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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO TACIANA ALVES DE PAULA ROCHA A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO: Ensino Fundamental Regular em Ação Civil Pública no Brasil RECIFE/2008

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO · RESUMO Nos dias atuais muito se tem falado sobre a [in]eficiência do processo

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO

TACIANA ALVES DE PAULA ROCHA

A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO:

Ensino Fundamental Regular em Ação Civil Pública no Brasil

RECIFE/2008

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos Pedro e João, pelo carinho com que acompanharam cada etapa deste trabalho; Aos meus pais, Zenaldo e Marilu, pelos ensinamentos; Ao meu irmão Rosalvo e à Christiana, que se tornou irmã, pelo apoio; Ao meu orientador, Prof. Dr. José Elias Dubard de Moura Rocha, pelo incentivo durante convívio no Ministério Público de Pernambuco.

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RESUMO

Nos dias atuais muito se tem falado sobre a [in]eficiência do processo judicial para assegurar a realização de direitos fundamentais devidos pelo Poder Público como o direito à educação, definido na Constituição da República como direito subjetivo público em nível de ensino fundamental. A prática decorrente da atuação na Promotoria de Defesa da Educação da Capital [Ministério Público de Pernambuco] vem mostrando que a ação civil pública [instrumento processual de tutela dos direitos difusos e coletivos], não tem possibilitado a efetiva concretização do direito prestacional à educação [ensino fundamental regular ofertado pelo Poder Público] na forma prevista no ordenamento pátrio. Isto porque a oferta regular de ensino fundamental pressupõe não somente o atendimento à demanda por vagas na rede pública de ensino [aspecto quantitativo], mas também a garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino [aspecto qualitativo], o que envolve disponibilização de bens e serviços pelo Poder Público para satisfação de necessidades educacionais e resulta, em conseqüência, no gasto de recursos públicos. O provimento judicial obtido em ação civil pública [condenação da Fazenda Pública à obrigação de ofertar ensino fundamental regular] não satisfaz as necessidades educacionais formalmente consagradas na Constituição Federal, em razão da limitação política à execução contra a Fazenda Pública [admissível apenas na forma de quantia certa] e, ainda, por força da vinculação das verbas condenatórias a fundos especiais previstos em lei. Tal provimento judicial é monetarizado, obtido em execução por quantia certa, enquanto o provimento educacional, objeto de satisfação de necessidades educacionais, somente é satisfeito por meio de provimentos concretos [bens e serviços educacionais] e, portanto, não vinculados ao sistema jurídico, mas ao econômico, no qual a administração de recursos escassos impõe que os gastos públicos para satisfação de necessidades sejam incluídos em orçamento [previsão orçamentária]. A inexequibilidade do direito prestacional à educação é o problema enfrentado na pesquisa mediante método dialético-hermenêutico, que permite a compreensão da conexão do sistema jurídico com o econômico, tornando, assim, possível a proposição de uma via de eficiência para o direito prestacional à educação. Palavras chave: Direito à educação. Ação civil pública. Demandas

coletivas.

Taciana Alves de Paula Rocha

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ABSTRACT

Nowadays there is much talk of the (in)efficiency of the judicial process in ensuring the consummation of fundamental rights incumbent on the State, such as the right to education, defined in the republic’s constitution as a public subjective right at the level of basic education. Actual practice, as a result of the action of the Department for the Defence of Education of the Capital (Public Prosecution Service of Pernambuco), has shown that a civil public action, a judicial instrument for the protection of diffuse and collective rights, has not made possible the actual implementation of the fundamental right to education (provision of regular basic education by the State), as provided for in Brazil’s juridical order. The fact is that the provision of regular basic education presupposes not only satisfying the demand for places in the public school system (quantitative aspect), but also the guarantee of minimum standards of quality of teaching (qualitative aspect), which involves the State making available the goods and services indispensable for meeting the educational needs and, as a result, the outlay of public resources. The judicial decision obtained in a civil public action (compelling the Treasury to comply with its obligation to provide regular basic education) does not satisfy the educational needs formally set out in Brazil’s constitution by virtue of the political constraint on executing a such a decision against the Treasury, only executable in the form of a cash payment and, in addition, by virtue of the legal linkage of the appropriations to special funds established in law. Such a judicial decision is monetized, being the result of a cash payment execution, whereas the educational provision, intended to meet the educational needs, only satisfied by means of concrete provisions (educational goods and services), and therefore not linked to the judicial system, but to the economic one, in the setting of which the administration of scarce resources for the purpose of satisfying the needs to be met with public funds requires that the proposed expenditure be included in the State’s budget. The failure to execute the constitutional right to education is the subject of this study, the problem being addressed by means of the dialectic hermeneutical method, which permits an understanding of the connection between the judicial and the economic systems, thereby making feasible the proposition of an efficiency route to the implementation of the fundamental right to education. Key words: Right to education. Civil public action. Collective protection.

Taciana Alves de Paula Rocha

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS1

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ACP Ação Civil Pública

C. CIVIL Código Civil

CDC Código de Defesa do Consumidor

CF Constituição Federal

CPC Código de Processo Civil

DJ

DOU

Diário da Justiça

Diário Oficial da União

EC Emenda Constitucional

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNDEB

FUNDEF

PNE

LACP

Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento e de

Valorização do Magistério

Plano Nacional de Educação

Lei de Ação Civil Publica

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

vs Versus

1 Cfr. ASSOCIACAO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10522: abreviação na descrição bibliográfica. Rio de Janeiro, 1988. 9 p.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................

09

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS PRESTACIONAIS

1.1 Considerações preliminares..........................................................................1.2 A concepção histórica dos direitos fundamentais......................................... 1.3 Direitos fundamentais e os modelos [liberal, socialista e social] de Estado.1.3.1 Estado [social] de Direito: direitos de liberdade e de igualdade ................ 1.4 As categorias de direitos fundamentais.........................................................1.5 Direitos fundamentais prestacionais..............................................................1.5.1 Eficácia jurídica...........................................................................................1.5.2 Obstáculos à eficácia jurídica dos direitos fundamentais prestacionais.....1.5.2.1 Dimensão econômica dos direitos fundamentais prestacionais: a administração de recursos escassos..................................................1.5.2.2 Dimensão política dos direitos fundamentais prestacionais: a estrutura do poder político [tripartição de poderes/ federação]............................... 1.5.2.3 Controle político da atividade financeira do Estado: a previsão orçamentária ...........................................................................................

18 26 29 32 39 43 43 45 45 46 49

2. DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO

2.1 Educação como necessidade cultural do homem..........................................2.2 Antecedentes e contextualização do direito à educação..............................2.3 Significação do direito à educação.................................................................2.4 Categorias do direito à educação...................................................................

57 58 64 67

2.4.1 Direito à educação como direito de defesa.................................................2.4.2 Direito à educação como direito de participação........................................2.4.3 Direito à educação como direito prestacional.............................................2.5. Direito prestacional à educação no sistema normativo brasileiro.............. 2.5.1 Ensino fundamental e sua previsão constitucional como direito subjetivo público.................................................................................................................2.5.2 Direito subjetivo público vs direitos [interesses] sociais..............................

68 70 72 75 80 83

3 A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA E O PROVIMENTO JUDICIAL CONTRA O PODER PÚBLICO

3.1 A tutela jurisdicional do direitos sociais prestacionais [interesses sociais]........................................................................................

86

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3.1.1 Interesses sociais: significação e definição legal....................................... 3.1.2 Instrumentos de tutela de interesses sociais: ACP, CDC e CPC............... 3.1.3 A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer............................ 3.1.3.1 Categorias de tutela especifica.............................................................. 3.1.3.2 Técnicas mandamentais da tutela especifica: medidas coercitivas e sub-rogatórias previstas no art. 461 CPC e art. 84 do CDC.................................3.1.3.3 Antecipação de tutela específica.............................................................. 3.2 A tutela jurisdicional do direito prestacional à educação................................ 3.2.1 Tutela específica de obrigação de fazer [ACP de obrigação de fazer contra o Poder Público].........................................................................................3.2.2. Provimentos e técnicas mandamentais em face do Poder Público............3.2.2.1 Antecipação de tutela específica em face do Poder Público....................3.2.2.2 A astreinte e a multa prevista no art. 14 do CPC.....................................3.2.2.3 Outros mecanismos coercitivos contra o Poder Público...........................3.2.3 A tutela executiva em face do Poder Público [execução contra a Fazenda Pública]........................................................................................................ 3.2.4 O provimento judicial contra o Poder Público.............................................

86 89 93 93 94 100 101 101 102 102 104 106 110 113

4. PROVIMENTO JUDICIAL VS PROVIMENTO EDUCACIONAL

4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.1.5 4.2 4.3

Provimento judicial .....................................................................................A jurisdicização de conflitos de interesses sociais.....................................A tensão entre a efetividade do provimento jurisdicional e a legalidade orçamentária...............................................................................................A previsão orçamentária no sistema normativo brasileiro.........................A intervenção judicial em matéria orçamentária.........................................Legalidade orçamentária vs conteúdo do direito prestacional................... Provimento educacional............................................................................. Direito de participação como via de eficiência para o direito prestacional à educação..................................................................................................

114 114 118 120 122 126 129 140

CONCLUSÕES........................................................................................... REFERÊNCIAS ..........................................................................................

147 149

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INTRODUÇÃO

É próprio do homem em suas relações sociais ter desejos, necessidades1

e carências de natureza espiritual, política, social, econômica, cultural, etc. A

pretensão de satisfação de necessidades sociopolíticas conduz o homem, em seu

processo de evolução histórica, a movimentos de reivindicações e impugnações

sociais que culminam em declarações solenes de direitos.

O ponto de partida da pesquisa é, portanto, a relação que se apresenta

entre a existência de necessidades, a exigência de sua satisfação e o

reconhecimento formal de direitos.

Nesta perspectiva, as necessidades educacionais e como tal,

necessidades culturais, porquanto educação é uma manifestação cultural do

homem, se traduzem na linguagem dos direitos.

A educação é solenemente consagrada nas modernas cartas de direitos,

sendo expressamente proclamado no artigo 26, da Declaração Universal de Direitos

do Homem e do Cidadão, de 1948: ´´Toda pessoa tem direito à educação. A

educação deve ser gratuita, pelo menos no que diz respeito ao ensino elementar e

fundamental. O ensino elementar é obrigatório [...]``2.

Na mesma linha, encontra-se previsto no Protocolo Adicional à

Convenção Americana sobre Direitos Humanos [Pacto de San José da Costa Rica]3,

que ´´[...] a educação deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito

pelos direitos do homem, pelo pluralismo, pelas liberdades fundamentais [...]``

estando, igualmente, proclamado como fim da Declaração Mundial sobre a

Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Educativas Básicas de

1ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 707. Sobre a compreensão de necessidades, veja-se: ´´Em geral, dependência do ser vivo em relação a outras coisas ou seres, no que diz respeito à vida ou a quaisquer interesses. Nesse sentido, fala-se de ´´N. materiais`, ´´N. físicas``, ´´N. espirituais``, ´´N. de disciplina``, ´´N. de regras``, ´´N. de liberdade``, ´´N. de afeto``, ´´N. de felicidade``, ´´N. de comunicação``, etc. Qualquer tipo ou forma possível de relação entre o homem e as coisas, ou entre o homem e os outros homens, pode ser considerado sob o aspecto da N., implicando que o ser humano depende dessas relações.`` 2ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS- ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Disponível em: <http://www. mj.gov.br/sedh;ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal_.htm 3 BRASIL, Decreto n. 678, de 6 de novembro de l992. Promulga a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22 de novembro de l969.

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Aprendizagem4, sendo essas necessidades ali relacionadas não somente aos

instrumentos de aprendizagem formal, como leitura, escrita e cálculo, mas também

aos conteúdos, conhecimentos e valores que se fazem necessários ao pleno

desenvolvimento do homem e para melhoria de sua qualidade de vida.

Na Carta Federal de l988, por sua vez, a educação é incluída entre os

direitos fundamentais sociais5, sendo definida como direito de todos e dever do

Estado e da família, devendo ser promovida com a colaboração da sociedade, ´´[...]

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho``6.

A educação é, portanto, reconhecida na ordem jurídica brasileira como

direito fundamental do homem, inerente ao pleno desenvolvimento da personalidade

humana, condição para uma existência digna e para o exercício da cidadania. E

mais: tem sido apontada como o mais importante entre os direitos fundamentais

consagrados nas cartas constitucionais por se tratar de meio para o exercício dos

demais direitos de cidadania, e, ainda, fator de desenvolvimento social e de

democracia.

A própria Constituição Federal, dada a relevância conferida aos direitos

fundamentais sociais, entre os quais se inclui o direito à educação, tratou de

assegurar instrumentos para sua tutela jurisdicional, incumbindo ao Ministério

Público como função institucional a promoção do inquérito civil e da ação civil

pública para a proteção do patrimônio social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos7.

Por que, então, não vem sendo efetivado o direito à educação na via

jurisdicional?

Se por um lado, é certo dizer que a educação é um direito fundamental,

por outro, não há [ou pelo menos não tem havido] garantia da efetivação desse

direito.

Nessa direção, já sinaliza a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que trata sobre os direitos econômicos,

4ONU, Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990. Disponível em: <http://www.unicef.org/brasil/pt/resouces_10230.htm 5 BRASIL, Constituição Federal. Art. 6º. 6 BRASIL, Constituição Federal, Art. 205. 7 BRASIL, Constituição Federal. Art. 129, inciso III.

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sociais e culturais, quando prescreve o compromisso de adoção de providências

´´[...] a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que

decorrem de normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura [...] na

medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou outros meios apropriados``8.

A referência à efetivação desses direitos, na medida dos recursos

disponíveis, não se faz sem razão.

É que, na linha do pensamento de Agnes Heller, em sua obra Uma

Revisão da Teoria das Necessidades9, os direitos reconhecem as necessidades do

homem, mas não podem garantir a sua satisfação quando se tratam de demandas

cuja satisfação pressupõe a disponibilidade de recursos. Em outras palavras: os

direitos representam necessidades abstratamente adjudicadas em declarações

solenes, cuja satisfação se realiza mediante prestações concretas e, como tal,

necessariamente vinculadas à real existência de recursos disponíveis.

De fato, as necessidades educacionais, que se pretendem satisfeitas na

via jurisdicional para assegurar o pleno desenvolvimento do homem e de sua

existência com dignidade, são abstratamente adjudicadas nas cartas solenes de

direitos, assim como na Constituição Federal de l988.

A satisfação de tais necessidades abstratamente consagradas se realiza,

entretanto, por meio de prestações concretas, voltadas ao processo de ensino-

aprendizagem e, nesse sentido, vincula-se à disponibilidade de meios de produção

[bens e serviços], por sua vez, relacionados ao sistema econômico.

Daí a correlação entre o sistema jurídico, que proclama o direito à

educação como direito de todos e dever do Estado, definido em nível de ensino

fundamental como direito subjetivo público, e o sistema econômico, que proporciona

os meios e recursos indispensáveis à satisfação de tais necessidades educacionais.

A pretensão de efetivação do direito à educação na via jurisdicional leva,

pois, ao confronto do provimento judicial com o provimento educacional,

correspondente ao objeto de satisfação das necessidades educacionais concretas.

Isso porque o provimento judicial que se obtém por meio de ação civil

pública de obrigação de fazer voltada a obrigar o Poder Público a ofertar ensino

8Organização das Nações Unidas (ONU), Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). 9HELLER, Agnes. Uma revisão da teoria das necessidades. Barcelona: Ediciones Paidós, 1996. Título original: Una revisión de la teoria de las necesidades.

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fundamental regular é monetarizado [converte-se em uma condenação pecuniária

em face da limitação política à execução contra a Fazenda Pública, somente

admissível na forma de quantia certa], ficando as verbas daí decorrentes vinculadas

a fundos especiais, por força de previsão da Lei de Ação Civil Pública10,

inviabilizando-se, assim, na via jurisdicional, o provimento educacional, isto é, o

objeto de satisfação das necessidades educacionais.

Significa dizer que a busca da satisfação de necessidades educacionais

na via jurisdicional conduz à monetarização do provimento judicial e, como tal, a não

satisfação do provimento educacional.

Cumpre, assim, enfrentar o problema da ineficiência do provimento

judicial consistente na condenação do Poder Público à obrigação de ofertar o ensino

fundamental regular em demandas coletivas11.

Esclareça-se que, embora a natureza do tema [tutela jurisdicional do

direito prestacional à educação] possa suscitar as mais variadas e palpitantes

questões, a pesquisa restringir-se-á, por uma questão metodológica, às demandas

judiciais coletivas que tenham por objeto exigir do Poder Público a oferta de ensino

fundamental regular na via da ação civil pública.

A opção pelo ensino em nível fundamental deve-se ao fato de que

somente essa etapa da educação básica é definida na Constituição Federal como

direito público subjetivo, o que implica na possibilidade de ser reivindicado

judicialmente pelo próprio titular12, assim como a opção pelo ensino regular,

excluindo da abordagem a educação especial, educação de jovens e adultos [ensino

fundamental para aqueles que não tiveram acesso na idade própria] e educação

indígena, explica-se porque as especificidades dessas modalidades de ensino

poderiam inviabilizar o tratamento uniformizado do problema e inclusive conduzir a

10BRASIL, Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. 11A esse respeito veja-se: “Contudo, inobstante tais declarações solenes, a realização da satisfação de tais necessidades terminaria – e ainda termina – por não ser concretizada e, desde aí, necessidades elementares, como prestação de serviços educacionais, de saúde, incluídos medicamentos declarados como essenciais, serviços de esgotamento sanitário, de recolhimento de resíduos sólidos (lixo) doméstico e hospitalar, ou até mesmo os mais elementares serviços sempre atribuídos ao poder público, tal como, segurança realizável por meio das polícias militar e judiciária, não encontravam eficiência – e ainda não vêm encontrando – pela via jurisdicional”. ROCHA, J. Elias Dubard de Moura. Interesses coletivos Ineficiência de sua tutela judicial. Curitiba: Juruá editora, 2003, p. 12. 12BRASIL, Constituição Federal. Art. 208. § 2º.

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diferentes hipóteses e conclusões. Por fim, a despeito da legitimidade do Ministério

Público prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente13 para defesa de

interesses individuais afetos à criança e ao adolescente na via da ação civil pública,

não se inserem no tema as demandas individuais por ensino fundamental, mas tão-

somente aquelas de âmbito coletivo14 e como tal com maior repercussão social

porquanto referentes a conflitos de interesses sociais cuja satisfação implica no

dispêndio de recursos pelo Poder Público.

Em síntese, o tema envolve as demandas coletivas que tenham por objeto

a oferta de ensino fundamental regular às crianças com idade escolar entre 6 (seis)

e 15 (quinze) anos nas unidades educacionais das redes públicas de ensino com

vistas à integral satisfação das necessidades educacionais indispensáveis ao regular

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, por meio de ação civil de

obrigação de fazer contra o Poder Público para assegurar, entre outras, que a rede

pública de ensino disponibilize professores em quantitativo suficiente para

atendimento a todas as unidades educacionais; professor habilitado para cada uma

das disciplinas previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional15 para o

nível de ensino ofertado; oferta de vagas compatível com a demanda de alunos em

cada uma das séries do ensino fundamental; oferta de vagas em escolas próximas

à residência do educando, tal como previsto no Estatuto da Criança e do

Adolescente; instalações físicas em condições adequadas ao nível de ensino

ofertado, dispondo de equipamentos como biblioteca, quadra de esportes, etc;

construção de escolas nas comunidades carentes desses serviços educacionais,

entre outras.

Justifica-se a pesquisa pela enorme discrepância existente entre o direito à

educação, definido constitucionalmente como direito subjetivo público em nível de

13BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de l990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 201, V. 14Sobre a distinção entre demandas individuais e coletivas, veja-se: ´´É preciso, pois, que não se confunda defesa de direitos coletivos com defesa coletiva de direitos (individuais). [...] ´Direito coletivo` é designação genérica para as duas modalidades de direitos transindividuais: o difuso e o coletivo stricto sensu. É denominação que se atribui a uma especial categoria de direito material, nascida da superação, hoje indiscutível, da tradicional dicotomia entre interesse público e interesse privado. É direito que não pertence à administração pública e nem a indivíduos particularmente determinados. Pertence, sim, a um grupo de pessoas, a uma classe, a uma categoria, ou à própria sociedade, considerada em seu sentido amplo.`` ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 41. 15BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de l996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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ensino fundamental, e o ensino fundamental regular ofertado pelo Poder Público nas

unidades educacionais das redes públicas de ensino do Estado de Pernambuco, nas

quais se tem verificado flagrante desrespeito ao princípio da garantia de padrões

mínimos de qualidade de ensino, definidos na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional como ´´[...] a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de

insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem``,

em razão da notória falta de professores em quantitativo suficiente para assegurar o

regular desenvolvimento do processo pedagógico e da falta de estrutura adequada

na maior parte das unidades das redes públicas de ensino.

A tensão que aí se verifica entre o reconhecimento do direito prestacional

à educação tal como previsto na Constituição Federal e a sua efetiva realização é

expressão do fenômeno a que Ralf Daherendorf16 denomina conflito social moderno,

caracterizado pela existência de prerrogativa de acesso ao provimento [direito à

educação] e pela inexistência de provimentos suficientes para sua satisfação [bens e

serviços educacionais], o que corresponde a um conflito de interesses sociais17

porquanto referente a necessidades socioeconômicas abstratamente adjudicadas,

cuja satisfação pressupõe provimentos concretos.

Importa acentuar que essa tensão, consoante sustenta José Elias de

Moura Rocha, ao tratar da ineficiência da <<iuris dictio>> contemporânea18 , é, nessa

perspectiva, uma tensão secundária, dado que antecedida por uma tensão que se

verifica no interior da própria jurisdição, caracterizada pela tensão entre os modelos

normativos da pessoa humana, o abstrato que pressupõe a omissão do Estado

[direitos de defesa] e o concreto, sujeito inserido em um sistema de necessidades,

que demanda prestações concretas por parte do Estado [direitos prestacionais], no

16DAHERENDORF, Ralf. O conflito social moderno. Um ensaio sobre a política da liberdade. São Paulo: Edusp, 1992. p. 14. 17A compreensão de interesse aqui adotada segue a definição de Carnelutti, no sentido de relação de complementariedade entre aquele que apresenta a necessidade e o objeto de satisfação. Cfr. CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Rodrigues Queirós e Arthur Anselmo de Castro. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 2006. p. 85. 18Nesse sentido veja-se: ´´Então, a tese a ser sustentada é que a ineficiência da iuris dictio contemporânea decorre da simultaneidade dos modelos conceituais normativos de pessoa humana (abstrata/apriorística/ahistórica versus concreta/posteriorística/histórica) como eixo de conexão das dimensões (política, normativa e teleológica) de uma mesma iuris dictio que se tensiona provocando o paradoxo da significação do direito e da pré-compreensão da judicatura como tal no interior dos marcos investigatórios o que faz transmudar a iuris dictio como zona de tensão (de litígios) mediada em zona de mediação (dos modelos conceituais normativos da pessoa humana) tensionada``. ROCHA, José Elias Dubard de Moura. Interesses coletivos: ineficiência de sua tutela judicial. Curitiba: Juruá, 2003. p. 17.

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mesmo sistema normativo, como é o caso do sistema brasileiro [modelo de Estado

social e democrático de Direito], provocando antinomias que sugerem como via

conciliatória19 o exercício do direito de participação.

A hipótese do trabalho é, nessa linha, a de que a inexequibilidade do

direito prestacional à educação [ensino fundamental regular] na via jurisdicional, em

face da tripartição dos poderes, pode ser superada por meio do exercício do direito

de participação.

O método utilizado é o dialético-hermenêutico. Dialético porque ´´penetra

no mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca``20 e hermenêutico porque

o fenômeno jurídico, como de resto as ´´ciências do espírito``, pressupõe o

processo de compreensão e construção de significados21. É que, estando a ordem

jurídica em conexão com as demais ordens, como a política e a econômica e, dessa

forma, relacionando-se o direito com a realidade concreta, faz-se necessário uma

compreensão que não reduza o jurídico ao aspecto normativo, pressupondo, assim,

um trabalho hermenêutico.22

De fato, as necessidades educacionais que se pretendem satisfeitas na via

jurisdicional somente são realizadas por meio de provimentos concretos [bens e

serviços], e como tal alheios ao sistema jurídico, impondo-se o reconhecimento de

que o sistema jurídico, como fenômeno, está inserido em uma realidade social

concreta [sistema social], por sua vez, integrada pelo sistema econômico.

19É o que sustenta ao afirmar: ´´A vocação conciliatória da judicatura brasileira enfrenta-se na

concretização da conciliação entre o princípio de racionalidade do Estado de Direito liberal – direitos de omissão- e a realização das exigências, igualmente racionais, da sociabilidade e democratização``. Ibid., p. 188. 20Sobre método de abordagem cfr. LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. Editora Atlas. p. 106. 21A esse respeito, acentua Josef Bleicher: ´´Segue-se que a compreensão é aqui o reconhecimento e a reconstituição de um sentido – e, com ele, da mente que se conhece através das formas das suas objetivações – que se dirige a uma mente pensante que lhe é afim, na base de uma humanidade partilhada; congregação e reunião destas formas, com a totalidade interior que lhes deu origem e das quais se separam [...] O que se registra aqui é, então, uma inversão do processo criativo: no processo hermenêutico, o intérprete reconstitui os passos na direção inversa, repensando-os no seu íntimo.`` BLEICHER, Josef. Hermenêutica contemporânea. Lisboa: Edições 70, 2002. p. 94. 22SALDANHA, Nelson. Ordem e hermenêutica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 265. ´´A idéia de pré-compreensão, que em todas as ciências sociais se relaciona com a historicidade, vincula-se também ao fato de que cada um dos ´´setores`` da vida social integra uma ordem. Assim temos, atravessadas todas pela historicidade que é tempo vivificador e transformador, a ordem econômica, a política, a jurídica: todas juntas, compõem a ordem social em sentido genérico, e cada uma se encontra no social como em um contexto maior. Para compreender-se um dado ocorrente em qualquer destes setores, tem-se de situá-lo na ordem em que ocorre: na econômica, na jurídica, na política. E com isso situá-lo num quadro de tempo e de espaço, onde se acham valores e estruturas.

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Com base em uma metodologia operativa23, que viabiliza a passagem de

um campo epistemológico para outro, parte-se, então, do sistema jurídico [onde está

identificado o problema da ineficiência do provimento judicial], passa-se ao sistema

econômico [onde a economia de mercado leva a uma quantificação das

necessidades em valores monetários e a administração de recursos escassos impõe

a previsão orçamentária para realização de necessidades pelo Poder Público],

retornando-se, enfim, ao sistema jurídico para a solução do problema.

Assim, no Capítulo I, a abordagem parte da relação entre necessidades e

direitos, isto é, da existência de necessidades, como decorrência natural da vida

social do homem, exigência de satisfação dessas necessidades e sua conexão com

os direitos formalmente reconhecidos. A perspectiva adotada é, na linha sustentada

por Agnes Heller, a de que os direitos reconhecem as necessidades do homem mas

não asseguram a sua satisfação quando esta depende da disponibilidade de

recursos, daí resultando o fenômeno chamado conflito social moderno, ou conflito

de interesses sociais, caracterizado pela existência de prerrogativa de acesso ao

provimento [direito] e inexistência de provimentos [bens e serviços] suficientes para

sua satisfação, enfocando-se, na esteira do pensamento Habermas24, que a

compreensão do direito prestacional à educação na via jurisdicional se faz a partir

da pré-compreensão da judicatura e da significação do direito. Em seguida, são

descritas as categorias de direitos fundamentais, com especial relevo para os

direitos prestacionais, categoria em que se inclui o direito à educação [oferta de

ensino fundamental pelo Poder Público] demonstrando-se a dimensão econômica e

política dessa categoria de direitos e os conseqüentes obstáculos à sua efetivação.

No Capítulo II, o direito à educação é enfocado segundo as diferentes

categorias, direito de defesa, direito de participação e direito prestacional, com seus

distintos significados, passando-se, em seguida, a abordagem do direito prestacional

à educação tal como definido no sistema normativo brasileiro;

No Capítulo III, é abordada a tutela jurisdicional de direitos fundamentais

prestacionais, na via da ação civil pública, instrumento processual manejado pelo

23Cfr. ROCHA, José Elias Dubard de. Sistema processual: do sistemático ao sistêmico. In: Direito, cidadania & processo. Recife: FASA, 2006. p. 309-331. 24Cfr. HABERMAS, Jurgen. La lógica de las ciências sociales. Madrid: Editorial Tecnos, 2002. p.38-

40.

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Ministério Público no exercício de suas atribuições constitucionais, enfocando-se, em

particular, os mecanismos e técnicas mandamentais próprios da tutela específica de

obrigações de fazer e não fazer, com as inovações trazidas pela reforma do CPC [as

chamadas ondas renovatórias] com vistas à efetividade processual, passando-se em

seguida, ao provimento jurisdicional [monetarizado em face da condenação da

Fazenda Pública em quantia certa] e mecanismos contra o descumprimento de

ordem judicial.

No Capítulo IV, faz-se o confronto entre o provimento judicial e o

provimento educacional, partindo da monetarização do provimento judicial que não

satisfaz o objeto das necessidades educacionais, ficando a satisfação dessas

necessidades concretas demandadas na via jurisdicional sujeita à previsão

orçamentária. A tensão entre a efetivação do provimento judicial e o respeito à lei

orçamentária sugere questionamentos, tais como: o fato de ser o ensino

fundamental previsto como direito subjetivo público e haver previsão constitucional

de transferência de percentuais mínimos de receitas da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios para aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino

fundamental autorizaria o Judiciário a decidir sobre o conteúdo de uma política

educacional sem previsão da despesa em lei orçamentária? Seria a decisão do

Judiciário que implique na definição de políticas públicas compatível com um Estado

Democrático de Direito? A discussão crítica dessas questões leva, então, à

confirmação da hipótese, em razão do modelo de Estado adotado pela Constituição

Federal de 1988 [Estado social e democrático de Direito], e à conseqüente

proposição de solução para o problema.

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1 DIREITOS FUNDAMENTAIS PRESTACIONAIS

Em suas reivindicações, os grupos da sociedade civil utilizam normalmente a linguagem dos direitos. <O direito a algo> é a autorização legal para ter uma necessidade desse tipo. Não obstante, podem produzir-se sérias tensões, entre os direitos, por um lado, e a satisfação das necessidades, por outro. Os direitos reconhecem as necessidades, mas não podem garantir sua satisfação onde há demandas em conflito acerca de recursos escassamente disponíveis. (Tradução nossa) Agnes Heller 1

1.1 Considerações preliminares

A vida do homem em comunidade faz surgir necessidades de várias

ordens, sejam elas de natureza econômica, social, política, espiritual, cultural,

emocional, psicológica e outras inerentes à sua condição humana. Estando

relacionadas ao homem enquanto ser sociopolítico, as necessidades

apresentam-se, consoante acentua Agnes Heller, como uma categoria social.

Distinguem-se, assim, as necessidades em seus diferentes

aspectos: as necessidades propriamente ditas, que são as necessidades

individuais concretas; as que decorrem de uma relação subjetivo-psicológica do

indivíduo com as necessidades e, como tal, permanecem muitas vezes no

plano do inconsciente, os desejos, e aquelas decorrentes de uma relação

1 HELLER, Agnes. Uma revisão da teoria das necessidades. [Una revisión de la teoria de las necesidades]. Barcelona: Ediciones Paidós, 1996. p. 102. (En sus impugnaciones, los grupos de la sociedade civil utilizan normalmente el lenguaje de los derechos.<<El derecho a algo>> es la autorización legal para tener una necessidad de ese tipo. Sin embargo, pueden producirse serias tensiones entre los derechos, por un lado, y la satisfacción de las necessidades, por outro. Los derechos reconocen las necessidades, pero no pueden garantizar su satisfacción allí donde hay demandas en conflicto acerca de recursos escasamente disponibles).

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social atributiva de necessidades, carências2, isto é, necessidades

sociopolíticas que são abstratamente atribuídas pela sociedade a seus

membros.

As necessidades sociopolíticas [carências] são abstrações. É que,

nas palavras de Agnes Heller, descrevem um tipo ou classe de necessidade

que a sociedade atribui abstratamente a seus membros ou a alguns de seus

membros, não se confundindo com as necessidades concretas dos indivíduos3.

Referem-se a certas necessidades ou conjuntos de necessidades que passam

a adquirir identidade quando atribuídos abstratamente a um grupo de pessoas.

Sendo uma atribuição social, as necessidades sociopolíticas estão

sujeitas a transformações ao longo da história, dado que relacionadas ao

próprio estágio de evolução da pessoa humana, distinguindo-se as

necessidades manifestadas pelo homem em sociedades pré-modernas

daquelas surgidas em sociedades modernas e, sobretudo, a forma de

distribuição dessas necessidades.

Nas sociedades pré-modernas, a distribuição de necessidades se

dava pelo nascimento e em função da posição social ocupada, sendo, desse

modo, uma distribuição qualitativa de necessidades entre grupos distintos4.

Diferentemente, como salienta Agnes Heller, se ´´Na percepção

moderna todo mundo nasce livre dotado de igual razão e consciência ao

nascer; nada legitima o atribuir necessidades pelo nascimento`` (Tradução

2 Sobre as diferentes categorias de necessidades, veja-se: ´´O desejo manifesta (direta ou indiretamente) nossa relação psicológico-emocional e subjetiva com as necessidades, enquanto que as carências (necessidades sociopolíticas) descrevem um tipo ou classe de necessidade que a sociedade atribui a seus membros (ou a alguns de seus membros) em geral``.(Tradução nossa). (El deseo manifesta (directa o indirectamente) nuestra relación psicológico-emocional y subjetiva con las necesidades, mientras que las carencias (necesidades sociopolíticas) describen un tipo o classe de necesidad que la sociedad atribuye o asigna a sus miembros (o a alguno de sus miembros) en general). HELLER, 1996, p. 85. Cfr., também, ROIG AÑON, Maria José. Necessidades e direitos. Um ensaio de fundamentação. [Necesidades y Derechos. Un ensayo de fundamentación]. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1994. p. 31. 3 Cfr. HELLER, 1996, p. 85. 4 A esse respeito, Agnes Heller acentua:´´Quando as necessidades eram distribuídas a distintos níveis sociais em fardos qualitativamente distintos, uma pessoa que pertencesse por nascimento a um status social não podia almejar algo que satisfizesse necessidades distribuídas a outra camada social.``(Tradução nossa). (Cuando las necesidades eran distribuídas a distintos estamentos en fardos cualitativamente distinguibles, una persona que pertencia por nacimiento a un estamento no podía codiciar algo que satisficiera aquello empacado en un fardo de necesidades distribuido a outro estamento. ) ibid. p. 91.

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nossa)5, de modo que as distinções deixam de ser qualitativas cedendo lugar a

distinções quantitativas ou quantificáveis pelo dinheiro. Significa dizer, ainda

com Agnes Heller, que ´´a distribuição moderna de necessidades é, portanto,

totalmente quantitativa; pode ser monetarizada por completo (Tradução

nossa)6``.

A passagem das sociedades pré-modernas para as modernas está,

assim, marcada pela transição de uma distribuição qualitativa de necessidades

a uma distribuição quantitativa, caracterizada pela monetarização das

economias de mercado.

Nesse processo de evolução histórica, as necessidades

sociopolíticas são reivindicadas pelo homem em seus movimentos libertários e

impugnações sociais, sendo traduzidas na linguagem dos direitos.

Em outras palavras: as necessidades sociopolíticas são

reconhecidas socialmente e como tal consagradas abstratamente nas

declarações solenes de direitos, isto é, são atribuídas socialmente como

abstração.

São, portanto, abstratos os objetos de satisfação das necessidades

sociopolíticas consagradas nas declarações de direitos, embora concretos os

objetos de satisfação pretendidos pelas reivindicações sociais, podendo-se

dizer com Heller

[...] as necessidades sociopolíticas (carências) são permissões. Os direitos também são permissões. Na medida em que as necessidades são atribuídas/adscritas e legalmente codificadas, uma pessoa tem direito a manifestar /reclamar essa necessidade. A necessidade é então reconhecida socialmente. É possível que não se tenha proporcionado ainda satisfação para ela; mas isso é visto como uma anomalia a sanar (Tradução nossa)7.

5 HELLER, 1996, p. 91. (En la percepción moderna todo el mundo nace libre dotado por igual razón y conciencia al nacer; nada legitima el atribuir necesidades por el nacimiento). 6 Ibid., p. 90. (La distribuición moderna de necesidades es, por tanto, totalmente cuantitativa; puede ser monetarizada al completo). 7Ibid., p.106. ([...] las necesidades sociopolítcas (carências) son permisos. Los derechos también son permisos. En la medida que las necesidades son atribuídas/adscritas e legalmente codificadas, uno tiene derecho a manifestar/reclamar esa necesidad. La necesidad es entonces reconocida socialmente. Es posible que no se haya proporcionado aún satisfacción para ella; pero esto es visto como una anomalía a subsanar).

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O grande paradoxo que se apresenta é, portanto, a tensão

evidenciada entre o conteúdo das declarações solenes de direitos e a garantia

de sua efetiva satisfação. Em outras palavras, o choque entre o direito

reconhecido e o direito efetivamente protegido.

