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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988
Por: DEOCLECIO FRANCISCO DE ASSIS FILHO
Orientador
Prof. Francis Razman
Rio de Janeiro
2012
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO “A VEZ DO MESTRE”
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988
Apresentação de monografia a Universidade
Candido Mendes - Instituto A Vez do Mestre como
requisito parcial para obtenção do grau de
Especialista em Direito Penal e Processo Penal.
Por: Deoclecio Francisco de Assis Filho
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado o dom da vida e a
oportunidade de me tornar uma pessoa
melhor a cada dia;
Aos meus pais pela criação, educação,
carinho e bons exemplos;
A minha família (mulher, filho, sogra, irmã,
sobrinhos e meu cachorro) pelo amor
incondicional e pela compreensão pelas
horas roubadas, em nome do estudo e do
trabalho;
Aos amigos sinceros que dividiram
conhecimento; e a todos que contribuíram
com esse projeto, sem os quais teria sido
impossível chegar ao fim.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus alunos;
agradecendo a Deus por me conceder o
dom de poder ajudar a lapidar esses
verdadeiros diamantes.
5
RESUMO
No presente trabalho o autor verifica se o sistema de prisão e liberdade proposto
pelo Código de Processo Penal está em consonância com a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Para explicar o tema o autor faz uma
análise sobre a evolução histórica da prisão. O autor também faz um estudo sobre
a prisão provisória e liberdade provisória, e a partir daí, confronta o sistema de
prisão e liberdade proposto pelo Código de Processo Penal, com a ordem
constitucional vigente. No presente trabalho, se enfrentará ainda, a discussão
sobre a natureza jurídica da prisão provisória, aduzindo se a mesma deve ser
vista como execução provisória da pena ou medida cautelar subjetiva. O autor
procura demonstrar que a prisão provisória, somente pode coexistir com a novel
ordem constitucional, como medida cautelar, devendo ser aplicada observando
princípios da necessidade, utilidade e proporcionalidade em sentido estrito,
destacando que, como verdadeira medida cautelar, a prisão provisória não pode
produzir consequências mais severas que o próprio resultado final do processo.
Finalizando o trabalho, faz uma explanação da entrada em vigor da Lei nº
12.403/2011, que criou outras medidas cautelares subjetivas, além da prisão
preventiva, comprovou o que de há muito já se afirmava, que o encarceramento
no curso do processo tenha caráter subsidiário e cautelar.
PALAVRAS: CHAVE: Prisão Provisória. Liberdade Provisória. Medida Cautelar.
Princípio da Proporcionalidade. Princípio da Inocência. Constitucionalidade.
6
METODOLOGIA
O presente estudo foi elaborado a partir dos levantamentos bibliográficos
colhidos através de pesquisa ampla, incluindo consulta a fontes diversas de
produção intelectual, constantes de livros, compilações, legislações comentadas,
artigos de periódicos, teses, pareceres, jornais, revistas, da rede internacional de
dados – internet, enfim, todo e qualquer material disponibilizado para consulta na
mídia (imprensa/virtual).
Por demonstrar ser o mais adequado tipo de pesquisa para auferir os
resultados almejados.
8
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I – O SISTEMA DE PRISÃO PROVISÓRIA DO CPP E LEIS
EXTRAVAGANTES À LUZ DA CRFB/88 12
1.1 – Evolução Histórica da Prisão 12
1.1. 1 – Idade Antiga 12
1.1. 2 – Idade Média 13
1.1. 3 – Idade Moderna 14
1.2 – Conceito de Prisão 15
1.3 – Espécie de Prisão 16
CAPITULO II – DAS PRISÕES PROVISÓRIAS 18
2.1 – Espécies de Prisão Provisória 23
2.1. 1 – Prisão em Flagrante 23
2.1. 2 – Prisão Temporária 25
2.1. 3 – Prisão Preventiva 27
2.2 – Natureza Jurídica da Prisão Provisória 33
CAPÍTULO III – O SISTEMA DE LIBERDADE PROVISÓRIA DO CPP E LEIS
EXTRAVAGANTES À LUZ DA CRFB/88 38
3.1 – Evolução Histórica da Liberdade Provisória 38
3.2 – Conceito de Liberdade Provisória 44
3.3 – Espécie de Liberdade Provisória 45
3.3. 1 – Liberdade Provisória sem Fiança 46
3.3. 2 – Liberdade Provisória com Fiança 47
3.4 – Natureza Jurídica da Liberdade Provisória 49
CAPÍTULO IV – ALTERAÇÕES NO SISTEMA DE PRISÃO E LIBERDADE
PROVISÓRIA DO CPP, TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.403/2011 50
CONCLUSÃO 57
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 60
9
INTRODUÇÃO
Inicialmente, faz-se pertinente trazer o conceito de Direito Penal.
O Direito Penal é entendido como o setor do ordenamento jurídico que
criminaliza condutas e impõe sanções para quem comete condutas antissociais.
Cabendo mencionar inclusive que, o Direito Penal é um remédio sancionador
extremo e que sua intervenção está condicionada a incapacidade dos demais
mecanismos de controle social.
Contudo, a escalada crescente da violência, a prática de crimes cada vez
mais bárbaros faz com que a sociedade, inspirada pelo sensacionalismo da
imprensa, clame por punições mais severas, com o aumento das penas privativas de
liberdade e a criação de novos tipos penais.
Desta forma, o Direito Penal é visto como a melhor das alternativas, para
solução destes males, em total afronta aos princípios da ultima ratio;
fragmentariedade e subsidiariedade.
A sociedade é forçada a acreditar que, a onda de violência só será contida
com a aplicação do Direito Penal.
O legislador, atento a tudo isto, cria a todo instante, através de ações
eleitoreiras, novos tipos penais, dando origem a leis incompatíveis com o sistema
constitucional vigente, como por exemplo: a Lei de Crime Organizado, a Lei Anti-
Drogas e o Estatuto do Desarmamento, dentre outras, às quais prevêem a vedação
a liberdade provisória.
As pesquisas demonstram que estas iniciativas têm se demonstrado inócuas
para conter a violência, deixando evidente que recrudescer o tratamento ao infrator
não o ressocializará, ao contrário, impossibilita o seu retorno ao convívio social,
exterminando qualquer chance de recuperação.
Dentre as sanções penais previstas, a pena privativa de liberdade se destaca
pelo seu grande poder intimidatório e por sua força, segregando, alguns cidadãos
comuns dos delinqüentes contumazes.
Nesse sentido Luiz Flavio Gomes1:
1GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.
10
A prisão é um produto caro e reconhecidamente não
ressocializa. Pelo contrário, dessocializa. Em razão da
superpopulação, dos seus métodos e da sua própria natureza,
é desumana e cruel; corta o vínculo com a comunidade, com a
família, com o trabalho, com a educação, etc. Há séria dúvida,
por tudo isso, sobre se cumpre ou não o seu papel de
intimidação.
A tendência mundial é justamente a edição de medidas despenalizadoras,
as quais visam impedir a imposição da pena privativa de liberdade, evitando o
encarceramento cautelar provisório ou a prisão imposta por condenação criminal
definitiva, sendo esta substituída, por exemplo, por aplicação da transação penal ou
concessão do sursis processual.
A falência da pena de prisão é fator de difusão das medidas alternativas.
Embora no Brasil tenhamos tido algumas importantes iniciativas, com o fito
de evitar o cárcere, neste sentido, por exemplo a edição da Lei nº 9.099/95; Lei nº
9.714/98 e Lei nº 12.403/2011; alguns legisladores insistem numa hipertrofia do
estado de polícia, super repressor. Contudo, esquecem que desta maneira o país vai
navegando na contramão dos países mais evoluídos.
Desta feita não se pode continuar acreditando que, a privação da liberdade,
a título de pena ou de prisão provisória, será a única e eficaz medida à disposição
do Juiz Criminal capaz de conter a criminalidade desenfreada.
Não se deve continuar entendendo que, aquele flagrado na prática de
determinada infração penal, ou mesmo denunciado como autor de crime, deva
responder ao processo, como se condenado fosse, como se certa fosse a sua
condenação; numa verdadeira antecipação do juízo de culpabilidade.
A partir da CRFB/88, sentimos necessidade de fazer uma releitura do
Código de Processo Penal, uma vez que o referido diploma legal fora construído sob
a égide da Constituição de 1937, outorgada e repressora, que não primava por
direitos e garantias fundamentais.
Sendo assim, reconhecendo que o investigado ou réu é sujeito de direitos,
não podemos mais admitir a manutenção ou decretação da prisão provisória, por si
11 só, sem analisar a necessidade, utilidade e proporcionalidade da aplicação da
medida, sobretudo e principalmente, naqueles casos em que o resultado do
processo for, em tese, menos gravoso, que a própria medida instrumental.
Não podemos mais aceitar a prisão provisória como verdadeira execução
antecipada da pena, só devendo a mesma ser decretada em casos de extrema
necessidade, em caráter subsidiário em relação a outras medidas cautelares
subjetivas menos gravosas, para garantir a produção da prova, ou ainda, o resultado
final do processo.
