se revela direta e imediatamente há
poesia, isso não significa necessariamente que na linguagem da comunidade
surda,só exista a denotação,mesmo esta sendo uma constituinte do primeiro
sentido que os vocábulos ostentam no âmago do texto. Se podemos falar em
denotação pura no nível da linguagem referencial ou do dicionário,em se tratando
de conotação,podemos perceber que essa não se resume numa gama de sentidos
irreais,mas numa série de sentidos contextuais que principia pela denotação.
21 Desta maneira, todos os vocábulos que integram um texto têm
obrigatoriamente um sentido ,e este sentido ,é denotativo.
Na Língua de sinais se defrontam ,então, duas realidades de sentido,ou se
imbricam conflitivamente duas camadas semânticas: a denotativa e a conotativa.
Diante do que foi explanado ficamos com a seguinte frase:“A escolha é a
alma do estilo. A língua oferece possibilidades:o sujeito elege uma e rejeita
outra”.Essa assertiva de Gladstone Chaves de Mello, nos faz pensar na forma
como o deficiente auditivo relaciona-se com as palavras depois de selecionadas,
esquematizadas e adequadas ao contexto. A palavra, nasce então da busca
incessante em se traduzir o pensamento perfeito daquilo que se falar e convencer
a quem é dirigida a ‘fala”,no nosso caso o sinal, provocando um efeito expressivo
na língua. Vimos anteriormente que a partir das teorias de Ferdinand de
Saussure, as palavras são compreendidas sobre três aspectos: o significante,isto
é, a imagem acústica de um fonema dotado de significação;o significado,ou seja, o
conceito que a palavra carrega,e o referencial ,que é a idéia, a coisa;.esses
aspectos são os que geram a necessidade do homem em colocar a palavra em
diversos níveis de significações com suas alterações. Não é por acaso que as
formas compostas são frequentemente desligadas é do significado estritos dos
seus componentes. O distanciamento entre o significado do todo e o significado
das partes é normal nas formas compostas pela própria função da nomeação
(sofá-cama,papel-alumínio, peixe-espada,navio-escola, carta-bilhete).Esse
distanciamento é especialmente acentuado no caso das formas metafóricas (olho
olho-de-sogra-de-sogra,louva-a-deus,peixe-espada).Se considerarmos que o
docinho tem algo das características de um olho,mas certamente a associação
com o olho é desagradável em nossa cultura,então surge o uso do termo
sogra,que é personagem considerada desagradável em nossa cultura. Um outro
exemplo seria o termo louva-a-deus em que a postura do inseto lembra a postura
de alguém em oração ,mas é impossível inferir um inseto a partir de louva–a–
deus ou um docinho a partir de olho-de-sogra. Assim tanto no português quanto
22em língua de sinais o distanciamento entre o significado do todo e o significado
das partes é normal nas formas compostas pela própria função da nomeação;
esse distanciamento é especialmente acentuado no caso das formações
compostas metafóricas.
Sabemos que existem alterações semânticas no léxico ,as quais ocorrem
porque as palavras mudam constantemente de significado,justamente porque as
coisas se modificam devido a inúmeros fatores que norteiam o pensamento e a
idéia .Isso também se dá na língua de sinais ,visto que nessa língua o que se
modifica é o nome, pois, vimos que o sinal é um item lexical,também.
Dessa transferência semântica de um termo para o outro,citada
anteriormente, nasce a metáfora,que contribui para essa mudança de significação
Porque estabelece uma estrutura sintagmática, chamada de
“solidariedades”(estruturas que explicita uma relação entre os dois lexemas
pertencentes a campos diferentes dos quais um está compreendido,em parte ou
totalmente, no outro como traço distintivo,que limita sua combinação),conforme
elucidou Bechara. Nesse sentido, a metáfora não resulta numa comparação
abreviada;ao contrário, a comparação é uma metáfora explicitada.a
metáfora,então expõe o resultado da operação redutora da linguagem e
condensação do sentido decorrente. Visto que há uma tendência a confundir o
mecanismo ou a forma com que a metáfora se apresenta,importante é esclarecer
que essa “mola” que projeta a metáfora,consiste na aproximação de dois termos
isolados.
