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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A UTILIZAÇÃO DO LÚDICO NA CONSTRUÇÃO
DA AUTO-ESTIMA:
Um Estímulo ao Desenvolvimento
Emocional Saudável
Autora: Melissa Pereira dos Santos
Orientadora: Fabiane Muniz
Data de Entrega:
RIO DE JANEIRO
2003.1
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A UTILIZAÇÃO DO LÚDICO NA CONSTRUÇÃO
DA AUTO-ESTIMA:
Um Estímulo ao Desenvolvimento
Emocional Saudável
Trabalho monográfico, apresentado como
requisito parcial, para obtenção do grau de
especialista em Psicomotricidade.
RIO DE JANEIRO
2003.1
AGRADECIMENTO
Agradeço, imensamente, a todos que
contribuíram para a realização desta
monografia: à minha orientadora Fabiane
Muniz, a todos os professores com quem
estive, nesta instituição, à minha terapeuta
Adília, ao meu namorado Fabiano Scovino e ao
instituto da família, aonde realizei meu estágio.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos futuros pais, para que
possam refletir sobre a qualidade do tempo
investido com seus filhos, em quaisquer
atividades lúdicas.
EPÍGRAFO
“Os professores podem guiá-las,
proporcionando-lhes os materiais apropriados,
mas o essencial é que, para que uma criança
entenda, deve construir ela mesma, deve
reinventar. cada vez que ensinamos algo, a
uma criança, estamos impedindo que ela
descubra por si mesma. por outro lado,aquilo
que permitimos que descubra por si mesma,
permanecerá com ela.”
Jean Piaget
RESUMO
Acreditando no desenvolvimento saudável da criança, através do brincar, é que
nasceu o tema desta monografia. Este trabalho se propõe a quebrar o estigma de que
uma brincadeira é apenas uma brincadeira, sem importância ou conseqüências. Mas,
para chegar neste ponto, é preciso compreender por que a ausência de vivências lúdicas
pode culminar numa baixa auto-estima?
Porque é brincando que a criança conhece a si própria, conhece seu corpo e o
mundo e, é conhecendo a si, que ela ganha autonomia para buscar aquilo que ela quer
fortalecendo seu ego e, conseqüentemente, sua auto-estima.
À nível ilustrativo, enfoquei a origem de alguns brinquedos e brincadeiras, no
primeiro capítulo, passando pelo advento da tecnologia e suas conseqüências.
No segundo capítulo, empreguei a classificação dos jogos, segundo Jean
Piaget, para lembrar que tudo tem sua hora e que se a criança não estiver preparada
motora, psíquica e neurologicamente, para determinada atividade, terá problemas, no
futuro.
Dentro do terceiro capítulo, que aborda as funções do ato de brincar, existe
uma tabela que mostra a evolução do brincar, de 0 a 10 anos, onde aparecem os
brinquedos mais comuns e adequadas à cada faixa-etária.
O quarto capítulo é um enfoque, psicológico, a respeito da construção da auto-
estima, relacionando-a ao brincar.
O quinto e último capítulo é, apenas, uma reflexão, para todos nós, sobre o
porquê de nunca deixarmos de brincar.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................1
CAPÍTULO I – A ORIGEM DOS BRINQUEDOS...........................................................4
1.1- Histórico do Brincar........................................................................................4
1.1.1– A Evolução......................................................................................5
1.2 – Histórico dos Brinquedos..............................................................................6
1.2.1 – A Evolução.....................................................................................9
CAPÍTULO II – A CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS, SEGUNDO PIAGET.................11
2.1 – Classificação e Evolução dos Jogos de Exercícios Simples........................13
2.2 – Classificação e Evolução dos Jogos Simbólicos.........................................14
2.3 – Classificação e Evolução dos Jogos de Regras...........................................15
2.4 – Conclusão de Cada Classificação ...............................................................16
CAPÍTULO III – AS FUNÇÕES DO ATO DE BRINCAR............................................19
CAPÍTULO IV – COMO SE CONSTRÓI A AUTO-ESTIMA?....................................26
4.1- Etapas do Desenvolvimento da Auto-Estima................................................28
4.2 - A Relação Criança x Brinquedo x Adulto.....................................................31
CAPÍTULO V – POR QUE NÃO SE DEVE PARAR DE BRINCAR?.........................34
CONCLUSÃO..................................................................................................................39
9
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................
..41
ANEXO...........................................................................................................................
.43
10
INTRODUÇÃO
A realização deste trabalho monográfico tem por objetivos: conscientizar
pais, educadores e profissionais, da área humana, sobre aspectos importantes que
existem por detrás de uma simples atividade lúdica; desmistificar a idéia de que
adulto não brinca; mostrar as conseqüências da ausência de vivências lúdicas,
durante a infância.
Sabe-se que há, nos seres humanos, uma tendência natural para o lúdico. É
através desse lúdico que entramos em contato com o nosso corpo e com o do outro,
bem como com os objetos do nosso mundo e, assim, podemos extravasar algumas de
nossas emoções, descobrindo também, habilidades para a realização de determinadas
tarefas.
O brincar é uma deliciosa fonte de prazer, quando estamos envolvidos
intensamente. Esse prazer, por sua vez, cria motivações no indivíduo que têm, como
conseqüência, a absorção de conhecimentos relativos à atividade desempenhada.
O lúdico envolve atividades tanto físicas como mentais, portanto, mobiliza
funções psicomotoras, neurológicas e operações mentais, estimulando o pensamento
e os afetos. O brinquedo é a ferramenta do brincar. Tudo o que serve de estímulo
para a criança descobrir, inventar, analisar, comparar, diferenciar e classificar é, sem
dúvida, muito importante para sua formação geral, contribuindo para um
desenvolvimento sadio.
11
Aquele que adquirir a capacidade de jogar e brincar estará apto a
desenvolver o pensar, o agir, o sentir e o aprender. Mas, para isso, deve-se levar em
conta os interesses de cada um e suas aptidões, respeitando suas tendências inatas.
Atualmente, vivemos numa Era, cuja tendência é a globalização. Em outras
palavras, tornar igual em todos os sentidos, perder a individualidade. E, é nesta Era
que estamos nos distanciando, cada vez mais, da natureza e nos aproximando mais e
mais do que é produzido artificialmente, pela tecnologia. Como conseqüência, as
pessoas vão deixando de lado, hábitos considerados ultrapassados em nome de uma
“atualização”, de uma “modernidade”. Mas, junto com esta atualização vem a
“correria” a que os homens modernos vêm se submetendo, enquanto esquecem-se de
algo que é fundamental: o seu lazer, que nada mais é do que brincar, seja com seus
filhos, cônjuges ou amigos, preservando assim, sua saúde mental.
É provável que muitas mães não sentissem que estivessem desperdiçando
seu tempo e seu talento profissional, ao ficarem em casa, cuidando dos filhos
pequenos, caso soubessem da enorme contribuição que dão à felicidade e valor
futuros, através da atividade física, mental e social do bebê.
Não se pode ignorar o fato de que qualquer pessoa, que tenha que se privar
da companhia de outros adultos, alimentando as próprias faculdades mentais e
emocionais, para cuidar de uma ou mais crianças, faça isso com prazer, o tempo
todo. O que não significa que não haja ganhos - de conhecimento e, até emocionais -
para este adulto.
Atualmente, não há mais espaço para o brincar e não falo, apenas, do
espaço físico. Observa-se que os pais - os mais abastados - preocupam-se muito mais
com os cursos de línguas, de informática e com a prática de um esporte, do que com
o tempo ocioso de que tais crianças necessitam, seja para criar, seja para imitar e não,
12
apenas, receber o que está pronto. Enquanto que, aqueles que sofrem com as
desigualdades sociais, preocupam-se em aumentar a renda familiar, colocando os
filhos para trabalhar com eles ou para eles, não lhes sobrando tempo para se
divertirem com o pouco que têm.
A realidade infantil é constituída a partir da magia. Os jogos, as
brincadeiras e o faz-de-conta, para as crianças é como os sonhos para os adultos. O
seu brincar é coisa séria, pois é a forma como a criança constrói sua identidade e seu
mundo próprio. Portanto, a criança necessita de espaço e tempo para esse "crescer".