Essa perspectiva é enfocada por Norberto Bobbio, em A era dos

direitos, ao salientar, de um lado, a importância da linguagem dos direitos no

reconhecimento das reivindicações de necessidades sociopolíticas (carências)

e de outro, a distância entre os direitos proclamados e os efetivamente

garantidos. É que consoante acentua

A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido. Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem direitos” 8.

A constatação dessa distorção é feita, também, por Agnes Heller, ao

´´[...] recordar que a atribuição de necessidades não se acompanha

necessariamente dos objetos que as satisfazem``(Tradução nossa)9, e, nesse

sentido assinala que

A idéia mais ambiciosa que podemos alimentar no presente é a diminuição da distância entre as necessidades adscritas, por um lado, e a provisão de sua satisfação, por outro, ao menos na medida em que concerne à <<humanidade>> (Tradução nossa)10 .

8 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de Celso Lafer. Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2004. p. 29. 9 HELLER, 1996, p. 113. ([...] recordar que la asignación de necesidades no se acompaña necesariamente de los objetos que las satisfacen).

10Ibid., p. 117. (La idea más ambiciosa que podemos alimentar en el presente es el acortamiento de la distancia entre las necessidades adscritas, por un lado, y la provisión de su satisfacción, por otra, al menos en la medida en que concierne a la <humanidad>).

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De fato, o reconhecimento de necessidades socioeconômicas

[abstratas] em declarações solenes de direito leva a um problema: a satisfação

de necessidades, com expressão econômica, pressupõe a disponibilidade de

recursos naturais, em regra escassos e, portanto, limitados, chocando-se a

pretensão de realização das necessidades adjudicadas em declarações

solenes com a escassez dos objetos [concretos] de satisfação.

Segundo acentua Agnes Heller ´´As necessidades econômicas,

sociais e políticas estão sempre relacionadas e são todas necessidades

culturais``11, no entanto, distinguem-se as necessidades políticas das

necessidades espirituais e econômicas, no que concerne à sua satisfação,

porquanto

As principais necessidades políticas (a necessidade de igual cidadania e de igualdade perante a lei) não são mercadorias escassas. O reconhecimento geral da cidadania (e o direito de voto sem restrições) segue normalmente com rapidez a auto-atribuição geral dessas necessidades. No que concerne às necessidades socioeconômicas não é este o caso; há um limite à satisfação, a saber, os recursos disponíveis12.

Significa dizer que a satisfação de necessidades socioeconômicas de

uma forma geral, diferentemente das necessidades políticas, está condicionada

ao limite imposto pela disponibilidade de recursos.

Assim, também, as necessidades educacionais, que são

necessidades culturais do homem e como tal, têm a sua satisfação vinculada,

de igual modo, aos recursos disponíveis.

A tensão provocada pela não satisfação de carências adjudicadas em

declarações solenes de direitos provoca um conflito de interesses sociais, ou

11A respeito da natureza das necessidades assinala Agnes Heller: (Normalmente, las necesidades son divididas en económicas, sociales, políticas, espirituales, culturales, emocionales, psicológicas, etc. Las necesidades económicas, sociales y políticas están siempre relacionadas y son todas necesidades culturales en el sentido más amplio de la palabra.). HELLER, 1996, p. 119. 12Ibid., p. 100. (Las principais necesidades políticas ( la necesidade de igual ciudadanía y de igualdade ante la ley) no son mercancías escasas. El reconocimiento general de la ciudadanía (y el derecho de voto sin restricciones) sigue normalmente con rapidez a la autoatribución general de esas necesidades. En lo que atañe a las necesidades socioeconómicas no es ése el caso; hay un limite a la satisfacción, a saber, los recursos disponibles ).

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seja, um conflito social de interesses, referente a necessidades

socioeconômicas concretas não satisfeitas em razão da insuficiência de

recursos disponíveis.

Trata-se, portanto, de um dos aspectos do fenômeno a que Ralf

Dahrendorf denomina de conflito social moderno, que tem como marco

historiográfico a Revolução Francesa e a Revolução Industrial do século XVIII,

e relaciona-se às expectativas de satisfação de necessidades traduzidas na

idéia de cidadania, de um lado e crescimento econômico, de outro.

Daí que, acentua Ralf Dahrendorf, ´´um antagonismo em especial

abre os nossos olhos para processos nucleares da sociedade e da política

modernas. É o que ocorre entre a riqueza e a cidadania``13 ou ainda, como

passa a identificá-los, entre provimentos e prerrogativas, destacando neste

sentido que

A Revolução Industrial foi em primeira instância, uma revolução de provimentos. Ela levou a grandes crescimentos na riqueza das nações. A Revolução Francesa, por outro lado, foi uma revolução de prerrogativas. Ela estabeleceu um novo estágio no progresso dos direitos do homem e do cidadão. No século XVIII, e no interesse da burguesia as duas poderiam ter se aproximado. Desde então afastaram-se.14.

Esclarece, ainda, Ralf Daherendorf que ´´as prerrogativas não são

por si mesmas boas ou más; elas são meios socialmente definidos de

acesso``15 e afirma, em alusão ao conceito do economista Amartya Sen sobre

prerrogativas, que estas ´´descrevem a relação das pessoas com as

mercadorias, através da qual seu acesso e controle sobre elas é

´´legitimado``16 , ressaltando, inclusive,

[...] que as prerrogativas têm uma qualidade normativa. Enquanto normas sociais, elas têm um nível de fixidez, o que significa dizer que podem ser removidas sem custo. A noção

13DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno. Um ensaio sobre a política da liberdade. São Paulo: Edusp, 1992. p. 14. 14 Ibid., p. 29. 15 Ibid., p. 25. 16 Ibid., p. 26. Sobre o conceito de Amartya Sen acerca de prerrogativas, veja-se: ´´O conceito de Sen de prerrogativa é, com certeza, técnico. Em essência, ele se ´´concentra sobre a capacidade das pessoas de controlar [as coisas] através dos meios legais existentes na sociedade``.

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de norma é mais geral do que a de direito, e obviamente a fixidez das prerrogativas pode variar. Num extremo, direitos básicos são prerrogativas. Eles incluem direitos constitucionalmente garantidos associados à participação como membro numa sociedade. Os direitos de cidadania têm lugar neste contexto17.

Nesse sentido, é que, nas palavras de Daherendorf, a cidadania18 se

manifesta como um conjunto de prerrogativas para acesso aos provimentos

[bens ou serviços], importando observar que as conquistas da modernidade

alteraram as diferenças de prerrogativas até então existentes dado que

[...] ela transforma as diferenças de prerrogativas em diferenças de provimentos. Passamos progressivamente das desigualdades qualitativas para as desigualdades quantitativas. As barreiras de status dão lugar às gradações de status.19.

O conflito social moderno pode traduzir-se, assim, na ´´distinção

entre o acesso popular às coisas, e as coisas que estão realmente lá para

serem desejadas pelo povo``20 porquanto, como adverte Dahrendorf, é

´´possível que não haja barreiras para evitar que o povo tenha acesso aos bens

e serviços que quiser, mas que simplesmente não são suficientes para ele``21,

significando dizer que embora não se verifique qualquer barreira de acesso ao

provimento, porquanto assegurado nas declarações solenes de direitos, como

prerrogativa de acesso, os bens ou serviços que se pretende alcançar podem

não ser suficientes para satisfazer tais necessidades.

17 DAHRENDORF, 1992, p. 27.

18 Sobre a compreensão de cidadania, veja-se: ´´A cidadania é então um conjunto de direitos e obrigações para aqueles que se incluem na lista de membros. A expressão ´´direitos e obrigações`` vem fácil, mas possui percalços. É claro que não estou falando num valor ou ideal. A cidadania é um papel social real. Propicia prerrogativas. Prerrogativas são obviamente direitos, tais como o direito a uma pensão para a velhice. DAHRENDORF, 1992, p. 47. 19 Ibid., p. 44. 20 Ibid., p. 24. 21 A esse respeito Ralf Daherndorf intitula Paradoxo Martinez à contradição entre a situação em que: ´´[...] grandes quantidades e variedades de bens estejam disponíveis, no sentido de estarem fisicamente presentes onde se pode esperar encontrá-las, como em lojas, mas que muitos não sejam capazes de colocar suas mãos sobre elas legalmente e a situação oposta na qual: ´´[...] a revolução transformou um mundo de abundância para poucos num mundo de pouco para todos``. DAHERNDORF, 1992, p.23.

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Esse é, em última análise, o conflito social moderno [conflito social

de interesses] que se pretende resolver pela via do judiciário, mediante

instrumento de tutela jurisdicional de interesses sociais [difusos e coletivos],

previsto na legislação pátria, a ação civil pública.

Importa acentuar que em razão da natureza desses conflitos de

interesses sociais [relacionados a necessidades socioeconômicas

abstratamente consagradas em declarações solenes de direitos], há de se ter

em vista que o processo de investigação que se realiza no processo judicial,

instrumento destinado à solução desses conflitos de interesses, pressupõe a

pré-compreensão da judicatura como expressão do poder político. É que, na

linha do pensamento de Habbermas

[...] não basta conhecer o fim específico de uma investigação e a relevância que uma investigação possa ter para determinadas hipóteses; antes disso há que haver entendido o sentido do processo de investigação em conjunto para poder saber a que se refere a validez empírica dos enunciados básicos em geral – assim como o juiz tem que haver entendido o sentido da judicatura como tal (Tradução nossa)22.

De fato, o sentido da judicatura altera-se em função do modelo de

Estado adotado. Assim é que a atuação do Judiciário no Estado social de

Direito difere da adotada no Estado liberal porquanto neste último, tratando-se

de Estado abstencionista, o juiz não pode [deve] ultrapassar os limites da

esfera de autonomia privada, sob pena de arbítrio, prevalecendo, nesse

modelo de Estado, demandas de natureza individual [lides individuais]. No

Estado social, diferentemente, cuja postura há de ser intervencionista para

cumprimento de sua finalidade social, o Judiciário é levado a atuar em conflitos

de interesses sociais, não mais adstritos à esfera de autonomia individual,

22HABERMAS, Jurgen. A lógica das ciências sociais. [La lógica de las ciencias sociales]. Madrid. Editorial Tecnos, 2002. p. 38. ([...] no basta con conocer el fin específico de una investigación y la relevancia que una investigación pueda tenter para determinadas hipóteses; antes bien, hay que haber entendido el sentido del proceso de investagación en conjunto, para poder saber a que se refiere la validez empirica de los enunciados básicos en general – asi como el juez tiene que haber entendido previamente el sentido de la judicatura como tal).

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passando, pois, a intervir em demandas de natureza coletiva [lides coletivas]

que representem reivindicações de necessidades socioeconômicas23.

E mais: há que se compreender o sentido ou a significação do direito,

dado que, as necessidades socioeconômicas são formalmente reconhecidas

em declarações solenes [prerrogativas de acesso], ficando sua satisfação por

meio de prestações concretas [provimentos] limitada em razão da escassez de

recursos.

Nessa perspectiva, torna-se necessária a compreensão da própria

significação do direito, porquanto, como também salientado por Habermas,

“[...] com as épocas e estruturas sociais não só mudam os sistemas jurídicos,

como as formas de produção, mas, também, o sentido do direito como tal

[...]``(Tradução nossa) 24.

1.2 A concepção histórica dos direitos fundamentais

A idéia de direitos enquanto adjudicação de carências [necessidades

sociopolíticas] reivindicadas no processo de aquisição das liberdades da

pessoa humana no plano religioso, econômico e político25 traduz a dimensão

23Sobre a distinção de lides individuais e coletivas, veja-se:´´A ´´lide coletiva``, se assim a pudermos chamar, e a ´´lide individual`` são duas lides diferentes: através do pedido das ações coletivas em defesa de direitos superindividuais se requer a tutela de um direito superindividual, indivisivelmente considerado, de que é titular uma comunidade ou uma coletividade de pessoas: a retirada de circulação de produtos perigosos ou a inclusão de um serviço em determinado plano de saúde para todos os associados, v.g. O pedido na ação individual visa à tutela de um direito individual e divisível, cujo titular é o próprio autor: a indenização pelos danos causados ao autor pelo produto defeituoso ou a inclusão do serviço somente para o plano do autor da ação individual. GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p.189. 24HABERMAS, 2002, p. 40. ([...] con las épocas y estructuras sociales no solo cambian los sistemas jurídicos, al igual que las formas de produción, sino también el sentido del derecho como tal[...]). 25Cfr. BOBBIO, 2004, p. 25. : “[...] a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos“.

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histórica desses direitos, porquanto o aparecimentos de novas necessidades

decorrentes da própria dinâmica social impulsiona a luta por novos direitos.

Assim é que os direitos do homem 26 surgem na era moderna na

forma de direitos de liberdade, fruto das conquistas da Revolução Francesa,

como expressão da necessidade de impor limites ao absolutismo então

vigente, passando-se, assim, de uma perspectiva de prioridade dos deveres

diante do soberano à prioridade dos direitos dos cidadãos perante o Estado27.

As transformações operadas pela Revolução Industrial no âmbito

social, por sua vez, provocam novas carências (necessidades

socioeconômicas) resultando na positivação de direitos econômicos, sociais e

culturais, consubstanciados em prestações materiais concretas frente ao

Estado, assim como o surgimento de novas necessidades pressupõem

reivindicações voltadas à sua satisfação e, em conseqüência, a consagração

de novos direitos, como os relacionados à paz, consumidores e meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, cabe acentuar, com Perez Luño,

Os direitos humanos como categorias históricas, que tão-somente podem pronunciar-se com sentido em contextos temporalmente determinados, nascem com a modernidade, [...] Os direitos humanos nascem como é notório, com marcada inata individualidade, como liberdades individuais, que configuram a primeira fase ou geração de direitos humanos [...] Estes movimentos reivindicativos evidenciaram a necessidade de completar o catálogo de direitos e liberdades de primeira geração com uma segunda geração de direitos: os direitos econômicos, sociais e culturais. Estes direitos alcançaram sua paulatina consagração política na substituição

26 Sobre a noção de direitos do homem, acentua Ingo Wolfgang Sarlet: “Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais) comumente utilizados como sinônimos, a explicação [...] procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal”, para todos os povos e tempos [...]“. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. p. 33. 27Cfr. BOBBIO, 2004, p. 24. A esse respeito, veja-se também o que destaca J.J. Canotilho: ´´As liberdades estariam ligadas ao status negativus e através delas visa-se defender a esfera dos cidadãos perante a intervenção do Estado. Daí o nome de direitos de liberdade, liberdades autonomia e direitos negativos. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003. p. 395.

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do Estado liberal de Direito pelo Estado social de Direito. (Tradução nossa)28.

A contextualização histórica dos processos de reivindicação de

necessidades da pessoa humana possibilita a compreensão do processo de

evolução das liberdades, sendo certo observar, ainda, com Perez Luño, que

conceber os direitos humanos historicamente significa somente, ainda que muito, que a história resulta imprescindible para explicar, não para fundamentar, a origen e evolução das libertades[…]. O conhecimento da história dos direitos humanos é uma mostra eloquente do trabalhoso esforço dos homens por fazer a história, por serem donos de seu destino emancipatório mais além das forças obscuras, misteriosas ou inevitáveis invocadas por inimigos da liberdade. (Tradução nossa).29

Na mesma linha de compreensão, concebendo os direitos do homem

como direitos históricos, Norberto Bobbio acentua que eles “emergem

gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das

transformações das condições de vida que essas lutas produzem”30, sendo

28Cfr. LUÑO PEREZ, Antônio Enrique. Direitos humanos, estado de direito e constituição. [Derechos humanos, estado de derecho y constitución]. Madrid: Editorial Thecnos S/A, 1999. p. 542. (Los derechos humanos como categorias históricas, que tan solo pueden predicarse con sentido en contextos temporalmente determinados, nacen con la modernidad [...] Los derechos humanos nacen como es notório, con marcada impronta individualidad, como libertades individuales que configuran la primera fase o generación de los derechos humanos. [...] Estos movimentos reivindicativos evidenciaran la necesidad de completar el catálago de los derechos y libertades de la primera generación con una segunda generación de derechos: los derechos econômicos, sociales y culturales. Estos derechos alcazarán su paulatina consagración política en la sustitución del Estado liberal de Derecho por el Estado social de Derecho ). 29Ibid., p. 545. (concebir los derechos humanos historicamente significa solo, aunque es mucho, que la historia resulta imprescindible para explicar, no para fundamentar, el origen y evolución de las libertades.” [...] el conocimiento de a historia de los derechos humanos es una muestra elocuente del trabajoso esfuerzo de los hombres por hacer la historia; por ser dueños de su destino emancipatorio más allá de las fuerzas oscuras, misteriosas o inevitables invocadas por los enemigos de la libertad). 30Cfr. BOBBIO, 1992, p. 51. No mesmo sentido veja-se: “É sabido, no entanto, que o processo de positivação das declarações de direitos não desempenhou esta função estabilizadora, pois do século XVIII até nossos dias, o elenco dos direitos do homem contemplados nas constituições e nos instrumentos internacionais foram-se alterando com a mudança das condições históricas. É difícil consequentemente atribuir uma dimensão permanente, não-variável e absoluta para direitos que se revelaram historicamente relativos. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 6ª reimpressão. 2006. São Paulo: Companhia das letras, 1988. p. 124.

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desse modo, não um produto da natureza, mas um dado construído, da

civilização humana e, assim

num primeiro momento afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer de novos valores – como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado31.

A concepção de categorias históricas de direitos humanos importa

reconhecer, com Perez Lunõ, que ´´uma sociedade livre e democrática deverá

mostrar-se sempre sensível e aberta à aparição de novas necessidades que

fundamentem novos direitos``(Tradução nossa)32.

Daí não se segue, contudo, que uma categoria de direitos substitua

outra, de modo que a expressão direitos de primeira, de segunda e de terceira

geração, frequentemente utilizadas para representar a evolução cronológica

das liberdades, consubstanciadas nos direitos civis e políticos, direitos sociais,

econômicos e culturais e nos relacionados à solidariedade, voltados ao gênero

humano de forma difusa, vem sendo rejeitada por sugerir a idéia de caducidade

de direitos - dado que uma geração sucede a outra – passando, então, a ser

substituída por direitos de primeira, segunda, terceira e de quarta dimensões 33.

31 BOBBIO, 1992, p. 52. 32 LUÑO PEREZ, 1999, p. 543. (una sociedad libre y democrática deberá mostrarse siempre sensible y abierta a la aparición de nuevas necessidades, que fundamentem nuevos derechos). 33Cfr. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 2000. p. 24. Cfr., também, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores. p. 573.

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1.3 Direitos fundamentais e os modelos [liberal, socialista e social] de Estado

As lutas empreendidas no sentido da reivindicação das necessidades

do homem, expressas na linguagem dos direitos, terminam por resultar em

diferentes modelos de Estado.

Com efeito, tendo em conta as revoluções ocorridas entre os séculos

XVIII e século XX [a da liberdade e a da igualdade], pode-se afirmar que

Cada revolução daquelas intentou ou intenta tornar efetiva uma forma de Estado. Primeiro, o Estado liberal; a seguir o Estado socialista; depois o Estado Social das Constituições programáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem – intencionado de suas declarações de direitos; e, de último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos34.

A evolução das formas de Estado traz implícita a passagem do sujeito

abstrato do modelo liberal de Estado, caracterizado pela não interferência na

esfera das liberdades individuais, ao sujeito concreto do socialismo, e como tal,

com necessidades concretas a serem satisfeitas segundo um modelo de

Estado, que pressupõe a intervenção consoante as exigências de socialização

e do bem-comum35.

É que no processo de reivindicações de liberdades, os modelos

normativos da pessoa humana, quais sejam, o do sujeito abstrato do 34BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 29. 35Neste sentido, veja-se o que destaca Maria José Añon Roig: ´´Certamente, os direitos econômicos, sociais e culturais derivam da inserção da pessoa em um contexto social e portanto são dependentes de circunstâncias variáveis – situação social, crescimento econômico, produto social, organização e estruturação de serviços, etc [...] não basta que o Estado adote uma atitude abstencionista e garantista, mas que o respeito dos direitos precisa daquele que proporcione os recursos imprescindíveis para a realização dos mesmos[...] `` (Tradução nossa).(Ciertamente, los derechos económicos, sociales y culturales derivan de la inserción de la persona en un contexto social y por tanto son dependientes de circunstancias variables – situación social, crecimiento económico, producto social, organización y estruturación de serviços, etc. [...] no basta que el Estado adopte una actitud abstencionista y garantista, sino que el respeto de los derechos precisa de aquél que proporcione los recursos imprescindibles para la realización de los mismos contribuyeron decididammente a ello). ROIG AÑON, 1994. p. 309. Cfr., também, ROCHA, José Elias Dubard de. Interesses coletivos: ineficiência de sua tutela judicial. Recife: Editora UFPE, 2003. p. 28.

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liberalismo individualista e o do sujeito concreto do socialismo, representam de

um lado, as necessidades de proteção à esfera individual e de outro, as

necessidades de igualdade36.

Nesta linha, segundo Bobbio, tais demandas reivindicatórias em

relação aos poderes constituídos consistem, em última análise, em “impedir os

malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios”, denominando-se, assim,

de “liberdades” os direitos que são garantidos quando o Estado não intervém; e

de “poderes” os direitos que exigem uma intervenção do Estado para sua

efetivação.”37.

No modelo de Estado liberal, marcado pela supremacia da

autonomia privada sobre a autonomia pública, os direitos fundamentais

caracterizam-se por uma abstenção ou não–ingerência do Estado, objetivando

limitar as interferências do poder estatal no âmbito da esfera individual, sendo,

então, concebidos como liberdades negativas.

Diversamente, no modelo socialista de Estado, resultante de

movimentos reivindicativos da satisfação de necessidades de bem-estar e

igualdade, os direitos fundamentais consubstanciam-se em “poderes” perante o

Estado e, como tal, liberdades positivas, caracterizadas pela interferência do

poder estatal em face das desigualdades sociais existentes.

Adverte Bobbio que “liberdade e poderes, com freqüência não são –

como se crê – complementares, mas incompatíveis” e, sendo antinômicos,

porquanto remetem a concepções distintas de direitos, a liberal e a socialista,

“o desenvolvimento deles não pode proceder paralelamente: a realização

integral de uns impede a realização integral dos outros”38.

Paradoxalmente, o modelo de Estado social, fruto da tensão entre o

Estado liberal e o socialista, prescreve, simultaneamente, a concretização de

direitos de liberdade - direitos de defesa contra o poder público - e direitos de

igualdade - direitos prestacionais, consistentes em poderes perante o Estado.

36Cfr. ROCHA, 2003, p. 17. 37BOBBIO, 1992, p. 26. 38Ibid., p. 62. Nesse sentido, afirma Bobbio: [...] “Pode-se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre e justa, na qual são global e simultaneamente realizados os direitos de liberdade e os direitos sociais; as sociedades reais, que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres``.

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O confronto liberdade vs igualdade [direitos de liberdade/defesa e

direitos sociais a prestações] se traduz numa tensão entre os modelos

normativos da pessoa humana [abstrato e o concreto]39 no mesmo sistema

normativo de iusfundamentação, como se dá no modelo adotado pela

Constituição Federal de 1988, Estado [social] e democrático de Direito.

1.3.1 Estado [social] de Direito : direitos de liberdade e de igualdade

Estado de Direito é uma expressão meramente formal e indiferente

aos conteúdos e fins da ação do Estado40 e, nesse sentido, consoante assinala

Carl Schmitt, permite ´´caracterizar-se como Estado de Direito todo Estado que

respeite sem condições o Direito objetivo vigente e os direitos subjetivos que

existam`` (Tradução nossa)41.

Tem-se distinguido, no entanto, o Estado de Direito em seus

aspectos formal e material, caracterizando-se Estado formal de Direito “[...]

quando se refere a forma de realização da ação do Estado e concretamente à

redução de qualquer de seus atos à lei e à constituição``(Tradução nossa)42,

como acentua Manuel Garcya Pelayo, enquanto

O estado material de Direito, também chamado <<conceito>> político de Estado de Direito>> [...] não se refere à forma , mas ao conteúdo da relação Estado-cidadão, sob a inspiração de critérios materiais de justiça, não gira meramente em torno da legalidade, mas que entende que esta há de sustentar na legitimidade, em uma idéia de Direito expressão dos valores

39 É o que sustenta J. Elias de Moura Rocha ao acentuar: ´´[...] quando ambos os modelos normativos de pessoa encontram-se em um mesmo sistema normativo de iusfundamentação tensionam-se e, com eles, a iuris dictio de nosso tempo, pois, por um lado, reconhecem-se direitos de defesa, por outro lado, reconhecem-se direito a prestações concretas e, sendo ambos, modelos normativos e, como tal, de fundamento último, o resultado está em que se niilifica um ou outro, pois não se pode assegurar um, sem a negação do outro [...].ROCHA, 2003. p. 93 40Cfr. ZAGREBELSKY, Gustavo. O direito dócil. [El derecho dúctil]. Madrid: Editorial Trotta S/A, 2003. p. 21. 41SCHMITT, Carl. Teoria da constituição. [Teoria de la constitución]. Alianza Editorial, S.A: Madrid, 1982. p.141. ([...] caracterizarse como Estado de Derecho todo Estado que respete sin condiciones el Derecho objetivo vigente y los derechos subjetivos que existan). 42PELAYO GARCÍA, Manuel. As transformações do Estado contemporâneo. [Las transformaciones del Estado contemporâneo]. adrid: Alianza Editorial, 1996, p. 54. ([...] se refiere a la forma de realización de la acción del Estado y concretamente a la reducción de cualquiera de sus actos a la ley o a la constitución [...]”

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jurídicos-políticos vigentes em uma época`` (Tradução nossa)43.

O sentido de Estado de Direito liberal pode firmar-se pela

contraposição entre a liberdade do indivíduo e o poder do Estado sendo, assim,

compreendido ´´[...] como Estado de Direito aquele em que não possam

intentar-se ingerências na esfera de liberdade individual, salvo à base de uma

lei``(Tradução nossa)44 e, ainda, pelo critério de organização do poder político

do Estado, de modo a conceber-se “[...] como Estado de Direito aquele cuja

atividade total esteja compreendida sem resíduo, em uma soma de

competências rigorosamente circunscritas ``(Tradução nossa)45.

Não há propriamente um arquétipo definido de Estado de Direito

social, sendo certo dizer com Manuel Aragon Reyes,

O Estado social não pode definir-se como forma de Estado, simplesmente porque não o é; só se trata de uma modalidade da forma de Estado democrático de Direito. Por isso, o Estado social não supõe modificação alguma a respeito da organização do poder típica do Estado constitucional democrático de Direito46.

É que ´´ A cláusula <<social>> acrescida a esse Estado não afeta a

estrutura deste, somente seus fins``(Tradução nossa)47, segundo acentua

43PELAYO GARCÍA, 1996, p. 54. (El estado material de Derecho, también llamado <<concepto>> político del Estado de Derecho>> [...] no si refiere a la forma sino al contenido de la relacion Estado-ciudadano, bajo la inspiración de critérios materiales de justicia; no gira meramente en torno a la legalidad, sino que entiende que esta há de sustentar en la legitimidad, en una idea del Derecho expresión de los valores jurídicos-politicos vigente en una época). 44SCHMITT, 1982, p. 142. ([...] como Estado de Derecho aquel en que no puedan intentarse injerencias en la esfera de libertad individual sino a base de una ley). 45 Ibid., p. 142. ([...] como Estado de Derecho aquel cuya actividad total quede comprendida, sin residuo, en una suma de competenciais rigurosamente circunscritas). 46REYES ARAGON, Manuel. Liberdades econômicas e estado social. [Libertades economicas y estado social]. Editora Maite Vincueria, Madrid, 1995. p. 123. (El Estado social no puede definirse como forma de Estado, sencillamente porque no lo és: solo se trata de una modalidad de la forma Estado democrático de Derecho. Por ello, el Estado social no supone modificación alguna respecto de la organización del poder típica del Estado constitucional democrático de Derecho). 47 Ibid., p. 123. (La cláusula <<social>>, añadida a ese Estado, no afecta a la estructura de este sino a sus fines). No mesmo sentido, fazendo referência à conciliação entre a expansão das tarefas de natureza social e a estrutura de Estado de Direito destaca Reinhold Zippelius: Os

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Aragon Reys, resultando, assim, mantida a organização do poder político

característica do Estado de Direito. Nesse sentido, explicitando a finalidade

social do Estado Social, adverte ´´O que significa [a claúsula <<social>> é a

assunção pelo Estado de novas tarefas, que não vêm tampouco a substituir as

antigas (seguridade, ordem pública, defesa, etc), mas a complementá-las``48

(Tradução nossa) e , assim enfatiza

E estas novas tarefas são as relativas a procurar uma maior igualdade social e, por isso mesmo, a proteger os setores sociais menos favorecidos. O Estado social, em suma, não significa um modo específico de <<ser>> do Estado, mas uma maneira de <<atuar por parte do poder público>> (Tradução nossa) 49.

A compreensão de Estado social de Direito não deve ser outra que

não a de um Estado de Direito, no aspecto da organização do poder político,

sob a modalidade de Estado social em razão das finalidades sociais que lhes

são atribuídas50.

No Estado social há de conciliar-se, assim, a finalidade social

[intervenção estatal mediante prestações materiais para diminuição das

desigualdades sociais], o que se apresenta como característica do modelo

socialista de Estado, com as garantias institucionais do Estado de Direito princípios da divisão dos poderes, da garantia dos direitos fundamentais, da legalidade da administração, da previsibilidade e calculabilidade das medidas do Estado de Direito podem manter-se apesar de uma moderada expansão das tarefas públicas de natureza social cujas componentes principais são o Estado-providência e a justiça social. ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 394. 48REYES ARAGON,1995, p. 123 (Lo que significa [a cláusula <<social>>] és la asunción por el Estado de nuevas tareas, que no vienen tampoco a sustituir la antiguas (seguridad, orden público, defensa etc), sino a complementarlas). 49Ibid., p. 123. (Y estas nuevas tareas son las relativas a procurar una mayor igualdad social y, por ello, a proteger a los sectores sociales menos favorecidos. El Estado social, en suma, no significa un modo específico de <<ser>> del Estado, sino una manera de <<atuar por parte del poder público). Cfr., também, a respeito da caracterização do Estado social, RITTER, Gerhard A. O Estado social, sua origem e desenvolvimento em uma comparação internacional. [El estado social, su origen y desarrollo en una comparación internacional]. Madrid: Ministero del Trabajo y Seguridade Social, 1991. p. 33. 50A esse respeito, acentua J. J. Canotilho: ´´O princípio do estado de direito não é um conceito pré- ou extra-constitucional mas um conceito constitucionalmente caracterizado. Ele é, desde logo, uma forma de racionalização de uma estrutura estadual-constitucional. No princípio de estado de direito conjugam-se elementos formais e materiais, exprimindo, deste modelo, a profunda imbricação entre forma e conteúdo no exercício de actividades do poder público ou de entidades dotadas de poderes públicos.`` CANOTILHO, 2003, p. 255.

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[princípio da legalidade e da separação dos poderes] e como tal, do modelo

liberal de Estado. Trata-se, pois, do desafio do Estado social, dado que

As tensões entre liberdade e igualdade, liberdade e seguridade social, responsabilidade do indivíduo e proteção pelo Estado são inevitáveis, em última instância. Nelas se funda precisamente a ambivalência do Estado social, o que, por uma parte aprofunda a liberdade real do indivíduo, eliminando a miséria e insegurança e reduzindo sua dependência social, mas por outra, o disciplina e o expõe à influência de poderosas burocracias (Tradução nossa)51.

Tendo em conta a tensão inerente ao Estado social: igualdade

versus liberdade, ou, em outras palavras, o antagonismo que aí se verifica

entre a necessidade de assegurar o papel intervencionista do Estado na ordem

econômica diante das distorções sociais existentes e, ao mesmo tempo,

garantir a esfera de liberdade do cidadão frente ao poder político do Estado, há

que se atentar para o fato de que

O equilíbrio ente a liberdade e a igualdade é, sobretudo, um problema político que os juristas não estão em condições de resolver. Só nos cabe oferecer, por assim dizer, o máximo e mínimos que, para a busca desse equilíbrio o ordenamento permite, quer dizer, as diversas soluções interpretativas que cabem no marco da Constituição e em respeito às quais pode optar-se em virtude do pluralismo político.(Tradução nossa) 52 .

Isto implica encontrar os limites até onde deve [ou não] ir a

intervenção do Estado em busca da igualdade, de modo a preservar também a

esfera de liberdade do cidadão frente ao Estado, porquanto, como acentua

51RITTER, Gerhard A. O estado social, sua origem e desenvolvimento em uma comparação internacional. [El estado social, su origen y desarrollo en una comparación internacional]. Madrid: Ministero del Trabajo y Seguridad Social, 1991. p. 267. (Las tensiones entre libertad e igualdade, libertad e seguridad social, responsabilidad del individuo y protección por el Estado son inevitables en último término. En ellas estriba precisamente la ambivalência del Estado social, que por una parte ahonda la libertad real del individuo, eliminando la miséria y la inseguridad y reduciendo su dependência social, pero por outra lo disciplina y lo expone a la influencia de poderosas burocracias). 52REYS ARAGON, 1995, p. xi. (El equilíbrio entre la liberdad y la igualdade es, sobre todo un problema político que los juristas no estamos en condiciones de resolver. Solo nos corresponde ofrecer, por asi decirlo, lo máximo y mínimos que, para la busqueda de ese equilibrio, el ordenamiento permite, es decir, las diversas soluciones interpretativas que caben en el marco de la Constituicion y respecto de las cuales puede optar-se en virtud del pluralismo politico).

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Reinhold Zippelius, a “[...] interpendência e antagonismo – em que se

encontram a liberdade e a igualdade, resumem-se na tarefa de buscar a justa

medida” e assim

Do ponto de vista da liberdade, trata-se da tarefa de limitar, de modo razoável, a liberdade de um em face das liberdades dos outros. [...] Sob o aspecto da igualdade, a tarefa consiste em encontrar a justa medida de igualdade, em especial da igualdade de facto, ou seja, estamos perante uma tarefa de justiça distributiva53.

Trata-se, em outras palavras, de buscar equilíbrio entre posições

antinômicas: o controle do poder político – [para assegurar a liberdade do

indivíduo frente ao Estado] versus o controle do poder econômico [intervenção

estatal no poder econômico para assegurar a oferta de prestações materiais ao

cidadão em busca da igualdade]54.

Partindo da consideração de que as relações de controle do poder

político e do poder econômico variam conforme a forma de Estado adotada,

torna-se necessário distinguir tais relações nos diferentes modelos de Estado,

para melhor compreensão dos limites do poder no Estado social de Direito.

De fato, enquanto no Estado liberal dá-se o controle do poder

político, resguardando a esfera de liberdade do cidadão frente ao Estado,

ficando o poder econômico livre de controle ou intervenção estatal, no Estado

socialista, ao revés, verifica-se a intervenção estatal para controle do poder

econômico de modo a assegurar prestações materiais ao cidadão [igualdade

econômica], ficando livre de controle o poder político e, em conseqüência, não

garantida a liberdade do cidadão frente ao Estado55.

53 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 1997. p. 459. 54 A compreensão aqui adotada sobre poderes do Estado [Político e Econômico] segue a linha de raciocínio sustentada por José Elias de Moura Rocha que retoma a noção de poder de Bobbio [ relação em que ´´B`` age de tal maneira porque assim o exigiu ´´A``, caso contrário não o faria]`` e assim explicita: ´´E distinguindo-se os Poderes do Estado em uma tipologia fundada no instrumento da relação Poder estamos diante de dos Poderes Político, Econômico e Ideológico cujos instrumentos são, respectivamente, a força, a riqueza e o conhecimento`` . ROCHA, José Elias Dubard de. Poderes do Estado & ordem legal. Recife: Ed. Universitária UFPE. 1994. p. 149. 55Cfr. ROCHA, 1994, p. 134.

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Isto porque a realização das prestações materiais se concretiza

´´Pela mitigação ou supressão dos Direitos Políticos, i. é, daquela Liberdade

Formal de tal maneira que as relações interativas Poder Econômico e Poder

Político [...] confundem-se pela estatização dos meios de produção``, conforme

acentuado por J. Elias de Moura Rocha.56

Com efeito, considerando as relações de poder político e de poder

econômico, distinguem-se o Estado liberal e o Estado socialista pois,

Se por um lado os sistemas liberais não garantem a coesão social pela dessemelhança patente das relações de Poder Econômico, por outro lado, os sistemas socialista-marxistas deixam ao largo a semelhança entre os pólos do Poder Político. Tanto em um como em outro tais dessemelhanças impedem a coesão social e, se tais sistemas se mantêm em alguns macro-grupos sociais é pelo uso da força ou pelo Poder Ideológico efetivo, ou ambos, porém, quer um, quer outro sistema, estão fadados ao desmoronamento pela distensão que tais dessemelhanças provocam57.

