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1
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA AMBIENTAL PROCAM
TRANSGNICOS: uma leitura scio-jurdico ambiental
Juliana Cassano Cibim
So Paulo, 29 de julho de 2004.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA AMBIENTAL PROCAM
2
TRANSGNICOS: uma leitura scio-jurdico ambiental
Juliana Cassano Cibim
Dissertao para obteno do ttulo de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Cincia Ambiental PROCAM, da Universidade de So Paulo.
Orientador Prof. Dr. Mauro de Mello Leonel Jr.
So Paulo, 29 de julho de 2004.
3
CIBIM, Juliana Cassano. TRANSGNICOS: uma leitura scio-jurdico ambiental. 2004. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM/USP, So Paulo.
RESUMO
Esta dissertao faz um estudo da situao dos organismos geneticamente modificados no Brasil, no tocante aos conflitos, legislao e aos instrumentos preventivos. Utiliza o mtodo analtico, apresentando inicialmente idias elementares sobre o cenrio regulatrio dos transgnicos nos Estados Unidos, no Canad, na China e na Argentina, chegando ao Brasil num detalhamento histrico sob o vis jurdico-social, incluindo brevemente as questes tcnicas que envolvem a biotecnologia, especialmente a criao de um OGM. Tratando da abordagem jurdica nacional sobre o tema e finalizando com a aplicabilidade dos princpios da precauo e da preveno, bem como da importncia do licenciamento ambiental, estudo de impacto ambiental e zoneamento ambiental como instrumentos preventivos e de gesto ambiental.
CIBIM, Juliana Cassano. TRANSGENICS: a research on social, legal and environmental issues. 2004. Lecture on Master Degree, Environmental Sciences Pos-Graduation Program PROCAM/USO, So Paulo. ABSTRACT
The main point of this lecture is the situation of genetic modified organisms - GMOs in Brazil, considering the conflicts, the legislation and the preventive instruments. The analytic methods, initially introducing basic ideas about the regulatory scenery involving the transgenics in the 4 largest genetic crops producer such as United States, Canada, China and Argentina, getting to a detailed research about the historical situation of the GMOs in Brazil under the social and legal issues, including, briefly the biotechnology, as a technique, specially in creating an GMO. Considering the national regulatory issue this lecture analyses the specific legislation, having its final chapter on the precautionary and preventive principles, showing the importance of the environmental licensing process, the environmental impact study and the zone demarcation as preventive and management instruments.
4
Introduo
A idia de trabalhar num programa interdisciplinar com um tema to atual e
polmico quanto o dos transgnicos sem dvida um grande desafio para um
operador do direito, cuja especializao verteu para o campo do direito ambiental.
Para uma cincia com vis conservador, a contemporaneidade da Cincia
Ambiental assusta, ofusca e leva incansvel busca e ao temeroso encontro com
o desconhecido, quando muitas vezes h a necessidade de romper com o
tradicional, com o costumeiro e, mudar, criar, ousar, como ensina Cunha.
(1991:18) Afinal, a anlise da realidade da mudana envolve a sutil ou clara
incorporao de elementos (ainda) no reais, mas ideais.
A relevncia do tema dos transgnicos deve-se aos riscos possveis para a sade
humana e para o meio ambiente. Os Organismos Geneticamente Modificados -
OGMs, assim como outros resultados do desenvolvimento tecnolgico, o nuclear,
a guerra qumica e biolgica, convocam a pesquisa a responder at onde
liberdades como as de mercado e do desenvolvimento cientfico podem ou no
chocar-se com o interesse pblico e quando e onde seu controle abusivo ou
necessrio.
Quando se fala em OGMs e sua relao com o consumidor, com as relaes de
mercado, com a sade humana e animal, com as relaes internacionais e
especialmente com o meio ambiente, necessria se faz a interao entre as
diferentes reas do conhecimento, por isso a abordagem interdisciplinar.
A interdisciplinariedade neste caso convida a buscar as vrias contribuies das
reas das cincias humanas, considerando inclusive os estudos das cincias
biolgicas, em suas vrias ramificaes, uma vez que as cincias da natureza tem
5
palavra decisiva quanto aos riscos previsveis das mutaes genticas, ou dos
limites da cincia atual para identifica-los.
Ainda no que tange interdisciplinariedade, vale lembrar que o direito surge de
um fato social e estes fatos sociais evoluem, se transformam, exigindo do direito
uma atualizao. Um dos ramos do direito que segue uma rpida transformao
o direito ambiental, que pode ser considerado um direito de nova gerao.
O direito ambiental surge, por sua vez, da interface entre a economia, a
tecnologia, as relaes de mercado, as relaes sociais e o meio ambiente. Uma
das finalidades do direito ambiental proteger o meio ambiente buscando o
equilbrio e o desenvolvimento scio-econmico.
Nesse contexto importante ressaltar a relevncia da anlise regulatria dos
maiores produtores de OGMs do mundo: Estados Unidos, Canad, Argentina,
China e Brasil, verificando que o foco principal da dissertao o sistema
regulatrio brasileiro.
Este estudo considera o alcance internacional da liberao comercial dos
transgnicos e por esta razo aborda os tratados, as convenes e demais
instrumentos regulatrios internacionais, mostrando a interface com a legislao
nacional. Esse direito aplicado considera o cenrio brasileiro numa tentativa de
demonstrar a eficincia dos instrumentos de gesto ambiental integrantes da
legislao existente.
Nesta discusso sobre os OGMs e sua liberao comercial no Brasil foi
considerado o contexto legislativo e sua relao com os diferentes atores.
Considerando que os interesses de alguns atores podem se sobressair em relao
aos demais, por razes da correlao de foras polticas, da ao de lobby ou
grupos de presso, ou simplesmente pelo monoplio do poder poltico ou
tecnolgico.
6
Enfim, considerar-se- a situao brasileira e mundial no tocante aos transgnicos
as muitas mudanas sofridas desde 2001, quando da entrega do primeiro projeto,
sendo as maior relevncia: o aumento do crescimento das lavouras transgnicas
no mundo em 2002. Pases que tinham fechado seu mercado para a
comercializao e o plantio dos OGMs abriram suas portas, alguns com ressalva
para rotulagem; o Brasil liberou a comercializao das safras de 2003 e 2004 de
soja GM, sem licenciamento nem estudo de impacto; o processo judicial sobre a
soja GM teve sua sentena prolatada em junho de 2004 e, o Protocolo de
Cartagena sobre Biossegurana j entrou em vigor.
A dissertao foi dividida em quatro temas relevantes compostos em captulos,
visando a melhor compreenso do assunto.
7
Captulo 1
Configurao dos grupos de interesse: atores e conflitos
1.1 A evoluo da agricultura: breve histrico
A agricultura considerada como a maior e mais abrangente forma de uso da
terra, haja visto que ocupa mais espao que as construes, o trfego e as
atividades industriais e, por esta razo, considerada uma atividade impactante1.
Durante muito tempo a agricultura alterou a paisagem e interferiu na vida
selvagem. Os primeiros agroqumicos eram altamente txicos e se acumulavam
no tecido gorduroso de alguns pssaros, causando a morte de muitos deles. Outro
problema causado pela toxicidade dos produtos qumicos foi o acmulo na gua e
no solo pelo excesso de uso de fertilizantes qumicos e esterco2.
A mais antiga referncia do uso de produtos qumicos remonta ao antigo Egito e
ao uso da fumigao para reduzir infestaes em gros armazenados. Na Grcia,
na China e na Roma antigas verifica-se o uso de enxofre, arsnico e betume para
controlar pragas e produzir inseticidas. Outros produtos qumicos foram
descobertos e aperfeioados no decorrer dos anos, mas foi a grande fome da
Irlanda em 1845, que ocasionou a descoberta de novos produtos qumicos.
Com o advento da fome, os irlandeses adquiriam o hbito de se alimentar com
inmeras pores de batata e para aumentar a produtividade no pas, importaram
batatas do Peru. Essas batatas estavam contaminadas com um fungo chamado
Phytophthora infestans, que destruiu as plantaes e causou intoxicao
alimentar na populao. Este acontecimento liberou a comunidade cientfica
1 VIB Publication. Safety of Genetically Engenireed Crops. Blgica, 2001.
2 VIB Publication. Safety of Genetically Engenireed Crops. Blgica, 2001.
8
europia para a pesquisa e o uso de agroqumicos. Em 1883 foi descoberto pelo
mdico Pierre Alxis Millardet, o fungicida de nome Calda Bordaleza, base de
cobre e em 1915, surge o primeiro produto qumico organomercurial produzido
pela Bayer Company da Alemanha, com o nome de Uspulum3.
Em 1943 comea a Revoluo Verde e a Fundao Rockfeller envia uma equipe
de fitopatologistas e geneticistas para o Mxico para desenvolver um trabalho que
redundou nas chamadas Variedades de Alta Produtividade VAP4.
Aps a Revoluo Verde nota-se um aumento do uso dos agroqumicos na
agricultura e um aumento da produtividade, no entanto h um desgaste maior do
solo, a contaminao da gua subterrnea, um aumento do desmatamento e a
degradao da biodiversidade, para dar lugar s fazendas. Com o crescimento da
agricultura mundial, constatou-se a necessidade de se desenvolver novas tcnicas
que aumentassem ainda mais a produtividade, utilizando os espaos j existentes
e que, de alguma forma, destrusse menos o meio ambiente.
Com a evoluo da tecnologia e a maior preocupao e ateno dadas
biodiversidade, especialmente depois do advento da Conveno da
Biodiversidade em 1992, a agricultura continua dependendo de insumos qumicos,
mas a integrao entre os vrios tipos de cultura est aumentando, uma vez que
os tipos de agroqumicos so menos poluentes que h 30 anos5. H grandes
diferenas entre a toxicidade dos agroqumicos, mas h tambm um forte
incentivo sustentabilidade e conservao da biodiversidade.