Preocupada com tais questões e de acordo com pesquisas bibliográficas,
levantei a seguinte questão: “Por que a ausência de vivências lúdicas pode culminar
numa baixa auto-estima?”, baseando-me na hipótese de que crianças privadas de
vivências lúdicas, de quaisquer origens, tornam-se insatisfeitas/frustradas e adultos,
emocionalmente, instáveis.
13
CAPÍTULO I
A ORIGEM DOS BRINQUEDOS
De acordo com Von, 2001, embora o brincar sempre tenha feito parte do
cotidiano infantil, nem sempre lhe foi dada a devida importância. Faz-se necessário
olhar o brincar através do tempo, pois a presença de atividades lúdicas, desde os
tempos primitivos tem se evidenciado pelos registros de brinquedos infantis em
várias culturas, desde a pré-história, caracterizando-se como atividade fundamental.
Brincar é inerente à natureza de qualquer indivíduo, seja qual for sua origem e sua
época.
Muitos pesquisadores têm buscado a origem dos brinquedos em objetos,
fotografias e pinturas. Há museus com exemplares de brinquedos encontrados em
escavações realizadas em diversas partes do mundo, oriundos de épocas bastante
remotas.
Nas civilizações antigas, o lúdico estava presente no dia-a-dia dos adultos,
pois era a família quem educava os filhos, ensinando ofícios e artes. O grego Platão
foi quem primeiro apresentou estudos sobre o lúdico e suas influências na educação e
a importância dos jogos, como instrumentos facilitadores do processo de
aprendizagem.
1.1- Histórico do Brincar
Na antigüidade, as crianças participavam das festividades, lazer e jogos dos
adultos, mas tinham, ao mesmo tempo, um ambiente separado para os jogos que
14
ocorriam em praças públicas, espaços livres, sem a supervisão de um adulto e, em
grupos de diferentes idades e sexos.(Volpato, 1997)
Nesta época, a brincadeira era vista como elemento da cultura, do riso, do
folclore e do carnaval. Ela era e, ainda é, uma representação da vida. A brincadeira
era o fenômeno social do qual todos participavam, só tendo perdido seu vínculo
comunitário e tornando-se individual, bem mais tarde.
Com o progresso social da civilização, verificamos o surgimento da
sociedade individual moderna e o surgimento da sociedade burguesa, desencadeando
dois fatores importantes: a segregação das crianças em um grupo separado da vida
dos adultos e a institucionalização das mesmas, utilizando-se das atividades lúdicas
como um instrumento de aprendizagem.
No decorrer dos tempos, pôde-se comprovar a necessidade da socialização,
tão fundamental quanto a nutrição, higiene e os cuidados médicos.
1.1.1- A Evolução
Com o progresso das grandes cidades e a mudança de hábitos que a
evolução da civilização nos impôs, o brincar sofreu várias mudanças no decorrer dos
séculos.
Nas grandes cidades, houve a redução dos espaços físicos e a falta de
segurança para brincarem. O ritmo mais acelerado fez diminuir o tempo reservado
para as atividades lúdicas. A tecnologia reduziu o estímulo à brincadeira e a
industrialização modificou a relação da criança com o brinquedo.
Em função disso, as crianças estão amadurecendo mais cedo,
principalmente, quando os adultos permitem que elas tomem conhecimento de certos
assuntos do “mundo adulto”, ouvindo e discutindo o que não lhes cabe, ao invés de
lhes estimular ao prazer de interagir com um brinquedo.
15
1.2- Histórico dos Brinquedos
Em todos os tempos, para todos os povos, os brinquedos evocam as mais
sublimes lembranças. São objetos mágicos que passam de geração a geração, através
de um incrível poder: o de encantar crianças e adultos.
Os brinquedos podem contar a história do próprio homem e sua evolução
social, cultural e política.
O brinquedo é tudo aquilo que a criança se utiliza como passaporte para o
reino mágico da brincadeira. Não precisa ser nada pronto, nada estipulado como
sendo um brinquedo, bastando, apenas, que a criança use sua imaginação e deseje
que aquele objeto se torne um brinquedo, para ela. Pode ser uma pedra, um pedaço
de madeira, folhas de uma árvore ou os botões de sua roupa.
Estudos arqueológicos, em tumbas funerárias, revelaram a existência de
miniaturas de barcos de madeira e bonecos representando artífices de algumas
profissões, possivelmente utilizados como brinquedos, 2.000 anos a.C.
No antigo Egito, um milênio antes de Cristo, também, encontraram objetos
considerados como brinquedos.
Crianças da Antigüidade, na Grécia, já brincavam com chocalhos de argila,
recheados de pedrinhas. Em Roma, divertiam-se com carrinhos de duas rodas,
imitando os guerreiros, com cavalinhos de madeiras, além de pequenas réplicas de
animais e soldados. (Von, 2001)
Dentre todos os brinquedos conhecidos, supõe-se que o primeiro a encantar
as crianças tenha sido o chocalho. Segundo historiadores, os pais davam chocalhos
aos filhos com a função de espantar os maus espíritos.
16
O bilboquê, parece ter sido oferecido às crianças, também, pelos adultos,
como um instrumento de magia. Atualmente, serve de desafio à destreza de crianças
e adultos.
As cirandas faziam parte de um rito de adoração a uma árvore. Hoje,
encantam pelo ritmo e musicalidade.
Até mesmo, a bola e as bonecas chegaram às mãos das crianças,
primeiramente, como elementos de culto e magia.
Há cerca de 6.500 anos, os japoneses já fabricavam bolas, utilizando fibras
de bambu. Na China, a matéria-prima era crina de cavalos. Mas os romanos e gregos
preferiam confeccionar o produto com tiras de couro, penas de aves e até bexiga de
boi. A primeira bola branca foi idealizada por um brasileiro chamado Joaquim
Simão, em 1935, com a intenção de melhorar sua visualização em jogos noturnos.
(Von, 2001)
Bonecas articuladas podiam mover-se com barbantes, semelhantes aos
atuais fantoches, sendo utilizadas na Grécia e Roma antigas.
Cavalos de pau, cata-ventos e pássaros presos por um cordão nasceram do
espírito de imitação das crianças, que imitavam as atividades dos aduiltos.
A origem das pipas data de 2.000 a.C., como artefato usado por um general
chinês – Hansim – para enviar notícias de uma praça sitiada.
Os famosos soldadinhos de chumbo nasceram como jogos de guerra, onde
as crianças formavam esquadrões e simulavam batalhas. E a fascinação por pequenos
bonecos sobrevive aos dias atuais, passando pelos famosos Playmobil, Falcon,
Comandos em Ação, diversos super-heróis, chegando aos esquisitos Pokemons.
Já os caminhões, trenzinhos, móveis e utensílios domésticos, em geral,
passaram à categoria dos brinquedos em miniatura.
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A grande diversão indígena, do Brasil colonial, era correr as florestas com
arcos, flechas e tacapes, imitando instrumentos que seus pais utilizavam, para caçar,
pescar e abater animais.
Muitos brinquedos surgiram de uma criativa cumplicidade: de um lado, o
espírito infantil, desenvolvendo formas de expressaão, explorarção, manipulação,
socialização, discussão, projeção, verbalização, locomoção e prazer; de outro, a
habilidade artesanal transformando madeiras, metais ou argila em objetos lúdicos.
BONECAS = as primeiras estatuetas de barro podem ter sido feitas pelo
HOMO SAPIENS há 40 mil anos, na África e na Ásia, com propósitos ritualísticos.
Sua transição de ídolos para brinquedos ocorreu há 5 mil anos, no Egito.
BICHOS DE PELÚCIA = foram inventados no século XIX, sendo o mais
famoso, criado nos Estados Unidos e conhecido como Teddy Bear, um urso.
SOLDADINHOS DE CHUMBO = o brinquedo só passou a ser
manufaturado comercialmente na metade do século XIX, em Nuremberg, na
Alemanha. Mas, era artigo de luxo, pois só os pequenos nobres podiam tê-los.
FUTEBOL DE BOTÃO = criado pelo inglês PeterAdolph, em 1947,
porém, há indicações de que um carioca – Geraldo Décourt – em 1930, já divertia a
vizinhança com um futebol de botões de verdade, tirados do uniforme escolar.
TRENS = o primeiro trem elétrico, em miniatura, foi criado em 1835, por
um ferreiro nova-iorquino.
CARROS = apareceram, simultaneamente, aos carros originais, nos
primeiros anos do século XX, enquanto que o autorama foi inventado na Inglaterra,
em 1956.
