55
1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A ESCOLA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA Por: Kátia Bittencourt Martins Orientador: Professor Luiz Cláudio Lopes Alves D.Sc Rio de Janeiro Setembro/200 5

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS GRADUAÇÃO …TIA BITTENCOURT MARTINS.pdf · PROJETO A VEZ DO MESTRE A ESCOLA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA Por: Kátia Bittencourt Martins ... Segundo

Embed Size (px)

Citation preview

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A ESCOLA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

Por: Kátia Bittencourt MartinsOrientador: Professor Luiz Cláudio Lopes Alves D.Sc

Rio de Janeiro

Setembro/2005

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPÓS GRADUAÇÃO “LATOSENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A Escola e a Gestão Democrática

Monografia Apresentada paraConclusão do curso de

Pedagogia Empresarial, da universidade Candido Mendes,

projeto A vez do MestreOrientador:professor Luiz Cláudio Lopes Alves D Sc

Rio de JaneiroSetembro/2005

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus,Pelo privilégio da Vida;

A minha Família e amigos,Pela Experiência da felicidade;

Ao professor Gilberto Hauer Vieira,E demais Mestres e colegas do Curso

Pela compreensão e oportunidadeDa realização deste Trabalho.

4

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho Aos meus pais que sempre

Estiveram do meu lado,Ao meu filho e marido;

Pela paciênciaAos meus amigos,

Pela força.

5

RESUMO

Pensando , nas mudanças de paradigma de uma gestão burocrática para uma gestão

democrática que a Secretaria de Estado de Educação vem estabelecendo para as escolas

públicas , baseado nas determinações das atuais políticas educacionais, no conhecimento e

num Sistema de descentralização administrativa, estarei abordando como esta mudança vem

ocorrendo na prática, que práticas estão sendo utilizadas para se realizar ações que possam

estruturar uma escola democrática.

O presente estudo tem como objetivo relatar como a Gestão do CIEP 476 – SANTA CRUZ

DA SERRA, Para uma melhor compreensão do estudo foi feita uma revisão bibliográfica de

conceitos de gestão democráticas, gestão de escolas públicas bem como de propostas políticos

pedagógicas.

O CIEP 476 gerencia cerca de 120 funcionários e 2.200 alunos tem como objetivo principal o

desenvolvimento de uma educação pública de qualidade, baseado na Sociedade do

Conhecimento, investindo no capital humano da instituição e utilizando ferramentas

estratégicas: Educação Permanente e Sistema de Informações de Recursos Educacionais,

obtendo assim a eficiência e eficácia no atendimento à população.

Palavras-chave: Gestão Escolar, Educação Pública, Escola e Gestão Democrática.

6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

CAPÍTULO 1 – A GESTÃO DEMOCRÁTICA ............................................................101.1_Realidade............................................................................................................111.2 – Escola democrática e Realidade......................................................................121.3 – Democracia e Escola Pública ..........................................................................131.4 – O Significado da Gestão Pública .....................................................................141.5 – Uma Questão Pedagógica ...............................................................................161.6 – Uma Conquista em Construção........................................................................18 1.7 – Democracia e Centralismo Histórico.................................................................191.8 – Legislação ........................................................................................................201.9 - A Gestão Democrática que Queremos..............................................................2110 - Gestão Democrática na Escola Pública ............................................................23

CAPÍTULO 2 – GESTÃO DA ESCOLA .....................................................................282.1 _ A Virada ..........................................................................................................282.2 – Gestão Democrática Escolar .........................................................................292.3 – Ementas dos Programas da Serie, que foi apresentado no programa salto para o futuro/TV Escola, de 8 a 12 de Novembro de 2004 ............................................35

CAPÍTULO 3 – O NOVO REGIME DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR

3.1_ Conceitos...................................................................................................... 353.2 – Modelos de Gestão e Administração das escolas .....................................363.2.1 – Modelo 769-A/76 .....................................................................................373.2.2 – O Modelo 172/91 .....................................................................................383.3 – Os Estudos efetuados Previamente ..........................................................393.3.1 – O Decreto Lei 172/91...............................................................................413.4 – A Autonomia da Escola .............................................................................. 423.4.1 – O Projeto Educativo ................................................................................42

CAPÍTULO 4 – PARCERIAS NO INVESTIMENTO DA EDUCAÇÃO .......................434.1 – A Proximidade dos Parceiros na Educação ............................................434.2 - A importância dos Parceiros na educação ...............................................454.3 – Parcerias sem Dependência de Recursos Financeiros ............................454.4 – Defendendo a Escola Pública ...................................................................474.5 – Defender a Escola Pública ........................................................................484.6 – Debater a Escola Pública .......................................................................... 504.7 – Investindo ..................................................................................................52

CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................54

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................55ANEXOS ..........................................................................................................56

7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma decorrência do projeto local, em andamento, intitulado

“A ESCOLA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA” que está sendo desenvolvido a partir das

determinações das atuais políticas educacionais que têm, como diretriz central, a

descentralização administrativa. Através de entrevistas e questionários, bem como análise de

projetos pedagógicos, o referido projeto tem como campo de pesquisa o CIEP 476 – SANTA

CRUZ DA SERRA, Duque de Caxias- RJ. Pretende-se conhecer como a escola enfrenta os

grandes desafios que se colocam para as instituições educativas que deverão construir sua

proposta administrativo-político-pedagógica utilizando-se do espaço legal da autonomia tendo

como figura principal a participação, tanto da comunidade interna, como da comunidade

externa à escola. Esta representatividade da comunidade composta de professores, pais,

alunos, funcionários e pessoas interessadas em conhecer as decisões da vida escolar é a

garantia de que a escola está buscando caminhos para se integrar de forma crítica e consciente

no mundo globalizado, tanto na área social, como na área do conhecimento. Este

conhecimento que tem por base a ciência e a tecnologia representa, o grande desafio da escola

na construção do seu projeto pedagógico que tem a responsabilidade de inserir o aluno para

participar desta sociedade complexa e excludente, com competência e consciência política.

Nesta perspectiva, o tema deste trabalho que se refere à escola, à comunidade, ao

projeto pedagógico e à autonomia, podem ser sintetizados na gestão democrática que,

conforme a Constituição Federal de 1988, é o balizamento das decisões da sociedade hoje e,

portanto, da instituição escolar.

Ao mesmo tempo, é necessária uma participação maior dos sujeitos envolvidos no

processo educacional no interior da escola, na exata medida em que suas responsabilidades

aumentam com a descentralização operacional (Dalila (org) Lucia Bruno, 1997: 40),

implementado pela criação das AAE’s (Associações de apoio a Escola).

8

A gestão democrática da educação, reivindicada pelos movimentos sociais durante

o período da ditadura militar, tornando-se um dos princípios da educação na Constituição

Brasileira de 1988, a ser perspectiva para resgatar o caráter público da administração pública.

A gestão democrática restabelece o controle da sociedade civil sobre a educação e a escola

pública, introduzindo a eleição de dirigentes escolares e os conselhos escolares, garante a

liberdade de expressão, de pensamento, de criação e de organização coletiva na escola, e

facilita a luta por condições materiais para aquisição e manutenção dos equipamentos

escolares, bem como por salários dignos a todos os profissionais da educação. (Bastos, 2001

p. 7).

A Escola como espaço social e político implica a reflexão sobre a pertinência e

relevância histórica, contextualizada de nossa prática educativa escolar. A função primordial

da gestão da escola é garantir a contundência histórica da prática educativa e a integração do

conjunto da prática pedagógica na escola. A reflexão sobre a gestão democrática da escola é

um exercício constrangedor, de um lado, e gratificante, de outro. De um lado, desafia nossos

brios e nos faz ferver em virulenta indignação diante das condições concretas das escolas

brasileiras e diante dos resultados reais do trabalho escolar. De outro lado, as conquistas da

humanidade em nossos dias, os avanços do conhecimento humano sobre a aprendizagem e

inteligência e as experiências concretas na educação brasileira, coordená-las por processos

competentes de efetiva democratização, nos enchem de fundadas esperanças.

Este trabalho propõe reflexão sobre a gestão das escolas públicas do Rio de

Janeiro e em especial ao gerenciamento da aplicação dos recursos financeiros. Através da

análise da gestão do CIEP 476 – Santa Cruz da Serra espera-se a ter uma visão de uma das

formas de gestão escolar das escolas que encontramos hoje no Estado do Rio de Janeiro, que

vêm fazendo um trabalho centrado na qualidade de um serviço público que atenda às

necessidades da comunidade, resgatando a qualidade do ensino público colocando seus alunos

em paridade com o que há de melhor na educação.

Todo esse processo de democratização das relações escolares vai de encontro ao

que está preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de

1990, que garante o acesso à Educação, numa escola pública de qualidade, que garanta seu

9

desenvolvimento pleno para o exercício da cidadania e inserção na vida produtiva. Este será o

teor deste trabalho.

CAPITULO I

1. GESTÃO DEMOCRÁTICA

1.1 Realidade

A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a desesperança é o aborto deste ímpeto. A esperança é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela não haveria História, mas puro determinismo . só há História onde há tempo problematizado e não pré-dado.A inexorabilidade do futuro é a negação da História. (Paulo Freire, 1996, p. 80)

Em abril de 1999 fui nomeado interventor do CIEP 476 - Santa Cruz da Serra, que

naquele momento passava por problemas administrativos. Então, em 16 de abril, estava lá

para receber a Escola e fazer uma auditoria para verificar os possíveis erros e, é claro, dar

solução aos mesmos, ao chegar fiquei desnorteado e chocado com o que via, uma estrutura

de CIEP que é nova totalmente depredada, não havia nenhuma parede que não estivesse

pichada, na verdade, parecia que estava chegando em presídio onde houvera uma rebelião,

encontrei alunos com baixa estima, professores insatisfeitos, funcionários de apoio

deprimidos e uma gestão desastrosa, ali estavam o exemplo de descaso com o patrimônio

público e a falta de respeito ao contribuinte.

Como se não bastasse, o problema ia muito além do que pensava, verificando as

notas fiscais da Escola descobrimos serviços pagos e não executados bens relacionados no

patrimônio e não achados na escola, isso sem falar da parte pedagógica, essa mesmo é que não

acontecia. Segundo o livro de matricula, naquele ano havia se matriculado cerca de 1800

alunos distribuídos em 37 turmas, em três turnos, e o que era visível, não existia na escola tais

números. Daí, junto com a equipe que me acompanhou, fizemos um levantamento e esses

números caíram para 1530 alunos e apenas 32 turmas, com esse trabalho começamos uma

nova etapa, que era levantar a auto estima de nosso alunado, professores e funcionários.

( diretor geral Antônio José Neto )

10

1.2 Escola Democrática e Cidadania

A sociedade brasileira caracteriza-se historicamente como uma formação social

hierarquizada, onde um segmento minoritário apropriou-se das fontes geradoras da riqueza,

constituindo-se como elite dirigente e excluindo a maioria da população do acesso aos

benefícios do desenvolvimento material e cultural.

Parar concentrar riqueza e poder foi necessário o desenvolvimento de mecanismos

de dominação política que garantissem a excludência da maioria. Assim, no período colonial,

a coroa portuguesa e os grandes proprietários de terra mantiveram subjugados milhões de

trabalhadores escravos. No século XIX, após a independência, o Regime Monárquico não foi

outra coisa senão uma estrutura política destinada a servir aos interesses da elite agrária e

manter um rígido controle sobre os privilégios sociais herdados do período colonial.

Na primeira fase republicana apesar da abolição da escravidão, o poder político

foi distribuído entre os grandes proprietários, instituindo o poder local, o mandonismo e o

coronelismo, submetendo à ignorância a maioria da população.

A partir de 1930, houve um acelerado processo de modernização da sociedade brasileira,

caracterizado pela industrialização e a urbanização. Apesar da incorporação de parcelas

significativas da população ao mercado de trabalho, da ampliação do acesso a equipamentos

sociais (educação, cultura, saúde, etc.), a pirâmide social não alterou a sua estrutura básica. Os

movimentos no sentido de sua alteração forma contidos pelo uso da violência ou pela

cooptação política. Agora as elites, urbanas e rurais, não necessitam mais de jagunços para

preservar os seus interesses. Agem institucionalmente através da legitimação do poder

exercido no interior do aparelho de estado.

Exercem o poder pela violência ou pela representação formal dos processos

eletivos. A partir de 1930 tivemos longas ditaduras militares erguidas de curtos períodos de

abertura democrática.

O sistema de privilégios, a excludência da maioria foram, portanto, assegurados

através da ação autoritária de um estado privativo das elites. Isto gerou uma cultura autoritária

11

que impregnou as instituições e o conjunto das relações em nossa sociedade, o que é

absolutamente incompatível com o exercício da democracia e da cidadania.