H muitos sculos os agricultores vm selecionando sementes para produzir
colheitas mais abundantes e de melhor qualidade, mesmo antes de ter o
conhecimento cientfico da tcnica utilizada. Os hbridos entre as diferentes
3 http://www.uesb.br/utilitarios/modelos/monta.asp?site=fitopatologia&tex
4 http://www.uesb.br/utilitarios/modelos/monta.asp?site=fitopatologia&tex
5 VIB Publication. Safety of Genetically Engenireed Crops. Blgica, 2001.
9
espcies so conhecidos desde o sculo XVI, quando os agricultores
selecionavam as melhores plantas, as com melhor rendimento.6
Foi apenas h menos de um sculo e meio, em 1865, que o monge austraco
Gregor Mendel (1822-1884) estabeleceu a base para a moderna biotecnologia, ao
demonstrar que a transmisso, de gerao em gerao, de certas caractersticas
de uma planta seguia um padro estatstico, indicando a presena de unidades de
hereditariedade (hoje conhecidas como genes). 7
A relao entre o cido desoxirribonuclico (DNA) e os genes foi estabelecida pela
cincia em meados do sculo XX, em 1953, quando o ingls Francis Crick (1916-)
e o norte-americano James Watson (1928-) descobriram como o DNA direciona o
desenvolvimento e o crescimento de todos os organismos vivos, iniciando a partir
da trabalhos de transferncia genes, ou segmentos de DNA, de um organismo
para outro, o que se viabilizou nos anos 80, com o aprimoramento da tcnica do
DNA recombinante8.
No entanto tem-se que a domesticao das plantas para uso na agricultura foi um
processo longo com profundas conseqncias na evoluo de muitas espcies.
Sabe-se que um dos resultados mais valiosos foi a criao de uma diversidade de
plantas que servem aos seres humanos e que, utilizando-se deste estoque de
variabilidade gentica atravs da seleo e cruzamentos, a "Revoluo Verde"
produziu muitas das variedades que so utilizadas em todo o mundo. Um bom
exemplo dessa reproduo seletiva foi a introduo de genes "ano" no arroz e no
trigo que junto com a aplicao de fertilizantes aumentaram de forma dramtica o
6 Vieira, Luiz Gonzaga Esteves. Organismos Geneticamente Modificados: uma tecnologia
controversa. Cincia Hoje, vol.34, n 203, 2004. pp.29. 7 Vieira, Luiz Gonzaga Esteves. Organismos Geneticamente Modificados: uma tecnologia
controversa. Cincia Hoje, vol.34, n 203, 2004. pp.30. 8 Vieira, Luiz Gonzaga Esteves. Organismos Geneticamente Modificados: uma tecnologia
controversa. Cincia Hoje, vol.34, n 203, 2004. pp.30.
10
rendimento de safras de alimentos tradicionais no subcontinente Indiano, na China
e em outras partes.9
de se notar que a preocupao com o meio ambiente era remota, restando
apenas a preocupao com o desenvolvimento agrcola e econmico. Isso pode
ser percebido no exemplo a seguir, onde a preocupao com a rentabilidade era a
premissa para a evoluo de determinada tcnica.
Uma das tecnologias mais importantes, que deram origem "Revoluo Verde"
foi o desenvolvimento de variedades de trigo semi-ano de alto rendimento. Os
genes responsveis pela reduo da altura foram genes NORIN 10 do Japo,
introduzidos nos trigais ocidentais na dcada de 1950 (genes insensveis a
giberelina que induzem o carter ano). Estes genes tinham dois benefcios: eles
produziam uma planta mais baixa, mais forte, que respondia ao fertilizante sem
cair, e aumentava o rendimento da safra diretamente reduzindo o alongamento
das clulas nas partes vegetativas, desta forma permitindo que a planta
desenvolvesse mais suas partes reprodutivas, que so comestveis.10 Esta
tcnica de produzir nanismo pode agora ser potencialmente utilizada para
aumentar a produtividade em quaisquer plantas onde o rendimento comercial est
em suas partes reprodutivas ao invs de suas partes vegetativas.
Diante do avano tecnolgico tem-se uma outra situao: a dificuldade de se
conseguir eliminar alguns dos problemas que mais atingem a agricultura, sejam
eles as pragas, o excesso do uso de pesticidas, as alteraes climticas e o
desgaste do solo, pois tudo leva a crer que apesar dos sucessos do passado, a
taxa do aumento das colheitas tem decrescido recentemente. O aumento da
colheita, que na dcada de 70 era de aproximadamente 3%, declinou na dcada
9 Relatrio de Emritas Academias de Cincias. Organizao Royal Society. www.abc.org.br.2000
10Relatrio Emritas Academias de Cincias: Plantas Transgnicas na agricultura. Organizado pela
Royal Society. www.abc.org.br. 2000
http://www.abc.org.br/
11
de 90 para aproximadamente 1% por ano (Conway et.al. 1999). Ainda persistem
fortes perdas de colheitas devido a influncias biticas e abitica. 11
de se notar que a diversidade gentica de algumas plantas tambm decresceu e
existem espcies sem contrapartida silvestre com as quais se poderiam cruzar. No
entanto, as tcnicas tradicionais de cruzamento de espcies esto sendo cada vez
menos utilizadas, apesar de serem reconhecidamente importante para a
preservao das espcies.
Essa situao gerou a busca por safras 100% produtivas, pelo melhoramento das
plantas, pela diminuio do uso de pesticidas e pelo aumento do lucro levou ao
desenvolvimento de novas tcnicas de aperfeioamento gentico, dentre elas a
biotecnologia.
A biotecnologia teve seu incio na dcada de 70, na Califrnia, com a transferncia
e expresso do gene da Insulina para a bactria Eschericia coli. A novidade
causou insegurana na comunidade cientfica que props uma moratria no uso
das tcnicas de engenharia gentica at que os mecanismos fossem adequados
para garantir o uso sem riscos para o homem e o meio ambiente. Como
conseqncia deste ato, foram criadas regras de biossegurana para uso da
biotecnologia em laboratrios.(Borm,2001:23)
Descobriu-se o papel da biotecnologia para a agricultura, fazendo apologia de
suas vantagens: o aumento da produtividade, a melhora da qualidade nutricional
das plantas, a reduo de custos de produo e a soluo para a fome
mundial.(Borm, 2001:23)
11
Royal Society . Relatrio Emritas Academias de Cincias: Plantas Transgnicas na agricultura. Londres, 2000
12
As primeiras plantas transgnicas comeam a ser, ento, testadas no incio da
dcada de 80. No Brasil, elas comeam a aparecer na dcada de 90, com a
abertura do mercado para as empresas estrangeiras.12
1.2 - O cenrio mundial
Na dcada de 90 estudos sobre os organismos geneticamente modificados
comeam a ser divulgados em congressos especializados, saindo dos laboratrios
e das estufas, para a mesa do cidado.13
Agricultores e governos de vrios pases apostam nas vantagens oferecidas14
pelas empresas de biotecnologia e abrem suas portas para os transgnicos,
visando lucro sem grande preocupao ambiental ou com a segurana alimentar.
Em pouco tempo, o cenrio mundial estava ento, dividido entre os pases que
plantam, comercializam, exportam, importam e consomem produtos
geneticamente modificados e os que so contrrios a essas prticas.
Os Estados Unidos liderava os pases consumidores de transgnicos, seguido
pelo Canad e Argentina, principalmente. A Europa mostrava-se conservadora, e
com parte de seu mercado fechado para os OGMs, especialmente a Frana e o
Reino Unido, este por ser um pas escaldado pela doena da vaca louca,
manteve-se em alerta, mas no ignorou a possibilidade. No mundo em
desenvolvimento, a ndia manteve-se em situao delicada, pois existiam produtos
geneticamente modificados em seu territrio, mas ao mesmo tempo, havia uma
movimentao interna radical dizendo no.
12
Artigo Recriando a vida publicado por Luiz Antonio Pinazza na Revista Agroanalysis FGV, 1999:16-17 13
SBPC divulga nota sobre a questo dos OGMS em 9 de julho de 2000. (www.sbpcnet.org.br) FSP, 05/08/1999 artigo escrito por Marcelo Leite: Estudo questiona eficcia de transgnicos JC/SBPC 1351 de 16/08/1999 por Domingos S. L. Soares: A defesa dos alimentos trasngenicos tem base cientfica questionvel 14
o aumento da produtividade, a melhora da qualidade nutricional das plantas, a reduo de custos de produo e a soluo para a fome mundial
http://www.sbpcnet.org.br/
13
Os Estados Unidos mostraram-se os maiores interessados em comprovar a
segurana ambiental e alimentar dos organismos geneticamente modificados; por
esta razo muitos estudos15 demonstrando essas seguranas ambiental e
alimentar, assim como a possibilidade de lucratividade com os OGMs vieram das
Universidades americanas. Os Estados Unidos tambm foram os pioneiros na
exportao de produtos industrializados contendo transgnicos, exportando
inclusive, para o Brasil.
Na Europa ativistas radicais contrrios aos transgnicos fizeram manifestaes e
manifestos, chegando a fechar fbricas produtoras de alimentos e sementes
contendo OGMs, afirmando que os testes no eram suficientes, e que no havia
certeza cientfica. Muitas organizaes no-governamentais alegaram que os
transgnicos poderiam causar alergias ou danificar o sistema imunolgico,
transmitir seus genes a outras espcies, gerando superpragas e ainda, que genes
das sementes modificadas poderiam afetar animais e insetos importantes ao
equilbrio do ambiente.
Essa discusso sobre a segurana dos OGMs se faz atual, uma vez que os muitos
estudos realizados ainda no conseguiram garanti-la. No entanto, as reas
plantadas com transgnicos no mundo aumentaram consideravelmente nos
ltimos anos.