Tratando-se de Estado social, diferentemente, pretende-se

assegurar, como já referido, tanto a liberdade quanto a igualdade, o que implica

no controle do poder político, de modo a resguardar a liberdade formal e o

concomitante controle do poder econômico para alcançar a liberdade material

[igualdade]58. Assim é que, cabe ressaltar, ainda com J. Elias de Moura Rocha,

que no Estado social de Direito

[...] tanto a Liberdade formal como a Liberdade material se pretende garantir e desta nova formulação formaliza-se nova Ordem Legal como resultado da tendência de se buscar a

56ROCHA, 1994. p. 137. A esse respeito enfatiza Ralf Dahrendorf : ´´Assim o socialismo realmente existente nunca foi mais do que uma segunda via para o mundo moderno, se tanto. Hoje sabemos que ele é também um fracasso. Se mantiver o controle político, não poderá fornecer os bens econômicos, e, se for sério com o progresso econômico, sua base política será ameaçada. DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno. São Paulo: Jorge Zahar Editor: Edusp, 1992. p. 115. 57Ibid. p..138. 58ROCHA, José Elias Dubard de. O ministério público no estado democrático de direito. Recife: Procuradoria Geral de Justiça, 1996, p. 68. ´´ [...] o séc. XX apresentará um novo paradoxo: o de processos libertários divergentes, porém, confluentes. Divergentes porque a Liberdade burguesa é a Liberdade formal no interior da relação de Poder Político (governantes e governados) num binômio bem delineado entre Estado e Sociedade, do indivíduo abstrato; já a Liberdade socialista é a Liberdade material no interior do Poder Econômico (relações de produção e de consumo) e de Poder Ideológico (fundado no conhecimento) do homem concreto e situado historicamente``.

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semelhança entre os pólos interagentes dos Poderes Político e Econômico59.

Tal conciliação, por mais paradoxal que pareça, é o que se pretende

no Estado social de Direito porquanto a intervenção estatal no poder

econômico, com todas as implicações que isto representa [medidas

econômicas, controle de mercado etc]60, ou seja, um intervencionismo em larga

escala para obter os benefícios em termos de prosperidade econômica, termina

por pressupor a ausência de controle do poder político frente ao cidadão, o que

não se coaduna com a garantia de liberdade própria desse modelo de Estado.

A essa antinomia característica do modelo de Estado social refere-se

Reinhold Zippelius ao destacar:

O Estado social liberal encontra-se num dilema. Na sua qualidade de Estado social, cabe-lhe velar pela justiça social e pelo bem-estar geral, em especial, por uma distribuição adequada dos bens e por condições de vida humanas. Nestas últimas se inscrevem, p. ex. possibilidades adequadas de educação e formação, de trabalho e de lazer, bem como um meio ambiente humano e saudável. Onde o mecanismo do mercado livre não consegue satisfazer estes ou outros objectivos de política econômica ou social, então eles devem ser realizados através de medidas de intervenção e prestação estatais planificadas, ou seja, o mecanismo do mercado e de preços deve ser corrigido e complementado como outras técnicas. Enquanto Estado liberal, vê-se, porém, simultaneamente confrontado com a exigência de deixar a maior liberdade de actuação possível ao desenvolvimento da personalidade e também à iniciativa empresarial61.

59ROCHA, 1996, p. 139. 60Idib., p. 111. “Esta atividade de coordenação e suplementação atribuídas ao governante funda-se no papel último atribuído ao mesmo de realização da pauta ordenadora. Esta realização é efetivada a partir da distribuição de bens nas diversas regiões, estoques reguladores, criação de empresas pública e sociedades de economia mista etc. [...] Nesta competição junto ao governante quanto ao plano econômico e as ações e decisões de sua efetivação surge o embate mais grave ao macro-grupo social, qual seja, transporta-se a competição de mercado à esfera governamental do direcionamento do fim-final e fins-meios. Trava-se , então, uma batalha entre os pólos emissores do comando de duas relações – Poder Político e Poder Econômico”. 61ZIPPELIUS, 1997, p. 471.

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Na mesma linha, fazendo também referência à ambivalência do

Estado social, no sentido de assegurar concomitantemente intervenção e

abstencionismo, assinala Zagrebelsky:

No conceito de <<Estado social de direito >> se expressa esta dupla caracterização da regulação constitucional do <<econômico>>: constitucionalização dos direitos de propriedade e livre iniciativa (direitos–vontade) e valorização pelo Estado de exigências de justiça, seja como proteção de direitos de justiça, seja como afirmação imediata de necessidades objetivas de alcance geral (Tradução nossa)62.

Em última análise, significa a regulação da esfera econômica pelo

Estado, inclusive com previsão constitucional de políticas públicas 63, de modo

a compatibilizar o desenvolvimento econômico com uma ordem social justa e

concomitante garantia de liberdade da esfera de autonomia individual.

1.4 As categorias de direitos fundamentais

A compreensão das categorias de direitos fundamentais relaciona-se,

como visto, ao papel político desempenhado pelo Estado frente aos cidadãos

de uma comunidade social, daí porque vem sendo adotada para caracterização

das categorias de direitos, a Teoria dos quatro status de Georg Jellinek,

segundo a qual a condição do indivíduo em relação ao Estado seria qualificada

como status, ou fases, quais sejam, o status passivo (statuts subjectionis) -

situação em que o indivíduo seria detentor de deveres perante o Estado-,

status negativus, - ao indivíduo seria assegurada a sua esfera de liberdade,

status positivus (status civitatis) – seria assegurada a possibilidade de exigir

62ZAGREBELSKY, 2003, p.102. (En el concepto de <<Estado social de derecho>> se expresa esta dobre caracterización de la regulación constitucional de lo <<econômico>>:constitucionalización de los derechos de propiedad y libre iniciativa (derechos-voluntad) y valorización por el Estado de exigenciais de justicia, sea como protección de derechos de justicia, seja como afirmación inmedata de necesidades objetivas de alcance general). 63A esse respeito destaca Eduardo Appio: ´´Neste sentido, as políticas públicas previstas na Constituição estão jungidas a este modelo de intervenção estatal necessária, nas áreas em que os agentes econômicos não conseguem oferecer uma resposta democrática à tarefa de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, sobretudo nos países periféricos como o Brasil. APPIO, Eduardo. Teoria geral do Estado e da Constituição. Curitiba: Juruá Editora, 2006. p. 26.

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ações positivas do Estado- e status activus.- possibilidade de participação do

indivíduo na vontade do Estado consoante explicita Perez Luño

A primeira que denomina status subiectionis, não permite o nascimento de nenhum direito subjetivo, mas implica uma situação passiva (der passive Status) dos destinatários da normativa emanada do poder público. Na segunda fase, que corresponde ao status libertatis, se reconhece um âmbito de autonomia, uma esfera de não ingerência do poder na atividade dos indivíduos, comporta uma situação negativa (der negative Status), uma garantia frente à intromissão do Estado em determinadas matérias. A terceira fase chamada por Jellinek status civitatis permite aos cidadãos solicitar ao Estado um determinado comportamento ativo. Se trata de uma situação positiva (der positive Status) na qual já existem autênticos direitos públicos subjetivos. Por último se inclui nesta tipologia um status activae civitatis ou situação ativa (Status der activen Zivität) na qual o cidadão desfruta de direitos políticos, isto é, participa na formação da vontade do Estado como membro da comunidade política (Tradução nossa) 64.

A Teoria de Jellinek, utilizada como parâmetro para a classificação

das categorias de direitos fundamentais, deve ser compreendida, contudo,

consoante adverte Ingo W. Sarlet65, segundo as circunstâncias atuais,

porquanto concebida no contexto histórico do Estado liberal. Daí a sua

necessária adaptação, inclusive, para incluir o status ativus processualis,

64LUÑO PEREZ, 1999, p. 58. (La primera, que denomina status subiectionis, no permite el nacimiento de ningún derecho subjetivo, sino que implica una situación pasiva (der passive Status) de los destinatarios de la normativa emanada del poder público. En la segunda fase, que corresponde al status libertatis, se reconoce un ámbito de autonomía, una esfera de no injerencia del poder en la actividad de los individuos. Comporta una situación negativa (der negative Status), una garantía frente a la intromisión del Estado en determinadas materias[…]La tercera fase llamada por Jellinek status civitatis, permite a los ciudadanos solicitar del Estado un determinado comportamiento activo. Se trata de una situación positiva (der positive Status) en la que ya existen auténticos derechos públicos subjetivos, en tanto que derechos civiles.Por último se incluye en esta tipología un status activae civitatis o situación activa (Status der activen Zivität), en la que el ciudadano disfruta de derechos políticos, este es, participa en la formación de la voluntat del Estado como miembro de la comunidad política). 65Cfr. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. p. 160. “ O que nos parece relevante é o fato de que a teoria dos quatro status de Jellinek, na medida em que foi sofrendo críticas e reparos, foi mantida viva mediante um contínuo processo de redescoberta pela teoria constitucional (inclusive no direito pátrio), de modo especial na qualidade de parâmetro para a classificação dos direitos fundamentais.

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relacionado às intervenções do cidadão para concretização de direitos

fundamentais66.

Os direitos fundamentais distinguem-se, assim, conforme o critério

da função preponderante, em dois grandes grupos: os direitos de defesa “que

incluem os direitos de liberdade, igualdade, direitos-garantia, garantias

institucionais, direitos políticos e posições jurídicas fundamentais em geral” e

os direitos a prestações integrados pelos “direitos a prestações em sentido

amplo, englobando direitos à proteção e participação na organização e

procedimento e os direitos a prestações em sentido estrito (direitos a

prestações materiais sociais) 67.

Os direitos de defesa caracterizam-se por uma abstenção por parte

do Estado, objetivando limitar as interferências do poder estatal no âmbito da

esfera individual, tendo como função primordial, nas palavras de J.J. Canotilho,

“a defesa da pessoa humana e da sua dignidade“68 e, nesse sentido,

[...] cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).Trata-se de direitos cuja referência primária é a sua função de defesa, auto-impondo-se como ´´direitos negativos`` directamente conformadores de um espaço subjetivo de distanciação e autonomia com o correspondente dever de abstenção ou proibição de agressão por parte dos destinatários passivos, públicos e privados69. (destaque do autor)

66Cfr. LOBO, Ricardo Torres (Org). Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 255. 67Cfr. SARLET, op cit., p. 170. 68CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Edições Almedina. 2000. p. 409. 69Idib., p. 408. A esse respeito, acentua José Viera de Andrade, que os direitos de defesa implicam ´´[...] da parte do Estado o dever de abstenção: abstenção de agir e, por isso, dever de não interferência ou de não intromissão, no que toca às liberdades propriamente ditas, em que se resguarda um espaço de autodeterminação individual; abstenção de não prejudicar e, então, dever de respeito, relativamente aos bens, designadamente pessoais (vida, honra, bom nome, intimidade) que são atributos da dignidade humana``. ANDRADE, José Vieira de, apud. Rocha, José Elias Dubard de. Interesses coletivos: ineficiência de sua tutela judicial. Recife: Editora UFPE, 2003. p. 123.

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Além dessa dimensão negativa, salienta Canotilho, os direitos

fundamentais apresentam uma dimensão positiva, podendo vir a implicar em

prestações concretas. É que na categoria direitos a prestações em sentido

amplo, incluem-se os direitos à proteção [que implicam na possibilidade de

exigir do Estado proteção contra ingerências de terceiros no âmbito dos direitos

fundamentais, tais como proteção à vida, à integridade física, à liberdade, à

propriedade] e também os direitos de participação, que consistem na

participação do indivíduo na estrutura organizacional do Estado, assegurando

acesso a prestações estatais.

Os direitos de participação, conforme acentua J.J. Canotilho,

enquanto´´[...] direitos ligados ao status activus salientam a participação do

cidadão como elemento activo da vida política (direito de voto, direito aos

cargos públicos)70``, possibilitando, em síntese,´´ [...] Tomar parte na vida

política e na direção dos assuntos públicos do país`` 71.

Os direitos prestacionais em sentido estrito [direitos a prestações

fáticas], diversamente, pressupõem uma intervenção por parte do Estado para

assegurar condições materiais concretas ao indivíduo72 , o que não exclui, como

adverte J.J. Canotilho, a possibilidade de obter-se ´´[...] a satisfação das suas

´´pretensões prestacionais``73 através do comércio privado (cuidados de saúde

privada, seguros privados, ensino privado). Daí afirmar-se que

A função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos sociais, económicos e culturais: (1) ao problema dos direitos sociais originários, ou seja, se os particulares podem derivar directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais [...] (2) ao problema dos direitos sociais derivados que se reconduz ao direito de exigir uma atuação legislativa concretizadora das ´´normas constitucionais sociais`` [....] (3) ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais tem uma dimensão objetiva juridicamente vinculativa dos poderes

70 CANOTILHO, 2000, p. 395. 71ANDRADE, José Vieira de, apud. ROCHA, José Elias Dubard de. Interesses coletivos: ineficiência de sua tutela judicial. Recife: Editora UFPE, 2003. p. 135. 72 Nesse sentido, afirma José Vieira de Andrade que os direitos prestacionais´´[...] impõem ao Estado o dever de agir, quer seja para proteção dos bens jurídicos protegidos pelos direitos fundamentais contra a atividade (excepcionalmente, a omissão) de terceiros, quer seja para promover ou garantir as condições materiais ou jurídicas de gozo efetivo desses bens jurídicos fundamentais. ANDRADE, José Vieira de, apud. ROCHA, 2003, p. 133. 73CANOTILHO, op.cit., p. 408.

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públicos no sentido de obrigarem estes (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas conducentes à criação de instituições (ex. hospitais, escolas), serviços (ex: serviços de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações econômicas)74. (destaque do autor)

Diante dos problemas apontados, discute-se com relação aos direitos

fundamentais prestacionais se estes poderiam enquadrar-se na categoria de

direitos subjetivos, assim compreendidos, aqueles que permitem ao titular

provocar a tutela jurisdicional quando violada a sua esfera de liberdade.75

A esse respeito, pode-se dizer com Ingo W. Sarlet que

[...] se os direitos de defesa, como dirigidos, em regra, a uma abstenção por parte do Estado, assumem habitualmente a feição de direitos subjetivos, inexistindo maior controvérsia em torno de sua aplicabilidade imediata e justiciabilidade, o mesmo não ocorre com os direitos a prestações. Estes, por exigirem um comportamento ativo dos destinatários, suscitam dificuldades diversas, que levaram boa parte dos autores a negar-lhes aplicabilidade imediata e, em razão disto, plena eficácia76.

1.5 Direitos fundamentais prestacionais

1.5.1 Eficácia jurídica

As normas que consagram direitos fundamentais apresentam

diferentes graus de efetividade conforme a categoria do direito a que se refere,

apresentado maior ou menor grau de aplicabilidade e eficácia, de acordo com a

sua função e forma de positivação77 .

74CANOTILHO,2000, p. 408. 75Sobre o conceito de direito subjetivo, veja-se: ´´direito subjetivo é o poder de ação determinado pela vontade que, manifestando-se através das relações entre as pessoas, recai sobre atos ou bens materiais ou imateriais e é disciplinado e protegido pela ordem jurídica, a fim de assegurar a todos e a cada qual o livre exercício de suas aptidões naturais, em benefício próprio, ou de outrem, ou da comunidade.`` RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 615. 76SARLET, 2001, p. 238. Cfr., também, RÁO, 1999, p. 623. 77Ibid., p. 252. A respeito da distinção entre eficácia jurídica e eficácia social, veja-se o que acentua Ingo Sarlet: ´´[...] para efeitos deste estudo, podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada

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A diferença de graduação de eficácia das normas definidoras de

direitos fundamentais evidencia-se ao se distinguirem os direitos fundamentais

em direitos de defesa (liberdades negativas) que pressupõem uma abstenção

por parte do Estado e os direitos prestacionais, que implicam numa posição

ativa por parte do Estado (liberdades positivas).

Isto porque no âmbito dos direitos de defesa, que têm por função

precípua limitar a atuação do Estado no sentido de proteger a esfera individual,

inexistem obstáculos à sua imediata aplicação e eficácia porquanto

pressupõem uma abstenção por parte do Estado e como tal, independem de

atuação concretizadora do legislador para viabilizar sua exigibilidade em Juízo.

Os direitos prestacionais, diversamente, por exigirem uma posição

ativa do Estado na ordem econômica e social são normalmente positivados na

forma de normas programáticas [enunciam programas, fins ou tarefas para o

Estado] reclamando, de um modo geral, a intervenção do legislador para

alcançar eficácia e aplicabilidade. Por outro lado, tendo por objeto uma

conduta positiva do Estado, consistente numa prestação material, os direitos

sociais prestacionais pressupõem a efetiva disponibilidade de recursos para

sua implementação.

Em razão da necessária disponibilidade de recursos para

concretização das prestações materiais devidas pelo Poder Público passou a

ser apontado pela doutrina como obstáculo à eficácia jurídica desses direitos a

chamada ´´reserva do possível``78, que envolve a

[...] problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado) encontrando-se, portanto, na dependência da real existência dos meios para cumprir com sua obrigação79.

aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos, ao passo que a eficácia social (ou efetividade) poder ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma (juridicamente eficaz), quanto o resultado concreto decorrente - ou não – desta aplicação``. 78CANOTILHO, 2000, p. 481. “Os direitos sociais [...] pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Moglichen) para traduzir a idea de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos“. 79 SARLET, 2001, p. 264.

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A reserva do possível diz respeito aos limites materiais de recursos

e, sendo ´´compreendida em sentido amplo, abrange tanto a possibilidade,

quanto o poder de disposição por parte do destinatário da norma``80.

1.5.2 Obstáculos à eficácia dos direitos fundamentais prestacionais

1.5.2.1 Dimensão econômica dos direitos fundamentais prestacionais:

administração de recursos escassos

Retomando a idéia de direitos enquanto adjudicação de carências,

pode dizer-se que as necessidades socioeconômicas são aquelas

compreendidas como necessidades sociais, econômicas e como tal, culturais,

abstratamente reconhecidas em declarações solenes de direitos prestacionais.

As necessidades socioeconômicas, embora abstratas, porquanto

abstratamente atribuídas a grupos da sociedade, são satisfeitas por meio de

provimentos concretos: [bens e serviços]81 e, esses provimentos econômicos,

em razão da distribuição quantitativa dos objetos de satisfação de

necessidades socioeconômicas [quantificação do sistema de necessidades]82,

próprio das economias de mercado, passam a ser monetarizados, ficando a

satisfação das necessidades sujeita a recursos disponíveis e previsão

orçamentária.

Com efeito, diferentemente das necessidades políticas [igualdade

perante a lei], em relação às necessidades socioeconômicas, como adverte

Agnes Heller ´´[...] há um limite à sua satisfação, qual seja, os recursos

disponíveis.`` (Tradução nossa) 83.

80 SARLET, 2001, p. 265. 81Cfr. ROCHA, 2003, p. 99. 82 A esse respeito acentua Agnes Heller que “O mercado é a instituição necessária para a distribuição quantitativa. Seja qual for a forma que tomou em uma sociedade moderna a distribuição de necessidades, por exemplo, as formas de redistribuição, não podem distribuir-se nem atribuir-se fardos diferenciados qualitativamente. Há que se medir a distribuição de necessidades e a de objetos de satisfação, em termos de <<nível de vida>>”. (Tradução nossa). (El mercado es la institución necesaria para la distribución cauantitativa. Sea qual sea la forma que tomo en una sociedad moderna la distribución de necesidades, por ejemplo as fomas de redistribucióon, no pueden distribuirse ni atribuirse fardos diferenciados cualitativamente. Uno ha de medir la distribución de necesidades, y la de objetos de satisfacción, en términos del <<nível de vida>>.) HELLER, 1996, p. 96. 83Ibid., p. 100.([...] hay un limite a la satisfacción, a saber, los recursos disponibles ).

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Na linha do pensamento de Agnes Heller84, que aponta para a

distância existente entre as carências adjudicadas em declarações solenes e

os direitos efetivamente satisfeitos, há que se reconhecer que ´´Os recursos da

natureza podem ficar esgotados; e o mesmo se verifica com os recursos

humanos``(Tradução nossa)85.

Significa dizer que os bens, isto é, os objetos de satisfação de tais

necessidades são escassos, enquanto as necessidades socioeconômicas são

ilimitadas porquanto ´´sempre há mais necessidades que esperam ser

satisfeitas que necessidades já satisfeitas``(Tradução nossa)86, podendo dizer-

se com Heller: ´´A sociedade moderna é uma sociedade insatisfeita``(Tradução

nossa)87.

Assim, a administração de recursos escassos vai exigir, no âmbito da

organização estatal, a eleição ou a priorização de necessidades concretas a

serem satisfeitas em conformidade com a estrutura política do Estado,

incumbido, nas sociedades modernas, da atribuição [social] de necessidades

socioeconômicas e da distribuição dos objetos para sua satisfação.

1.5.2.2 Dimensão política dos direitos fundamentais prestacionais: a estrutura

do poder político [tripartição de poderes/ federação]

Como elemento orgânico do Estado de Direito, a separação de

poderes, desde as origens do moderno Estado constitucional, está associada à

idéia de divisão de funções de âmbito estatal de modo a evitar a concentração

e exercício arbitrário do poder político do Estado88.

84HELLER, 1996, p . 117. 85Ibid., p. 114. (Los recursos de la naturaleza pueden quedar exhaustos; e lo mismo los recursos humanos). 86Ibid. (siempre hay más necesidades que esperan ser satisfechas que necesidades ya satisfechas) 87Ibid., p. 113. (La sociedade moderna és una sociedad insatisfecha). 88ZIPPELIUS, 1997, p. 383.´´Para garantir as liberdades individuais e prevenir o arbítrio estatal, era necessário tomar precauções em especial para que a acção do Estado funcionasse mediante uma determinada distribuição de papéis e de acordo com regras de jogo garantidas. Através de uma distribuição e coordenação organizada das funções de regulação do Estado era necessário instaurar um sistema de separação e de controlo dos poderes. Tratava-se em especial de vincular o executivo à lei e ao direito. Também a acção do Estado devia ser controlada através de regras procedimentais (relativos aos procedimentos legislativos,

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Não se trata, propriamente, de uma separação de poderes

[Executivo, Legislativo e Judiciário] dada a unidade do poder político Estatal,89

nem de uma separação de forma rigorosa, de modo a serem concebidos como

instituições isoladas, mas ´´[...] o estabelecimento de uma vinculação de

influxo e contrapeso recíprocos das faculdades destes <<poderes>>

diferenciados``(Tradução nossa) 90, como salientado por Carl Schmitt. Trata-se,

pois, de um sistema de controles recíprocos para assegurar o equilíbrio entre

as funções estatais e, nesse sentido,

O esquema de um contrapeso dos poderes distintos ou, inclusive, separados conduz a intervenções e influências recíprocas, com as quais se chega a compensar as faculdades contrapostas e a leva-las a um equilíbrio. Todo fortalecimento de uma parte há de contrabalançar-se pela outra e, assim, não se romperá o equilíbrio por nenhuma das partes (Tradução nossa)91.

A limitação do poder político decorre da distribuição de

competências, mediante um sistema de freios e contrapesos recíprocos.

Embora não haja uma nítida separação no exercício de cada uma das funções

estatais [legislação, administração e jurisdição, correspondentes aos papéis de

elaboração, aplicação e interpretação da lei], diante das influências recíprocas,

administrativos e jurisdicionais) protegendo-a contra o arbítrio. Deviam também ser criados mecanismos de controlo judicial e outros cuja função era fiscalizar a observância das regras de jogo do sistema de regulação jurídico.`` 89CANOTILHO, 2003, p. 556.´´ Independentemente da discussão em torno da fundamentação << empírica>> e <<categorial>> (apriorística) da <<divisão de poderes>>, impõe-se a individualização dos momentos essenciais da directiva fundamental da organizaçaão do poder político: (1) separação das funções estaduais e a atribuição das mesmas a diferenes titulares (separação funcional, institucional e pessoal) ; (2) a interdependência de funções através de interdependências e dependênciais recíprocas )de natureza funcional, orgânica ou pessoal) (3) balanço ou controlo das funções, a fim de impedir um <<superpoder>>, com a conseqüente possibilidade de abusos e desvios``. 90SCHMITT, 1982, p. 189. ([...] el establecimiento de una vinculacion de influjo y contrapeso reciprocos de las facultades de estos <<poderes> diferenciados)

91Ibid., p. 198. (El esquema de un contrapeso de los poderes distinguidos o, incluso, separados conduce a intervenciones e influencias recíprocas, con las cuales se llega a compensar las facultades contrapuestas y a llevarlas a un equilíbrio. Todo robustecimiento de una parte há de contrapesarse por la outra, y, asi, no se rompera el equilíbrio por ninguna de las dos partes).

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verificam-se rupturas nesse esquema, nas palavras de Reinhold Zippelius “[...]

quando um poder exerce ele próprio funções do outro.” 92.

O controle do poder político no âmbito estatal não se faz apenas na

forma da clássica separação de poderes, ou mais precisamente, de órgãos

estatais. Daí falar-se em controles horizontais [separação de poderes] e

verticais [federação], de tal modo que “O sistema horizontal de checks and

balances entre os órgãos federais é complementado pelo sistema vertical entre

a federação e seus Estados membros”, como acentua Zippelius 93.

O sistema vertical corresponde à distribuição do poder político entre

as diferentes esferas da federação, podendo dizer-se, “[...] que se refere à

distribuição do poder entre a instância central e as regionais ou locais e que,

como é óbvio, pode expressar-se em distintos graus de autonomia`` (Tradução

nossa)94.

Trata-se de controle para evitar a centralização do poder político do

Estado, verificando-se, pois, uma descentralização política, administrativa e

financeira, que confere autonomia as unidades políticas em relação aos

interesses locais.

A forma federativa de Estado implica, assim, na distribuição de

competências entre a instância central e as unidades políticas locais,

integradas em uma ordem institucionalizada e, nesse sentido,

O pacto federal é um pacto de singular espécie, um pacto constitucional. Seu acordo é um ato de Poder constituinte. Seu conteúdo é, ao mesmo tempo, conteúdo da Constituição Federal [...] e um elemento da Constituição de cada um dos Estados-membros. (Tradução nossa)95

92Cfr. ZIPPELIUS, 1997, p. 416. A esse respeito, veja-se: Embora se defenda a inexistência de uma separação absoluta de funções, dizendo-se simplesmente que a uma função corresponde um titular principal, sempre se coloca o problema de saber se haverá um núcleo essencial caracterizador do princípio da separação e absolutamente protegido pela Constituição. Em geral, afirma-se que a nenhum órgão podem ser atribuídas funções das quais resulte o esvaziamento das funções materiais especialmente atribuídas a outro. Quer dizer: o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre órgão e função e só admite excepções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Edições Almedina, 2003. p.559. 93Ibid., p. 563. 94PELAYO GARCIA, 1996, p. 57. ([...] que se refiere a la distribución del poder entre la instancia central y las regionales o locales, y que, como es obvio, puede expresarse en distintos grados de autonomia). 95ZIPPELIUS, op. cit., p. 519. Nesse sentido, acentua Carl Schmitt: “El pacto federal es un pacto de singular especie, un pacto constitucional. Su acuerdo es un acto de Poder

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Importa destacar que no sistema de freios e contrapesos recíprocos

[controle horizontal], o orçamento, como será abordado adiante, apresenta-se

como mecanismo de controle do executivo, posto que sendo a previsão

orçamentária da competência do legislativo, as atividades financeiras relativas

a receitas e despesas realizadas pelo executivo ficam sujeitas ao controle

deste último96 .

Em relação ao sistema de controle vertical [federação] há que se

observar, também, a competência das diferentes esferas de poder em matéria

orçamentária e os respectivos percentuais de receitas previstas

constitucionalmente97.

Desse modo, a satisfação de necessidades educacionais

adjudicadas em declarações solenes de direito como previsto na Constituição

Federal de 1988, há de ser feita conforme as competências da União, Estados

e Municípios, ali estabelecidas, inclusive no que diz respeito ao percentual de

recursos vinculados a tal finalidade.

1.5.2.3 O controle político da atividade financeira do Estado: previsão

orçamentária

Na estrutura organizacional do Estado, o controle da satisfação das

necesidades socioeconômicas materializadas pelo executivo [que implicam em

gastos públicos], apresenta-se como garantia contra o arbítrio no exercício do

poder político. Com efeito,

[…] com o advento do ordenamento jurídico próprio do Estado de Direito altera substancialmente a relevância jurídica do gasto público, mas concretamente << as possibilidades de

constituyente. Su contenido es, al mismo tiempo, contenido de la Constitución federal [...] e un elemento de la Constitución cada uno de los Estados-miembros”. SCHMITT, 1982, p. 349. 96ZIPPELIUS, 1997, p. 416. 97TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 14ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 105. ´´A equidade no federalismo depende, portanto, da política orçamentária e da opção por certos princípios constitucionais. A política intervencionista e desenvolvimentista leva à concentração de recursos e tarefas no Governo Federal, enquanto a política de bem-estar e de atendimento às necessidades imediatas do cidadão privilegia o Município``.

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ajuizamento jurídico e de controle desse procedimento de satisfação das necessidades públicas.[…] (Tradução nossa) 98.

Trata-se, assim, de garantia do Estado de Direito, de modo a evitar o

gasto inócuo, injusto ou mesmo contrário a preceitos constitucionais.

No regime do gasto público está implicito, não só o aspecto formal

da legalidade do gasto [princípio da legalidade], mas também o aspecto

material [princípio da atribuição equitativa de recursos] e assim

A atribuição equitativa comporta, ao menos três exigências: em primeiro lugar, a de garantir uma satisfação mínima das necessidades públicas. Desde o momento em que as diversas necessidades são consideradas como merecedoras de satisfação mediante o emprego de fundos públicos, isto é, transformam-se em necessidades públicas, devem ter garantidos, no terreno da equidade, um nível sequer seja mínimo de satisfação. Em segundo lugar, o princípio de justiça material do gasto público comporta a ausência de discriminações, tanto em sentido absoluto – de umas necessidades em relação a outras – quanto em sentido relativo, referente a diversas situações em relação com uma mesma necessidade pública. Em terceiro lugar, a atribuição equitativa dos recursos públicos comporta a interdição da arbitrariedade, idéia […] a que em definitivo confluem a grande maioria do preceitos constitucionais de índole jurídico-política.(Tradução nossa) 99.

Significa dizer que o gasto público deve ter como diretriz assegurar

um mínimo de satisfação de necessidades socioeconômicas, garantindo a

98PEROGORDO, J.J. Bayona de, apud, MORATAL ORÓN, Gérman. A configuração do gasto público. [La configuación del gasto público]. Madrid: Editorial Tecnos, S.A, 1995. p. 25. ([…] con el advenimiento del ordenamiento jurídico proprio del Estado de Derecho cambia substancialmente la relevancia jurídica del gasto público más concretamente << las posibilidades de enjuiciamiento jurídico y de control de ese procedimiento de satisfacción de las necesidades públicas[…]). 99Ibid., p. 27. (La asignación equitativa comporta, al menos, tres exigencias: en primer lugar, la de garantizar una satisfacción mínima de las necesidades públicas. Desde el momento en que las diversas necesidades son consideradas como merecedoras de satisfacción mediante el empleo de fondos públicos, esto es, devienen necesidades públicas, deven tener garantizado, en aras de la equidad, un nivel siquiera sea mínimo, de satisfacción. En segundo lugar, el principio de justicia material del gasto público comporta la ausencia de discriminaciones, tanto en sentido absoluto – de unas necesidades respecto de otras- tanto en sentido relativo, referente a diversas situaciones en relación con una misma necesidad pública. En tercer lugar, asignación equitativa de los recursos públicos comporta la interdicción de la arbitrariedad, idea resumen hacia la que, en definitiva, confluye la gran mayoria de los preceptos constitucionales de índole jurídico-política).

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ausência de arbitrariedades e discriminações [inclusive no que diz respeito às

próprias necessidades, priorização de umas em detrimento de outras].

O princípio da atribuição equitativa de recursos, segundo assinala

Germán Orón Moratal, deve encontrar-se caracterizado nos seguintes

momentos:´´1. Eleição do recurso para cobrir uma necessidade determinada; 2.

autorização do emprego de recursos públicos para satisfazer fins públicos; 3.

atribuição de recursos autorizados para a satisfação de fins públicos``.

(Tradução nossa)100.

De fato, tanto por ocasião da escolha, quanto da autorização dos

recursos a serem utilizados na satisfação de necesidades socioeconômicas,

está o legislador

[…] limitado na hora de distribuir os recursos por esta exigência de proporcionalidade na imputação dos mesmos ao gasto público. Isto é, contemplada uma necessidade a ela deve atribuir-se uma quantia adequada – não dizemos suficiente, pela limitação de recursos – para sua satisfação, ainda que não imediata, mas paulatina (Tradução nossa)101.

De igual modo, ´´ […] é a Administração a destinatária do princípio

equitativo nos distintos níveis em que se encontre autorizada para dispor de

créditos orçamentários. `` (Tradução nossa)102 .

Assim, enquanto ao Legislativo compete a autorização do emprego

de recursos públicos, cabe ao Executivo o emprego dos recursos autorizados

para a satisfação das necessidades socioeconômicas.

Importa, ainda, atentar para o fato de que o gasto público está,

inevitavelmente, correlacionado à entrada de recursos aos cofres públicos

[receitas públicas ]103 para financiar as atividades estatais de satisfação de

100MORATAL ORÓN, 1995. p. 29. (1.Elección del recurso para cubrir una necesidad determinada; 2.Autorización del empleo de recursos públicos para satisfacer fines públicos; 3. Asignación de recursos autorizados para la satisfacción de fines públicos). 101Ibid., p. 35. ([…] limitado a la hora de distribuir los recursos por esta exigencia de proporcionalidad en la asignación de los mismos al gasto público. Esto és contemplada una necesidad a ella debe adscribirse una cuantía adecuada – no decimos suficiente, por la limitación de recursos – para su satisfacción, aunque no inmediata, sí paulatina ) 102Ibid., p. 42. ([…] és la Administración la destinataria del principio equitativo, en los distintos niveles en que se encuentre autorizada para disponer de los créditos presupuestarios). 103Sobre a definição de receita pública, veja-se: [...] “Receita Pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas condições ou correspondências

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necessidades socioeconômicas [despesas públicas] 104, de modo a asegurar o

equilíbrio financeiro do Estado.

Trata-se de aspecto econômico: fazer face às despesas públicas

realizadas pelo Estado para a satisfação de necessidades socioeconômicas

com base nas receitas públicas.

Daí falar-se que as atividades estatais de satisfação de necessidades

socioeconômicas se desenvolvem em momentos distintos: o pré-econômico

correspondente à determinação das necessidades a serem supridas e a fase

propriamente econômica, relativa à repartição dos meios de riqueza

disponíveis105.

O problema que se coloca, repita-se, é o de que as necessidades a

satisfazer podem exceder os recursos disponíveis, porquanto

[…] não existe limitação na determinação do número e quantia das necessidades a satisfazer por parte dos recursos e uma delimitação dessas necessidades que excedessem os recursos – fluxos monetários – em posse dos entes públicos, seria respeituosa com este princípio da atribuição equitativa de recursos (Tradução nossa) 106.

no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”. BALEEIRO, Aliomar, apud, PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 97. 104Sobre a definição de despesa pública: “[...] despesa pública é a aplicação de certa quantia em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para a execução de fim a cargo do governo” BALEEIRO, Aliomar, apud, PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004. p. 62. 105A respeito da consideração dos diferentes momentos da atividade estatal de satisfação de necessidades socioeconômicas, Orón Moratal faz referência a posições doutrinárias distintas: [...] Assim, distinguindo os dois momentos da atividade econômica que assinala Masci, o primeiro pré-econômico, de determinação de necessidades e o segundo propriamente econômico, de repartição dos meios de riqueza escassos e disponíveis para o fim da máxima utilidade, Sainz de Bujanda entende que ambos são políticos, <<quando afirmamos a natureza política da atividade financeira, não nos situamos somente no momento de determinação dos fins ou das necessidades, mas também e de modo muito destacado na repartição dos custos e uns e outras, pelo que para este autor, os momentos a que refere Masci <<não são senão fases ou manifestações de pronunciamentos políticos globais ante a rigidez da Fazenda. (Tradução nossa). (Así, distinguiendo los dos momentos de la actividad econômica que señala Masci, el primero preeconónmico, de determinación de necesidades, y el segundo propiamente econômico, de reparto de los médios de riqueza escasos y disponibles para el logro de la máxima utilidad, Sainz de Bujanda entiende que ambos son políticos, <<cuando afirmamos la naturaleza política de la actividad financeira, no nos situamos solo en el momento de determinación de los fines o de las necesidades, sino también y de modo mui destacado en el de reparto del costo de unos y otras>>, por lo que para este autor los momentos que señala Masci <<no son sino fases o manifestaciones de pronunciamientos políticos globales sobre la regiduría de la Hacienda>>). MORATAL ORÓN, 1995, p. 17. 106PEROGORDO, Bayona de, apud, MORATAL ORÓN, 1995. p. 32. ([…]no existe limitación en la determinación del número y quantia de las necesidades a satisfacer por parte de los recursos y una delimitación de estas necesidades que excediera los recursos – flujos

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Indagar sobre a possibilidade de satisfação de todas as

necessidades socioeconômicas, implica reconhecer com Agnes Heller que

´´[…] sempre há mais necessidades nas sociedades dinâmicas atuais de que

aquelas que podem ser satisfeitas pela sociedade nas condições

atuais.``(Tradução nossa)107.