O nosso grande desafio enquanto educadores é contrapor ao método da exclusão,

da imposição, da manipulação - elementos substancial da cultura autoritária - o método

participação, das decisões coletivas, da socialização da informações da convivência das

diferenças, desencadeando processos alternativos para a formação de uma sólida cultura

democrática.1

1.3 Democracia e escola pública

Em termos históricos, a discussão da democratização restringia-se à ampliação do

acesso à escola pública. Contudo, a partir do aprofundamento da luta democrática em

oposição à ditadura militar, no final da década de 70, a questão da democratização das

relações no interior das escolas e dos sistemas educacionais passou a ser tema de discussão

entre educadores da academia, do movimento sindical, transformando-se em seguida em

bandeira de luta dos movimentos populares organizados.

As formas tradicionais de administração da escola, fundada nos princípios da

hierarquia, na competência e na confiança, sofriam tentativas de rompimento. Na prática

atrelamento ideológico e político-partidário, clientelismo, fisiologismo e apadrinhamento.

A hierarquia das atribuições não eram negadas, o movimento dos educadores

passou a vincular a gestão da escola com a qualidade do ensino. Confiança, competência são

questões que só podem ser aferidas em processos coletivos com a participação de todos os

segmentos da comunidade escolar.

Além da ampliação das vagas, a necessidade de, garantir a qualidade do ensino

levou o movimento organizado de educadores, pais e alunos a reivindicar a participação nas

decisões sobre questões como gestão dos recursos financeiros,orientações pedagógicas,

condições materiais e gestão político-administrativa das escolas.

1 JANELA Almerindo Afonso, Políticas Contemporâneas e Avaliação Educacional, in Reformas da Educação Pública: Democratização, Modernização, Neoliberalismo - Edições Afrontamento, 2002

12

Com o fim do regime militar alguns governos estaduais fizeram experiências

democráticas, principalmente instituindo a eleição de diretores. As bandeiras de

democratização da escola tiveram grande acolhida nos meios oposicionistas, principalmente

devido ao grande impacto social das mobilizações dos professores no final da década de 70 e

nos primeiros anos da década de 80, foram imediatamente incorporadas pelas plataformas dos

partidos comprometidos com a redemocratização do país. Contudo, logo em seguida, estes

governos, até então tidos como comprometidos com as lutas democráticas, perceberam que

gestão democrática significaria também autonomia das escolas. Isto é totalmente incompatível

com a visão conservadora que estas forças políticas têm do estado.

Concebem o estado como propriedade privada dos interesses partidários de quem

está ocupando o governo. A sua concepção de participação popular restringe-se ao voto na

urna, para legitimar a representação formal. A partir daí, a participação popular representa um

sério risco para estes setores, pois poderia impedir o clientelismo e o fisiologismo e tornar o

estado realmente público. É exatamente para manter o estado controlado pelos interesses

privados que alguns governantes usam do argumento da representação formal nas urnas para

cercear a vontade popular, quando se colocam alternativas democratizantes, como é o caso da

gestão democrática das escolas.2

1.4 O significado da gestão democrática

Ao resgatar o caráter excludente e autoritário da sociedade brasileira, o processo

de apropriação privada do aparelho de estado pelas elites, a luta pela democracia e a reação

conservadora à autonomia da escola, a Administração Popular passou a entender que a gestão

democrática da escola cumpre um papel de extraordinária importância para o aprofundamento

da democracia e para a realização da cidadania. Trata-se do espaço escolar contribuindo na

construção de uma cultura democrática capaz de disseminar-se no corpo social. Contudo não

se pode perder de vista que a democratização é um processo global, seu avanço depende da

ação e da vontade individual e coletiva em todos os espaços sociais.

2 LIMA, Licínio Modernização, Racionalização e Otimização: perspectivas neotaylorianas na organização e administração da educação in Reformas da Educação Pública - Democratização, Modernização, Neoliberalismo - Edições Afrontamento, 2002

13

Se é válido dizer que a democratização da escola cumpre um papel na

democratização da sociedade, também é fundamental que se afirme que não haverá gestão

democrática na escola se não houver gestão democrática na sociedade. A escola não é, e não

será, uma ilha de democracia. É necessário que não se perca de vista que a democratização da

escola não se dará isoladamente. Também não pode ser vista como um fim em si, mas como

mais uma frente de ação da cidadania na busca da construção da sociedade democrática.

Trata-se da escola enquanto parte do corpo social dar a sua contribuição,

eliminando as práticas autoritárias, desenvolvendo no seu interior uma cultura de participação,

de decisões coletivas, de convivência com as diferenças. A partir desta compreensão não

podemos reduzir a gestão democrática à eleição de diretor e a eleição dos conselhos escolares.

Estes procedimentos são apenas os mecanismos institucionais, os canais de expressão das

práticas e das atitudes democráticas no interior da escola. A comunidade escolar deverá ser

capaz de construir um programa de gestão da escola que contemple uma proposta

administrativa e pedagógica produzida coletivamente, estabelecendo um compromisso

programático entre a direção e a comunidade escolar. Sem programa a gestão da escola estará

vulnerável às mesmas práticas clientelísticas e fisiológicas que são comuns nas atividades

políticas. A fiscalização e a cobrança da ação e da postura dos eleitos se será factível com o

envolvimento de todos na exceção do programa eleito.

A base política do diretor deve ser o resultado da adesão do coletivo a um

conjunto de princípios, normas e procedimentos pactuados entre os diversos segmentos,

norteadores das relações administrativas e pedagógicas desenvolvidas no interior da

comunidade escolar. Estes são alguns parâmetros para neutralizar a troca de favores como

instrumento de algumas direções para a manutenção do poder. Devemos impedir que a gestão

democrática reproduza no interior da escola as relações políticas viciadas utilizadas pelas

elites conservadoras na grande política para tutelar e manipular o povo.

1.5 Uma questão pedagógica

Naturalmente todas as concepções fazem a defesa da qualidade do ensino. As

políticas educacionais, as propostas pedagógicas, carregam em si elementos centrais que são

desdobramentos de projetos políticos mais globais, sejam conservadores ou progressistas.

Contudo, para as visões que se identificam com a superação das relações autoritárias, com o

14

rompimento de todas as formas de opressão e dominação, qualidade de ensino tem alguns

elementos de significação que são indissociáveis, tais como: o conhecimento como realização

da cidadania; a compreensão crítica da realidade; a natureza libertadora do processo educativo

enquanto conscientizador das práticas sociais. Para uma educação de qualidade, isto é, para

uma educação libertadora, transformadora e popular pressupõe-se o desenvolvimento de

relações profundamente democráticas no interior da escola.

Partindo deste entendimento é possível constatar que a gestão democrática da

escola tem um caráter pedagógico tanto em relação a democratização das relações cotidianas

da escola como na sua incidência no processo global de democratização da sociedade e da

constituição da cidadania. Gestão democrática significa, portanto, uma escola que se

transforma em espaço permanente de experiência e prática da democracia. O aprendizado da

democracia deverá permear todo o conjunto de relações que se desenvolvem no seu interior, e

nas relações com a comunidade.

As unidades de ensino deverão desencadear processo de participação coletiva,

produzindo exemplos concretos de ações democráticas que ultrapassem os seus muros,

tenham extensão, profundidade e visibilidade, incidindo de forma efetiva na formação da

cidadania.

Por outro lado, não haverá educação de qualidade se o processo pedagógico não

estiver enraizado, impregnado e articulado com o real.Para trabalhar com a realidade é preciso

conhece-la. Para conhece-la é necessário que se assegure canais de expressão desta realidade.

Não se pode, por exemplo, falar em respeito à vivência e experiência do educando, como

ponto de partida para recriar e produzir conhecimento, se não existem espaços para a

expressão desta vivência e desta experiência. Como também não se conhecerá o contexto

onde o educando experiência a sua vida se a escola não abrir espaços reais participação e

expressão do cotidiano da comunidade.

Para que estes processos adquiram concretude é necessária uma reversão das

atitudes e comportamentos verticalizados decorrentes da nossa cultura autoritária. O nosso

desafio é construir novas relações no interior da escola, onde pais, alunos, funcionários não

sejam meros executores de parcelas das ações educativas, mas sujeitos coletivos capazes de

apropriar-se da concepção e do planejamento da escola como um todo. É preciso superar o

15

funcionamento compartimentado, autoritário e excludente, onde os alunos apenas estudam,

pois acompanham precariamente a vida da escola, funcionários cumprem a rotina e

professores atuam isoladamente.

A construção da democracia no interior da escola pressupõe, portanto o

desenvolvimento de uma cultura democrática, gestada na positividade da popularização das

diferenças, da convergência das semelhanças, da produção da síntese, em oposição à

negatividade do verticalismo, do abafamento de conflitos, do consenso forçado, enfim, a

todos os elementos constituintes da cultura autoritária que queremos superar. 3

1.6 Uma conquista em construção

Este trabalho promove uma discussão sobre democracia escolar e a possibilidade

de se encaminhar sua efetiva implementação na realidade de escolas de ensino fundamental

por meio das assembléias escolares, em suas várias formas de organização. Após explicitar os

conceitos que fundamentam esta perspectiva, serão apresentados resultados de pesquisas que

acompanharam a introdução de tais assembléias e constataram aprimoramentos na qualidade

das relações entre os membros das comunidades escolares envolvidas, e na construção da

autonomia pessoal de alunos e alunas. Compreender os caminhos e os reflexos no cotidiano

escolar que a introdução das diversas formas de assembléias têm nas relações escolares foi o

objetivo das investigações.4

Iniciando a discussão, uma questão intrigante é o emprego bastante difundido da

palavra democracia no âmbito educacional. Se a origem e uso do termo tradicionalmente

refere-se a forma de governo, ou a governo da maioria, será que uma escola democrática é

aquela em que sua forma de organização está pautada no princípio de que deve ser governada

pelos interesses da maioria, que são os alunos e as alunas? Com entender, então, o papel da

democracia na escola?

Está claro que as palavras jamais conseguirão dar conta de definir algo que

somente a prática, as relações cotidianas, nos seus mais variados níveis, conseguem expressar.

Todavia, mesmo assim, é sempre bom observarmos o sentido que as palavras nos dão para o

3 FAZENDA, Ivani. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro - efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1992.

4 http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/educar.html - acesso novembro 2004

16

significado de gestão democrática do ensino. Ao procurarmos, nos dicionários, o significado

da palavra gestão, encontraremos: Ação ou efeito de gerir; gerência; administração.

Pelo que se vê, a gestão envolve sempre uma ação. Ela nunca pode ser

identificada com algo que expresse comodismo, passividade, inércia. Ela exige, do seu agente,

atitudes, compromisso de fazer, construir.

E mais...

Como a gestão se constrói por meio de ações, ela sempre traz conseqüências ou

efeitos é o efeito de gerir, de dirigir, de dar condução, comando, sendo assim, toda gestão

implica em responsabilidades.

Voltando aos dicionários, o significado associado à palavra democrática é:

“Relativo ou pertencente à democracia; democrata. que se adapta aos interesses do povo... que

emana do povo, ou que a ele pertence; popular... governo democrático.”

Por sua vez o sentido dado à expressão democracia é: “Governo do povo;

soberania popular; democratismo. Doutrina ou regime político baseado nos princípios da

soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se

caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo

controle da autoridade e dos poderes de decisão e execução...”

Perceba-se, então, que ao conjugarmos as duas expressões (gestão democrática)

fica evidente quem é o agente da gestão.

Ora, como estamos tratando da gestão democrática do ensino; é preciso também

definir os limites da abrangência dos agentes que atuam na gestão educacional.

Estes agentes não podem ser entendidos exclusivamente como os governantes e

seus auxiliares (secretários, diretores de órgãos, dirigentes de escolas...).

Por outro lado, a gestão do ensino não pode ser entendida como um espaço em

que todas as decisões tenham que envolver a realização de um plebiscito para se fazer uma

consulta popular ampla a cada desafio. Sem dúvida, tal procedimento dificultaria a

17

operacionalização do sistema de ensino; pelo menos dentro da realidade de participação

política de que dispomos.

Então, quem pode enfim ser considerado agente da gestão do ensino?

Claro que, além daqueles a quem a macro sociedade conferiu poder

governamental, através do voto popular, faz parte desse universo de agentes, aquela parcela

do povo que usa e faz a Educação. Portanto, os usuários da escola (alunos e pais de alunos) e

os profissionais que fazem a Educação (professores, funcionários, dirigentes...) são aqueles

titulares do poder de governar, administrar o ensino. Só dessa forma é que, efetivamente, a

democratização da gestão escolar ocorrerá, pois, além da liberdade do ato eleitoral, teremos a

divisão dos poderes o controle da autoridade e dos poderes de decisão e execução.

Poderíamos dizer, então, que Gestão Democrática do Ensino Público é a ação e o

efeito de gerir a educação através da participação de todos os atores sociais que integram o

universo educacional, objetivando atender às aspirações da sociedade por intermédio dos

anseios daqueles que fazem e usam as escolas públicas.