12
CAPITULO I
O SISTEMA DE PRISÃO PROVISÓRIA DO CPP E LEIS
EXTRAVAGANTES À LUZ DA CRFB/88
1.1 – Evolução Histórica da Prisão
A prisão sempre foi considerada uma providência drástica, porém
imprescindível.
A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas de sua
reforma. A prisão é concebida modernamente como um mal necessário, mesmo
sabendo que trará algumas conseqüências nefastas.
Vejamos a evolução histórica desta providência judicial ou administrativa
(prisão em flagrante), que relativiza o direito individual de liberdade.
1.1. 1 – Idade Antiga
A antiguidade desconheceu totalmente a privação da liberdade, estritamente
considerada como sanção penal.
Embora seja inegável que o encarceramento de delinquentes existiu desde os
tempos mais remotos, o mesmo não possuía caráter de pena e se justificava em
outras razões.
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus
para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados.
Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena
de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e as infamantes. Por isso, a
prisão era uma espécie de ante-sala de suplícios, pois se usava a tortura,
frequentemente para descobrir a verdade.
A prisão sempre foi uma situação de grande perigo, um incentivo ao
desamparo e, na verdade, uma antecipação da extinção física do indivíduo.
A civilização helênica desconheceu a privação da liberdade como pena.
13
Platão, contudo propunha, no livro nono de “As Leis”, o estabelecimento de 3
(três) tipos de prisões: uma na praça do mercado, que servia de custódia; outra,
denominada sofonisterium, situada dentro da cidade, que servia de correção, e uma
terceira destinada ao suplício que, com o fim de amedrontar, deveria constituir-se
em lugar deserto e sombrio, o mais distante possível da cidade.
Os romanos, segundo os historiadores, foram notáveis no Direito Civil, mas,
primários no Direito Penal, pois só conheceram o encarceramento com fim de
custódia.
Na Grécia e em Roma existia a chamada prisão por dívidas, penalidade civil
que se fazia efetiva até que o devedor saldasse, por si, ou por outro, a dívida.
1.1. 2 – Idade Média
Na idade média, até 1791, a lei criminal era o código da crueldade legal.
Na realidade, a lei penal dos tempos medievais tinha como verdadeiro
objetivo provocar o medo coletivo. Não importava a pessoa do réu; loucos,
delinqüentes de toda ordem, mulheres, velhos e crianças esperavam, espremidos
entre si, em horrendos encarceramentos subterrâneos, ou calabouços de palácios e
fortalezas, o suplício e a morte.
Durante todo o período da idade média, a idéia de pena privativa de liberdade
não aparece. Há nesse período, um claro predomínio do direito germânico.
A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial aplicável
àqueles que foram submetidos aos mais terríveis tormentos. O povo clamava por
assistir a cenas bárbaras e sangrentas.
O Direito Canônico contribuiu decisivamente para o surgimento da prisão
moderna, especialmente no que se refere às primeiras idéias sobre a reforma do
delinquente.
Do vocábulo “penitência”, intimamente ligado com o Direito Canônico, derivam
as palavras “penitenciário” e “penitenciária”.
14
1.1. 3 – Idade Moderna
Na idade moderna, durante os séculos XVI e XVII, a pobreza se abate e se
estende por toda a Europa. Contra os miseráveis que delinquiam, quase sempre
para viver, experimentou-se todo tipo de reações penais, mais todas falharam.
Na segunda metade do século XVI iniciou-se um movimento de grande
contribuição ao desenvolvimento das penas privativas de liberdade, que foi a criação
e construção de prisões organizadas para a correção dos apenados.
A pedido de alguns integrantes do clero inglês, que se encontravam muito
preocupados pelas proporções que havia alcançado a mendicidade em Londres, o
rei lhes autorizou a utilização do castelo de Bridwell, para que nele se recolhessem
os vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de pequenos delitos.
A finalidade da criação daquele modelo de prisão, consistia na reforma dos
delinquentes por meio do trabalho e da disciplina. Ademais, as prisões tinham
objetivos relacionados com a prevenção geral, já que pretendiam desestimular as
outras pessoas da vadiagem e da ociosidade.
Com essa experiência surgiram na Inglaterra Houses of Correction ou
Bridwell.
As prisões de Amsterdã, edificadas expressamente para fins de recuperação
e correção, contando com um programa de reforma, alcançou um grande êxito e
foram imitadas em muitos países europeus. Constituíam um fato excepcional.
Foi necessário esperar mais de dois séculos para que as prisões fossem
consideradas um lugar de correção e não de simples custódia do delinquente à
espera de julgamento.
Em meados do século XVII surge na Europa uma obra importante, sob o
ponto de vista penitenciário, que deixaria idéias positivas, nesse campo, ainda que
incipientes. Trata-se do famoso “Hospício de San Felipe Néri”, fundado em Florença
(1667), pelo sacerdote Filippo Franci, que pôs em prática uma idéia de Hipólito
Francini.
As casas de correção deveriam se destinar à reforma de crianças que de
certa forma delinquissem, embora mais tarde tenham sido admitidos jovens rebeldes
e desencaminhados. Aplicava-se um regime celular, onde um interno não conhecia
15 os outros, já que todos ficavam com um capuz cobrindo a cabeça quando todos se
reuniam.
Clemente XI trouxe importantes reformas ao sistema carcerário pregando
que a pena privativa de liberdade poderia reabilitar e educar (1649-1721). As suas
idéias foram postas em prática na “Casa de Correção de São Miguel” (em Roma),
fundada em 14 de novembro de 1703.
1.2 – Conceito de Prisão
A palavra prisão vem do latim prehensio que significa prender, ou seja, ato
de privar a liberdade pessoal. Assim, a prisão consiste na supressão da liberdade de
locomoção, vez que ocorre a restrição ao direito de ir e vir do homem.
A prisão é um dos institutos mais antigos empregados pelo Estado para
exercer o seu jus puniendi em face daquele que cometeu um crime, retirando-o do
convívio social.
Como declaram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar2: “A prisão é o
cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento”.
Para Edilson Mougenot Bonfim3 “O termo “prisão”, genericamente, designa
a privação da liberdade do indivíduo, por motivo lícito ou por ordem legal, mediante
clausura”.
Finalizando a conceituação, André Luiz Nicolitt4, diz:
A prisão, que significa tanto ato de prender como local de
clausura, é signo da supressão da liberdade. (...)
(...) Pretende-se com ela garantir o desenvolvimento regular da
persecução e a eventual punição que possa vir, afastando-se
riscos à instrução do processo, ou ainda, risco a eventual
aplicação da lei penal.
2TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual. 7ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2012, p. 545. 3BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do código de processo penal: comentários à lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 57. 4NICOLITT, André Luiz. Manual de processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 416.
16
1.3 – Espécies de Prisão
A prisão pode se dividir em dois segmentos, tendo o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória como divisor de águas, nos seguintes termos: prisão
provisória e prisão pena.
A prisão provisória tema do nosso estudo, subdivide-se em: prisão em
flagrante, prisão temporária e preventiva, ocorrendo esta antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória e tem sua previsão no Código de Processo
Penal e em Legislação Extravagante.
Já a prisão pena prevista no Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848/40, é
tratada como sanção penal, vez que a cautela ocorre após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, quando a pena aplicada for privativa de liberdade,
podendo variar os regimes de cumprimento de pena, que podem ser: reclusão,
detenção e prisão simples.
Fernando Capez5 ensina que:
a) Prisão-pena ou prisão penal: é aquela que imposta em
virtude de sentença condenatória transitada em julgado, ou
seja, trata-se da privação da liberdade determinada com a
finalidade de executar decisão judicial após o devido
processo legal, na qual se determinou o cumprimento de
pena privativa de liberdade. Não tem finalidade
acautelatória, nem natureza processual. Trata-se de medida
penal destinada à satisfação da pretensão executória do
Estado.
b) Prisão sem pena ou prisão processual: trata-se de prisão de
natureza puramente processual, imposta com a finalidade
cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da
investigação criminal, do processo penal ou da futura
execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito
continue praticando delitos. É imposta apenas para garantir
5CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo. 19ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 301-302.
17
que o processo atinja o seu fim. Seu caráter é auxiliar e sua
razão de ser é viabilizar a correta e eficaz persecução
penal.
Apesar das diferenças entre as prisões provisórias e a prisão pena, o
recolhimento do autor do fato ao cárcere é algo em comum.
18
CAPITULO II
DAS PRISÕES PROVISÓRIAS
O Código de Processo Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 3.689/41, trata da
prisão provisória dentre os Art. 282 à 318. Logo assim que foi editado, partiu-se da
premissa, que a prisão em flagrante já era o bastante para provocar efeitos, em tese,
de uma antecipação da responsabilidade penal, podendo a prisão ser mantida
exclusivamente na força da situação flagrancial.
Esta afirmação se comprova quando percebemos que o termo “provisória”,
veio atrelado à expressão “liberdade”; e não à “prisão”.
