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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE DIREITO
Marina Sepúlveda Rodrigues Sato (13/0014796)
Milena Orlândi Leite de Melo (13/0051101)
Trabalho de Teoria Geral do Processo 2: Comentários ao Acórdão
Tema: “Litisconsórcio, Transação, Capacidade e Nulidade”
Professor: Vallisney Oliveira
BRASÍLIA
OUTUBRO/2014
1. Ementa do acórdão
RECURSO ESPECIAL No 1.170.239 - RJ (2009/0240262-7)
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS, DECORRENTES DE EXAME MÉDICO, CUJO RESULTADO
INDICOU, ERRONEAMENTE, SER O FETO PORTADOR DE “SÍNDROME
DE DOWN ” - TRANSAÇÃO CELEBRADA ENTRE UM DOS
DEVEDORES SOLIDÁRIOS E OS DEMANDANTES – INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS QUE CONDENARAM O CODEVEDOR SOLIDÁRIO AO
PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AOS PAIS, EXCLUÍDA A HIPÓTESE
DE REPARAÇÃO À FILHA, ENTÃO NASCITURO À ÉPOCA DOS FATOS.
INSURGÊNCIA DOS DEMANDANTES E DA OPERADORA DE PLANO
DE SAÚDE.
1. Hipótese em que pais e filho ingressaram em juízo postulando danos morais
suportados durante a gestação, em razão de erro médico, consistente em
diagnóstico indicativo de ser o feto portador de “Síndrome de Down”. Exames
posteriores que afastaram a aludida patologia cromossômica. Demanda
deflagrada contra a operadora de plano de saúde e nosocômio. Transação
entabulada entre os autores e este último, único não insurgente.
2. Irresignação interposta por Golden Cross S/A.
2.1 Violação ao art. 535 do CPC inocorrente. Acórdão local devidamente
fundamentado, tendo enfrentado os aspectos fático-jurídicos essenciais à
resolução da controvérsia. Desnecessidade de a autoridade judiciária enfrentar
todas as alegações veiculadas pelas partes, quando invocada motivação
suficiente ao escorreito desate da lide.
Não há vício que possa nulificar o acórdão recorrido ou ensejar negativa de
prestação jurisdicional, mormente na espécie em que houve exame explícito do
tema reputado não analisado.
2.2 Extinção da obrigação (dever de indenizar) ante a transação e quitação
parcial firmada entre os demandantes e um dos devedores solidários (hospital).
Tese afastada. Subsistência da obrigação quanto ao codevedor solidário, não
abrangido pelo instrumento liberatório, cujos efeitos devem ser aquilatados por
meio de interpretação restritiva (art. 843 do CPC). Precedentes.
2.2.1 A quitação da dívida outorgada pelo credor a um dos devedores solidários
por meio de transação, não aproveita aos codevedores, senão até a concorrência
da quota-parte pela qual era responsável, sobretudo quando o acordo
expressamente exclui de sua abrangência o codevedor, no caso, a operadora do
plano de saúde, a qual responde pelo saldo, pro rata.
3. Apelo extremo dos autores.
3.1 Em que pese entender o STJ “que o nascituro também tem direito a  
indenização por danos morais ” (Ag n. 1268980/PR, Rel. Ministro Herman
Benjamin, DJ de 02/03/2010), não são todas as situações jurídicas a que
submetidas o concebido que ensejarão o dever de reparação, senão aquelas das
quais decorram consequências funestas à saúde do nascituro ou suprimam-no
do convívio de seus pais ante a morte destes. Precedentes.
3.2 Na hipótese dos autos, o fato que teria ocasionado danos morais àquela que
era nascituro à época dos fatos, seria o resultado equivocado do exame de
ultrassonografia com Translucência Nucal, que indicou ser ela portadora de
“Síndrome de Down”. Contudo, segundo a moldura fática delineada pela Corte
a quo, a genitora, no dia seguinte ao recebimento do resultado equivocado,
submeteu-se, novamente, ao mesmo exame, cujo diagnóstico mostrou-se
diverso, isto é, descartou a sobredita patologia. Não se ignora o abalo psíquico
que os pais suportaram em virtude de tal equívoco, dano, contudo, que não se
pode estender ao nascituro.
3.3 Almejada majoração do quantum indenizatório fixado a título de reparação
pelos danos morais suportados pelos pais. Inviabilidade. Necessidade, para tal
reconhecimento, de revolvimento dos aspectos fáticos delineados nas instâncias
ordinárias. Inadmissibilidade em sede de recurso especial, ante o óbice da
Súmula n. 7 do STJ.