O Servio Internacional para a Aquisio de Aplicaes Agrobiotecnolgicas -
ISAAA1617 publicou em janeiro de 2003, um relatrio mostrando que a rea
15 Update on the Adoption and De-Adoption of GMO Crop Varieties in Wisconsin. Wisconsin Farm Research Summary Summaries of research from the Program on Agricultural Technology Studies: No. 6, August, 2001 Statement of Michael F. Jacobson, Ph.D., Executive Director, Center for Science in the Public Interest
to the Food and Drug Administration - Chicago, Illinois November 18, 1999 : In summary, biotechnology could offer real benefits. Whether those benefits are realized depends, in part, on whether the FDA establishes new approval and labeling requirements that maximize public confidence. 16
International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications ISAAA (www.isaaa.org/pressrelease/GAJan2003port.htm)
14
plantada em nvel global de lavouras aprimoradas pela biotecnologia obteve
aumento de 12% ou de 6,1 milhes de hectares em 2002. (ISAAA, 2003:1)
Esse relatrio demonstrou que mais de um quinto da rea plantada em nvel
global das lavouras de soja, milho, algodo e canola so agora de produtos da
biotecnologia. Isso significa que cerca de 6 milhes de agricultores em 16 pases
optaram por plantar lavouras de produtos da biotecnologia em 2002 em contraste
com os 5 milhes de agricultores de 13 pases em 2001. Mais de trs quartos
destes agricultores eram fazendeiros com poucos recursos em pases em
desenvolvimento(ISAAA, 2003:1)
O referido relatrio mostra um crescimento acelerado das lavouras de
transgnicos pelo mundo, mas ainda assim, interessante ressaltar que o
interesse econmico predomina sobre as questes scio-ambientais.
1.3 Um panorama dos Organismos Geneticamente Modificados nos 5
maiores produtores do mundo: Estados Unidos, Canad, China, Argentina e
Brasil.
Para compor o panorama foram escolhidos os cinco maiores produtores de
transgnicos, sendo eles: Estados Unidos, Canad, China, Argentina e Brasil, de
acordo com o ISAAA (2004). Importante ressaltar que a pesquisa foi feita de
maneira a abranger os sistemas regulatrios de cada um dos pases, numa viso
geral, exceto quando se trata do Brasil.
O Brasil ser tratado de maneira particular, uma vez que os atores e conflitos a
serem discutidos neste captulo enfatizam a situao brasileira.
17
O Servio Internacional para a Aquisio de Aplicaes Agrobiotecnolgicas (International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications ISAAA) uma organizao sem fins lucrativos com uma rede internacional de centros concebidos para contribuir para o alvio da fome e da pobreza no mundo por meio do compartilhamento de aplicaes de lavouras de produtos da biotecnologia.
15
1.3.1 - Estados Unidos
O sistema regulatrio que trata da questo da anlise dos produtos da
biotecnologia nos Estados Unidos formado por trs agncias governamentais, o
Servio de Inspeo de Sade Animal e Vegetal do Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos USDA/APHASIS18, a Agncia de Proteo Ambiental
EPA19 e o Departamento de Servios Humanos e de Sade da Administrao de
Alimentos e Medicamentos FDA20. Dependendo da caracterstica do produto, ele
ser analisado por uma ou mais dessas agncias.21
Por exemplo, o caso de uma planta geneticamente modificada que produz um
pesticida em seu prprio tecido dever ser analisado pelas trs agncias
reguladoras: USDA/APHASIS, EPA e FDA. Um exemplo comum deste tipo de
produto o milho Bt, pois o gene do Bacillus thunrigiensis(Bt) contm um cdigo
de um pesticida e quando este gene inserido na planta, a planta pode produzir a
substncia pesticida para atacar o Bt.22
O exemplo do milho Bt ser utilizado apenas para facilitar o entendimento,
esclarecer as competncias e demonstrar rea de atuao de cada uma das
agncias reguladoras.
A USDA/APHASIS de acordo com o Plano de Ao e Proteo regulamenta o
milho como um artigo regulado, baseado nos procedimentos usados na
introduo ou na expresso do gene Bt. A USDA/APHASIS comea a agir cedo no
ciclo de desenvolvimento e continua at que seja devidamente comprovada que
uma determinada planta no uma planta pesticida, ou seja, a toxicidade no
agride o meio ambiente nem a sade humana. Outras funes da USDA/APHASIS
18
U.S. Department of Agricultures Animal and Plant Health Inspection Service. 19
U.S. Environmental Protection Agency. 20
Department of Health and Human ServicesFood and Drug Administration. 21
www.aphasis.usda.gov/brs - Traduo livre. 22
www.aphasis.usda.gov/brs - Traduo livre.
http://www.aphasis.usda.gov/brshttp://www.aphasis.usda.gov/brs
16
so verificar o transporte, a importao, o teste de campo e a disposio da planta
no meio ambiente.23
A EPA regula a distribuio, a venda, o uso e os teste das substncias pesticida.
Por exemplo, no caso do milho Bt, a EPA regula o Bt porque ele um pesticida. A
EPA geralmente controla os testes em campo de pesticidas at que seja dada a
Permisso para o Uso Experimental. Para vender de maneira legalizada ou
distribuir o produto para a comercializao, a empresa deve registrar seu produto-
pesticida na EPA. Durante o registro a EPA estabelece as condies comerciais e
de uso. A EPA tambm responsvel pela determinao da quantidade e dos
nveis de segurana dos resduos de pesticidas para alimentao. Pode haver
uma exceo, quando ficar demonstrado que no h risco de associao entre o
pesticida da planta e o produto alimentar gerado.24
Os produtores de plantas contendo Bt tambm podem consultar o FDA para os
casos de verificao da composio nutricional ou dos nveis de toxicidade das
plantas. Apesar desta consulta ser voluntria, todos os produtos alimentares
passam por ela. O processo de consulta pelo FDA serve para demonstrar a
segurana do alimento, incluindo a rotulagem, prioridades para que a distribuio
comercial ocorra.25
1.3.2 - Canad
No Canad o sistema regulatrio foi criado em 1983 e alterado em 1997. O
Ministro da Indstria foi convocado em maro de 1997 para coordenar um trabalho
federal de reviso do quadro poltico e da estrutura institucional criada em 1983
com o nome de Estratgia Nacional de Biotecnologia, hoje chamado Estratgia
Canadense em Biotecnologia CBS.26
23
www.aphasis.usda.gov/brs - Traduo livre. 24
www.aphasis.usda.gov/brs - Traduo livre. 25
www.aphasis.usda.gov/brs - Traduo livre. 26
http://strategis.ic.gc.ca/cbs - Traduo livre.
http://www.aphasis.usda.gov/brshttp://www.aphasis.usda.gov/brshttp://www.aphasis.usda.gov/brshttp://strategis.ic.gc.ca/cbs
17
Para a implantao da Estratgia Canadense de Biotecnologia, foi formada uma
comisso para coordenar a renovao e implementao dos esforos dos
Departamentos da Indstria, Sade, Meio Ambiente, Agricultura e Agroalimentar
(e a Agncia Canadense de Vigilncia Alimentar), Recursos Naturais, Pesca e
Oceanos, Relaes Internacionais e Comrcio Internacional. Essa fora tarefa
envolveu uma srie de reunies e estudos, inclusive com a participao de
organizaes no governamentais e cidados.27
No final dos anos 80 o governo enfatizou a quadro regulatrio e a partir de 1990,
como a biotecnologia comeou a fazer parte do mercado, a ateno voltou-se para
o consumidor e para outras polticas de interesse.
Tem-se no Canad um quadro regulatrio formado por diferentes rgos do
governo que tm a responsabilidade de decidir sobre a questo dos OGMs,
utilizando-se da Estratgia Canadense de Biotecnolgia, que pode ser considerada
como diretriz para decises relacionadas aos produtos da biotecnologia.
A viso da Estratgia Canadense de Biotecnologia melhorar a qualidade de vida
dos canadenses em termos de sade, segurana, com desenvolvimento
ambiental, social e econmico colocando o Canad como lder em biotecnologia.28
Os princpios centrais que refletem os valores canadenses so: dilogo aberto e
transparente; promoo do desenvolvimento sustentvel; competitividade, sade
pblica; excelncia cientfica e inovao econmica e encorajamento de aes
responsveis e de cooperao internas e internacionais.29
27
http://strategis.ic.gc.ca/cbs - Traduo livre. 28
http://strategis.ic.gc.ca/cbs - Traduo livre. 29
http://strategis.ic.gc.ca/cbs - Traduo livre.
http://strategis.ic.gc.ca/cbshttp://strategis.ic.gc.ca/cbshttp://strategis.ic.gc.ca/cbs
18
1.3.3 China
O governo da China tem prestado mais ateno na conservao e na
sustentabilidade do uso da biodiversidade e tambm com a segurana dos
organismos geneticamente modificados (OGMs).30
Nos ltimos 10 anos, muitas atividades importantes foram feitas na internalizao
da Conveno da Biodiversidade (CDB) no sistema chins. Foi criado o Plano de
Ao da Conservao da Biodiversidade da China e foram publicados trs livros
intitulados The Report of Country Study on Biodiversity31, Information Network
and Data Management on Biodiversity32 e National Biosafety Framework of
China33, com a inteno de interiorizar as exigncias da CDB.34
Nesse processo de implementao da Conveno da Biodiversidade, foi criado o
Grupo Nacional de Coordenao para a Implementao da Conveno da
Biodiversidade35 em 1993. O grupo formado por 20 departamentos, dentre eles,
Ministrio da Educao, Ministrio da Construo, Ministrio da Cincia e
Tecnologia, Ministrio da Agricultura, entre outros36.