BICICLETA = Leonardo da Vinci já tinha estudos sobre a bicicleta, mas
sua história oficial começou em 1790, quando um Conde francês, chamado Sivrac
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criou o Celerífero (celer = rápido; fero = transporte), que consistia em uma bicicleta
de madeira sem pedais e nem correntes, empurrada com os pés no chão.
PIÃO = cerca de 3 mil anos a.C., na Babilônia, já existiam os piões, feitos
de argila e com as bordas decoradas com formatos de animais, humanos ou relevos.
CHOCALHOS = os primeiros surgiram no Egito, por volta de 1.360 a.C.
Vários deles podem ser vistos em museus, com formatos variados de pássaros,
porcos, ursos, etc.
1.2.1- A Evolução
O fato de terem sido encontradas bolas, bonecas, chocalhos, piões e peças
de jogos, desde as mais remotas idades, demonstra que muitas brincadeiras infantis
mantêm-se durante o passar dos tempos.
Os primeiros brinquedos ganhos surgiam no próprio ambiente familiar:
bonecas de palha, argila ou pano, cavalinhos de madeira, bolas rudimentares e
carrinhos de lata, confeccionados artesanalmente.
No século XVIII apareceram as oficinas especializadas que do trabalho
artesanal passou ao industrial, pouco a pouco, e as matérias-primas industriais foram
sendo substituídas pelos materiais sintéticos e, os brinquedos, passaram a ser feitos
em série, para atender a demanda de consumo. (Volpato, 1997)
Outra característica do século XVIII é a popularização dos jogos
educativos. Antes restritos aos príncipes e nobres, tornaram-se veículos de
divulgação, crítica e doutrinação popular. Eram utilizados para o desempenho de
papéis, difusão de idéias e crítica de personagens, penetrando no cotidiano popular.
Depois de submetidos às linhas de montagem, os brinquedos começaram a
se tornar mais sofisticados. O prazer de se construir os próprios brinquedos,
19
exercitando a criatividade e a imaginação, perdeu-se diante da presteza da
industrialização.
Vai longe a época em que cada brinquedo tinha sua própria história e era
construído para uma criança específica. Eram muitos e não tinham marca, a não ser
de seus próprios construtores, que eram os pais e os avós.
Hoje, os brinquedos têm a marca das indústrias que os produzem em
diversos tipos e em grandes quantidades. Suas histórias se resumam à compra na loja
e à eventual surpresa de um presente inesperado.
Mas, independente disso, os brinquedos levam alegria por onde passam,
deixando sua marca, pois não perdem o encanto e a magia. Podem ser simples,
rudimentares, mas resgatam o autêntico significado do brincar, indispensável nas
diversas etapas do desenvolvimento infantil.
20
CAPÍTULO II
A CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS, SEGUNDO PIAGET
Para uma melhor compreensão deste capítulo e do trabalho, como um todo,
apresentarei uma definição de “lúdico”, segundo Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira: “Adj. Referente a, ou que tem o caráter de jogos, brinquedos e
divertimentos: a atividade lúdica das crianças.”.
Segundo Jean Piaget, 1978, deparamo-nos com três grandes tipos de
estruturas que caracterizam os jogos infantis: o exercício, o símbolo e a regra.
1º) JOGOS SENSÓRIO-MOTORES OU DE EXERCÍCIOS SIMPLES: Na
criança, o jogo de exercício simples ou jogo sensório motor é o primeiro a aparecer.
A atividade lúdica supera, amplamente, os esquemas reflexos e prolonga quase todas
as ações, resultando daí a noção mais ampla de “exercício”. É, essencialmente,
sensório-motor, podendo abarcar funções superiores como o ato de fazer perguntas
pelo prazer de perguntar, sem interesse exato na resposta ou no próprio problema.
São jogos que possibilitam o autoconhecimento, como as habilidades de
cada indivíduo, bem como a intensidade de prazer que determinada atividade
proporciona. São atividades com valor exploratório, pois, como o nome sugere, são
utilizadas para explorar e exercitar os movimentos do próprio corpo, seu ritmo,
cadência, desembaraço, bem como os efeitos que sua ação pode produzir. Ocorre
entre os primeiros meses de vida até, mais ou menos, o segundo ano.
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2º) JOGOS SIMBÓLICOS: Implicam na representação de um objeto
ausente, por haver comparação entre um elemento dado e um elemento imaginado, e
uma representação fictícia. Na medida em que implica a representação, este tipo de
jogo não existe nos animais, só aparecendo na criança durante o segundo ano do seu
desenvolvimento.
A maioria dos jogos simbólicos, salvo as construções de pura imaginação,
ativa os movimentos e atos complexos. Eles são, simultaneamente, sensório-motores
e simbólicos. E por que simbólicos?
Porque, são jogos que contribuem com a formação das imagens mentais que
representarão a realidade de forma simbólica. Através dos símbolos, a criança tem a
oportunidade de reproduzir seu dia-a-dia, reestruturando-o ou vivenciando uma
experiência que seja inédita, para ela, a partir da imitação, da imaginação e da
linguagem. Além disso, suas funções afastam-se cada vez mais do simples exercício:
a compensação, a realização dos desejos, a liquidação dos conflitos, entre outros
processos, somam-se, incessantemente, ao simples prazer de se sujeitar à realidade, a
qual prolonga, por si só, o prazer de ser causa inerente ao exercício sensório-motor.
Sua ocorrência se dá entre 2 e 4 anos.
3º) JOGOS DE REGRAS: Enfim, os jogos simbólicos sobrepõe-se, no
curso do desenvolvimento infantil, esta terceira grande categoria. Ao invés do
símbolo, a regra supõe, necessariamente, relações sociais ou interindividuais. Não
serão simples regras inspiradas na vida moral ou jurídica, por exemplo, mas regras
construídas, especialmente, em função do jogo, embora possa conduzir a valores que
o ultrapassam.
A regra é uma regularidade imposta pelo grupo, de tal modo que a sua
violação representa uma falta.
Assim como o jogo simbólico inclui, freqüentemente, um conjunto de
elementos sensório-motores, também, o jogo com regra pode ter o mesmo conteúdo
dos jogos precedentes: exercício sensório-motor como o jogo das bolas de gude ou
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imaginação simbólica, como nas adivinhações e charadas, apresentando, a mais, um
elemento novo – a regra – tão diferente do símbolo quanto este pode ser do exercício
e que resulta da organização coletiva das atividades lúdicas.
São jogos que ajudam a desenvolver as relações sociais e preparam o
indivíduo para o convívio em sociedade, principalmente, para tolerar as frustrações,
aprendendo que competir não é sinônimo de ter que vencer, sempre. São jogos que
combinam o sensório-motor ou o intelecto com regras previamente estabelecidas,
que norteiam a cooperação e a competição entre os participantes e são atividades,
eminentemente, sociais, porque pressupõe a existência de parceiros e a observância a
alguns regulamentos definidos. Ocorre entre 7 e 11 anos.
2.1- Classificação e Evolução dos Jogos de Exercício Simples
São exercícios lúdicos que constituem a forma inicial do jogo, na criança.
De modo algum são específicos dos dois primeiros anos de vida ou da fase de
condutas pré-verbais, pois reaparecem durante toda a infância, sempre que um novo
poder ou uma nova capacidade são adquiridos.
Sem dúvida, todo jogo de exercício acaba cansando e dando margem à
saturação, quando seu objetivo deixa de ser a ocasião para qualquer espécie de
aprendizagem. Mas, como esta forma de jogo é vicariante e pode aparecer com cada
nova aquisição, ela ultrapassa, largamente, os primeiros anos da infância. O que não
significa que haja um número infindável de jogos de exercícios simples, absoluta ou
relativamente, em todas as demais idades; pelo contrário, como as novas aquisições
são cada vez mais raras e como outras formas de jogo aparecem com o símbolo e a
regra, a freqüência – tanto absoluta quanto relativa - dos jogos de exercício simples
diminui com o desenvolvimento do sujeito.
23
2.2- Classificação e Evolução dos Jogos Simbólicos
Piaget afirma que esta categoria de jogo, ainda é, no seu todo, um jogo de
exercício, mas que exercitaria e, sobretudo, pré-exercitaria uma forma particular de
pensamento que é a imaginação.