Desse modo,podemos dizer que a metáfora se baseia numa identidade real
manifesta pela intersecção de dois termos para afirmar a identidade dos termos na
sua totalidade ou ainda conforme Benveniste:’a metáfora é a transferência de
dominação que só se organiza se houver razoabilidade na analogia entre os seus
termos ;do contrário, a metáfora não se processa”
23O corpus metafórico encontrado na Língua de Sinais Brasileira ,efetivamente,
demonstra uma riqueza de itens lexicais que expressam unidades complexas de
pensamento, na maioria das vezes, relacionadas a “idéias”, conforme visto
anteriormente,.Tais idéias complexas,subjacentes aos itens da língua de sinais,
assemelham-se a ideogramas –símbolos gráficos ,imagens convencionais ou
desenhos que representam um objeto ou uma idéia.
Analisando essas unidades teremos evidências que os fraseologismos
encontrados na Língua de Sinais são equivalentes aos da Língua
Portuguesa,especialmente aqueles mais idiomáticos,cuja metáfora é semelhante
nas duas línguas em litígio,pois sinalizam para empréstimos da língua Portuguesa
a Língua Brasileira de Sinais. Todo procedimento básico (metafórico) de que se
serviram os usuários da língua de sinais nada tiveram de passivo;ao assumirem
a transferência de sentidos de palavras ,quiseram indiscutivelmente conscientizar
o leitor de que através da metáfora é possível reavaliar suas concepções,as
possibilidades de significações
Essa ocorrência, até certo ponto previsível,acontece pelo fato de que uma
comunidade surda ,desde que,usuária da língua brasileira de sinais, é multicultural
E o contato entre as duas linguagens pode influenciar o léxico de ambas,já que
esse empréstimo é natural quando há um contato entre duas línguas diferentes.
como bem frisou a doutora e Presidente da FENEIS:”(...) povo surdo são sujeitos
surdos que compartilham os costumes, histórias, tradições em comuns e
pertencentes as mesmas peculiaridades culturais , ou seja, constrói sua
concepção de mundo através do artefato cultural visual ,isto é, defensores do que
se diz ser povo surdo, seriam os sujeitos que podem não habitar o mesmo local,
mas, que estão ligados por um código de formação visual independente do nível
lingüístico...”
Evidentemente existem também construções metafóricas legitimamente
geradas na Língua Brasileira de Sinais,que diferenciam-se daquelas construídas
por ouvintes,falantes nativos da Língua Portuguesa. E conforme Quadros
24(2004),essa ocorrência confirma que “a visão pragmática que os indivíduos têm do
mundo,inclui concepções culturais e sociais que podem se diferenciar mesmo
compartilhando espaços físicos iguais”;nesse sentido ,temos a demonstração de
que as pessoas surdas vivem essa característica,pois possuem experiência de
vida diferente do ouvinte.
O traço metafórico não pode ser entendido sem buscar o somatório do
impacto da cultura .Para Quadros,”pessoas surdas usam seus olhos para
propósitos funcionais muito mais além do que os usam os ouvintes”.Karin
Strobel,Doutora e Presidente da FENEIS, escreveu em seu livro A Imagem do
Outro Sobre a Cultura Surda: “(...) cultura surda é o jeito de o sujeito surdo
entender o mundo e de modificá-lo a fim de se torná-lo acessível e habitável
ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição
das identidades surdas e das almas das comunidades surdas. Isso significa que
abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo.”
Seguindo essa linha de raciocínio,a metáfora na Língua de Sinais parece estar
“guiada” pela visão,uma vez que os surdos compreendem mais o mundo pela
visão que pela audição,esses têm verdadeiramente uma noção de mundo
diferente dos ouvintes.