1.7 Democracia e centralismo histórico

Um dos fatores que tem contribuído para dificultar a implantação da gestão

escolar democrática, sem sombra de dúvidas, é o perfil centralizador que sempre caracterizou

a organização do Estado Nacional.

O Brasil, enquanto Estado autônomo, já nasceu como uma Monarquia Centralista,

onde os poderes de decisão foram profundamente concentrados nas mãos da autoridade

central (o Imperador), através do Poder Moderador.

Isto marcou de tal modo a configuração do Estado brasileiro que ao adotarmos,

com a implantação da República, o regime federativo, conferindo autonomia às partes que

integravam a Nação, assistimos a uma adequação da realidade política às necessidades de

mando dos grupos aristocráticos que controlavam regionalmente o poder, o que não rompeu

efetivamente com o elemento centralizador da tomada de decisões, dado o pacto de

conivência que sempre predominou entre a autoridade federal e as autoridades estaduais.

18

Em outras palavras, a partir da República, fizemos de conta que deixamos de

funcionar como um Estado Unitário, para adotarmos o modelo federativo; para na verdade

manter o poder de mando centralizado nas mãos da elite dirigente, que passou a repartir o

poder decisório apenas entre si.

Sendo assim, a pseudomudança, além de não democratizar o acesso à tomada de

decisões, contribuiu para contaminar o modelo republicano com o caráter centralizador; fato

sobejamente comprovado, ainda na atualidade, pelas medidas atentatórias ao pacto federativo

tomadas pelo governo federal, quando, pela via das Medidas Provisórias ou outros atos

impositivos emanados do Planalto Central, atuam na contra-mão do exercício da

descentralização e democratização do poder.

Obviamente que esta postura cria um efeito dominó que interfere em todas as

esferas, chegando a dificultar, entre outras coisas, o respeito ao princípio de gestão

democrática do ensino, dificultando a participação popular na definição da política

educacional, em benefício da visão centralizadora. Por sua vez, isto tem tido reflexos nocivos

que são evidenciados através dos baixos índices de sucesso escolar.

1.8 Legislação

A Constituição Federal de 1988 definiu através do artigo 206 uma série de

princípios com base nos quais o ensino será ministrado. Entre eles figura no inciso VI o

princípio da gestão democrática do ensino na forma da lei.

Portanto, trata-se de matéria que tem status constitucional, o que lhe confere uma

força mandatária muito mais enfática. Em respeito e sintonia com o definido na Constituição

Federal, a Constituição Estadual de Sergipe repete textualmente este conteúdo no artigo 215,

inciso VI.

Em ambos os casos, o legislador constitucional transferiu a responsabilidade de

definição do modelo de Gestão Democrática para a legislação infraconstitucional. É

importante frisar que, ainda em termos de matéria constitucional, há outros princípios e

definições que apontam para a democratização da gestão do ensino.

19

Em relação a este tema, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Nº

9394/96) definiu em seu artigo 3º, entre outras coisas, que o ensino público será ministrado

com base no princípio da gestão democrática, na forma definida pela própria LDB e pela

legislação dos sistemas de ensino.

A LDB, ao definir os princípios da Gestão Democrática, foi extremamente

econômica, acanhada. O seu artigo 14 estabelece:

“Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público

na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.”

Perceba-se, então, que também a LDB reforça a necessidade de a definição das

normas da Gestão Democrática ser objeto da ação dos sistemas de ensino.

Em Sergipe, essa definição começou a ser esboçada a partir da aprovação do

Plano de Carreira E Remuneração do Magistério- PCRM (Lei Complementar Nº 61/2001),

que em seu capítulo V (artigos 41 a 44) define princípios gerais da gestão democrática,

atingindo tanto a Gestão do Ensino Público, como a Gestão Escolar.

O PCRM, além de referendar os princípios constitucionais da Gestão Democrática, define

para a gestão do ensino público estadual e para a gestão escolar o seguinte:

“Art. 41- ..............................

I - Garantia do princípio da representatividade;

II - Garantia do princípio da autonomia;

III - Garantia do princípio eletivo para a escolha do Diretor Escolar.

A Lei Complementar Nº 61/2001, estabelece o Congresso Estadual de Educação como fórum

máximo de discussão, formulação e deliberação da política educacional das escolas da Rede

Pública Estadual.

20

Este fórum será bienal, convocado Pela SEED e integrado por representantes da

Secretaria de Educação, da sociedade civil organizada e de todos os segmentos das

comunidades escolares.

Já em nível de escola, nós temos os seguintes órgãos gestores:

1. Assembléia Escolar, composta por todos os segmentos que integram a comunidade

escolar;

2. Plenárias Escolares, compostas por cada um dos segmentos que integram a

comunidade escolar;

3. Conselho Escolar, com caráter normativo deliberativo e fiscalizador, composto pela

direção da escola e por representantes dos segmentos que integram a comunidade

escolar, sendo estes últimos eleitos pelos respectivos segmentos e

4. Diretor e Vice-Diretor Escolares, conduzidos a essa função por intermédio de uma

seleção prévia, realizada através de avaliação de conhecimentos específicos e de

eleição realizada pela comunidade escolar.

Importa salientar, ainda, que o Plano de Carreira, por sua vez, remeteu a

regulamentação da Gestão Democrática do Ensino na Rede Pública Estadual para uma outra

Lei Complementar a ser criada.

Neste fato, reside a importância e a significação política da criação de espaços,

fóruns e momentos de discussão dos elementos que deverão compor essa regulamentação,

esse detalhamento das regras de execução daquilo que o PCRM definiu como princípios.

Em relação aos municípios sergipanos a luta continua instalada, pois a democratização da

gestão ainda é um desafio que nos estimula a continuar aprofundando nossa organização e

unidade.

1.9 A gestão democrática que queremos

Diante de todas as definições legais já apresentadas, resta-nos agora fazer uma

reflexão. A Gestão do ensino só terá o status de democrática se a sua regulamentação for

pensada pelos atores sociais do processo ensino-aprendizagem e em função dos anseios e

aspirações daqueles que estarão atuando cotidianamente na execução dessa mesma Gestão.

21

Para que isso ocorra, temos que transformar cada escola da rede estadual em um

manancial de idéias para a formulação da Lei Complementar que deverá regulamentar a

Gestão Democrática. Só assim, todos terão oportunidade de discutir e contribuir nessa

formulação.

Ao mesmo tempo, precisamos criar fóruns coletivos de discussão e deliberação

sobre o tema, pois o modelo de Gestão a ser implementado não pode parecer uma colcha de

retalhos, sem pé e sem cabeça, bem ao modelo da gestão escolar que temos hoje na rede

estadual.

A discussão coletiva deverá fundamentar a produção do ante-projeto de Lei

Complementar que regulamentará a Gestão. Dentro dos princípios democráticos essa é uma

condição sine qua non para que o modelo de gestão não seja concebido em oposição ao

princípio da participação, reforçando o centralismo, o autoritarismo e a tomada de decisões

em gabinetes.

A implantação da Gestão Democrática, para ser eficiente, deverá envolver os seus

executores de forma a que todos se sintam co-responsáveis pelo êxito desse modelo. O

acúmulo que conseguimos produzir refletindo sobre o modelo de Gestão que queremos, nos

habilita a tirar algumas indicações para a sua regulamentação.

Inicialmente é importante frisar que a regulamentação deve estar imbuída de uma

concepção que não considere que a democratização da gestão do ensino se dá apenas com a

garantia do princípio eletivo. Neste caminho, já conseguimos definir no PCRM, além desse

princípio, a garantia da Representatividade e da Autonomia para a gestão democrática da rede

estadual.

Para que a representatividade se observe, a lei terá que definir (e a nossa ação

política deverá assegurar) que as decisões no interior da escola e a definição da política geral

de educação não sejam objeto de deliberação de poucos, através de mecanismos que, quando

muito, permitem a escolha de alguém para tomar tais decisões, sem fazer a consulta prévia aos

representados.

O princípio de Representatividade implica na tomada de decisões a partir da

consulta que o representante faz aos seus representados. O representante não fala por si

22

apenas. Ele deve ser a voz ampliada do coletivo que ele representa. Este é um desafio que terá

que ser respondido para, inclusive, superarmos o modelo de Gestão Democratizada que temos

hoje na rede.

A Representatividade a ser implantada também não poderá se conformar à

padronização existente hoje, onde escolas com realidades diferentes são tratadas como iguais.

Dizendo melhor: O número de representantes de professores de uma escola que tem um corpo

docente composto por dez educadores, por exemplo, é o mesmo em uma escola que tenha

sessenta professores; o que vale, também, para os outros segmentos. Obviamente que sem

rompermos com esse modelo, não aprofundaremos o caráter da representatividade da gestão.

No que concerne à autonomia é preciso lembrar que a LDB, em seu artigo 12,

entre outras coisas, definiu que são incumbências dos estabelecimentos escolares elaborar e

executar sua proposta pedagógica e administrar seu pessoal e seus recursos materiais e

financeiros. Esta autonomia pedagógica, administrativa e financeira terá que ser considerada,

também, no momento de definição de funcionamento da gestão.

Nas escolas das redes municipais, apesar de existirem realidades diferenciadas, a

necessidade geral aponta para incluirmos essas discussões como elementos norteadores da

definição de um modelo democrático de gestão do ensino.

Outro fundamento basilar da democratização do ensino passa pela garantia da

igualdade de condições para o acesso e permanência, com sucesso, na escola. Em respeito a

esse fundamento, o modelo de gestão deve ser um elemento facilitador da inserção da

comunidade e das famílias nas escolas, tendo como foco central da gestão a obtenção do

sucesso dos usuários da escola pública na apropriação e reapropriação do saber acumulado, do

conhecimento coletivamente produzido pela humanidade.5

1.10 Gestão Democrática na Escola Pública

Antes de tratarmos do processo de democratização da gestão da escola pública,

faz-se necessário recuperar aqui a importância do papel da escola na sociedade

contemporânea a partir dos interesses das camadas populares.

5 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

23

Longe de considerá-la como uma grande panacéia para os graves problemas que

afligem a humanidade, entendemos a educação formal como absolutamente necessária no

projeto de construção de uma nova ordem social, que seja capaz de promover a elevação geral

da condição humana. No dizer de Paulo Freire, se a educação sozinha não transforma a

sociedade, sem ela tampouco a sociedade se muda.

Se a educação é o processo de apropriação do conhecimento produzido

historicamente pela humanidade, a escola é aquela agência que se especializou na

sistematização deste conhecimento e na organização dos meios e instrumentos para sua

disponibilização às novas gerações. Neste sentido, a escola, enquanto instituição social, tem a

ver com a própria humanização da pessoa, na medida em que é pela educação que o ser

humano atualiza-se enquanto sujeito histórico, internalizando o saber acumulado pelo homem

ao relacionar-se com os outros homens e com a natureza na produção de sua existência.

Acontece que a educação formal é sempre um ato político e, enquanto tal não é

neutra, refletindo as contradições de uma sociedade dividida em classes. Neste sentido,

constituiu-se ao longo dos tempos um sistema de ensino dualista, ou seja, estruturado de um

lado para atender aos interesses da classe dominante e formar os dirigentes da sociedade e, de

outro, um ensino elementar, de pouca qualidade, para os filhos dos trabalhadores, aos quais

bastaria pouca instrução para a inserção no mercado de trabalho. Quando necessita hoje de

mão-de-obra altamente qualificada, o próprio capital se incube de prepará-la.

Contudo, não obstante o sistema educacional refletir o conflito existente na

contradição de interesses, a sociedade forjou, no processo histórico, a idéia de educação como

um valor universal, direito de cidadania e dever do Estado. Inicialmente reclamada pela

burguesia revolucionária, na medida em que as camadas exploradas se convenciam da

importância da educação formal, passaram a se organizar e reivindicá-la, pressionando

fortemente o Estado burguês a investir no provimento de ensino para a população, ampliando

as oportunidades de acesso à escola.

Hoje, a luta dos trabalhadores em defesa da escola pública, democrática, inclusiva

e de qualidade social parte da noção de educação como direito de todos e tem como foco a

24

formação de sujeitos autônomos e protagonistas da construção de uma nova realidade,

marcadamente justa e solidária.

Nesta perspectiva, entendemos necessária a superação das práticas desenvolvidas

pela escola tradicional, forjadas no contexto do modelo sócio-econômico vigente, que

reproduzem as relações de poder da sociedade, a desigualdade, a exclusão e a discriminação,

mantendo privilégios para poucos. Se, em grande medida, a escola de formação geral,

estruturada a partir do projeto político do capital, expandiu as oportunidade de acesso ao

ensino, em outro aspecto, esta mesma escola esvaziou-se de conteúdo, prestando-se à

dissimulação da realidade contraditória através da educação fragmentada. Além do mais,

produziu o fenômeno do fracasso escolar, expulsando grande contingente de seu interior,

justificando-se nas avaliações de cunho seletivo e classificatório.