Quando uma criança se diverte em fazer perguntas pelo simples prazer de
perguntar ou inventando uma narrativa que ela sabe ser falsa, apenas, pelo prazer de
contar, a pergunta e a imaginação constituem os conteúdos do jogo e o exercício, a
sua forma. Pode-se dizer, então, que a interrogação ou a imaginação são exercidas
pelo jogo. Quando, pelo contrário, a criança metamorfoseia um objeto num outro ou
atribui à sua boneca ações análogas às suas, a imaginação simbólica constitui o
instrumento ou a forma do jogo e não mais o seu conteúdo. Este é, então, o conjunto
dos seres ou eventos representados pelo símbolo. Em outras palavras, é o objeto das
próprias atividades da criança e, em particular da sua vida afetiva, as quais são
evocadas e pensadas graças ao símbolo.
Na prática, a criança no jogo de exercício intelectual, não tem verdadeiro
interesse sobre o que pergunta ou afirma, bastando para ela, o fato de formular as
perguntas ou de imaginar coisas, com a finalidade de se divertir, ao passo que, no
jogo simbólico, a criança interessa-se pelas realidades simbolizadas, utilizando-se do
símbolo, tão somente, para evocá-las.
A mais primitiva forma do símbolo lúdico é, também, uma das mais
interessantes, visto que assinala, precisamente, a passagem e a continuidade entre o
exercício sensório-motor e o simbolismo.
Na presença de situações penosas ou desagradáveis, a criança pode
compensá-las ou, então, aceitá-las, porém, neste caso, procura revivê-las mediante
uma transposição simbólica. A situação será, progressivamente, assimilada por
incorporação a outras condutas desta criança.
24
Essas formas de jogo, que consistem em liquidar uma situação
desagradável, revivendo-a ficticiamente, mostram com particular clareza a função
dos jogos de exercício simbólicos, que é a de assimilar o real ao eu, libertando este
das necessidades de acomodação.
2.3- Classificação e Evolução dos Jogos de Regras
Ao passo que o jogo de exercício simples começa nos primeiros meses da
existência e o jogo simbólico inicia-se por volta do segundo ano de vida, o jogo de
regras só se constitui, sobretudo, dos sete aos onze anos.
Em compensação, se no adulto se conservam, apenas, alguns resíduos de
jogos de exercícios simples e dos jogos simbólicos, o jogo de regras subsiste e
desenvolve-se durante toda a vida de qualquer pessoa (esportes, xadrez, baralho, etc).
A razão dessa dupla situação – aparecimento tardio e sobrevivência além da
infância – é muito simples: o jogo de regras é a atividade lúdica do ser socializado.
Tal como o símbolo substitui o exercício simples, logo que surge o
pensamento, do mesmo modo, a regra substitui o símbolo e enquadra o exercício
quando certas relações sociais se constituem. Em primeiro lugar, o indivíduo só se
impõe regras por analogia com as que recebeu, pois nunca ficou comprovado a
existência de regras espontâneas numa criança isolada. Além da regularidade, há na
regra uma idéia de obrigação, que supõe, pelo menos, dois indivíduos.
Quanto às regras, propriamente ditas, distingui-se dois casos: as regras
transmitidas e as regras espontâneas, ou seja, os jogos de regras que se tornaram
institucionais, no sentido de realidades sociais que se impõem por pressão de
sucessivas gerações e os jogos de regras de natureza contratual e momentânea.
25
Em resumo, os jogos de regras são jogos de combinações sensório-motoras
ou intelectuais, com competição dos indivíduos e regulamentados, seja por um
código transmitido de geração para geração, quer por acordos momentâneos.
2.4- Conclusão de Cada Classificação
Se os jogos de exercício são os primeiro a aparecer, também, são os menos
estáveis, pois surgem a cada nova aquisição e desaparecem após saturação. Como as
aquisições, verdadeiramente, novas são cada vez menos numerosas com o
desenvolvimento da criança, os jogos de exercício simples, após um período de
apogeu durante os primeiros anos, diminuem de importância com a idade. Algumas
delas são um pouco mais duráveis, porque estão ligadas a situações sociais que
implicam competição e que se reencontram em diferentes idades. Mas, em geral, há
uma extinção gradual dos jogos de exercícios simples, em virtude de três
transformações descritas a seguir:
Em primeiro lugar, a criança passa, insensivelmente, do exercício simples
às combinações sem finalidade, depois, com finalidade. Assim que um conjunto de
movimentos e manipulações é coordenado em função de uma finalidade, mesmo
lúdica, como reunir cubos, segundo suas dimensões crescentes ou decrescentes, a
criança passa rapidamente a atribuir-se tarefas precisas e o jogo de exercício volta-se
à construção.
Em segundo lugar, o exercício simples pode-se transformar em simbolismo
ou desdobrar-se em jogo simbólico, quer porque o próprio esquema sensório-motor
converte-se em esquema simbólico, quer porque as construções resultantes de
combinações lúdicas, em vez de passarem diretamente para a ação adaptada e para o
trabalho, engendram imitações simbólicas.
Em terceiro lugar, o exercício que se torna coletivo pode ser regulado e
evoluir, assim, para os jogos de regras, o que constitui um último motivo para o
26
desaparecimento dos jogos de exercício com a idade, sem contar com a sua extinção
espontânea por saturação.
Quanto ao jogo simbólico, onde tem seu apogeu situado entre dois e quatro
anos, também declina, subseqüentemente. Quanto mais a criança se adapta às
realidades físicas e sociais, menos se entrega às deformações e transposições
simbólicas, visto que, em vez de assimilar o mundo ao seu eu, submete
progressivamente, o seu eu ao real. Resultando, então, as três razões essenciais de
enfraquecimento do simbolismo lúdico, com a idade:
PRIMEIRA → Diz respeito ao conteúdo do simbolismo. Nos casos em que
esse conteúdo testemunha as necessidades de expansão do eu, de compensação, de
liquidação ou mesmo, de continuação da vida real, a criança encontra sempre e cada
vez mais na verdadeira existência – se sadia – os alimentos que tornam inútil a
assimilação simbólica e fictícia. Ao crescer, a criança presta atenção no seu círculo
social, tornando-se igual ou superior a um número relativamente crescente de
personagens reais.
SEGUNDA → é que o simbolismo, compartilhado por vários, pode
engendrar a regra, daí a transformação possível nos jogos de ficção em jogos de
regras.
TERCEIRA → sobrepuja as duas anteriores e explica a diminuição gradual
do jogo, em geral, e não só do jogo simbólico. Na medida em que a criança procura
submetê-lo ao real, mais do que assimilá-lo, o símbolo deformante transforma-se em
imagem imitativa e a própria imitação incorpora-se à adaptação inteligente ou
efetiva. No simbolismo, a criança torna-se cada vez mais exigente, pois tenta
reproduzir exatamente os seus símbolos que, por sua vez, tornam-se cada vez mais
imitativos. Por isso, o jogo simbólico integra o exercício sensório-motor ou
intelectual, transformando-se, em parte, em jogos de construção. Por outro lado,
encontra-se toda a sorte de intermediários entre a construção e o trabalho, graças às
mesmas relações entre o símbolo imaginativo e a imitação adaptada, daí o declínio,
entre os oito e onze anos, do jogo simbólico.
27
Somente os jogos de regras escapam dessa lei de involição e desenvolvem-
se com a idade. São quase os únicos que subsistem no adulto.
Se, verdadeiramente, o exercício é decorrente de novos poderes e
capacidades adquiridas pela atividade própria do sujeito; se, realmente, o simbolismo
lúdico é, sobretudo, assimilação do real ao eu e reforço dos mesmos prazeres por
submissão fictícia de todo o universo físico e social, então, esse duplo processo de
extinção dos jogos iniciais em proveito da construção adaptada e da evolução dos
jogos de regras, únicos resíduos de imensa variedade e abundância do jogo infantil,
tornar-se-ia facilmente explicável.
28
CAPÍTULO III
AS FUNÇÕES DO ATO DE BRINCAR
O brincar é, para os bebês, uma das primeiras formas de explorar o mundo
e, explorando o mundo, a criança passa a vivenciar os sentidos.
A criança começa a brincar nos seus primeiros meses de vida. Inicialmente,
com seu próprio corpo, admirando suas mãos e levando-as à boca. (Velasco, 1996)
Por volta dos quatro ou cinco meses, o bebê já brinca de se esconder atrás
de um lençol e, nesse mesmo período, começa a elaborar o seu processo de separação
da mãe, ao mesmo tempo em que aprende que objetos e pessoas podem
“desaparecer” por alguns momentos, mas sendo possível recuperá-los, pois eles
continuam existindo e podem ressurgir. Sua individualidade começa a se manifestar.
