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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
LUS HENRIQUE JUNQUEIRA DE ALMEIDA RECHDAN
CONSTITUIO E RESPONSABILIDADE
A articulao de mecanismos para controlar os atos ministeriais
pela Assembleia Geral Legislativa do Imprio do Brasil (1826-1829).
So Paulo
2016
2
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
LUS HENRIQUE JUNQUEIRA DE ALMEIDA RECHDAN
CONSTITUIO E RESPONSABILIDADE
A articulao de mecanismos para controlar os atos ministeriais
pela Assembleia Geral Legislativa do Imprio do Brasil (1826-1829).
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Histria Social do Departamento de Histria da
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo, como
requisito parcial para a obteno do ttulo de
Doutor em Histria.
Orientadora: Prof Dr Mrcia Regina Berbel
Financiamento: Coordenao de Aperfeioamento
de Pessoal de Nvel Superior Programa de
Excelncia Acadmica
So Paulo
2016
3
Aos meus pais
Ao Marcos Glicrio
4
RESUMO
A tese tem por objeto a articulao poltico-institucional de mecanismos de
controle dos atos ministeriais os pedidos de informaes e solicitaes de
esclarecimentos e a responsabilidade penal com efeitos polticos dos ministros e
secretrios de Estado , durante a Primeira Legislatura (1826-1829), com o objetivo de
consolidar o sistema de governo monrquico hereditrio constitucional representativo
proclamado pela Carta de 1824, de modo a estabelecer limites s amplas atribuies
conferidas pelo texto constitucional ao imperador, e tornar seu papel possvel e vivel,
tendo em vista as aspiraes dos diversos segmentos econmico-sociais das provncias
representados na Assembleia Geral Legislativa. A partir da reflexo sobre a relao
existente entre constituio e responsabilidade, na teoria poltica e nas experincias
legislativo-constitucionais inglesa, norte-americana, francesa e portuguesa, de modo a
possibilitar a compreenso do significado do conceito de responsabilidade na dcada de
1820, debrua-se sobre a estratgia articulada pelos membros do Corpo Legislativo, em
especial os deputados da oposio, para atingir seus objetivos e as conquistas poltico-
institucionais obtidas no decorrer das quatro primeiras sesses anuais legislativas. Com
a presente tese, pretende-se contribuir para a compreenso da forma como estabeleceu
na prtica poltico-institucional o dilogo entre os membros dos Poderes Legislativo,
Executivo e Moderador, o qual teve no conceito de responsabilidade um de seus
principais componentes.
Palavras-chave: Primeiro Reinado - Histria poltica - Governo representativo -
Assembleia Geral Legislativa - Responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado -
Mecanismos de controle dos atos ministeriais.
5
ABSTRACT
This thesis aims to analyse the political articulation of measures of control over
the ministers decisions parliamentary proceedings to obtain informations about
ministerials decisions, and to promote ministers accountability during the First
Legislature (1826-1829) with the aim to consolidate the representative constitutional
hereditary monarchy system proclaimed by the Charter of 1824, in order to establish
limits to the royal prerrogatives established by the constitutional text and to construct a
possible and feasible role to the emperor, in view aspirations of the various economic
and social sectors of the provinces represented in the General Assembly. From the
reflection on the relationship between constitution and accountability in political theory
and in the legal and constitutional experiments made in England, in North America, in
France and in Portugal to enable the understanding of the meaning of the concept of
responsive and accountable government in the 1820s, this thesis shows how the
Chambers members especially the oppositions members had achieved their
purposes, as well the political and institutional achievements had accomplished during
the four first legislative annual sessions. With this thesis is intended to contribute to the
understanding about how has established, in the political and institutional practice, a
dialogue between the members of the Legislative, Executive and Moderator Powers to
which the concept of responsive and accountable government had a central role.
Keywords: First Reign - Political history - Representative government - General
Assembly - Accountability and responsibility of ministers - Mechanisms to control the
ministerial acts.
6
AGRADECIMENTOS
Professora Doutora Mrcia Regina Berbel pela orientao firme e precisa,
sempre aberta ao dilogo e disposta a contribuir para os rumos da pesquisa.
s Professoras Doutoras Ceclia Helena de Salles Oliveira e Miriam Dolhnikoff
pelas sugestes e crticas feitas no exame de qualificao.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior, no mbito do
Programa de Excelncia Acadmica, pelo financiamento desta pesquisa.
Professora Doutora Mrcia Mansor DAlessio por acreditar que um advogado-
arquiteto poderia bem desempenhar o ofcio de historiador.
Aos mestres que tive nesse percurso na Histria, desde meus primeiros passos na
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo at a finalizao da graduao na
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. So
muitos os nomes que citar alguns ser injusto com os demais.
Aos funcionrios da Comisso do Programa de Aperfeioamento do Ensino, em
especial Ftima Morashashi, sempre atentos s solicitaes formuladas pelos alunos.
A minha me pela pacincia e dedicao na reviso do texto, sempre disposta a
encontrar as melhores solues gramaticais.
A meu companheiro Marcos Glicrio, pelo apoio dado durante todo o percurso
da pesquisa e elaborao desta tese.