3.4 O vínculo que une as partes e do qual exsurge o dever de indenizar é,
inequivocamente, contratual, razão pela qual os juros moratórios referentes à
reparação por dano moral, em tal caso, incidem a partir da citação. A correção
monetária do valor da indenização pelo dano moral dá-se a partir da data em
que restou arbitrada, no caso, do acórdão que julgou a apelação, consoante o
Enunciado n. 362 da Súmula do STJ.
4. Recursos especiais improvidos.
2. Introdução
Trata-se de recursos especiais, interpostos por Luciana Couto Sanches e Outros, de um
lado, e Golden Cross Assistência Internacional de Saúde, de outro, no intuito de reformar o
acórdão proferido pela colenda Sétima Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro.
Inicialmente, Luciana Couto Sanches, Waldir Moreira Corrêa Junior e Gabriela
Sanchês Corrêa promoveram ação de indenização em face do Centro Radiológico da Lagoa e
Golden Cross S/A, tendo por desiderato a condenação das empresas rés ao pagamento de
indenização por danos morais a ser fixada judicialmente, em virtude da elaboração de exame,
cujo resultado, erroneamente, indicou que o feto gestado por Luciana seria portador de
Síndrome de Down.
Luciana Sanches, grávida da terceira autora, procedeu ao exame de ultrassonografia
com Translucência Nucal, destinado a identificar a ocorrência de síndromes cromossômicas no
feto. O referido exame, ministrado por médica do Centro Radiológico da Lagoa, apontou ser o
feto portador de Síndrome de Down, diante disso, a médica recomendou que Luciana
realizasse outros exames, os quais trariam riscos à gestação. Alegaram que tal situação lhes
causou indescritível estado de aflição, consternação e drama emocional. A primeira autora
efetuou o exame por mais duas vezes, em ambos se constatou diagnóstico não indicativo de
Síndrome de Down. Não obstante, os autores afirmaram que o abalo emocional perdurou
durante todo o período gestacional. Por tais fatos, sustentaram a legitimidade passiva dos réus
para responder pelos danos morais suportados, anotando, ainda a possibilidade de a terceira
autora fazer jus à pretendida indenização.
Em sede de contestação, Centro Radiológico da Lagoa apontou a ilegitimidade da
terceira autora, que, à época dos fatos ainda era um nascituro, não se afigurando possível, por
isso, suportar danos morais. A Golden Cross, por sua vez, aduziu não ser parte legítima para
responder pelos danos descritos na inicial, notadamente por ser mera administradora de planos
de saúde. Os autores e a ré, Centro Radiológico da Lagoa, firmaram, entre si, acordo,
homologado judicialmente, culminando na extinção do processo, com fulcro no artigo 269, III,
do CPC, apenas em relação a esta.
A 37ª Vara Cível da Comarca da Capital (RJ) julgou improcedente o pedido
indenizatório delineado na inicial, enfatizando a inviabilidade de ocorrência de abalo
psicológico do nascituro. Irresignados, os autores apresentaram recurso de apelação, ao qual se
conferiu parcial provimento, para condenar a ré, Golden Cross a pagar aos dois primeiros
autores, a título de danos morais a quantia de seis mil reais. Opostos embargos de declaração,
estes foram rejeitados.
Os autores da ação interpuseram recurso especial, pugnando pela majoração da verba
indenizatória, ao argumento de que fazem jus à integral reparação do dano, não se revelando
razoável a fixação de seis mil reais, tão-somente por ter sido este o valor o objeto de transação
feita. Insurgiram-se contra a improcedência do pedido indenizatório, em relação à terceira
autora, argumentando que este ser, já dotado de personalidade jurídica, passou por "dor,
sofrimento e constrangimento o suficiente para ter sua vida ameaçada e colocada em risco".
Aduziram que, em se tratando de débito decorrente de ato ilícito, a correção monetária e os
juros de mora devem incidir desde o evento danoso. Por fim, suscitaram a existência de
dissenso jurisprudencial.
Golden Cross Assistência Internacional de Saúde, em seu apelo, indicou violação dos
artigos 535 do Código de Processo Civil; 275 e 844, § 3º, do Código Civil. Alegou que o
Tribunal de origem incorreu em omissão. Os autos ascenderam ao Superior Tribunal de
Justiça, onde os recursos especiais interpostos foram improvidos.