É aqui que surge o debate sobre o tipo de escola que interessa as camadas

populares. Que consiga, na forma e no conteúdo, levar os filhos dos trabalhadores a se

apropriarem de um saber historicamente acumulado e desenvolver a consciência crítica,

instrumentalizando-os para a transformação social. E, a conquista dessa escola não poderá

prescindir das relações sociais no seu interior que propiciem a efetiva participação dos

sujeitos envolvidos, inclusive na sua gestão.

Se desejamos, pois, a escola transformadora, precisamos transformar a escola que

aí está. E a sua transformação dar-se-á à medida que os trabalhadores tomarem para si este

processo, redirecionando o sistema de autoridade e a distribuição do próprio trabalho no seu

interior. É a apropriação da escola para conferir-lhe uma nova função social.

Neste sentido, a gestão democrática assume um caráter que vai além das práticas

da eleição do administrador da escola e da constituição formal de conselhos de escola, tão

somente. Mas se insere numa concepção estratégica mais ampla de articulação dos interesses

das camadas populares.

Considerando os cerceamentos econômicos e ideológicos que cercam a escola

pública é fundamental que as pessoas que a integram a comunidade escolar se reconheçam

como sujeitos da mesma classe social, igualmente vitimados pelos mecanismos de exclusão

inerentes ao sistema de organização social contemporâneo que são, em última análise,

25

os verdadeiros responsáveis pelas limitações e dificuldades de cada um e se aliem na luta pela

conquista das melhorias que possam garantir a qualidade de ensino. É fundamental negar e

vencer a ideologia dominante, que promove a desunião entre os sujeitos da comunidade

escolar, colocando falsamente como opositores entre si os professores, os pais e os alunos, os

quais têm, na verdade, um mesmo e único objetivo: a qualidade do ensino na escola pública.

Assim, é importante que os pais entendam as verdadeiras causas das limitações

dos professores, que estes saibam o que levam os pais a uma precária participação na vida

escolar de seus filhos, bem como os limites impostos à dedicação e rendimento escolar dos

alunos das camadas populares. Ao entender essas causas, é preciso dar o segundo passo, qual

seja, unir-se numa luta persistente pela conquista da autonomia da escola e dos recursos

necessários ao seu bom funcionamento, de modo a garantir à comunidade uma participação

efetiva no processo de escolarização dos alunos, aos professores, a qualificação necessária e

condições adequadas de ensino e, aos alunos, um aprendizado consistente de conteúdo amplos

e fundamentados.6

Os conceitos referidos acima de autonomia e participação não são, contudo,

desprovidos de significado ideológico. Na perspectiva neoliberal são vistos e trabalhados com

o objetivo da desresponsabilização do estado em relação as políticas públicas de educação.

Autonomia, significaria a escola assumir a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso e,

participação, a sociedade assumir o financiamento e o cuidado da escola, nos moldes do

incentivo à prática do voluntariado nos serviços públicos como, por exemplo, os atualmente

chamados amigos da escola.

Na democracia participativa a autonomia pressupõe uma gestão compartilhada

com a comunidade escolar, definição de prioridades pedagógicas, físicas e de manutenção,

além do gerenciamento de recursos financeiros que atendam as reais necessidades das escolas

subsidiadas pelo Estado. Esta autonomia não é o mesmo que independência, mas a

competência para construção coletiva de um projeto pedagógico que seja capaz de expressar

os objetivos, as necessidades e expectativas da comunidade envolvida, articulado à estratégia

6 NÓVOA, Antônio (org.) Formação de professores e profissão docente. IN:Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote: Instituto de Inovação Educacional, 1992.

26

de transformação social, bem como das condições concretas para a sua realização. E, tal

autonomia só se dará como conquista da sociedade ou não acontecerá.7

Quanto a participação da comunidade, a qual é também parte integrante da escola,

tem de extrapolar o nível da presença passiva na instituição para atender as convocações da

direção, assistir a reuniões, freqüentar promoções ou colaborar com seus préstimos na sua

administração. Mas, acima de tudo, a construção da democracia na escola passa

necessariamente pela participação dos sujeitos envolvidos (pais, alunos, educadores,

funcionários) no processo de tomada de decisões. Caso contrário, será mera retórica.

Os interessados na defesa da escola pública de qualidade social, que realize a

função emancipatória, tornam-se responsáveis por sua construção, exercem o direito de

opinar, colaboram na identificação de seus problemas e dificuldades, contribuindo nas

discussões, no planejamento e elaboração de projetos com os olhos voltados para a realidade.

Essa participação deve envolver a transparência na gestão dos recursos públicos, ao mesmo

tempo que permite a compreensão da realização dos projetos, seus limites e possibilidades,

democratizando tanto as relações quanto as decisões.

Sendo assim, a gestão democrática na escola pública não se realiza por decreto da

autoridade superior, mas se faz na prática, como um processo contínuo, onde acumulam-se

acertos, vitórias e avanços e superam-se erros, recuos e fracassos.

É preciso repensar a organização escolar e a divisão do trabalho no seu interior, a

começar pela revisão do papel do diretor enquanto autoridade máxima do estabelecimento,

que centraliza o poder e sufoca toda e qualquer iniciativa inovadora, propositiva e de

questionamento. Deve estar longe, também, a idéia de administração nos moldes da empresa

capitalista, cujos métodos e técnicas orientam a busca do lucro e relações onde uns planejam e

outros executam, uns mandam e outros obedecem.

Há que se rever, portando, com freqüência, as próprias atitudes pessoais em

direção a um relacionamento social mais cooperativo e democrático, de troca e de respeito as

diferenças. A escola tradicional reproduz as relações de poder presentes na sociedade, ou seja,

7 SOARES, Holgonsi & M. Arleth Pereira. O sentido da autonomia no processo de globalização. Santa Maria: UFSM-mimeo., 1997.

27

está organizada com vistas a relações verticais, de mando e submissão, dificultando as

relações horizontais de cooperação e solidariedade.

Nesta perspectiva faz sentido instituir a eleição dos dirigentes da escola e as

instâncias de participação das representações da comunidade, onde o poder seja

compartilhado e o controle sobre o Estado possa ser exercido. Considerando que a

participação democrática não se desenvolve espontaneamente, mas é o resultado de um

processo histórico de construção coletiva é necessário que se estruturem mecanismos

institucionais que tornem possível e estimulem as práticas participativas na escola pública.

Desta forma, a escola deve propiciar o espaço para vivência da experiência democrática

enquanto prática de colaboração recíproca entre grupos e pessoas e compromisso com os

resultados alcançados, apesar dos limites e dificuldades que tal experiência possa produzir.

CAPÍTULO II

2. GESTÃO DA ESCOLA

2.1 A virada

“É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco,a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico. O velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo. Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação.”(Paulo Freire, 1996,p. 39)

Uma vez refeito do susto inicial, junto com minha equipe, que é formada pelas

Professoras Rogéria Ferreira e Maria Ângela, respectivamente diretora adjunta pedagógica e

de manutenção, traçamos um perfil de nossa clientela a partir do diálogo traçado com nossos

alunos, o qual a princípio, não muito fácil, mas com carinho dedicação e entendimento nos

aproximamos e fortalecemos esses laços de educadores e educandos.

28

Buscamos em nossos professores e funcionários parceria com um único objetivo,

mudar a imagem de nossa escola e de nossos alunos, várias propostas vieram e de imediato o

que funcionou foi a grande gincana 476, onde os alunos passaram por várias palestras, e onde

colocávamos a importância da socialização como um todo, na verdade estávamos buscando o

resgate da cidadania, a elevação do moral de nossos alunos.

A gincana consistia basicamente em fazer com que nossos alunos participassem

ativamente da limpeza das depredações e que desta forma valorizassem seus trabalhos e seus

espaços, tornado-os dignos.

Os resultados foram surpreendentes, pois a aceitação por parte de nossos alunos

foi total. Durante as palestras tivemos depoimentos de diversos alunos que mostravam para os

colegas que pichar não era certo, muitas vezes corriam risco de vida, pois eles mesmos já

tinham passado por isso.

Durante a gincana foram arrecadados alimentos não perecíveis, roupas, calçados e

brinquedos, os quais teriam como destino a doação a uma instituição de portadores de

deficiência física. Na oportunidade foi feito um trabalho de visitação a esta instituição com

nossos alunos mostrando-lhes a importância da solidariedade.

Afirma João Batista (Palestra proferida a diretores de Escola na Uni-Rio em

2002)”Qualidade da gestão é a transformação das relações de poder entre dirigentes e

dirigidos, entre representantes e representados, entre governantes e governados. Qualidade da

gestão é a transformação do controle individual, burocrático e autoritário em controle coletivo

e participativo” desta forma estava ali naquele pensamento do autor a nossa grande sacada

para uma grande virada no 476. ( diretor geral Antônio José )

2.2 Gestão democrática escolar

As mudanças vividas na atualidade (décadas de 80 e 90) em nível mundial, em

termos econômicos, sociais e culturais, com a transnacionalização da economia e o

intercâmbio quase imediato de conhecimentos e padrões sociais e culturais, através das novas

tecnologias da comunicação, entre outros fatores, têm provocado uma nova atuação dos

Estados nacionais na organização das políticas públicas, por meio de um movimento de

repasse de poderes e responsabilidades dos governos centrais para as comunidades locais. Na

29

educação, um efeito deste movimento são os processos de descentralização da gestão escolar,

hoje percebidos como uma das mais importantes tendências das reformas educacionais em

nível mundial (Abi-Duhou, 2002)8 e um tema importante na formação continuada dos

docentes e nos debates educacionais com toda a sociedade.

Como essa tendência é vivida nas escolas e nos sistemas educacionais? Quais são

as diferentes possibilidades de vivenciar processos de descentralização e autonomia nas

escolas e nos sistemas? Que desafios precisam ser enfrentados, considerando uma tradição

autoritária e centralizadora, comum em tantos países, dentre eles o Brasil? De que modo

oportunizar a participação da comunidade educativa, a partir da diversidade dos diferentes

atores sociais? Qual a relação entre democratização da escola e qualidade de ensino? O que se

entende por gestão democrática na educação? Essas são algumas das preocupações que

surgem quando se

Busca implementar processos de descentralização e autonomia no campo da educação.

A gestão democrática da educação formal está associada ao estabelecimento de

mecanismos legais e institucionais e à organização de ações que desencadeiam a participação

social, na formulação de políticas educacionais, legais e institucionais e à organização de

ações que desencadeiem a participação social: na formulação de políticas educacionais; no

planejamento; na tomada de decisões; na definição do uso de recursos e necessidades de

investimento; na execução das deliberações coletivas; nos momentos de avaliação da escola e

da política educacional. Também a democratização do acesso e estratégias que garantam a

permanência na escola, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a

população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação universalizada, são

questões que estão relacionadas a esse debate. Esses processos devem garantir e mobilizar a

presença dos diferentes atores envolvidos, que participam no nível dos sistemas de ensino e

no nível da escola (Medeiros, 2003). 9

Esta proposta está presente hoje em praticamente todos os discursos da reforma

educacional no que se refere à gestão, constituindo um "novo senso comum", seja pelo

reconhecimento da importância da educação na democratização, regulação e "progresso" da

8 ABU-DUHOU, I. Uma gestão mais autônoma das escolas. Brasília: UNESCO, IIEP, 2002.9 MEDEIROS, I. L. A gestão democrática na rede municipal de educação de Porto Alegre, de 1989 a 2000 - a tensão entre reforma e mudança. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Dissertação (Mestrado em Educação). Porto Alegre, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

30

sociedade, seja pela necessidade de valorizar e considerar a diversidade do cenário social, ou

ainda a necessidade de o Estado sobrecarregado (Barroso, 2000)10 "aliviar-se" de suas

responsabilidades, transferindo poderes e funções para o nível local.

Em nível prático, encontramos diferentes vivências dessa proposta, como a

introdução de modelos de administração empresariais, ou processos que respeitam a

especificidade da educação enquanto política social, buscando a transformação da sociedade e

da escola, através da participação e construção da autonomia e da cidadania. Falar em gestão

democrática nos remete, portanto, quase que imediatamente a pensar em autonomia e

participação. O que podemos dizer sobre esses dois conceitos, já que há diferentes

possibilidades de compreendê-los?

Pensar a autonomia é uma tarefa que se apresenta de forma complexa, pois se

pode crer na idéia de liberdade total ou independência, quando temos de considerar os

diferentes agentes sociais e as muitas interfaces e interdependências que fazem parte da

organização educacional. Por isso, deve ser muito bem trabalhada, a fim de equacionar a

possibilidade de direcionamento camuflado das decisões, ou a desarticulação total entre as

diferentes esferas, ou o domínio de um determinado grupo, ou, ainda, a desconsideração das

questões mais amplas que envolvem a escola.

Outro conceito importante é o da participação, pois também pode ter muitos

significados, além de poder ser exercida em diferentes níveis. Podemos pensar a participação

em todos os momentos do planejamento da escola, de execução e de avaliação, ou pensar que

participação pudesse ser apenas convidar a comunidade para eventos ou para contribuir na

manutenção e conservação do espaço físico.