Aos nove meses, a criança já manipula objetos e, é nesta fase que, se
diverte jogando-os no chão, consolidando conceitos como espaço, distância, causa e
efeito.
Como não lhe permitem que brinque com suas fezes e urina, a criança
utiliza água, areia e terra. À medida que vai crescendo, brinca com bola, constrói
torres com cubos e imita atividades caseiras. E a utilização desses elementos
favorece a fantasia e a imaginação.
A criança deve ser estimulada a brincar, independente do brinquedo. O
brinquedo é oportunidade de desenvolvimento. Brincando, a criança experimenta,
29
descobre, inventa, aprende e confere habilidades. Além de estimular a curiosidade, a
autoconfiança e a autonomia, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do
pensamento e da concentração e atenção.
Existem muitas funções no ato de brincar que se manifestam nos diferentes
tipos de brinquedos e brincadeiras, por isto, não existe uma maneira certa ou errada
de brincar, apenas, a necessidade de tempo, espaço e materiais adequados, para cada
faixa-etária. (Ribeiro, 1990)
Durante a primeira idade, o ideal são brinquedos que desenvolvam a função
sensório-motora, nas crianças: chocalhos, móbiles, objetos de borracha e blocos de
encaixe, são alguns exemplos desses brinquedos. A manipulação de elementos com
volume, cor, peso, forma e tamanho, desenvolvem a percepção sensorial, a
comparação e o reconhecimento de semelhanças e de diferenças.
Para o desenvolvimento corporal, brinquedos e brincadeiras que exijam
atividade física: bicicleta, patins, pingue-pongue, corda, bolas, bumerangue, elástico,
pique-alto, amarelinha, entre outros.
A função intelectual ou cognitiva, pode ser estimulada através de quebra-
cabeças, jogo da memória, jogos de perguntas e respostas, caixas de experiências,
adivinhações e outros mais.
O desenvolvimento afetivo se dá com o auxílio de brinquedos como:
bonecas, bichos de pelúcia e miniaturas de animais, além de brincadeiras que
envolvam músicas.
Os brinquedos que reproduzem o mundo técnico como autorama, telefones,
fogão, panelinhas, favorecem uma maior compreensão da vida adulta, bem como
imitar atividades e profissões, de forma lúdica.
Para as relações sociais existem jogos como: xadrez, vídeo-games, baralho
e todo tipo de jogo em que haja competição, tanto individual como em grupo.
30
Por fim, existem brinquedos como as massinhas de modelar, as dobraduras
e todo material de pintura, que servem para exercitar a criatividade.
O brinquedo proporciona à criança a oportunidade de realizar as mais
diversas fantasias e preparar-se para atingir etapas em seu desenvolvimento.
Portanto, ao contrário do que se imagina, as brincadeiras não são inconseqüentes,
pois contribuem para que a criança entenda o seu mundo entre as pessoas que com
ela convive.
As brincadeiras de “faz-de-conta”, por exemplo, permitem vivenciar as
experiências do cotidiano, de forma a entendê-las.
Uma criança pode usar a brincadeira com fins terapêuticos, por exemplo,
para compensar antigas deficiências na sua experiência emocional, visto que ela
expressará suas fantasias, seus desejos, receios e suas experiências reais, de um modo
simbólico, através das brincadeiras e jogos, onde todos os elementos que a criança
apresentará serão as suas associações. O brincar é o meio mais importante de
expressão das crianças.
Existe, ainda, a função educativa, durante uma atividade lúdica, através de
brinquedos, jogos e brincadeiras próprias para sua execução, que irão atuar na
formação e no desenvolvimento integral da criança, na constituição da sua
individualidade, bem como na formação do seu caráter e da sua personalidade.
Ao brincar, a criança experimenta o mundo dentro do seu contexto sócio-
cultural, construindo o seu fazer e adquirindo, para o futuro, sua própria essência da
vida.
No nível psicomotor, deve-se apresentar à criança atividades que
desenvolvam tanto a grande musculatura, quanto a coordenação dos movimentos
delicados, para que ela possa trabalhar tanto a coordenação global, como também a
coordenação fina.
31
Em relação aos jogos, durante o desenvolvimento da criança, há um longo
processo durante o qual ela evolui, desde onde as regras simplesmente não existem,
até o entendimento de sua importância e vantagens. (Piaget, 1978)
Nos jogos, estão presentes a sociabilidade, a negociação e o surgimento do
espírito de equipe.
Neste período, alguns adultos ficam ansiosos e preocupados com as
crianças, pois elas entendem, aceitam e cumprem as regras durante um jogo, mas
apresentam recaídas, freqüentemente.
Quando tudo vai bem, para a criança, ela segue as regras e fiscaliza
atentamente se o seu adversário está as seguindo, também. Porém, se há o risco
iminente de uma derrota se manifestar, a criança pode se transformar. Ela poderá
argumentar que hajam mudanças ou relaxamento das regras, reinício do jogo,
tentativas de trapaças e, caso seu parceiro não concorde com nada disso, há
desinteresse e desistência do jogo.
Pode parecer difícil entender porque uma criança consegue, muitas vezes,
participar de um jogo do começo ao fim, cumprindo as regras e, em outras
oportunidades, principalmente quando está perdendo, retrocede para etapas
anteriores. A criança deveria aprender a terminar o jogo, uma vez que o tenha
iniciado, mesmo estando a ponto de perder.
A brincadeira ou o jogo, para uma criança não são passa-tempos ou, apenas,
diversão, na maioria das veze significa um sério empreendimento, e ela não está
somente em um jogo, como costumam dizer os adultos.
Ela aprende a jogar, mas tem dificuldade em aceitar sua derrota devido a
seus frágeis controles e tende a retroceder às brincadeiras sem regras, de quando era
menor e, onde não havia ameaças de perdas.
Quando joga e está prestes a perder, a criança vê sua auto-estima ameaçada
e irá tentar todas as alternativas para evitar que isto ocorra, pois perder, para ela,
ainda não é “parte do jogo”, mas algo que coloca em questão o sentimento de
32
competência e onipotência e no qual estão apostando sua estabilidade emocional.
(Velasco, 1996)
Por isto, é importante que os pais joguem com seus filhos, pois eles poderão
ter a necessária paciência para aceitar estas idas e vindas.
O brinquedo adequado é aquele que convida a criança a brincar, aguça a sua
curiosidade e imaginação, proporcionando o prazer de descobrir e de experimentar,
de acordo com a etapa de desenvolvimento, em que cada criança se encontra.
Naturalmente, os brinquedos mais simples são os que facilitam a projeção
de fantasias e são aqueles que têm mais possibilidade de ajudar a criança, em sua
atividade lúdica. Entretanto, a criança irá brincar com o que estiver disponível, seja
um simples boneco de pano ou um sofisticado e caro brinquedo importado.
Na verdade, o valor de um brinquedo, para uma determinada criança, não
será medido pelo seu custo ou sofisticação, mas pelo seu significado simbólico e pela
intensidade do desafio que representará, para ela.
A aprendizagem e a paz de espírito proporcionados pelo ato de brincar são
independentes do tipo ou qualidade do brinquedo, pois como afirmou Piaget: “a
recompensa tem que ser a própria realização da atividade.”
A evolução tecnológica permitiu a criação de um grande número de
brinquedos, mas nenhum deles substitui o encanto de brinquedos simples como uma
bola ou uma boneca, os quais permitem o pleno desenvolvimento da imaginação.
Com a crescente industrialização do brinquedo, cada vez mais “aumentam”
as opções de brincar mas, em contrapartida, cada vez menos dá-se espaço à
criatividade e à imaginação. O brinquedo já vem pronto e com todas as instruções de
uso, bastando segui-las.
O que esta época de múltiplas opções trouxe foi uma certa dificuldade para
se definir quais são os brinquedos mais adequados. Esta preocupação se acentua, na
medida em que, na maioria das vezes, a escolha por um deles ocorre a partir da
33
determinação do mercado, uma vez que é este quem determina quais brinquedos se
tornarão objetos de desejo das crianças.