7
SUMRIO
INTRODUO...............................................................................................................10
Contextualismo lingustico e histria conceitual do poltico impactos sobre a
historiografia do Primeiro Reinado...................................................................................13
CAPTULO 1 Constituio e responsabilidade dos ministros de Estado..............20
1.1 A responsabilidade enquanto novidade poltico-institucional.....................22
1.2 Responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado no Reino Brasil
antes da independncia a experincia constitucional das Cortes Gerais e
Extraordinrias e Constituintes da Nao Portuguesa (1821-
1822).....................................................................................................................26
1.3 Responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado e inviolabilidade do
imperador na Constituio Poltica do Imprio do Brasil
(1824)....................................................................................................................38
1.4 Experincia legislativo-constitucional inglesa: origens do
impeachment........................................................................................................57
1.5 Experincia constitucional norte-americana o impeachment na
Constituio dos Estados Unidos (1787).............................................................68
1.6 Experincia legislativo-constitucional francesa: a responsabilidade penal
com efeitos polticos da Segunda Restaurao.....................................................74
1.7 Benjamin Constant a responsabilidade dos ministros e secretrios de
Estado como condio indispensvel de toda monarquia constitucional
representativa........................................................................................................83
1.8 Historiografia brasileira, permanncias de uma interpretao clssica sobre
a responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado.....................................92
CAPTULO 2 Por uma lei da responsabilidade dos ministros e secretrios de
Estado para o nascente Imprio do Brasil..................................................................107
2.1 Sem lei de responsabilidade no h constituio... projeto de lei geral
8
versus projeto de lei particular............................................................................109
2.2 Discusso do projeto de lei da responsabilidade na Cmara dos Deputados
do projeto de lei geral para o particular..............................................................130
2.3 Discusso do projeto de lei da responsabilidade no Senado emendas ao
projeto elaborado e aprovado pela Cmara dos Deputados................................151
2.4 Reiterados pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos versus
relutncia ministerial em prestar informaes ou esclarecimentos....................159
CAPTULO 3 Novos ministros, velhos problemas.................................................193
3.1 Reforma ministerial de 20 de novembro de 1827 tentativas de conciliao
entre o Governo e a opinio pblica em um ano eleitoral..................................195
3.2 O povo no corcunda, o povo quer ser livre... novos ministros, velhos
problemas............................................................................................................216
3.3 Em defesa de uma conduta conforme a lei este ministrio poder ser bom,
mas necessrio faz-lo entrar nos seus deveres... ...........................................229
3.4 Reforma ministerial de junho de 1828 e desgaste na relao entre dos
deputados da oposio e o Governo...................................................................240
3.5 Trs ex-ministros em plenrio questo do crdito suplementar.............255
CAPTULO 4 Processo de Responsabilidade..........................................................284
4.1 Por assim pedir o bem do Imprio... mas, qual o bem do Imprio?..........286
4.2 O ministrio atual tem perdido a confiana da nao... a indignao dos
deputados diante dos Decretos de 27 de fevereiro de 1829................................288
4.3 Persistncia dos deputados da oposio e temor do Governo dvidas
acerca do adiamento da abertura da sesso anual legislativa ordinria da
Assembleia Geral Legislativa.............................................................................295
4.4 Indignao convertida em ao articulaes para a efetiva aplicao da lei
da responsabilidade.............................................................................................305
4.5 Relatrios ministeriais e parecer da comisso de constituio favorvel
denncia em face de Oliveira lvares................................................................311
4.6 Frente denncia, a resposta Oliveira lvares um mrtir da
constituio?.......................................................................................................328
9
4.7 Duas discusses de um parecer..................................................................342
4.7.1 Em defesa da acusao de Oliveira lvares a responsabilidade
o nico freio de ministros despticos... .................................................345
4.7.2 Em defesa da no acusao de Oliveira lvares no h lei
definida nem crime definido, e na dvida, segundo a mxima de direito
criminal, o juiz deve antes absolver que condenar... .............................351
4.8 Presumvel vitria do Governo a profecia de Holanda Cavalcanti.........366
4.9 E os (ex-)ministros-marqueses... ...............................................................376
CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................390
ANEXO 1 Cronologia...............................................................................................399
ANEXO 2 Conselheiros de Estado nas Secretarias de Estado (1822-1829).........408
ANEXO 3 Votao do decreto acusatrio em face do ministro e secretrio de
Estado dos Negcios da Guerra Joaquim de Oliveira lvares............................409
FONTES........................................................................................................................410
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................416
10
INTRODUO
Esta tese tem por objeto os mecanismos de controle dos atos ministeriais1 os
pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos e a responsabilidade penal
com efeitos polticos dos ministros e secretrios de Estado , articulados durante a
Primeira Legislatura (1826-1829). Ao se reconstituir seu processo de elaborao desde
sua proposio em plenrio at sua aprovao e, no caso do projeto de lei da
responsabilidade, seu envio sano pelo imperador e de sua efetiva aplicao aos
casos concretos, desvela-se como os membros de ambas as Cmaras da Assembleia
Geral Legislativa, em especial os deputados da oposio, articularam-se de forma a
vislumbrar na instituio e fixao desses mecanismos uma das principais estratgias
para a consolidao do sistema de governo monrquico hereditrio constitucional
representativo proclamado pela Carta de 1824, de modo a estabelecer limites s amplas
atribuies conferidas pelo texto constitucional ao imperador, e tornar seu papel
possvel e vivel, tendo em vista as aspiraes dos diversos segmentos econmico-
sociais das provncias representados na Assembleia Geral Legislativa.
Com esse intuito, realiza-se uma reflexo sobre o que se entendia por
responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado na dcada de 1820, em especial
durante a Primeira Legislatura da Assembleia Geral Legislativa, e quais os efeitos que
se almejavam naquele momento ao se elaborar mecanismos de controle dos atos
ministeriais, de modo a, frente a reiterados pedidos de informaes e solicitaes de
esclarecimentos e a mltiplas denncias de infraes cometidas aos textos legais,
almejar-se a abertura de processos de responsabilidade, com ou sem a condenao final
e efetiva punio do condenado. Se no se objetivava, necessariamente, a efetiva
punio dos ministros e secretrios de Estado formalmente denunciados, o que movia
membros de ambas as Cmaras da Assembleia Geral Legislativa a se empenharem na
elaborao desses mecanismos de controle? Para tanto, essencial perscrutarmos as
origens e as caractersticas, nem sempre uniformes ao longo dos sculos, tanto do
impeachment ingls e norte-americano, quanto da responsabilidade mecanismo de
1 Atos ministeriais so os atos praticados pelos diversos ministros e secretrios de Estado, no mbito de
suas respectivas Secretarias de Estado. Conforme analisado no decorrer desta tese, na dcada de 1820
ainda no se encontrava perfeitamente delineado o conceito de governo parlamentar. Nesse sentido, ver
notas 71 e 75, p.41-43.
11
controle dos atos ministeriais concebido a partir de uma concepo idealizada da
monarquia constitucional britnica, e sua apropriao pelos delegados norte-americanos
presentes na Conveno da Filadlfia nas experincias legislativo-constitucionais
francesa e portuguesa; esta ltima, conforme exposto no Captulo 1, com impacto direto
sobre o ento Reino do Brasil, sob o Governo do prncipe-regente dom Pedro.
Desse modo, sobre as decises poltico-institucionais adotadas no Brasil, em sua
primeira dcada da independncia2, dentre outros aspectos relacionados
responsabilidade em geral e, no particular, aos pedidos de informaes e solicitaes de
esclarecimentos e responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado, pode-se
questionar: Qual a relao existente entre sistema de governo representativo
constitucional e responsabilidade? Qual a natureza jurdica da responsabilidade dos
ministros e secretrios de Estado proclamada pela Carta de 1824? Como os membros
de ambas as Cmaras da Assembleia Geral Legislativa, quer os favorveis quer os
contrrios imediata aprovao do projeto de lei da responsabilidade, atuaram em
relao a esse tema? Qual o papel desempenhado pela elaborao e fixao dos pedidos
de controle e solicitaes de esclarecimentos sobre a elaborao e aplicao da lei da
responsabilidade? O que se obteve efetivamente atravs da aplicao dos mecanismos
de controle dos atos ministeriais articulados no decorrer da Primeira Legislatura?