O CPPB contemplava, originariamente, as seguintes modalidades de prisão:
a) prisão em flagrante;
b) prisão temporária;
c) prisão preventiva;
d) prisão decorrente da sentença de pronúncia;
e) prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.
As 3 (três) primeiras (prisão em flagrante, prisão temporária e a prisão
preventiva) eram consideradas prisões cautelares e as outras (prisão decorrente da
sentença de pronúncia e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível)
prisões processuais, ambas subespécies do gênero prisão provisória.
Ressalte-se que, a citada classificação encontra-se superada, não havendo
mais que se falar em prisões processuais; pois, toda e qualquer prisão, no curso do
processo, somente pode coexistir com viés de cautelaridade; logo prisões
cautelares.
Podemos observar que, o Art. 282 do CPPB previa, originariamente, a prisão
em decorrência da sentença de pronúncia (Art. 408, § 1º do CPPB); prisão em
decorrência de sentença condenatória recorrível (Art. 594 do CPPB); bem como em
qualquer outra situação prevista em lei; baseando-se, assim, num mero e escasso,
juízo de probabilidade, alicerçado em indícios de autoria e materialidade.
19
Isso se deve ao fato, do CPPB ter suas bases inspiradas na Constituição de
1937, também chamada de constituição polaca, outorgada, repressora, não
democrática, sem participação popular, e que não contemplava direitos e garantias
fundamentais.
O referido diploma processual foi desenhado partindo do pressuposto que,
aquele que fosse preso em flagrante, preso durante o inquérito policial ou processo,
em razão de outra espécie de prisão, antes da sentença condenatória transitada em
julgado, deveria ser visto e tratado como culpado, pois dificilmente seria absolvido,
considerando certa a sua condenação.
O diploma processual vigente foi projetado sem levar em consideração o
chamado estado ou princípio da inocência, trazido à lume com a CRFB/88, Art. 5º,
LVII; por este princípio o indiciado ou réu deve ser visto e tratado como sujeito.
No entanto, em 1988 foi promulgada uma nova Constituição da República,
com ares e anseios democráticos, trazendo uma enorme gama de direitos
fundamentais, dentre eles o direito de liberdade.
Além dos direitos fundamentais, a novel Constituição da República, trouxe
mecanismos de defesa destes direitos, que são as garantias fundamentais, sem os
quais aqueles seriam inócuos.
O Art. 5º da CRFB/886 trouxe vários incisos que tratam do tema prisão e
liberdade, senão vejamos alguns:
Art. 5º. (...)
(...)
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei;
(...)
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a
lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; 6BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 15 mar. 2012.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
20
(...)
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder;
Numa rápida análise, já podemos reparar que, passou a existir uma
incongruência, dentre tantas outras, diga-se de passagem, no que se refere ao tema
ora em estudo, referente ao que vinha contido no Art. 282 do CPPB (antes da edição
da Lei nº 12.403/2011) e o previsto no Art. 5º, LXI da CRFB/88.
No Art. 282 do CPPB, antes da edição da Lei nº 12.403/2011, havia previsão
de prisão, antes de sentença condenatória transitada em julgado, em casos em que
houvesse previsão em lei; contrariando frontalmente o contido na CRFB/88, que
prevê que a prisão, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, somente
poderá ocorrer nos casos de flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente; ressalvando apenas os casos transgressões
militares.
A doutrina e a jurisprudência sempre criticaram o que vinha contido no Art.
282 do CPPB, tendo em vista que, havia previsão de prisão, sem uma razão cautelar
específica, resultando a prisão somente na lei.
O Art. 282 do CPPB7 previa “À exceção do flagrante delito, a prisão não
poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos caso determinados em lei,
e mediante ordem escrita da autoridade competente” (grifo nosso).
Percebe-se, desse modo, que o sistema de prisão e liberdade previsto no
CPPB, originariamente, trazia muitas contradições com o sistema acusatório,
adotado pela Constituição da República de 1988, havendo total falta de sintonia
entre ambos; daí a necessidade de uma releitura do sistema de prisão e liberdade
previsto no CPPB à luz da CRFB/88.
É por essas e outras, que o CPPB vem sofrendo constantes alterações para
correções de tais impropriedades, sobretudo na parte que trata da prisão e da
liberdade provisória, dentre as quais destacamos a Lei nº 11.690/2008, que alterou o
Art. 408, §§ 1º e 2º, não mais tratando de prisão como uma decorrência natural da
7BRASIL. Código de processo penal – 11ª Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 390.
21 decisão de pronúncia; a Lei nº 11.719/2008, que revogou o Art. 594, e alterou o Art.
387, parágrafo único, ambos do CPPB; e ainda a Lei nº 12.403/2011, que alterou
completamente o sistema de prisão provisória, trazendo novas medidas cautelares
subjetivas, alternativas à prisão preventiva; conforme veremos adiante.
No presente trabalho o autor não pretende discorrer sobre todas as
peculiaridades das modalidades de prisão provisória, visando não fugir ao debate.
No entanto, vale tecer breves considerações, sobre algumas delas, uma vez
que, a partir da edição das Leis nº 11.689/2008; 11.719/2008 e 11.423/11 houve
algumas mudanças suscitadas pelo texto constitucional e já declamadas pela
doutrina.
As prisões provenientes da decisão de pronúncia e outras previstas em lei
classificavam-se como sendo prisões processuais, onde o legislador levou em
consideração algumas presunções como, por exemplo, a possibilidade de fuga do
réu. Vários dispositivos legais mencionam a necessidade do réu ser recolhido à
prisão, a fim de poder recorrer: Art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.072/90; Art. 9º, da Lei nº
9.034/95; Art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.613/98 e Art. 59 da Lei nº 11.343/2006.
Previsões estas não recepcionadas pela nova ordem constitucional vigente e
que, portanto, já deviam de há muito ser banidas do cenário processual, o que ao
final acabou acontecendo em 2008, com a promulgação das Leis nº 11.689/08 e
11.719/08.
Conforme as lições de André Luiz Nicolitt8:
No processo penal brasileiro existem as seguintes prisões
processuais: prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão
temporária. (...) A prisão em razão da pronúncia e a prisão
decorrente da sentença penal condenatória recorrível,
enquanto títulos autônomos de prisão processual, foram
banidas pela reforma processual de 2008. Atualmente, na fase
da pronuncia (§ 3º, art. 413, CPP), ou por ocasião da sentença
(parágrafo único, art. 387, CPP), a prisão será regulada pelos
mesmos critérios da prisão preventiva.
8NICOLITT, André Luiz, op. cit. p. 420.
22
A Lei nº 11.689/2008 alterou a redação do Art. 408 do CPP, bem como todo
o procedimento do Tribunal do Júri, acertando em cheio na então prisão
decorrente da sentença de pronúncia que, a partir dali estava excluída do
ordenamento.
Antes da mudança legislativa, bastava a decisão de pronúncia, para que o
réu restasse preso; exceto se o mesmo fosse primário e de bons antecedentes.
Com as alterações provocadas pela edição da Lei nº 11.689/2008, o Art.
413, § 3º do CPPB9 passou a prever que, o Juiz decidirá, motivadamente, sobre a
necessidade da decretação da prisão (prisão preventiva) ou imposição de quaisquer
outras medidas cautelares subjetivas diversas da prisão; nos seguintes termos:
Art. 413 (...)
(...)
§ 3º O Juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção,
revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de
liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado
solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou
imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do
Livro I deste Código.
Como salienta Paulo Rangel10:
A reforma da Lei 11.689/08 não mais trata, e com acerto, a
prisão como efeito da decisão de pronúncia. A prisão passa a
ser decretada se houver necessidade e sempre, como já
dizíamos, preventivamente. O juiz ao proferir a decisão de
pronúncia verificando a necessidade de se decretar a prisão
preventiva decide no corpo da pronúncia, tratando a prisão não
como efeito da decisão de pronúncia, mas sim como prisão
preventiva. (...)
Sempre defendemos esse ponto de vista, qual seja, a prisão
em decorrência da decisão de pronúncia “era letra morta da 9BRASIL. Código de processo penal – 11ª Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 415. 10RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 730.
23
lei”. Agora, com a reforma, ela desaparece definitivamente, do
texto legal.
Outra grande alteração que sofreu o CPPB, foi com a edição da Lei nº
11.719/2008 que, revogou expressamente o Art. 594 do CPP, e ainda alterou a
redação do Art. 38711, sobretudo a do parágrafo único do mesmo artigo.
Com a alteração, passou a não mais existir a prisão decorrente de sentença
condenatória recorrível; passando o Juiz, no momento da sentença condenatória
recorrível, a decidir, motivadamente, sobre a necessidade da decretação da prisão,
desde que presentes os requisitos da prisão preventiva; nos seguintes termos:
Art. 387. (...)
(...)
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a
manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva
ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da
apelação que vier a ser interposta.