O Grupo Nacional de Coordenao para a Implementao da Conveno da
Biodiversidade traou trs diretrizes para o controle dos OGMs, sendo que a
primeira delas a avaliao de risco e, de acordo com Ministrio da Agricultura,
cinqenta e cinco projetos para julgamento, anlise ambiental e comercializao
foram recebidos em 1997, sessenta e oito em 1998 e setenta e dois em 1999. Em
2000, 6 variedades, como por exemplo algodo, tomate e pimenta transgnicos,
foram plantados em escala comercial. Foram plantados cerca de 10 mil hectares
30
www.iucn.org - Traduo livre. 31
Sem traduo para o Portugus. Este livro foi submetido UNEP Programa de Desenvolvimento Ambiental das Naes Unidas. 32
Sem traduo para o Portugus. Este livro foi submetido UNEP Programa de Desenvolvimento Ambiental das Naes Unidas. 33
Sem traduo para o Portugus. 34
www.iucn.org - Traduo livre. 35
Traduo livre. 36
www.iucn.org - Traduo livre.
http://www.iucn.org/http://www.iucn.org/http://www.iucn.org/
19
de transgnicos em 1998, cerca de 140 mil hectares em 1999 e 340 mil hectares
no ano 2000 de algodo transgnico. Todos passaram pela avaliao de risco.37
A segunda diretriz o monitoramento do impacto dos OGMs, incluindo o
comportamento ambiental e o efeito ecolgico dos produtos transgnicos, ou seja,
a influncia dos transgnicos na cadeia alimentar e na transferncia gnica nas
espcies naturais em nvel nacional.38
A terceira diretriz est relacionada com a previso de controle de danos causados
pelos OGMs, incluindo desenvolvimento e aplicao de modelos que podem
prever os potenciais danos ambientais, com tecnologias de preveno e controle
entre outras tcnicas de conteno de dano.39
Na China, os recursos biolgicos so coordenados pelos departamentos ligados
ao Governo Federal. O Ministrio da Agricultura o encarregado das plantaes,
dos animais domsticos, das paisagens e da pesca; a Administrao Nacional de
Florestas - SFA responsvel pelas florestas e pela vida selvagem; a
Administrao Nacional Ocenica - SOA responsvel pelos recursos biolgicos
marinhos; a Administrao Nacional de Proteo Ambiental - SEPA responsvel
pela maioria dos assuntos ambientais e o Ministrio da Cincia e Tecnologia -
MOST responsvel pelo desenvolvimento e pesquisa em biotecnologia.40
Baseada na reforma institucional formulada pelo Governo Federal em 1998, a
Administrao Nacional de Proteo Ambiental SEPA foi definida como a
autoridade competente para gerenciar a questo da biossegurana. Consta que
est preparando a legislao de biossegurana do pas, a qual define as
responsabilidades e os direitos dos diferentes departamentos sobre a questo dos
OGMs. At o presente momento, a SEPA responsvel por representar a China
37
www.iucn.org - Traduo livre. 38
www.iucn.org - Traduo livre. 39
www.iucn.org - Traduo livre. 40
www.iucn.org - Traduo livre.
http://www.iucn.org/http://www.iucn.org/http://www.iucn.org/http://www.iucn.org/
20
junto ao secretariado da Conveno da Biodiversidade, como autoridade
competente junto ao Protocolo de Cartagena. Ao mesmo tempo, a SEPA
responsvel pela superviso das atividades internas ligadas aos OGMs,
juntamente com outros departamentos.41
1.3.4 Argentina
O processo regulatrio na Argentina conta com trs etapas. A primeira a
avaliao de impacto ambiental, cuja competncia para anlise da Comisso
Nacional de Biotecnologia Agropecuria - CONABIA. Sua tarefa fazer, dentro de
um conceito multidisciplinar, a anlise do risco correspondente. Uma segunda
etapa a avaliao de inocuidade alimentar para consumo humano e animal, que
responsabilidade da Servio Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar -
SENASA. A terceira etapa a avaliao do potencial impacto sobre os mercados
exportadores, em especial, devido ao perfil agro-exportador do pas. Os debates
que existem no comrcio mundial sobre o tema dos transgnicos fizeram com que,
no ano de 96, se pensasse na realizao de uma evoluo comercial anterior
evoluo de mercado de produo. Este ltimo passo concretizou a Direo
Nacional de Mercados Agroalimentares, dependente da Secretaria de Agricultura.
A diferena do que acontece nos outros pases que a Argentina colocou no
mercado os produtos que j haviam sido aprovados pela Unio Europia, que
seu maior comprador.
A avaliao de impacto dos organismos geneticamente modificados na Argentina
faz parte de um processo de biossegurana nacional, que comea com o trabalho
da Comisso Nacional de Biotecnologia Agropecuria CONABIA, que um
rgo assessor do secretrio da Agricultura e que faz parte desse sistema de
biossegurana. Seu objetivo pontual analisar os potenciais impactos dos
organismos geneticamente modificados sobre o meio ambiente. Na realidade,
41
www.iucn.org - Traduo livre.
http://www.iucn.org/
21
parte do processo de autorizao e liberao para o mercado de materiais
vegetais e animais que tenha passado pela engenharia gentica42.
A avaliao de impacto ambiental na Argentina, analisa todo o desenvolvimento
do produto, da investigao at a liberao comercial. Esta anlise feita caso a
caso e passo a passo, pois cada evento em transformao avaliado. A avaliao
no feita de maneira genrica, pois requer autorizao dos pases parceiros,
cada um com sua exigncia particular.43
Com relao a Argentina, interessante notar que os produtos geneticamente
modificados existentes em seu territrio, so a soja, com tolerncia ao glifosato,
milho com tolerncia a glufisinato de amnio e tambm a insetos, e algodo
resistente a insetos. As cifras revelam que em que pesem os esforos a apoios a
outros ramos industriais, por sua competitividade natural no setor de alimentos e
bebidas, aquele e continuar sendo, o grande motor da economia Argentina.44
Fazendo um paralelo com a situao brasileira, especialmente por se tratar de
pas vizinho, vale informar que a Argentina entrou na era dos organismos
geneticamente modificados com a liberao para o mercado da semente de soja
transgnica, Roundup Ready45 que representa a resistncia ao herbicida
Roundup Ready, que permite ao produtor baixar entre 15 e 20% de seus custos
com as sementes no transgnicas. A mesma situao ser verificada no caso do
Brasil.
42
www.porquebiotecnologia.org.ar - Traduo livre. 43
www.porquebiotecnologia.org.ar - Traduo livre. 44
www.porquebiotecnologia.org.ar - Traduo livre. 45
Marca registrada da Monsanto.
http://www.porquebiotecnologia.org.ar/http://www.porquebiotecnologia.org.ar/http://www.porquebiotecnologia.org.ar/
22
1.4 Brasil: o histrico da situao regulatria
Como foco principal do presente trabalho, o Brasil ter um tratamento diferenciado
dos pases anteriormente citados.
A primeira preocupao jurdica com a introduo dos OGMs no Brasil consta da
Constituio Federal de 1988 que trata do tema de maneira preventiva e genrica.
A Constituio Federal traz no caput do artigo 225 uma preocupao com o meio
ambiente, com as presentes e futuras geraes: Todos tm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de
defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. Tratando de
obrigao imposta ao poder pblico, elenca no pargrafo 1o., II preservar a
diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as
entidades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico
O desenvolvimento e a utilizao da biotecnologia no mundo crescente e com a
abertura do mercado brasileiro para a entrada das grandes empresas sementeiras
internacionais, em decorrncia ratificao da Conveno da Biodiversidade, o
Brasil se v obrigado a regular a questo dos organismos geneticamente
modificados, eis a publicao da Lei n 8.974/95 que estabelece normas para o
uso das tcnicas de engenharia gentica e liberao no meio ambiente de
organismos geneticamente modificados e autoriza a criao da Comisso Tcnica
Nacional de Biossegurana, a CTNBio, e o Decreto n 1.752/95 que regulamenta a
referida Lei, dispondo ainda, sobre a vinculao, competncia e composio da
CTNBio46.
46
composta por 36 membros titulares e suplentes, 16 dos quais especialistas de notrio saber cientfico e tcnico, alm de representantes de rgos legalmente constitudos de defesa do consumidor e da sade do trabalhador, do setor empresarial de biotecnologia e dos Ministrios da Cincia e Tecnologia, Agricultura, Pecuria e Abastecimento, Sade, Meio Ambiente, Educao e Relaes Exteriores.
23
A CTNBio47 foi criada com a finalidade de prestar apoio tcnico consultivo e de
assessoramento ao Governo Federal na formulao, atualizao e implementao
da Poltica Nacional de Biossegurana relativa a Organismos Geneticamente
Modificados - OGMs, bem como no estabelecimento de normas tcnicas de
segurana e pareceres referentes proteo da sade humana e do meio
ambiente, para atividades que envolvam a construo, experimentao, cultivo,
manipulao, transporte, comercializao, consumo, armazenamento, liberao e
descarte de OGMs e derivados.
As empresas sementeiras comeam a manifestar seu interesse no plantio
comercial da soja transgnica e na comercializao das sementes. As
Organizaes No-Governamentais ONGs manifestam-se contrrias e o
Governo Federal comea a sofrer presses a favor e contra a liberao da soja
transgncia.
Especificamente em 1998, a CTNBio com parecer conclusivo de que no h
evidncias de riscos sade humana ou animal, aprovou a liberao do plantio
comercial da soja transgnica no Brasil, com votao favorvel de quase todos
seus membros, exceto de um nico voto contrrio e uma absteno. Determinou,
contudo, que o plantio fosse monitorado por 5 anos pela empresa proprietria das
sementes a Monsanto, sob superviso dos tcnicos da CTNBio.
O cenrio comea a ser traado e os atores definidos. O Instituto de Defesa do
Consumidor IDEC ajuizou uma Medida Cautelar com Pedido de Liminar48 e em
seguida Ao Civil Pblica49, pleiteando a suspenso da autorizao para o cultivo
da soja geneticamente modificada com base na ausncia de Estudo Prvio de
Impacto Ambiental (EIA) para autorizar a liberao da soja transgnica.
47
Lei 8.794, de 05 de janeiro de 1995, art. 1, A 48
Processo Pblico no. 1998.34.00.027681-8, 6a.Vara Federal do Distrito Federal
49 Processo Pblico no. 1998.34.00.027682-0, 6
a.Vara Federal do Distrito Federal
24
Nesse mesmo momento a Organizao No-Governamental, Greenpeace comea
suas manifestao no sentido de informar populao sobre os alimentos
industrializados que contm transgnicos em sua formulao. E ainda,
participando e organizando campanhas contrrias deciso da CTNBio, apoiando
o IDEC no processo judicial.
Outro ator importante o Ministrio Pblico Federal MPF, que passa a integrar o
processo manifestando-se em dois momentos, o primeiro em 1998 pedindo que a
Ao Cautelar e a Ao Civil Pblica passassem para a jurisdio da 6 Vara
Federal de Braslia, em virtude da conexo entre as causas de pedir desses autos
com os da Ao Civil Pblica ajuizada pela ONG Greenpeace naquele Juzo
contra a Unio Federal (CTNBio)50.
A participao das ONGs neste momento muito forte. Nota-se uma organizao
e uma interao com a sociedade e com o Ministrio Pblico Federal, foi uma das
grandes demonstraes da importncia e da influncia da sociedade civil num
processo de deciso.