Ao articularem mecanismos de controle dos atos ministeriais tais como os
pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos e a responsabilidade penal
com efeitos polticos dos ministros e secretrios de Estado , os membros da
Assembleia Geral Legislativa no apenas reiteravam atribuies que lhes foram
conferidas pelo texto constitucional, como tambm, sobretudo, firmavam os
instrumentos necessrios para o estabelecimento do efetivo dilogo entre os membros
dos Poderes Legislativo, Executivo e Moderador e assim foi realizado. De tal modo que
atravs da formalizao de denncias em face de ministros e secretrios de Estado, em
decorrncia de eventuais infraes cometidas aos textos legais, almejava-se muito mais
2 Sobre a articulao da sinonmia entre independncia e separao, no decorrer do movimento de
luta poltica, entre 1821 e 1822 ver OLIVEIRA, Ceclia Helena Lorenzini de Salles. A Astcia Liberal:
Relaes de Mercado e Projetos Polticos na Corte do Rio de Janeiro (1820-1824). Bragana
Paulista: EDUSF, cone, 1999 (tese de doutorado em Histria Social defendida na Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo em 1986), p.154-155, 174-196, 197-);
BITTENCOURT, Vera Lcia Nagib. De alteza real a imperador: o governo do Prncipe D. Pedro, de
abril de 1821 a outubro de 1822. 2006, 395f.. Tese (doutorado em Histria Social). Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006, p.153-178.
12
do que o mero fortalecimento do Corpo Legislativo em si, mas a consolidao do
sistema de governo monrquico hereditrio constitucional representativo proclamado
pela Carta de 1824, por meio da fixao dos mecanismos de controle dos atos
ministeriais articulados em plenrio, a partir da regulamentao e/ou interpretao dos
dispositivos constitucionais.
Nesse sentido, de estabelecimento do efetivo dilogo entre os membros dos
Poderes Legislativo, Executivo e Moderador, interpretar-se-o nesta tese, os
desdobramentos na Cmara dos Deputados e depois na composio de todas as
Secretarias de Estado, dos acontecimentos ocorridos na provncia de Pernambuco no
incio de fevereiro de 1829 que levaram o Governo a expedir os decretos do dia 27 do
mesmo ms, conforme analisado no Captulo 4 desta tese. Sublinhe-se que a revolta
ocorrida no incio de fevereiro de 1829, na provncia de Pernambuco, costuma ser
mencionada por grande parte da historiografia dedicada ao Primeiro Reinado (1822-
1831), desde John Armitage at os dias de hoje, via de regra, com o intuito de sublinhar
o despotismo de dom Pedro I ao se criticar os excessos cometidos pelo Governo em
sua represso3 , e no para se refletir sobre a utilizao deste acontecimento pelos
3 Nesse sentido, de se vislumbrar um imperador desptico sob a m influncia dos ministros e secretrios
de Estado, a narrativa feita por Lus Francisco da Veiga, sob o pseudnimo Um Fluminense amante da
Constituio, em 1862, na qual h inmeras citaes de John Armitage, do general Abreu e Lima e de
Francisco Solano Constncio, e uma relativa confuso tanto em relao ao que de fato ocorreu, quanto s
datas dos acontecimentos e as consequncias desse evento no ministrio: No comeo do ano de 1829 um
pequeno motim houve em Pernambuco, que ofereceu ao paternal governo de D. Pedro mais uma ocasio
de exercer sua influncia benfica e salvadora. Um ajuntamento tumultuoso de perto de setenta indivduos
conseguiu arrombar a cadeia da Capital [sic], e, soltando os presos que nela Se achavam, apoderou-se das
armas que encontrou em um aquartelamento. Esta desordem, que foi imediatamente sufocada pelas
autoridades do lugar, deu contudo origem aos dois tremendos Decretos de 17 de Fevereiro [sic],
suspendendo o primeiro as leis garantidoras da liberdade individual, e o segundo criando uma comisso
militar para julgar sem apelao os indivduos comprometidos nesse alevantamento [sic]. Esses atos de
despotismo e inconstitucionalidade excitaro violentas censuras da parte dos liberais, que logo exigiro
pela imprensa a responsabilidade dos Ministros que haviam assinado os citados Decretos. A Cmara dos
Deputados que tinha sido aberta, segundo a lei, no dia 3 de Maio, nomeou uma comisso para dar seu
Parecer sobre a inconstitucionalidade dos referidos Decretos. Esta comisso opinou que se devia exonerar
[sic] o Ministro da Justia, por ter obrado segundo a lei, e decretar a acusao contra o da guerra por
haver violado a Constituio do Estado criando a comisso militar. Este parecer, que deu origem a uma
tempestuosa discusso, foi contudo abraado [sic] em 19 de Julho pela maioria da Cmara (VEIGA, Lus
Francisco da (sob o pseudnimo um Fluminense amante da Constituio). A Revoluo de 7 de abril de
1831 e Evaristo Ferreira da Veiga. Rio de Janeiro: Tip. Imp. e Const. De J. Villeneuve e Comp., 1862,
p.20). Ou seja, para o autor annimo desse texto (identificado como o filho do jornalista nele
homenageado, Lus Francisco da Veiga), publicado 1862 no mesmo ano em que foi inaugurada uma
esttua equestre em homenagem a dom Pedro I, na Praa da Constituio , o que importava no era o
rigor na narrativa (apesar das inmeras referncias bibliogrficas e documentais inseridas em notas de
rodap), mas a articulao de um discurso do qual o primeiro imperador do Brasil aparecia como o
dspota cuja conduta levou a sua abdicao em abril de 1831. Assim, todos os fatos convergiam para a
ideia inicial exposta no incio da introduo, pela qual o prncipe, que aderiu nossa independncia, que
plantou a monarquia no Brasil e doou-nos com a mais liberal das constituies escritas, , sem dvida
13
deputados da oposio para a consolidao dos mecanismos de controle dos atos
ministeriais por eles elaborados desde o incio da Primeira Legislatura. Contudo, aquela
sentena condenatria, estabelecida por grande parte da historiografia, de um imperador
que tudo decidia e por tudo era responsvel, continua a ressoar at os dias de hoje.
Contextualismo lingustico e histria conceitual do poltico impactos sobre a
historiografia do Primeiro Reinado
Com o desenvolvimento do contextualismo lingustico4, da histria conceitual
do poltico5, da histria dos conceitos
6 e da histria atlntica
7, um amplo instrumental
um cidado recomendvel; o imperador, que violou mil vezes a constituio outorgada, que esbanjou as
finanas do Estado, que embarcou o pas em aventuras ruinosas e nunca se mostrou verdadeiramente
brasileiro, recebe aqui tambm a sentena severa e imparcial de sua condenao.