Se é certo dizer que as necessidades são ilimitadas, o que significa

admitir a impossibilidade de satisfação de todas as necesidades, há que se

enfrentar a questão relacionada à escolha [priorização] das necessidades a

serem satisfeitas pelo ente público na realização dos fins estatais.

Em principío, ao legislativo incumbe não somente autorizar o

emprego de recursos públicos para satisfação de tais necessidades, mas

também definir [eleger] as necessidades a serem satisfeitas com os recursos

públicos108 e, assim, ´´deve ser a lei como fonte do direito a que contenha o

regime jurídico essencial do gasto público`` (Tradução nossa)109.

Com efeito, o princípio da legalidade do gasto público, consoante

assinala Bayona de Perogordo, ´´[...] não se limita à sujeição da Administração

[...] na gestão do gasto público, mas, de maneira indireta está atribuindo à lei a

tarefa normativa de disciplinar o gasto público``(Tradução nossa) 110.

Significa dizer que a normatização do gasto público tem o papel de

assegurar a igualdade na distribuição dos recursos públicos para satisfação de

necessidades socioeconômicas. É que, segundo J.J. Canotilho,

Sendo o princípio da igualdade um princípio constitucional imediatamente vinculante, ele constituirá sempre um limite da

monetarios – en posesión de los entes públicos, sería respetuosa con este principio constitucional de asignación equitativa de los recursos). 107HELLER, 1996, p. 61. (Sin duda, siempre hay más necesidades en las sociedades dinámicas actuales de las que puede ser satisfechas por la sociedad en las condiciones presentes). 108Observe-se que não só ao legislativo incumbe a eleição das necessidades, mediante a definição de políticas públicas, porquanto a própria Constituição Federal conferiu aos conselhos municipais legitimidade na definição de políticas públicas. Ademais há que se ressaltar as experiências vivenciadas por diversos municípios em relação à implantação do chamado Orçamento Participativo, por meio do qual parcela de recursos daquele ente estatal não vinculados [legal ou constitucionalmente] é definida mediante a participação popular. 109MORATAL ORÓN, 1995, p. 56. ([…] debe ser la ley, como fuente del Derecho, la que contenga el régimen jurídico esencial del gasto público). 110PEROGORDO, Bayona de, apud, MORATAL ORÓN, 1995, p. 57. ([...] no se limita a ordenar la sujeción de la Administración al principio de legalidad en la gestión del gasto público, sino que, de manera indirecta, está atribuyendo a la ley la tarea normativa de disciplinar el gasto público).

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discricionariedade da administração. No domínio da administração de prestações, onde as discriminações ideológicas, políticas e sociais ainda não encontraram formas e procedimentos de controle sólidos ( ex: quais os criterios de subvenção para promoção da arte cinematográfica, auxílio a jardins-de-infância, grupos tetarais, cantinas) os criterios objectivos legitimadores de prestações devem ser fixados por lei. Parece, pois, justificada a defesa de uma reserva de lei na administração de prestações sempre que esteja em causa o princípio da igualdade. Ela é uma exigência do princípio democrático e do princípio do Estado de direito111 .

Além dos aspectos relacionados ao ciclo da atividade econômica

[eleição da necessidade, autorização do emprego de recursos e atribuição de

recursos para satisfação das necessidades] que abrangem os princípios

material [igualdade na distribuição dos recursos] e formal [legalidade] do gasto

público, há que se atentar, como visto, para a questão da competência das

distintas esferas de poder político em razão da forma de Estado adotada, dado

que em se tratando de um Estado Federal, como prescrito pela Constituição de

1988, pressupõe-se a distribuição das competências das esferas de poder.

Tal é a vinculação de cada uma das esferas de poder aos limites de

sua competência que

[...] já não só poderia falar-se do princípio de legalidade orçamentária como pressuposto de validez da atuação administrativa, mas também do princípio de competência como pressuposto de validez do de legalidade orçamentária [...] significando isto que a legitimidade constitucional dos gastos estatais estaria condicionada ao fato de que o Estado possua competências na matéria de que se trate (Tradução nossa) 112,

sendo tal condicionante também aplicável aos Municípios, porquanto estes

últimos só devem financiar as atividades em relação às quais têm competência

para atribuição de recursos113.

111 CANOTILHO, 2003, p. 730. 112MORATAL ORÓN, 1995, p. 111. ([...] ya no solo podría hablarse del principio de legalidade presupuestaria como presupuesto de validez de la actuación admininstrativa, sino también del princípio de competencia como presupuesto de validez del de legalidad presupuestaria. [...] significando esto que la legitimidad constitucional de los gastos estatales estaría condicionada al dato de que el Estado posea competencias en la materia de que se trate). 113Ibid. , p. 114.

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Ora, se ´´[...] os poderes públicos devem tender à consecução de uns

fins públicos, os considerados pela Constituição como tais, implicando, pois,

uma vinculação qualitativa na atribuição de recursos [...]``114 (Tradução nossa),

como acentua Orón Moratal, então cumpre

[...] reconhecer que o destino do gasto público encontra limites jurídicos bem precisos nos fins e objetivos da comunidade sancionados pela Constituição; e os direitos públicos dos cidadãos, reconhecidos e protegidos pela Constituição, não podem ver-se desamparados ou vulnerados por um destino do gasto público aprovado pelo Poder Público em aberta contradição com eles. (Tradução nossa) 115.

Assim, a definição do gasto público [previsão orçamentária], embora

se trate de matéria da competência do legislativo e, como tal, de decisão

política, está sujeita a controle judicial, no que diz respeito ao aspecto da

legalidade orçamentária e, inclusive, quanto à legitimidade do ente público para

atribuição dos recursos. Em outras palavras, a atividade financiada deve estar

incluída no âmbito de suas atribuições constitucionais, consideradas as

distintas esferas de poder. E mais: há que observar as vinculações previstas

em preceitos constitucionais116.

Isto porque, em relação à educação, por exemplo, como será

abordado no capítulo seguinte, a Constituição da República estabelece

percentuais mínimos para aplicação das receitas resultantes de impostos em

manutenção e desenvolvimento do ensino, aos quais ficam, necessariamente,

114MORATAL ORÓN, 1995, p. 62. ([...] los poderes públicos deben tender a la consecución de unos fines públicos, los considerados por la Constituición como tales, implicando pues una vinculación cualitativa en la asignación de recursos). 115BEREIJO, Rodríguez, apud, MORATAL ORÓN, 1995, p. 83. ([...] reconocer que el destino del gasto público encuentra limites jurídicos bien precisos en los fines y objetivos de la comunidad sancionados por la Constitución; y los derechos públicos de los ciudadanos, reconocidos y protegidos por la Constituición, no pueden verse desamparados o vulnerados por un destino del gasto público aprobado por el Poder legislativo en abierta contradicción con ellos). 116A esse respeito veja-se o que acentua J.J. Canotilho: ´´O problema fundamental que a reserva de lei suscitará na administração de prestações é o de saber qual o instrumento legal apropriado para assegurar a reserva. A doutrina, em geral, satisfaz-se (1) com a previsão dos meios prestacionais no orçamento; (2) que a aplicação destes meios tenha nele um suficiente esboço; (3) que a destinação desses meios caiba dentro das competências constitucionais atribuídas à administração``. CANOTILHO, 2003, p. 731.

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vinculados a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios e, assim, sujeitos

a controle judicial.

Daí não decorre, no entanto, possa o Judiciário substituir-se ao

legislador no papel de definição dos gastos a serem realizados para satisfação

das necessidades socioeconômicas, mas tão-somente exercer o controle de

sua legalidade.

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2 O DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO

Afirmar o direito da pessoa humana à educação é pois assumir uma responsabilidade muito mais pesada do que assegurar a cada um a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo: significa, a rigor, garantir para toda criança o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual.

Jean Piaget

2.1 Educação como necessidade cultural do homem

A educação é uma das necessidades básicas do homem [aquelas

que não dependem de fins nem de objetivos particulares do sujeito]1, inerente

ao seu pleno desenvolvimento enquanto ser social e, como tal, uma

necessidade cultural, cujo conceito abrange, segundo sustenta Agnes Heller,

as necessidades socioeconômicas2.

Educação3 é, assim, compreendida como uma necessidade cultural

porque se apresenta como meio de transmissão não só de conhecimentos,

experiências e técnicas para a formação individual do homem, senão também

dos modos de vida próprios de cada sociedade.

1 Sobre a noção de necessidades básicas, cfr. ROIG, Maria José Añon. Necessidades e Direitos. Um ensaio de Fundamentação. [Necesidades y Derechos. Un ensayo de fundamentación]. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994. p. 32. 2 Cfr.HELLER, Agnes. Uma revisão da teoria das necessidades. [Una revisión de la teoría de las necesidades]. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1996, p. 119. 3 Sobre o conceito de educação veja-se: ´´Em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e o biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação``. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 305.

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É que ´´a cultura se define como algo muito mais abrangente do que

o simples resultado da ação intelectual do homem; ela é o próprio modo de ser

humano, ´´o mundo próprio do homem``4 e essas manifestações são

transmitidas para as gerações seguintes por meio do processo educacional.

Sendo uma manifestação cultural do homem e estando relacionada à

realidade social existente, a satisfação dessas necessidades educacionais

deve fazer-se conforme o contexto em que se inserem.

2.2 Antecedentes e contextualização do direito à educação

A educação vem sendo praticada, desde os primórdios da civilização

ocidental, segundo perspectivas as mais diversas em função do contexto

histórico, social, e político existente.

Na Grécia antiga, como não poderia deixar de ser, posto que

conhecida como a pátria da razão e berço da filosofia, brotaram diferentes

idéias e práticas relacionadas à educação.

Assim, os sofistas, tidos como mestres ambulantes porque não

pregavam em escolas ou locais fixos, propunham uma doutrina voltada à

preparação ou ensino de habilidades para argumentação como instrumento de

projeção na vida política 5.

Para Sócrates, diferentemente, todo o trabalho de educação era

voltado à ética e, nesse sentido, ´´o essencial da educação tanto individual

4 Cfr. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. Editora Vozes: Petrópolis, 2005, p.20. 5 Segundo acentua Werner Jaeger ´´A educação sofística não surgiu apenas de uma necessidade política e prática.Tomou o Estado como termo consciente e medida ideal de toda a educação. O Estado aparece na teoria de Protágoras como fonte de todas as energias educadoras. Além disso, o Estado é uma grande organização educacional que impregna deste espírito todas as suas leis e instituições sociais``. JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 373. Cf., também, ROCHA, ZEFERINO. A morte de Sócrates. Uma mensagem ética para nosso tempo. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1994. p. 164. ´Antes de se apresentar com uma doutrina propriamente dita, a sofística era uma profissão. Nesse sentido, lembra Henri Marrou, os sofistas foram os predecessores dos professores universitários dos nossos dias (cf. Hernri MARROU, op cit. 85). Olhada deste modo, a sofística é, antes de tudo, um método de ensino cujo valor intelectual principal é a erudição, que coloca o homem na posse de todos os conhecimentos úteis ao seu objetivo político (cf. Émile BREHIER, Histoire de la Philosophie, T.I, p. 82)` .

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quanto política não podia ser outra coisa senão cuidar da alma para torná-la

melhor e mais ´virtuosa` ``6. Para tanto, propõe o reconhecimento da ignorância

como requisito para alcançar o verdadeiro conhecimento, mediante o uso do

método dialético da maiêutica ´´que leva aquele que reconhece sua ignorância

a descobrir que, dentro de si, encontra-se o segredo da verdadeira sabedoria,

pois esta não é outra coisa senão o ato de conhecer-se a si mesmo``.7

Platão trata do problema da formação do homem sob o enfoque do

Estado ideal, fazendo a correlação entre o Homem e o Estado, de modo a

apresentar o Estado e a sua estrutura como reflexo da estrutura interna do

homem. Nesse sentido, como acentuado por Werner Jaeger, ´´o homem

perfeito só num Estado perfeito se pode formar, e vice-versa; a formação deste

tipo de Estado é um problema de formação de homens``8.

Aristóteles, por sua vez, diante da importância da polis no cenário

grego, concebe a educação como o meio para desenvolver as faculdades

espirituais, intelectuais e físicas dos cidadãos de modo a alcançar a virtude do

indivíduo e o bem-estar do Estado, sendo, portanto, esta a finalidade última do

processo educacional. 9

Ao longo da Idade Média, o cristianismo10, pregando a dualidade

corpo e espírito e, propondo como meta a felicidade eterna, através da fé e do

amor ao próximo, promove o deslocamento do foco das preocupações

6 Cfr. ROCHA, 1994. p. 198. Nesse sentido veja-se:´´a paideia só tem sentido se ela ajudar a formar o homem para o exercício da areté não só no campo das ações individuais, mas também no campo da atividade política``. 7 Ibid. p. 204. Cfr, também, PILLETI, Nelson. História da Educação. São Paulo: Editora Ática. 2006, p.33. 8 A esse respeito acrescenta Werner Jaeger: ´´A República platônica é, antes de tudo, uma obra de formação humana. [...] E isto explica igualmente a contínua tendência de Plantão a sublinhar a atmosfera pública e a sua importância para a formação do Homem.`` JAEGER, 2001, p. 837. 9 A esse respeito veja-se: ´´ o que mais contribui para a permanência das constituições é a adaptação da educação à forma de governo (...) O cidadão deve ser moldado à forma de governo sob a qual ele vive. `` ARISTÓTELES. Política, V; VIII, 1, apud, DURAND, Will. Os pensadores. A história da filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. p.99. 10Cfr. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 117. ´´ De fato, de acordo como Hannah Arendt, uma das conseqüências importantes da difusão da mensagem cristã que afirmava a imortalidade da vida humana individual foi a de fazer com que a preocupação com a vida e a imortalidade do indivíduo tomassem o lugar antes ocupado pela preocupação com a vida e a imortalidade da polis.``

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filosóficas para o homem, passando tal concepção a influenciar o processo

educacional11.

No período do Renascimento, apresenta destaque a obra Emílio ou

Da Educação de Jean Jacques Rousseau, consubstanciada em ensinamentos

a Emílio, um aluno imaginário alvo de suas lições e reflexões. Ali, Rousseau de

forma magistral assevera: ´´tudo o que não temos ao nascer e de que

precisamos quando grandes nos é dado pela educação``12, sustentando,

inclusive, que a educação para ser perfeita pressupõe o concurso de três

diferentes tipos, que provêm

da natureza ou dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos homens e a aquisição de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas13.

A obra Emílio de Rousseau implica numa ampla abordagem sobre a

educação, apresentando-se como um marco pelas idéias precursoras que

propõe sobre liberdade, sendo a sua linha mestra: educar para a liberdade14.

Nesse sentido, é que se diz

a educação de Emílio tem só um objetivo: formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os constrangimentos. E, para formar um homem livre, há apenas um meio: tratá-lo como um ser livre, respeitar a liberdade da criança`` 15.

11A esse respeito destaca Regina Maria Fonseca: “[...] o homem é formado de corpo e alma, numa busca constante, segundo SANTO TOMÁS DE AQUINO, do seu princípio, e a educação faz parte dessa busca transcendente do homem, faz parte dessa maravilhosa viagem de volta para Deus”. MUNIZ. Maria Regina Fonseca. O Direito à Educação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 359. 12ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Trad. de Roberto Leal Ferreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 9. 13Ibid. p. XXI 14A esse respeito veja-se: ´´Na verdade, encontramos no Emílio de Rousseau os elementos do direito à educação avant la lettre, e toda uma Pedagogia conseqüente. Pode-se argumentar até que a sua verdadeira revolução coperniciana consistiu numa abordagem ético-jurídico- política da educação. Cfr. MONTEIRO, A. Reis. O direito à educação. Lisboa: Livros Horizonte, LDA, 1998, p.23. 15Cfr. ROUSSEAU, op. cit., p. XXI.

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Lançaram-se, assim, num período em que ainda imperava o

absolutismo, as sementes para a posterior consagração da educação como

direito do homem.

Com efeito, os movimentos libertários de reivindicação de

necessidades promovidos durante a Revolução Francesa, culminaram na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de l789, fundada nos

princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, que, são, em última análise,

norteadores do direito à educação, embora ali não contivesse referência

expressa à educação16.

No Estado Liberal, ao contrário do que possa parecer, os ideais de

liberdade que fundamentaram a Revolução Francesa não se refletiram de

forma imediata na educação porquanto, como observa A. Reis Monteiro, entre

os ideólogos daquele movimento não havia consenso quanto à instrução: “uns

eram partidários de um amplo sistema de educação pública, mas outros

temiam o desvio das profissões e a criação de deslocados socialmente”.17

O entendimento de que a educação pública deveria estar fora dos

limites de atuação do Estado pode ser assim explicitado:

A educação deve formar homens, sem tomar em consideração formas sociais determinadas que haveria que repartir pelos homens; não necessita, portanto, do Estado. Entre homens livres, todos os ofícios progridem mais e melhor, todas as artes florescem dum modo mais formoso, todas as ciências se desenvolvem. Entre homens livres são mais estreitos também os vínculos familiares; os pais preocupam-se mais zelosos pelos filhos e, quando se tem um maior grau de bem-estar, estão também mais capazes de realizar os seus desejos. Entre homens livres surge a emulação e os educadores são

16Nesse sentido, destaca A. Reis Monteiro: ´´ Na Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 não se encontra a palavra ´educação` ausente também das Declarações americanas de Direitos. A Constituição Francesa de 1791 – a primeira que tinha à cabeça a Declaração de 1789, previa < um estabelecimento geral de Socorros públicos para educar crianças abandonadas>, assim como < uma Instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita no que respeita às partes do ensino indispensáveis para todos os homens> ( Título primeiro – Disposições fundamentais garantidas pela Constituição). A nova Declaração que introduzia o Acto constitucional de l973 reconhecia: << A instrução é uma necessidade de todos>>. MONTEIRO, A. Reis. O direito à educação. Lisboa: Livros Horizonte, LDA, 1998, p.36. 17Ibid. p. 36.

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melhores porque a sua sorte depende do êxito do seu trabalho e não da promoção esperada do Estado18.

Assim, analisando, sob o aspecto educacional, o regime liberal

instalado no século XVIII, que propunha a libertação plena do indivíduo em

reação às restrições impostas pelo absolutismo até então vigente, Anísio

Teixeira observa que

[...] não se compreendera, em toda a extensão, a dependência de um tal regime de um novo nível educacional da humanidade. Muito pelo contrário, não faltaram teoristas do novo individualismo para julgar a oferta de oportunidade iguais de educação a todos, como algo completamente insensato. Como o alimento, a casa e a roupa, a educação era algo a ser conseguido pela iniciativa individual e à custa do próprio indivíduo19.

Este seria o grande paradoxo de um regime que pregara liberdades

de toda ordem, dado que ´´essas liberdades estavam, com efeito, subordinadas

a uma condição fundamental: a educação. O homem precisa educar-se, formar

a inteligência, para poder usar eficazmente as novas liberdades``20.

E tal é a relação entre educação e liberdade que educação como

direito, cuja conquista se deu apenas no século XX, pressupõe uma diferente

compreensão de liberdade, não mais restrita ao seu aspecto negativo

[ausência de restrições], mas em sua dimensão positiva, que pressupõe a

igualdade na partida, significando, nesse sentido, que deve ser concebida

[...] como algo que se consegue, se forem dadas ao homem as condições necessárias e suficientes. Um mínimo de oportunidades iguais é indispensável para que as capacidades, melhor diríamos potencialidades, do organismo biológico humano venham a desenvolver-se, produzindo inclusive o que chamamos de mente e inteligência, que rigorosamente, não é algo inato, mas um produto social da educação e do cultivo [...] não sendo inata senão a possibilidade de determinado organismo humano se fazer um e outro, se a sua história, as suas experiências, as pessoas

18HUMBOLT, Wilhelm Von. Os limites da acção do Estado. Trad. de Fernando Couto. Porto-Portugal: RÉS Editora. p. 57-62. 19TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação é um direito. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. p. 29. 20 Ibid. p. 27.

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com quem conviver e se agrupar, ou seja, a sua educação, a isto o ajudarem.21

Com efeito, somente após a 2ª. Guerra Mundial, em razão das

atrocidades cometidas pelo nazismo e da conseqüente relevância atribuída à

dignidade da pessoa humana, aí compreendida a educação como um dos

aspectos inerentes ao pleno desenvolvimento do homem, é que, de fato, resta

consagrado o direito à educação, sendo proclamado, no artigo 26, da

Declaração Universal dos Direitos do Homem de l948,

1. Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que diz respeito ao ensino elementar e fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve ser assegurado a todos, em plenas condições de igualdade, em função do mérito [...]22,

assim também, no Pacto de San José da Costa Rica23, relativo aos direitos

econômicos, sociais e culturais, em cujo Primeiro Protocolo Adicional, de 1988,

consta expressamente:

Artigo 13 Direito à educação

1. Toda pessoa tem direito à educação.

21 TEIXEIRA, 2004. p. 41. 22ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas. Disponível em:<http://www. mj.gov.br/sedh;ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal_.htm . Acesso em 18 de jan, 2008. 23ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção Americana de Direitos Humanos [Pacto de San José da Costa Rica], San José da Costa Rica, em 22.11.1969, ratificada pelo Brasil em 25.09.1992. Disponível em: <http://www.fenaj.org,br/arquivos/convecao_americana_de _direitos_humanos.doc. Acesso em: 18 de jan. 2008. Acesso em 18 de jan, 2008. A esse respeito acentua A. Reis Monteiro: “Na carta internacional dos direitos do homem, o direito à educação é enunciado no Artigo 26 da Declaração universal e nos Artigos 13 e 14 do Pacto internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais. Na declaração, a educação é também referida no Preâmbulo (ensino e educação para todos os homens) e é implicitamente visada pelo Artigo 18 (relativo à liberdade de pensamento, de consciência e de religião) e pelo Artigo 27 (relativo à cultura) (...) Os Artigos 13 e 14 do referido Pacto retomam e desenvolvem o conteúdo do Artigo 26 da Declaração. O Artigo 18 do Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos menciona o ensino e a educação religiosa e moral, no âmbito do direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”. MONTEIRO, A. Reis Monteiro . O direito à educação. Lisboa: Livros Horizonte, LDA, 1998, p.341.

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2. Os estados-partes neste Protocolo convêm em que a educação deverá orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade, e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz. Convêm também em que a educação deve tornar todas as pessoas capazes de participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista e de conseguir uma subsistência digna; bem como favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz24.

Consolida-se, dessa forma, o direito à educação, inclusive com as

supervenientes disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança

(Nações Unidas, 1989)25, como um direito novo, assim considerado

na medida em que significa que a razão pedagógica não deve ser a razão natural da família, nem a razão política do Estado, mas a razão ética dos ´´direitos do homem``, que vincula e limita, hoje, tanto a tradicional omnipotência familiar como a clássica soberania nacional. Por conseqüência, o paradigma do direito à educação não está centrado no planeta dos adultos, nem no sol da infância, mas ex-centrado no universo dos direitos do homem, onde não há pais e filhos, maiores e menores, professores e alunos, mas sujeitos diferentes e iguais em dignidade, liberdade e direitos.26

2.3 Significação do direito à educação

A compreensão de direito à educação adotada nesta pesquisa parte

da já referida idéia de direito como expressão da reivindicação de

24MONTEIRO, 1998, p. 102. 25BRASIL, Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de l990, Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança, cujo art. 29 estabelece: ´´1. Os Estados Partes reconhecem que a educação da criança deve estar orientada no sentido de: a)desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental favorecer o desabrochar da personalidade da criança em todo seu potencial; b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas; c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origm,e aos das civilizações diferentes da sua; d) preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena; e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente``. 26MONTEIRO, op.cit. , p. 82.

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necessidades do homem e do entendimento de que estas necessidades não se

apresentam apenas no plano material senão também no social, político e

cultural estando aí consequentemente inserida a educação.

Daí não se segue, contudo, a significação de educação como mera

necessidade individual, mas como necessidade social, por se tratar de

interesse não só do indivíduo mas da sociedade, sendo correto afirmar, com

Anísio Teixeira que ´´é público o novo interesse, a nova necessidade de

educação``, isto porque, sem excluir a conveniência do reforço da educação

privada, acentua:

é a sociedade, como um todo, que, mais do que qualquer outro grupo, estará interessada na formação do cidadão, do membro desse corpo social extremamente complexo e plural em que ela se transformou 27.

Educação é, assim, compreendida como uma necessidade

fundamental da criança, do adolescente e de quem quer que não tenha tido

acesso na idade própria, sendo a esse respeito, bastante elucidativa a

Declaração mundial sobre a educação para Todos: Satisfação das

Necessidades Básicas de Aprendizagem, adotada pela Conferência mundial

sobre a educação para todos (Jomtien, Tailândia, 1990), cujo artigo 1 dispõe:

Essas necessidades dizem respeito tanto aos instrumentos essenciais de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas) como aos conteúdos educativos fundamentais (conhecimentos, aptidões, valores, atitudes) de que o ser humano tem necessidade para sobreviver, para desenvolver todas as suas faculdades, para viver e trabalhar com dignidade, para participar plenamente no desenvolvimento, para melhorar a qualidade da sua existência, para tomar decisões esclarecidas e para continuar a aprender. O campo das necessidades educativas fundamentais e a maneira como convém responder-lhes variam, segundo os países e as culturas inevitavelmente no decorrer do tempo28.

27TEIXEIRA, 2004. p. 46. 28ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990. Disponível em: <http://www.unicef.org/brasil/pt/resouces_10230.htm. Acesso em 18 de jan, 2008.

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Como mencionado, o campo das necessidades educativas

fundamentais deve ser pensado levando em conta o contexto em que estão

inseridas tais necessidades.

Pensar no significado ou significação teórica do direito à educação

no Brasil implica, assim, em correlacioná-lo à sua realização prática.

Em outras palavras, a compreensão do direito à educação definido

no sistema pátrio, em nível de ensino fundamental, como direito subjetivo

público29, pressupõe o reconhecimento de que o processo educacional na

realidade social brasileira requer para a integral satisfação de todas as

necessidades educativas fundamentais das crianças mais do que a simples

oferta de aulas em escolas públicas30.

Com efeito, não basta a oferta formal de vagas no sistema público de

ensino, faz-se necessária a implementação de programas de atendimento

complementar e medidas de apoio que assegurem a permanência e o sucesso

do aluno no processo de aprendizagem.

O direito à educação deve significar para o educando a possibilidade

de ter acesso não só à vaga em escola pública, mas também ao material

didático compatível com nível de ensino ofertado, merenda escolar, transporte

escolar, fardamento e outros itens que se façam necessários ao aprendizado,

inclusive, no que concerne às condições de infra-estrutura do ambiente escolar,

devendo ainda implicar na habilitação e qualificação do corpo docente, de

modo a propiciar um ensino de qualidade e despertar no educando o desejo de

aprender.

Teria sentido assegurar-se a vaga na escola se o aluno não tem

condição de freqüentar as aulas por não dispor de meios para conduzir-se até

aquele local! Teria sentido assegurar-se a vaga na escola se devido à carência

29BRASIL, Constituição Federal, art. 208. “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I- ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. [...] § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. 30A esse respeito veja-se: ´´A educação para o desenvolvimento, numa realidade complexa, como é a brasileira, teoricamente não é um conceito fácil de se construir, já que se trata de pensar a educação num contexto profundamente marcado por desníveis. E pensar a educação num contexto é pensar esse contexto mesmo: a ação educativa processa-se de acordo com a compreensão que se tem da realidade social em que se está imerso``. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 2005, p. 23.

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econômico social da família do educando não tem este acesso ao material

didático-escolar necessário ao aprendizado! Ou ainda: se a falta de

alimentação adequada à idade compromete o desenvolvimento pedagógico!

Enfim, o direito à educação apresenta significação ampla porquanto

não restrito ao acesso ao ensino ou escolarização do aluno, pressupondo,

como referido, a oferta de condições para propiciar o aprendizado (mediante a

oferta de práticas pedagógicas e meios adequados) e o conseqüente sucesso

escolar do educando, de modo a torná-lo apto à vida na sociedade

contemporânea.

De outra parte, a construção da significação do direito à educação

leva, necessariamente, à consideração do correlato dever do Estado em ofertá-

la, mediante prestação de serviços educacionais nas escolas da rede pública

de ensino, o que, todavia, não exclui a sua oferta pelo setor privado, por força

do modelo de Estado adotado na Constituição Federal de 198831.

Daí que a compreensão do direito à educação pressupõe a fixação

dos seus diferentes sentidos ou significados correspondentes às diferentes

categorias jurídicas.

2.4 Categorias do direito à educação

O direito à educação, consoante destacado por A. Reis Monteiro,

´´ [...] é, talvez, o mais complexo dos direitos do homem, pela singular

pluralidade e ressonância individual e social do seu conteúdo``32,

consubstanciando-se, assim, em distintas categorias: ora como direito de

liberdade [direito de defesa], como direito de igualdade [direito social

prestacional] e ainda como direito de participação. Neste sentido, o direito à

educação é, segundo enfatiza,

[...] o principal direito cultural, pois condiciona o exercício de todos os outros. Mas também tem elementos de ´´primeira

31BRASIL, Constituição Federal, art. 209: ´´o ensino é livre à iniciativa privada desde que atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional; autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público``. 32MONTEIRO, 1998, p. 51.

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geração``: a liberdade de e na educação. É, por isso, um direito misto: um direito-liberdade (contra o Estado, nomeadamente) e um direito-igualdade (credor da intervenção do Estado). E é também um direito-solidariedade, na medida em que requer a cooperação internacional33.

2.4.1 Direito à educação como direito de defesa

O direito à educação, na perspectiva de direito-liberdade, pressupõe

a compreensão de liberdade como ausência de restrições ou, na lição de

Bobbio34, liberdade-negativa, consistente na não interferência do Estado na

esfera de autonomia individual.

Neste sentido, as disposições constantes do Protocolo sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), aprovado pelo

Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de l995, que trata sobre o Direito à

Educação de seguinte teor:

Art. 13 Direito à Educação

[…]

4- De acordo com a legislação interna dos Estados-partes, os pais terão direito a escolher o tipo de educação que deverá ser ministrada aos seus filhos, desde que esteja de acordo com os princípios enunciados acima;

5- Nenhuma das disposições deste Protocolo poderá ser interpretada como restrição da liberdade das pessoas e entidades de estabelecer e dirigir instituições de ensino, de acordo com a legislação interna dos Estados-partes35;

No sistema normativo brasileiro, o ensino é livre à iniciativa privada,

consoante assim disposto no artigo 209, da Constituição Federal:

o ensino é livre à iniciativa privada desde que atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da

33MONTEIRO, 1998. p. 51. 34Cfr. BOBBIO, 1992. p. 87. 35BRASIL, Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de l995. Aprova dos textos do Protocolo sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador) adotado em São Salvador, em 17 de novembro de l988, e do Protocolo referente à Abolição da Pena de Morte, adotado em Assunção, Paraguai, em 8 de junho de l990.

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educação nacional; autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público 36.

Significa dizer que o setor privado, respeitadas as condições

mencionadas, tem direito à oferta de ensino, que será ministrado com base nos

princípios constitucionais consistentes na liberdade de aprender, ensinar,

pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e no pluralismo de idéias

e de concepções pedagógicas, sendo, assim, assegurada a coexistência de

instituições públicas e privadas de ensino37.

O direito-liberdade na educação encontra-se consubstanciado nos

princípios constitucionais mencionados, tendo o indivíduo e a família autonomia

na escolha das diferentes propostas pedagógicas e projetos político–

pedagógicos das escolas que integram a rede privada de ensino, respeitada na

educação a pluralidade cultural e de crença38, sendo tão-somente prevista na

Constituição Federal a fixação de ´´[...] conteúdos mínimos para o ensino

fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos

valores culturais e artísticos nacionais e regionais``39.

Assim, se de um lado, a educação pressupõe a liberdade no ato de

ensinar e aprender, por outro, possibilita, consoante sustentado por Paulo

Freire40, a libertação do indivíduo, sendo um inequívoco meio para o exercício

das liberdades individuais e, consequentemente, para a cidadania.

36BRASIL, Constituição Federal. Art. 209: O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: [...] II- autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. 37BRASIL, Constituição Federal. Art. 206: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios [...]; II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino [...] 38BRASIL, Constituição Federal. Art 5º [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. 39BRASIL, Constituição Federal. Art. 210: Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. 40FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2005. p. 81. ´´A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstração nem sobre este mundo sem homens, mas sobre os homens em suas relações com o mundo. Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa.``

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2.4.2 Direito à educação como direito de participação

O direito à educação também se manifesta sob a forma de direito de

participação, assim, compreendido como prerrogativa de acesso às decisões

do poder político na organização estatal41 .

No âmbito da educação, a própria Constituição Federal, ao dispor

sobre os direitos fundamentais da criança e do adolescente e, como tal, do

direito à educação estabelece, em seu artigo 227, § 7º, ´´[...] no atendimento

dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto

no artigo 204``, que trata da participação popular na formulação de políticas

públicas42.

Significa dizer que o direito à educação consubstancia-se, por força

do princípio constitucional da gestão democrática do ensino público43, na

participação popular na formulação das políticas públicas de assistência à

criança e adolescente, por meio de Conselhos de Direitos da Criança e do

Adolescente, concebidos como instrumentos garantidores de participação

popular, com poderes de deliberação quanto às políticas públicas voltadas à

criança e ao adolescente e, também, de controle quanto à sua

implementação44, consoante disposto no artigo 88, inciso II, do Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

[...]

II- criação de conselhos municipais, estaduais e nacionais dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a

41Cfr. ROCHA, José Elias Dubard de Moura. Interesses coletivos: ineficiência de sua tutela judicial. Recife: Editora UFPE, 2003, p. 135. 42BRASIL, Constituição Federal. Art. 204: As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no artigo 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: [...] II- participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. 43BRASIL, Constituição Federal. Art. 206: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios [...] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; 44Cfr. LIBERATI, Wilson Donizeti. Conselhos e fundos no estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Malheiros Editores, 1993. p. 99.

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participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais45.

Observe-se que o direto de participação na formulação de políticas

públicas na área educacional está diretamente correlacionado ao direito

prestacional à educação, porquanto este último pressupõe a definição de

políticas públicas e alocação de recursos específicos em orçamento.

O princípio da gestão democrática do ensino público é, ainda,

assegurado, por meio de participação dos pais ou responsáveis no processo

pedagógico, nos termos do artigo 53, parágrafo único, do Estatuto da Criança e

do Adolescente- ECA, assim expresso:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

[...]

IV- direito de organização e participação em entidades estudantis;

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais46.

O acesso ao processo pedagógico se dá mediante participação nos

Conselhos Escolares, na forma disposta no art. 14, II, da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional - LDB47, assim como a participação dos

estudantes no âmbito escolar está consubstanciada no direito de organização e

participação em entidades estudantis previsto no artigo 53, do ECA,

decorrente do direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso XVII, da

45BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de l990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 88. 46BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de l990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 53. 47BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996.Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 14: Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: [...] II- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

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Constituição Federal, que prescreve: ´´É plena a liberdade de associação para

fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar``48.

2.4.3 Direito à educação como direito prestacional

O direito prestacional à educação49 implica no correlato dever do

Poder Público de prestar serviços educacionais consistentes na oferta regular

de ensino, tanto em unidades do sistema Federal, quando se tratar de

educação superior, como em unidades da rede pública Estadual e Municipal

para crianças, adolescentes e àqueles que não tiveram acesso à educação na

idade própria, nos diferentes níveis de ensino que compõem a educação

básica, quais sejam: educação infantil [creche e pré-escola], caracterizada

como a primeira etapa da educação básica, tendo por finalidade o

desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade50; ensino

fundamental iniciado aos seis anos de idade, objetivando a formação básica do

cidadão51 e ensino médio, etapa final da educação básica, cuja finalidade é a

consolidação dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental e

preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania52.

A prestação de serviços educacionais pelo Poder Público se dá,

assim, nas diferentes esferas de poder Federal, Estadual ou Municipal,

48BRASIL, Constituição Federal. Art. [...] XVII – É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. 49BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 21. A educação escolar compõe-se de: I- educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II- educação superior. 50BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art.29. 51BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com as alterações da Lei n. 11.274, de 2006. Art.32. O ensino fundamental, com duração mínima de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:I- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III- o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV- o fortalecimento dos vínculos da família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social 52BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 35.

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conforme o nível de ensino ofertado se trate de educação superior ou

educação básica, respectivamente.

Acresça-se, ainda, que a oferta regular de serviços educacionais a

serem prestados pelo Poder Público pressupõe o atendimento à demanda de

crianças e adolescentes por vagas em escolas da rede pública de ensino,

[aspecto quantitativo da oferta de ensino em relação à demanda de vagas], e

também ao aspecto qualitativo, assegurando-se não só o acesso em igualdade

de condições ao ensino público, bem como a garantia de padrão de qualidade

de ensino conforme estabelecido no artigo 206, incisos I e VII, da Constituição

Federal, de seguinte teor:

Art. 206 . O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios [..];

I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]

VII- garantia de padrão de qualidade.

Trata-se de garantia constitucional não só de acesso ao ensino,

sendo este, em nível fundamental, obrigatório e gratuito para todas as crianças

a partir dos seis anos de idade e adolescentes, inclusive, para os que não

tiveram acesso na idade própria, mas também de oferta de condições materiais

para atendimento às necessidades do educando, com vistas à garantia de

padrão de qualidade de ensino.