A outra manifestao do MPF ocorreu em 1999, quando os Procuradores da
Repblica reiteraram a exigncia de apresentao de Estudo Prvio de Impacto
Ambiental na forma do art. 225, inciso IV da Constituio Federal, como condio
indispensvel para o plantio, em escala comercial, da soja Roundup Ready5152.
Neste momento, o MPF exigiu que as empresas constantes do processo fossem
impedidas de comercializar as sementes da soja geneticamente modificadas, at
que fossem regulamentadas e definidas pelo poder pblico as normas de
biossegurana e de rotulagem dos OGMs.
50
manifestao do Ministrio Pblico Federal, em nome de seu Procurador Dr. Aurlio Virgilio Veiga Rios, nos autos da Ao Cautelar e Ao Civil Pblica, em 23 de novembro de 1998. 51
Marca registrada da empresa Monsanto 52
manifestao do Ministrio Pblico Federal, em nome de seu Procurador Dr. Aurlio Virgilio Veiga Rios e Alexandre Camanho de Assis, nos autos da Ao Cautelar e Ao Civil Pblica, em 07 de junho de 1999.
25
Em 1999, a Justia Federal prolatou sentena determinando a proibio do plantio
e comercializao da soja geneticamente modificada Roundup Ready53 at a
realizao do Estudo Prvio de Impacto Ambiental e a elaborao de normas de
segurana alimentar e de rotulagem desses produtos.54
At este momento, so os seguintes os atores envolvidos: as empresas de
biotecnologia, as Organizaes No-Governamentais - ONGs, a Unio Federal, o
Ministrio Pblico Federal e a Magistratura.
Surge a partir deste processo judicial um importante ator, a mdia. A mdia
mostrou-se interessada pelo assunto e teve participao constante na tentativa de
informar de maneira imparcial os acontecimentos que norteavam aquele momento
brasileiro, veiculando muitas notcias explicando o que era um OGM, como era
feito, quais os riscos, quem eram os envolvidos, oferecendo espao para todos os
lados se manifestarem.
neste momento que a comunidade acadmica comea a aparecer e colocar sua
opinio de experts sobre o assunto. Muitos estudos foram divulgados, mostrando
os perigos e riscos dos OGMs e, em contrapartida, a segurana e os benefcios.55
A sociedade comea a se manifestar atravs das Organizaes No-
Governamentais - ONGs, exigindo a rotulagem com informao clara e simples e,
com questionamentos sobre o futuro dos pequenos agricultores, neste mercado
marcado pela monocultura e pelo domnio da sementes.56
53
Marca registrada Monsanto. 54
www.idec.org.br 55
Parecer do Prof. Dr. Guido Fernando Silva Soares em favor da empresa Monsanto. Organismos Geneticamente Modificados, a legislao brasileira, princpios e normas do direito internacional do meio ambiente ABIA, So Paulo, 2002. pp 35-130 56
A soja transgnica e o poder - por Rogrio Csar de Cerqueira Leite, para Folha de S.Paulo - 02/07/1999. Transgnicos marginaliza pases pobres - Multinacionais que desenvolvem os OGMs tm o direito de propriedade - Jornal do Brasil de 09/08/1999 Transgnicos, um salto no escuro entrevista de David Hathaway para a Revista Caros Amigos,edio 55, 2001 Temor do consumidores provoca crise nos produtos transgnicos JC/SBPC 136 de 01/0/1999
26
No perodo de 1998 a 2003, enquanto esse processo judicial continua em
tramitao, muitos agricultores brasileiros insistiram no plantio clandestino e ilegal
da soja transgnica. Este ato fez com que o Governo Federal, pressionado pelos
grandes produtores de soja e pela empresas de biotecnologia, liberasse a
comercializao da safra de 2003.
Em outubro de 2003 comeou a tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei
n 2.401/03, que j foi aprovado pela Cmara dos Deputados e aguarda a votao
no Senado Federal. Este Projeto de Lei visa a substituio da Lei n 8.974/95,
modificada posteriormente pela Medida Provisria n 2.191-9/01.
O julgamento de mrito da Ao Civil Pblica aconteceu no dia 28/06/04, e
deciso reconhecendo a legalidade da atuao da CTNBio em dar pareceres
tcnicos sobre a liberao comercial dos OGMs e a necessidade da realizao de
Estudo de Impacto Ambiental antes da liberao da soja.57
Diante do teor da referida sentena fica claro que as novas regras esto sendo
elaboradas para que haja segurana biolgica, ou biossegurana, na engenharia
gentica, com o objetivo de se avanar na rea de biotecnologia sem agredir a
sade humana, animal e vegetal, protegendo-se a vida e o meio ambiente.58
A questo da rotulagem foi regulamentada em 2003, no entanto no h produtos
vista nos supermercados com a indicao contm transgnicos. Em maro de
2004, o Ministrio da Justia determinou que todo produto contendo 1% (um por
cento) de composio transgnica deve ser identificado com um tringulo de fundo
amarelo e a responsabilidade pela fiscalizao dos Estados e Municpios com o
auxlio do Procon Programa de Defesa do Consumidor. Com essa atitude o
Governo Federal acredita estar respeitando o direito do consumidor informao,
no entanto ao retirar a responsabilidade de fiscalizao da Agncia Nacional de
57
www.trf1.gov.br 58
Machado, Paulo Affonso Leme. Transgnicos: o controle legal.Cincia hoje, vol. 34, n 203. pp.43.
27
Vigilncia Sanitria ANVISA, mostra sua despreocupao com a segurana
alimentar.59
1.5 A configurao dos grupos de interesse no Brasil
A continuao deste estudo a descrio dos atores e de seus papis na
discusso que segue no Brasil. Uma abordagem nacional com repercusso
internacional, mostrando como este cenrio influenciou na elaborao e
aprovao da Resoluo CONAMA 305/2002 que trata da questo do
Licenciamento dos OGMs, da Medida Provisria n 113, de 26 de maro de 200360
e de sua converso na Lei n 10.688, de 13 de junho de 200361, que estabelece
normas para a comercializao da produo de soja da safra 2003; da Medida
Provisria n 131, de 25 de setembro de 200362 e de sua converso na Lei n
10.814, de 15 de dezembro de 200363, que estabelece normas para a
comercializao da produo de soja da safra 2004 e a elaborao do Projeto de
Lei n 2.401/03, que estabelece normas de segurana, mecanismos de
fiscalizao de atividades que envolvam OGMs e seus derivados, cria o Conselho
nacional de Biossegurana CNBS, reestrutura a Comisso Tcnica Nacional de
Biossegurana CTNBio, dispondo sobre a Poltica Nacional de Biossegurana e
d outras providncias.
Diante do histrico tem-se alguns atores pontuais: o Governo Federal, os
Ministrios do Meio Ambiente, da Agricultura e da Sade, a CTNBio, o Poder
Judicrio, as empresas sementeiras, os agricultores, as Organizaes No-
Governamentais - ONGs, a academia e a mdia.
Ao Governo Federal coube a misso de definir a liberao das safras de soja
transgnica que foram plantadas de maneira ilegal, ou seja, contrariando as
59
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2004/jul/26/10.htm 60
Trata da liberao comercial da safra de 2003 de soja transgnica. 61
Estabelece normas para a comercializao da safra 2003 da soja transgnica. 62
Trata da liberao comercial da safra de 2004 de soja transgnica. 63
Estabelece normas para a comercializao da safra 2004 da soja transgnica.
28
exigncias da Lei 8.974/95 e, especialmente, da Constituio Federal, que exige a
elaborao de Estudo de Impacto Ambiental para as atividades potencialmente
degradadoras e/ou poluidoras ao meio ambiente.
Essa atitude do Governo Federal gerou grande insatisfao por parte das
Organizaes No-Governamentais e de alguns membros do Poder Judicirio,
pois, de acordo com seus entendimentos, as Medidas Provisrias, convertidas em
Lei, que liberaram as safras de 2003 e 2004, so inconstitucionais e concederam
anistia penal, paralisando inmeros processos em tramitao na Justia, at
mesmo contra os acusados de contrabandear sementes de outros pases.64 Por
outro lado, a atitude do Governo Federal foi satisfatria para os agricultores,
abrindo um precedente para as safras seguintes.
Sabe-se que as sementes so patenteadas e, portanto, as empresas sementeiras
recebem os royalties a cada venda; isso no aconteceu no Brasil, pois as
sementes geradoras das safras 2003/2004 eram ilegais.
Todo esse cenrio foi aproveitado pelas empresas sementeiras que viram a
oportunidade de fazer propaganda sobre seu produto, na tentativa de mostrar
sociedade que os transgnicos trariam um mundo melhor65.
Entraram em cena novamente as ONGs que conseguiram fazer com que a
propaganda fosse proibida de veicular e que sofresse alteraes em seu
contedo.66
64
Gallucci, Maringela. Procurador insiste em ao no STF contra transgnicos. www.estadao.com.br. 07/05/2004 65
Revista da Folha. N 600, ano 12, 24/12/2003. pp7.
http://www.estadao.com.br/
29
Para as ONGs, a campanha transmitia afirmaes cientficas passveis de dvidas
e que no se coadunam com a realidade.67 O resultado dessa manifestao foi a
retirada de circulao do referido anncio, at que seu texto seja alterado. Nota-se
que a atuao das ONGs no tocante aos transgnicos continua forte e organizada.
CTNBio coube elaborao de pareceres tcnicos aps uma anlise detalhada
dos projetos envolvendo os OGMs que lhe so encaminhados. Com o advento do
Projeto de Lei 2.401/03, a CTNBio passa a ter novas responsabilidades,
conservando o poder para emitir pareceres tcnicos sobre o uso comercial dos
OGMs, ganhando atribuies de autorizar, registrar e acompanhar as atividades
de pesquisa com OGMs ou seus derivados68.
Estudos e projetos esto sendo desenvolvidos pela comunidade cientfica
brasileira notadamente pela Universidades e pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuria EMBRAPA, no sentido de aprimorar as tcnicas e garantir a
segurana alimentar e ambiental.69
66
Agncia Estado on line. Conar suspende campanha da Monsanto. 10/02/04. www.estadao.com.br 67
Idec: nova vitria contra a Monsanto no Conar. 26/05/04. www.idec.org.br. 68
Machado, Paulo Affonso Leme. Transgnicos: o controle legal.Cincia hoje, vol. 34, n 203. pp.43. 69
Cincia hoje, vol. 34, n 203.