Apesar de John Armitage ter criticado mais o carter blico de dom Pedro I, do que seus atos arbitrrios;
poucos anos depois, Francisco Solano Constncio sublinhou o comportamento arbitrrio do monarca e
nesse sentido se posicionou grande parte da historiografia voltada anlise poltica do Primeiro Reinado a
partir de ento (ARMITAGE, John. Histria do Brasil: desde o perodo da chegada da famlia real de
Bragana, em 1808, at a abdicao de D.Pedro I, em 1831, compilada vista dos documentos pblicos
e outras fontes originais formando uma continuao da histria do Brasil de SOUTHEY (1 edio:
1836). So Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1981; CONSTANCIO, Francisco Solano. Histria do
Brasil desde o seu descobrimento por Pedro lvares Cabral at a abdicao do imperador dom Pedro I.
Paris: Livraria Portuguesa de J. P. Aillaud, 1839, tomo II, p.298-301, 407-408; CALGERAS, Joo
Pandi. O Marqus de Barbacena. Braslia: UnB, 1982 (1 edio: 1936), p.79-80 MONTEIRO, Tobias
do Rgo. Histria do Imprio: o Primeiro Reinado. So Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1982 (1
edio: 1939-1946), volume 1, p.171, 173-174); SOUSA, Otvio Tarqunio de. Histria dos Fundadores
do Imprio. Volume III A vida de D. Pedro I. (1 edio: A vida de D.Pedro I, 1952) So Paulo: Itatiaia,
Universidade de So Paulo, 1988; VARELLA, Flvia Florentino. Da impossibilidade de aprender com o
passado: sentimento, comrcio e escrita da histria na Histria do Brasil de John Armitage. 2011, 127f.
Dissertao (Mestrado em Histria Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,
Universidade de So Paulo, 2011, p.77-79). Para um posicionamento crtico a essas interpretaes, ver
MACAULAY, Neil. Dom Pedro I: a luta pela liberdade no Brasil e em Portugal, 1798-1834. Rio de
Janeiro: Record, 1993; ALVES, Joo Victor Caetano. O Conselho de Estado e o Princpio da Diviso de
Poderes (1828 1834). Franca: Universidade Estadual Paulista, Dissertao de Mestrado em Histria e
Cultura, 2008; RIBEIRO, Eder da Silva. O Conselho de Estado no tempo de D. Pedro I: um estudo da
poltica e da sociedade do Primeiro Reinado (1826 1831). Niteri: Universidade Federal Fluminense,
Dissertao de Mestrado em Histria, 2010. 4 Em relao ao contextualismo lingustico, da Escola de Cambridge, consultar SKINNER, Quentin. As
fundaes do pensamento poltico moderno (1 edio: 1978). So Paulo: Companhia das Letras, 2003 (1
edio: 1969); POCOCK, J.G.A. Linguagens do iderio poltico. Traduo de Fbio Fernandez. So
Paulo: Edusp, 2003. _____. The Machiavelliam Moment: Florentine political thought and the Atlantic
republican tradition. Princeton : Princeton University Press, 2003 (1 edio: 1975). Em relao ao o
debate contemporneo sobre o tema, suas potencialidades e limites ver: SILVA, Ricardo Virgilino da. O
contextualismo lingustico na histria do pensamento poltico: Quentin Skinner e o debate metodolgico
contemporneo. In: Dados. 2010, vol.53, n.2, p. 299-335. _____. Histria intelectual e teoria poltica. In:
Revista de Sociologia e Poltica. 2009, vol.17, n.34, p. 301-318. 5 As reflexes de Pierre Rosanvallon voltadas tanto elaborao de uma metodologia para a histria
conceitual do poltico quanto compreenso do regime poltico francs de 1814 a 1848, a partir da
anlise dos textos constitucionais de 1814 e 1830 (ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Paris:
Gallimard, 1985 ; e do mesmo autor, La Monarchie Impossible: Les Chartes de 1814 et de 1839. Paris:
Fayard, 1994), fornecem instrumentos para uma nova abordagem da construo poltico-institucional do
papel a ser desempenhado pelo imperador frente dos Poderes Moderador e Executivo, a partir do
dilogo estabelecido entre os representantes desses Poderes Estatais e os do Legislativo. Dentre os
14
terico-metodolgico foi disponibilizado aos historiadores de forma a elaborar novas
abordagens de temas clssicos da historiografia sobre os quais havia, muitas vezes,
consenso entre os historiadores , questionando-os e redefinindo-os. Frente s
periodizaes e s classificaes consagradas, novas abordagens geraram novas
problematizaes e novas interpretaes de temas considerados quer consolidados, quer
secundrios em reflexes anteriores.
Parte da recente historiografia brasileira dedicada ao Primeiro Reinado, valendo-
se tanto das perspectivas abertas pela nova histria poltica quanto dos questionamentos
trazidos pela histria cultural, voltou-se compreenso do vocabulrio poltico da
independncia, a partir das reflexes metodolgicas articuladas por Quentin Skinner,
John Pocock e Reinhart Koselleck.8 Ao se utilizarem no apenas da documentao de
carter oficial, mas tambm dos peridicos, folhetos e panfletos como fontes para a
histria, buscaram desvendar os mltiplos e cambiantes significados que os conceitos
assumiam em um perodo em rpida transformao poltico-social; e, dessa forma,
questionaram as interpretaes clssicas dadas aos acontecimentos considerados
fundadores do Estado e da Nao brasileiros desde Jos da Silva Lisboa. Dentro dessa
vertente historiogrfica, a historiadora Lcia Maria Bastos Pereira das Neves, antes de
desemaranhar a trama dos acontecimentos polticos ocorridos entre 1820 e 1822 ao
analisar folhetos e panfletos publicados nesses anos no Brasil e em Portugal , elaborou
um minucioso estudo acerca do vocabulrio poltico dos anos da independncia, o qual
aspectos abordados pelo pensador poltico francs, destaca-se a aprendizagem da poltica em curso nas
dcadas de 1820 e 1830, ou seja, de acordo com Rosanvallon, no decorrer desses anos se buscava a
construo do novo representado pela prtica poltica de um sistema constitucional, base do Estado
nacional a ser consolidado. Alm disso, a partir da leitura desse autor, verifica-se o quanto a historiografia
brasileira tradicional buscou interpretar o Primeiro Reinado a partir dos modelos interpretativos
elaborados pela historiografia francesa para a compreenso da Frana entre anos de 1814 e 1848. Para
uma sntese de sua concepo de histria conceitual do poltico, em portugus, consultar
ROSANVALLON, Pierre. Por uma histria do poltico. So Paulo: Alameda, 2010 (1 edio em francs:
2003, sob o ttulo Pour une histoire conceptuelle du politique, leon inaugurale au Collge de France
faite le jeudi 28 mars 2002). 6 Em relao histria dos conceitos ver KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuio
semntica dos tempos histricos (1 edio: 1990). Rio de Janeiro: Contraponto, PUC-Rio, 2006; e, do
mesmo autor, Lexprience de lhistoire. Paris: Gallimard, Le Seuil, 1997. 7 Em relao histria atlntica ver BAILYN, Bernard. The Idea of Atlantic History. In: Itinerario, vol.