Paulo Rangel salienta ainda que12: “(...) prisão na sentença penal
condenatória da qual ainda caiba recurso somente será imposta preventivamente, se
estiverem presentes os motivos que a autorizam. Desaparece a chamada
execução provisória da pena”.
Concluímos então que, não podemos mais admitir a prisão provisória, sem
bases cautelares.
2.1 Espécies de Prisão Provisória
2.1. 1 – Prisão em Flagrante
A prisão em flagrante está prevista no CPP nos Art. 300 à 310, parágrafo
único, também encontrando acolhida no texto constitucional no Art. 5º, LXI.
11BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 15 mar. 2012. 12RANGEL, Paulo, op. cit. p. 727.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm
24
O texto constitucional é claro ao mencionar o direito de liberdade como
direito fundamental, somente podendo ser relativizado pela prisão em flagrante, ou
qualquer outra modalidade prisional, desde que precedida de ordem judicial,
emanada por Juiz competente.
Do exposto, é forçoso reconhecer que a prisão em flagrante é um
instrumento constitucional, uma vez previsto na CRFB/88, capaz de restringir a
liberdade do indivíduo, sem que isso represente desrespeito aos direitos individuais,
sobretudo o direto fundamental de liberdade.
O termo flagrante, vem do latim “flagrare”, que significa quente, crepitar,
queimar, em chamas, ardente, etc. Logo aquele que é surpreendido em flagrante,
está praticando ou acaba de praticar a ação criminosa, como também aquele que é
perseguido, logo após a prática da conduta criminosa, bem como aquele que é
encontrado, logo depois com bens, papéis, instrumentos, armas, que façam
presumir ser o autor do fato criminoso.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem algumas espécies de flagrante,
tais como:
a) flagrante facultativo;
b) flagrante obrigatório;
c) flagrante próprio ou real;
d) flagrante impróprio ou quase-flagrante;
e) flagrante presumido;
f) flagrante retardado ou postergado;
g) flagrante esperado;
h) flagrante preparado;
i) flagrante forjado.
Não nos aprofundaremos em cada uma das espécies de flagrante, tendo em
vista que, se assim o fizéssemos, fugiríamos do objetivo principal deste trabalho.
O CPPB menciona que qualquer pessoa do povo pode prender em flagrante,
face à gravidade e à urgência da situação que não poderia esperar por um
provimento judicial. A autoridade policial e seus agentes deverão prender aqueles
encontrados em flagrante delito.
25
O texto do código de processo penal explica que, naquelas infrações penais
em que a consumação se protraia no tempo, segundo a vontade do agente, a prisão
em flagrante pode ser perpetrada a qualquer tempo.
O CPPB prevê também que, uma vez efetuada a prisão em flagrante, os
autos deverão ser encaminhados ao Juízo competente, no prazo de 24 (vinte e
quatro) horas; bem como que, no mesmo prazo deverá ser entregue ao preso a nota
de culpa, onde deverá constar o motivo da prisão, o nome do condutor e o das
testemunhas.
A autoridade judicial, de posse da comunicação do flagrante, irá analisar a
legalidade da medida podendo relaxá-la, imediatamente, caso conclua que a prisão
foi ilegal; ou revogá-la, caso entenda que a prisão é legal, mas despida dos
pressupostos das medidas cautelares e da prisão preventiva, concedendo assim,
liberdade provisória, com ou sem fiança. Neste último caso, o juiz de direito,
fundamenta a sua decisão, não pela gravidade do fato praticado, tampouco pelo
direito de punir, mas em cima de bases cautelares, a fim de que a prisão possa ser
considerada legal e constitucional.
De se destacar que, aplicou-se o princípio da proporcionalidade quando da
previsão de fiança para determinadas infrações penais, em virtude de suas penas
muito baixas. Neste diapasão, trazemos à colação a previsão de fiança naqueles
casos de crimes cuja pena máxima em abstrato não ultrapasse a 4 (quatro) anos,
conforme prevê o Art. 322 do CPPB.
2.1. 2 – Prisão Temporária
A prisão temporária, outra modalidade de prisão provisória, somente pode
ser decretada por juiz de direito, conforme previsão constitucional contida no Art. 5º,
LXI, da CRFB/88.
Diferentemente da prisão preventiva, somente pode ser decretada no curso
do inquérito policial, quando: for imprescindível para as investigações; quando o
indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos que possibilitem sua
identificação; e ainda, houver fundadas razões de sua autoria ou participação, nos
26 crimes previstos no Art. 1º, III, da Lei nº 7.960/89; não cabendo interpretação
extensiva.
A prisão temporária tem prazo certo de duração (fato este que não é próprio
da prisão preventiva), de 5 (cinco) dias, podendo ser prorrogado por igual período,
uma única vez, desde comprovada a extrema necessidade da medida, conforme o
contido no Art. 2º, caput da Lei nº 7.960/89.
No entanto, se o crime imputado ao indiciado for hediondo, assim definido na
Lei nº 8.072/90, o prazo da prisão temporária será de 30 (trinta) dias, podendo ser
prorrogado por igual período, uma única vez, em caso de comprovada e extrema
necessidade.
No que concerne aos legitimados para representar pela prisão temporária,
somente o delegado de polícia e o membro do ministério público, podem fazê-la, não
prevendo a Lei nº 7.960/89 a possibilidade de representação por parte do querelante
e do assistente, bem como, também não permitindo que o juiz de direito a decrete
de ofício; possibilidade esta que existe na prisão preventiva.
Encerrado o prazo, o preso deve ser colocado em liberdade, imediatamente,
independentemente, da emissão de alvará de soltura.
Cumpre salientar ainda que, os presos a título de prisão temporária, bem
como os demais presos provisórios, devem ficar separados dos demais detentos,
que estão definitivamente condenados.
Por fim, cabe destacar o posicionamento de alguns doutrinadores, como
Paulo Rangel e André Luiz Nicolitt, que defendem que a prisão temporária é
inconstitucional, seja por ter um vício formal de constitucionalidade por violação ao
processo legislativo, seja por não se coadunar com o Estado Democrático de Direito
a idéia de primeiro se prender para depois se investigar, o que viola o Princípio da
Não Culpabilidade.
Paulo Rangel13 assevera:
A questão que nos parece interessante, de início, é que a
referida prisão foi criada através de medida provisória nº 111,
de 24 de novembro de 1989, ou seja, o Executivo, através de
Medida Provisória, legislou sobre processo Penal e Direito
13RANGEL, Paulo, op. cit. p. 734.
27
Penal, matérias que são da competência privativa da União (cf.
art. 22, I, da CRFB) e, portanto, deveriam ser tratadas pelo
Congresso Nacional, pois o art. 4º da lei de Prisão Temporária
criou um tipo penal na Lei. Nº 4.898/65. Neste caso,
entendemos que a lei traz um vício de iniciativa que não é
sanado com a conversão da medida em lei. Há flagrante
inconstitucionalidade por vício formal, qual seja: a iniciativa da
matéria.
(...)
A prisão temporária é também inconstitucional por uma razão
muito simples: no Estado Democrático de Direito não se pode
permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou
seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o
indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida
de contrição da liberdade do suspeito que, não havendo
elementos suficientes de usa conduta nos autos do inquérito
policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados.
2.1. 3 – Prisão Preventiva
Outra modalidade de prisão provisória é a prisão preventiva.
De certo a mais gravosa das prisões provisórias, tendo em vista que não tem
prazo fixo e pode perdurar até o término do processo.
A prisão preventiva somente pode ser imposta mediante decisão judicial
fundamentada, atendendo ao comando constitucional, previsto no Art. 5º, LXI da
CRFB/88, desde que, presentes os requisitos contidos no Art. 312 do CPPB.
Além dos requisitos do Art. 312 do CPPB, devem estar presentes os
requisitos genéricos de qualquer medida cautelar, quais sejam: fumus boni iuris e o
periculum in mora.
Quanto a estes últimos, requisitos genéricos das medidas cautelares, a
melhor doutrina e a jurisprudência mais abalizada, afirmam que estas duas
expressões são mais consentâneas com o processo civil, devendo sofrer uma
interpretação própria quando aplicadas no processo penal; desta forma, no âmbito
28 do processo penal, melhor será falar em: fumus comissi delicti (fumaça da
existência de um delito) e periculum libertatis (perigo na liberdade do acusado).
Paulo Rangel14 cita o renomado Doutrinador Aury Lopes Júnior que destaca:
(...) não só de características como as anteriormente
mencionadas vive a medida cautelar, pois mister se faz,
também, que preexistam dois requisitos, ou, como se diz: dois
pressupostos. São eles: o periculum in mora (periculum in
libertatis) e o fumus boni iuris (fumus comissi delicti) que,
analisados por Aury Lopes Jr., em sua obra, chama de
periculum in libertatis e fumus comissi delicti (Sistema de
Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro:
Lumem Júris, 2001). Para o autor, mister se faz que haja um
perigo na liberdade do réu a justificar sua prisão e não perigo
na demora da prestação jurisdicional. Da mesma forma que a
fumaça deve ser do cometimento do delito e não do bom
direito, pois do bom direito pode ser para condenar ou absolver
o acusado, ou ainda, para declarar extinta a punibilidade. (...)