30
Captulo 2
Biotecnologia: atualidade e relevncia
2.1 Definies sobre Biotecnologia
Conforme definido pela Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana - CTNBio:
biotecnologia um processo tecnolgico que permite a utilizao de material
biolgico para fins industriais. Tal manipulao pode gerar, entre outros produtos,
organismos geneticamente modificados (OGM).
Entre os diversos organismos geneticamente modificados produzidos, alguns
podem ser utilizados para cultivo ou criao fora de laboratrios, em meios
controlados ou no. A criao ou cultivo de OGMs em meio externo passvel de
licenciamento ambiental, sendo portanto objeto desta dissertao. Como OGMs
criados ou cultivados em meio externo podem ser citados todos aqueles utilizados
comumente na prtica agropecuria.
Alm da definio aceita pela CTNBio, a biotecnologia pode ser entendida atravs
de sua utilizao mais conhecida, uma ferramenta para melhorar a vida do
homem, atravs do melhoramento gentico de plantas, animais e
microorganismos (vrus e bactrias) que podem ser utilizados como biofbricas
para elaborao de novos remdios ou como instrumento para promover o
aumento de produtividade de culturas agrcolas ou espcies de cultivo.
31
Para alguns defensores70 favorveis aos OGMs, eles podem acabar com a fome
do mundo e ser utilizados para a conservao dos recursos naturais, uma vez
que aumentam a produtividade de culturas agrcolas e eventualmente podem
apresentar impactos ambientais menores que as monoculturas tradicionais .
Para os estudiosos da Universidade de New South Wales na Austrlia, a
Biotecnologia uma cincia aplicada que visa aproveitar a capacidade biolgica
natural de clulas virais, bacterianas, de plantas e de animais para o benefcio das
pessoas71. (2003:1)
Uma outra interpretao do termo dada por Peters e diz que biotecnologia se
refere ao uso de vrios organismos vivos ou seus produtos para modificar a sade
humana e o meio ambiente humano72. (2003:1)
Lajolo e Nutti explicam que os genes so elementos presentes no ncleo das
clulas que contm, codificadas, todas as informaes necessrias vida o
cdigo gentico que ser transmitido aos descendentes. (2003:23)
Segundo os mesmos autores, a biotecnologia ou a engenharia gentica permite
transferir um gene de um organismo para outro, mesmo de espcies diferentes,
70
Desinformao e interesses rondam os transgnicos, de Adriana Resende para Folha Online, 13/07/2000. A agroecologia o nico meio que pode permitir que o pobre seja produtivo, Helena Boucinhas e Leandro Brixius entrevistados por Peter Rosset. www.emater.tche.br/docs/agroeco/revista/ ano3_n3/revista11_entrevista_rosset.pdf
71
Traduo livre 72
Traduo livre
32
sem o emprego dos processos normais de reproduo. Esse gene transferido
pode conferir suas propriedades ao organismos que os recebem.
Num artigo escrito para a Revista Cincia Hoje, Vieira73 diz que: o termo
biotecnologia pode ser definido como a aplicao de tcnicas biolgicas em
organismos vivos, ou suas partes, para obter um produto, processo ou servio.
Esse termo abrange uma ampla relao de tcnicas, a maioria relacionada com os
recentes avanos das pesquisas em biologia molecular e celular, visando a
aplicaes tecnolgicas.
E continua explicando que historicamente, o termo biotecnologia vem sendo
usado desde o princpio do sculo 20, podendo englobar tcnicas j tradicionais,
como as fermentaes, at as mais recentes, como cultura de tecidos, anticorpos
monoclonais, anlise de DNA (desde marcadores moleculares at
sequenciamento de genes) e engenharia gentica. A chamada biotecnologia
moderna pode ser considerada uma nova verso dos processos que vm sendo
utilizados h bastante tempo para aumentar a produtividade na agricultura,
melhorar a segurana alimentar e produzir alimentos melhores e mais
nutritivos.(Vieira, 2004)
73
VIEIRA, LUIZ GONZAGA ESTEVES. Organismos geneticamente modificados: tecnologia controversa. Cincia Hoje, 2004:34(203)abr., pp.29.
33
2.2 Os transgnicos
Os organismos geneticamente modificados, ou transgnicos como so chamados,
so aqueles que tiveram introduzidos entre seus genes um novo gene ou
fragmento de DNA, pelo processo do DNA recombinante, mais conhecido como
engenharia gentica.(2003:23)
A introduo de um novo fragmento de DNA cria uma espcie com caractersticas
morfolgicas e ecolgicas novas, ou seja, cria uma espcie nova, que ser
introduzida no meio ambiente. Os impactos ambientais decorrentes da introduo
desta nova espcie devem ser analisados de maneira similar queles referentes
introduo de uma espcie extica, no transgnica, no meio ambiente.
Na tentativa de definir o processo do DNA recombinante utilizado para a
produo de um transgnico foram utilizados autores brasileiros que explicam o
assunto de forma simples e objetiva.
No entanto, outros estudos esto sendo analisados, como por exemplo o
realizado pela Flanders InterUniversity Institute for Biotechnology: 2001, Mae-Wan
Ho: 1999, Escape Gnico e Transgnicos: 2001
O processo do DNA recombinante pode ser explicado atravs da expresso
gnica que se d em nvel molecular. Para simplificar o entendimento deve-se
esclarecer que os genes so fitas duplas de DNA formadas por milhares de
34
nucleotdeos, de quatro tipos diferentes, em seqncias muito especficas. Essas
longas molculas se enovelam junto com as protenas formando os cromossomos,
presentes nos ncleos das clulas. (Lajolo e Nutti, 2003: 18)
Neste processo de expresso gnica, existe uma etapa denominada transcrio,
na qual o cdigo contido no DNA copiado para o RNA mensageiro (RNAm74),
por uma enzima chamada RNA polimerase. Nesta etapa formado o RNAm75 que
sai do ncleo celular e vai para o citoplasma, onde as informaes so
decodificadas pelos ribossomos no processo conhecido como traduo. As
protenas76 so sintetizadas no ribossomo. (Lajolo e Nutti, 2003:18)
Importante explicar que as etapas envolvidas no processo do DNA recombinante
compreendem, segundo Lajolo e Nutti, a localizao do gene que corresponde a
uma caracterstica desejada, a obteno e clonagem ou multiplicao desse gene,
a engenharia do gene, a transformao da clula dos organismos receptor e,
finalmente, a seleo, regenerao da planta e fixao da caracterstica
desejada. (Lajolo e Nutti, 2003: 20)
De acordo com Lajolo e Nutti, o processo do DNA recombinante comea com a
identificao e oBteno do gene a ser transferido de um organismo para o outro.
O gene do organismo doador isolado, duplicado e introduzido em um vetor de
clonagem, que normalmente um plasmdeo77. Ento o DNA isolado e inserido
74
O RNAm (RNA mensageiro) constitudo por longas fitas de nucleotdeos e contm informaes precisas que sero utilizadas no processo de traduo.(Lajolo e Nutti, 2003:18) 75
RNAm significa RNA mensageiro 76
Protenas: a partir de uma seqncia de nucleotdeos gera-se uma sequncia de aminocidos, formando-se uma protena. Cada seqncia de 3 nucleotdeos corresponde a um aminocido. (Lajolo e Nutti, 2003:19) 77
O plasmdeo um DNA circular relacionado com a transmisso hereditria
35
na clula que ser transformada por processos fsicos78 ou biolgicos79, este o
processo de transformao. Aos genes de interesse so associados os genes
marcadores80, que facilitam a seleo das clulas que foram realmente
transformadas, aquelas que transportam o gene escolhido. So, introduzidos
ainda, um elemento promotor81 e o elemento terminador, para sinalizar o comeo
e o fim do gene a ser expresso. (Lajolo e Nutti, 2003: 20)
Esse um processo de transferncia seletiva, no qual o gene transferido se
incorporar ao DNA nuclear da clula transformada, a qual, regenerando-se dar
origem a uma planta com um ou alguns genes que ela antes no continha. (Lajolo
e Nutti, 2003: 20)
Lajolo e Nutti explicam que em sua maioria as caractersticas so oBtidas pela
introduo de um gene novo, no entanto, h situaes em que os gene
preexistentes podem ser removidos ou bloqueados.
No caso especfico da soja, Lajolo e Nutti, dizem que: a soja normal, por exemplo,
no resistente ao herbicida glifosato, usado para controle de pragas, porque tem
78
Dentre os processos fsicos existentes, a biobalstica um dos mais utilizados. Consiste em micropartculas metlicas que so recobertas pela molcula de DNA a ser transferida a atiradas para dentro do ncleo da clula a ser transformada. 79
Um dos processos biolgicos mais comuns utiliza o Agrobacterium tumefaciens, uma bactria do solo capaz de infectar clulas de plantas e transferir parte de seu material gentico para um tecido vegetal. 80
Os marcadores so genes que produzem colorao ou so genes de resistncia a antibiticos ou herbicidas (Lajolo e Nutti, 2003: 21) 81
O promotor uma seqncia de nucleotdeos reconhecida pelo sistema de leitura (RNA polimerase) como o comeo da transcrio do gene e define quando o gene ir expressar-se, em que rgo ou tecido e quanto de protena ir produzir. (Lajolo e Nutti, 2003:21)
36
uma enzima, a EPSPS82, que inibida por ele, como o a enzima de outras
plantas. O que se fez, ento, foi obter o gene de uma enzima de outro organismo,
uma bactria, e provocar uma alterao molecular correspondente a um
aminocido, tornando-a muito mais resistente ao herbicida, o que em termos
bioqumicos significa uma alterao na cintica da enzima. Esse gene modificado,
o CP4EPSPS, o que foi introduzido no DNA da soja, gerando resistncia ao
glifosato por expressar uma enzima mais resistente e muito mais prxima
estruturalmente da original. (Lajolo e Nutti apud PADGETTE et al., 2003: 22-23)
importante destacar que, independente da tcnica utilizada, introduo de uma
espcie transgnica no meio ambiente equivale introduo de uma espcie
extica, no transformada. Ou seja, o licenciamento depende do tipo de
transgenia. A definio dada pela Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana
sobre biotecnologia - CTNBio : um processo tecnolgico que permite a utilizao
de material biolgico para fins industriais
82
5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase.