20, n. 1, 1996, p. 19-44 e, do mesmo autor Atlantic History. Concept and Contours. Harvard, Harvard:
University Press, 2005; TOMICH, Dale. O Atlntico como espao histrico. In: Estudos Afro-asiticos,
26 (2), p.221-240, mar.-ago. 2004. 8 Nesse sentido, ver NEVES, Lcia Maria B. Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura poltica
da independncia (1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ, Revan, 2003 (Tese de doutorado em Histria
Social 1992), p.16; PARRON, Tmis Peixoto. A poltica da escravido no Imprio do Brasil, 1826-
1865. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2011 (dissertao de Mestrado em Histria Social defendida
na Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo em 2009), p.20-21;
15
constitui uma importante contribuio terico-metodolgico-conceitual pesquisa que
resultou nesta tese.9 Em sua interpretao dos acontecimentos daqueles anos, a autora
mostra o quanto apenas a partir da ao e da prtica poltica que se compreende a
dinmica de uma sociedade em transformao. Outro aspecto importante de sua
pesquisa a preocupao em entender a poltica, a partir do que ocorria em ambos os
lados do Atlntico, tendo em vista o mundo luso-brasileiro comum por ela abordado. No
entanto, em sua obra, deve-se relativizar a interpretao por ela dada em relao s
permanncias do Antigo Regime na cultura poltica da independncia10
, de forma a
sublinhar em demasia a conjuntura poltica da Restaurao (e da ideia poltica de um
Imprio Luso-brasileiro) no curso dos acontecimentos.
Nesta tese, trabalha-se com o discurso parlamentar, quer o produzido oralmente,
e transcrito nos Anais do Parlamento Brasileiro11
, pelos deputados e senadores nas duas
cmaras da Assembleia Geral do Imprio do Brasil, quer o apresentado oralmente pelo
imperador (atravs das falas do trono, previamente escritas e lidas na sesso conjunta de
abertura da sesso anual da Assembleia Geral); ou, por escrito, pelos ministros e
secretrios de Estado (atravs de relatrios e ofcios) anlise pelas referidas cmaras.
Contudo, para a interpretao e reflexo, atentou-se para o fato de o discurso nunca ser
neutro, ou seja, ele sempre tem uma finalidade explcita ou no a ser atingida. Em
relao aos atos de fala, deve ser investigado em quais circunstncias determinadas
palavras e conceitos foram pronunciados, e frente aos silncios, questionar-se sobre os
motivos que levaram os deputados a permanecerem calados. Conforme adverte Quentin
Skinner, no se deve imputar aos autores e suas obras intenes e significados que
jamais tiveram, nem poderiam ter tido, em seus contextos originais de produo.12
9 No campo do vocabulrio poltico, destaca-se o dicionrio coordenado por Javier Fernndez Sebastin e
Juan Francisco Fuentes (FERNNDEZ SEBASTIN, Javier; FRANCISCO FUENTES, Juan.
Diccionario poltico y social del siglo XIX espaol. Madri: Alianza Editorial, 2002), o qual, ao abordar a
Espanha, fornece elementos para a melhor compreenso daqueles anos revolucionrios, nos quais o
radicalmente novo estava a ser construdo. 10
NEVES, Lcia Maria B. Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura poltica da independncia
(1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ, Revan, 2003 (Tese de doutorado em Histria Social 1992),
p.414-418. 11
Durante a Primeira Legislatura, foram publicados tanto o Dirio da Cmara dos Deputados
Assembleia Geral do Imprio do Brasil, quanto o Dirio da Cmara dos Senadores do Imprio do Brasil,
os quais seriam organizados e reeditados (atravs da adio de diversos discursos e documentos que
foram transcritos apenas nos peridicos do perodo), respectivamente, pela Cmara dos Deputados (1874-
1878) e pelo Senado (1879, 1910-1914). 12
JASMIN, Marcelo Gantus. Histria dos conceitos e teoria poltica e social: referncias preliminares. In:
Revista brasileira de Cincias Sociais. 2005, vol.20, n.57, p.27-28.
16
A metodologia da anlise de discurso, a seu turno, auxilia na tarefa de
desemaranhar a trama discursiva do discurso parlamentar, de forma a ampliar o
conhecimento do tema objeto de investigao. Alm das palavras e dos conceitos
utilizados, investiga-se quem as proferiu (os emissores dos atos de fala13
), quais foram
suas intenes14
, em quais circunstncias (o contexto), perante qual pblico (os
receptores dos atos de fala), quais as ideias polticas defendidas (os conceitos) e em
oposio s quais foi emitido? Desloca-se a ateno das ideias para o autor delas e para
o contexto no qual foram produzidas. Nessa perspectiva, um mesmo discurso pode
assumir significados completamente diversos, mudando-se o pblico receptor, o
parlamentar emissor ou a data na qual foi proferido um determinado ato de fala.
At recentes estudos que, a partir de novos referenciais terico-metodolgicos,
retomaram a anlise dos principais acontecimentos polticos que pontuaram o Primeiro
Reinado, era comum vislumbrar no incio desse perodo, com a dissoluo da
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa em novembro de 1823, a semente da
abdicao que ocorreria apenas em 1831, de modo que os dez primeiros anos da
independncia se resumiam a dois grandes acontecimentos: seu nascimento e sua morte.
Destarte, ao se considerar a abdicao como grande acontecimento a ser objeto de
interpretao, depois do processo de independncia incontestavelmente o tema mais
abordado pela historiografia dedicada a esse perodo , o ano de 1830, por ser o que
antecede ao da abdicao, talvez seja um dos mais analisados pelos pesquisadores que
abordaram, ainda que de forma breve, o Primeiro Reinado. Para todo o governo de dom
Pedro I, ainda predominante na historiografia a interpretao elaborada pelos liberais
moderados na dcada de 1830, por meio da imprensa, e reiterada na segunda metade do
sculo XIX, pela qual o acirramento do confronto entre o desptico e blico imperador,
apoiado pelos absolutistas (tanto em 1822 e 1824, quanto em 1831), e os liberais [da
oposio], entremeado com episdios de cunho nativista, teve por resultado o ato da
abdicao. Nessa interpretao maniquesta, o bem associado aos liberais derrotou o
13
Para Austin, os enunciados lingusticos so performativos, ou seja, a emisso de um enunciado a
efetuao de uma ao. Assim, toda fala envolve uma ao objetivando um determinado resultado,
nunca neutra. 14
John Pocock, em relao possibilidade de se atingir as intenes do autor de um discurso, afirma:
quanto mais provas o historiador puder mobilizar na construo de suas hipteses acerca das intenes
do autor, que ento podero ser aplicadas ao texto ou testadas em confronto com o mesmo, maiores sero
as suas chances de escapar do crculo hermenutico, ou mais crculos desse tipo seus crticos tero de
construir na tentativa de desmontar essas hipteses (POCOCK, J.G.A. Linguagens do iderio poltico.