Ante o exposto, a seguinte análise busca enfrentar, principalmente, as questões
relacionadas ao litisconsórcio e à transação feita entre as partes, à capacidade e aos danos
morais do nascituro e também aquelas relacionadas à nulidade, sustentada pela defesa da ré no
recurso, baseada no art. 535 do Código de Processo Civil.
3. Da análise crítica
3.1 Do litisconsórcio e da transação
Inicialmente, trata-se de um litisconsórcio misto. A pluralidade de partes no pólo
passivo baseia-se no inciso I, do art. 46 do CPC, pois há comunhão de obrigação relativamente
à lide, há a responsabilidade solidária entre as rés decorrente de contrato. Já o litisconsórcio do
pólo ativo tem formação baseada nos incisos I, II e III do citado artigo, pois configurou-se
cotitularidade do direito de indenização por parte do autores (sendo negado apenas à terceira
autora), haja vista que os direitos e obrigações derivaram do mesmo fundamento de fato e de
direito – os contratos (entre as rés e entre as rés e os autores), o erro de diagnóstico, o direito
de indenização por danos morais e o dever de indenizar –, havendo identidade de objeto e de
causa de pedir, o que implica em conexão (tratada no inc. III). Porém, com a transação
efetuada entre os autores e a ré Centro Radiológico da Lagoa, passou a ser litisconsórcio com
pluralidade de partes apenas no pólo ativo.
CPC Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;
III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;
IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito
A ré Golden Cross chegou a questionar a formação de litisconsórcio no pólo passivo,
afirmando não ser parte legitima para ser responsabilizada pelos danos causados aos autores.
O enfrentamento dessa questão se fez pela análise da relação existente entre as requeridas, já
que, segundo veiculado na petição inicial, a Clínica Centro Radiológico da Lagoa
consubstancia serviço médico credenciado pela Golden Cross Assistência Internacional de
Saúde Ltda, operadora do plano de saúde contratado pelos autores da ação. Diante de relação
de tal natureza, o Superior Tribunal de Justiça perfilhou o posicionamento de ser solidária a
responsabilidade entre a operadora de plano de saúde e o hospital (ou clínica)
conveniado/credenciado, decorrente da má prestação de serviço, pelos prejuízos daí
percebidos pelo contratante do plano, não configurando-se ilegitimidade quanto à sua
figuração como parte no processo. Encontra-se consolidado jurisprudencialmente
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE. ERRO MÉDICO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL RECONHECIDO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e hospitalares próprios e/ou credenciados, no qual a operadora de plano de saúde mantém hospitais e emprega médicos ou indica um rol de conveniados, não há como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do serviço.
Assim, há litisconsórcio, o qual classifica-se em facultativo e simples. Verifica-se, no
caso, o fenômeno da solidariedade: duas ou mais pessoas são codevedoras solidárias da
mesma dívida, que pode ser integralmente cobrada de qualquer um. A dívida é una, mas não
incindível, qualificando-se como simples, podendo os autores – como o fizeram – cobrar a
quota-parte de cada um dos devedores ou cobrar o todo, ou seja, havendo solidariedade, o
credor poderá ajuizar a ação em face de cada devedor isoladamente, ou em face de todos em
conjunto. Uma característica do regime do litisconsórcio simples é a autonomia, assim, os atos
de cada litisconsorte não favorecem nem prejudicam os demais, mas é indispensável examinar
o conteúdo do ato processual, o que suscita a análise da transação efetuada entre os autores e
uma das rés.
A transação entre os autores e a ré Centro Radiológico da Lagoa teve como
consequência a extinção do processo contra ela, passando o litisconsórcio a configurar-se
apenas no pólo passivo. Em regra, a transação só produz efeitos entre transatores, como
prescreve o art. 844 do Código Civil: "A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que
nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível". A transação é válida inter partes,
isto é, somente entre elas produz os seus efeitos. No entanto, o próprio artigo prevê exceções,
uma delas decorre da aplicação de regra da solidariedade passiva, de tal modo que "(a
transação) se (for concluída) entre um dos devedores solidários e seu credor, extingue a dívida
em relação aos codevedores".
A citada exceção foi utilizada na base da defesa da ré Golden Cross e foi rechaçada a
sua aplicação ao caso, haja vista que a transação realizada entre codevedor solidário e o credor
somente enseja a extinção da dívida em relação aos demais devedores, nos termos do § 3º do
artigo 844 do Código Civil, se a referida contratação abarcar a dívida em comum, como um
todo. O artigo 277 do citado código explicita que " O pagamento parcial feito por um dos
devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à
concorrência da quantia paga ou relevada", assim, se a quitação decorrente da transação
referir-se, apenas, à parte da dívida, os demais devedores permanecerão vinculados ao débito,
solidariamente, descontado, contudo, o valor afeto ao pagamento parcial.