Necessário é lembrar que os conceitos padronizados pela Língua de
sinais,são conceitos inatos,individuais,mas são culturalmente influenciados pelas
pessoas ao nosso redor. Nos estudos das metáforas da Língua de Sinais
Americana,não se atém apenas a sinais isolados ou palavras separadas, mas
também, e principalmente , a valores da comunidade surda. Assim, o conceito da
comunidade surda se substituíram através dos anos ,e as metáforas usadas para
descrever seu grupo cultural têm mudado também .Muitas dessa descrições que
as pessoas surdas escolheram para usar ao descrever ,incluíram termos como por
exemplo,”silêncio”, mas para o mesmo sentido, “clube do silêncio”,”jornal do
silêncio”,etc...
25Correntemente, há uma tentativa de excluir o que se tornou um conceito
frágil_silêncio_ e incluir termos também em vendo, visão, ou surdo, como em “dia
da visão ou da consciência do surdo,esforços que acentuam os aspectos positivos
do grupo.
Diante dessas reflexões ,podemos perceber que o problema não é o da
preferência do leitor pela interpretação conveniente, mas ,o de perceber o sentido
próprio, oculto na figura de linguagem.
Uma observação a respeito da língua de sinais pode gerar dúvidas sobre o sentido
que foi lido. Por isso, devemos perceber que para entender a língua de sinais,é
necessário transpor abismos gramaticais e culturais que certamente contribuirão
para que a interpretação seja feita de modo coerente.
26
CAPÍTULO III: SINALIZANDO METÁFORAS EM LIBRAS
Conforme Flávio Kothe:”a força da metáfora é proporcional à quantidade e
qualidade de coisas que ela for capaz de sugerir de modo sintético”.O linguista diz
ainda que “ a metáfora é tanto mais surpreendente quanto mais distantes entre si
forem os elementos da comparação”.
Investigando a metáfora podemos caracterizá-la como já foi explicitado, como uma
comparação implícita, em que não aparecem partículas conectivas explicativas ou
comparativas;numa frase cujo verbo seja parecer, assemelhar-se, sugerir, dar
impressão ou equivalentes. Quando tais verbos aparecem diz-se que é um a
símile ou uma comparação. Podemos interrogar o porquê da utilização da
metáfora na língua de sinais,mas percebemos que a metáfora chama a atenção,
pois quando o leitor se depara com a singularidade da metáfora, verifica que os
conceitos que antes eram abstratos tornam-se concretos,se registram com mais
facilidade . A metáfora capta e comunica a idéia de forma concisa. Devido a seu
aspecto de forte realismo não há necessidade de uma descrição completa, logo, a
metáfora sintetizada é uma idéia que estimula a reflexão.
Verifiquemos a esquematização , elaborada por K.Buhler, nos filtros duplos
que representam o processo metafórico:
1ºcírculo 2ºcírculo
Plano Real (A) Plano Imaginário (B)
27Idéia ou coisa a ser definida a outra idéia ou coisa em
Que a imaginação percebe
Alguma relação com o plano
real
quando há uma interseção entre os dois círculos,figura a relação de semelhança
entre os dois planos. Assim:
Para entendermos o mecanismo pela qual e processa a metáfora,e
consequentemente como se dá a sua visão,tomemos como exemplo o lexema
árvore :
1º) Podemos considerar essa árvore,como um todo organizado,decomponível em
partes organizadas,ou seja, um objeto referente:
Árvore = ramos, folhas, troncos e raízes ( referencial )
2º) Podemos da mesma forma, considerar essa mesma árvore, como uma classe
composta por espécies diferentes:
Árvore = carvalho,salgueiro,videira,etc... ( conceitual )
Partindo da distinção entre referência e conceito, pode se distinguir dois tipos
de metáfora: a metáfora referencial e a metáfora conceitual .