A oferta de ensino implica, assim, no dispêndio de recursos e, como

tal na disponibilidade de meios por parte do ente estatal.

Daí decorre que os serviços educacionais ofertados pelo Poder

Público [União, Estados, Distrito Federal e Municípios] pressupõem a definição

de políticas públicas voltadas à realização da prestação educacional e a

alocação de recursos em orçamento para garantir a legalidade da realização da

despesa, evidenciando-se, portanto, a correlação existente entre o direito

prestacional à educação e o direito de participação na formulação de políticas

na área educacional como já mencionado.

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Neste sentido, a própria Constituição Federal assegura a

destinação de recursos, fixando percentuais de transferência de impostos a

serem aplicados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a

manutenção e desenvolvimento do ensino, nos seguintes termos:

Art. 212: A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Para efeito de aplicação de recursos nos diferentes níveis de ensino,

cada uma das esferas de poder está vinculada às atribuições que lhes são

próprias. Tanto assim que, ao definir as atribuições dos Municípios, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB dispõe :

Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:

[...]

V- oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino53.

Significa dizer que o poder Municipal, incumbido de atuar

prioritariamente na educação infantil e no ensino fundamental na forma do §2º,

do art. 211, da Constituição Federal54, somente poderá aplicar recursos em

outro nível de ensino como o ensino médio, por exemplo, desde que atendidas

as necessidades próprias de sua área de competência.

53BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 11. 54BRASIL, Constituição Federal. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. [...] § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

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2.5 O direito prestacional à educação no sistema normativo brasileiro

A Constituição Federal de l988 disciplina o direito à educação,

enquadrando-o na categoria dos direitos sociais, conforme assim disposto em

seu artigo 6º:´´são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,

o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição``55.

A educação é tratada em capítulo próprio na Carta Federal de 1988,

sendo definida em seu art. 205, como direito de todos e dever do Estado e da

família56, devendo ser assegurada com absoluta prioridade à criança e ao

adolescente57, com a colaboração da sociedade para o fim de promover o

pleno desenvolvimento da pessoa humana, o preparo para o exercício da

cidadania e a qualificação para o trabalho.

O direito à educação é consagrado como instrumento de formação

plena da pessoa humana, de realização da cidadania e formação para o

trabalho, sendo para tanto, estabelecidos, no artigo 206, da Carta Federal,

como princípios inerentes à educação: a igualdade de condições para acesso e

permanência na escola, gratuidade de ensino em estabelecimentos oficiais,

liberdade de aprender e ensinar, pluralismo de idéias e concepções

pedagógicas, valorização dos profissionais do ensino, gestão democrática do

ensino público e garantia de padrão de qualidade58.

55BRASIL, Constituição Federal. Art.6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 56BRASIL, Constituição Federal. Art 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 57 BRASIL, Constituição Federal. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação [...] 58BRASIL, Constituição Federal. Art. 206: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, III- pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituição públicas e privadas de ensino, IV- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V- valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de cargos e salários, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII- garantia de padrão de qualidade.

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Dos princípios que regem a educação, previstos na Constituição

Federal e reproduzidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-

LDB, cabe destacar, em relação à oferta de ensino pelo Poder Público, a

garantia de padrão de qualidade de ensino como princípio norteador da

educação, em razão da compreensão de que ´´o processo de aprendizagem

precisa estar acima de tudo, porque é a razão de ser dos sistemas

educacionais``59 .

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, na mesma

linha, ao dispor sobre o dever do Estado com a educação, define a garantia de

padrão de qualidade como ´´variedade e quantidade mínimas, por aluno, de

insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-

aprendizagem``60, prescrevendo, ainda, que ´´será objetivo permanente das

autoridades responsáveis alcançar relação adequada entre o número de alunos

e o professor, a carga horária e as condições materiais do estabelecimento``61.

De outra parte, a Lei que regulamenta o Fundo de Manutenção e

desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério-

FUNDEF estabelece, em seu art. 9º, que os Estados, Distrito Federal e os

Municípios deverão dispor de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério,

de modo a assegurar: [...] III- a melhoria da qualidade do ensino62. Nesse

sentido, a capacitação permanente dos docentes é aspecto relevante para a

garantia de padrão de qualidade de ensino, devendo sua importância ser

considerada, não no sentido de fazer do professor a figura central do processo

pedagógico, mas por viabilizar uma aprendizagem significativa, na qual o papel

de facilitação exercido pelo professor pode ser considerado ´´a condição mais

59Cfr. DEMO, Pedro. A nova LDB. Ranços e avanços. São Paulo: Papirus Editora, 2003, p. 23. 60BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...] IX- padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. 61BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 25. 62BRASIL, Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de l996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, da Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, cujos arts. 1º a 8º e 13 foram revogados por força da Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007, que institui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB.

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importante que deve ser cumprida pelas atividades de aprendizagem-ensino

dirigidas à compreensão.63``

O dever de ofertar educação pelo Estado é, por sua vez, definido no

artigo 208, que assim dispõe:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I- ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada a sua oferta inclusive para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II- progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV- educação infantil, em creche e pré-escola a crianças de zero até 5 (cinco) anos de idade;

V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII- atendimento ao educando através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

As diretrizes para a efetivação do correlato dever do Estado com a

educação são, portanto, garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito a

todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria, com atendimento ao

educando, por meio de programas suplementares de material didático-escolar,

transporte, alimentação e assistência à saúde; progressiva universalização do

ensino médio; atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis

anos de idade. 64

O dever prestacional à educação abrange a oferta de ensino pelo

Poder Público, em diferentes níveis ou etapas da educação, quais sejam,

educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, que compõem a

educação básica, e ensino superior, respectivamente inseridos no âmbito de

atuação prioritária de cada um dos entes da Federação e também em

63Cfr. COLL, César. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. p. 45. 64BRASIL, Constituição Federal. Art. 208.

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diferentes modalidades de ensino [regular, educação especial, educação de

jovens e adultos].

A oferta de educação em nível fundamental é efetivada na

modalidade regular, prevista no art. 210, § 2º da CF 65, na modalidade

educação especial, para alunos com deficiência [visual, auditiva, física, mental

e outras], sendo prestada, preferencialmente, na rede regular de ensino,

quando possível a inclusão do aluno especial ou em escolas especializadas,

assim reconhecidas por oferecerem atendimento educacional especializado e,

ainda, na modalidade educação de jovens e adultos para aqueles que estão

fora de faixa escolar e que por tal razão apresentam necessidades específicas.

Cada uma dessas modalidades apresenta especificidades, fazendo-

se necessário a utilização da língua brasileira de sinais [LIBRA], código de

Braile, acessibilidade das instalações físicas das escolas, entre outras, quando

se trata de atendimento aos portadores de necessidades especiais e, também,

técnicas pedagógicas, material didático adequado, especialização do corpo

docente, integração com programas de profissionalização, etc. para os alunos

que não tiveram acesso à educação na idade própria. 66 E mais: a educação

indígena, que pressupõe, consoante o art. 210, § 2º da CF, o ensino bilíngüe

[na língua da comunidade indígena e em português] e processos próprios de

aprendizagem.

As peculiaridades das diferentes modalidades de ensino não serão

aqui tratadas, porquanto a pesquisa tem como marco espistemológico

demandas coletivas que envolvem necessidades educacionais inerentes ao

desenvolvimento do ensino fundamental regular.

Em relação à obrigatoriedade de oferta de ensino fundamental, a

Constituição do Estado de Pernambuco, na mesma linha da Constituição

Federal, prescreve:

Art. 178 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...]

65 BRASIL, Constituição Federal. Art. 210. § 2º. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. 66 Sobre as especificidades das modalidades de ensino veja-se: Avaliação técnica do plano nacional de educação. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2004. p. 115.

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V – garantia de padrão de qualidade.

Parágrafo único – O Poder Público deverá assegurar condições para que se efetive a obrigatoriedade do acesso e permanência do aluno no ensino fundamental, através de programas que garantam transporte, material didático, alimentação e assistência à saúde67.

Em relação às condições materiais para que se efetive o acesso e

permanência na escola, observe-se que a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional - LDB, ao definir o que pode ser considerado gasto com a

educação, inclui, entre os recursos destinados ao ensino fundamental,

atendimento a necessidades relativas à aquisição de material didático-escolar e

manutenção de programas de transporte escolar68, ficando excluídas

necessidades relativas à merenda e outras formas de assistência ao

educando69, conforme assim prescrito:

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: [...] programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social.

A garantia de acesso ao ensino fundamental, por força do disposto

no artigo 53, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente70, que assegura

acesso à escola pública e gratuita próxima à residência do educando, implica

no correlato dever do Poder Público de ofertar vagas em escolas da rede

pública de ensino na localidade onde reside o aluno.

Essa garantia pressupõe a compatibilização entre a demanda de

alunos em determinada localidade e a oferta de vagas pelo Poder Público

Estatal ou Municipal para atendimento a comunidades ali residentes, de forma

a evitar a absorção de alunos em quantitativo superior ao comportado pelas 67PERNAMBUCO, Constituição do Estado de. Art. 178. 68BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 70. Considerar-se-á como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: [...] aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar 69BRASIL, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: [...] programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social. 70BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de l990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 54.

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instalações físicas da escola, fato que tem levado algumas unidades a ofertar

três turnos de ensino [turnos intermediários] em prejuízo do cumprimento de

carga horária anual prevista na LDB e com comprometimento do padrão de

qualidade do ensino.

Há, portanto, uma série de variáveis a serem observadas quando se

trata de assegurar a regularidade da oferta de ensino fundamental.

Com efeito, se, por um lado, o Poder Público tem buscado priorizar a

universalização do acesso ao ensino fundamental, em razão das metas

estabelecidas no Plano Nacional de Educação - PNE, instituído pela Lei n.

10.172/0171, por outro, tem-se verificado em escolas das redes públicas de

ensino, superlotação de salas de aula, turnos intermediários, e outros aspectos

que comprometem a qualidade do ensino.

Aliás também encontram-se previstas no PNE metas relativas à

qualidade do ensino, tais como, melhoria das taxas de rendimento e fluxo,

correção da distorção idade-série, melhoria das condições de ensino no

tocante às estruturas físicas das escolas, equipamentos etc. 72

2.5.1 Ensino fundamental e sua previsão constitucional como direito subjetivo

público

Importa acentuar que dos níveis de ensino ou etapas que compõe o

processo educacional o ensino fundamental é o único a ser definido como

direito subjetivo público, nos termos do artigo 208 da Constituição Federal:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I- ensino fundamental obrigatório e gratuito [...]

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

71Cfr. BRASIL, Avaliação técnica do plano nacional de educação. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2004, p. 65. ‘’Relativamente a universalização do acesso, as diretrizes do PNE indicam que, não é condição suficiente a garantia pelo poder publico da oferta de vagas a todos os alunos. Existem fatores relacionados às condições sociais e econômicas dos estudantes e de suas famílias, tais como trabalho infanto-juvenil, mobilidade geográfica, desemprego, conflitos e desestruturação familiar, entre outros, os quais incidem fortemente sobre o zelo das famílias pela matricula, a regularidade da freqüência às aulas e a permanência durante o ano letivo e ao longo do curso.” 72 Ibid.

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§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Daí se infere que o não-oferecimento do ensino fundamental

obrigatório, definido como direito subjetivo público, ou sua oferta irregular

implica em responsabilidade da autoridade competente.

No mesmo sentido, estabelece o art. 177, parágrafo único, da

Constituição do Estado de Pernambuco:

Art. 177 – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.[...]

Parágrafo único – O não fornecimento do ensino obrigatório e gratuito pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente73.

O acesso ao ensino fundamental como direito subjetivo público é

também previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB,

sendo, inclusive, assegurado, na forma do art. 5º, § 3º, daquela lei a

´´qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização

sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, ao

Ministério Público acionar o Poder Público para exigi-lo74``.

Tal foi o destaque conferido ao ensino fundamental, definido como

direito subjetivo público, que a Constituição Federal prescreve a sua oferta

mediante regime de colaboração entre as esferas de poder Estadual e

Municipal, de modo a assegurar a universalização desse nível de ensino,

conforme previsto no § 4º, do artigo 211, daquela Carta75, regulamentado pelo

art. 10, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, assim

expresso:

Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de : 73PERNAMBUCO, Constituição Estadual. Art. 177. 74BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art 5º. O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. 75BRASIL, Constituição Federal. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. [...] § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

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[...]

II- definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma das esferas do Poder Público.

O regime de colaboração entre os Estados e Municípios para oferta

do ensino fundamental deve ser realizado de forma proporcional à demanda e

conforme os recursos de cada esfera de poder, observados os percentuais de

transferência de impostos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios

vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos do art. 212,

da Constituição Federal que prescreve:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

[...] § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação. 76

É que, ainda em razão da importância atribuída ao ensino

fundamental, foi estabelecida vinculação de no mínimo 60% (sessenta por

cento) dos recursos destinados à educação para o desenvolvimento e

manutenção do ensino fundamental, por força do disposto no art. 60, do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias, com as alterações da Emenda

Constitucional n. 14/9677, sendo, para tanto, instituído o FUNDEF- Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização dos

Profissionais da Educação, regulamentado pela Lei n. 9.424, de 24 de

dezembro de l996.78

76BRASIL, Constituição Federal. Art. 212. 77BRASIL, Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de l996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 78BRASIL, Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de l996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.

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Cumpre observar que com as alterações da Emenda Constitucional

n. 53/200679, implementando modificações no modelo de financiamento da

educação, os recursos destinados à educação foram vinculados à educação

básica, passando a constituir prioridade de atendimento não só o ensino

fundamental, mas também a educação infantil, ensino médio e educação de

jovens e adultos, sendo inclusive prevista a instituição no âmbito de cada

Estado, Distrito Federal e Municípios, de um fundo de natureza contábil, Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB) regulamentado pela Lei n. 11.494, de 20

de junho de 200780.

A prioridade conferida aos recursos destinados à educação básica,

em todos os seus níveis e modalidades [regular, especial, jovens e adultos],

não implica, contudo, na dispensa da obrigatoriedade de observância do

âmbito de atuação prioritária de cada ente federado, na forma estabelecida no

art. 211, da Constituição Federal, como já referido, de modo a possibilitar, por

exemplo, que o Município, incumbido prioritariamente da educação infantil e do

ensino fundamental oferte o ensino médio ou educação profissional, investindo

recursos nesta área, antes mesmo de atendida a demanda relativa àqueles

níveis de ensino.

2.5.2 Direito subjetivo público vs direitos [interesses] sociais

O direito à educação, consoante disposto no art. 6º da Constituição

Federal, enquadra-se entre os direitos sociais.

Em nível de ensino fundamental é, entretanto, disciplinado como

direito subjetivo público na forma do art. 208, § 1º da CF.

79BRASIL, Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 60. ´´Até o 14º ano (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: [...]``. 80BRASIL, Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de que trata o art. 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.

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A natureza de direito subjetivo público, assim caracterizado pelo fato

de ter o Estado em um dos pólos da relação, assegura ao titular a possibilidade

de fazer valer o seu direito por meio da ação processual correspondente81.

Diferentemente, para os direitos sociais

[...] o remédio ou a ação para proteger tais direitos não consiste na exclusão de outrem (Estado ou particular) numa esfera de interesses já consolidados e protegidos de alguém (indivíduo ou grupo). Trata-se de situações que precisam ser criadas82.

É que a realização dos direitos sociais pressupõe a implementação

de políticas públicas [instrumentos estatais de intervenção na economia e na

vida privada para assegurar as condições necessárias à consecução de

determinados fins], cujo conteúdo é definido pelas instâncias formais de

representação e mediante participação popular na formulação de políticas

públicas, não se coadunando tais características com a natureza de direito

subjetivo.

Não obstante a disciplina do direito à educação em nível de ensino

fundamental como direito subjetivo público venha sugerir a possibilidade de

exigir do Estado, na via judicial, a garantia das condições para atendimento das

necessidades educacionais de modo a assegurar a oferta regular de ensino,

observe-se que

A dificuldade dá-se em transplantar a figura do direito público subjetivo, criado sob a égide do Estado de direito de inspiração liberal, para o contexto de uma Constituição afinada com os padrões do Estado de direito social e democrático. Pela figura do direito público subjetivo, é possível garantir a efetivação da dimensão propriamente social do direito ao ensino fundamental? A pergunta justifica-se porque, como já foi ressaltado, segundo os padrões liberais, os direitos fundamentais geram, para o indivíduo, direitos subjetivos que

81Sobre a noção de direito subjetivo veja-se: São quatro os elementos do direito subjetivo: o sujeito, ou titular da faculdade ou direito; o objeto sobre o qual a faculdade recai ou se exerce; a relação, ou a ação do titular sobre o objeto; o poder de invocar a proteção-coerção, que o direito assegura. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.206. 82FARIA, José Eduardo. (Org.) Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 126.

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o protegem contra a interferência absoluta do Estado. No caso dos direitos sociais, o objetivo é forçar o Estado a criar condições concretas para fruição desses direitos, o que só se realiza por meio de políticas públicas83.

De fato, a ação judicial que vise assegurar a oferta regular de ensino

fundamental implica na criação de condições necessárias para a regularidade

da oferta de ensino porquanto

[...] o direito à educação: é mais do que o direito de conseguir uma vaga e as condições para estudar (ou seja, tempo livre, material escolar, etc.) Ora se a vaga não existe, se não existe tempo livre, se não há material escolar a baixo custo, como garantir juridicamente tal direito? Como transformá-lo de um direito à não interferência (permissão, dever de abstenção) em um direito à prestação (dever de fazer, obrigação) de alguém?84

Em outras palavras: como, então, assegurar a realização de tais

condições se estas dependem da disponibilidade de meios pelo Estado? Isso

sugere ´´[...] uma reavaliação – ao menos parcial – do conceito de direito

público subjetivo, na medida em que aquilo que supostamente é exigível do

Estado depende de forma direita e imediata daquilo que este pode suportar``85.

Implica, portanto, na compreensão da significação desses direitos

tendo em conta o modelo de Estado social e democrático de Direito adotado

pela Constituição Federal.

83HADDAD Sérgio, GRACIANO Mariangela (Orgs.). A educação entre os direitos humanos. Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo, SP: Ação Educativa, 2006. p. 150. 84FARIA, 2002. p. 127. 85GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 220.

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3 A TUTELA JURISDICIONAL DO DIREITO PRESTACIONAL À EDUCAÇÃO

EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA E O PROVIMENTO JUDICIAL CONTRA O

PODER PÚBLICO

Foi-se o tempo em que a mera declaração formal de direitos na Constituição, nas leis ou no ordenamento jurídico como um todo era suficiente. Cidadania não é mais só ´´ter direitos``, solenemente declarados. É, muito diferentemente, ter mecanismos eficazes e concretos de cumpri-los. Inclusive contra o Estado, que numa ordem jurídica, só pode ser concebido sob o Direito e de acordo com o Direito. Cassio Scarpinella Bueno1

3.1 A tutela jurisdicional de direitos sociais prestacionais [ interesses sociais]

3.1.1 Interesses sociais : significação e definição legal

Para Carnelutti ´´O interesse é uma relação``2 e, como tal, está

inserido ´´[...] na categoria das relações de complementariedade, as quais, [...]

não são relações perceptíveis pelos sentidos mas sim deduzíveis pela razão``,

podendo definir-se´´interesse como uma posição favorável para a satisfação de

uma necessidade, e, portanto, como uma relação entre o ente que experimenta

a necessidade (homem) e aquele que é capaz de satisfazê-la (bem)``3.

Partindo da idéia de que a necessidade é o núcleo elementar do

interesse, como adverte J. Elias de Moura Rocha4, pode-se fixar a

compreensão dos conflitos de interesses sociais como sendo aqueles que se

relacionam à satisfação de necessidades sociopolíticas [carências] e, portanto,

vinculada a fatores sociais, econômicos e políticos.

Conflito de interesses sociais corresponde, assim, à idéia de

Dahrendorf sobre o conflito social moderno, caracterizado pela tensão

1 BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2003. p.283. 2CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Trad. Rodrigues Queirós e Arthur Anselmo de Castro. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 2006. p. 85. 3Ibid. 4 Cfr. ROCHA, 2003, p. 164.

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provocada pela insuficiência de provimentos para a satisfação de necessidades

socioeconômicas concretas5. Daí dizer-se com Jorge Miranda:

Aquilo a que se vai dando o nome de interesses difusos é uma manifestação da existência ou do alargamento de <<necessidades colectivas individualmente sentidas>> traduz um dos entrosamentos específicos de Estado e sociedade; e implica formas complexas de relacionamento entre as pessoas e os grupos no âmbito da nova sociedade política que, só podem ser aprendidos numa nova perspectiva de cultura cívica e jurídica6.

Relacionando-se tais interesses a ´´[...] necessidades comuns a

conjuntos mais ou menos largos e indeterminados de indivíduos e que somente

podem ser satisfeitas numa perspectiva comunitária``7, há que se reconhecer

que ´´Nem são interesses públicos, nem puros interesses individuais, ainda que

possam projectar-se, de modo específico, directa ou indirectamente, nas

esferas jurídicas destas ou daquelas pessoas``8.

A solução na via judicial desses conflitos de interesse sociais,

relacionados que são a necessidades socioeconômicas abstratamente

atribuídas em declarações solenes de direitos, pressupõe, como já referido, a

pré-compreensão da judicatura9. Ademais, tendo tais conflitos de interesses

sociais como núcleo necessidades socioeconômicas [somente satisfeitas por

meio de provimentos concretos], não se pode perder de vista também que

[...] não se trata de uma simples transformação da significação do Direito que não mais se refere a direitos subjetivos públicos ou privados, ou seja, uma extinção da máxima divisio como por vezes pretendido, mas sim, uma inserção de interesses sociais – e, portanto, de necessidades – próprias de uma vocação conciliatória [...]10.

5 Cfr. DAHRENDORF, 1992, p. 23. 6 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais. Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 69. 7 Ibid. 8 Ibid. 9 Cfr. HABERMAS, Jurgen. A lógica das ciências sociais. [La lógica de las ciências sociales]. Madrid. Editorial Tecnos, 2002. p. 38. 10 ROCHA, José Elias Dubard de Moura. Interesses coletivos. Ineficiência de sua tutela judicial. Juruá Editora: Curitiba, 2003, p.168. No mesmo sentido, veja-se: ´´O que se encontram aí são interesses difusos, interesses dispersos por toda a comunidade e que apenas a comunidade, enquanto tal pode prosseguir. E ela prossegue-os, por modos muito diferenciados: por serviços da Administracção directa ou indirecta do Estado, por associações

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A definição de interesses sociais está positivada no Código de

Defesa do Consumidor, cujo art. 81, parágrafo único, assim prescreve:

Art. 81. [...]

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I- interesses difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II- interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeito deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III- interesses ou direitos homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum11.

Importa observar que a definição de interesses sociais12 tal como

descrita no Código de Defesa do Consumidor é vaga, porque não faz

referência ao núcleo essencial do interesse [a necessidade], podendo-se dizer

que não trata da essência do conflito social moderno, caracterizado pela

insuficiência de provimentos para a satisfação de necessidades

socioeconômicas, que se pretendem ´´[...] satisfeitas por meio de prestações

concretas porquanto referentes à coisa posta à disposição – bens e serviços –

ou seja, aos <provimentos>``13.

públicas ou por outras entidades da Administração autônoma, por associações privadas, pelos próprios interessados inorganicamente em moldes ou não de democracia participativa.`` MIRANDA, 2000, p. 70. 11BRASIL, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. D.O.U., de 12.09.90. Art. 81. 12 Sobre o conceito de interesses sociais, afirma Teori Albino Zavascki: ‘’ Não é possível, como todos reconhecem, determinar, no plano teórico, o alcance objetivo dessa expressão normativa, em virtude de sua formulação à base de um conceito jurídico extremamente aberto. Mas isso é inerente e natural às normas dessa natureza. A utilização da técnica legislativa de cláusulas abertas e de conteúdo indeterminado tem justamente a finalidade de delegar ao juiz a tarefa de estabelecer o seu sentido em face do caso concreto. [...] os contornos principais do conceito podem ser identificados [...] O primeiro limite é o que decorre de sua contraposição a interesse particular. O interesse social tem âmbito de abrangência necessariamente maior que o interesse que se limita à esfera individual. [...] Um segundo limite é o que se estabelece a partir da distinção entre interesse social (ou interesse público) e o interesse da Administração Pública [...]. Daí a classificação doutrinária que distingue os interesses públicos, sociais, da coletividade e os seus interesses secundários (que se limitam à esfera interna do ente estatal). ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 53. 13 Cfr. ROCHA, 2003, p. 99.

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3.1.2. Instrumentos de tutela judicial de interesses sociais: ACP, CDC e CPC

A ação popular, regulamentada pela Lei n. 4.717/6514, primeiro

mecanismo de tutela jurisdicional de interesses sociais a ser positivado

objetivando a preservação da probidade, eficiência e da moralidade na gestão

da coisa pública, passou a contemplar, por força de previsão constitucional [art.

5º, inciso LXXIII da Constituição Federal de l988] a defesa do meio ambiente e

do patrimônio histórico e cultural.

A ação civil pública, regida pela Lei 7.347/85, Lei de Ação Civil

Pública (LACP)15, que disciplina a responsabilidade por danos causados ao

meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico, foi também recepcionada pela Constituição

Federal de l988, tendo sido estabelecido em seu art. 129, III, como função

institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil

pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

outros interesses difusos e coletivos 16.

A Constituição Federal, além de ampliar o âmbito da ação popular,

estendendo sua tutela ao meio ambiente e patrimônio histórico e cultural assim

como o da ação civil pública, ao atribuir ao Ministério Público legitimidade para

defesa de qualquer interesse difuso e coletivo, conferiu legitimidade a partidos

políticos e entidades de classe para impetrar mandado de segurança coletivo

em defesa de interesses coletivos de membros ou associados consoante

disposto em seu art. 5º, inciso LXX17. E mais: restou previsto no art. 5º, inciso

14BRASIL, Lei n. 4.717, de 29.06.1965. Dispõe sobre a proteção do erário público, do patrimônio cultural e natural e do meio ambiente. 15BRASIL, Lei n. 7.347/85. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. 16BRASIL, Constituição Federal. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:[…] III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.[…] § 1º. A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. 17 Sobre o mandado de segurança coletivo, acentua Luís Roberto Barroso: “Sendo o mandado de segurança coletivo uma variação do writ individual, com peculiaridades no que toca à legitimação ativa, também devem estar presentes os mesmos elementos constantes do inciso LXIX do art. 5 º, da Constituição [...] É preciso ter em conta, todavia, que se trata de instituto que opera no plano coletivo, devendo o objeto da tutela jurisdicional amoldar-se a esta dimensão transindividual. Vale dizer: os direitos e interesses protegidos não pertencem a um único indivíduo, mas a uma pluralidade deles, que em lugar de agirem cada um de per se, são substituídos no plano processual pela entidade respectiva.” BARROSO, Luís Roberto. O

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LXXI, da CF, o mandado de injunção como meio apto à defesa de interesses

coletivos na ausência de norma regulamentadora18, tendo sido, ainda, previsto

consoante o artigo 103 § 2º, da Carta Magna o controle abstrato de

inconstitucionalidade por omissão19.

Dentre os instrumentos de tutela de interesses coletivos apontados,

há que se destacar a ação civil pública como via adequada à defesa do direito

prestacional à educação.

A ação civil pública é definida por Édis Milaré como “[...] o direito

expresso em lei de fazer atuar, na esfera civil, em defesa do interesse público,

a função jurisdicional”20, sendo o seu objeto disciplinado no art. 3º, da Lei n.

7.347/85 que dispõe: “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em

dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, podendo dizer-

se, com Rodolfo de Camargo Mancuso:

A ação civil pública, de natureza condenatória, tem por objeto uma pretensão visando cominar ao infrator uma obrigação de fazer ou de não fazer, que recomponha in specie a lesão ao interesse metaindividual violado, sob pena de execução às suas expensas, ou de cominação de multa diária pelo retardamento no cumprimento do julgado. O interesse objetivado pode referir-se ao meio ambiente, aos consumidores ou ao patrimônio público do País, lato sensu.21

direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 200. 18 A respeito da finalidade do mandado de injunção, veja-se: “Destina-se ele a obter o suprimento judicial da norma faltante ou a estimular a produção da norma pelo órgão competente? Há quem sustente que o mandado de injunção cumula as duas finalidades acima. Assim, na apreciação do writ, poderá o órgão julgador: (i) determinar à autoridade ou órgão competente que expeça a norma regulamentadora do dispositivo constitucional; ou (ii) julgar o caso concreto, decidindo sobre o direito postulado e suprindo a lacuna legal. Sem embargo da respeitabilidade de uma e outra opiniões, somente a segunda proposição parece acertada. É que não se ajusta aos lindes do instituto a idéia de determinar-se a quem quer que seja que expeça um ato normativo. Tal objeto aproxima-se mais da tutela a ser prestada na ação direta de inconstitucionalidade por omissão”. BARROSO, 2003, p. 251. 19 BRASIL, Constituição Federal. Art.103. § 2º. “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”. 20MILARÉ, Édis. Ação civil pública. Lei 7.347/85 - reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 235. 21MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar).4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p 34.

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Acentue-se que a ação civil pública, voltada à responsabilização por

danos causados ao meio ambiente, consumidor bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, com a edição do Código de

Defesa do Consumidor (CDC), teve seu âmbito estendido “a qualquer outro

interesse difuso ou coletivo”, por força do disposto no artigo 110, daquele

código, que inseriu o inciso IV, no art.1º da Lei n. 7.347/85.

Referido dispositivo foi, posteriormente, alterado pela Medida

Provisória n. 2.180-35, de 24.08.200122, em vigor conforme o art. 2º, da

Emenda Constitucional n. 32/200123 , sendo, então, imposta restrição ao

âmbito da tutela conferida pela ação civil pública, em razão da supressão da

expressão ´´qualquer outro interesse difuso ou coletivo``.

Cumpre acentuar que a restrição ao âmbito da tutela da ação civil

pública não se aplica ao Ministério Público, cuja legitimação ativa decorre

diretamente do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, que define como

função institucional a promoção de ação civil pública para proteção, inclusive,

de outros interesses difusos e coletivos, como já referido.

Embora a legitimidade do Ministério Público para propositura de

ação civil pública decorra de previsão constitucional, não é exclusiva, sendo

caracterizada como legitimidade concorrente e disjuntiva, porquanto o § 1º, do

referido artigo, confere legitimação a terceiros segundo o disposto na

Constituição Federal e na lei.

Com efeito, a Lei n. 7.347/85, em seu art. 5º, também atribui

legitimidade para tais ações à União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e à

associação que esteja constituída a pelo menos um ano e inclua entre suas

finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à

ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,

22BRASIL, Medida Provisória n. 2.180-35 de 24 de agosto de 2001. Acresce e altera dispositivos das Leis ns. 8.437, de 24 de julho de 1985, 9.494, de 10 de setembro de 1997, 7.347, de 24 de julho de l985 [...] e dá outras previdências. 23BRASIL, Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001. Altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 66, 84, 88 e 246 da Constituição Federal e dá outras providências. Art. 2º. ´´As medidas provisórias editadas em data anterior à data da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional``.

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histórico, turístico e paisagístico. Por força do disposto na Lei n. 11,448/0724,

que alterou aquele dispositivo, a legitimação foi estendida à Defensoria

Pública25.

Os interesses sociais [transindividuais 26, na forma do artigo 81, do

Código de Defesa do Consumidor] são tutelados pela ação civil pública, regida

pela Lei 7.347/85 [LAPC] e pelo Título III, do CDC, por expressa disposição do

art. 21, daquela lei27, sem prejuízo das ações coletivas cabíveis, em face do

disposto no art. 83, do CDC, de seguinte teor: “para a defesa dos direitos e

interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de

ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.

Aplica-se, ainda, subsidiariamente, o Código de Processo Civil

(CPC), por força do art. 19 da LACP28, de modo que

[...] aos direitos transindividuais, prestigiados superlativamente pelo legislador constituinte, aplicam-se não apenas os meios de tutela expressamente previstos na Lei n. 7.347/85, como também qualquer outro mecanismo, que for considerado adequado e necessário, hoje disponível em nosso sistema de

24BRASIL, Lei n. 7.347/85. Art 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I- o Ministério Público; II- a Defensoria Pública; [...] (Redação dada pela Lei n. 11.448, de 15.01.2007 DOU de 16.01.07) 25 A respeito da legitimação da Defensoria Pública, observa Hugo Mazzilli que: “A Defensoria já podia propor ações civis públicas ou coletivas, mesmo antes da Lei n. 11.448/07, à vista do permissivo contido no art. 82, III, do CDC, uma vez que é um órgão público destinado a exercitar a defesa dos necessitados. Entretanto para evitar maiores controvérsias acadêmicas ou jurisprudenciais, o legislador acertadamente reconheceu, por expresso, a legitimidade ativa da Defensoria Pública.” MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 20ª ed. Editora Saraiva, 2007. p. 288. A esse respeito, tem sido sustentado que a legitimação da Defensoria Pública para a defesa de interesses difusos e coletivos de forma genérica fere o disposto no art. 134, que atribui legitimidade àquela instituição para defesa ´´em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV``. 26 Sobre interesses transindividuais, veja-se o que afirma Teori Albino Zavascki: “Nem sempre são perceptíveis com clareza as diferenças entre os direitos difusos e os coletivos, ambos transindividuais e indivisíveis, o que, do ponto de vista processual, não tem maiores conseqüências, já que pertencendo ambos ao gênero transindividuais, são tutelados judicialmente pelos mesmos instrumentos processuais. No entanto, os direitos individuais, não obstante homogêneos, são direitos subjetivos individuais. Peca por substancial e insuperável antinomia afirmar-se possível a existência de direitos individuais transindividuais. Entre esses e os direitos coletivos, portanto, as diferenças são mais acentuadas e a sua identificação, consequentemente, é mais perceptível.” ZAVASCKI, 2007, p. 46. 27BRASIL, Lei n. 7.347/85. Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Tít. III, da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. 28 BRASIL, Lei n. 7.347/85. Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de l973, naquilo em que não contrarie suas disposições.

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processo, para a defesa dos demais direitos ameaçados ou violados29.

A ACP, o CDC e o CPC encontram-se, assim, de tal forma

integrados, que constituem a base de proteção aos direitos e interesses

coletivos, complementado por leis esparsas de conteúdo específico, como a

Lei 7.853, de 24.10.89, que versa sobre a defesa das pessoas portadoras de

deficiência, a Lei 8.429, de 02.06.90, que dispõe sobre a defesa da probidade

administrativa, a Lei 8.069/90, que disciplina o Estatuto da Criança e do

Adolescente, para as ações voltadas à defesa dos direitos das crianças e dos

adolescentes, aí inserido o direito à educação, entre outras 30.

3.1.3. A Tutela especifica das obrigações de fazer e não fazer

3.1.3.1. Categorias de tutela específica

A natureza dos interesses sociais, em razão do caráter de

indisponibilidade dos bens e da irreversibilidade do dano ao interesse tutelado,

determina a priorização da tutela jurisdicional específica, que consiste na

obtenção da situação jurídica final que se teria com o adimplemento

espontâneo da obrigação.

A tutela específica ocorre tanto no plano preventivo [para inibir o

ilícito ou o dano ] quanto no repressivo [para reprimir o ilícito ou para viabilizar

o ressarcimento do dano].

Daí falar-se em categorias de tutela específica baseada na distinção

entre o dano e o ilícito, partindo da idéia de que um ato pode ser antijurídico,

ilícito e não implicar em conseqüência no plano real, isto é, pode haver lesão a

direito sem que haja uma dano concreto correspondente31.

29 ZAVASCKI, 2007, p. 71. 30Cfr. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. Temas atuais de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 153. 31 Ibid., p. 153. A esse respeito veja-se: “Realmente, o ato ilícito (contra ius) prescinde, completamente, para sua verificação, em regra do exame de eventuais conseqüências que dele decorram no mundo sensível. Já o dano corresponde a alguma conseqüência prejudicial, sentida no mundo concreto, que pode resultar de uma conduta (positiva ou negativa, ação ou omissão) praticada”.

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Nessa linha, a tutela específica pode ser enquadrada como:

repressiva do dano [tutela ressarcitória] que “tem por objetivo reparar o dano já

causado, recompondo o patrimônio jurídico do ofendido à sua situação

anterior”32; repressiva do ilícito [reintegratória] “que tem por função a supressão

do ilícito já ocorrido”33; preventiva do dano, quando houver perigo de dano

irreparável ao interesse tutelado34; preventiva do ilícito [inibitória] que visa

“evitar que se consume a lesão ao direito – ou que ela possa repetir-se – com

ênfase nitidamente preventiva e dirigida para o futuro”35.

São, assim, diversas as tutelas jurisdicionais destinadas à obtenção

de resultado específico, que podem ser prestadas por meio da imposição de

um fazer ou não fazer, sendo “imprescindível analisar o plano do direito

material, e assim as necessidades de defesa dos vários direitos”36.