Em suma, conforme preceitua o artigo 843 do Código Civil, os termos de uma
transação devem ser interpretados restritivamente, de tal modo que os direitos declarados ou
reconhecidos em tal contratação produzem efeitos em relação às partes nela envolvidas, sem
beneficiar ou prejudicar terceiros que dela não fizeram parte, não se aplicando à espécie o § 3º
do artigo 844 do Código Civil pela defesa da ré.
3.2 Do nascituro e da capacidade
O ministro Marco Buzzi, em seu voto, diante da afirmação dos insurgentes de existir a
possibilidade da terceira recorrente sofrer danos morais – mesmo na qualidade de nascituro –
concluiu que a insurgência não merecia prosperar e fez uma exposição da doutrina e da
jurisprudência acerca da proteção dos direitos do nascituro.
O ministro explica haver teorias que pretendem definir, com precisão, o momento em
que o indivíduo adquire personalidade jurídica, tendo aptidão para adquirir direito e
obrigações (teoria natalista, da personalidade condicional e a concepcionista) e tem por certo
que, ainda que o nascituro possua uma realidade jurídica distinta da pessoa natural, ele é
igualmente titular de direitos de personalidade.
Quanto aos direitos de personalidade, o ministro expõe que, segundo a doutrina mais
moderna sobre o tema, não há uma delimitação de tais direitos, havendo uma cláusula geral de
tutela da pessoa humana fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana – a qual
permite uma proteção aos bens da personalidade, em cada caso concreto, compatível com o
contexto cultural e social de seu tempo.
A ciência genética demonstrou que o embrião, durante a gestação, absorve para si,
todas as angústias, impactos físicos, psíquicos e crises nervosas que a mãe possa padecer,
mostrando que a ofensa à dignidade suportada pela mãe também atinge o direito do nascituro.
De tal forma, o nascituro é merecedor de toda proteção do ordenamento jurídico,
destinada a garantir o desenvolvimento digno e saudável no meio intra-uterino e o nascimento
com vida. O ministro ressalta a relevância da ADIn sobre a Lei de Biossegurança para a
delimitação do parâmetro que se deve conferir à vida no meio intra-uterino.
Delineados tais apontamentos, reconhece-se a possibilidade, em tese, de o nascituro vir a sofrer danos morais, decorrentes da violação da dignidade da pessoa humana (em potencial), desde que estes, de alguma forma, comprometam o seu desenvolvimento digno e saudável no meio intra-uterino e o consequente nascimento com vida, ou repercutam na vida após o nascimento. (BUZZI, 2013)
O Código Civil Brasileiro entende a personalidade como a aptidão para adquirir
direitos e assumir obrigações na ordem civil. Afirma-se, no artigo 2o, que a personalidade civil
começa no nascimento com vida – o que normalmente é constatado pela entrada de ar nos
pulmões – o código, porém, não deixa de atribuir direitos ao nascituro desde a concepção,
considerando que, a partir deste momento, inicia-se a formação de um novo ser.
A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. (BRITO, 2010)
A proteção dos direitos do nascituro remonta ao direito romano e muitos autores
brasileiros e estrangeiros já defenderam que há personalidade antes do nascimento, havendo,
contudo, divergências na jurisprudência brasileira.
Francisco Amaral defende que a análise sistemática da questão, diante dos princípios
constitucionais, mostra que o feto, desde a concepção, é sujeito de direitos e tem
personalidade, de modo que o nascimento não condicione a existência de personalidade, mas
apenas a sua consolidação. Assim, para alguns, os direitos do nascituro são interesses ou
expectativas de direito, os quais se consolidam com o nascimento com vida.
O direito civil pátrio encaixou o conceito de capacidade ao de personalidade, pode-se
dizer, portanto, que para ser pessoa, basta que o homem exista e para ser capaz, basta que ele
preencha os requisitos necessários para agir por si, como sujeito ativo ou passivo de uma
relação jurídica. Assim, nem todas as pessoas podem exercer pessoalmente os seus direitos.
Aqueles que a lei não permite o exercício pessoal de direitos – não possuem capacidade de
fato – são denominados de incapazes.
De acordo com a jurisprudência, o nascituro possui capacidade processual ativa (para a
ação de alimentos, a cautelar de reserva de bens, a investigação de paternidade) e passiva (para
a anulação de testamento, a doação que contempla o nascituro). Ele, portanto, assiste
capacidade para ser parte, podendo ser representado por sua mãe para propor ação em defesa
de seu direito personalíssimo e da sua dignidade como ser humano.