Traduo de Fbio Fernandez. So Paulo: Edusp, 2003, p.27)
17
mal e, como resultado, o imperador no apenas abdicou como teve que deixar o pas,
deixando-o como herana para seu filho, nascido em terras brasileiras.
Sublinhe-se que, nesta tese, no se aborda diretamente a problemtica da
abdicao e, apesar da questo dos mecanismos de controle dos atos ministeriais, bem
como de seus efeitos polticos, terem provavelmente impactado no desenrolar dos
acontecimentos que conduziram ao 07 de abril, de modo paulatinamente deteriorar a
imagem de dom Pedro I junto nascente opinio pblica, ela no suficiente para
explicar a deciso do imperador de abdicar em nome de seu filho; alis, uma manobra
poltica arriscada, tentada sem sucesso tanto por Napoleo quanto por Carlos X.
Juntamente com os desdobramentos da aplicao da lei da responsabilidade em 1829,
juntamente com os reiterados pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos
diuturnamente encaminhados aos ministros e secretrios de Estado, h diversos outros
acontecimentos que muito mais do que explicarem, aprofundam a compreenso da
abdicao em si, desvelando-lhe sentidos antes no vislumbrados pela historiografia.
* * *
No Captulo 1, refletir-se-, por meio de diversas experincias legislativo-
constitucionais atlnticas contemporneas, sobre a novidade poltico-institucional
representada pela articulao de mecanismos de controle dos atos ministeriais, tais
como os pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos e a responsabilidade
penal, com a obteno de efeitos polticos, dos titulares das diversas pastas ministeriais
por eventuais infraes cometidas aos textos legais. Verificar-se- que, apesar de estar
prevista no texto da Carta de 1824, em seu artigo 133, e ser considerada, por grande
parte da doutrina poltica das primeiras dcadas dos oitocentos, condio indispensvel
de toda monarquia constitucional, conforme expresso por Benjamin Constant ao tratar
do tema15
; para ser aplicada, havia a necessidade de se elaborar uma lei particular
(artigo 134), na qual deveriam ser descritas no apenas as condutas punveis e as penas
aplicveis proporcionalmente a cada uma delas, como tambm o rito processual a ser
seguido em ambas as Cmaras da Assembleia Geral Legislativa, ou seja, atravs do
processo legislativo analisado no Captulo 2, desta tese. Contudo, uma vez
15
No texto original em francs: La responsabilit des Ministres est la condition indispensable de toute
monarchie constitutionnelle (CONSTANT, Benjamin. De la Responsabilit des Ministres. Paris: H.
Nicolle, 1815, p.1).
18
regulamentados os dispositivos constitucionais, sancionada a lei particular exigida pelo
texto constitucional para se aplicar a um caso concreto o disposto em seu artigo 133,
surgiram novos obstculos a serem superados pelos membros do Poder Legislativo. Em
primeiro lugar, competia-lhes a deciso sobre o momento oportuno de ao, nos termos
da lei da responsabilidade, de modo a no ferir os brios de um monarca que poucos anos
antes dissolvera a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa (novembro de 1823) e,
caso contrariado, poderia repetir o mesmo ato, na medida em que conservara para si, no
texto constitucional por ele outorgado Nao, em seu artigo 102, 5 combinado com o
artigo 142, a atribuio de, aps consulta ao Conselho de Estado, dissolver a Cmara
dos Deputados e convocar, imediatamente, novas eleies que a substitua. Em segundo,
uma vez formalizada a denncia em face de um ministro e secretrio de Estado, como
articular as foras poltico-provinciais de modo a obter tanto a aprovao do decreto
acusatrio na Cmara dos Deputados, como tambm seu prosseguimento no Senado at
a condenao final e a punio dos condenados. E, por fim, caso o processo no
chegasse at a efetiva punio dos condenados, como proceder para dele extrair efeitos
polticos imediatos? Alm disso, analisar-se- como os deputados, desde o incio dos
trabalhos legislativos, articularam outro mecanismo de controle dos atos do Governo: os
pedidos de informaes e solicitaes de esclarecimentos, os quais seriam fundamentais
na instruo e formalizao de eventuais denncias por [crime de] responsabilidade em
face dos membros da Alta Administrao do Imprio do Brasil.
No captulo 3, refletir-se- sobre o impacto causado entre os membros e nas
discusses travadas em plenrio de ambas as Cmaras da Assembleia Geral Legislativa
pela nomeao de trs deputados para o cargo de ministro e secretrio de Estado no
final de 1827, logo aps o encerramento dos trabalhos legislativos, e pela aproximao
das eleies para a Segunda Legislatura (1830-1833): em que medida esses
acontecimentos retardaram a aplicao da lei da responsabilidade a um caso concreto no
decorrer de 1828? Se por um lado as denncias se multiplicavam, por outro,
provavelmente, temia-se a abertura de um processo de responsabilidade em face de um
membro da alta administrao do imprio, quer fosse um titular de uma pasta
ministerial, quer fosse um conselheiro de Estado. No captulo 4, refletir-se- sobre as
denncias formuladas no incio da sesso legislativa extraordinria de 1829 em relao
a ministros e secretrios de Estado, pelos decretos de 27 de fevereiro desse ano referente
represso da denominada Rebelio dos Afogados, ocorrida na provncia de
19
Pernambuco no incio daquele ms, e que resultou no processo de responsabilidade em
face de Joaquim de Oliveira lvares, titular da pasta dos Negcios da Guerra. Verificar-
se- que ao trmino da primeira fase do processo na Cmara dos Deputados, apesar da
mobilizao da imprensa e dos deputados da oposio, o decreto acusatrio no foi
aprovado. Contudo, apesar de os deputados ministeriais terem se considerado a
princpio vitoriosos nessa contenda, foram os deputados da oposio que colheram os
frutos de sua ao: no apenas o titular da pasta dos Negcios da Guerra foi demitido,
como tambm todos os demais ministros e secretrios de Estado foram substitudos
poucos meses depois do encerramento dos trabalhos.