3.1.3.2. Técnicas mandamentais da tutela especifica: medidas coercitivas e

sub-rogatórias previstas no art. 461 do CPC e no art. 84 do CDC

A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer foi

estabelecida pela Lei de Ação Civil Pública (LACP), cujo artigo 11 dispõe: “o

juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a

cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica”,

possibilitando, assim, a tutela jurisdicional mandamental.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), aplicável à Lei de Ação

Civil Pública (LACP), por força disposto em seu art. 117, adota a tutela

específica das obrigações de fazer e não fazer de forma mais abrangente

porque possibilita explicitamente a adoção de medidas atípicas, sub-rogatórias 32ARENHART, 2003, p. 118. 33Ibid. p. 125. “ […] trata-se aqui do ilícito, e não mais se cogita do dano causado, como ocorre em relação à tutela ressarcitória. Assim como ocorre com a tutela ressarcitória, esta incide a posteriori (não do dano, mas do ilícito), depois de ocorrida a violação do direito, tendo por objeto suprimi-la ou, ao menos, anular seus efeitos. 34Ibid. p. 120. “A compreensão dessa categoria, e seu isolamento de outras modalidades de tutela, exige a adequada avaliação do conceito de perigo de dano irreparável, e sua distinção com a idéia de periculum in mora. [...] Uma coisa, certamente, é o perigo de demora e outra, bem diferente, é o perigo de dano irreparável, ainda que este último também se situe na dimensão do tempo (já que o dano vai ocorrer na seqüência de eventos) não se pode confundir essa situação com o simples prejuízo decorrente da demora na prestação jurisdicional”. 35Ibid., p.175. 36MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 115.

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e coercitivas, preconizando a realização da obrigação tal como determinada

pelo direito material, conforme assim descrito:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. [...]

§ 2º. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil) […]

§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Reproduzindo o disposto no caput do artigo 84 do CDC, o artigo 461

do CPC estabelece sistemática para a efetivação da tutela específica das

obrigações de fazer e não fazer, prescrevendo técnicas e medidas

mandamentais de seguinte teor:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. […]

§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. [...]

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial.

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A sistemática implementada pelo art. 461 do CPC confere amplos

poderes ao juiz para obtenção da tutela específica da obrigação ou resultado

prático equivalente ao do adimplemento, seja em cognição sumária [tutela

antecipada], seja em cognição exauriente [sentença], por meio de técnicas

mandamentais e executivas lato sensu, expressamente nominadas nos §§ 4º e

5º, do art. 461 do CPC, tais como a aplicação de multa coercitiva [astreinte] ou

determinação de providências necessárias [busca e apreensão, remoção de

pessoas e coisas, desfazimento de obras, o impedimento de atividade nociva,

requisição de força policial].

Entre esses poderes se incluem, ainda, como salienta Teori Albino

Zavascki,´´[...] outros mecanismos de coerção ou de sub-rogação “inominados”,

que sejam aptos a induzir ou a produzir a entrega in natura da prestação

devida ou de seu sucedâneo prático de resultado equivalente``37, a que se

refere como “poder executório genérico”38.

Cumpre observar, contudo, que o meio executivo eleito, além

adequado e compatível, há de ser juridicamente legítimo, de modo que na

cláusula genérica do § 5º [poder geral de determinação de medidas de apoio]

não se incluiria a coação de caráter pessoal [prisão], somente admissível nas

hipóteses previstas no art. 5º, LXVII, da C.F., embora tal entendimento não seja

pacífico na doutrina pátria.

Importa anotar que, apesar de direcionados à tutela específica da

obrigação, o provimento mandamental e o executivo lato sensu39 não se

confundem, porquanto distintos quanto à conseqüência. Enquanto o

descumprimento do provimento mandamental implica em conseqüência penal

37ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 142. 38 Idem. Processo coletivo. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 25. 39A respeito da distinção entre provimento mandamental e executivo lato sensu veja-se o entendimento de Kasuo Watanabe: “ a execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançada através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu, ou da conjugação dos dois. Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis,e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo esse último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução”. Apud. ZAVASCKI, 2000, p. 147.

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[crime de desobediência] o não atendimento à ordem contida no provimento

executivo lato sensu resulta em execução do provimento judicial, não tendo

conseqüência penal. Embora distintos, o provimento mandamental e o

executivo lato sensu são utilizados para dar suporte à tutela específica,

inclusive de forma conjugada.

Das medidas coercitivas e sub-rogatórias indicadas, apresenta

relevância a astreinte40, como técnica mandamental utilizada diante do

descumprimento de sentença ou decisão interlocutória de antecipação da

tutela, com vistas a assegurar a eficácia do provimento judicial.

A multa coercitiva [astreinte] consoante disposto no art. 461 do CPC,

consiste em medida de apoio à tutela específica das obrigações de fazer e não

fazer, porquanto, conforme assevera Sérgio Cruz Arenhart, “tem a função

específica e exclusiva de emprestar força coercitiva à ordem judicial”.41.

A finalidade da astreinte é, portanto, intimidatória, objetivando

compelir aquele que deva cumprir o provimento mandamental, mediante

ameaça de agressão contra o seu patrimônio. Estando relacionada ao

descumprimento da ordem judicial e não ao inadimplemento da prestação

propriamente dita, pode dizer-se que a astreinte tem natureza instrumental e

não indenizatória42.

Significa dizer que a astreinte não se destina ao ressarcimento do

dano ou reparação do prejuízo decorrente do inadimplemento, nem tampouco

implica em sanção pelo descumprimento da obrigação, porquanto seu papel é

40A astreinte teve origem na França como mecanismo coercitivo pecuniário criado pela jurisprudência para pressionar a parte vencida ao cumprimento de uma decisão judicial, mediante condenação a uma soma em dinheiro fixada por dia de atraso, tendo sido regulamentado pela Lei 72-226, de 5 de julho de l972. Atualmente, consoante explicita Luiz Guilherme Marinoni, a astreinte francesa está disciplinada na Lei 91-650, de 9 de julho de l99l, segundo a qual “todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar uma astreinte para assegurar a execução de sua decisão”. Cfr. MARINONI, 2003, p. 210. No direito pátrio, a astreinte foi imposta como técnica coercitiva por meio da ação cominatória prevista no Código de Processo Civil de l939. Além da previsão de preceito cominatório para prestação de fato ou abstenção de ato (art. 302, XII), o artigo 1005, daquele diploma previa a possibilidade de o juiz ordenar o cumprimento de ato pelo próprio devedor, no prazo fixado, sob pena de “cominação pecuniária”, que não excedesse o valor da prestação. Segundo destaca Marinoni, como a cominação pecuniária estava limitada ao valor da prestação, por expressa disposição neste sentido, o mecanismo tal como criado distinguia-se do regime da astreinte francesa. 41ARENHART, 2003, p. 353. 42A propósito, veja-se a lição de Sérgio Cruz Arenhart: “A multa coercitiva, é neste sentido, instrumental, pois visa a dar efetividade à tutela (específica), enquanto a indenização é final, pois representa em si a resposta dada pelo Estado ao dano experimentado. Enfim, pode-se dizer que a multa se presta à consecução da tutela do interesse, enquanto a indenização é uma forma de tutela”. Ibid. p. 354.

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tão-somente o de assegurar o cumprimento da decisão, ou seja, garantir a

efetividade do provimento mandamental, de modo que o art. 461, em seu § 2º,

expressamente afasta a natureza indenizatória da astreinte ao prescrever: “A

indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287)”.

Sendo inconfundível com o valor decorrente do descumprimento da

prestação e não se vinculando àquele, o valor da astreinte, em conseqüência,

não está sujeito à limitação do valor da prestação, isto é, ao limite legal previsto

no Código Civil 43.

Em razão do seu caráter coercitivo, o valor da multa deve ser tal que

seja apto a realizar pressão psicológica sobre aquele que esteja sujeito ao

cumprimento do provimento mandamental, guardando certa proporcionalidade

com a capacidade econômica daquele [equilíbrio entre o princípio da

efetividade e o do menor sacrifício ao devedor], uma vez que se for ínfimo o

valor, pode vir a ser conveniente ao devedor não cumprir a decisão, podendo,

por outro lado, tornar-se inócua a aplicação da astreinte diante da insolvência

deste último. Nada obsta, contudo, que o valor da astreinte seja alterado

sempre que se fizer necessário para o alcance de sua finalidade, qual seja,

inibir o descumprimento da ordem judicial, mediante a ameaça de agressão

patrimonial.

Assim, para dar efetividade às decisões judiciais, o valor fixado pode

ser aumentado quando se mostrar ineficaz para esse fim, ou diminuído quando

se revelar excessivo, justamente porque sua finalidade é apenas compelir o réu

ao adimplemento e não permitir, de forma reflexa [quando excessivo], o

enriquecimento sem causa para o autor [credor da astreinte]. Neste sentido, a

disposição do § 6º, do art. 461 do CPC, in verbis: “O juiz poderá, de ofício,

modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou

insuficiente ou excessiva”. 43 Neste sentido, o entendimento de Eduardo Talamini ao advertir que os parâmetros fixados no § 4º, do art. 461´´[...] prestam-se não só a indicar as hipóteses de cabimento da multa, como ainda definem os seus limites quantitativos. Mas não se trata de limitação do valor da multa ao da “obrigação” nem ao dos danos derivados da violação – o que só se explicaria se aquela tivesse caráter indenizatório. A multa processual é inconfundível com a cláusula penal contratualmente fixada. Desse modo, não se aplica à multa processual o limite que a lei impõe à cláusula negocial penal (C. Civil de l916, art. 920; C. Civil de 2002, art. 412)``. TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Cfr., também, MARINONI, 2003, p. 215.

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Conquanto se discuta na doutrina se a astreinte perde sua eficácia

acaso improcedente a demanda final, ou em outras palavras, se a multa pode

ser cobrada na hipótese de improcedência da ação44, no âmbito da tutela

coletiva, o art. 12, § 2º, da LACP dispõe que: “A multa cominada liminarmente

só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao

autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o

inadimplemento”45.

Assim, em se tratando de tutela coletiva, a multa somente pode ser

executada após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor e, nestas

circunstâncias, a astreinte “vale apenas como ameaça de sanção``, ficando

esvaziado o seu poder coercitivo46.

Verificada a exigibilidade da multa, o crédito daí decorrente pode vir

a ser cobrado, por meio do processo de execução por quantia certa previsto no

Capítulo IV, do Título II, do Livro II do CPC, porquanto a eficácia executiva lato

sensu e mandamental dos provimentos do art. 461 não abrange o crédito

advindo da multa, de modo que, tanto a multa fixada em sentença, quanto em

antecipação de tutela, estará sujeita à execução por quantia certa.

44 Luiz Guilherme Marinoni sustenta que a astreinte não deve ser cobrada se ao final o réu não tiver razão, porquanto se a multa no sistema brasileiro reverte para o autor, a cobrança na hipótese de improcedência da demanda, implicaria em penalizar o réu que tem razão, em favor do autor, beneficiário daquele valor. MARINONI, 2003, p. 222. No mesmo sentido, levando em conta o princípio de que o processo não pode prejudicar quem tem razão, Eduardo Talamini, defende que acaso “ venha a se definir que o autor não tinha direito à tutela, ficará sem efeito o crédito derivado da multa que eventualmente incidiu”.TALAMINI, 2003, p. 246. Diversamente, Sérgio Cruz Arenhart defende a aplicabilidade da astreinte ainda que a ação seja ao final julgada improcedente ao afirmar: “[...] não parece existir para a tutela inibitória individual – e, de lege ferenda, para a tutela coletiva – nenhum motivo para concluir que a multa não deva ser exigida quando a decisão final venha a reconhecer a improcedência da pretensão exposta pelo autor inicialmente.” ARENHART, 2003, p.370. 45 A esse respeito, cogitando sobre o que deve prevalecer, se a regra do art. 12 § 2º, da LACP ou a do art. 84 do CDC [que não prevê a restrição], Eduardo Talamini acentua: ´´A favor da primeira alternativa, há a consideração de que se trata de regra especial e explícita, que não poderia ser revogada por norma, que além de geral, não está expressamente formulada. Contra a permanência em vigor do art. 12§ 2º, talvez se pudesse sustentar a incongruência de, para a proteção dos direitos coletivos lato sensu – de crucial relevância axiológica – adotar-se solução menos eficiente do que a da disciplina geral. Afinal, a possibilidade de executar o crédito da multa antes do trânsito em julgado confere a esse mecanismo maior poder de persuasão. No entanto, diante do teor literal do art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85 [...] não parece viável desconsiderá-lo``45. TALAMINI, 2003, p. 444. 46ARENHART, 2003, p. 377.

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3.1.3.3 Antecipação de tutela específica

O regime da antecipação de tutela específica [aplicação de técnicas

mandamentais da tutela específica de obrigação de fazer em antecipação de

tutela] pressupõe a ocorrência de dois requisitos positivos: a relevância dos

fundamentos e o risco de ineficácia do provimento final.

Com efeito, dispõe o § 3º, do art. 461 do CPC – na mesma linha do §

3º, do art. 84 do CDC - que “sendo relevante o fundamento da demanda e

havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz

conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu”.

Tais requisitos, conforme acentua Teori Albino Zavascki,

correspondem aos da antecipação de tutela genérica [artigo 273, do CPC] na

medida em que “fundamento relevante”’ equipara-se à “verossimilhança da

alegação” e “justificado receio de ineficácia do provimento final”, como

esclarece o citado autor, “é expressão que traduz fenômeno semelhante a

“fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” 47.

Assim, por força do disposto no § 3º, do art. 461 do CPC, restou

consagrada a antecipação de tutela específica de obrigações de fazer e não

fazer, ficando esta, embora sem referência expressa aos requisitos do artigo

273, do CPC48, também sujeita ao pressuposto da reversibilidade da situação

antecipada porquanto ´´o limite negativo da irreversibilidade é decorrência da

própria provisoriedade e instrumentalidade da antecipação em nosso sistema``,

como assinalado por Eduardo Talamini, devendo por essa razão ser observado

o princípio da proporcionalidade [ponderação de bens jurídicos em questão] de

modo que

[...] tal proibição de antecipar fica afastada toda vez que o interesse que vier a ser gravemente prejudicado pela falta da medida antecipadora for mais urgente e relevante do que aquele que seria afetado pelos efeitos irreversíveis da antecipação49.

47ZAVASCKI, 2000, p. 152. 48 A esse respeito afirma Dinamarco “Sem embargo de algumas diferenças de redação, o § 3º, do art. 461 associa-se ao sistema de antecipação de tutela jurisdicional, estruturado no art. 273 do Código de Processo Civil. Tem-se aqui a outorga, total ou parcial, da própria tutela pedida e a ser concedida em sentença se o pedido proceder – e não medidas outras, instrumentais e destinadas somente a proteger a eficácia daquela [...]”.DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros Editores 2002. p. 234. 49 TALAMINI, 2003, p. 350.

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3.2 A Tutela do direito prestacional à educação

3.2.1. Tutela específica de obrigação de fazer [ACP de obrigação de fazer

contra o Poder Público]

A tutela do direito prestacional à educação [categoria de direito que

pode ser enquadrada na definição de direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos, adotada pelo artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor]

tem disciplina própria, representada pela Lei de Ação Civil Pública (LACP),

CDC, e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

A ação civil pública definida, nos termos do art. 1º da Lei 7.347/85,

como ação de responsabilidade por danos causados a interesses difusos,

tendo por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de

fazer e não fazer, conforme disposto em seu art. 3º, apresenta-se, pois, como

instrumento apto à obtenção de tutela específica de obrigação de fazer, na

forma do art. 84, do CDC e art. 461 do CPC, aplicável à LACP, como já

referido, para efeito de matérialização do direito à educação. E mais: pode

apresentar natureza reparatória com a finalidade de obtenção de condenação

pecuniária [indenização] pela irregularidade ou inadequabilidade da oferta de

ensino prestado pelo Poder Público, porquanto o ente estatal, na forma do

disposto no art. 22, do CDC é fornecedor de serviços [educacionais] e nesta

qualidade pode ser compelido a cumprir a obrigação ou a reparar os danos

causados50.

Tratando-se de tutela do direito prestacional à educação com a

finalidade de assegurar a regularidade da oferta de ensino fundamental, o que

se pretende obter na via judicial, mediante manejo da ação civil pública, é um

provimento judicial mandamental em face do Poder Público consistente na

obrigação de prestar serviços educacionais [provimento educacional], ou

melhor, ofertar ensino fundamental obrigatório, definido nos termos do art. 208,

§ 1º, da Constituição Federal como direito público subjetivo.

50 BRASIL, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. D.O.U., de 12.09.90. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

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Sendo referente a uma prestação material devida pelo Poder Público

[a oferta de ensino fundamental] pressupõe a tutela específica das obrigações

de fazer e não fazer, na forma preconizada pelos artigos 461, do CPC e 84, do

CDC e pelo art. 213, do Estatuto da Criança e do Adolescente Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA)51, que determina a aplicação do art. 461 do

CPC às ações voltadas à defesa da criança e do adolescente.

Importa, pois, analisar os instrumentos de tutela específica das

obrigações de fazer e não fazer e os mecanismos mandamentais introduzidos

pela reforma do CPC e sua eficiência para assegurar a realização do direito

prestacional à educação [oferta de ensino regular obrigatório pelo Poder

Público].

3.2.2 Provimentos e técnicas coercitivas em face do Poder Público

3.2.2.1 Antecipação de tutela específica em face do Poder Público

No ordenamento pátrio há um sistema de leis que veda

expressamente as liminares e a antecipação de tutela contra o Poder Público

constituído pela Lei n. 9.494/97 [disciplina a aplicação de tutela antecipada

contra a Fazenda Pública]; Lei n. 4.348/64 [estabelece normas processuais

relativas a mandado de segurança]; Lei n.5.021/66 [dispõe sobre o pagamento

de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público civil] e Lei n.

8.437/92 [dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do

Poder Público]52.

As restrições à concessão de medidas cautelares contra o Poder

Público, estendidas à antecipação de tutela contra o Poder Público, por força

do art. 1º, da Lei 9.494/9753, limitam-se, contudo, a certas situações relativas

ao pagamento de vencimentos e concessão de vantagens pecuniárias a

51BRASIL, Lei 8.069, de 13, de julho de l990. Dispõe sobre Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 52BRASIL, Lei 8.437/92, de 10.06.92. Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências. 53BRASIL, Lei 9.494/97, de 10.09.92. Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei n. 7.347, de 24 de julho de l985 e dá outras providências. Art. 1º ´´Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 441 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de l966 e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de l992.``. Observe-se que em relação à vedação imposta pelo art. 1º da Lei n. 9.494/97, há declaração de constitucionalidade por meio da ADC n. 04/DF.

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servidores, não abrangendo todas as hipóteses de medidas antecipatórias

contra a Fazenda Pública [deveres de fazer e não fazer] 54.

Registre-se, inclusive, que há uma tendência jurisprudencial no

sentido da relativização da proibição de tutela antecipada contra a Fazenda

Pública em casos especialíssimos exigência de preservação da vida humana

ou de extrema urgência, com base em ponderação de valores envolvidos55. Tratando-se, contudo, de antecipação de tutela específica de

obrigação de fazer contra o Poder Público verificam-se alguns obstáculos à

efetivação da medida.

Observe-se que o regime do pedido de suspensão da eficácia de

liminar em ações movidas contra o Poder Público, aplicável à antecipação de

tutela contra o Poder Público, por força do que dispõe o artigo 1º, da Lei

9.494/97, vigora até o trânsito em julgado da decisão, em face do disposto no

§ 9º, do art. 4º, da Lei 8.437/92.

Ademais, contra a eficácia da tutela antecipatória específica em face

do Poder Público pesa o fato de que em não havendo o cumprimento da

obrigação – diante da impenhorabilidade dos bens públicos e, por via de

conseqüência, da impossibilidade de se praticarem atos de constrição sobre o

patrimônio do Estado – a prestação pretendida será substituída pelo

equivalente pecuniário, seguindo-se a execução na forma prevista em lei,

sendo o crédito daí decorrente sujeito ao regime do precatório.

Importa atentar que as modificações implementadas no artigo 100,

da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional n. 30/200056,

54CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2003. p.154. Neste sentido veja-se: “Ora, se é vedada a antecipação da tutela contra o Poder Público nos casos previstos na Lei n. 9.494/97, significa que, nas hipóteses não alcançadas pela vedação, resulta plenamente possível deferir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas da Lei n. 9.494/97, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública”. 55Nesse sentido, veja-se o posicionamento do STJ: ´´A vedação, assim, já o entendeu esta Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo de sobrevivência para o jurisdicionado``. (5ª Turma, REsp. nº 409.172) apud., CARNEIRO, Athos Gusmão. Da tutela antecipada. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. p. 105. 56BRASIL, Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000. Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao pagamento de precatórios judiciários. Art. 100 “ A exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a

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relativas à exigência de trânsito em julgado para expedição de precatório

[requisição de pagamento feita pelo juízo da execução ao presidente do

tribunal competente] trazem como conseqüência a ineficiência da antecipação

de tutela em face do Poder Público57. É o que destaca Cássio Scarpinella

Bueno ao acentuar :

Hoje por força do art. 100 §§ 1º e 3º da Constituição Federal, toda condenação em dinheiro contra o Poder Público pressupõe, para sua implementação concreta, o trânsito em julgado [...] se nem sentença produz esses efeitos de “pagamento” antes do trânsito em julgado não há como, tecnicamente, falar em “liminares” ou, mais amplamente, em tutelas de urgência contra o Poder Público que signifiquem liberação de dinheiro58.

3.2.2.2 A astreinte e a multa prevista no art. 14 do CPC em face do Poder

Público

A finalidade da astreinte é essencialmente coercitiva, como referido,

destinando-se a exercer pressão, mediante ameaça de agressão patrimonial,

para efeito de cumprimento de provimento judicial. Em princípio, portanto, nada

obsta que tal mecanismo seja imposto contra a Fazenda Pública, sendo

inclusive, neste sentido, o posicionamento da jurisprudência pátria de seguinte

teor: “As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra

designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundo de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1° de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente”. 57Cfr. CUNHA, 2003, p. 186. 58Cfr. BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em juízo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 190. Em sentido contrário, o posicionamento de Teori Albino Zavascki, que sustenta: “Igualmente não constitui empecílio à concessão da medida antecipatória a disposição do art. 100 da Constituição, que submete os créditos contra a Fazenda Pública, decorrentes de “sentença judiciária”, a regime de precatório. A expressão “sentença judiciária” comporta, sem dúvida, a decisão antecipatória da tutela de mérito, que constitui título executivo, formado à base de cognição sumária, apto a desencadear execução contra a pessoa jurídica de direito público, mediante procedimento do art. 730 do Código de Processo Civil. Como se trata de execução provisória, o levantamento do valor do precatório supõe outorga de caução idônea, como prevê o inciso II, do art. 588 do Código”. ZAVASCKI, 2000. p. 161.

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pessoa jurídica de direito público, que ficará obrigada a suportá-las caso não

cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado”59.

Na prática, no entanto, a astreinte vem se mostrando ineficiente

como mecanismo de coerção patrimonial diante do ente público.

É que, por um lado, consoante pondera Marcelo Lima Guerra60,

“como instrumento de pressão psicológica, requer que seja exercida contra

uma vontade, enquanto fenômeno psíquico”, o que apresenta dificuldade

dentro da estrutura interna do ente público, por outro, recaindo a multa sobre o

patrimônio da pessoa jurídica de direito público e não do agente público que

estaria sujeito ao cumprimento do provimento judicial, fica reduzida a

possibilidade de vir a cumprir seu papel intimidatório e nesse sentido acentua:

Ora, em se tratando de pessoa jurídica de direito público percebe-se logo que é muito remota a possibilidade de uma medida coercitiva como a multa diária exercer uma efetiva pressão psicológica sobre a vontade do exato agente administrativo responsável pelo cumprimento da decisão judicial. Daí a inoperância dessa medida quando utilizada contra tais pessoas jurídicas, sobretudo de direito público. Isto porque, incidindo sobre a própria pessoa jurídica, é o seu patrimônio que será imediatamente atingido pela medida, cabendo ao Poder Público propor a ação regressiva contra o agente que deu causa à incidência concreta da multa para obter dele o ressarcimento 61.

59BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. STJ-6ª Turma, Resp 201.378-SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 1.6.99, DJU 21.6.99, p. 212). No mesmo sentido: STJ- 5ª Turma, REsp 257.446- SP, rel. Min. Félix Fischer, j. 3.10.00, deram provimento, v.u. DJU 23.10.00, p. 174 , In: Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor, Theotônio Negrão. p. 475 60GUERRA, Marcelo Lima. Execução de sentença em mandado de segurança. In: Aspectos polêmicos e atuais do Mandado de Segurança. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 650. 61GUERRA, 2002, p. 650. No mesmo sentido, veja-se o entendimento de Sérgio Cruz Arenhart: “É freqüente ver, especialmente quando se aplica essa sanção contra alguma pessoa jurídica de direito público, a pouca utilidade desta, especialmente porque o agente público não suportará diretamente a multa imposta. Porque a sanção, em tais casos, repercutirá na esfera patrimonial pública, da coletividade, a sua função intimidatória acaba por revestir-se de escassa utilidade. ARENHART, 2003, p. 357. Idêntico é o posicionamento de Hélio do Vale Pereira ao sustentar:” Mais delicado é reconhecer que a imposição da multa em desfavor do Poder Público pouca serventia terá. Possivelmente, o agente público desobediente não ficará sensibilizado pelo sancionamento do patrimônio estatal. Enfim, a multa, que tem efeito intimidativo, perderá a sua razão de ser.” PEREIRA, Hélio do Valle, Manual da fazenda pública em juízo. Rio de janeiro: Renovar, 2003.p.212.

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Assim também a imposição da multa prevista no art. 14, do CPC62,

decorrente descumprimento de provimento judicial [ato atentatório ao exercício

da jurisdição] quando imposta à Fazenda Pública não se mostra eficiente

porquanto termina por caracterizar o instituto da confusão63. É que,

diferentemente, da astreinte, a multa prevista no art. 14, do CPC, reverte ao

Estado, de modo que se aplicada à Fazenda Pública, como adverte Juvêncio

Vasconcelos Viana, “seria simplesmente tornar essa credora de si mesmo”64.

Ademais não se poder perder de vista que o crédito decorrente da

imposição de multa contra a Fazenda Pública está sujeito ao regime do

precatório porquanto

[...] qualquer condenação imposta à Fazenda Pública, independentemente da natureza do crédito, deve sujeitar-se à sistemática do precatório. De fato, o precatório é procedimento que alcança toda e qualquer execução pecuniária intentada conta a Fazenda Pública. [...] Logo a referida multa somente poderá ser exigida da Fazenda Pública após o trânsito em julgado da decisão que a fixar, mediante a adoção do processo de execução seguido de precatório65.

A exigência de prévio trânsito em julgado para execução do crédito

decorrente de multa resulta, por assim dizer, na perda da força intimidatória

desse mecanismo coercitivo em face da Fazenda Pública.

3.2.2.3 Outros mecanismos coercitivos contra o Poder Público

Diante da ineficiência da aplicação de multas em face do Poder

Público [a prevista no art. 14, do CPC e a astreinte], vem sendo defendida a

sua aplicação contra o agente público responsável pelo [des]cumprimento do

provimento judicial, com fundamento no § 5º do artigo 461 do CPC, que 62 BRASIL, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Art. 14, inciso V. ´´cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final``. 63 A propósito da aplicação da multa do art. 14, V, CPC à Fazenda Pública, sustenta Juvêncio Vasconcelos Viana: ´´Nesse ponto, anuncia-se a dificuldade de se ver a aplicação de tal multa face às pessoas jurídicas que integram o conceito de Fazenda Pública. Argumenta-se que, se o descumpridor de tal ordem for uma pessoa de Direito Público Interno (v.g. União, Estado-membro), não haveria que se falar na aplicação da sanção (multa), cuja exigibilidade seria eliminada pela incidência do instituto material da confusão (arts. 381/384, CC). VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda pública. São Paulo: Dialética, 20003. p. 273. No mesmo sentido, veja-se CUNHA, 2007, p.143. 64 Ibid., p. 273. 65 CUNHA, 2007, p. 140.

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confere poderes ao juiz para determinar medidas de apoio necessárias à

obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente nas

obrigações de fazer ou não fazer.

A aplicação de multa contra o agente público, como destaca Marcelo

Lima Guerra “estaria incluída no âmbito dos poderes indeterminados que o art.

461 do CPC reconhece ao juiz” 66. Para esse fim, destaca Eduardo Talamini,

tal dispositivo deve ser interpretado ‘’[...] como permitindo não apenas a adoção

de medidas atípicas, mas também o direcionamento dessas medidas contra

terceiros cuja cooperação seja imprescindível para a consecução da tutela” 67.

Ademais, sugere, ainda, cautela na sua aplicação, advertindo que tal

mecanismo dever ser utilizado ‘’quando se evidenciar a injustificável resistência

do agente”68.

Esse entendimento, todavia, não é pacífico. Poder-se-ia objetar que

um terceiro na relação não poderia sofrer qualquer condenação, sob pena de

ferir o princípio do devido processo legal. É o que adverte Juvêncio Viana ao

afirmar:

No contexto atual, não cabe fixar tal multa – como preconizam alguns –diretamente contra o servidor, que não é parte no processo. Multas (astreintes) podem ser aplicadas, mas não contra o agente da Administração. Entendemos que precisaria de reforma legislativa para tanto. À falta de disposição expressa, não pode o funcionário ser penalizado. Multas que vierem por eventual descumprimento de decisão que a admita serão aplicadas contra a pessoa administrativa, recordada aqui a idéia de regressivamente buscá-la em face do agente causador da lesão ao erário69.

66Cfr. GUERRA, 2002, p. 651. Na mesma linha, sustenta Leonardo Cunha que ´´[...] diante da ameaça de o agente público responder pessoalmente pelo pagamento de multas, não hesitará em cumprir o comando judicial, conferindo-se maior efetividade às decisões judiciais [...]`` CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2007. p. 143 67A esse respeito veja-se: “[...] não deve ficar descartado que, em casos graves, a multa venha a ser cominada diretamente contra a pessoa da autoridade coatora (assim como, em processos de outra natureza, contra o agente público incumbido do cumprimento da decisão). Em vista das peculiaridades (e deficiências) da estrutura interna administrativa, muitas vezes apenas a multa contra a própria autoridade atinge concretamente a meta de pressionar ao cumprimento. Para tanto, há de se interpretar o § 5º do art. 461 como permitindo não apenas a adoção de medidas atípicas, mas também o direcionamento dessas medidas contra terceiros cuja cooperação seja imprescindível para a consecução da tutela.” TALAMINI, 2003, p. 68Cfr.TALAMINI, op. cit., p. 449. 69 JUVÊNCIO, 2003, p. 268.

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Como quer que seja, não há garantia de que a imposição de multa

ao agente público resulte no efeito pretendido, ou seja, no cumprimento do

provimento mandamental, porquanto a falta de cumprimento da decisão pode

decorrer, por exemplo, da falta de previsão orçamentária para concretização da

prestação demandada judicialmente [cuja realização implicaria na ilicitude da

despesa] ou de indisponibilidade de recursos [limite fático da reserva do

possível] .

Entre os mecanismos coercitivos voltados a compelir a Fazenda

Pública ao cumprimento do julgado [multas previstas no art. 461§ 4º e art. 14,

V, do CPC], tem-se apontado, também, outras medidas em face do

descumprimento de provimento judicial, de natureza civil, penal e, ainda,

político-administrativa.

Para tal fim, propõe-se a imputação de crime de desobediência ao

agente público responsável pelo cumprimento da decisão, isto é, a imposição

de sanção penal [prisão]70 consoante o disposto no art. 330, do Código Penal.

Não há, contudo, tipicidade na hipótese de descumprimento de provimento

judicial por agente público porque referido tipo penal refere-se à conduta

praticada por particular contra a administração pública.

Em relação à imputação de crime de prevaricação, previsto no art.

319, do Código Penal, há que se observar que sua configuração exigira a

comprovação de dolo especial, isto é, que a conduta do agente tivesse visado

à obtenção de alguma vantagem especial.

Sugere-se, ainda, como mecanismo coercitivo, a imputação de crime

de responsabilidade, na forma do Decreto.-lei n. 201, de 27.02.67, que define

em seu art. 1º, inciso XIV, como crime de responsabilidade de Prefeitos

Municipais e Vereadores deixar de cumprir ordem judicial.71 Para configuração

70Em relação à sanção penal [prisão penal], observa Juvêncio Viana: ”Ainda que se pudesse ter alguma pressão psicológica, a possibilidade de prisão penal, no caso, não traz o fim precípuo de inibir, de alcançar indiretamente o cumprimento da obrigação, não tem o mesmo teor inibitório que se espera das medidas de coerção”. JUVÊNCIO, 2003, p. 265. 71 BRASIL, Decreto-lei. n. 201, de 27 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores e dá outras providências. Art. 1 º. [...] XIV. Negar execução à lei federal, lei estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente.

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do ilícito exige-se também o dolo do agente, de modo que a justificativa para o

descumprimento da decisão elide a caracterização do tipo penal72.

A prisão civil também é indicada como mecanismo para compelir o

agente ao cumprimento de decisão judicial73, embora tal medida não encontre

amparo no ordenamento pátrio, ressalvadas as hipóteses previstas

constitucionalmente, a devedor de alimentos e do depositário infiel74.

Além dos mecanismos direcionados ao próprio agente público

responsável pelo descumprimento do julgado, reconhece-se a possibilidade de

caracterização da medida de intervenção da União nos Estados e Distrito

Federal e dos Estados nos Município, consoante o disposto no art. 34 e

seguintes da Constituição Federal, entre outras hipóteses, pela resistência ao

cumprimento de ordem ou decisão judicial , sendo observado nesse âmbito que

A alegação de falta de recursos, conquanto parecesse não ser motivo suficiente para afastar a intervenção, passou a ser tida pela jurisprudência como justificativa plausível a impedir o decreto interventivo. Diante da ausência de configuração de dolo ou de atuação deliberada do administrador público, a simples falta de recursos para satisfação do precatório já vem sendo tida como justificativa para afastar a medida extrema da intervenção, com aplicação do princípio da proporcionalidade75.

72 A esse respeito veja-se: “O delito do art. 1º , XIV, do Dec.-lei 201/67 exige o dolo à sua configuração. Assim, inexiste infração se a conduta do alcaide se justifica satisfatoriamente quer dentro da lógica como das circunstâncias que o rodearam, demonstrando tratar-se de ato decorrente de inadvertência ou de falta de orientação sobre o caso”. (TACRIM-SP-AC-Rel. Octávio E. Roggiero – JUTACRIM 46/259 E 260). In: Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. FRANCO, Alberto Silva et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. p. 1403. 73Neste sentido, sustentando tratar-se a prisão, nestas circunstâncias, de instituto de natureza eclética (instrumental civil e penal) acentua Joel Dias Figueira: ”Com a devida vênia daqueles que pensam de maneira diversa, entendemos não haver qualquer óbice, inclusive constitucional, para a prisão em flagrante (mesmo que momentânea), em face das disposições insculpidas nas Leis 9.099/95 e 10.259/02) daqueles que descumprem ordens judiciais, porquanto esses casos não refletem prisão de natureza civil (admissível constitucionalmente apenas para o depositário infiel e do alimentante inadimplente) e, muito menos “prisão civil por dívida” cada vez mais combatida nos tempos atuais”. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Comentários à novíssima reforma do CPC. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 76. 74 A propósito destaca Leonardo Cunha: ”Não obstante a natureza penal da prisão, há quem defenda a possibilidade de prisão civil como medida de apoio, destinada a forçar o cumprimento da decisão judicial. Sucede, todavia, que a Constituição Federal, em seu art. 5 º, LXVII, veda a prisão por dividas, ressalvando, apenas, o devedor de alimentos e o depositário infiel”. CUNHA, 2007, p. 268. 75CUNHA, 2007, p. 258.

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Daí dizer-se que, de uma forma geral, tais mecanismos não

apresentam a eficiência pretendida, ou seja, não se mostram aptos à obtenção

de prestação concreta [provimento educacional] devida pelo Poder Público,

cuja realização depende de recursos e como tal de previsão orçamentária

porquanto não se trata de mera resistência ao cumprimento do julgado como

pode eventualmente ocorrer em relação a prestações negativas.

3.2.3. A tutela executiva em face do Poder Público [execução contra a Fazenda

Pública]

Por expressa disposição constante do art. 90, do Código de Defesa

do Consumidor, aplica-se o Código de Processo Civil à execução de sentenças

em ações coletivas.

Adota-se, assim, para a execução de obrigação de fazer e não fazer

a sistemática do artigo 461 do CPC, por força do disposto no artigo 644 do

CPC, segundo o qual: “a sentença relativa à obrigação de fazer e não fazer

cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o

disposto neste Capítulo”.

Com a nova sistemática do artigo 461 do CPC, como referido, a

execução das obrigações de fazer e não fazer pode ser viabilizada mediante a

imposição de medidas coercitivas para pressionar o executado a cumprir a

obrigação [execução por coerção]. Assim, caso a decisão judicial não seja

cumprida poderá o juiz fazer uso das medidas de apoio da tutela específica das

obrigações de fazer, previstas no § 4º e 5º do art. 461 [poder executório

genérico].