Nesse caso, devemos mostrar que há perigo social se o réu
permanecer em liberdade, bem como para o curso do processo
e, ainda, que há provas do cometimento do delito. A fumaça é
da prática do crime e não do bom direito.
Para ser decretada a prisão preventiva é necessário que haja indícios
suficientes de autoria e materialidade razoável, que comprove, preliminarmente, o
cometimento do crime, ou seja, que haja um suporte probatório mínimo, além de
apresentar, pelo menos, um pressuposto, dentre aqueles contidos no Art. 312 do
CPPB, quais sejam:
- para garantia da ordem econômica;
- para garantia da ordem pública;
- por conveniência da instrução criminal;
- para assegurar a aplicação da lei penal. 14RANGEL, Paulo. Apud. LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 681.
29
Cabe ressaltar que, atualmente para a decretação da prisão preventiva, não
basta o preenchimento destes requisitos e de, pelo menos, um destes pressupostos,
devendo ser observados também os novos requisitos trazidos à lume com a edição
da Lei nº 12.403/2011, conforme veremos no capítulo próprio, mais a frente.
Esta concepção é necessária nos dias atuais. Entretanto, nem sempre foi
assim, pois logo que foi editado, o CPPB previa a decretação de prisão preventiva
para casos, em que o crime imputado ao réu tivesse pena privativa de liberdade
cominada igual ou superior a 8 (oito) anos; era a chamada prisão preventiva
obrigatória. Ainda havia previsão, que o réu deveria ser mantido preso, mesmo
sendo absolvido em primeira instância, naqueles casos em que o crime a ele
imputado, tivesse a pena máxima prevista em abstrato, igual ou superior a 10 (dez)
anos.
Superada esta fase, o CPPB vem sofrendo ajustes, no sentido de adaptá-lo
ao novo sistema processual adotado pela Constituição da República de 1988, qual
seja o sistema acusatório, não mais se admitindo falar em prisão preventiva
obrigatória.
A prisão preventiva é considerada compatível com o princípio constitucional
da inocência, desde que respeitados os princípios da cautelaridade processual:
judicialidade; provisoriedade; instrumentalidade; necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito.
Mesmo antes da edição da Lei nº 12.403/2011, que alterou sobremaneira o
sistema de prisão e liberdade do CPPB, a prisão preventiva já era considerada um
norte do sistema prisional brasileiro, haja vista que, doutrina e jurisprudência já
entendiam que a prisão em flagrante e a extinta prisão decorrente da decisão de
pronúncia, além da prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, não
poderiam persistir com identidade própria; mas somente poderiam ser decretadas ou
mantidas, no caso específico da prisão em flagrante, se estivessem presentes os
requisitos da prisão preventiva; donde se conclui que, uma vez decretadas não
passavam de uma prisão preventiva.
São percussores desse entendimento Nestor Távora e Rosmar Rodrigues
Alencar15 que expõem:
15TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, op. cit. p. 602-603.
30
(...) já éramos partidários do entendimento que na pronúncia,
só caberia o encarceramento daquele que se encontrava em
liberdade, se estivessem presentes os requisitos que
autorizariam a decretação da prisão preventiva. Caso contrário,
a liberdade é de rigor. (...)
Com o advento da Lei nº 11.689/08, os maus antecedentes e a
reincidência como fundamento do cárcere cautelar foram
expressamente revogados.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar16 expõem ainda:
Com o advento da Lei nº 11.719/08, o art. 594 do CPP que
tratava da prisão decorrente de sentença condenatória
recorrível foi revogado expressamente, de sorte que a matéria
passa a ser disciplinada pelo parágrafo único do art. 387, CPP
(...). O direito do acusado de recorrer em liberdade foi
reafirmado com a edição da Lei nº 12.403/2011, que
expressamente revogou o art. 595 do CPP (já desprovido de
eficácia, conforme jurisprudência do STF), que dispunha que a
apelação seria julgada deserta na hipótese de fuga do
condenado após a interposição da apelação.
O Supremo Tribunal Federal já havia se pronunciado neste sentido, adotando
este entendimento. Vejamos a ementa do acórdão:
"HABEAS CORPUS" - DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR -
PREJUDICIALIDADE DO "HABEAS CORPUS", EM VIRTUDE
DE SUPERVENIENTE DECISÃO COLEGIADA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA - INOCORRÊNCIA - ACÓRDÃO QUE
NÃO ANALISOU O FUNDO DA CONTROVÉRSIA - SÚMULA
16Ibidem, p. 604-605.
31
691/STF - SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS QUE AFASTAM A
RESTRIÇÃO SUMULAR - CONDENAÇÃO PENAL
RECORRÍVEL - SUBSISTÊNCIA, MESMO ASSIM, DA
PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE NÃO-CULPABILIDADE
(CF, ART. 5º, LVII) - RÉU QUE PERMANECEU SOLTO
DURANTE O PROCESSO - RECONHECIMENTO DO
DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - CONVENÇÃO
AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, Nº
2) - DECRETABILIDADE DA PRISÃO CAUTELAR
DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA -
POSSIBILIDADE, DESDE QUE SATISFEITOS OS
REQUISITOS MENCIONADOS NO ART. 312 DO CPP -
NECESSIDADE DA VERIFICAÇÃO CONCRETA, EM CADA
CASO, DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DESSA
MEDIDA EXTRAORDINÁRIA - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL
NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE - CONSTRANGIMENTO
ILEGAL CARACTERIZADO - "HABEAS CORPUS"
CONCEDIDO "EX OFFICIO". DENEGAÇÃO DE MEDIDA
LIMINAR - SÚMULA 691/STF - SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS
QUE AFASTAM A RESTRIÇÃO SUMULAR. - A jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, sempre em caráter
extraordinário, tem admitido o afastamento, "hic et nunc", da
Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão
questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte
ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder
ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente
na espécie. PRISÃO CAUTELAR - CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de
caráter excepcional, somente devendo ser decretada em
situações de absoluta necessidade. A prisão processual, para
legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da
satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP
(prova da existência material do crime e indício suficiente de
32
autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base
empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade
dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade
do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade da
prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que
satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP.
Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da
imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária.
Doutrina. Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO
CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A
PRISÃO CAUTELAR DO ACUSADO. - A denegação, ao
sentenciado, do direito de recorrer em liberdade depende, para
legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses
referidas no art. 312 do CPP, a significar, portanto, que,
inexistindo fundamento autorizador da privação meramente
processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-
se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da
necessária cautelaridade. Precedentes. - A prisão processual,
de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em
sentença condenatória recorrível (cuja prolação não
descaracteriza a presunção constitucional de não-
culpabilidade), tem, como pressuposto legitimador, a
existência de situação de real necessidade, apta a ensejar,
ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção -
sempre excepcional - dessa medida constritiva de caráter
pessoal. Precedentes. - Se o réu responder ao processo em
liberdade, a prisão contra ele decretada - embora fundada em
condenação penal recorrível (o que lhe atribui índole
eminentemente cautelar) - somente se justificará, se, motivada
por fato posterior, este se ajustar, concretamente, a qualquer
das hipóteses referidas no art. 312 do CPP. Situação
inocorrente no caso em exame.
33
(Supremo Tribunal Federal – HC nº 92.967/AC, Relator Ministro
Celso de Mello – 2ª Turma, Data do Julgamento 18/12/2007)
(grifos nossos)
Este entendimento doutrinário e jurisprudencial acabou sendo encampado
pelo legislador, com a edição das Leis nº 11.689/2008; 11.719/2008 e 12.403/2011.
Prosseguindo no estudo do tema, a prisão preventiva pode ser decretada no
curso do inquérito policial, ou ainda, no curso do processo penal, desde que
observados os requisitos genéricos inerentes às medidas cautelares, pelo menos um
dos pressupostos dos contidos no Art. 312 do CPPB, observados os novos
requisitos contidos no Art. 282, caput e §§ do CPPB, alterados pela Lei nº
12.403/2011.
São legitimados para requerer ou representar pela prisão preventiva, o
delegado de polícia, o membro do ministério público, o querelante, podendo o juiz de
direito decretá-la, de ofício, no curso da ação penal. A Lei nº 12.403/2011 inovou
prevendo agora a possibilidade do assistente da acusação poder representar pela
prisão preventiva.
Dentre os pressupostos, há quem diga que a prisão preventiva não seria o
instrumento hábil, por si só, para garantir a ordem pública e/ou a ordem econômica,
fugindo-lhe nestas hipóteses, a natureza cautelar.
Certo é que, não podemos mais admitir a prisão preventiva como
antecipação de pena, perdurando infinitamente, até o trânsito em julgado, como
melhor explicaremos no momento adequado.