37
Captulo 3
O escopo legal que norteia a questo dos transgnicos
3.1 - O cenrio Internacional
No cenrio internacional o tema dos Organismos Geneticamente Modificados est
diretamente ligado Declarao de Estocolmo, Declarao do Rio, Conveno
sobre Diversidade Biolgica e ao Protocolo de Cartagena, ou Protocolo de
Biossegurana.
3.1.1 As Declaraes de Estocolmo/72 e do Rio de Janeiro/92
Em 1972 deu-se em Estocolmo, Sucia, a Conferncia das Naes Unidas sobre
Meio Ambiente Humano, foi um marco nas negociaes internacionais. No
contexto da Conferncia aprovou-se a Declarao do Rio, que considerada um
documento com a mesma relevncia, para o direito internacional e para a
diplomacia dos Estados, que foi a Declarao Universal dos Direitos do Homem83.
A Declarao de Estocolmo cumpre a funo prpria dos grandes textos que
marcaram a histria da humanidade e ao mesmo tempo declara outros valores
que j se encontram estabelecidos nos sistemas jurdicos da maioria das naes
e nas relaes internacionais recprocas, ao mesmo tempo que declararam outros
valores que constituem novidade e representam exteriorizaes da emergente
conscincia da necessidade da preservao do ambiente global84.
83
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.45. 84
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.45.
38
A necessidade de preservao do ambiente global trouxe algumas novidades para
o cenrio das grandes conferncias internacionais, dentre elas a participao das
Organizaes No-Governamentais - ONGs. Interessante notar que j em 1972 a
figura das ONGs era marcante, ganhando fora e espao na mdia.
Outro fato considerado como conseqncia direta da realizao da Conferncia
das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, foi o grande
nmero de tratados e convenes multilaterais adotados a partir daquela data,
sendo que os mesmos passaram a versar sobre temas cada vez mais tcnicos, e
a partir de ento, negociados sob a gide de um rgo altamente especializado da
Organizao das Naes Unidas - ONU85, o Programa das Naes Unidas sobre o
Meio Ambiente Pnuma86.
de se notar que o direito, na figura dos tratados e das convenes
internacionais, abre-se para as outras cincias, especialmente quando precisa do
respaldo das cincias naturais para auxiliar o desenvolvimento e a elaborao das
normativas internacionais.
Durante os vinte anos de sucederam a Conferncia de Estocolmo, a evoluo
tecnolgica cresceu consideravelmente e a necessidade de proteo dos
ecossistemas tornou-se inerente ao progresso.
Em 1992, aconteceu no Rio de Janeiro a Conferncia das Naes Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento ECO/92 que teve como objetivo estabelecer
uma nova e justa parceria global mediante a criao de novos nveis de
cooperao entre os Estados, os setores chaves da sociedade e os indivduos,
trabalhando com vistas concluso de acordos internacionais que respeitem os
interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente
85
Organizao das Naes Unidas. 86
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.46.
39
e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra,
nosso lar 87
Como resultados da ECO/92 podem ser citadas as assinaturas de duas
convenes multilaterais, pelos Estados participantes da Conferncia: a
Conveno - Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima e a Conveno
sobre Biodiversidade CDB. Ressalte-se aqui dois temas de importncia global, a
Mudana do Clima e a Biodiversidade como situaes passveis de proteo e
problemas inerentes a comunidade mundial.
Outro resultado importante desta Conferncia Internacional foi a proclamao da
Declarao do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Declarao do Rio, um documento que trouxe em seu escopo a questo da
conservao e preservao ambiental aliada ao desenvolvimento, preocupando-se
com as presentes e futuras geraes88.
A Declarao do Rio consagrou a seguinte regra: quaisquer polticas e normas
legais que os Estados viessem a adotar, nos respectivos ordenamentos jurdicos
nacionais e nas suas relaes internacionais, em quaisquer campos, deveriam
estar indelevelmente marcadas com o sinal da preocupao com a dimenso de
proteo ao meio ambiente. Trata-se do conceito de sustentabilidade. Dentro de
tal esprito, a Declarao do Rio estabelece as importantes regras a respeito da
proteo ao meio ambiente, as quais fixam deveres aos Estados. As mais
importantes so: o princpio do poluidor-pagador, o da preveno, a integrao da
proteo do meio ambiente em todas as esferas da poltica e das atividades
normativas dos Estados, a aplicao dos estudos de impacto ambiental.89
87
Texto oficial. www.mma.gov.br 88
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.56. 89
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.64.
40
Esta Declarao teve papel fundamental nas futuras negociaes, convenes e
tratados internacionais, pois definiu princpios que foram internalizados por muito
pases. A Declarao do Rio um documento solene, proclamado pelos Estados
ao final da ECO/92, que traz princpios norteadores das exigncias das
convenes e dos tratados internacionais, mas no tem sua abrangncia e por
esta razo considerada uma soft law.
No h como no especificar dois dos princpios da Declarao do Rio, os
princpios 15 e 17, sendo que um decreta a exigncia do Princpio da Precauo90
com a finalidade de proteger o meio ambiente e o outro trata da Avaliao de
Impacto Ambiental como instrumento nacional desta proteo.
O princpio 15 determina que: de modo a proteger o meio ambiente, o princpio da
precauo deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas
capacidades. Quando houver ameaa de danos srios ou irreversveis, a ausncia
de absoluta certeza cientfica no deve ser utilizada como razo para postergar
medidas eficazes e economicamente viveis para prevenir a degradao
ambiental.91
A avaliao de impacto ambiental definida pelo princpio 17 como instrumento
nacional que deve ser empreendido para atividades planejadas que possam vir a
ter impacto negativo considervel sobre o meio ambiente, e que dependam de
uma deciso de autoridade nacional competente.92 A importncia desse
instrumento da Poltica Nacional do Meio Ambiente inquestionvel, haja vista
que consta de texto de uma Declarao internacional.
90
Ver captulo 4 91
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.194. 92
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.195.
41
Importante enfatizar que o princpio da precauo e a obrigatoriedade da
avaliao de impacto ambiental, constantes no artigo 225 da Constituio Federal
de 1988, so exigncias internacionais que visam a proteo do meio ambiente.
Dois outros documentos importantes foram subscritos na ECO/92, a Declarao
de Princpios sobre as Florestas e a Agenda 2193, mas no sero objeto deste
estudo.
3.1.2 A Conveno sobre Diversidade Biolgica
A Conveno sobre Diversidade Biolgica, ou Conveno da Biodiversidade
CDB foi elaborada em 1992 e teve seu texto assinado durante a Conferncia das
Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro, naquele ano, sendo ratificada pelo Brasil em 1993, passando a integrar o
ordenamento jurdico interno, a partir da promulgao do Decreto Legislativo n 2,
de 03 de fevereiro de 1994.
A CDB considerada pelos estudiosos do direito internacional, uma conveno
moderna, pois estipula normas num campo totalmente novo, no qual o livre
intercmbio de informaes cientficas essencial para o desenvolvimento do
setor. No h como ser diferente quando o escopo desta Conveno a
biodiversidade, nela includa a fauna, a flora, os recursos naturais enfim, a vida do
planeta.
A CDB traz alguns princpios, dentre eles o Princpio da Precauo, que ser
especificamente abordado no Captulo 4 da dissertao, mas que consta do
prembulo da Conveno da Biodiversidade. Outros temas integrantes desta
Conveno so a Avaliao de Impactos e Minimizao de Impactos Negativos
93
Soares, Guido Fernando Silva. A proteo internacional do meio ambiente.Manole, 1 ed. 2003. pp.56.
42
(artigo 14), Acesso e transferncia de tecnologia (artigo16) e Gesto da
Biotecnologia e distribuio de seus benefcios (artigo 19)
Especificamente no artigo 14 da CDB h a determinao de que cada Parte
integrante da conveno deve estabelecer procedimentos adequados que exijam
a avaliao de impacto ambiental de seus projetos propostos que possam ter
sensveis efeitos negativos na diversidade biolgica a fim de evitar ou minimizar
tais efeitos e, conforme o caso, permitir a participao pblica94. Interessante
fazer um paralelo com legislao nacional, no que diz respeito exigncia de
estudo de impacto ambiental e na oportunidade de audincia pblica, exigncias
constantes das normativas federais e estaduais. Tem-se a avaliao de impacto
ambiental como um instrumento de preveno ao dano ambiental.
Outro tema interessante abordado pela CDB o acesso tecnologia e
transferncia de tecnologia. De acordo com a CDB cada parte contratante,
reconhecendo que a tecnologia inclui biotecnologia, e que tanto o acesso
tecnologia quanto sua transferncia entre as Partes contratantes so elementos
essenciais para a realizao dos objetivos desta conveno, compromete-se,
sujeito ao disposto neste artigo, a permitir e ou facilitar a outras Partes
contratantes acesso a tecnologias que sejam pertinentes conservao e
utilizao sustentvel da diversidade biolgica ou que utilizem recursos genticos
e no causem dano sensvel ao meio ambiente, assim como a transferncia
dessas tecnologias.95
A idia do artigo 16 de transferncia de tecnologia talvez uma das
determinaes mais difceis de serem cumpridas, pois, no caso especfico dos
transgnicos, envolve o interesse das grandes empresas sementeiras quanto aos
94
Secretaria do Meio Ambiente Governo do Estado de So Paulo. Conveno da Biodiversidade. Volume II, 1997. pp.23. 95
Secretaria do Meio Ambiente Governo do Estado de So Paulo. Conveno da Biodiversidade. Volume II, 1997. pp.25.
43
ganhos com a venda de suas sementes patenteadas e com os royalties recebidos
pela utilizao da tecnologia, tambm patenteada.
no artigo 19 que a CDB abre espao para um protocolo que estabelea
procedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordncia prvia
fundamentada, no que respeita a transferncia, manipulao e utilizao seguras
de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia, que possa ter efeito
negativo para a conservao e utilizao sustentvel da diversidade biolgica.96
O Protocolo de Biossegurana, encontra-se, portanto, respaldado neste artigo,
pois ele tem a finalidade de nortear a liberao, para fins de estudo e para fins
comerciais, dos organismos geneticamente modificados no meio ambiente.