Os pais devem segurar suas ansiedades e evitar oferecer, aos filhos,
brinquedos para os quais eles ainda não estão em condições de utilizarem de forma
adequada.
Um brinquedo inadequado à faixa-etária pode, não só, oferecer riscos de
acidentes, como também, ser frustrador, para a criança.
Deve-se atentar às necessidades de cada criança, conforme a tabela sugere:
(Ribeiro, 1990)
Móbiles e outros objetos que possam ficar suspensos e observados
pela criança; objetos e bonecos de material maleável para pegar,
manipular e morder; brinquedos sonoros.
Brinquedos coloridos, de diferentes materiais e texturas (pano,
borracha, vinil, pelúcia, plástico); bichos de pano ou pelúcia;
mordedores; cubos coloridos; bolas de pano ou vinil; “brinquedos de
esconder e achar”; brinquedos para praia e banheira; .brinquedos
34
sonoros.
Brinquedos com rodas para puxar e empurrar; brinquedos plásticos
para abrir e fechar; cubos para encaixar, empilhar e manipular; bolas;
brinquedos para atividades em água e areia; bonecas e bonecos;
livros com ilustrações coloridas e simples.
Bolas; jogos de encaixes e de completar figuras; brinquedos com
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rodas para puxar e empurrar; brinquedos para atividades em água e
areia; bonecas e bonecos; carrinhos; utensílios domésticos; massinha
de modelar; blocos de montar; brinquedos musicais (piano, tambor);
livros com ilustrações coloridas; triciclos.
Brinquedos e jogos que desenvolvam a imaginação; bonecas e
bonecos; fantoches; carrinhos; trens; caminhões; barcos; telefone;
massinha de modelar; blocos de várias formas e tamanhos; bonecos
de ação; roupas de fantasia; brinquedos de jardim; animais e
equipamentos de fazenda; utensílios domésticos; conjunto de costura
e de artes manuais; ábacos; tintas; lápis ferramentas simples de
marcenaria; quadro negro; maleta de médico; jogos que ensinem a
contar e reconhecer letras;, tamanhos e cores; jogos de armar e de
construção simples; jogos de pintura e desenho; quebra-cabe;cas;
triciclos, automóveis de pedal; livros infantis.
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Bonecas, jogos de pintura, desenho e modelagem; jogos com regras;
jogos de ação; jogos de mesa (dama, dominó, futebol de botão, tênis
de mesa); brinquedos para colecionar; enfeites e bijuterias para as
meninas; brinquedos de modelagem e construção; quebra-cabeças;
corda para pular; brinquedos de jardim (escorrega, gangorra,
balanço); livros; bicicleta.
Jogos de raciocínio e memória; jogos de competição; kits de mágica;
jogos de mesa(dama, dominó, futebol de botão, tênis de mesa); jogos
de desenho e pintura; quebra-cabeças; bicicletas; skates, patins;
patinetes;.
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38
CAPÍTULO IV
COMO SE CONSTRÓI A
AUTO-ESTIMA?
Primeiramente, se faz necessária uma abordagem sobre a definição da
expressão “auto-estima”. Auto-estima, refere-se a avaliações que uma pessoa faz de
suas próprias qualidades, ou seja, atribui valores positivos e negativos a seus próprios
atributos. Sabe-se que ela é focada de forma multidimensional: habilidades
cognitivas, sociais e físicas, que são interdependentes. (Mussen, 1995)
A contribuição dos adultos para uma adequada auto-estima infantil se dá
através do reforço positivo das áreas nas quais a criança é mais habilidosa.
A auto-estima, uma das condições do desenvolvimento normal, tem sua
gênese na infância em processos de interação social – na família ou na escola – que
são amplamente proporcionados pelo brincar. A auto-estima que a criança, aos
poucos, desenvolve é, em grande parte, interiorização da estima que se tem pôr ela e
da confiança da qual é alvo. Por isso, cabe aos adultos confiar e acreditar na
capacidade de todas as crianças com as quais convive, sejam parentes, vizinhos,
pacientes ou alunos. (Mussen, 1995)
A postura corporal, somada à linguagem gestual e à linguagem verbal de
um adulto é que transmitirão informações às crianças, possibilitando formas
particulares e significativas de estabelecer vínculos com elas.
39
O processo de construção da auto-estima envolve avanços e retrocessos,
pois as crianças podem fazer birra, diante de frustrações, demonstrar sentimentos
como vergonha e medo necessitando, assim, do apoio e da compreensão de pais e
educadores. Nesse momento, o adulto, seja ele quem for, deve ter uma atitude
continente, em relação à criança, apoiando-a e controlando-a de forma flexível,
porém, segura.
Dentro de um contexto sócio-educacional, é importante criar situações
educativas para que, dentro dos limites impostos pela vivência em coletividade, cada
criança possa ter respeitados os seus hábitos, ritmos e preferências individuais. Da
mesma forma, ouvir a fala dessas crianças, compreendendo o que elas estão
querendo comunicar, fortalecerá sua auto-confiança.
É essencial a colaboração entre pais e professores, no acompanhamento
conjunto dos progressos que a criança realiza, na construção de sua identidade e na
formação de sua autonomia pessoal.
A preocupação em demarcar o espaço individual no coletivo é
imprescindível para que as crianças tenham noção de que sua inserção no grupo não
anulará sua individualidade. Em contrapartida, trabalhar o reconhecimento da marca
de outros favorece a formação do sentimento de grupo.
É importante que os adultos se refiram à cada criança pelo seu nome, bem
como assegurem que cada criança saiba os nomes de todos. Para isso, várias
atividades podem ser utilizadas com destaque para as brincadeiras e cantigas que
possam inserir nomes dos elementos do grupo, propiciando que sejam ditos e
repetidos num contexto lúdico e afetivo. (Cunha, 1994)
40
4.1- Etapas do Desenvolvimento da Auto-Estima
A IMAGEM:
O espelho é um importante instrumento na construção da identidade. Por
meio de brincadeiras que faz em frente a ele, a criança começa a reconhecer sua
imagem e as características físicas que integram a sua pessoa. Este processo se inicia
nos primeiros meses de vida e vai até o terceiro ano, em média. Por volta dos quatro
a seis anos, há uma imagem corporal recém-formada. A partir daí, assumem papéis
diversos, experimentando todas as possibilidades diante do espelho. Com o auxílio
de roupas, sapatos e acessórios utilizados pelos adultos, a criança consegue perceber
que sua imagem muda, sem que modifique sua pessoa.
O NOME:
Dos quatro aos seis anos, mantém-se a importância da identificação pelo
nome e acrescenta-se o interesse por sua representação escrita, a qual se manifestará
em idades variadas, conforme suas experiências anteriores com essa linguagem. O
nome traz mais do que uma grafia específica, traz uma história e um significado.
A INDEPENDÊNCIA:
Conforme a criança vai construindo sua auto-imagem e reafirmando sua
identidade, ela vai adquirindo autonomia, necessária ao processo de escolha. A
capacidade de realizar escolha amplia-se conforme o desenvolvimento dos recursos
individuais e mediante a prática da tomada de decisões. No dia-a-dia, é mais fácil
que um adulto centralize todas as decisões, definindo o que fazer e como fazer, com
quem e quando, oferecendo condições para que as crianças dirijam por si mesmas
suas ações, propiciando o desenvolvimento de um senso de responsabilidade. A
progressiva independência na realização das mais diversas ações, embora não garanta
a autonomia, é uma condição necessária para o seu desenvolvimento. Além disso,
41
quando se está num ambiente conhecido, que se pode antecipar a seqüência dos
acontecimentos, tem-se mais segurança para arriscar e ousar agir com independência.
O auto-conceito e a auto-estima são as duas variáveis que interferem,
modelam e alteram o curso desejado e esperado para o existir pleno e saudável de
qualquer criança.
O auto-conceito corresponde à descrição mental que uma pessoa faz de si
mesma, em três dimensões: cognitiva, comportamental e afetiva. E, em várias áreas:
escolar, familiar, relações interpessoais, etc.
Enquanto a auto-estima seria a avaliação que uma pessoa realiza das
diferentes representações que tem de si mesma. É um componente básico da
personalidade.
Existem diversos transtornos da infância que estão relacionados a alterações
da auto-estima. Dentre eles: problemas de aprendizagem, transtornos da
comunicação verbal, déficit de atenção, encoprese, enurese, fobia social, transtorno
de identidade sexual, entre outros.