A primeira é puramente semântica e joga com surpreendentes acréscimos de
semas; a outra puramente física e joga com a supressão das mesmas;
No livro ‘Alice do espelho”, Humpty Dumpty disse para a Alice:
Existem 364 dias nos quais uma pessoa pode receber um pre-
28 sente in-aniversário. Alice concordou e ele acrescentou: E um
dia só em que possa receber presente de aniversário, não é?
Logo, glória para você!
_Não sei o que quer dizer com esse glória, objetou Alice.
Humpty Dumpty sorriu.
_Está claro que não sabe,nem o saberá enquanto eu não dis-
ser. Glória quer dizer um argumento de escachar.
_Mas, glória jamais significou isso,que eu saiba ,senhor!
_quando eu uso uma palavra, replicou Humpty,com superio-
ridade,ela significa o que eu quero que ela signifique,e nada
mais.
_Mas a questão é se o senhor pode dar significado diferente
das palavras...”
Roy B. Zuck ( 1994,p.75)
Alice estava preocupada porque Humpty Dumpty tinha redefinido a palavra
“glória” e essa preocupação provinha do fato de que ,em geral,para comunicar-se
uma pessoa não redefine palavras dando sentidos completamente diversosdos
aceitos em geral.no entanto, quando alguém explica a frase ,os leitores podem
entender.
Se lermos uma declaração como a de Humpty Dumpty que diz que um
aniversário significa “glória pra você”,sem explicação, ficamos confusos. Mas, pelo
contexto no qual ele explica a frase, seu sentido fica mais claro.
29 Isolar uma palavra (sinal),uma frase ou um parágrafo da língua de sinais não
vai fazer com que o sentido seja estabelecido, é necessário, como dissemos
anteriormente levar em considerar o contexto cultural.
Atentemos pois nas metáforas presentes na Língua Brasileira de Sinais,sabendo
que a construção das metáforas, sejam elas poéticas ou lingüísticas ,obedecem a
processos idênticos. As mesmas, se caracterizam apenas pelo uso:” as
lingüísticas ,segundo Francisco Filipack, suprem uma carência lexical e as
poéticas se distinguem por um emprego livre, opcional e intencional”.
Em função do caráter histórico de exclusão e preconceito em relação às línguas
de sinais e ao estado atual das teoria linguística,com um forte peso formalista,as
pesquisas sobre metáforas na abordagem cognitiva ainda estão em fase
embrionária.
Quadros afirma que Wilcox, (a mais representativa autora de pesquisas em
metáforas na língua de sinais na atualidade),defende a idéia de que o estudo das
metáforas não pode ser compreendido, sem considerar a influência da cultura.e,
considerando que as comunidades surdas se caracterizam por uma apreensão do
mundo essencialmente visual,certamente, o motor cognitivo visual tem
importância na organização de elementos da cultura e varia de acordo com a
organização social.
Estudiosos afirmam que as metáforas orientacionais em Libras são as
mesmas encontradas nas línguas orais ocidentais, BRITO, ao comparar os sinais
de tempo e espaço em Libras e LSKB (Língua de sinais kaapor Brasileira),aponta
algumas diferenças de sinalização temporal da Libras em relação à língua de
sinais dos Urubus-Kaapor,habitantes da floresta Amazônica. A Autora afirma que ,
na Libras, o futuro é apresentado “para frente” e o passado”para trás”.esta
oposição polar, não é encontrada em LKSB. Nessa língua, o futuro é direcionado
para cima, e o passado não é marcado. A oposição simétrica ou polar do sistema
de tempo em Libras mostra que o futuro ou o passado são visto como que
podendo ser dominados. A polaridade engloba similaridade...O que é visível
30produz a sensação de estar controlável. Frases como “vamos ao encontro do
futuro”mostra que o homem em nossa cultura não vê o futuro como algo que não
possa dominar. Além disso , o tempo em Libras é mais discretizado,mais
quantificado ,mais medido do que em LKSB.