2.2 – Natureza Jurídica da Prisão Provisória
Divergem os doutrinadores ao apontarem a Natureza Jurídica da Prisão
Provisória, existindo duas grandes correntes doutrinárias, a saber: a primeira que vê
a prisão provisória como execução antecipada da pena e a segunda que afirma que
a prisão provisória somente pode coexistir com a Constituição da República de
1988, como medida cautelar.
34
Porém, para a maioria dos doutrinadores, fica consignado que é uma medida
cautelar. Neste sentido é o entendimento de Eugênio Pacelli, Edilson Mougenot
Bonfim, Paulo Rangel, Fernando Capez que se passa a expor.
Com maestria Eugênio Pacelli17 preleciona:
assumiu-se a natureza cautelar de toda prisão antes do trânsito
em julgado; junto a isso, ampliou-se o leque de alternativas
para a proteção de regular tramitação do processo penal, com
a instituição de diversas outras modalidades de medidas
cautelares.
Defendendo também este posicionamento Edilson Mougenot Bonfim18:
Todas as prisões ocorridas antes do advento do trânsito em
julgado da decisão penal condenatória, como visto, não têm
natureza de pena, devendo ser dotadas de cautelaridade.
As prisões cautelares têm por finalidade resguardar a
sociedade ou o processo com a segregação do indivíduo. (...)
Deve necessariamente a prisão provisória fundar-se em uma
das cautelaridades acima apontadas, sob pena de ser
considerada inconstitucional por afronta ao princípio da
presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVIII, da CF).
Neste sentido traz colação de recente entendimento do Supremo Tribunal de
Federal, na qual foi decidido que não é possível execução provisória da pena
enquanto estiver pendente julgamento de recurso especial ou de recurso
extraordinário, tendo em vista que prisão antes do trânsito em julgado da
condenação a prisão somente poderá ser decretada a título cautelar.
17PACELLI, Eugênio. op. cit. p. 488. 18BONFIM, Edilson Mougenot, op. cit. p. 58.
35
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA
CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º,
LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL.
(...)
3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação
somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito.
Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de
natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença
após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando
desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e
o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de
recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer
contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o
sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte
assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais,
no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um
pouco ao próprio delinqüente”.
6. A antecipação da execução penal, ademais de
incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia
ser justificada em nome da conveniência dos magistrados ---
não do processo penal. (...)
8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de
direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas,
inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação
constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição
do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que
sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as
36
singularidades de cada infração penal, o que somente se
pode apurar plenamente quando transitada em julgado a
condenação de cada qual.
Ordem concedida.
(Supremo Tribunal Federal – HC nº 84.078/MG, Relator
Ministro Luiz Fux – Plenário, Data do Julgamento 26/02/2010)
(grifo nosso)
Com a promulgação da Constituição da República de 1988, houve previsão
de várias direitos fundamentais ligados ao direito de liberdade, dentre todos
destacamos a presunção de inocência e a necessidade de ordem fundamentada da
autoridade judiciária competente para prisões provisórias à exceção da prisão em
flagrante.
Sendo assim, a privação da liberdade de um inocente, com exceção da
prisão em flagrante, somente pode ser decretada por Juiz competente, ou seja, por
Juiz de Direito, com a sua competência previamente fixada (Juiz Natural ou Juiz
Constitucionalmente Competente).
Mais ainda, que a fundamentação seja construída sob os argumentos da
cautelaridade, ou seja, que a prisão seja decretada e fundamentada para acautelar
interesses da justiça.
Desta forma, toda prisão anterior ao trânsito em julgado de sentença penal
condenatória deve ser considerada, além de provisória, como cautelar.
Eugênio Pacelli19 ressalta que a possibilidade de execução provisória da
pena foi suprimida do ordenamento jurídico, tendo em vista que, uma vez
executada a prisão, nada poderá ser feito em relação ao tempo em que o
indivíduo permaneceu encarcerado de forma provisória:
Nesse passo, a Lei nº 12.403/11 parece ter afastado
definitivamente a possibilidade de execução provisória da
condenação, conforme se vê do caput do art. 283, a exigir, ou
19PACELLI, Eugênio, op. cit. p. 598.
37
ordem escrita e fundamentada para a imposição da prisão, ou
sentença condenatória com trânsito em julgado.
Quando afirmamos a necessidade de ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, entendemos que estas exigências não se aplicam
à prisão em flagrante, em razão da urgência da intervenção prisional, o que não
impede que após a sua conclusão, com a lavratura do auto de prisão em flagrante e
demais providências legais necessárias, todo o procedimento seja submetido ao
Judiciário, que deverá fundamentar a manutenção de prisão ou relaxar,
imediatamente, a prisão que entender ilegal.
A reserva de jurisdição se deve ao fato de vivermos num Estado
Democrático de Direito, onde a tutela dos direitos e garantias individuais cabe ao
poder judiciário.
Embora não haja previsão no código de processo penal brasileiro é cediço
que, em se tratando de prisões cautelares, devem ser adotados e respeitados os
contornos de proporcionalidade, quando de sua decretação ou manutenção.
Como a prisão em flagrante é uma medida cautelar, uma vez que se dá
antes da sentença penal condenatória transitada em julgado, não se pode descurar
da visualização do resultado prático do processo, que constitui a sua razão de ser.
A prisão cautelar só é legítima quando funciona como instrumento para
garantia da eficiência da persecução penal, de forma que não podemos aceitar que
sua consecução pudesse produzir conseqüências mais drásticas e mais fortes do
que aquelas alcançadas na sentença penal.
Por todos os argumentos expostos alhures, não podemos mais aceitar como
válido o preceito sumular nº 716 do STF, uma vez que admitia progressão de regime
de pena, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, o
STF entendia que a prisão provisória tinha natureza de execução provisória da pena;
pensamento este já superado.
38
CAPÍTULO III
O SISTEMA DE LIBERDADE PROVISÓRIA DO CPP E LEIS
EXTRAVAGANTES À LUZ DA CRFB/88
3.1 – Evolução Histórica da Liberdade Provisória
O instituto da Liberdade Provisória teve sua origem com os romanos a partir
da Lei da XII Tábuas.
No entanto, foi em 1603, no século XIV, nas Ordenações Filipinas, que o
nosso ordenamento processual, passou a conceder a liberdade provisória, pois
nesta época, a regra era a privação de liberdade antes do trânsito em julgado da
decisão judicial, com o fito de garantir a apresentação do detido ao julgamento.
As modalidades existentes de liberdade provisória eram: o seguro; a
homenagem; a caução por fiéis carcereiros e a fiança. Sendo a concessão da
liberdade provisória uma faculdade do Poder Público.
Na Legislação Imperial, na vigência da Constituição 1824, mais
precisamente em 1832, com a edição do Código de Processo Criminal, a liberdade
provisória ficou restrita a uma única modalidade, qual seja, a mediante o pagamento
da fiança, sendo todas as demais modalidades excluídas.
O CPPB, Decreto-Lei nº 3.689, que foi elaborado em 1941 e entrou em vigor
em 1942, traduzia os ideais de uma constituição anti-democrática que coexistia num
mundo fascista, enxergando o indiciado como mero objeto de investigação.
O CPPB em sua exposição de motivos20 diz que em se tratando de crime ao
qual seja cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a 10
(dez) anos, a decretação da prisão preventiva será obrigatória, nos seguintes
termos:
A prisão em flagrante e a prisão preventiva
VIII – (...)
20BRASIL. Exposição de motivos do código de processo penal – 11ª Ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 345-346.
39
A prisão preventiva, por sua vez, desprende-se dos limites
estreitos até agora traçados à sua admissibilidade.
Pressuposta a existência de suficientes indícios para
imputação da autoria do crime, a prisão preventiva poderá ser
decretada toda vez que o reclame o interesse da ordem
pública, ou da instrução criminal, ou da efetiva aplicação da lei
penal. Tratando-se de crime a que seja cominada pena de
reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a 10 (dez)
anos, a decretação da prisão preventiva será obrigatória,
dispensando outro requisito além da prova indiciária contra o
acusado. (...)
A decretação da prisão era concedida apenas pela gravidade da sanção
prevista em abstrato, fazendo, nitidamente, um juízo de antecipação de
culpabilidade do indivíduo que fosse preso em flagrante. Por isso que alguns
doutrinadores aduzem que a prisão cautelar era obrigatória e a liberdade, provisória.
Aury Lopes Jr.21 relata:
(...) Era uma época em que a prisão ao longo do processo era
uma regra, havendo, inclusive, a prisão “preventiva” obrigatória
quando o crime tivesse pena de reclusão, no máximo, igual ou
superior a 10 anos. Nada interessava ou se questionava, a
prisão “cautelar” era obrigatória.
Daí por que a liberdade era provisória, precária.
A liberdade provisória era uma exceção, e somente seria concedida
mediante o pagamento de fiança. Deste modo, com maestria Pacelli 22 declama:
21LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.149. 22LOPES JR., Aury. Apud. PACELLI, Eugênio de Oliveira. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.152.