* * *
Nota nas citaes foi atualizada a ortografia, porm foram conservadas as letras
maisculas e a pontuao.
20
CAPTULO 1 Constituio e responsabilidade dos ministros de Estado
Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1789), Artigo 16
Toda sociedade na qual a garantia dos direitos no estiver assegurada,
nem determinada a separao dos poderes, no tem Constituio.16
A responsabilidade dos ministros de Estado, nas primeiras dcadas do sculo
XIX, no apenas era uma novidade jurdico-institucional, como tambm lexical, fruto
das revolues liberais setecentistas que derrubaram os regimes de governo
monrquicos absolutos e propuseram em seu lugar quer monarquias constitucionais
mistas e limitadas, inspiradas em uma concepo idealizada do regime de governo
monrquico britnico, difundida pela Europa do sculo XVIII; quer repblicas
presidencialistas, inspiradas nos ideais do republicanismo ingls do sculo XVII. Por
um lado, havia a questo de como conciliar e garantir a autoridade dos membros dos
Poderes Executivo e Legislativo e os direitos e garantias individuais, sem correr o risco
de qualquer derrapagem revolucionria.17
Por outro, os textos constitucionais
promulgados ou outorgados durante esses anos, tais como a Constituio Poltica do
Imprio do Brasil de 1824, quanto as Cartas Constitucionais Francesas de 1814 e 1830,
pouco dispunham a respeito das relaes a serem estabelecidas entre os Poderes
Legislativo, Executivo e Moderador, de modo a deixar para a prtica poltico-
institucional delimitar os meios pelos quais o texto constitucional seria efetivamente
aplicado. Diante desse quadro, coube em especial ao Corpo Legislativo articular, por
meio das discusses travadas em plenrio, limites s amplas atribuies conferidas em
abstrato pelo texto constitucional ao imperador, construindo-lhe um papel possvel e
16
Traduo livre do autor, a partir do texto original em francs: Toute Socit dans laquelle la garantie
des Droits n'est pas assure, ni la sparation des Pouvoirs dtermine, n'a point de Constitution. art.16 de
Declarao de Direitos de 1789. Para o texto integral da Declarao dos Direitos do Homem e do
Cidado consultar: http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-
constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-
1789.5076.html, Acesso em : em 13 de abril de 2016. 17
De acordo com Alain Laquize, ao analisar as origens do regime parlamentar francs e, de certa forma,
distanciando-se da historiografia tradicional sobre o tema, a grande preocupao dos homens da primeira
metade do sculo XIX foi encontrar os meios de fundar de fato um regime poltico, de modo a conciliar
autoridade e liberdades individuais, que pudesse dispor de uma estabilidade suficiente para evitar toda
derrapagem revolucionria (LAQUIZE, Alain. Les origines du rgime parlementaire em France
(1814-1848). Paris: Presses Universitaires de France, 2002, p.3). Cumpre-se notar que, mantendo-se ou
no o texto constitucional, revolues eclodiram em busca da estabilidade almejada ou conciliao, tal
como articulada por Guizot (nas dcadas de 1830 e 1840 na Frana) e pelo marqus de Paran (na dcada
de 1850 no Brasil) , sem contudo obterem plenamente sucesso. Nesse sentido, verificar os inmeros
revezes que sofreram os regimes de governo constitucionais no decorrer do sculo XIX.
http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.htmlhttp://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.htmlhttp://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html
21
vivel, tendo em vista as aspiraes dos diversos segmentos econmico-sociais das
provncias representados na Assembleia Geral Legislativa. Nesse sentido, houve a
discusso acerca da regulamentao e efetiva aplicao da responsabilidade dos
ministros e secretrios de Estado, bem como dos pedidos de informaes e solicitaes
de esclarecimentos, ambos os mecanismos de controle dos atos ministeriais tratados ao
longo desta tese.
Neste captulo, aps uma reflexo sobre a novidade poltico-institucional
representada pela formulao da concepo moderna de responsabilidade dos ministros
de Estado, a partir das revolues liberais setecentistas que derrubaram os regimes de
governo monrquicos absolutos e propuseram em seu lugar quer monarquias
constitucionais mistas e limitadas, quer repblicas presidencialistas (subttulo 1.1),
analisar-se- como ocorreu sua apropriao pelas Cortes Gerais e Extraordinrias e
Constituintes da Nao Portuguesa (1821-1822), a qual impactou no apenas no perodo
anterior independncia (subttulo 1.2), como tambm na articulao de um sistema de
governo monrquico hereditrio representativo constitucional para o nascente Imprio
do Brasil em 1823-1824 (subttulo 1.3). A seguir, para melhor compreenso do
mecanismo de controle dos atos praticados pelo Poder Executivo (e, eventualmente, do
Moderador, no caso do Imprio do Brasil, em virtude da adoo da diviso quadripartite
do Poder), narrar-se- sua evoluo histrica atravs das experincias legislativo-
constitucionais britnica, norte-americana e francesa. Ou seja, desde suas origens
britnicas, com a criao do mecanismo jurdico-penal do impeachment (subttulo 1.4),
e sua reformulao pela Constituio dos Estados Unidos de 1787 (subttulo 1.5); at a
articulao da responsabilidade penal com efeitos polticos pelos parlamentares
franceses durante a Segunda Restaurao (subttulo 1.6). A partir dessas experincias
legislativo-constitucionais, no subttulo 1.7, expor-se- a concepo de responsabilidade
dos ministros de Estado defendida por Benjamin Constant, principal defensor da criao
de um Poder Real, adotado pelo Imprio do Brasil sob a denominao de Poder
Moderador. Por fim, no subttulo 1.8, analisar-se- como a historiografia brasileira
abordou a questo das origens da responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado
no Imprio do Brasil a partir de uma interpretao elaborada no debate jurdico-poltico
travado na dcada de 1860 entre conservadores e liberais, sobre o poder pessoal do
imperador, de modo a minimizar, ou mesmo desconsiderar, a ampla discusso travada
22
na Assembleia Geral Legislativa, em especial na Cmara dos Deputados, durante a
Primeira Legislatura, sobre esse tema.