Portanto, as conhecidas perguntas sobre quem participa?, como participa?, no que

participa?, qual a importância das decisões tomadas? devem estar presentes nas agendas de

discussão da gestão na escola e nos espaços de definição da política educacional de um

município, do estado ou do país.

10 BARROSO, J. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In: FERREIRA, N. (org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

31

Quais são os instrumentos e práticas que organizam a vivência da gestão escolar?

Em geral, esses processos mesclam democracia representativa - instrumentos e instâncias

formais que pressupõem a eleição de representantes, com democracia participativa -

estabelecimento de estratégias e fóruns de participação direta, articulados e dando fundamento

a essas representações.

Diversos autores, como Padilha (1998) e Dourado (2000)11, defendem a eleição

de diretores de escola e a constituição de conselhos escolares como formas mais democráticas

de gestão. Outro elemento indispensável é a descentralização financeira, na qual o governo,

nas suas diferentes esferas, repassa para as unidades de ensino recursos públicos a serem

gerenciados conforme as deliberações de cada comunidade escolar. Estes aspectos estarão

conformados na legislação local, nos regimentos escolares e regimentos internos dos órgãos

da própria escola, como o Conselho Escolar e a ampla Assembléia da Comunidade Escolar.

Segundo Ciseki (1998),12 para funcionar em uma perspectiva democrática, os

Conselhos, de composição paritária, devem respaldar-se em uma prática participativa de todos

os segmentos escolares (pais, professores, alunos, funcionários). Para tal, é importante que

todos tenham acesso às informações relevantes para a tomada de decisões e que haja

transparência nas negociações entre os representantes dos interesses, muitas vezes

legitimamente conflitantes, dos diferentes segmentos da comunidade escolar. Os conselhos e

assembléias escolares devem ter funções deliberativas, consultivas e fiscalizadoras, de modo

que possam dirigir e avaliar todo o processo de gestão escolar, e não apenas funcionar como

instância de consulta.

Em seu projeto político-pedagógico, construído através do planejamento

participativo, desde os momentos de diagnóstico, passando pelo estabelecimento de diretrizes,

objetivos e metas, execução e avaliação, a escola pode desenvolver projetos específicos de

interesse da comunidade escolar, que devem ser sistematicamente avaliados e revitalizados. A

gestão democrática da escola significa, portanto, a conjunção entre instrumentos formais -

eleição de direção, conselho escolar, descentralização financeira - e práticas efetivas de 11 DOURADO, L. F. A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação no Brasil. In: FERREIRA, N.(org). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.12 CISEKI, A. A. Conselhos de escola: coletivos instituintes da escola cidadã. In: BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Salto para o futuro: construindo a escola cidadã, projeto político-pedagógico. Brasília, 1998. p. 43 - 52.

32

participação, que conferem a cada escola sua singularidade, articuladas em um sistema de

ensino que igualmente promova a participação nas políticas educacionais mais amplas.

A discussão proposta nessa série de programas sobre a gestão democrática

pretende:

Abordar as diferentes concepções que disputam, na arena educacional, as proposições

e vivências em termos de autonomia escolar, na construção do projeto político-

pedagógico de cada unidade de ensino;

A participação da comunidade na gestão escolar nos conselhos escolares e no

provimento do cargo de direção;

A gestão dos recursos financeiros no âmbito da escola; a gestão de projetos inovadores

que conferem identidade a cada escola;

A avaliação institucional da escola pública como o processo que confere informações

para as decisões, suas possibilidades e limites;

As relações entre gestão democrática da escola e gestão democrática dos sistemas.

2.3 Ementas dos programas da série, que foi apresentada no programa Salto para o

Futuro/TV Escola, de 8 a 12 de novembro de 2004:

PGM 1: Gestão democrática: teoria e prática

Este programa abordará conceitos e práticas sobre o planejamento participativo do

projeto político-pedagógico das escolas públicas. Autonomia e participação são as palavras-

chave. E as questões são: O que é gestão democrática? Como se vive a gestão democrática nas

escolas? Quais as diferenças em relação a outras políticas de descentralização? Como se pode

educar com mais participação e autonomia da escola – seus professores, seus alunos, seus

funcionários e comunidade?

PGM 2: Conselhos escolares, eleição de diretores e descentralização financeira em questão

Discutindo conceitos e vivências em relação a três instrumentos da gestão

democrática: conselhos escolares, provimento da função de diretor e descentralização

financeira. As funções do Conselho Escolar e sua relação com a Direção da escola, com a

Assembléia Escolar e com as políticas e normas do sistema de ensino. O provimento da

33

função ou cargo de diretor em três cenários: a nomeação para um cargo de confiança, o

concurso para uma função técnica ou a eleição de um dos professores da escola. Qual o papel

do Conselho Escolar e da Direção da escola com a descentralização financeira (repasse de

verbas)?

PGM 3: A gestão democrática do projeto político-pedagógico

O foco deste programa é como a realização de projetos inovadores no currículo da

escola, de caráter cultural, artístico, esportivo, ambiental ou de suporte pedagógico, pode

conferir uma identidade própria à unidade de ensino. Serão examinados alguns exemplos de

escolas que hoje contam com contadores de histórias, orquestra infanto-juvenil, educação

ambiental com incentivo à agricultura familiar da localidade. A questão a discutir é a relação

entre gestão democrática e melhoria da qualidade do ensino.

PGM 4: Avaliação institucional: para controlar ou para democratizar?

Neste programa, trataremos do processo de avaliação institucional como um

instrumento de gestão do projeto pedagógico. O que é avaliação institucional? Para que serve?

Em que níveis se realiza? A questão-chave é a diferença entre avaliação para controle e

avaliação transformadora da ação, ou emancipadora dos sujeitos. Como tirar partido da

avaliação de todos e de todo o trabalho da escola para aprimorá-la, no sentido da qualidade

educacional e da vivência democrática?

PGM 5: Gestão democrática da escola e gestão democrática do sistema de ensino

Quais os desafios enfrentados por escolas que decidem praticar a gestão

democrática e conquistar mais autonomia? Como se pode democratizar a gestão dos sistemas

de ensino municipais ou estaduais e conferir maior protagonismo às comunidades escolares?

A experiência de elaboração de planos municipais e estaduais de Educação, em sintonia com

o Plano Nacional de Educação; e do orçamento participativo, em secretaria de educação. O

papel dos conselhos municipais e estaduais de educação no fortalecimento da autonomia das

escolas públicas.

34

CAPÍTULO III

3. O NOVO REGIME DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO ESCOLAR

3.1 Conceitos

A publicação do decreto-lei 115-A/98 corresponde a uma nova legislação acerca

da gestão e administração das escolas. Esta situação implicou que no ano letivo seguinte à sua

publicação (1998/99) todas as escolas do ensino básico e secundário implementassem este

novo ordenamento jurídico (exceto nos casos em que os conselhos diretivos não tivessem

cessado funções).

3.2 Modelos de Gestão e Administração das escolas

3.2.1 O Modelo 769-A/76

Os modelos de gestão e administração escolar que têm estado em vigor nas

escolas portuguesas, até à atualidade, relevam de uma carga político-administrativa de certo

peso. Como mostrou o estudo levado a efeito por Barroso (1991)13, baseado na consulta de

documentação oficial, na análise dos regulamentos internos das instituições liceais e nos

relatórios anuais dos reitores, até à década de 70, o modelo dominante era de tipo «burocracia

mecanicista:

Trata-se de um modelo racional, burocrático-mecanicista, centralizador, cuja função essencial era assegurar a rotina de um ensino estandardizado e garantir a coordenação dos professores, a homogeneização dos alunos e a conexão das disciplinas e dos diferentes agrupamentos de alunos (turmas, classes e ciclos), com o máximo de eficiência. (p. 64-65)

A partir de 1974, a instituição escolar sofreu uma profunda transformação nos

seus múltiplos aspectos. Com o período revolucionário que se viveu após o 25 de Abril, a

gestão das instituições escolares era bastante difícil, uma vez que os mecanismos legais eram

13 Barroso, J. (1991). Modos de organização pedagógica e processos de gestão da escola: sentido de uma evolução. In Inovação, 4, p.p. 55-86.

35

escassos, criando, deste modo, uma grande anarquia na vida das escolas. Foi neste contexto,

que surgiu o Decreto-Lei 769-A/76, de 23 de Outubro, que teve como principal objetivo

«normalizar» a vida das escolas a partir daquilo que se convencionou designar por «gestão

democrática» que consistiu em regulamentar o exercício do poder nas escolas, mediante a

seguinte estrutura:

a direção colegial e representativa;

as estruturas de participação para professores, alunos e pessoal

não docente;

o princípio da elegibilidade para os diferentes cargos;

a divisão orgânica e funcional entre o exercício da autoridade administrativa (conselho

diretivo) e da autoridade profissional/pedagógica (conselho pedagógico e dos grupos);

o poder de os professores, enquanto profissionais, assegurem e orientação e a

coordenação pedagógica da escola. (Barroso, 1991, p. 69)

Com a aplicação deste decreto a governação das escolas assenta, em grande parte,

na responsabilidade colegial dos professores representados pelo Conselho Diretivo, que é

eleito pelos seus pares. Esta gestão coletiva é, no entanto, partilhada por outro órgão com

caráter deliberativo, o Conselho Pedagógico, que pela representação de grupos ou disciplina,

tinha como principal incumbência exercer a orientação pedagógica da escola. Como é sabido,

esta «orientação pedagógica» atribuída à escola, nunca foi concretizada plenamente, uma vez

que este tipo de orientações ficou a cargo do poder central.

Conforme afirma Barroso (1991), este decreto "não passou de uma «prótese

democrática», numa administração burocrática" (p. 69).

Em termos legais, as principais mudanças que se que se foram registrando na

aplicação deste modelo (D-L 769-A/76), partindo da análise efetuada por Barroso (1991, p.

74), foram as seguintes:

a) as escolas eram anarquias organizadas (Cohen e March) e sistemas acoplados (Weick);

b) iniciou-se um processo de desburocratização interna (da escola);

c) substituição progressiva de uma autoridade hierárquica por uma autoridade colegial;

36

d) aparecimento de um gestão flexível e diversificada.

O modelo de 76 introduziu o princípio de participação democrática dos vários

autores escolares, mas, desde logo, se verificou que a abertura da escola à comunidade não foi

tida em conta. Neste sentido, é publicado o Despacho 8/SERE/89 que institui a possibilidade

da participação dos pais dos alunos, através do seu representante, no Conselho Pedagógico. É

visível neste percurso um reforço do poder e intervenção dos professores no âmbito da gestão

escolar, no entanto, continuou a verificar-se o acentuar do poder e a intervenção da

administração central.

Segundo Valter Lemos (1997)14, as escolas mantêm-se como meras extensões da

administração e a esta prestam contas pelas vias burocráticas e hierárquicas tradicionais (p.

262).

Importa, todavia, distinguir, nesta análise, dois movimentos que se verificaram na

implantação do modelo de 76: o movimento «de cima para baixo» e o movimento «de baixo

para cima». Com efeito, se por um lado, se constatou que algumas escolas se limitaram a

«aplicar» este modelo, seguindo as diretrizes emanadas do Ministério, por outro lado, é de

notar que, muitas foram as escolas que, embora tivessem presentes os aspectos formais que a

legislação introduziu nos processos de gestão das escolas, foram mais longe, reestruturando as

práticas educativas a partir de "um modelo de gestão não racional, com uma autoridade

colegial, com forte participação dos profissionais, pouco aberta ao exterior, com a prática de

uma gestão intuitiva muito ligada à resolução de problemas e ao desenvolvimento de valores

(Barroso, 1991, p. 74). Depreende-se, desta forma, que a implantação do modelo 76 não se

limitou a um processo meramente linear. Evidenciaram-se práticas pedagógicas diversas,

revestidas de algumas propostas de inovação, sobretudo no campo pedagógico:

Essa reestruturação consistiu no desenvolvimento de práticas educativas transversais, ou exteriores às disciplinas, em áreas não regulamentadas pela administração central, e em oposição ao modo de organização pedagógica tradicional (relação professor-aluno na sala de aula) (Barroso, 1991, p. 74)

14 LEMOS, V. (1997). A Gestão Escolar. In Cunha, P.. Educação em Debate. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 259-273

37

Contudo, o Decreto-Lei 769-A/76, embora tenha sido bastante inovador, não

contemplava dois dos princípios básicos: a descentralização» e a «autonomia. Esta lacuna

veio a ser colmatada pela produção de legislação posterior, das quais destacamos: a Lei nº

46/86 (LBSE), o Decreto-Lei nº 43/89 de 3 de Fevereiro e o Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de

Maio. É o que vamos analisar de seguida.