3.1.3 O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurana
Como mencionado anteriormente, no artigo 19 da CDB, Gesto da Biotecnologia
e distribuio de seus benefcios, est a chamada para a elaborao de um
protocolo. 97 A partir deste artigo, a Conferncia das Partes da Conveno sobre
Diversidade Biolgica adotou, em janeiro de 2000, um acordo suplementar
Conveno, conhecido como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurana.
Para entrar em vigor, o Protocolo precisava, no mnimo 50, da ratificao de
Estados-membro, Palau foi o quinquagsimo Estado a ratificar e, hoje, o Protocolo
conta com aproximadamente 200 membros. De acordo com informaes obtidas
no site oficial da conveno da biodiversidade98, o Brasil ratificou o Protocolo em
24 de novembro de 2003.
96
Secretaria do Meio Ambiente Governo do Estado de So Paulo. Conveno da Biodiversidade. Volume II, 1997. pp.28. 97
Secretaria do Meio Ambiente Governo do Estado de So Paulo. Conveno da Biodiversidade. Volume II, 1997.pp.28 98
www.biodiv.org
44
O objetivo do Protocolo a proteo da diversidade biolgica em decorrncia dos
potenciais riscos que possam ser causados pelos organismos geneticamente
modificados resultantes da moderna biotecnologia.
Uma das inovaes do Protocolo a aplicao do procedimento de Acordo
Fundamentado Prvio99 constante do artigo 7o, que garante que os pases
exportadores enviem uma notificao por escrito autoridade competente do pas
importador antes de realizar qualquer movimento transfronteirio intencional de um
OGM em seu territrio. Estando ainda obrigado a prestar todas as informaes
necessrias antes de finalizar o acordo de importao de OGMs que sero
intencionalmente introduzidos no meio ambiente100.
O Protocolo um documento ainda muito discutido, pois sua implantao no
muito simples. Uma srie de exigncias e procedimentos constam de seu texto, no
entanto muitos pases ainda no esto suficientemente estruturados para cumpri-
las. A falta de estrutura de um pas, dificulta o comrcio internacional dos produtos
da biotecnologia, pois no como cumprir os ditames do Protocolo.
3.2 Brasil: a evoluo histrica dos instrumentos normativos
O meio ambiente encontrou na Constituio Federal de 1988 uma excelente
normatizao atravs de seu artigo 225. Dando a devida importncia preveno
do risco ambiental, atravs do estudo de impacto ambiental, ensejando a
participao do pblico na sua aprovao, a Constituio estabelece como um
dever do poder pblico o controle da produo, da comercializao e do emprego
99
Traduo no oficial: Advanced Informed Agreement AIA, artigo 7 do Protocolo de Cartagena 100
Traduo livre. Texto oficial: the Protocol seeks to protect biological diversity from potential risks that may be posed by living modified organisms (LMOs) resulting from modern biotechnology. It establishes an advance informed agreement (AIA) procedure for ensuring that countries are provided with prior written notification and information necessary to make informed decisions before agreeing to the first import of LMOs that are to be intentionally introduced into the environment
45
de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente101, diz o Professor Paulo Affonso Leme Machado.
No referido artigo de se notar a preocupao com o desenvolvimento
sustentvel quando aborda o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia
qualidade de vida. Situao esta enfatizada, tambm, no artigo 2 Poltica
Nacional do Meio Ambiente - Lei 6.938/81, que define como objetivo a
preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental propcia vida,
visando assegurar, no Pas, condies ao desenvolvimento scio-econmico, aos
interesses da segurana nacional e proteo da dignidade da vida humana.
Para assegurar o desenvolvimento sustentvel, tanto a Constituio quanto a Lei
de Poltica Nacional do Meio Ambiente trazem exigncias, princpios e
instrumentos garantidores desse desenvolvimento. Os instrumentos em especial
so pouco utilizados como ferramentas de proteo ambiental e desenvolvimento
econmico.
Talvez a maior exigncia constitucional seja tambm um dos principais
instrumentos da Poltica Nacional do Meio Ambiente, o a Avaliao ou o Estudo de
Impacto Ambiental EIA, que deve ser elaborado quando da instalao de obra
ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meio
ambiente.
Como j dito anteriormente, o EIA um instrumento de carter preventivo que visa
o levantamento do provveis impactos ambientais e define planos e programas de
monitoramento a fim de minimiza-los. No um instrumento com carter punitivo,
tampouco visa o impedimento de uma obra ou atividade, sua finalidade
demonstrar os riscos e buscar solues para evitar que o dano ocorra.
101
Machado, Paulo Afonso Leme. Transgnicos: o controle legal. Cincia Hoje, vol. 43, n 203, 2004. pp.47.
46
Outros instrumentos da Poltica Nacional do Meio Ambiente devem ser
considerados como fundamentais no processo de desenvolvimento sustentvel: o
licenciamento ambiental e o zoneamento ambiental, cada qual com suas normas
prprias, mas sempre visando a sadia qualidade de vida, o desenvolvimento
econmico e a proteo do meio ambiente.
O licenciamento ambiental um forte instrumento uma vez que dele faz parte o
Estudo de Impacto Ambiental, a anlise da localizao do empreendimento, as
condies de suas instalaes, a viabilidade do projeto e de operao. Este
instrumento considerado pea fundamental para o desenvolvimento econmico
e a conservao ambiental.
Importante a anlise da Constituio Federal e da Lei da Poltica Nacional do Meio
Ambiente para se verificar que, mesmo sendo anteriores temtica dos OGMs no
Brasil, j tratavam do assunto.
de se lembrar que a Constituio Federal faz meno ao princpio da preveno
e da precauo no art. 225, 1, V: controlar a produo, a comercializao e o
emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente, que teve como resultado a Lei de
Biossegurana, a Lei 8.974/95, alterada pela Medida Provisria 2.191-9/01 e
regulamentada pelo Decreto 1.752/95.102
A Lei 8.974/95 objetivou estabelecer normas de segurana e mecanismos de
fiscalizao no uso das tcnicas de engenharia gentica, abarcando o conceito de
que a engenharia gentica implica em riscos, que necessitam ser geridos. Oito
atividades relativas aos Organismos Geneticamente Modificados OGMs foram
abrangidas: construo, cultivo, manipulao, transportes, comercializao,
consumo, liberao e descarte103.
102
Machado, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, 8 ed., 2000. pp. 859. 103
Machado, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, 8 ed., 2000. pp. 860.
47
Foram assinalados pela Lei 8.974/95 os interesses protegidos: a vida e a sade do
homem, dos animais e das plantas, bem como, a proteo do ambiente e
constatou que as atividades e os projetos ligados produo industrial e
desenvolvimento tecnolgico que envolvam OGM esto sujeitos aos controle do
Poder Pblico, trazendo, no entanto, uma novidade ao inserir entre os projetos e
as atividades o ensino e a pesquisa cientfica104.
Esta Lei criou a Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana CTNBio, com a
finalidade de prestar apoio tcnico consultivo e de assessoramento ao Governo
Federal na formulao, atualizao e implementao da Poltica Nacional de
Biossegurana relativa a OGM, bem como no estabelecimento de normas tcnicas
de segurana e pareceres tcnicos conclusivos referentes proteo da sade
humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam
a construo, experimentao, cultivo, manipulao, transporte, comercializao,
consumo, armazenamento, liberao e descarte de OGM e derivados.
No entanto no art. 7, da referida Lei, ficam definidas atribuies a rgos de
fiscalizao do Ministrio da Sade, do Ministrio da Agricultura e Ministrio do
Meio Ambiente, dentro de suas competncias, observando parecer tcnico
conclusivo da CTNBio, que significa que a opinio fundamentada da CTNBio deve
ser analisada, atentamente, no momento da deciso dos Ministrios.105
Importante ressaltar que os Ministrios devero determinar a realizao de
estudo prvio de impacto ambiental conforme o art. 225, 1, IV da Constituio
Federal, quando a atividade ou projeto apresentar probabilidade de causar
significativa degradao do meio ambiente. A possibilidade de a CTNBio
determinar a realizao de estudo de impacto ambiental (art. 2, XIV, do Decreto
1.752/95) no inibe os Ministrios de fazer essa exigncia, ou, quando o estudo j
104
Machado, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, 8 ed., 2000. pp. 861. 105
Machado, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Malheiros, 8 ed., 2000. pp. 866.
48
tiver sido realizado, solicitar esclarecimentos do empreendedor ou da equipe
multidisciplinar. Ressalte-se que a competncia dos Ministrios mais ampla do
que a CTNBio, pois os Ministrios podem exigir o estudo de impacto ambiental de
todas as atividades ligadas engenharia gentica, no se restringindo aos casos
de liberao de OGM no meio ambiente.106
Neste sentido, a dificuldade de entrosamento entre os Ministrios e a CTNBio
constante. Incertezas e discordncias sobre qual tipo de controle deve ser feito em
relao aos OGMs e quem deve exerc-lo norteiam a discusso.
Isso ficou ntido no processo judicial que teve como tema a liberao do plantio
comercial da soja transgnica, mencionado no Captulo 1 desta dissertao, pois a
CTNBio entendeu-se com competncia para dar parecer conclusivo sobre a
liberao e as ONGs entediam que a competncia final era dos Ministrios. Outra
questo norteadora da discrdia entre os rgos governamentais foi a no
exigncia do estudo de impacto ambiental para o plantio e a comercializao da
soja geneticamente modificada no final de 2003.
O Ministrio Meio Ambiente foi contrrio liberao comercial da soja, enquanto o
Ministrio da Agricultura e outros Ministrios fizeram presso favorvel. O
Governo Federal, pressionado pelos setores pblico, na figura dos Ministrios e
privado na figura das empresas de biotecnologia e dos grandes produtores de soja
transgnicas, decidiu liberar a safra de 2003 e 2004.
A discusso sobre a obrigatoriedade ou no do estudo de impacto ambiental para
a liberao comercial dos transgnicos, como mencionado, anterior edio das
Medidas Provisrias que liberaram as safras 2003 e 2004. Essa discusso teve
como consequncia a elaborao de legislaes especficas, como por exemplo,