É sabido também, que existe uma dificuldade na identificação das metáforas
em língua de sinais, especialmente nas estruturais, em função da estrutura
espacial da língua ,pois o próprio conceito de metáfora consiste no mapeamento
de um domínio fonte para um domínio alvo,do concreto para o abstrato. Quadros
também sugere que a comunicação afetiva que ocorre entre os sinalizantes de
línguas de sinais podem ajudar na identificação de metáforas subjacentes ao
código visual-espacial partilhado, o que aponta indícios de uma relação de
comodidade de expressão de mapeamento metafórico. A conscientização por
parte dos surdos ,professores e intérpretes desses processos metafóricos auxilia
na prática pedagógica e aprendizagem de Libras escrito.Logo, os estudos sobre
as metáforas não deixam dúvidas sobre o seu papel fundamental na organização
da língua de sinais. Para se fazer essa análise,a primeira hipótese seria a de que
as metáforas em LIBRAS se encaixariam numa versão padrão da Teoria dos
protótipos, pois para que a metáfora seja manifestada, é necessário apresentar
uma categoria, analisá-la submetê-la a um agrupamento dando origem então a um
processo metafórico em questão. Assim ,temos como exemplo, a categoria inseto:
Para esse substantivo tem-se o uso da metáfora antena,já que essa é a
representação metonímica da parte pelo todo do referente “barata”.
Essa relação prototípica é tão marcada que amplia a função desse protótipo,
tornando-o um classificador para representar traços de outros itens lexicais.
O ícone lingüístico (mental) que designa antena nas LIBRAS, exerce diferentes
funções: nomeia-se um membro de uma categoria e prototipicamente, a categoria
a que esse membro representa é um morfema que compõe outros itens lexicais
que estão em relação de semelhança com o protótipo da categoria, e ainda ,
exerce sua função metafórica, quando amplia o seu sentido para nomear aquele
31que anda como barata (tonta), aparentemente sem rumo, de um canto a outro,
que é ocaso de um indivíduo bêbado.
Lakoff situa a metáfora na origem metonímica aos efeitos prototípicos. A
conseqüência dessa proposta é converter em facultativo os dois elementos
usados para realizar o protótipo da versão padrão: a identidade do critério sobre o
protótipo e sobre o estatuto da categoria de exemplar prototípico.
A partir dessa reflexão, temos em LIBRAS:
REFERENTE à PROTÓTIPO à METONÍMIA àÍCONE àMETÁFORA
àESTEREÓTIPO
Assim, a orelha de um coelho pode ser a metonímia eleita prototipicamente para
representar um coelho (referente) . O formato de uma mão , representando o que se
parece com a orelha de um coelho, é um traço de iconicidade, altamente cognitivo,
incorporado á língua.
Quando esse ícone lingüístico amplia sua significação, passando a outros
sentidos, tem-se a metáfora.
No caso ilustrado, a partir do momento em que um coelho é associado ao
símbolo da revista Playboy, passa-se a uma representação metafórica ao conceito
ao conceito de coelho. No caso desse conceito metafórico se tomado socialmente,
ele passa a estereótipo.
Outro exemplo, o tronco de uma ”árvore” é a representação metonímica da árvore
eleita prototipicamente para representá-la.O sinal que designa árvore é um ícone
lingüístico dessa metonímia. Se os falantes da LIBRAS disserem que alguém é
árvore,esta passa a exercer uma representação metafórica que indica passividade,
ausência de atitudes diante de dada realidade.
A palavra leão , por exemplo, representa a categoria animal. No nível subordinado
,estaria polissemicamente , tratados aqueles que seriam , aparentemente, tipos de
32leão. Assim, Leão(pinta) para designar onça,Leão (listra) , para designar tigre,Leão
(negra), para designar pantera, daí diante desse conflitos em subcategorizar , em
LIBRAS,surgem outros protótipos e conseqüentemente outras metonímias.