Além disso, uma baixa auto-estima está correlacionada com altos níveis de
ansiedade, insegurança, pouca estabilidade emocional, passividade,
hipersensibilidade à crítica e baixo rendimento escolar.
Por outro lado, uma criança com uma alta auto-estima tem maior
probabilidade de um bom e adequado ajuste psicológico, apresentando condutas de
cooperação, segurança e bom humor.
Portanto, no brincar, a criança tem a oportunidade de interagir com pessoas
e objetos, liberar sua criatividade, explorar seus limites e adquirir repertórios
comportamentais / afetivos de forma reforçadora e prazerosa.
42
CUNHA,1994, afirma que é brincando que a criança mergulha na vida,
podendo ajustar-se às expectativas sociais e familiares. Não podemos esquecer que a
auto-estima pode modificar-se significativamente, ser fortalecida e através de
experiências emocionais / cognitivas que o brincar oferece as crianças podem se
beneficiar para seu crescimento pessoal.
As crianças são, em geral, capazes de manejar situações psicológicas
aversivas através do brincar e das brincadeiras pois, assim, a criança restabelece seu
controle interior, sua auto-estima e desenvolve relações de confiança consigo mesma
e com os outros.
Os jogos de faz-de-conta, ricos em fantasias imaginativas, em especial no
que diz respeito aos super-heróis, são seres que apresentam interessantes
características : bondade, sabedoria, coragem, força; solucionam qualquer problema;
são líderes e guias para as pessoas e não recebem ordem de ninguém; nunca se
enganam, não estão sujeitos à dúvidas, frustrações e fraquezas como a maioria das
pessoas. São aprovados e reconhecidos pelos adultos e todos querem ser seus
amigos.
Brincar é indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança.
Irá contribuir, no futuro, para a eficiência e o equilíbrio do adulto.
Já o brinquedo organizado, que tem uma proposta e requer desempenho,
como os jogos (quebra-cabeça, dominó e outros) constitui um desafio que promove a
motivação e facilita escolhas e decisões à criança.
O brinquedo traduz o real para a realidade infantil. Suaviza o impacto
provocado pelo tamanho e pela força dos adultos, diminuindo o sentimento de
impotência da criança. Brincando, sua inteligência e sua sensibilidade estão sendo
desenvolvidas. A qualidade de oportunidades que estão sendo oferecidas à criança
43
através de brincadeiras e brinquedos garantem que suas potencialidades e sua
afetividade se harmonizem.
A ludicidade, tão importante para a saúde mental do ser humano é um
espaço que merece atenção dos pais e educadores, pois é o espaço para expressão
mais genuína do ser, é o espaço e o direito de toda criança para o exercício da relação
afetiva com o mundo, com as pessoas e com os objetos. (Oliveira,1997)
As situações-problema, contidas na manipulação dos jogos e brincadeiras,
fazem a criança crescer através da procura de soluções e de alternativas. O
desempenho psicomotor da criança, enquanto brinca, alcança níveis que só mesmo a
motivação intrínseca consegue. Ao mesmo tempo, favorece a concentração, a
atenção, o engajamento e a imaginação. Como conseqüência, a criança fica mais
calma, relaxada e aprende a pensar, estimulando sua inteligência.
4.2- A Relação Criança x Brinquedo x Adulto
A criança trata os brinquedos conforme os receberam. Ela sente quando está
recebendo por razões subjetivas do adulto, que muitas vezes, compra o brinquedo
que gostaria de ter tido, ou que lhe dá status, ou ainda para comprar afeto e outras
vezes para servir como recurso para livrar-se da criança por um bom espaço de
tempo. É indispensável que a criança sinta-se atraída pelo brinquedo e cabe-nos
mostrar a ela as possibilidades de exploração que ele oferece, permitindo tempo para
observar e motivar-se.
A criança deve explorar livremente o brinquedo, mesmo que a exploração
não seja a que esperávamos. Não nos cabe interromper o pensamento da criança ou
atrapalhar a simbolização que está fazendo. Devemos nos limitar a sugerir, a
estimular, a explicar, sem impor nossa forma de agir, para que a criança aprenda
44
descobrindo e compreendendo, e não por simples imitação. A participação do adulto
é para ouvir, motivá-la a falar, pensar e inventar.
Brincando, a criança desenvolve seu senso de companheirismo. Jogando
com amigos, aprende a conviver, ganhando ou perdendo, procurando aprender regras
e conseguir uma participação satisfatória.
No jogo, ela aprende a aceitar regras, esperar sua vez, aceitar o resultado,
lidar com frustrações e elevar o nível de motivação.
Nas dramatizações, a criança vive personagens diferentes, ampliando sua
compreensão sobre os diferentes papéis e relacionamentos humanos.
As relações cognitivas e afetivas da interação lúdica, propiciam
amadurecimento emocional e vão pouco a pouco construindo a sociabilidade infantil.
O momento em que a criança está absorvida pelo brinquedo é um momento
mágico e precioso, em que está sendo exercitada a capacidade de observar e manter a
atenção concentrada e que irá inferir na sua eficiência e produtividade quando adulto.
Brincar junto reforça os laços afetivos. É uma manifestação do nosso amor
à criança. Todas as crianças gostam de brincar com os pais, com a professora, com os
avós ou com os irmãos.
A participação do adulto, na brincadeira da criança, eleva o nível de
interesse, enriquece e contribui para o esclarecimento de dúvidas, durante o jogo. Ao
mesmo tempo, a criança sente-se prestigiada e desafiada, descobrindo e vivendo
experiências que tornam o brinquedo o recurso mais estimulante e mais rico em
aprendizado.
45
A noção de guardar os brinquedos com cuidado pode ser desenvolvido
através da participação da criança na arrumação feita pelo adulto. O hábito constante
e natural dos pais e da professora ao guardar, com zelo, o que utilizou, faz com que a
criança adquira, automaticamente, o mesmo hábito ocorrendo, inclusive, satisfação
tanto no guardar, como no brincar. (Cunha, 1994)
46
CAPÍTULO V
POR QUE NÃO SE DEVE
PARAR DE BRINCAR?
Logo que nasce, o bebê se remexe e se contorce como fizera no ventre
materno, sacudindo braços e pernas. Com o passar dos dias, torna-se cada vez mais
capaz de direcionar tais movimentos, até que, após meses dessa atividade
progressivamente voluntária, sente o prazer de descobrir que é capaz de trazer seus
pés até as mãos e mantê-los aí, enquanto brinca com os dedos, objetos recém-
descobertos. (Stallibrass, 1992)
Quase tudo o que uma criança faz, quando não é obrigada a fazer outra
coisa, é chamado de “brincadeira”, como no caso de um bebê agitando seu chocalho
ou chutando a água do banho, a criança que está aprendendo a andar e passa a subir e
descer degraus inúmeras vezes, ou mesmo, quando está aprendendo a comer sozinha
e usa a imaginação, transformando os alimentos em divertidos personagens e objetos
de sua brincadeira.
Enfim, tudo aquilo que as crianças fazem por puro prazer, pode ser
denominado de “brincadeira”. Retirando-se os atos necessários para a existência e
sobrevivência física, como comer, beber e dormir, a brincadeira é, para a criança, a
sua atividade mais séria e importante e, por isso mesmo, deve ser compreendida e
respeitada pelos adultos.
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A brincadeira pode ser a maneira pela qual a criança desenvolve, não
apenas suas capacidades potenciais, mas também, sua percepção da realidade – das
coisas e pessoas, como realmente são. E, para que desenvolva sua individualidade e
integridade, através da brincadeira, necessita da convivência com outras crianças.
Um professor de Filosofia da Universidade da Basiléia, chamado Karl
Groos – século XIX – que se especializou no estudo das brincadeiras de homens e
animais, tinha uma compreensão mais profunda da brincadeira das crianças. Ele as
considerava uma prática de aptidões, as quais elas necessitariam, quando fossem
adultas. Percebeu, também, que as criaturas jovens desenvolvem suas faculdades –
inclusive sua inteligência e a habilidade de captar as coisas, como realmente são, e
responder a elas, apropriadamente - através das brincadeiras. (Stallibrass, 1992)
Mas, os adultos tendem a considerar essa atividade espontânea como uma
parte da vida, relativamente, pouco importante. Para a maioria deles, brincar tem
sentido de relaxamento, distração das preocupações ou mera forma de passar o
tempo, sendo algo secundário às suas próprias ocupações, seu trabalho ou vocação.