No caso em questão, o ministro reconhece a possibilidade do nascituro sofrer danos
morais quando o seu desenvolvimento intra-uterino é comprometido. Ele, porém, de forma
razoável, ao analisar a moldura fática (segundo a qual a genitora, no dia seguinte ao
recebimento do exame com resultado errôneo, submete-se ao mesmo exame, cujo diagnóstico
descartou a sobredita patologia), não ignora o abalo psíquico que os pais suportaram em
virtude do equívoco, mas considerou irretorquíveis as decisões das instâncias ordinárias de
afastar o pedido de indenização por dano moral do nascituro.
3.3 Da nulidade
Os vícios de cunho processual podem ser um erro na apreciação da demanda (erro in
judicando) ou um erro ao proceder (erro in procedendo). O primeiro é um vício
eminentemente da atividade do juiz no momento de prolação da sentença, em que máculas
podem ocorrer. O embargo é uma das vias recursais para a impugnação dos erros in
judicando.
No caso em questão, o ministro Marco Buzzi julgou, referente ao apelo nobre
interposto pela Golden Cross Assistência Internacional de Saúde, inocorrente a violação ao
artigo 535 do CPC, afirmando que caberia embargo de declaração apenas quando a decisão
objurgada apresentasse vícios de julgamento.
De fato as funções dos embargos de declaração são somente afastar do acórdão a
existência de qualquer omissão necessária para a solução da lide, não permitir a obscuridade e
extinguir qualquer contradição entre a premissa argumentada e a conclusão.
A recorrente alegou que o Tribunal de origem incorreu em omissão, pois deixou de se
manifestar sobre o argumento de inexistência da dívida comum – pois o quantum perseguido
deveria ser arbitrado judicialmente. Ela sustentou que inexistindo cobrança de valor certo ou
determinado, a título de indenização por danos morais, jamais se poderia afirmar que a
transação celebrada entre os recorridos e a 1a ré compreenderia pagamento parcial de dívida.
Não houve, porém, vício que pudesse nulificar o acórdão recorrido, pois o Tribunal de
origem enfrentou as matérias que lhe foram submetidas e os aspectos fático-jurídicos
essenciais à resolução da controvérsia durante a fase de instrução, além de ter fundamentado
de forma suficiente, porém, contrária às pretensões exaradas pela parte recorrente – tudo de
acordo com os ditames da legislação e jurisprudência consolidada.
Cumpre ao juiz apreciar o tema de acordo com o que considerar relativo à lide, ele
pode julgar a questão de acordo com o seu livre convencimento (artigo 131 do CPC),
utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudências, aspectos pertinentes ao tema e da legislação
que entender aplicável ao tema.
Ao contrário do que diz a recorrente, a Corte de Justiça Estadual reconheceu
expressamente a existência de dívida comum com valor dimensionado em quantia certa no
pedido inicial, decorrente da obrigação solidária de reparar os danos morais.
[...] a transação com um dos réus não impede que os autores busquem a reparação integral, cobrando a diferença da outra coobrigada, conforme dispõe o artigo 275 do Código Civil: 'O credor tem direito a exigir e receber de um dou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto' [...] (BUZZI, 2013)
O ministro, ademais, afirmou ser desnecessário que a autoridade judiciária enfrentasse
todas as alegações veiculadas pelas partes quando houvesse motivação suficiente à correta
resolução da lide.
4. Conclusão
Após análise do enfrentamento das questões suscitadas nos recursos, expressa-se aqui
concordância com a desconstrução da defesa da ré Golden Cross em relação aos argumentos
por ela apresentados sobre sua ilegitimidade para figurar como parte e sobre a quitação da
dívida decorrente de efeitos reflexos do acordo efetuado entre a outra ré e os autores, devido à
subsistência da obrigação por ser codevedor solidário, havendo o dever de indenizar, levando-
se em consideração que a transação aproveita aos codevedores até a concorrência da quota-
parte pela qual aquele que a realizou era responsável.
Expressa-se concordância com a decisão final do STJ acerca do reconhecimento da
existência de proteção ao nascituro e possibilidade de requerer danos morais, mas afastamento
do pedido de indenização pelo fato do erro do exame não ter resultado em comprometimento
do desenvolvimento digno e saudável no meio intra-uterino. Quanto à alegada nulidade do
acórdão decorrente de vício (omissão), acompanha-se o entendimento do ministro Marco
Buzzi.
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