3.2.2 O Modelo 172/91

O modelo de gestão 172/91 insere-se numa ampla política de reforma do sistema

educativo, iniciada com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo. Procuraremos,

ao longo das linhas seguintes, descrever a gênese deste ordenamento jurídico, apresentar as

principais características, bem como sintetizar os estudos efetuados sobre a sua

implementação.

3.3 Os estudos efetuados previamente

3.3.1 O Decreto-Lei 172/91

A partir destes diversos debates surge em 10 de Maio de 1991 o Decreto Lei n.º

172. O preâmbulo deste decreto-lei refere que vem dar resposta à exigência da Lei de Bases

do Sistema Educativo para a alteração dos modelos de gestão vigentes. e à necessidade de a

escola se adaptar à reforma educativa em curso. Assim, este decreto baseia-se nos princípios

de democraticidade, participação, descentralização. Relativamente a este último, o decreto

refere que a reforma do sistema educativo pressupõe uma inserção da escola na estrutura da

administração educacional que obriga à transferência de poderes de decisão para o plano

local. (preâmbulo). A integração da escola no meio em que se insere é um dos grande

objetivos deste decreto. O modelo agora instituído pretende assegurar à escola as condições

que possibilitam a sua integração no meio em que se insere. Exige o apoio e a participação

alargada da comunidade na vida da escola. (preâmbulo).

Este modelo apresenta, pela primeira vez, a mesma estrutura organizativa, seja

para as escolas do 1º ciclo (tendo contudo algumas normas adicionais referentes à forma de

organização das escolas do 1º ciclo), seja para as escolas do 2º e 3º ciclo e secundárias. A

estrutura organizativa assenta em três níveis:

38

1) direção - assegurada pelo conselho de escola, como órgão de direção e de participação

dos diferentes sectores da comunidade (art. n.º 7);

2) administração e gestão - assegurada pelo diretor executivo, como órgão de

administração e gestão nas áreas cultural, pedagógica, administrativa e financeira;

3) orientação educativa - assegurada pelo conselho pedagógico, como órgão de

coordenação e orientação educativa.

Desta forma, com este modelo a direção passa a ser separada da administração e

gestão. O conselho de escola é o órgão de direção que define as grandes linhas da política

educativa da escola. Além de outras funções, compete ao conselho de escola eleger o diretor

executivo, destituí-lo ou renovar o seu mandato (art. n.º 8 alínea c). Os membros deste

conselho são representativos dos diversos membros da comunidade educativa, sendo o

número de docentes membros do conselho igual ao número dos membros não docentes. O

presidente do conselho de escola é um docente, e tem voto de qualidade.

O diretor executivo tem as funções de gestão e administração, sendo nomeado

pelo o conselho de escola, é responsável pela gestão quotidiana da escola, promovendo e

implementando a política educativa linhas definida ao nível do conselho de escola. O diretor

executivo tem assento no conselho de escola não tendo, contudo, direito a voto. Este órgão de

gestão e administração é unipessoal, sendo o diretor executivo coadjuvado no exercício das

suas funções por adjuntos.

Ao nível da administração e gestão ainda existe outro órgão: o Conselho

Administrativo. Este órgão tem funções de deliberativas em matéria de gestão financeira. São

membros deste órgão o diretor executivo (que preside a este órgão), um dos adjuntos

designado para o efeito, e o chefe dos serviços de administração escolar.

O Conselho Pedagógico surge, com este modelo, como um órgão de orientação

educativa, prestando apoio seja ao conselho de escola, seja ao diretor executivo nos domínios

pedagógico-didático, de coordenação da atividade e animação educativas, de orientação e

acompanhamento de alunos e de formação inicial e contínua do pessoal docente e não docente

(art. n.º 31). Trata-se, pois, de um órgão consultivo, sendo também sua função elaborar

propostas (por ex.: regulamento interno, projeto educativo) para o conselho de escola apreciar

e aprovar.

39

Conforme Afonso (1995)15 considera que este modelo introduz duas inovações

cruciais na administração dos estabelecimentos de ensino, resultante da separação das funções

de direção e de gestão:

1. o conselho de escola com os representantes da comunidade educativa, como órgão de

direção da escola;

2. o diretor executivo, nomeado pelo conselho de escola, formalizando assim uma área

profissional específica com formação especializada para a gestão escolar, de modo a

garantir melhores níveis de qualidade técnica nos procedimentos de gestão, por

comparação com os níveis de desempenho dos gestores ‘amadores’ eleitos pelos seus

pares docentes. (p. 110).

Conforme considera Cunha (1997) 16 que este modelo deve ser considerado como

uma reforma cultural profunda." (p. 241). Para este autor, este quadro normativo rege-se pelo

paradigma da democraticidade que é caracterizado por três elementos fundamentais:

1. eficiência dos serviços;

2. prestação de contas;

3. autonomia local da decisão. Estas são as características dos regimes democráticos

maduros.

O autor refere que o modelo americano de gestão das escolas influenciou bastante

a elaboração deste modelo de gestão, apresentando as seguintes características comuns:

1. separação entre direção e gestão das escolas;

2. atribuição de máxima participação no órgão de direção e o máximo de eficiência na

gestão;

3. responsabilização dos órgão de gestão perante o órgão de direção.

Declara Barroso (1991)17 existirem duas grandes zonas de ruptura com o modelo

de gestão anterior. A primeira refere-se à tentativa de institucionalizar uma participação dos

15 AFONSO, N. (1995) A administração escolar reflexões em confronto (mesa redonda), In Macedo, B., A administração escolar reflexões em confronto (mesa redonda), Inovação, 8, pp. 7-40.16 CUNHA, P. (1997). O desenvolvimento do novo modelo de administração e gestão das escolas: desvios e aprofundamentos. In Cunha, P.. Educação em Debate. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 241-257

40

pais, de representantes da autarquia e dos interesses culturais e econômicos na tomada de

decisão interna à escola. (p. 76).

Alerta o autor para o fato de esta participação ser mais simbólica do que real, pois

só no quadro de uma efetiva descentralização é que se pode falar em verdadeira participação

da comunidade na definição de uma política local de ensino. (p. 77). A segunda zona de

ruptura prende-se com a tentativa de profissionalização da gestão. O autor refere que o que é

mais significativo nesta mudança é que se tenha substituído a gestão colegial (do modelo

anterior), por uma gestão unipessoal com o argumento de que era preciso dar maior eficácia,

eficiência, estabilidade, responsabilidade. (p. 78). Desta forma, volta-se a uma concepção

racional da organização semelhante à classificação de Mintzberg de burocracia mecanicista:

Mas desta vez é uma burocracia mecanicista que procura abrir-se ao exterior e gerida por um profissional. E como diz Mintzberg as organizações de tipo burocrático mecanicista conduzidas por um gestor profissional, negam o sentido de empenhamento das pessoas e reduzem assim os sistemas humanos a estruturas vazias e impessoais. E numa escola isso é pior que em qualquer organização. (p. 78)

3.4 A Autonomia da Escola

3.4.1 O projeto educativo

O Decreto lei 43/89, mais conhecido por decreto da autonomia, refere que a

autonomia da escola concretiza-se na elaboração de um projeto educativo próprio, constituído

e executado de forma participada (preâmbulo). Desta forma, o projeto educativo tem um papel

importante na concretização da autonomia da escola. Convém referir que projeto educativo

não é sinônimo de autonomia, mas sim expressão da autonomia da escola (Madeira, 1995;

Macedo, 1991).18

Referimos anteriormente que a autonomia da escola envolve a capacidade de se

identificar / diferenciar face a outros sistemas, como também de se relacionar com eles. O

17 BARROSO, J. (1991). Modos de organização pedagógica e processos de gestão da escola: sentido de uma evolução. In Inovação, 4, p.p. 55-86.

18 MADEIRA, A. (1995). A importância do diagnóstico da situação na elaboração do projeto educativo de escola. In Inovação, 8, pp. 167-189.

41

projeto educativo deve, por isso, levar a escola a ser capaz de se identificar e de se relacionar

com o meio em que está inserida.

Segundo Tripa (1994) para que o Projeto Educativo possa responder às

necessidades reais da escola, têm de se colocar as questões: onde estamos?; quem somos?" (p.

62). Portanto, o projeto educativo é a expressão da identidade da escola (Madeira, 1995;

Ferreira, 1995; Tripa, 1994). Ao possuir uma identidade própria e ao relacionar-se com o

meio envolvente, a escola tem de ser capaz responder aos problemas e desafios que advêm

dessa mesma relação:

A produção de inovações a nível local, encarando-a como um processo coletivo de aprendizagem, tem como referência o conceito de criatividade da escola, ou seja, a sua capacidade de responder de forma original e dinâmica aos problemas simultaneamente singulares e complexos que tem de enfrentar. (Canário, 1992, p. 82) 19

A capacidade de responder de forma original tem de ter como base a inter-relação

dos diferentes intervenientes ou parceiros da comunidade escolar. Pinhal (1993)20, referindo-

se à idéia de Território Educativo, observa que o projeto educativo deve ser o produto da

negociação entre os diferentes interesses e formas de avaliar a realidade local.

Assim, o projeto educativo deve envolver um conjunto amplo de autores,

contribuindo para identificar estas potencialidades e limites que se colocam à ação da escola e

à intervenção da comunidade educativa (Madeira, 1995).

Para Macedo (1991)21 a negociação entre os diversos parceiros da comunidade

educativa é crucial para que exista um compromisso conjuntural sobe os princípios que vão

orientar a política da escola (p. 135).

19 CANÁRIO, R. (1992). O estabelecimento de ensino no contexto local. In Canário. R. (org). Inovação e projeto educativo de escola. Lisboa: EDUCA, pp. 57-85.20 Pinhal, J. (1993). L’émergence du territoire educatif (tradução), Dissertação de D.E.A. em Ciências da Educação, Universidade de Caen-France (não publicado).21 MACEDO, B. (1991) Projeto educativo de escola: do porquê construí-lo à gênese da construção. In Inovação,4, pp. 127-139.

42

CAPÍTULO IV

4. PARCERIAS NO INVESTIMENTO DA EDUCAÇÃO

Uma forma eficiente e viável para melhorar o funcionamento da escola e resolver

alguns de seus principais problemas pode estar bem mais próxima do que se imagina – logo

ali, na vizinhança, através do apoio de sua própria comunidade.

Esta trabalho serve aos que participam e se interessam pela vida das escolas: os

profissionais da comunidade escolar (diretores, coordenadores, professores, secretários,

administradores, famílias de alunos etc.) e as pessoas ativas no meio em que a escola funciona

– líderes comunitários, empresários, religiosos, funcionários públicos.

Ela mostra que a escola pode, e deve, buscar o apoio da comunidade para resolver

muitas de suas dificuldades mais comuns, através da formação de parcerias para a educação –

isto é, com a ajuda de membros da sociedade que, de forma voluntária, oferecem recursos

financeiros, materiais e humanos para ajudar a escola.

As famílias dos alunos, as empresas locais, entidades religiosas e sociais e órgãos

governamentais, entre outros, são parceiros importantes para melhorar a administração das

escolas e, sobretudo, a qualidade do ensino. A união de esforços pode fazer com que a escola

forme, cada vez mais, alunos capazes de compreender o mundo que os cerca, expressar-se

sobre ele e tornarem-se elementos ativos na sua transformação.

4.1 A proximidade dos parceiros na educação

Diz a sabedoria popular que uma andorinha só não faz o verão. Mas um bando

delas revoando contra o azul do céu anuncia a chegada da nova estação. Com a escola, não é

muito diferente: ela precisa da união de esforços dos diversos setores da sociedade para

cumprir seu papel de formar cidadãos aptos e capazes para transformar a realidade social em

43

que vivem. Este é o conceito das parcerias para a educação: o envolvimento da comunidade

na ajuda à escola.

Nos Estados Unidos da América, os números revelam a grande vitalidade da

participação da comunidade no cotidiano escolar – são centenas de milhares de parceiros e

voluntários atuando junto às escolas de Ensino Fundamental e Médio, através de parcerias

objetivas, que contam com forte apoio do Departamento de Educação norte-americano e dos

Departamentos de Educação dos governos estaduais, sob a forma de iniciativas individuais e

da participação de grupos comunitários, empresas, órgãos governamentais e ONGs.

Para fazer parcerias, basta saber o que a escola precisa, e buscar na sociedade em

volta quem possa e esteja disposto a ajudar. E, na prática, qualquer um pode participar desta

parceria. Por exemplo:

Pessoas

Pais de alunos, vizinhos, médicos, advogados, engenheiros, dirigentes de

empresas e outros profissionais.

Entidades

Igrejas, sindicatos, associações de moradores, organizações não-governamentais,

grupos culturais, órgãos dos governos municipal, estadual e federal, universidades etc.

Empresas

Lojas, indústrias, supermercados, bancos, companhias de todos os tipos e

tamanhos.