40 “Evidencia-se que a Liberdade provisória se estrutura diretamente sobre as bases da
prisão em flagrante”.
No entanto, nem sempre foi assim, uma vez que, com a edição da Lei nº
6.416/77 (a chamada Lei Fleury), foi acrescentado ao CPPB o parágrafo único do
Art. 310, o qual previa que o Juiz poderia conceder liberdade provisória ao
capturando se não estivessem presentes, nenhum dos motivos ensejadores da
prisão preventiva.
A criação do mencionado parágrafo, em muito desestruturou a sistemática
da lei processual e esvaziou a fiança, já que passou a prever liberdade provisória
sem fiança, mediante termo de compromisso. Bem como a Lei nº 9.099/95, vez que
em seu Art. 69, parágrafo único, prevê que não se imporá prisão em flagrante, nem
se exigirá fiança, nos crimes de menor potencial ofensivo, em que o autor do fato
assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal.
De acordo com André Luiz Nicolitt23:
(...) a liberdade provisória com fiança perdeu sua importância,
vez que o art. 310, parágrafo único, do CPP veio possibilitá-la
em qualquer caso em que não se verificarem os requisitos dos
art. 311 e 312 que cuidam da prisão preventiva: não havendo
risco para o processo, ou inexistindo probabilidade do direito de
punir, impende a liberdade provisória independentemente de
fiança.
Paulo Rangel24 elucida: “A Liberdade é provisória porque, se o réu
descumprir a obrigação de comparecer a todos os atos do processo, ela será
revogada. Portanto, o réu fica livre, mas preso ao processo”.
Eugênio Pacelli25 aduz:
Note-se, então, que a fiança havia perdido toda a sua utilidade
desde a Lei nº 6.416/77, que passou a autorizar a restituição de
23NICOLITT, André Luiz, op. cit. p. 420. 24RANGEL, Paulo, op. cit. p. 748. 25PACELLI, Eugênio, op. cit. p. 582.
41
liberdade mediante o comparecimento a todos os atos do
processo, desde que ausentes as razões da prisão preventiva.
Em contraposição ao Código Antidemocrático, em 1998 foi promulgada a
Constituição da República, totalmente democrática, ampliativa e que passou a tratar
o indiciado/réu como sujeito de direitos.
Na Constituição da República de 1988 em seu Art. 5º, LXI, a liberdade
passou a ser tratada como direito fundamental, somente podendo ser
excepcionalizada, nas hipóteses em que o próprio texto constitucional previu, ou
seja, através de prisão em flagrante ou outra prisão provisória decretada por
autoridade judiciária competente. Assim, nos termos da CRFB/88, a Liberdade
passou a ser a regra e a prisão a exceção, ficando o sistema de prisão e liberdade
do CPPB em total dissonância com a Carta Magna.
Ante tamanho desencontro, enquanto não se edita um novo CPPB
harmônico com a Constituição da República, passou a ser necessário uma nova
leitura do já ultrapassado Código de Processo Penal Brasileiro.
Entretanto, após a promulgação da CRFB/88, em total afronta ao Estado
Democrático de Direito, num verdadeiro retrocesso social, os legisladores passaram
a editar várias leis infraconstitucionais que restringiu a liberdade provisória ao
pagamento da fiança (Lei nº 8.035/90, que – acrescentou o Art. 325, parágrafo 2º ao
CPP, que faz menção às Leis nº 1.521/51 e 8.137/90) ou a sua própria vedação (Art.
2º, II da Lei nº 8.072/90; Art. 7º da Lei nº 9.034/95; Art. 3º da Lei nº 9.613/98; Art. 21
da Lei nº 10.826/2003 e Art. 44 da Lei nº 11.343/2006), além de criar tipos penais
inafiançáveis (Art. 31 da Lei nº 7.492/86 e Art. 14, parágrafo único e 15, parágrafo
único da Lei nº 10.826/2003).
Apesar do texto constitucional, no Art. 5º, LXVI, prever a possibilidade de
liberdade provisória com ou sem fiança; como também a inafiançabilidade de certos
crimes, conforme o contido no Art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, percebe-se uma nítida
contradição, uma vez que a nova ordem constitucional, elegeu um sistema
garantista, que neste particular alçou a liberdade provisória como direito fundamental
do indivíduo considerado inocente. Até porque, vedar a possibilidade de fiança para
determinados crimes, não significa inviabilizar a liberdade provisória.
42
Tal afirmação pode ser comprovada com a transcrição da ementa da
decisão recente do Supremo Tribunal Federal, na apreciação da ADI nº 3112-126, no
qual declarou inconstitucional o Art. 21 da Lei nº 10.826/2003 que vedava a
Liberdade Provisória, além de decidir que está vedada a prisão provisória ex lege ou
também conhecida como prisão provisória obrigatória. Aliado a isto declarou que, as
prisões provisórias têm natureza cautelar, mencionando inclusive que deve ser
respeitado outro pressuposto que é a necessidade cautelar da prisão. Conclusão:
caem por terra todo comando legislativo quanto à vedação da concessão da
liberdade provisória, com ou sem fiança existentes em diversas Leis Extravagantes:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
10.826/2003. ESTATUTO DO DESARMAMENTO.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA.
INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS.
INOCORRÊNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE.
INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA
DESCARACTERIZADA. PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE
PÚBLICO RECONHECIDA. OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO
PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO.
DIREITO DE PROPRIEDADE, ATO JURÍDICO PERFEITO E
DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS.
ASSERTIVA IMPROCEDENTE. LESÃO AOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL. AFRONTA TAMBÉM AO
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ARGUMENTOS NÃO
ACOLHIDOS. FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A
AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE.
REALIZAÇÃO DE REFERENDO. INCOMPETÊNCIA DO
CONGRESSO NACIONAL. PREJUDICIALIDADE. AÇÃO
JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À
PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E
LIBERDADE PROVISÓRIA. 26Supremo Tribunal Federal - ADI nº 3112-1/DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Plenário, Data do Julgamento 10/05/2007.
43
(...)
IV – A proibição de estabelecimento de fiança para os
delitos de “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”
e de “disparo de arma de fogo”, mostra-se desarrazoada,
porquanto são crimes de mera conduta, que não se
equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de
lesão à vida ou à propriedade.
V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos
elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade
reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão
ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência
e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de
prisão pela autoridade judiciária competente.
(...)
IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a
inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15
e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
(Supremo Tribunal Federal - ADI nº 3112-1/UF, Relator Ministro
Ricardo Lewandowski, Plenário, Data do Julgamento
10/05/2007) (grifo nosso)
Segundo a suprema corte brasileira, a Lei nº 10.826/2003, quando vedou
expressamente a possibilidade de liberdade provisória, no Art. 21, criou a
possibilidade de prisão ex lege, automática, sem a necessidade de fundamentação,
quando é sabido por todos que o texto constitucional exige fundamentação para a
decretação da prisão cautelar, aliado que a medida seja decretada por Juiz de
Direito.
Da mesma forma, o legislador, através da Lei nº 11.464/2007, aplicou o
entendimento da citada ADI e revogou a vedação a Liberdade Provisória previsto na
Lei nº 8.072/90 para os crimes hediondos e equiparados.
Cabe inclusive mencionar que, o entendimento jurisprudencial já vinha
apontando que, nos casos de prisão em flagrante, recebida a comunicação do
44 flagrante no Juízo competente, deveria ser concedida liberdade provisória ao réu,
caso não estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva.
No tocante as outras legislações em que não ocorreu a revogação tácita,
entendemos que, não haverá outra alternativa, senão estender os efeitos desta
declaração de inconstitucionalidade a outros dispositivos legais que fizeram as
mesmas vedações, quais sejam: Art. 7º da Lei nº 9.034/95; Art. 3º da Lei nº
9.613/98; Art. 44 da Lei nº 11.343/2006 e Art. 325, parágrafo 5º (que faz menção às
Leis nº 1.521/51 e 8.137/90, respectivamente).
Toda essa discussão perdeu o foco com o surgimento da Lei nº 12.403/2011
que prevê a liberdade provisória com ou sem fiança.
Aury Lopes Jr.27 informa que: “Com o advento da Lei nº 12.403/2011,
estabeleceu-se um sistema cautelar polimorfo, com diferentes instrumentos e
possibilidades jurídicas do tratamento do regime de liberdade provisória”.
A partir de então o juiz de direito não ficará mais diante de dois extremos; de
manter o réu preso ou em liberdade; muitas das vezes preferindo, na dúvida, pela
opção mais gravosa para mesmo; a Lei nº 12.403/11, como se verá mais adiante,
trouxe várias medidas cautelares subjetivas, menos gravosas que a prisão
provisória, que somente poderá ser levada a efeito, em último caso.
3.2 Conceito de Liberdade Provisória
A liberdade provisória é o instituto que permite que o indiciado/réu, em
determinadas situações, aguarde em liberdade o julgamento do processo, sendo
vinculado ou não ao cumprimento de certas obrigações que lhe são impostas,
impedindo assim o sacrifício do cárcere.