A despeito da imposição de mecanismos coercitivos, caso não haja o

cumprimento da obrigação de fazer e não fazer, a conduta ou abstenção

pretendida será substituída pelo equivalente pecuniário, verificando-se a

conversão da execução específica em execução por quantia certa, sempre que

a execução ficar impedida por uma limitação de ordem natural ou política.

No âmbito das obrigações de fazer e de não fazer existem situações

em que a execução fica inviabilizada “seja por encontrar uma limitação natural,

que a torna impossível, seja por deparar com alguma limitação política, que a

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faz inconveniente”.76 Nesta linha, aponta-se como limites naturais à execução

de obrigação de fazer e não fazer, os decorrentes da perda de objeto e os

oriundos de obrigações personalíssimas (obrigações infungíveis) e, como

limites políticos “infração aos direitos da personalidade; alcance de bem

impenhorável; infringência ao interesse público; atingirem os atos

expropriatórios a Fazenda Pública”.77

A limitação política à execução forçada contra a Fazenda Pública

decorre da impenhorabilidade dos bens públicos e, por via de conseqüência, da

impossibilidade de se praticarem atos de constrição sobre o patrimônio do

Estado, o que leva alguns autores a argumentar que não existe propriamente

uma execução contra a Fazenda Pública78, daí resultando o entendimento de

que as sentenças condenatórias proferidas contra a Fazenda Pública são

condenações aparentes. É o que sustenta Cândido Dinamarco ao enfatizar:

[...] das sentenças condenatórias, as que contam com menor poder de impor-se mediante meios processuais eficazes são aquelas pronunciadas contra a Fazenda Pública. Salvo nos casos de obrigações alimentares, o seu momento sancionatório ou não existe ou é extremamente débil e dirigido a atividades outras que não as propriamente executivas; e por isso é que elas chegaram a ser consideradas condenações aparentes, o que é correto na mesma medida em que nega a existência de execução contra a Fazenda. São razões de ordem política que impedem a imposição da sanção executiva por órgão de um “Poder” do Estado sobre o outro. Nesses casos, o que conduz à satisfação é o peso do próprio sistema e prestígio dos órgãos jurisdicionais, sem que haja as medidas sub-rogatórias em que a execução consiste79.

76DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo: Malheiros, 2002. p.308. 77ALVIM, J. E. Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 51. 78Neste sentido, o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco: “Embora a lei cuide da matéria no livro das execuções (CPC, arts. 730-731), o certo é que verdadeira execução não é aquela que se volta contra a Fazenda Pública, pois não há invasão imperativa do patrimônio do Estado pelo juiz (ou seja, pelo próprio Estado). É o devedor mesmo quem paga (voluntariamente), estimulado pelo ofício requisitório da autoridade judiciária. Essa regra vale para todas as pessoas jurídicas de direito público, a saber: União, Estados, Distrito Federal, municípios e autarquias”.DINAMARCO, 2002, p. 315. 79DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 369.

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As alterações introduzidas pela Lei n. 11.232, de 22.12.0580, que

introduziu a sistemática da efetivação do cumprimento de sentença, não se

aplicam à execução contra a Fazenda Pública, cujas diretrizes são fixadas na

própria Constituição Federal, permanecendo tal execução a ser manejada em

processo autônomo, na forma prevista nos artigos 730 e 731 do CPC, neles

não havendo qualquer previsão de atos de constrição no patrimônio do Estado,

porquanto a Fazenda Pública é citada apenas para opor embargos e, em não o

fazendo ou sendo os mesmos rejeitados, é que se iniciam as atividades para

satisfação do crédito consubstanciadas na expedição de precatório.81

Os procedimentos constantes dos citados dispositivos reproduzem,

em linhas gerais, as regras estabelecidas no art. 100, da Constituição Federal,

segundo as quais o cumprimento das sentenças condenatórias contra a

Fazenda Pública pressupõe a necessária requisição de pagamento e a

inclusão de verba em orçamento, ressalvando-se apenas a expedição de

precatório para os débitos de pequeno valor, por força das alterações

introduzidas naquele dispositivo pela Emenda Constitucional n. 30/2000. 82

Trata-se, portanto, de execução por quantia certa, consoante, assim,

acentuado por José de Moura Rocha:

O principal destaque a ser feito com referência à execução contra a Fazenda Pública, será o de ser possível, unicamente por quantia certa. Evidente que conforme a estrutura mesma da Administração Pública não poderá ela (ou conforme a expressão preferida pelo legislador do Código de l973 – a Fazenda Pública) ser condenada por obrigações de dar nem por obrigações de fazer ou de não fazer. Embora possam ser lembradas razões de várias ordens e, especialmente,

80 BRASIL, Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Altera a Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC) para estabelecer a efetivação do cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e dá outras providências. 81Cf. VIANA, Juvêncio Vasconcelos. A execução contra a fazenda pública. São Paulo: Dialética, 1998, p. 116: “ É o precatório, pois, o ato pelo qual o juiz requisita, ao Presidente do Tribunal competente- entenda-se, do Tribunal que julgou ou teria julgado o recurso cabível contra o título-, a ordem de pagamento à Fazenda Pública, para efetuá-lo em processo executivo que lhe seja movido”. 82BRASIL, Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000. Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal. Art. 100 “ A exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.

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econômicas, contentamo-nos a lembrar a conjuntura política porque aqueles tipos de execução implicariam em revogação de ato da administração, inadmissível como é fácil de se entender, desde que se considere a estrutura política do Estado dentro do sistema partindo de separação ou de harmonia de poderes 83.

No ordenamento pátrio, esta é, pois, a forma viável de execução

contra a Fazenda Pública, somente admissível na forma de quantia certa

sujeita à sistemática do precatório.

3.2.4 O provimento judicial contra o Poder Público

Ante a recusa da Fazenda Pública no cumprimento de condenação

de fazer consistente em prestações concretas [oferta regular de ensino

obrigatório], a execução específica – para obtenção da prestação material –

converte-se em quantia certa84, caracterizando-se como execução monetária.

Assim, a ação civil que venha a ser proposta contra a Fazenda

Pública para obrigar o ente estatal a ofertar regularmente o ensino fundamental

enseja a execução por quantia certa, que resulta em condenação pecuniária,

cujas verbas daí decorrentes são revertidas aos fundos específicos, por força

de expressa disposição do artigo 13, da Lei de Ação Civil Pública85.

É inexeqüível, portanto, a prestação material, objeto da condenação

da Fazenda Pública à obrigação de fazer [bens e serviços educacionais] em

ação civil pública porquanto as verbas condenatórias são revertidas a fundos

especiais86, não sendo, assim, satisfeitas as necessidades concretas

demandadas judicialmente.

83ROCHA, José de Moura. Sistemática do novo processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 458. 84A esse propósito destaca Cândido Dinamarco: “[...] apesar da sentença afirmando que condena a Administração, a via propriamente executiva continua inacessível; apesar do concreto comando a cumprir a obrigação de fazer ou não-fazer, nenhum ato imperativo é realizado e nenhuma sub-rogação é possível, que conduza por si própria ao resultado jurídico-material almejado, sem o concurso da vontade do obrigado (daí a conversão em pecúnia)”. DINAMARCO, 2002, p. 350. 85 BRASIL, Lei n. 7.347, de 24, de julho de l985. Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais [...]. 86 A esse respeito, observe-se, consoante Teori Zavascki, que as verbas condenatórias obtidas na defesa de interesses transindividuais revertem aos fundos específicos previstos em lei, diferentemente, do que ocorre em relação aos interesses individuais homogêneos, que serão objeto de ação de cumprimento e revertem, após a devida liquidação da sentença, ao patrimônio individual. Cfr. ZAVASCKI, 2007, p. 76.

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4 PROVIMENTO JUDICIAL VS PROVIMENTO EDUCACIONAL

A inserção de mecanismos de participação na esfera local permite o desenvolvimento de uma prática participativa constante e regular, o que denota o caráter pedagógico dos instrumentos de participação. Essa nova estratégia de legitimação das decisões públicas, ao contemplar a participação da cidadania como elemento de validade das decisões públicas, de fato, rompe com a idéia de cidadão destinatário das políticas públicas, para uma cidadania efetiva e emancipatória que se constrói a partir de uma permanente interação entre espaço público estatal e sociedade.

Ricardo Hermany1

4.1 Provimento judicial

4.1.1 A jurisdicização de conflitos de interesses sociais

Em razão da natureza dos conflitos de interesses socias, que

representam a reivindicação de necessidades socioeconômicas,

abstratamente reconhecidas em declarações solenes de direitos prestacionais,

tem-se dito que nessas demandas ´´[…] o Judiciário transforma-se em arena de

uma luta que o transcende``2.

Pode-se dizer, então, que ´´Ao Judiciário incumbe, pois, para

desempenhar hoje seu papel histórico num Estado democrático, dar-se conta

do modelo de Estado, de sociedade e de conflitos em que está imerso [...]``3,

conflitos esses que não mais se enquadram como conflitos individuais

característicos do modelo Liberal de Estado.

1HERMANY, Ricardo. Novos paradigmas da gestão pública local e do direito social: a participação popular como requisito para a regularidade dos atos da administração. In: Direitos sociais & políticas públicas. Tomo 6, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006. p. 1743. 2FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005. p. 142. 3 Ibid., p. 143.

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No modelo de Estado adotado na Constituição Federal de 1988

Estado Social e Democrático de Direito4, a satisfação de necessidades

socioeconômicas pela via do judiciário, ´´que tem no processo judicial o

instrumento posto à disposição dos cidadãos (ou súditos) para a solução dos

conflitos de interesses – litígios5``, não vem atendendo tal finalidade porquanto

[...] o conflito social moderno que trata de adjudicações de carências em torno da concretude de necessidades concretas e, portanto, de provimentos mais do que, apenas, defesa contra o poder público, dada a escassez de recursos termina por colocar em xeque essa eficiência. 6

Em demandas que envolvem conflitos de interesses sociais, cuja

tutela judicial se faz mediante ação civil pública, o provimento judicial

representado pela sentença condenatória de obrigação de fazer contra a

Fazenda Pública [ou ainda antecipação de tutela específica das obrigações de

fazer contra a Fazenda Pública], para efeito de concretização do direito

prestacional à educação impõe uma prestação material pelo ente público.

A satisfação de tais necesidades implica necessariamente em gastos

públicos, encontrando-se, assim, diretamente relacionada à estrutura de

organização do poder político [modelo de Estado adotado] e, ainda, ao modelo

e diretrizes econômicas fixadas constitucionalmente, para efeito de intervenção

estatal na esfera econômica7.

Daí que não se efetiva o provimento judicial se não houver

provimentos econômicos [bens e serviços] a serem disponibilizados pelo ente

estatal visto que as necessidades socioeconômicas demandadas judicialmente

passam a ser monetarizadas [fluxos monetários] pressupondo assim recursos

disponíveis e previsão orçamentária para sua satisfação.

4BRASIL, Constituição Federal. Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emano do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 5ROCHA, J. Elias Dubard de. Interesses coletivos. Ineficiência de sua tutela Judicial. Curitiba: Juruá, 2003. p. 95. 6 Ibid. 7BRASIL, Constituição Federal. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

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Com efeito, a jurisdicização de conflitos de interesses sociais

envolve, necessariamente, o problema dos custos inerentes à sua

concretização e, como tal, a implementação de políticas públicas e fontes de

financiamento a serem necessariamente previstas em orçamento . Daí poder-

se afirmar com José Eduardo Faria:

Já não é possível compreender as questões levadas aos tribunais brasileiros sem se discernir o que está efetivamente em jogo. O diagnóstico que se pode fazer resumidamente é o seguinte: as demandas populares, isto é, as demandas por políticas públicas compensatórias e sociais, as demandas das classes populares para sermos mais claros, colocam em questão o processo global de apropriação das riquezas e dos benefícios sociais de modo geral. Por isto a dificuldade em resolver, pela via judicial, demandas que são coletivas. São coletivas no sentido da vontade geral de Rousseau, ou do bem comum de Sto. Tomás, ou seja, dizem respeito às condições de possibilidade de colaboração, convivência, ação comum em dada sociedade8.

O problema que se coloca é se pode o Judiciário determinar ao

Executivo a realização de uma prestação material que implique em gasto não

previsto em lei orçamentária para efeito de concretização do conteúdo do

direito prestacional?

Importa, assim, enfrentar a questão do conflito de interesses sociais,

em seu aspecto essencial [insuficiencia de recursos para satistação de

necessidades socioeconômicas], o que implica, em outras palavras, confrontar

o provimento judicial [sentença condenatória de obrigação de fazer contra a

Fazenda Pública] com a observância da previsão orçamentária, tendo em

conta o modelo de Estado Social e Democrático de Direito adotado pela

Constituição Federal de 1988 porquanto

[…] há no diploma inaugurador de todo o sistema normativo de iusfundamentação – diploma constitucional – um télos conciliatório entre as exigencias de limitação racional do Estado advindo do Estado de Direito liberal e as exigências de democracia e socialização que terminam por inserir no cotidiano forense o cidadão paradoxal da <<Era dos Extremos>> e da <<Era dos Direitos>>``9.

8FARIA, 2005, p.138. 9ROCHA, 2003, p. 165.

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Significa dizer que o modelo adotado, consubstanciado em um

sistema normativo que concilia os modelos nucleares da pessoa humana

[indivíduo abstrato, a-histórico e apriorístico do liberalismo e o sujeito concreto,

histórico e posteorístico do socialismo], garantindo ao mesmo tempo direitos de

defesa e direitos prestacionais, impõe ao Jucidiário atuação em lides coletivas

[que representam reivindicações de necessidades socioeconômicas],

respeitados os limites de poder próprios do Estado de Direito, como assim

explicitado:

[...] se a pré-compreensão da judicatura como tal já não mais se prende aos esquemas da tripartição dos poderes decorrentes do modelo nuclear conceitual normativo da pessoa humana pelas exigências da liberação espiritual por meio de limites racionais do poder público, por outro lado, o arquétipo estatal brasileiro não se confunde com o sujeito concreto de matiz marxiana pelo que a conciliação dos modelos nucleares conceituais normativos da pessoa humana, se por um lado introduzem uma pré-compreensão da judicatura como tal na realização das liberações humanas, por outro lado, essa liberação não se refere ao modelo nuclear marxiano, daí, não trata da ruptura dos limites racionais do poder público provenientes do Estado de Direito burguês a se atribuir adjudicações de carências pelo judiciário niilificando o indivíduo atomicizado protegido contra o arbítrio na relação de sujeição/dominação que se forma desde a dimensão política da iuris dicitio. 10

Se os limites racionais do poder [próprios do Estado de Direito

Liberal]11 não podem ser transgredidos, ainda que se trate de demandas

judiciais que implicam a satisfação de necessidades concretas [adjudicação de

carências em declarações solenes de direitos sociais] e, como tal, dirigidas à

consecução da finalidade social do Estado [social] de Direito, como então

conciliar a necessidade de observância da legalidade orçamentária, matéria da

competência do legislativo, com a garantia de uma tutela judicial efetiva?

10ROCHA, 2003, p. 165. 11A propósito dos limites racionais do poder inerentes ao modelo de Estado liberal, assinala Eduardo Appio: ´´O constitucionalismo moderno surge como um instrumento de racionalização do exercício do poder político, dotando instituições de independência e poder de controle [...] no modelo liberal-burguês a sociedade contrata entre si a criação do Estado e a forma de exercício do poder político``. APPIO, Eduardo Teoria geral do Estado e da constituição. Curitiba: Juruá Editora, 2006. p. 23.

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4.1.2. A tensão entre a efetividade do provimento jurisdicional e a legalidade

orçamentária

Diante da tensão que se verifica entre o princípio da segurança

jurídica e o da legalidade orçamentária, que condiciona o cumprimento da

decisão à existência de rubrica orçamentária12 tem-se falado em estratégias

para assegurar a efetivação da tutela judicial. Nesse sentido, como assinalado

por Orón Moratal, o posicionamento do Tribunal Constitucional Espanhol assim

descrito:

É evidente que essa tensão existe e que sua superação exige a harmonização de ambos princípios, mas esta harmonização, qualquer que seja a forma em que se realize, não pode dar margem a que o princípio da legalidade orçamentária deixe de fato sem conteúdo um direito que a constituição reconhece e garante, pois [...] o cumprimento das sentenças é parte do direito à tutela efetiva dos juízes e tribunais[...] (Tradução nossa) 13.

Com base na jurisprudência daquele Tribunal, são, então, apontadas

possíveis soluções para assegurar a tutela judicial efetiva entre as quais a que

[…] obriga a que a Administração pública e, no seu caso, os tribunais adotem as medidas necessárias a fim de garantir que o mencionado direito constitucional adquira plena efetividade, pelo que, em nenhum caso o princípio da legalidade orçamentária pode justificar que a Adminstração protele a execução das sentenças além do tempo necessário para obter, atuando com a diligência devida, as consignações orçamentárias no caso em que estas não tenham sido previstas. (Tradução nossa) 14.

12Cfr. MORATAL, 1995, p. 70 13Ibid., p. 70. (<<Es evidente que esa tensión existe y que su superación exige la armonización de ambos princípios, pero esta armonización, cualquiera que sea la forma en que se realice, no puede dar lugar a que el principio de legalidad presupuestaria deje de hecho sin contenido un derecho que la Constituición reconoce y garantiza, pues [...] el cumplimiento de las sentencias forma parte del derecho a la tutela efectiva de lo Jueces y Tribunales consagrado en el artículo 24). 14Ibid., p. 70. ([...] obliga a que la Administración pública y, en su caso, los Tribunales adopten las medidas necesarias a fin de garantizar que el mencionado derecho constitucional adquiera plena efectividad, por lo que en ningún caso el principio de legalidade presupuestaria puede justificar que la Administración posponga la ejecución de las sentencias más allá del tiempo necesario para obtener, actuando con la diligencia debida, las consignaciones presupuestarias en el caso de que éstas no hayan sido previstas).

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Trata-se da adoção de medidas por parte da Administração que

impliquem, inclusive, em remanejamento de recursos orçamentários, isto é, em

suplementação de crédito orçamentário, para garantia do cumprimento da

decisão judicial.

A esse respeito, cabe, contudo, a advertência de que tal medida, em

razão do regime orçamentário adotado no sistema jurídico brasileiro, somente é

possível se a hipótese se insere entre as que permitem crédito suplementar, ou

seja, quando se trata de reforço de dotação orçamentária já existente15, caso

contrário, não deve ser realizada a despesa, sob pena de ferir o princípio da

legalidade orçamentária.

Com efeito, por força de disposição prevista no art. 167, inc. V, da

Constituição Federal, é vedada a ´´abertura de crédito suplementar ou especial

sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos

correspondentes``16.

A Administração pública está, portanto, sujeita à prévia autorização

legislativa para tal finalidade, o que afasta a possibilidade de realização da

despesa para cumprimento da decisão judicial sem a correspondente previsão

legal, sob pena de configurar a ilicitude da despesa.

Tem sido apontado, ainda, como mecanismo para assegurar a

efetividade do provimento judicial, a adoção de medidas para efeito de

obtenção de condenação penal por resistência ao cumprimento do julgado em

relação à Administração pública17, como já abordado no capítulo III.

15Sobre créditos orçamentários e créditos adicionais, veja-se: ´´Considera-se que o crédito é orçamentário quando a autorização para a despesa é dada mediante inclusão da respectiva dotação no Orçamento Público. São créditos adicionais as autorizações de despesas não-computadas ou insuficientemente dotadas no Orçamento Público. [...] Os créditos adicionais classificam-se em: suplementares- os destinados a reforço de dotação orçamentária já existente, geralmente ao nível de grupos de despesas [...] Os créditos suplementares e os especiais somente poderão ser abertos se houver recursos para lastrear a despesa, mediante prévia exposição justificativa``. FILHO, João Eudes Bezerra. Contabilidade pública. Teoria, técnica de elaboração de balanços e questões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 34. 16BRASIL, Constituição Federal. Art. 167, inciso V. 17Neste sentido acentua Orón Moratal: ´´Um passo adiante se dá na sentença 294/1994, de 7 de novembro […] ao decidir-se que uma sentença que reconhecesse o direito à cobrança efetiva da dívida e condenasse a Administração ao pagamento <<não só introduz uma garantia efetiva […] mas também autorizaria o ordenamento penal ante a negativa ou resistência da Administração a proceder a seu cumprimento``.(Tradução nossa). (Un paso más se dá en la sentencia 294/1994, de 7 de noviembre (FJ5), al decidirse que una sentencia que reconociese el derecho al cobro efectivo de la deuda y condenase a la Administración al pago <<no solo introduce una garantia efectiva hasta ese momento inexistente mediante la intervención de la autoridad judicial que vela por la ejecución de su sentencia ( arts. 117.3 y 118 CE), sino que

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Tal estratégia, contudo, também não tem surtido os efeitos

pretendidos dada a inexistência de recursos orçamentários necessários ao

cumprimento da decisão judicial porquanto a realização de despesa sem a

competente previsão legal afigura-se como ilícita.18

A despeito das estratégias indicadas, à luz da jurisprudência do

Tribunal Constitucional Espanhol, para o fim de assegurar a tutela judicial

efetiva, há de se reconhecer que no sistema normativo brasileiro não há como

prescindir de previsão orçamentária para efeito de realização de despesa

necessária à concretização de prestação material pela Administração, sob

pena de caracterização da ilicitude da despesa, ficando o Judiciário adstrito à

observância da lei orçamentária por força do regime orçamentário adotado pela

Constituição Federal.

4.1.3 A previsão orçamentária no sistema normativo brasileiro

O controle orçamentário se apresenta como já referido no capitulo I

como elemento inerente ao Estado de Direito e constitui mecanismo para evitar

abuso de poder, sujeitando a Administração à execução das despesas nos

limites estabelecidos pelo Legislativo. No ordenamento pátrio a importância

conferida ao orçamento público é tal que

Pode-se, por isso falar de uma Constituição Orçamentária que é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado das Constituições Tributária e Monetária. [...] A Constituição Orçamentária ´´constitui`` o Estado Orçamentário, que é a particular dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas, especialmente a tributária, como instrumento de realização

también permitiria deducir testimonio al orden penal ante la negativa o resistência de la Administración a proceder a su cumplimiento ( art. 110LJCA)>>). MORATAL, 1995, p. 71. 18A respeito da estratégia de condenação penal por resistência ao cumprimento do julgado, veja-se o que assinala J. Elias de Moura Rocha: ´´Por um lado, adotou-se a via dos processos criminais contra Chefes de Executivo – sobretudo dos Municípios – por crime de descumprimento de ordem judicial, fossem decorrentes de decisões liminares, antecipação de tutela ou, ainda, de sentença transitada em julgado. Ademais as deficiências argumentativas dessas persecuções criminais – fosse pela precariedade das decisões liminares, fosse pela irreversibilidade das antecipações de tutela no que se refere às prestações concretas, uma última argumentação seria decisiva: inexistência de recursos suficientes para cumprir, ou mesmo, ausência de dotação orçamentária o que, dado o cumprimento, ocasionaria a ilicitude das despesas públicas``. ROCHA, 2003, p. 13.

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das despesas. O Estado Orçamentário surge com o próprio Estado Moderno19.

A matéria orçamentária está disciplinada na Constituição Federal,

com previsão dos planejamentos orçamentários [plano plurianual, lei de

diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual], definidos por lei de iniciativa

do Executivo, estando eles de tal modo relacionados que a lei orçamentária

anual deve respeitar as diretrizes orçamentárias e estas, por sua vez, o plano

plurianual.

Por força do disposto no artigo 165, da Constituição Federal20 não

podem ser realizadas despesas sem prévia autorização do legislativo,

porquanto todas as despesas devem estar previstas em lei orçamentária, que

deverá compreender a previsão das receitas e fixação das despesas, sendo,

ainda, expressamente vedado, nos termos do artigo 167 inciso II, “ a realização

de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos

orçamentários ou adicionais”21.

A Lei 4.320, de 17. 03.64, que estatui normas gerais de direito

financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,

dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, regulamenta a disposição

constitucional, dispondo, em seu art. 42, que ´´os créditos suplementares e

especiais serão autorizados por lei e abertos por decreto do executivo``, e

estabelece, ainda, no art. 43, que ´´a abertura dos créditos suplementares e

especiais depende da existência de recursos disponíveis para acorrer à

despesa e será precedida de exposição justificada``22.

Além da autorização legislativa, a despesa deve estar empenhada,

conforme disposto na Lei 4.320, de 17. 03.64, cujo artigo 60 estabelece: “É

vedada a realização de despesa sem prévio empenho”, definido nos termos do

19TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.171. 20BRASIL, Constituição Federal. Art. 165. “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I- o plano plurianual; II- as diretrizes orçamentárias III- os orçamentos anuais. [...] § 8º A Lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de credito ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. 21BRASIL, Constituição Federal. Art. 167, inciso V. 22Cfr. MACHADO JR., José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. Rio de Janeiro: IBAM, 1995. p.119.

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artigo 58, daquela lei como “[...] o ato emanado de autoridade competente que

cria para o Estado a obrigação de pagamento pendente ou não de implemento

de condição”23.

A falta de atendimento a prévio empenho torna, assim, as despesas

públicas irregulares, na forma do artigo 15, da Lei de Responsabilidade Fiscal,

que prescreve ´´[...] serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas

ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que

não atendam ao disposto no arts. 16 e 17``24, ficando, por sua vez, passíveis

de sanção os agentes públicos responsáveis pela realização de despesa

irregular, conforme previsto na Lei n. 8.429/92, Lei de Improbidade

Administrativa25.

4.1.4 A intervenção judicial em matéria orçamentária

A definição da despesa pública em lei orçamentária, matéria da

competência do legislativo e como tal de natureza política, embora sujeita a

controle judicial nos aspectos quantitativos [percentuais de recursos destinados

a cada esfera de poder] e qualitativos [vinculações constitucionais quanto à

matéria], é questão que remete à necessária consideração sobre os riscos da

judicialização da Política.

A intervenção do Judiciário, nesta seara, implica em controle de

políticas públicas26, assim compreendidas como medidas de intervenção

estatal na sociedade e na economia para planejamento socioeconômico que

envolvem a questão orçamentária [despesas e receitas públicas], podendo

23Sobre o conceito de empenho, veja-se: ´´O empenho é o instrumento de que se serve a Administração a fim de controlar a execução do orçamento. É através dele que o Legislativo se certifica de que os créditos concedidos ao Executivo estão sendo obedecidos``. MACHADO JR., José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. Rio de Janeiro: IBAM, 1995. p.119. 24BRASIL, Lei Complementar no. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. 25BRASIL, Lei . 8.429/92. Lei de Improbidade Administrativa. 26Cfr. APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas. Curitiba: Juruá Editora, 2005, p. 144. Cfr. também FARIA, Eduardo (Org). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.134.

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dizer-se com Eduardo Appio ´´ o problema central consiste em definir em que

medida este controle judicial é compatível com a democracia no Brasil27``. É

que

Ao atuar em sede de controle de políticas públicas, o Poder Judiciário assume a função política de controle dos atos do Poder Legislativo e Executivo em face da Constituição Federal de l988 [...] Ao assumir esta função, o Poder Judiciário aceita as conseqüências políticas deste embate, na medida que sua atuação importará limitação da liberdade dos demais Poderes, sendo certo que somente no Estado constitucional e democrático é possível tal sorte de controle. A discussão sobre os limites da intervenção judicial envolve um importante debate acerca do conteúdo contemporâneo da democracia28.

Importa atentar, assim, para a advertência feita por Eduardo Appio

quanto à necessidade de distinguir-se o momento da formulação do conteúdo

da política pública [definição das necessidades socioeconômicas a serem

supridas ante a escassez de recursos públicos] e o da execução da política

pública [a partir de definições já tomadas acerca das necessidades

socioeconômicas], salientando, inclusive, os riscos da substituição do legislador

pelo juiz no papel de formulação de políticas públicas 29. É que afirma Appio

com propriedade:

A substituição do legislador/administrador público pela figura do juiz não se mostraria politicamente legítima na medida em que (1) o administrador público (Executivo) e o legislador foram eleitos, através do sufrágio universal, para estabelecer uma pauta de prioridades na implementação das políticas sociais e econômicas. Ademais (2) o Judiciário não possui o

27APPIO, 2005, p. 144. 28Sobre o controle judicial de políticas públicas, propõe Eduardo Appio o seguinte: ´´1º - a formulação das políticas públicas não previstas expressamente na Constituição está ancorada num sistema de democracia procedimental, não sendo possível a formulação de políticas públicas pelo próprio Poder Judiciário, mas somente através da instância judicial; 2º - a execução das políticas públicas, por sua vez, demanda a adoção de mecanismos judiciais voltados à proteção de um conceito substancial de democracia, a partir da isonomia entre os cidadãos, prevista na Constituição Federal de l988.`` Ibid. 29Ibid., p. 71.´´Ao formular políticas públicas que atendem às suas prioridades pessoais, através da ´´interpretação adequada`` da Constituição, os juízes se lançam em verdadeira aventura política, não possuindo real controle sobre as conseqüências deste processo, do que resultam graves impasses constitucionais. A fixação dos limites à própria jurisdição, representa, nesse contexto, uma das mais graves funções outorgadas ao Poder Judiciário. A busca da plena normatividade constitucional não pode significar o rompimento de delicado equilíbrio necessário à democracia. Um governo de juízes, neste sentido, em nada difere de um governo aristocrático, pois o regime democrático não se coaduna com a concentração extremada de poder político junto a um único órgão``.

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aparato técnico para a identificação das reais prioridades sociais, tendo de contar, nestes casos, com as informações prestadas pela própria Administração Pública. Também (3) o fato de que a atividade-fim do Poder Judiciário é a de revisão dos atos praticados pelos demais Poderes e não sua substituição, enquanto que a atividade-fim da Administração é estabelecer uma pauta de prioridades na execução de sua política social, executando-a consoante critérios políticos, gozando de discricionariedade, existindo verdadeira ´´reserva especial de administração``. A discricionariedade do administrador não pode ser substituída pela do juiz. Ainda (4) com a indevida substituição a tendência natural seria a de um grande desgaste do Judiciário, enquanto Poder político, na medida em que teria de suportar as críticas decorrentes da adoção de medidas equivocadas e (5) o mais importante, imunes a uma revisão por parte dos demais Poderes30.

Passa a ser, então, de fundamental importância distinguir nesse

âmbito [controle de políticas públicas] o que pode ser determinado em ação

civil pública pelo Judiciário e o que não pode, por caracterizar-se como

intervenção em matéria afeta ao legislador [formulação da política pública].

A intervenção judicial voltada ao controle dos percentuais destinados

pela Constituição Federal à educação afigura-se viável em ação civil pública,

até porque a própria lei orçamentária pode ser objeto de controle judicial como

referido.

Significa dizer que pode ser manejada ação civil pública tendo por

objeto a fiscalização da aplicação desses percentuais pelos entes federados,

isto é, para exigir a obediência aos percentuais previstos no art. 212 da CF31,

assim como, o respeito ao âmbito de atribuição do ente federado na aplicação

de recursos porquanto cada esfera de poder só deve financiar as atividades em

relação às quais tem atribuição.

Trata-se de matéria abordada no capitulo II, porquanto em razão do

regime de Estado Federativo adotado no ordenamento pátrio, cada uma das

esferas de poder detém competência para ofertar educação nos níveis de

30APPIO, 2005, p. 151. 31BRASIL, Constituição Federal. Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

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ensino previstos constitucionalmente, consoante o art. 21132, afigurando-se

ilegal, por exemplo, a aplicação de recursos pelo Município em educação

profissionalizante, quando ainda não atendida toda a demanda do ensino

fundamental, por não se inserir aquela etapa da educação no seu âmbito de

atribuições prioritárias e, como tal, passível de controle judicial.

Não se questiona sobre a possibilidade de serem levados ao

Judiciário, mediante ação civil pública, litígios envolvendo direitos sociais

[interesses sociais], e como tal, referentes ao controle das políticas públicas.

A questão que se coloca [repita-se] é até onde pode ser manejada a

ação civil pública e até onde pode o Judiciário intervir em matéria de políticas

públicas!

Assim é que, sob pena de ferir os princípios do Estado de Direito,

´´O Poder Judiciário não pode determinar a implantação de programa social

com base em um direito genericamente previsto na Constituição Federal,

porque esta é uma questão de natureza política``33, consoante adverte Appio,

isto porque, se assim o fizer, estará definindo o conteúdo do programa social, o

que implica na eleição/priorização das necessidades a serem satisfeitas com

os recursos públicos e como tal esbarra na questão da [falta de] legitimidade

do Judiciário. Ademais

[...] o juiz ao prolatar uma decisão em ação civil pública na tutela dos interesses difusos, no tocante a um direito subjetivo público genérico em favor de toda a população, não teria condições de indicar as fontes dos recursos, além de invadir uma competência privativa do Poder Legislativo, qual seja a de apreciar a lei orçamentária anual, procedendo aos ajustes necessários, mas sempre com a indicação da fonte de custeio da nova despesa34

Nessa linha, eventual decisão judicial em ação civil pública de

obrigação de fazer determinando a inclusão de verba em orçamento para

realização de prestação material em atendimento a interesses sociais esbarra

32BRASIL, Constituição Federal. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. [...] § 2º Os Municípios aturarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. 33APPIO, 2005. p. 159. 34Ibid., p. 155.

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no princípio da tripartição dos poderes porque se trata de matéria inserida no

âmbito de competência do legislativo.

O que o judiciário pode [e deve] é determinar ao executivo o

cumprimento do orçamento, atentando-se

[...] ao fato de que o Judiciário subordina-se à lei de um lado, e de outro precisa estar preparado para reconhecer os limites e os avanços legais no que diz respeito aos direitos subjetivos à distribuição dos recursos sociais, e com a devida atenção ao que já se pode saber dos efeitos perversos que decisões judiciais podem trazer, seja negando reiteradamente a justiça distributiva, seja reforçando as posições adquiridas sob um regime iníquio econômica e politicamente, há um papel problemático na sua função tradicional35.

4.1.5 Legalidade orçamentária vs conteúdo do direito prestacional

Se assim é, cabe, então, retomar a questão já suscitada acerca da

conciliação entre a legalidade orçamentária [princípio da reserva legal em

matéria orçamentária] com o não esvaziamento do conteúdo do direito

prestacional. Vale dizer, o que pode e [deve] ser exigível para assegurar tal

direito.

Uma resposta possível há de levar em conta o princípio da legalidade

do gasto público [porquanto a satisfação de necessidades implica em gasto

público] e sua importância como meio de assegurar não somente a igualdade

na distribuição dos recursos públicos, mas também o atendimento aos

preceitos constitucionais [vinculação qualitativa dos gastos públicos].

De fato, não se pode perder de vista que

A reserva da lei é um instrumento para limitar, em termos do estado de Direito e de forma materialmente adequada, as competências do legislador e do executivo. Parece materialmente adequado regular por lei as atribuições de tarefas e competências. Quanto ao resto basta, no entanto, assegurar, nas suas grandes linhas, o controlo parlamentar sobre as prestações do Estado. Isto sucede desde logo pelo facto de os meios necessários deverem ser previstos de uma

35FARIA, 2005, p. 142.

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forma específica no orçamento do Estado e aprovados pela lei orçamental.``36

Ao tratar especificamente da oferta de prestações materiais pelo

Estado, Reinhold Zippelius acrescenta ´´[...] também em relação a tais

prestações do Estado dever-se-ia tomar uma decisão prévia num procedimento

legislativo parlamentar, assente na legitimação democrática do parlamento37``,

demonstrando, assim, a relevância do aspecto da legitimidade das escolhas

acerca de necessidades socioeconômicas a serem supridas com recursos

públicos.

A questão da legitimidade na definição de necessidades a serem

satisfeitas é também abordada por Agnes Heller ao advertir, com propriedade,

´´[…] a determinação das prioridades pressupõe um sistema de instituições

sociais diferente daquele que divide as necessidades entre reais e irreais``

(Tradução nossa)38, e, assim, apontando a participação na definição de

políticas públicas como meio de legitimar tal escolha, sustenta:

O sistema que melhor se adequaria à determinação de tais prioridades seria um que institucionalizasse a decisão através de alguma forma de debate público democrático. Em tais debates, as forças sociais que representaram necessidades igualmente reais decidiriam (sempre, uma e outra vez, por meio do consenso) que tipos de satisfação de necesidades haveriam de ser preferidos em sua satisfação frente a outras necessidades – igualmente reconhecidas (Tradução nossa) 39.

36ZIPPELIUS, 1997, p. 395. Sobre a questão da previsão orçamentária observe-se: ´´Existirão, porém, reservas quanto à idéia de programar por lei, de uma forma exaustiva, todas as prestações a oferecer pelo Estado. Isto privaria o executivo de um espaço de liberdade de actuação adequado que lhe permitisse adaptar-se à necessidade cambiante de prestações do Estado. Uma excessiva reserva da lei que concentrasse no parlamento todas as decisões essenciais, contrariaria o princípio da divisão equilibrada dos poderes e menosprezaria a legitimação democrática dos outros órgãos do Estado``. 37Ibid. , p. 395. 38HELLER, 1996, p. 61. ([...] la determinación de las prioridades presupone un sistema de instituciones sociales diferente de aquel que divide las necesidades entre reales e irreales). 39Ibid. (El sistema que mejor se adecuara para la determinación de tales prioridades sería uno que institucionalizara la decisión misma a través de alguna forma de debate público democrático. En tales debates, las fuerzas sociales que representaran necesidades igualmente reales decidirían (siempre, una y otra vez, por medio del consenso) qué tipos de satisfacción de necesidades habrían de ser preferidos en su satisfacción frente a otras necesidades- igualmente reconocidas).