Considero interessante, o convite de participação para fazer essa idéia germinar e

trazer para dentro da sua escola parceiros que poderão transformar o seu cotidiano,

melhorando o desempenho não só da comunidade escolar, mas da sociedade brasileira como

um todo. Você e os profissionais de educação de sua escola podem ajudar a divulgar o

conceito de parcerias, buscando na sua comunidade talentos que disponham de tempo e boa

vontade para realizar este trabalho de renovação da realidade escolar.

A escola brasileira é como a andorinha só: precisa de muitas e muitas parcerias

para fazer um verão maravilhoso para a educação de nossas crianças.

44

4.2 A importância dos parceiros na educação

Ao falar da educação estamos falando também sobre o futuro da nação e a

prosperidade de todos os seus cidadãos. Escolas públicas de qualidade são essenciais para

desenvolver o país e criar uma sociedade mais justa. De uma boa escola saem os profissionais

que constroem a economia do país e garantem sua participação em um mercado internacional

cada vez mais globalizado. Por isso, ajudar a Escola Pública, e a educação como um todo, é

trabalhar pelo Brasil – é fazer alguma coisa por nossa comunidade, por nossos próprios filhos,

futuros cidadãos brasileiros, e melhorar a qualidade de nossa vida. Não há razão maior para se

tornar um parceiro da educação.

A Escola Pública está precisando – e muito – de parceiros que a apóiem. A

qualidade da educação não depende apenas dos esforços governamentais - isso vale para o

Brasil e para qualquer país, inclusive no chamado Primeiro Mundo, desenvolvido e mais rico.

Cada vez mais, a Escola necessita do envolvimento da comunidade, das forças locais, porque

ninguém melhor que elas para saber as reais necessidades dos alunos e sugerir alternativas de

educação.

O que se pede aos parceiros é que eles dediquem uma parte do seu tempo para

ajudar a melhorar a educação dos alunos e a administração da escola. Se houver recursos

materiais ou financeiros disponíveis, tanto melhor. Mas o espírito da parceria para a educação

está justamente na força da participação, através de ações voluntárias e de outras

contribuições que não envolvem necessariamente gastos em dinheiro.

Toda a comunidade, incluindo os parceiros da educação, só tem a ganhar com essa

união de forças. O país também.

4.3 Parceria sem dependência de recursos financeiros

Dinheiro não é tudo na vida. E na escola não é diferente. É claro que, no Brasil,

assim como em outros países onde existe muita pobreza, os recursos financeiros - ou melhor,

a falta deles - são sempre a primeira explicação para muitos dos problemas vividos

diariamente por alunos e educadores. Porém, às vezes, colocar a culpa na falta de dinheiro

45

torna-se um lugar comum, uma queixa que acaba impedindo que se busquem alternativas

criativas e inteligentes que não exigem um centavo sequer da escola.

Parcerias com empresas e organizações não-governamentais, assim como o

trabalho voluntário de pais e membros da comunidade, são ações que nem sempre envolvem

gastos de dinheiro. E geram grandes contribuições para melhorar a qualidade do ensino e

enriquecer o currículo escolar, além de atenderem a algumas necessidades educacionais

especiais - como, por exemplo, a de ajudar alunos com dificuldade de aprendizagem em

determinada disciplina.

Com as parcerias e o trabalho voluntário, o que se busca são dois valores sociais e

humanos que, bem utilizados, podem tornar-se mais úteis e valiosos que o dinheiro: tempo e

talento. É importante mostrar às pessoas, empresas e instituições que as ações para a

construção da escola que queremos (e que a comunidade merece!) requerem muito mais a

vontade e a solidariedade dos parceiros do que sua ajuda financeira. E lembrar, sempre, que

os benefícios que uma educação de qualidade oferece compensa o investimento: é, de fato,

um ótimo negócio para todos.

A participação não depende da posição social dos parceiros. Por exemplo, na

Escola Estadual Halim Souki, em Divinópolis (MG), vários trabalhos de parceria, embalados

pelo slogan “Esta escola é minha”, resultaram na criação da Associação de Pais e Amigos da

Escola. A Associação canaliza o esforço voluntário de mães que atuam como contadoras de

histórias e ajudantes da cantina e levam novas tecnologias para a escola, como jornal em

cordel e aulas de psicomotricidade. Os pais voluntários realizam pequenos reparos de

marcenaria e mecânica e atuam como juízes de futebol e animadores de festas.

Já na Escola Estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira, em Nova Xavantina

(MT), pais, tios, avós, maridos de professoras e até vizinhos dos alunos participam da “Hora

Informal” dos alunos de 1ª à 4ª Séries, onde tocam e cantam músicas, contam histórias e

também ouvem histórias dos alunos. Além disso, as reformas e novas construções da escola

são feitas através de mutirões com pais e alunos: a escola oferece lanche e almoço para todos

e um certificado de honra ao mérito pela ajuda prestada à comunidade escolar.

46

4.4 Defendendo a escola publica

A escola pública foi sendo progressivamente construída com base nos princípios

da universalidade do acesso, da igualdade das oportunidades e da continuidade dos percursos

escolares. A sua missão consistia, essencialmente, em educar (emancipação pelo saber),

integrar (partilha de uma cultura comum), distribuir competências (função social). Para isso

ela tinha que ser sábia, reta e justa.

É certo que, em muitos casos, estes princípios não tiveram correspondência nas

políticas, nas formas de organização, no currículo e nos métodos pedagógicos, em que assenta

a escola de massas, ao longo da sua evolução histórica e no seu processo de expansão à escala

planetária. Contudo, há que reconhecer, o desenvolvimento da humanidade, principalmente

neste último século, ficou a dever muito à expansão da escola pública, e a sua crise atual, não

deve servir para negar a validade dos seus princípios e do ideal de educação que lhes estão

subjacentes, nem justifica o recurso ao modelo do mercado como alternativa para a regulação

e provisão do serviço público educativo.

Por um lado, falta ao mercado (entre outras coisas) a sensibilidade social que

permita atender aos que, pelas mais diversas razões, exigem mais tempo, mais dinheiro, e

melhores recursos para obterem o sucesso educativo a que têm direito Defendo, por isso, que

no contexto atual da crise do Estado Providência (e do modelo social a que deu origem), se

torna necessário reforçar a dimensão pública da escola pública, o que obriga a reafirmar os

seus valores fundadores, perante a difusão transnacional de uma vulgata neo-liberal que vê no

serviço público a origem de todos os males da educação e na sua privatização a única

alternativa.

Mas defendo, igualmente, que a falência atual do modelo burocrático- profissional

que serviu de base à expansão da escola pública no passado (Barroso, 1999)22, obriga a

procurar novas formas organizativas (pedagógicas e educativas) e novas modalidades de

governo e de intervenção que permitam a recriação da escola como espaço público de decisão

22 BARROSO, João, (1999). Regulação e autonomia da escola pública: o papel do Estado, dos professores e dos pais. In: Inovação, vol.12, nº3, 1999, pp. 9-33.

47

coletiva, baseada numa nova concepção de cidadania que vise criar a unidade sem negar a

diversidade (Whitty, 2002, p.20).23

4.5 Defender a escola pública

Durante mais de 150 anos o Estado assumiu, no mundo ocidental, a função de

Estado Educador. A criação e desenvolvimento da escola pública tornaram-se, primeiro, um

imperativo para a consolidação do Estado-Nação e, mais tarde, (principalmente a partir da

Segunda Guerra Mundial) um elemento essencial do desenvolvimento econômico. A escola

pública desenvolveu-se assim com base num voluntarismo político, claramente centralizador,

que pressupunha um forte consenso social no valor da educação e nas modalidades de

organização da escola.

Nos últimos tempos, como é sabido, tem-se assistido a uma crise do próprio

conceito de Estado-Nação e a uma quebra clara do consenso social em que se baseava o

Estado Educador. Além disso, o crescimento extraordinário dos sistemas educativos e a

complexificação da sua organização tornaram difícil a sua renovação e adaptação às

necessidades do mundo atual. Os resultados alcançados ficam sistematicamente aquém das

expectativas e a confiança na capacidade dos poderes públicos resolveram os seus problemas

vem-se reduzindo de maneira notória.

Perante esta situação de crise, os governos procuraram responder, agora como

dantes, com grandes reformas que, com grande otimismo retórico eram anunciadas como o

mito regenerador da educação e a boa solução para tudo resolver de maneira racional e

planificada.

O balanço que se faz destas grandes reformas que, principalmente depois dos anos

60, constituíam o manifesto político de qualquer ministro que se prezasse, é conhecido A

maior parte das reformas não passaram do papel e as que foram um pouco mais longe,

raramente se radicaram nas escolas e, muito menos, na sala de aula e nas suas práticas

quotidianas.

23 WHITTY, Geoff (2002). Making Sense of Education Policy. London: Paul Chapman Publishing.

48

Aliás, o que se passou com mais freqüência, como assinalam David Tyack e Larry

Cuban (1995)24 ao analisarem um século de reformas nos Estados Unidos, foi que, ao

contrário dos seus propósitos iniciais, em vez de as reformas modificarem as escolas,

acabaram sendo mudadas por elas.

Paralelamente com este insucesso das grandes reformas conduzidas pelo Estado

tem-se assistido, principalmente, desde o início dos anos 80, ao alargamento de uma

perspectiva desenvolvimentista da educação com a sua subordinação aos imperativos da

competitividade econômica e às regras do mercado.

Um dos traços mais marcantes desta de lógica de mercado consiste na tentativa de reduzir "o

monopólio público da educação de acordo com o que Dale (1994)25 chama, em termos muitos

gerais, de objetivos da Nova Direita: retirar os custos e responsabilidade ao Estado, e

simultaneamente, aumentar a eficiência e capacidade de resposta - e conseqüentemente a

qualidade - do sistema educativo.

Neste sentido, e para os defensores de uma política neo-liberal, a modernização da

educação passa, entre outras coisas, pela libertação da escola das mãos do Estado, pela

empresarialização da sua gestão e pela introdução de um sistema de concorrência em que a

satisfação do consumidor decide da sua rentabilidade e eficácia.

Não é possível, fazer no âmbito do presente texto, um balanço das principais

críticas que têm sido feitas a estas políticas de modernização baseadas na construção de um

mercado da educação. Mas há um aspecto que importa referir, tendo em conta os objetivos de

mostrar a necessidade de defender a escola pública: as conseqüências daquilo que Ball

(1994)26 chama de os valores da mudança e os dilemas éticos provocados pela atividade do

mercado e pela competição (p.129).

Falando, da experiência inglesa, este autor chama a atenção para o fato de ao

sublinhar-se a pretensa neutralidade do mecanismo da escolha do consumidor se estar a

24 TYACK, David & CUBAN, Larry (1995). Tinkering Toward Utopia. A Century of Public School Reform. Cambridge: Harvard University Press.25 DALE, Roger (1994). A promoção do mercado educacional e a polarização da educação. In: Educação,Sociedade & Culturas, nº 2, pp. 109-139.

26 BALL, Stephen (1994). Education Reform. A critical and post-structural approach. Buckingham: Open University Press.

49

desviar a atenção dos valores e dos aspectos éticos ligados (e requeridos) pela aplicação da

lógica de mercado à educação. Entre estes valores contam-se os que celebram a ética do que

Nagel (1991)27 chama do ponto de vista pessoal – interesses pessoais e desejos individuais - e,

ao mesmo tempo, obscurecem e desprezam as preocupações igualitárias daquilo que o mesmo

autor designa por ponto de vista impessoal.

Segundo afirma Ball (1994) no final do seu livro em que analisa criticamente a

reforma educativa inglesa: O que se perdeu na educação no Reino Unido foi a existência de

qualquer tipo de discurso sobre as virtudes cívicas ou ética social (p. 144). E acrescenta,

citando Plant (1992):28

Sem o sentido da virtude cívica, ou da orientação para valores que não tenham unicamente em vista o interesse pessoal, o comportamento do mercado exigirá uma regulação crescente em função dos interesses do próprio mercado. Este tipo de regulação tende a tornar-se cada vez mais problemática se não houver uma maior preocupação em cultivar o sentido da responsabilidade social e cívica, o que, como eu sugeri, se torna cada vez mais difícil devido à erosão dos valores sociais em favor dos interesses próprios e privados. (p. 89)

Idêntica preocupação pelas conseqüências de uma política educativa que vê na

desinstitucionalização e desregulação o único processo de colmatar as deficiências de

funcionamento da escola pública, ao mesmo tempo que olha para a educação como um bem

de consumo e não como um bem comum, está presente na análise que David Tyack e Larry

Cuban (1995) fazem de um século de reformas escolares, nos Estados Unidos:

Nesta última geração, o discurso sobre a escola pública tornou-se extremamente limitado. Passou a estar centrado na competição econômica internacional, nos resultados dos testes, e na"escolha" individual da escola. Mas, em contrapartida, negligenciou por completo o tipo de escolhas que são essenciais para o bem-estar cívico: escolhas coletivas sobre um futuro comum, escolhas feitas, através de processos democráticos, sobre os valores e os conhecimentos que os cidadãos querem passar para a próxima geração. (p.142)

27 NAGEL, T. (1991). Equality and Partiality. Oxford: Oxford University Press. 28 PLANT, R. (1992). Enterprise in its place: the moral limits of markets. In: P. Heelas and P. Morris, eds. The values of the enterprise cultural: the moral debate. London: Routledge

50

Neste sentido, a defesa da escola pública passa, por um lado, em desmontar o caráter

pretensamente neutro da introdução de uma lógica de mercado na educação, denunciando a

sua ética perversa e a sua intencionalidade política e, por outro, fazer da definição e regulação

das políticas educativas um processo de construção coletiva do bem comum que à educação

cabe oferecer, em condições de igualdade e justiça social, a todos os cidadãos.