Em termos gerais, as pessoas não respeitam, de maneira suficiente, a brincadeira das
crianças, pois não conseguem perceber que se trata de atividades produtivas,
indispensáveis ao desenvolvimento infantil.
Por sorte, há exceções: pais ou outras pessoas que entendem, de modo
intuitivo, o que as crianças precisam, não impedindo-as e tendo a sabedoria de lhes
oferecer oportunidades adequadas ao ato de brincar.
A perda da própria capacidade de brincar produz muitos efeitos negativos,
na vida do ser humano, pois quando se brinca, as células cerebrais formam mais e
mais conexões sinápticas, ou seja, o ato de brincar estimula e exercita as diferentes
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funções cerebrais, que permitirão o desenvolvimento de um aprendizado adequado,
em qualquer nível.
Por meio da atividade simultânea de seus sentidos, músculos e mente, a
criança adquire um corpo-de-conhecimentos da natureza e do comportamento,
característicos da força física, dos objetos e das criaturas que compõem seu
ambiente, e um conhecimento de como responder a eles de forma eficiente, ao
mesmo tempo em que aprende sobre o estado de suas capacidades físicas, mentais e
emocionais e, portanto, sobre o que é capaz de realizar. Por meio das atividades
espontâneas e voluntárias, a criança desenvolve o discernimento, que é algo que não
há como ser ensinado.
Os movimentos vigorosos, de determinadas brincadeiras, também, ajudam
no amadurecimento dos tecidos musculares, importantes para o equilíbrio, a marcha
e a coordenação motora fina, por exemplo.
Brincando, as crianças aprendem a arte de viver em sociedade, o
significado de dar e receber, de ganhar e de perder e, por fim, transformar ou diluir
impulsos agressivos em risadas divertidas. Além, de aprenderem a dominar as
linguagens verbal e gestual, que lhes permite plena interiorização da própria
individualidade.
Portanto, brincar é preciso, e muitos adultos não conseguem perceber que
as brincadeiras são atividades produtivas, indispensáveis ao desenvolvimento mental
sadio de todos nós, podendo ser somente um gasto de energia excedente, como correr
sem rumo, visto que, para a criança, a brincadeira é algo que ela faz para si mesma, e
não algo que faz sob uma ordem, para evitar censura ou por orgulho e
reconhecimento..
É importante destacar que, não se deve determinar como sendo certa ou
errada a forma como uma criança se utiliza de um brinquedo. Quanto mais funções a
criança encontrar, conforme sua imaginação, além daquela a que se destina o
49
brinquedo, mais criatividade estará desenvolvendo, assim como a capacidade de
plasticidade.
Também, é importante que uma criança pequena tenha a oportunidade de se
familiarizar com o ambiente físico em que brinca, exercitando seu discernimento
sensório-motor e social, de forma crescente, tendo coragem de ser espontânea dentro
daquele território e em relação às pessoas com quem convive, para mais tarde, partir
para outros lugares. (Stallibrass, 1992)
Por meio das brincadeiras, as crianças aprendem o que ninguém pode lhes
ensinar, seja sobre seu mundo, objetos, pessoas, tempo, espaço, seja sobre si própria.
Algumas das capacidades potenciais da criança, tais como ler, escrever e
fazer cálculos de todo tipo, só têm utilidade numa sociedade letrada e que usa
números, portanto, a criança só sentirá necessidade de desenvolver tais habilidades
na idade adequada a valorizá-las, passando então, a interessar-se por brincadeiras em
que estas habilidades estão envolvidas.
A capacidade de brincar é um sinal de saúde mental.
Os brinquedos, em geral, proporcionam à criança a oportunidade de
vivenciar diferentes experiências e se preparar para as próximas etapas do
desenvolvimento. Brincando, a criança poderá repetir quaisquer situações, quantas
vezes forem necessárias e, claro, se isto for da sua vontade, sendo prazeroso ou não,
pois as situações conflitantes, da realidade de uma criança, podem ser melhor
elaboradas numa brincadeira ou através do próprio brinquedo.
Para a Psicomotricidade é de essencial importância que a criança brinque.
Será brincando que ela desenvolverá a coordenação motora, juntamente com as
demais áreas: a da linguagem, a afetiva, a social e a cognitiva. É brincando que a
criança toma conhecimento de seu corpo e quanto mais cedo isto ocorrer, mais
plenamente se desenvolverá sua motricidade. Portanto, não se deve limitar o espaço
físico em que a criança vive, muito menos aquele em que brinca, nem os objetos com
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os quais ela possa vir a ter contato, porque tudo isso faz parte de um conhecimento
do qual ela precisa adquirir. (Oliveira,1997)
Subir e pular de lugares cada vez mais altos, por exemplo, são coisas que
uma criança, sem empecilhos físicos, aprende a fazer de forma gradual e seqüencial.
Dentro desta atividade, estão embutidos outros pequenos aprendizados que, muitas
vezes, são ignorados pelos adultos – em geral, os pais – por receio de que tais
crianças se firam. Mas, que terão enorme contribuição no seu discernimento
sensório-motor.
Quando uma criança tem a oportunidade de subir para pular de algum lugar,
ela estará aprendendo o quanto e em qual direção deverá inclinar seu corpo, como
deverá flexionar seus joelhos, mover os tornozelos e pés, além de ter que avaliar,
visualmente, a distância até o chão. Enfim, estará aprendendo que movimentos
precisa utilizar para a realização desta atividade que, para ela, é muito gratificante.
Por outro lado, a criança cuja capacidade de pular fica subdesenvolvida,
estará consciente de sua inadequação e, consequentemente, sentirá temor de não ser
capaz de responder convenientemente às circunstâncias que, futuramente, poderá
encontrar. Sua autoconfiança e auto-respeito diminuirão, prejudicando sua auto-
estima pois, mesmo que aceite o fato de não conseguir pular, a criança passará a
evitar as atividades que envolvam este movimento.
O brincar é um momento de auto-expressão e auto-realização. E para que o
brinquedo seja significativo, para a criança, é necessário que ele possua pontos em
comum com a sua realidade.
Enfim, a brincadeira pode ser a forma pela qual as crianças desenvolvem
suas potencialidades humanas básicas e uma espontaneidade e individualidade de
resposta à realidade e, portanto, o auto-respeito, bem como um interesse saudável por
experiências, conhecimento e habilidades.
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CONCLUSÃO
Através de um enfoque psicodinâmico foi possível estabelecer uma relação
clara e objetiva entre um adequado desenvolvimento emocional e a estimulação de
vivências lúdicas, durante a infância, a partir da compreensão de que brincadeira é
uma ação que a criança desempenha na busca do prazer, podendo ter regras ou não,
enquanto que o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança, sem regras fixas.
Brincamos e jogamos para dominar angústias e controlar impulsos,
assimilando emoções e sensações que reforçam o Ego. Assim como, para estabelecer
contatos sociais, compreender o meio, satisfazer desejos, desenvolver habilidades,
conhecimentos e criatividade. Experimentamos jogos, brinquedos e brincadeiras
tradicionais, porque isto nos dá um senso de continuidade, permanência e
pertencimento a um grupo.
Isto significa que, para uma criança desenvolver uma boa auto-estima,
necessita da participação de um adulto que a estimule e troque com ela, de forma
lúdica, as informações às quais solicita. Quem brinca, brinca por brincar, brinca por
prazer e para se relacionar com o outro.
Portanto, é preciso que que lhe dêem liberdade para desenvolver sua
ludicidade obtendo, desta forma, suas próprias conclusões. E, como foi visto, não é
preciso muito para se oferecer condições adequadas ao ato de brincar. Basta que a
criança tenha espaço e tempo livres, para se dedicar a tal atividade.
É possível perceber que o campo da ludicidade ainda é pouco explorado,
até mesmo por profissionais que lidam com crianças. Em parte, pela pouca
receptividade dos pais e responsáveis que buscam tais profissionais para que
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resolvam o “problema” de seus filhos e não que fiquem de “ brincadeira”, com eles.
Mas, por outro lado, não há uma preocupação dos próprios profissionais com esta
questão, não havendo, em conseqüência, um preparo adequado.
Enfim, a melhor maneira de se garantir um desenvolvimento infantil
saudável é permitindo que a criança brinque.
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ANEXO