A liberdade é provisória, pois, a qualquer tempo, caso haja o
descumprimento das obrigações impostas ou ocorrendo certas hipóteses previstas
em lei, como por exemplo, a presenças dos requisitos da prisão cautelar, a liberdade
poderá ser revogada e o indiciado/réu, ser recolhido à prisão.
André Luiz Nicolitt 28 conceitua:
27LOPES JR., Aury, op. cit. p. 153. 28NICOLITT, André Luiz, op. cit. p. 436.
45
A liberdade provisória e um instituto através do qual o indiciado
preso em flagrante regular tem a possibilidade de aguardar em
liberdade o seu julgamento. Trata-se assim de um instrumento
do princípio da presunção de inocência, do qual se extrai que
ninguém será tratado como se culpado fosse antes do trânsito
em julgado da sentença penal condenatória.
Como elucidam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar29:
A Liberdade Provisória é um estado de liberdade, circunscrito
em condições e reservas, que impede ou substitui a prisão
cautelar, atual ou iminente. É uma forma de resistência, uma
contracautela, para garantir a liberdade ou a sua manutenção,
ilidindo o estabelecimento de algumas prisões cautelares.
Para Tourinho30 Liberdade Provisória é uma: “(...) medida intermediária entre
a prisão provisória e a liberdade completa. É uma situação em que o réu ou
indiciado não fica preso nem desfruta de plena liberdade”.
Cabe inclusive mencionar que, apesar do parágrafo único do Art. 310, trazer
a expressão “poderá”, não se trata de uma faculdade e sim de um dever legal da
autoridade policial ou judicial, conceder a liberdade provisória, caso estejam
presentes os seus requisitos, vez que a liberdade é um direito subjetivo
constitucional.
3.3 Espécies de Liberdade Provisória
29TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, op. cit. p. 642. 30BONFIM, Edilson Mougenot. Apud. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Reforma do código de processo penal: comentários à lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011: prisão preventiva, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 93.
46
A doutrina costumava dividir a liberdade provisória em 3 (três) espécies,
quais sejam: liberdade provisória obrigatória; liberdade provisória permitida e
liberdade provisória proibida ou vedada.
A liberdade provisória obrigatória constitui-se em direito incondicional do
acusado nos casos de livrar-se solto. Há ainda doutrinadores que citam as hipóteses
do parágrafo único do Art. 69 da Lei nº 9.099/95 e do Art. 301 da Lei nº 9.503/97,
como sendo de direito incondicional, quando, respectivamente, o acusado assumir o
compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal e se o condutor do
veículo prestar pronto e integral socorro a vítima.
A liberdade provisória permitida é aquela em que a lei admite a sua
concessão quando não estiverem presentes os requisitos de decretação da prisão
preventiva e ainda quando não houver vedação expressa a sua concessão.
A liberdade provisória proibida ou vedada é aquela em que a lei
estabelece expressamente sua proibição e também quando estiverem presentes os
requisitos que autorização a decretação da prisão preventiva. Entretanto, se faz
necessário ressaltar que o Supremo Tribunal Federal31 já se manifestou acerca da
vedação da liberdade provisória e decidiu que num Estado Democrático de Direito e
diante dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de
fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judicial, é inconcebível
prisão provisória ex lege.
Contudo, tal classificação de acordo com a melhor doutrina está defasada,
pois de acordo com o texto constitucional e com o CPP, se extrai que a liberdade
provisória pode ser concedida com ou sem arbitramento da fiança, sendo esta a
melhor classificação e a qual iremos adotar.
3.3.1 – Liberdade Provisória Sem Fiança
A liberdade provisória sem fiança poderá ser vinculada ou não vinculada, o
que vai diferenciar uma da outra é a imposição do cumprimento de algumas
obrigações para que seja mantida sua concessão.
31 Supremo Tribunal Federal - ADI nº 3112-1/DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Plenário, Data do Julgamento 10/05/2007.
47
A liberdade provisória sem fiança vinculada é aquela em que o acusado tem
uma condição para ser cumprida para ser mantida a sua liberdade. A liberdade está
vinculada ao cumprimento de uma obrigação imposta, que pode ser a obrigação de
comparecer a todos os atos do processo, conforme previsto no parágrafo único do
Art. 310 do CPP e no parágrafo único do Art. 69 da Lei nº 9.099/95 ou de se
submeter às medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.
Já a liberdade provisória sem fiança e sem vinculação é aquela em que o
acusado não precisa se submeter a nenhuma obrigação para fazer jus à liberdade.
Tal concessão é realizada nos casos em que a lei traz a expressão livrar-se solto.
Paulo Rangel32 chega inclusive a relatar que tal modalidade “Trata-se de
uma liberdade definitiva e não provisória, como quer a doutrina. O legislador cria
uma presunção de não-periculosidade do réu”.
Cabe inclusive mencionar que, com a chegada da Lei nº 12.403/2011,
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar33 defendem o entendimento que a
liberdade provisória sem fiança e sem vinculação deixou de existir:
necessário frisar que não há mais no CPP para metro para
definir quais as infrações que possibilitam ao agente “livrar-se
solto”, pelo que a liberdade provisória obrigatória, imposta à
autoridade policial em prol do autuado em flagrante, deixou de
existir. (...)
No entanto, o legislador não cuidou de suprimir a expressão
livrar-se solto de outros dispositivo do CPP. Pensamos, no
entanto, que os artigos que trazem em seu texto essa
expressão estão desprovidos de eficácia.
3.3.2 Liberdade Provisória Com Fiança
A liberdade provisória com fiança será sempre vinculada, pois caso não haja
o pagamento da fiança, que é uma caução e será imposta obrigatoriamente, a 32RANGEL, Paulo, op. cit. p. 752. 33TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, op. cit. p. 644.
48 liberdade não será concedida. Cabe ainda mencionar que, além da fiança, o juiz
poderá impor outras cautelares que entender necessário.
Tal modalidade de liberdade provisória estava sem aplicação. Entretanto,
com o surgimento da Lei nº 12.403/2011 esse contexto se modificou e a fiança
passou a ter um campo maio de atuação, pois além de ser aplicada no momento da
concessão da liberdade provisória, passou a ter aplicação como espécie de medida
cautelar diversa da prisão nos termos do Art. 319, VIII, do CPP.
Quanto à fiança cabe ainda mencionar que, quando aplicada no momento
da concessão da liberdade provisória, o legislador não indicou expressamente quais
os crimes serão afiançados. Assim, portanto, em tese, todos os crimes serão
afiançáveis, com exceção daqueles em que a lei prevê sua vedação expressa;
quando estiverem presentes os requisitos da decretação da prisão preventiva; ou
ainda quando houver impedimento à sua concessão nos termos dos Art. 323 e 324
do CPP.
Ressalta-se também esclarecer que, não é porque um crime é inafiançável,
que o acusado irá ficar preso. Ao se dizer que um crime é inafiançável, o legislador
vedou a concessão da fiança, mas não vedou a concessão da liberdade provisória
sem fiança. Portanto, nesses casos, poderá o juiz conceder a liberdade provisória
sem fiança. Contudo, essa liberdade será vinculada, com imposição de uma ou mais
medidas cautelares.
Aury Lopes Jr.34 elucida que:
Diante de um flagrante por crime inafiançável, não estando
presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou, ao
menos, não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva,
poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança, mas
com medidas cautelares alternativas com suficiência para
tutelar a situação fática de perigo.
Ainda que na se imponha fiança, por ser inafiançável, poderá o
juiz lançar mão do monitoramento eletrônico e da proibição de
ausentar-se da comarca ou país, por exemplo.
34LOPES JR., Aury, op. cit. p. 156-157.
49
O que não se pode tolerar é simplesmente alguém ser preso
por ser o crime inafiançável.
3.4 Natureza Jurídica da Liberdade Provisória
No tocante a natureza jurídica da Liberdade provisória os doutrinadores
eram uníssonos em dizer que se tratava de uma medida de contracautela que,
visava assegurar a liberdade do acusado. Entretanto, com a edição da Lei nº
12.403/2011 já há doutrinador se manifestando que se trata de uma medida
cautelar.
Aury Lopes Jr.35 assegura que: “a liberdade provisória é uma medida
alternativa, de caráter substitutivo em relação à prisão preventiva, que fica
efetivamente reservada para os casos graves, em que sua necessidade estaria
legitimada”.
Paulo Rangel36 defende que a Liberdade Provisória é: “uma contracautela,
pois a cautela é a prisão; a liberdade provisória é a sua contraposição. O
antecedente lógico da liberdade provisória é a prisão cautelar”.
Edilson Mougenot Bonfim37 enfatiza que:
a liberdade provisória deve ser entendida como uma verdadeira
medida “contracautelar” alternativa à decretação da prisão
preventiva, justamente visando impedir que o acusado, preso
em flagrante, tenha sua detenção convertida em prisão
preventiva.
Eugênio Pacelli38 atribui que a Liberdade Provisória: “Ao fim e ao cabo,
cuida-se