4.6 Debater a escola pública

A defesa da escola pública não pode estar prisioneira de qualquer tipo de

ortodoxia sobre o modo como se concretizam os seus ideais e se organizam as suas estruturas

e atividades. A preservação da escola pública passa pela sua capacidade de se atualizar face às

mudanças que ocorreram ao longo do tempo, nos vários domínios da vida social. Entre as

questões mais importantes a debater neste propósito de mudança situa-se a questão da

regulação das políticas educativas e o papel que o Estado, os professores, os pais dos alunos e

a sociedade em geral, devem ter nesse processo.

Como tenho vindo a afirmar em diferentes momentos e contextos (Barroso, 1997,

1998, 1999, 2000) não é possível reduzir o debate sobre os modelos de governação da

educação a uma opção entre, por um lado, uma administração centralizada, planificada e

hierarquizada e por outro, um mercado, descentralizado, concorrencial e autônomo. Existem

outras alternativas na educação pública, entre o centralismo estatal e a livre concorrência do

mercado, entre a fatal burocracia do sector público e o mito da gestão empresarial, entre o

súbdito e o cliente.

nem o Estado, nem a sociedade civil constituem um contexto adequado para o exercício de uma cidadania ativa e democrática, através da qual seja alcançada a justiça social. A reafirmação dos direitos dos cidadãos em educação parece exigir o desenvolvimento de uma nova esfera pública, algures entre o Estado e a sociedade civil mercantilizada, em que novas formas de associação coletiva possam ser desenvolvidas. Whitty (2002, p. 20)

O desafio reside em saber como sair de um processo de decisão atomizado, para o

assumir de uma responsabilidade coletiva em educação, mas sem recriar um sistema de

planificação supercentralizado.

51

4.7 Promover a escola pública

Finalmente, a promoção da escola pública exige que o Estado continue a

assegurar, como lhe compete a manutenção da escola num espaço de justificação política

(Derouet, 2003)29, sem que isso signifique ser o Estado o detentor único da legitimidade dessa

justificação. Esta alteração do papel do Estado (de burocrata e garante da ordem universal a

regulador das regulações e compositor da diversidade local e individual) insere-se no que

Dubet (2002)30 chama de declínio do programa institucional.

Finalmente, a promoção da escola pública exige que o Estado continue a

assegurar, como lhe compete a manutenção da escola num espaço de justificação política

(Derouet, 2003), sem que isso signifique ser o Estado o detentor único da legitimidade dessa

justificação. Esta alteração do papel do Estado (de burocrata e garante da ordem universal a

regulador das regulações e compositor da diversidade local e individual) insere-se no que

Dubet (2002)31 chama de declínio do programa institucional.

4.7 Investindo

A democratização da gestão, até bem pouco tempo, sinônimo de processo de

escolha dos que vão dirigir, faz parte de nossas preocupações mais recentes, indicando a

necessidade de um olhar crítico para nossas práticas cotidianas na esperança de que elas

possam funcionar como elementos fomentadores de ações mais afinadas com as linhas de uma

escola comprometida com os interesses dos filhos da classe trabalhadora”.(Gestão

democrática, 2001, Antonio Eugênio do Nascimento, p. 125)

Uma vez recuperadas as instalações escolares é chegado o momento de se investir

na melhoria da qualidade do ensino, o qual entendo que se deve ter o mínimo nos dias de

hoje, como exemplo, computadores, copiadoras, retro-projetores e, principalmente, condições

de trabalho, tanto para o professor quanto para o aluno.

29 DEROUET, Jean-Louis (2003). L’avenir d’une illusion ou Comment refonder le projet du collège unique dans une société postmoderne. In : DEROUET, Jean-Louis, dir. Le collège unique en question. Paris : PUF30 DUBET, François (2002). Le déclin de l’institution. Paris : Éditions du Seuil. 31 DUBET, François e DURU-BELLAT, Marie (2000). L’hypocrisie scolaire. Pour un collège enfin démocratique. Paris : Éditions du Seuil.

52

Em apenas um ano de trabalho já tínhamos três computadores, duas maquinas

xerox, dois mimeógrafos elétricos e reinstalação da antena parabólica para acompanharmos a

programação da TV escola.

Já em 2000, passamos a investir em um programa de computador no qual o alvo é

simplificar todo trabalho de secretaria, administração e pedagógico, vale ressaltar que o

desenvolvimento deste programa se deu no âmbito da própria unidade escolar, utilizando mão

de obra da própria comunidade, tornando desta forma bem mais em conta os custos. Com a

implantação deste programa o qual passamos a chamá-lo de SCA (Sistema de Controle do

Aluno) nos permite gerenciar o aluno desde sua chegada à escola até sua formação.

Em três anos de gestão já tivemos eleição direta com uma aprovação de 95,7 % o

que nos dá uma credibilidade e ânimo para continuarmos nesta luta, que é lutar em prol de

uma educação de qualidade, um serviço público que respeite o contribuinte.

Hoje nossa escola conta com rede administrativa de computadores integrando

totalmente os trabalhos de todos setores da escola, dando melhor atendimento aos nossos

alunos e responsáveis. Já temos um grêmio estudantil atuante, com uma sala em que os

demais alunos tem acesso a computadores para executarem seus trabalhos escolares, podem

fazer consulta em um terminal sobre seu desempenho escolar, boletim com notas e faltas. Os

pais podem também acompanhar através de relatórios emitidos pela escola, a freqüência diária

de seus filhos, sabendo a hora de chegada e saída da escola; já os professores contam com

todo apoio administrativo para trabalhar, têm a disposição computador, diário de classe

personalizado e informatizado, provas únicas a cada bimestre, o que permite um planejamento

por área de atuação para que todos trabalhem os mesmos conteúdos em suas turmas.

De acordo com Angélica Sátiro, o Projeto Pedagógico deve envolver várias

dimensões: uma dimensão da aprendizagem da qual se deduzem formas de ensino; uma

dimensão dos valores, portanto ética; uma dimensão política que explicita o lugar que a escola

imagina e pensa ocupar dentro da sociedade, incluindo os lugares que imagina que seus

alunos nela deverão ocupar.32

32 http://www.feamig.br/capitulo3.htm - acesso em dezembro 2004

53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A gestão democrática da escola pública deve ser incluída no rol de práticas

sociais que podem contribuir para consciência democrática e a participação popular no

interior da escola. Esta consciência e esta participação, é preciso reconhecer, não tem a

virtualidade de transformar a escola numa escola de qualidade, mas tem o mérito de implantar

uma nova cultura na escola: a politização, o debate, a liberdade de se organizar, em síntese, as

condições essenciais para os sujeitos e os coletivos se organizarem pela efetividade do direito

fundamental: acesso e permanência dos filhos das classes populares na escola

pública”.(Gestão democrática, 2001, João Batista Bastos, p.22).

O texto em epígrafe, o educador João Batista Bastos coloca com muita

propriedade a função da escola pública e, é nesses passos que trabalha o CIEP 476 – Santa

Cruz da Serra, fazendo uma “Escola pública de verdade” com a participação de todos os

seguimentos da escola e da comunidade, já que recentemente foi eleito o primeiro Conselho

Escolar, e está em andamento a discussão do regimento interno da escola, o planejamento

financeiro e outras medidas de interesse da comunidade escolar.

Continuar firme, no propósito de sempre ter uma escola que possa oferecer

qualidade ao aluno é a preocupação de sempre estar discutindo com a comunidade escolar as

melhorias em todos setores da escola.

Este é o pensamento que permeia as ações no CIEP 476 - Santa Cruz da Serra:

Instituir uma gestão democrática participativa que permita a construção coletiva de um

ambiente em que todos os seguimentos da escola e comunidade participem das decisões

administrativas, pedagógicas e financeiras. Construindo desta forma uma educação solidária e

de Qualidade.

“Como administrador público tenho o direito de errar, mas

jamais posso mentir” (Paulo Freire , 1996)

54

BIBLIOGRAFIA

ABU-DUHOU, I. Uma gestão mais autônoma das escolas. Brasília: UNESCO, IIEP, 2002.

AFONSO, N. (1995) A administração escolar reflexões em confronto (mesa redonda), In Macedo, B., A administração escolar reflexões em confronto (mesa redonda), Inovação, 8, pp. 7-40.

BALL, Stephen (1994). Education Reform. A critical and post-structural approach. Buckingham: Open University Press.

BARROSO, J. (1991). Modos de organização pedagógica e processos de gestão da escola: sentido de uma evolução. In Inovação, 4, p.p. 55-86.

BARROSO, J. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In: FERREIRA, N. (org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

BARROSO, João, (1999). Regulação e autonomia da escola pública: o papel do Estado, dos professores e dos pais. In: Inovação, vol.12, nº3, 1999, pp. 9-33.

BASTOS, João Batista. (org.).Gestão Democrática. Rio de Janeiro. DP&A editora, 2001. p. 7

CANÁRIO, R. (1992). O estabelecimento de ensino no contexto local. In Canário. R. (org). Inovação e projeto educativo de escola. Lisboa: EDUCA, pp. 57-85.

CISEKI, A. A. Conselhos de escola: coletivos instituintes da escola cidadã. In: BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Salto para o futuro: construindo a escola cidadã, projeto político-pedagógico. Brasília, 1998. p. 43 - 52.

CUNHA, P. (1997). O desenvolvimento do novo modelo de administração e gestão das escolas: desvios e aprofundamentos. In Cunha, P.. Educação em Debate. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 241-257

DALE, Roger (1994). A promoção do mercado educacional e a polarização da educação. In: Educação, Sociedade & Culturas, nº 2, pp. 109-139.

DEROUET, Jean-Louis (2003). L’avenir d’une illusion ou Comment refonder le projet du collège unique dans une société postmoderne. In : DEROUET, Jean-Louis, dir. Le collège unique en question. Paris : PUF

DOURADO, L. F. A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação no Brasil. In: FERREIRA, N.(org). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

DUBET, François (2002). Le déclin de l’institution. Paris : Éditions du Seuil.

DUBET, François e DURU-BELLAT, Marie (2000). L’hypocrisie scolaire. Pour un collège enfin démocratique. Paris : Éditions du Seuil.

55

FAZENDA, Ivani. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro - efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 1992.

FREIRE, P (1996). Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

JANELA Almerindo Afonso, Políticas Contemporâneas e Avaliação Educacional, inReformas da Educação Pública: Democratização, Modernização, Neoliberalismo - Edições Afrontamento, 2002

LEMOS, V. (1997). A Gestão Escolar. In Cunha, P.. Educação em Debate. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, pp. 259-273

LIMA, Licínio Modernização, Racionalização e Otimização: perspectivas neotaylorianas na organização e administração da educação in Reformas da Educação Pública -Democratização, Modernização, Neoliberalismo - Edições Afrontamento, 2002

MACEDO, B. (1991) Projeto educativo de escola: do porquê construí-lo à gênese da construção. In Inovação, 4, pp. 127-139.

MADEIRA, A. (1995). A importância do diagnóstico da situação na elaboração do projeto educativo de escola. In Inovação, 8, pp. 167-189.

MEDEIROS, I. L. A gestão democrática na rede municipal de educação de Porto Alegre, de 1989 a 2000 - a tensão entre reforma e mudança. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Dissertação (Mestrado em Educação). Porto Alegre, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

NAGEL, T. (1991). Equality and Partiality. Oxford: Oxford University Press.

NÓVOA, Antônio (org.) Formação de professores e profissão docente. IN:Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote: Instituto de Inovação Educacional, 1992.

PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática na escola pública. São Paulo. Ática. 1977.

PINHAL, J. (1993). L’émergence du territoire educatif (tradução), Dissertação de D.E.A. em Ciências da Educação, Universidade de Caen-France (não publicado).

PLANT, R. (1992). Enterprise in its place: the moral limits of markets. In: P. Heelas and P. Morris, eds. The values of the enterprise cultural: the moral debate. London: Routledge

SOARES, Holgonsi & M. Arleth Pereira. O sentido da autonomia no processo de globalização. Santa Maria: UFSM-mimeo., 1997.

TYACK, David & CUBAN, Larry (1995). Tinkering Toward Utopia. A Century of Public School Reform. Cambridge: Harvard University Press.

WHITTY, Geoff (2002). Making Sense of Education Policy. London: Paul Chapman Publishing.