Dessa maneira, a seleção prototípica que dá origem às metáforas emerge da
cultura do falante, ou seja, manifestam-se cognitivamente e também por influência
cultural. Nesse sentido, mas com pressupostos teóricos distintos ,as pesquisas
sobre metáforas são coerentes com a proposta mais ampla empreendida pelos
Estudos Surdos,segundo Quadros,metaforicamente ,as relações de poder e
organização social aparecem no modo como os surdos se expressam
lingüisticamente,ou como o uso da língua se expressa em cultura. Logo, a metáfora
justifica o fato de a Língua de sinais não ser uma língua universal .
33
CONCLUSÃO
As considerações expendidas nessa pesquisa monográfica permitem que o
leitor focalize o fenômeno dos sinais poético da perspectiva das relações entre
sentido literal e sentido figurado na Língua Brasileira de Sinais. O nosso intuito foi
o de levar o leitor a fazer uma leitura da linguagem usada pela comunidade surda
com um olhar mais cuidadoso ;fazendo-o perceber que as palavras enigmáticas,
fantásticas,se valem de recursos gramaticais _como a metáfora _para causarem
uma série de reações infinitas despertando a mente a intervir continuamente para
aceitá-las, relacioná-las e construí-las.
O professor de literatura inglesa W.Macneile Dixon, da Universidade de
Glasgow, escreveu em 1937:
Se me perguntassem qual foi a maior força utilizada
na formação da história...eu responderia...a língua-
gem figurada. Os homens vivem pela imaginação;
a imaginação governa as nossas vidas. A mente
humana não é um foro de debates como querem
os filósofos,mas,sim , uma galeria de artes...elimi-
ne todas as metáforas da linguagem e o seu espí-
rito vivo se dissipará...os profetas, os mestres, os
líderes são todos mestres da mente metáfora e
com ela cativam a alma humana.
34
Essa assertiva retrata a metáfora como elemento imprescindível para a linguagem
em especial, a linguagem de sinais,onde encontramos esse elemento. Paralelo a
isso, as tarefas de descontextualização e recontextualização,empreendidas dentro
de um projeto prévio da compreensão da língua de sinais, é que vão caracterizar a
interpretação.
Na circunspeção desse trabalho, procuramos evidenciar uma estrutura
possível para uma leitura da língua de sinais. Pelo que foi explicitado,notamos que
essa leitura é complexa distanciando-se das características reducionistas. A
metáfora é então apresentada como um termo próprio de inúmeras realidades que
se faz valer .
A metáfora não pode ser confundida com uma mera decodificação ou
reprodução de informações ou respostas que convergem a exemplos escritos pré-
elaborados. Esta confusão nada mais faz que decreta a “morte” do leitor
transformando-o num consumidor passivo de mensagens não-significativas e
irrelevantes.
Enquanto um projeto de busca de significados, a leitura da língua de sinais,
no nosso caso, a brasileira,deve ser geradora de novas experiências para o
indivíduo.
Não se pretende nessa pesquisa,encontrar “fórmulas mágicas” que darão
conta de explicitar todo o processo metafórico análogo à interpretação. Mas, que o
olhar sobre a linguagem de sinais ao ser empreendida, segundo os parâmetros
desse trabalho,venha facilitar o surgimento da reflexão e da tomada de posição do
leitor.
Reflexão significa a apropriação do nosso ato de existir, através de uma
crítica aplicada ao que se lê.
“Tomada de posição”,significa o confronto de significados e a participação
na busca da interpretação da língua.
35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1-BOSI,Alfredo.”o ser e o tempo na poesia”.São Paulo. Cultrix,1977
2-D’ONOFRIO,Salvatore.Poema e narrativa:estruturas
3-FERREIRA-BRITO,L. por uma Gramática de língua de sinais. Rio de
Janeiro:tempo brasileiro,1995
4-FILIPACK,Francisco. Teoria da metáfora. Curitiba. HDV,1997
5-GARCIA,Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro
FGV,2000
6-QUADROS,Ronice Muller de. Língua de sinais brasileiras: Estudos
lingüísticos.Porto Alegre:Artmed,2004
7-VALENTE,André. Aulas de Português, Petrópolis,Rio de janeiro:Vozes,1999.