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A posição de Heller ao propor amplo debate público sobre a matéria

orçamentária [partindo da idéia de que tais necessidades são ilimitadas

enquanto limitados são os recursos públicos] vai mais além, aprofundando o

questionamento acerca da legitimação na determinação de necessidades e

prioridades a serem satisfeitas.

Nessa linha de raciocínio, que questiona a legitimidade na definição

de necessidades socioeconômicas, cabe reconhecer que o cumprimento de

provimento judicial sem a previsão legal da despesa em orçamento resultaria

na escolha ou definição pelo judiciário de necessidades a serem satisfeitas.

A questão que se impõe diz respeito à legitimidade da escolha ou

priorização de necessidades socioeconômicas pelo Judiciário porquanto

havendo escassez de recursos públicos nem todas as necessidades definidas

pelo Legislativo [lei orçamentária] serão satisfeitas. Com efeito,

[…] ainda que essas definições legislativas posteriores às declarações solenes dos direitos prestacionais estejam formalizadas, a administração de recursos escassos vai sugerir uma definição de prioridades na satisfação de necessidades que, de igual modo, impedem ao judiciário tomar a si tal definição40.

Partindo, assim, do pressuposto de que o princípio da legalidade41 no

gasto público é um instrumento para evitar o arbítrio no exercício do poder, não

podendo, desse modo, o Judiciário substituir-se ao Legislador no papel de

40ROCHA, 2003. p.136. A esse respeito, veja-se: ´´Diante da carência de recursos orçamentários, por exemplo, é legítimo o debate parlamentar sobre despesas prioritárias dentre os objetivos constitucionais em favor dos distintos direitos fundamentais. Logo, um Governo pode priorizar legitimamente a alocação de recursos em uma lei orçamentária para a saúde em detrimento da educação ou vice-versa. A questão nesse plano poderá se cingir ao plano dos argumentos pragmáticos, desde que não haja violação do código binário do direito, ou seja que os valores em questão estejam todos resguardados pela norma constitucional. Dessa forma, qualquer intromissão por parte do Judiciário, de forma a impor suas prioridades com base em preferências ou em torno da visão da Constituição com uma tábua de valores é integralmente repudiada pelo procedimentalismo``. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2006. p.161. 41Sobre o princípio da legalidade, veja-se: ´´ O princípio da legalidade da administração foi erigido, muitas vezes, em <<cerne>> do Estado de direito [...] O princípio da legalidade postula dois princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei (Vorrang des Gesetzes) e o princípio da reserva de lei (Volbehalt des Gestzes). Estes princípios permanecem válidos, pois num Estado democrático-constitucional a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a sua supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas materiais, sobretudo dos direitos fundamentais e da vertebração democrática do Estado (daí a reserva da lei). De uma forma genérica, o princípio da supremacia da lei e o princípio da reserva de lei apontam para a vinculação jurídica- constitucional do poder executivo [...]``.CANOTILHO, 2003. p. 256.

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definir necessidades socioeconômicas a serem satisfeitas com recursos

públicos, cabe retomar a questão acerca da harmonização entre a legalidade

orçamentária e o não esvaziamento do conteúdo do direito prestacional !

Trata-se de questão crucial quando se pretende assegurar a

efetivação de direito prestacional, pois o que se pretende esbarra no grande

desafio, ou por assim dizer, paradoxo do Estado social, vez que, se por um

lado não se pode olvidar os limites de poder do Estado de Direito em busca da

finalidade social, por outro

O formalismo do Estado de Direito não poderá estender-se até bloquear os valores sociais e democráticos, uma vez que a orientação a estes valores contribui a que o Estado de Direito não decline até converter-se em um simples Estado legal compatível com formas autoritárias ou com qualquer espécie de conteúdo material (Tradução nossa) 42.

Há que se chegar, então, a um ponto de equilibro que assegure a

compatibilização entre a efetivação do provimento judicial [que implica na

disponibilização pelo Estado do bem material ou serviço demandado] com o

respeito à lei orçamentária para efeito de realização de gastos públicos.

4.2 Provimento educacional

Para a efetivação do provimento educacional, objeto de satisfação

das necessidades educacionais, qual seja, a oferta regular de ensino pelo

Poder Público, aqui entendido no sentido apontado no capitulo II, incluindo

todos os itens indispensáveis a satisfação das necessidades educacionais do

aluno, desde o aspecto da infra-estrutura adequada, profissionais habilitados,

cumprimento de carga horária, enfim de todos os requisitos previstos na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB como insumos necessários ao

42PELAYO GARCÍA, Manuel. As Transformações do Estado Contemporâneo. [Las transformaciones del Estado contemporáneo]. Madrid: Alianza Editorial S.A., 1997. p. 103. (El formalismo del Estado de Derecho no podrá extenderse hasta bloquear los valores socialies y democráticos, a la vez que la orientación havia estos valores contribuye a que el Estado de Derecho no degenere hasta convertirse en un simple Estado legal compatible con formas autoritárias o con cualquier especie de contenido material).

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aprendizado, enfrenta-se, como visto, a questão relativa à previsão

orçamentária, por sua vez relacionada à distribuição dos recursos destinados à

educação, conforme previsão constitucional e, ainda, o problema da

administração de recursos escassos.

Em relação à satisfação de necessidades educacionais, o problema

a enfrentar não diz respeito à falta de prerrogativas de acesso, tal como

definido por Ralf Dahrendorf ao tratar do conflito social moderno [ ausência de

prerrogativa de acesso a provimentos ou insuficiência de provimentos para

satisfação de necessidades socioeconômicas]43.

Muito pelo contrário: o direito à educação é amplamente assegurado

nos tratados internacionais [e como tal assegurado no ordenamento jurídico

brasileiro], sendo disciplinada na Constituição Federal a oferta de ensino

fundamental como direito subjetivo público, o que implica a possibilidade de ser

exigido judicialmente pelo cidadão em face do Estado. Vale dizer, o cidadão

torna-se credor do direito ao ensino fundamental e o Estado devedor de tal

prestação. Mas o que isso significa?

Poder-se-ia afirmar com Ingo W. Sarlet que, havendo previsão

constitucional para oferta de ensino fundamental [programa social] e estando,

também, definidos os recursos para aplicação neste nível de ensino,

[percentuais constitucionais estabelecidos no artigo 212, da Constituição

Federal]44 não haveria óbice para a efetivação judicial do direito prestacional à

educação tal como explicitado:

O montante da verba orçamentária mínima (o legislador poderá estabelecer valores superiores), seguramente representando a maior fatia do orçamento público, demonstra a importância atribuída à educação. No § 3º do mesmo artigo, encontra-se, por sua vez, regra que prioriza a distribuição dos recursos para o ensino obrigatório (fundamental). [...] Também merecem destaque outros dispositivos que ressaltam a especial relevância do ensino público fundamental. Assim, o art. 211, §§ 2º e 3º, prevê que ambos deverão atuar prioritariamente no ensino fundamental (os Estados também no ensino médio). Tudo isso demonstra inequivocamente a impertinência, no que diz com um direito subjetivo ao ensino fundamental público gratuito, também dos argumentos

43Cfr. DAHRENDORF, 1992, p. 24. 44BRASIL, Constituição Federal. Art. 212. “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

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relativos à reserva do possível e da incompetência dos tribunais para decidir sobre a matéria. As regras sobre as competências na esfera do ensino, a origem e destinação das verbas, bem como as prioridades e metas da política de ensino, já estão inequivocamente contidas na própria Constituição45.

Nessa linha de entendimento, estariam afastados os obstáculos

relativos à reserva do possível e ao princípio da separação dos poderes.

Importa atentar que a jurisprudência pátria também tem se

manifestado, especificamente, no que diz respeito ao direito à educação [nos

diferentes níveis de ensino], no sentido de afastar os argumentos relativos ao

princípio da separação dos poderes. Nesse sentido, já decidiu o Supremo

Tribunal Federal:

[...] 16. Quanto à alegada ofensa aos princípios da separação dos poderes, entendo não haver restado configurada, uma vez que a educação, nos termos do art. 205, caput, da Constituição da República, ‘é direito de todos e dever do Estado e da família’. Prescreve, ainda, o art. 227 da Constituição que ‘ é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.’

17. Nesse passo, sendo a educação um direito fundamental, assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja a sua proteção pelo Poder Judiciário.

18. Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, o parecer é pelo não conhecimento do presente recurso extraordinário.[grifos no original] 46.

A respeito do direito à educação infantil, correlato ao dever

constitucional de ofertar creche a crianças de zero a seis anos, ainda se

manifestou o STF, consoante assim descrito: 45SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 308. 46BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF). RE463.210-AgR/SP, p. 2187/2188, publ. DJ 03.02.2006. Disponível em: http//www.stf.gov.br. Acesso em 06.10.07.

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A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. –Os Municípios- que atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º)- não poderão demitir-se do mandado constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do direito a crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda, que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelo órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimentos dos encargos políticos- jurídicos que sobre integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ´´reserva do possível``. (destaque nosso)47

De igual modo, no que concerne a questões orçamentárias, ao

apreciar a responsabilidade dos entes federados sobre os respectivos sistemas

de ensino, a Suprema Corte, assim, se posicionou:

[...] Desse modo, a determinação judicial tem por escopo a efetiva concretização da norma constitucional, sem implicações com o princípio da separação dos Poderes, uma vez que, nos termos do artigo 205 da Carta da República, a educação é direito de todos, cumprindo à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação, à dignidade. Ao Poder Judiciário cabe fazer valer, no conflito de interesses, a lei e a Carta Federal. Deficiência orçamentária não tem o efeito de projetar no tempo e, conforme a política em curso, indefinidamente o cumprimento de preceitos constitucionais de importância ímpar, no que voltados à educação. Ante o quadro, conheço do agravo regimental e o desprovejo (destaque nosso)48.

47 BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF) RE- AgR 410715/ SP - Disponível em: http//www.stf.gov.br./portal/jurisprudência. Acesso em 06.10.07. 48BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF). RE 384.201-AgR/SP, p. 893, publ. DJ 03/08/2007). Disponível em: http//www.stf.gov.br. Acesso em 06.10.07.

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No mesmo sentido, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, em

recurso especial contra decisão proferida em ação civil pública versando sobre

o dever constitucional do Município de ofertar creche a crianças de zero a seis

anos, de seguinte teor:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA, EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA, AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. [...]

4 - A determinação desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.

5-Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

6- Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.

7-As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

8-Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

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9-Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional (destaque nosso) 49.

Afastando expressamente os argumentos da ausência de verbas e

falta de previsão orçamentária em relação ao direito à educação, por sua vez,

decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE NOVA PETROPÓLIS. MEDIDA PROTETIVA. EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO AFASTADA. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA PRELIMINAR. DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À EDUCAÇÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. DESNECESSIDADE. [...] 3) Correta se ostenta a decisão que deferiu a antecipação de tutela, porque preenchidos os requisitos de prova inequívoca do direito alegado e da irreparabilidade de dano, já que compete ao Poder Público garantir o direito à educação básica a toda e qualquer criança. É dever do poder público municipal assegurar atendimento em creche ou pré-escola, nos termos do inciso IV do art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do inciso IV do art. 208 da Constituição Federal, porquanto se trata de direito fundamental social. No entanto, merece reparo no tocante ao alcance da decisão, devendo ser assegurado apenas as crianças nominadas na inicial da ação civil pública a vaga em estabelecimento de ensino pré-escolar. 4) Tratando-se, o direito à educação, de obrigação estatal, despiciendas as alegações de ausência de verbas ou de falta de previsão orçamentária, dado que o direito invocado não pode se sujeitar à discricionariedade do administrador. Tampouco há falar em violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto ao Judiciário compete fazer cumprir as leis. Preliminares rejeitadas. Recurso parcialmente provido (destaque nosso)50.

49BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (STJ), (REsp 575280/SP, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, d.j. 02/09/2004, DJ 25.10.2004, RSTJ vol. 187 p. 155.) Disponível em: http//www.stj.gov.br. Acesso em 06.10.07.

50BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Agravo de Instrumento n. 70018405464, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 25/06/2007). Disponível em: http:www.tj.gov.br.

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A despeito do posicionamento doutrinário e jurisprudencial

mencionados, o fato é que não há como deixar de atentar para a questão da

administração de recursos escassos, como já referido, dada a insuficiência de

provimentos [bens e serviços] para satisfação de todas as necessidades

educativas inerentes ao processo-pedagógico, tal como descrito na Declaração

Mundial sobre a Educação, citada no capitulo II, e assegurado na Constituição

Federal, mediante garantia de qualidade na oferta de ensino fundamental,

definido [repita-se] como direito subjetivo público.

Ademais, há que se reconhecer que a satisfação de necessidades

educativas não está a depender apenas de previsão orçamentária, mas

também de receitas líquidas.

É que por força do disposto na Lei de Responsabilidade fiscal

(LRF)51, que estabelece normas de finanças públicas para a gestão fiscal,

foram introduzidas mecanismos restritivos para limitar os gastos públicos

visando o equilíbrio financeiro do Estado, sendo estabelecido como limite para

as despesas públicas as receitas correntes líquidas, assim definidas como

“receitas realmente disponíveis (líquidas), desoneradas de quaisquer

vinculações” 52.

Assim, em relação à oferta de ensino fundamental, não se questiona

o fato de ser o ensino fundamental direito subjetivo público por força de

previsão constitucional.

O que se coloca em questão é como assegurar a oferta de ensino,

nos termos legais [integral satisfação das necessidades educacionais], diante

do problema econômico, qual seja a administração de recursos escassos.

Daí tornar-se necessário para a satisfação das necessidades

educacionais, não somente a previsão orçamentária, senão também a

existência de receitas líquidas.

51BRASIL, Lei Complementar n. 101, de 4, de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Art. 2º. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como: [...] IV- receita corrente líquida: somatório das receitas tributarias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes,deduzidos [...]``. 52Cfr. PASCOAL, Valdecir. Direito financeiro e controle externo. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 113.

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Para constatar os obstáculos apontados, basta recorrer à experiência

vivenciada na Promotoria de Educação da Capital, Ministério Público de

Pernambuco (MPPE), onde foi instaurada uma investigação [inquérito civil

público] para apurar as condições de ensino em cerca de trinta e cinco escolas

da rede pública estadual do Recife, tendo sido constatada uma situação

alarmante, caracterizada pelo não cumprimento de carga-horária, prevista no

artigo 24, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), [200

(duzentos) dias letivos de efetivo trabalho escolar]53 por falta de professores

para ministrar aulas em diversas disciplinas, na quase totalidade das escolas

investigadas. E mais: grande quantitativo de disciplinas com aulas ministradas

por estagiários, por falta de profissionais habilitados, o que é vedado pelo art.

62, da LDB54.

Exigir o cumprimento da lei no que se refere à oferta regular de

ensino fundamental na via da ação civil pública55, ou seja, exigir do Poder

Público a oferta de aulas relativas às disciplinas da base curricular nacional

implica a existência de professores em quantitativo suficiente para atentar a

demanda de todas as escolas da rede pública de ensino.

Assim, a obtenção de decisão favorável por meio de ação civil

pública de obrigação de fazer [realização de concurso público para provimento

de cargos de professor visando ao atendimento da demanda existente na rede

estadual de ensino]56, ainda não se afigura suficiente para a solução do

problema, porquanto há que se enfrentar também a questão da administração

de recursos escassos, dado que a contratação de um quantitativo estimado em

8.000 [oito mil] professores para suprir as lacunas da rede estadual de ensino,

53BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I- a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver; [...] 54BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de l996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. 55ACP n. 001.2006.000650-2 movida pelo MPPE contra o Estado de Pernambuco perante a 1ª Vara Privativa da Infância e da Juventude da Capital [do Recife]. 56ACP n. 001.2005.027756-2 movida pelo MPPE contra o Estado de Pernambuco perante a 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital [do Recife].

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traria um impacto na folha de pessoal e como tal esbarraria nos limites

estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com

pessoal57, consoante a previsão contida no art. 169, da Constituição Federal58.

Este é sem dúvida um problema a enfrentar quando se trata de

assegurar que os inúmeros alunos da rede pública estadual tenham acesso

não apenas à vaga [como assegurado constitucionalmente], mas também a um

ensino de qualidade! De fato, não se pode pensar em ensino sem professor

muito menos de qualidade de ensino se faltam as demais condições materiais

que se fazem necessárias ao processo de ensino e aprendizagem.

Daí indagar-se: como assegurar judicialmente que todas as

comunidades de um Município disponham de escolas para oferta de ensino

fundamental próximo à residência do aluno, conforme previsto no art. 54, do

Estatuto da Criança de do Adolescente (ECA)59, por se tratar esse nível de

ensino de direito subjetivo público, nos termos do art. 208, § 1º, da Constituição

Federal60 e, como tal, exigível judicialmente frente ao Estado?

A esse respeito, cabe fazer referência à experiência da Promotoria

de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público de São Paulo em

ações civis públicas propostas com a finalidade de exigir oferta de vagas no

ensino fundamental em escolas da rede pública de ensino61, conforme assim

descrito:

57BRASIL, Lei Complementar no. 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir descriminados: [...] II- Estados: 60% (sessenta por cento) [...] 58BRASIL, Constituição Federal. Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. 59BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de l990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: [...] V- acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. 60BRASIL, Constituição Federal. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito subjetivo público. 61 A esse respeito, veja-se: ´´Ainda que em menor intensidade do ocorrido na educação infantil, também no ensino fundamental a garantia de vagas por meio de decisão judicial esbarrou em obstáculos de natureza processual, como argumentos alegando incompetência da Vara da Infância e da Juventude para julgar causas que tratam do direito à educação e a não-legitimidade do Ministério Público para entrar com esse tipo de ação na Justiça por ser o direito à educação ato discricionário do Poder Executivo. Tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental, dois argumentos foram recorrentes para negar os pedidos das ações. O primeiro

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No mesmo ano, 1998, foi julgada favoravelmente ação [ACP n. 40/98] reivindicando da Fazenda Pública do estado a criação de 315.258 vagas na rede pública estadual. Essa ação foi julgada procedente em primeira instância, com a seguinte fundamentação:´´É dever do Estado membro ofertar prioritariamente o ensino fundamental e, no Estado de São Paulo, é obrigação do Governo Estadual suprir todas as necessidades e prover vagas em número suficiente em todo o território paulista (art. 249, § 1º, da CF)``.´´A co-responsabilidade do Município não retira a obrigação do governo estadual prover as vagas necessárias ao completo e irrestrito atendimento à demanda do ensino fundamental``. Contudo, em segunda instância, a decisão foi reformada e o Tribunal de Justiça deu ganho de causa ao réu, novamente com o argumento da discricionariedade e da não-demonstração pelo autor de que havia verba orçamentária disponível para a criação das vagas pleiteadas (destaque nosso) 62.

Diferente não foi o resultado das ações intentadas pelo Ministério

Público de São Paulo com vistas a obter do Poder Público o pagamento de

mensalidades em escolas da rede privada de ensino [em nível de ensino

médio] porquanto

Em segunda instância a decisão foi parcialmente reformada, desobrigando a Fazenda Pública a pagar mensalidades escolares aos alunos em escolas particulares, pois se alegou que isso poderia gerar graves problemas em relação às redes privadas, obrigando-as a criar vagas para a demanda da escola pública e sujeitando-as a receber mensalidades na forma de precatórios, que estão sujeitos a ordens cronológicas. Foi fixada multa diária, nos termos do artigo 213, parágrafo 2º, do ECA (destaque nosso) 63.

A esse propósito também se pronunciou o STF nos seguintes termos:

[...] O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-

deles alega que a educação é norma programática, isto é, parte dos operadores do direito considera que são necessárias outras leis para regulamentar e dar efetividade ao que está previsto na Constituição. O segundo afirma que o Poder Executivo tem discricionariedade administrativa, ou seja, o governo tem o poder/a liberdade de decidir em que áreas aplicará o dinheiro público, não sendo competência do Poder Judiciário intervir nessa matéria``. GRACIANO, Mariângela; MARINHO, Carolina; FERNANDES, Fernanda. As demandas judiciais por educação na cidade de São Paulo. In: A educação entre os direitos humanos. HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela (Orgs).São Paulo: Ação Educativa, 2006. p. 173. 62 Ibid., p.178. 63GRACIANO, Mariângela; MARINHO, Carolina; FERNANDES, Fernanda. As demandas judiciais por educação na cidade de São Paulo. In: A educação entre os direitos humanos. HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela (Orgs). São Paulo: Ação Educativa, 2006. p. 175.

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se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de sues desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa “fila”, quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. (destaque nosso)64.

É de questionar-se também: seria juridicamente viável exigir na via

da ação civil pública a construção de uma escola para atendimento à demanda

de alunos de determinada comunidade se não há previsão orçamentária para

tal investimento ?

Ou ainda: exigir em ação civil pública a construção de uma escola,

diante da inexistência de instalações adequadas para oferta de ensino, quando

não há previsão orçamentária para tanto porquanto entre as necessidades

socioeconômicas da comunidade restou escolhida em orçamento a construção

de uma ponte para assegurar o acesso à escola, sem o que restaria

inviabilizada a freqüência dos alunos às aulas?

Nessa linha de raciocínio, citando decisão judicial do Juízo de Direito

da Vara da Infância e Juventude da comarca de Joinville, Santa Catarina,

´´[…] que pretendia incluir no orçamento municipal verba destinada à

construção de estádio de futebol, em detrimento da educação local deficiente

em um total de cinco mil vagas do ensino básico``, Álvaro Ricardo de Souza

Cruz destaca:

À primeira vista a atitude do magistrado é louvável, vez que opta por uma melhor qualidade da educação local. Contudo, permanece a dúvida: o lazer e a cultura também não seriam valores tutelados pela Constituição da República. Certamente na escala de valores do juiz, esses seriam inferiores à educação. Mas restaria a questão: porque a opção pela

64BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (STJ). (REsp 575280/SP, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, d.j. 02/09/2004, DJ 25.10.2004, RSTJ vol. 187 p. 155.) Disponível em: http//www.stj.gov.br. Acesso em 06.10.07.

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educação e não pela saúde, moradia, assistência social, certamente também deficitárias! […] Do exposto, cabe indagar: A escolha referente à alocação de recursos orçamentários deve ser feita por representantes do povo (ou por ele diretamente, na hipótese de um orçamento participativo) ou por um magistrado? (destaque nosso) 65.

Trata-se, pois, de questionamento quanto à legitimidade da escolha

ou definição de recursos a serem utilizados na satisfação de necessidades

socioeconômicas. Implica em outras palavras, suscitar a questão da atribuição

[ou falta de atribuição] para inclusão de verba em orçamento, tendo em vista o

regime orçamentário estabelecido na Constituição Federal.

4.3 Direito de participação como via de eficiência para o direito prestacional à

educação

A via que se propõe nesta pesquisa para eficiência do direito

prestacional à educação implica no exercício do direito de participação na

definição de necessidades educacionais a serem satisfeitas pelo Poder

Público, isto é, na definição de políticas públicas relacionadas à educação.

[prerrogativa de acesso às decisões políticas].

Significa dizer que os conteúdos das políticas públicas devem passar

por processo de debate público [a que aludiu Agnes Heller ao abordar a

questão da legitimidade da escolha das necessidades socioeconômicas]66 a

realizar-se no âmbito de conselhos deliberativos67.

Tais conselhos deliberativos representam a descentralização

democrática própria do regime federal adotado na Constituição Federal de

l988, de modo a “[...] assegurar ao individuo a maior participação possível na

65CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2006. p.142. 66Cfr. HELLER, 1996. 67Sobre conselhos gestores veja-se: ´´Conselhos são órgãos colegiados dotados de competência específica. Ora integram a estrutura orgânica administrativa, ora não a integram, muito embora recebam constituição por lei e sofram controle do Poder Público. Sendo colegiados, os Conselhos devem ter um presidente e às vezes outros cargos de direção, como vice-presidente, diretores e secretários. É comum ainda que tenham órgãos deliberativos e de fiscalização``. FILHO, José dos Santos Carvalho. Ação civil pública. Comentários por artigo (Lei n.7.347, de 24.7.85). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007. p. 378.

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formação da vontade comunitária e na regulação de tarefas públicas”68. Com

efeito,

Estes conselhos representam, portanto, um importante avanço rumo à construção de uma democracia participativa, a qual permita ao cidadão comum, de forma concreta, em um processo decisório transparente, participar do processo de tomadas das decisões políticas que interferem no destino de sua comunidade69.

As políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes, além

de descentralizadas, devem contar, por força de disposição constitucional, com

a participação popular. Nesse sentido, dispõe o artigo art. 227, § 7º, da CF, que

´´No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em

consideração o disposto no artigo 204`` de seguinte teor:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social [...] serão organizadas como base nas seguintes diretrizes:

I- descentralização político-administrativa [...]

II- participação da população, por meio de organizações representativas na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis70.

Assim, no que concerne ao direito à educação, tais deliberações

ocorrem [ou deveriam ocorrer] no âmbito dos Conselhos Municipais dos

Direitos das Crianças e dos Adolescentes, nos termos do art. 88, inciso II, do

Estatuto da Criança e do Adolescente, que define entre as diretrizes da política

de atendimento à criança e ao adolescente:

Art. 88. [...]

II- criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais71.

68ZIPPELIUS, 1997. p. 506. 69APPIO, 2005. p. 166. 70BRASIL, Constituição Federal. Art. 227. 71BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 88.

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A participação popular na deliberação e controle da implementação

dessas políticas públicas, no âmbito dos Conselhos Municipais de Direitos,

implica ´´[...] em retirar do Executivo a decisão sobre quais recursos serão

destinados àquele segmento da população, que áreas terão prioridade na

destinação dos recursos, que tipo de programas serão atendidos``72, significa

em outras palavras definir ´´[...] onde, como e, em que quantidade serão

aplicados os recursos para o atendimento aos direitos das crianças e dos

adolescentes``73 .

As políticas públicas voltadas ao atendimento a crianças e

adolescentes, uma vez definidas naquele espaço deliberativo, passam a ser

exigíveis do Executivo, inclusive judicialmente, mediante a ação civil pública de

obrigação de fazer. É que como adverte Eduardo Appio

As deliberações do conselho vinculam o Poder Executivo de tal forma que resta obrigado a fazer inserir na lei orçamentária anual as verbas necessárias ao atendimento do programa proposto, com a indicação das fontes de receita.[...] Neste sentido, a descentralização administrativa permite elevar o grau de legitimidade das políticas públicas, através das instâncias de democracia direta, além de permitir a alocação de recursos públicos com maior eficiência.[...] Em todas as áreas nas quais o Município opta por atuar de forma descentralizada, as decisões dos conselhos municipais vinculam a Administração Pública, incumbindo aos legitimados do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública a propositura de ações visando seu cumprimento74.

Evidencia-se nesse âmbito o papel do Ministério Público, seja na

propositura de ação civil pública para assegurar o regular funcionamento dos

Conselhos de Direitos75, seja para exigir do Executivo a observância às

deliberações dos Conselhos de Direitos quanto a verbas orçamentárias,

cabendo-lhe, ainda, ´´[...] acompanhar as ações dos ditos Conselhos, a fim de

72Cfr. CENDHEC. Conselhos municipais de direitos. Exercício da participação. Cadernos n. 01. Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social-. Recife: CENDHEC, 2003. p. 56. 73 Ibid.

74APPIO, 2005, p. 165. 75BRASIL, FUNDESCOLA/MEC. O papel articulador dos conselhos de direitos e dos conselhos de educação. In: Pela justiça na educação. Brasília: MEC, FUNDESCOLA/MEC, 2000. p. 268. ´´Ao garantir o funcionamento regular e eficiente dos Conselhos, estará o Ministério Público garantindo o sistema democrático em uma de suas manifestações. Garantindo-se participação e democracia, por conseqüência, constrói-se o verdadeiro alicerce para a cidadania, que se apresenta no texto constitucional como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil``.

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que estes cumpram o seu papel social determinado pela Constituição, sob

pena de serem objeto de ações judiciais``76.

Neste sentido, tem-se verificado a participação do Ministério Público

em tais conselhos com finalidade fiscalizatória, isto é, sem integrar a

composição daquele órgão, sem direito de voto, apenas para efeito de

acompanhamento das ações ali desenvolvidas77.

Sendo tais conselhos instância de poder descentralizado, com

participação popular paritária, na forma do art. 88, do ECA, as suas decisões

´´[...] serão decisões do próprio poder público, não se podendo falar a respeito

de discricionariedade do chefe do Executivo em torná-la exeqüível ou não78``

e como tal viabilizam ao cidadão o exercício do direito de informação, na forma

do art. 5º, inciso XXXIII da CF79.

Importa atentar para o fato de que o provimento judicial obtido em

ação civil para assegurar a efetividade do direito prestacional à educação

consiste em decisão condenatória para obrigar a Fazenda Pública a prestar

ensino fundamental regular, como abordado no capitulo III.

Caso não se cumpra o provimento judicial, a despeito de

mecanismos coercitivos que venham a ser utilizados contra a Fazenda Pública,

seja pela falta de previsão orçamentária da despesa a ser realizada, seja pela

insuficiência de recursos para atendimento às necessidades educacionais

definidas em orçamento [administração de recursos escassos], a medida a ser

manejada com vistas a assegurar a efetividade da tutela judicial é a execução

contra a Fazenda Pública para obtenção de provimento final.

76Ibid. , p. 279. 77 A esse respeito, veja-se: “ Tem havido controvérsia sobre a possibilidade de participação de membros do Ministério Público em conselhos, comissões ou organismos federais, estaduais ou municipais. Não raro por imposição de leis municipais, estaduais e federais, há a previsão de que membros do Ministério Público devem integrar conselhos de defesa de direitos humanos, comissões de trânsito, conselhos de entorpecentes, fundos gestores de reparação de interesses difusos lesados, enfim, em órgãos administrativos diversos. As próprias leis orgânicas do Ministério Público não raro são as primeiras a, erroneamente, prever a participação de seus membros em organismos administrativos. Entretanto, proíbe-se a participação de membro do Ministério Público em conselhos, comissões ou organismos estatais, porque a Constituição lhe veda o exercício de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério.” MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: Meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses. 20 ª ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2007, p. 499. 78BRASIL, FUNDESCOLA/MEC, 2000, p. 271. 79BRASIL, Constituição Federal. Art. 5º, XXXIII. Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade [...]

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Ocorre que o processo de execução contra a Fazenda Pública, como

já referido, se faz na forma de quantia certa, em razão da limitação política à

execução de obrigação de fazer, verificando-se, assim, a monetarização das

necessidades educacionais demandadas judicialmente80, porquanto os valores

obtidos ao final do processo, mediante precatório, ficam vinculados a fundos

especiais81, por força do artigo 13, da Lei de Ação Civil Pública que dispõe:

Art 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária 82.

Ora, se assim ocorre, isto é, se as necessidades educacionais são

monetarizadas, em face vinculação dos valores obtidos em execução contra a

Fazenda Pública aos fundos especiais [estaduais ou municipais] previstos em

lei, o que implica, em última análise, na não satisfação do provimento

educacional representado pelas necessidades educacionais relacionadas à

oferta regular de ensino, pode-se apontar, como solução para o problema da

inexequibilidade da prestação material devida pelo Poder Público a via da ação

civil pública para execução da rubrica prevista em orçamento como verba

relativa aos fundos especiais. 80Nesse sentido, acentua J. Elias Dubard de Moura Rocha: ´´Importa perceber que a possibilidade de satisfação de necessidades concretas coletivas a serem satisfeitas por prestações concretas em face da escassez de recursos se conduz pela monetarização das necessidades que levam às condenações pecuniárias, as quais, por seu turno, não somente autorizam a execução da decisão contra o poder público – dado que não há no sistema normativo pátrio forma de execução contra a Fazenda Pública que não seja a da quantia certa-, bem como, estas condenações vinculam-se a Fundos especiais [...] Assim que, com o trânsito em julgado da condenação pecuniária – o que implica a revisão necessária pela instância superior – cumpre requerer-se a expedição de precatório que, neste caso, pela natureza distributiva decorrente da monetarização das necessidades e, pelo disposto em Lei, vincula-se ao Fundo específico destinado à concretização da satisfação de necessidades que, assim não fora feito, em face da escassez de recursos. ROCHA, 2003. p. 184. 81 Observe-se a respeito das verbas que integram os fundos especiais que: “Embora o fundo do art. 13 da Lei n. 7.347/85 tenha surgido para recolher o valor das condenações em dinheiro proferidas nas ações civis públicas de que cuida essa lei, foi natural que depois acabasse também recebendo o valor das multas cominatórias, impostas com base no sistema da LACP, desde que tivessem sido estabelecidas em decorrência de lesão a interesses transindividuais indivisíveis”. MAZZILLI, 2007, p. 499. 82BRASIL, Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Dispõe sobre a ação civil pública e dá outras providências. Art 13.

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Em outras palavras, significa a vinculação do objeto da ação civil

pública à fiscalização do cumprimento de políticas públicas definidas no âmbito

dos respectivos conselhos, visto que os fundos especiais são vinculados a tais

conselhos, por força do artigo 88, inciso IV, do Estatuto da Criança e do

Adolescente- ECA83, estando, por sua vez, as receitas que os integram

destinadas à satisfação das necessidades socioeconômicas que correspondam

aos fins para os quais foram criados tais fundos, conforme assim descrito no

art. 71, da Lei 4.320/64:

Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação84.

Estando as verbas que compõem os fundos especiais vinculadas à

realização de determinados objetivos específicos ou serviços [constituindo

exceção à vedação constitucional de vinculação de receitas, por força do art.

167, IV, da CF85] a execução por meio de ação civil pública da rubrica

orçamentária correspondente não implica em violação ao princípio da

tripartição dos poderes.

Daí a relevância do exercício do direito de participação do cidadão na

definição de políticas públicas relacionadas à educação, tendo em vista o

regime de Estado Democrático de Direito adotado pela Constituição Federal de

1988, e como tal ´´responsável por uma equitativa distribuição dos recursos

escassos``86.

Pode-se dizer, enfim, que o direito de participação [na formulação

das políticas públicas no âmbito dos Conselhos de Direitos da Criança e do

83BRASIL, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: [...] IV- manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente. 84BRASIL, Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal . Art. 71. 85BRASIL, Constituição Federal. Art. 167. São vedados: [...] IV- a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212, e 37, XXII, [...] 86Cfr. CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra. Edições Almedina, 2003. p.732.

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CONCLUSÕES

I- A tutela jurisdicional do direito prestacional à educação na via da ação civil

pública [ACP de obrigação de fazer contra o Poder Público para obtenção de

provimento educacional], a despeito dos mecanismos processuais inseridos

pela Reforma do Código de Processo Civil com vistas a assegurar a efetividade

do processo [mandamentos e técnicas coercitivas da tutela especifica das

obrigações de fazer], resulta, diante da limitação política à execução contra a

Fazenda Pública [execução por quantia certa], em condenações pecuniárias

que não satisfazem as necessidades educacionais;

II- O provimento judicial obtido em ação civil pública é monetarizado, isto é,

expresso em condenações pecuniárias, sendo as verbas daí decorrentes,

consoante o disposto no art. 13, da Lei de Ação Civil Pública, revertidas a

fundos especiais [Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente Estadual ou

Municipal], cujas receitas ficam adstritas às finalidades para as quais foram

instituídos e, ainda, vinculadas às deliberações dos respectivos conselhos

gestores [Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente ] para efeito de

satisfação de necessidades, nos termos do artigo 88, do Estatuto da Criança e

do Adolescente;

III- O provimento educacional, objeto de satisfação de necessidades

educacionais, representado por bens e serviços de natureza pedagógica,

relacionados à oferta de ensino fundamental regular, não se alcança na via

jurisdicional, em razão da monetarização do provimento judicial e da vinculação

das verbas condenatórias a fundos especiais previstos em lei;

IV- A ação civil pública, instrumento de tutela judicial do direito prestacional à

educação, em face da impossibilidade de o judiciário substituir-se ao legislador

na definição de necessidades educacionais a serem satisfeitas com recursos

públicos e da necessária observância à previsão orçamentária, por força do

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modelo de Estado adotado pela Constituição Federal de 1988, e, ainda, em

decorrência da reversão de verbas condenatórias a fundos instituídos por lei,

tem objeto vinculado à fiscalização do cumprimento de políticas públicas

voltadas à educação [definidas pelos conselhos gestores dos referidos fundos

especiais] e respectivas rubricas orçamentárias;

V- A execução, por ação civil pública, de rubrica orçamentária correspondente

a fundos especiais, cujas verbas estão necessariamente vinculadas à

realização de objetivos ou serviços específicos e determinados, não implica em

violação ao princípio da tripartição dos poderes;

VI- O direito de participação na formulação das políticas públicas no âmbito de

conselhos deliberativos [Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente]

se apresenta como via apta a dar eficiência ao direito prestacional à educação,

nas hipóteses de necessidades educacionais ainda não contempladas em

orçamento, possibilitando, assim, a conciliação entre o atendimento às

necessidades tidas como prioritárias pela comunidade local e o respeito à

organização do poder no Estado [social] e democrático de Direito.

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