1.1 A responsabilidade enquanto novidade poltico-institucional
Aps as revolues liberais das ltimas dcadas do sculo XVIII, nas quais no
apenas se questionou a organizao poltica dos Estados como tambm, em algumas
delas, obteve-se a efetiva ruptura poltico-institucional com a proclamao dos
princpios dos sistemas de governo constitucionais, aflorou a questo de como colocar
em prtica aquilo que na teoria poltica parecia ser perfeito. No bastava afirmar que a
revoluo tinha acabado18
, se permanecia a dvida sobre qual seria de fato o novo
Estado a ser construdo. Conforme sublinha Reinhart Koselleck, nesse momento os
homens passaram a ter conscincia de que viviam em um perodo de transio, o qual
ordenava de maneira temporalmente diversa a diferena entre experincia e
expectativa.19
Dessa forma, mltiplas foram as experincias constitucionais algumas
bem sucedidas, outras nem tanto , vividas nesse perodo em que a velha ordem
desabara, mas ainda no se sabia exatamente qual a nova ordem possvel e vivel, de
acordo com os novos tempos em constante transformao. Nesse momento, o sistema
de governo monrquico-constitucional foi apenas uma das mltiplas solues possveis
para a reorganizao do Estado. Concebido a partir do que se acreditava serem as
vantagens do regime de governo britnico e com o propsito de barrar os excessos
revolucionrios, foi adotado em Estados de ambos os hemisfrios, dentre os quais o
nascente Imprio do Brasil.
Sublinhe-se que, por sistema de governo constitucional, nos termos do artigo 16
da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1791)20
, em epgrafe, reafirmado
18
Refiro-me proclamao feita pelos cnsules da Repblica, tendo frente Napoleo Bonaparte
(Primeiro Cnsul), que dois dias depois da outorga da Constituio do Ano VIII (1799) afirmou:
Citoyens, la Rvolution (...) est finie (traduo livre do autor: Cidados, a Revoluo (...) acabou). 19
De acordo com Koselleck: tanto o progresso sociopoltico quanto o progresso tcnico-cientfico
modificam os ritmos e os prazos do mundo-da-vida graas acelerao (...) ... a partir de 1789 a mudana
da organizao social e poltica realmente parecia ter rompido todas as experincias tradicionais. (...) No
apenas o fosso entre o passado e o futuro aumenta; a diferena entre experincia e expectativa sempre
superada, e de forma cada vez mais rpida, para que possa continuar viva e atuante (KOSELLECK,
Reinhart. Futuro Passado: Contribuio semntica dos tempos histricos (1 edio: 1990). Rio de
Janeiro: Contraponto, PUC-Rio, 2006, p.321-322). 20
Sobre a relevncia do artigo 16 para a delimitao do conceito de Constituio, articulado a partir das
Revolues Liberais das ltimas dcadas do sculo XVIII, ver FERNNDEZ SEBASTIN, Javier;
FRANCISCO FUENTES, Juan. Diccionario poltico y social del siglo XIX espaol. Madri: Alianza
23
no Prembulo das Bases da Constituio Poltica da Monarquia Portuguesa (1821)21
e
no artigo 9 da Constituio Poltica do Imprio do Brasil (1824)22
, entendia-se aquele
no qual no apenas eram garantidos os direitos individuais dos cidados, como tambm
organizados e limitados os Poderes Pblicos do Estado. Dessa forma, para o
cumprimento do disposto no texto constitucional, de modo a assegurar o pleno
funcionamento poltico-institucional dos Poderes Estatais de acordo com as
atribuies e os limites estabelecidos pela prpria Carta de 1824 e garantir o respeito
aos direitos individuais nele elencados, o tema da responsabilidade dos ministros e
secretrios de Estado por eventuais infraes, ao disposto no texto legal23
, cometidas no
desempenho de suas funes se tornou central desde a abertura da Assembleia Geral
Legislativa no dia 06 de maio de 1826. Conforme sublinha Antnio Manuel Hespanha,
para a experincia constitucional portuguesa de 1821-22, mas perfeitamente aplicvel
brasileira:
A grande ateno que se dedicou questo da responsabilidade dos agentes polticos durante a
primeira gerao do liberalismo explica-se, por um lado, pela desconfiana que alguns autores
(nomeadamente J. Bentham) tinham instilado em relao aos titulares de cargos pblicos e, em
geral, burocracia. Por outro lado explica-se pela m fama de prepotncia, de prevaricao, de
suborno que os ministros j tinham na cultura popular portuguesa da poca. A lista dos atos
que faziam incorrer os ministros em responsabilidade (falta de observncia das leis; abusos do
poder; atentado liberdade, segurana, ou propriedade dos cidados; dissipao ou mau uso dos
bens pblicos) era um bom indcio dos sentimentos dominantes em relao classe.24
Assim, verifica-se que a questo da responsabilidade dos ministros e secretrios
de Estado por eventuais infraes, ao disposto no texto legal, cometidas no desempenho
de suas funes um tema clssico do direito pblico e despertou o interesse tanto de
Editorial, 2002; FIORAVANTI, Maurizio. Constitucin: De la Antigedad a nuestros das.
Madrid: Trotta, 2001. 21
De acordo com as Bases da Constituio Poltica da Monarquia Portuguesa em seu Prembulo: As
Cortes gerais e extraordinrias da Nao Portuguesa, antes de procederem a formar a sua constituio
poltica, reconhecem os mais adequados para assegurar os direitos individuais do cidado, e estabelecer a
organizao e limites dos poderes pblicos do Estado (Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da
Nao Portuguesa, nmero 30 de 09 de maro de 1821, p.232). 22
De acordo com a Constituio Poltica do Imprio do Brasil, em seu artigo 9: A Diviso, e harmonia
dos Poderes Polticos o principio conservador dos Direitos dos Cidados, e o mais seguro meio de fazer
efetivas as garantias, que a Constituio oferece. 23
Texto legal em sentido amplo de modo a abranger desde a Constituio at a legislao ordinria em
vigor no Imprio do Brasil. 24
HESPANHA, Antnio Manuel. Hercules confundido: sentidos improvveis e incertos do
constitucionalismo oitocentista: o caso portugus. Curitiba: Juru, 2010, p.118. Alis, a desconfiana da
populao frente ao despotismo ministerial era generalizada e objeto de combate nas diversas
experincias constitucionais levadas a cabo desde as Revolues Liberais das ltimas dcadas do sculo
XVIII.
24
juristas quanto de historiadores desde o momento em que ocorreram as primeiras
experincias constitucionais e legislativas decorrentes das Revolues Liberais das
ltimas dcadas do sculo XVIII.25
Contudo, isso no significa que at esse momento
algum ministro e secretrio de Estado tenha sido condenado e/ou punido em decorrncia
de atos praticados no exerccio de seu cargo; mas que, a partir de ento, o tema no
apenas foi resgatado e reelaborado no plano terico, inclusive com a utilizao de um
novo vocabulrio jurdico-poltico a ele relacionado, como tambm convertido em um
dos pilares dos sistemas de governo constitucionais em construo em ambas as
margens do Atlntico. A responsabilidade poltica, tal como se conhece hoje, era de
uma novidade poltico-institucional cujos primeiros esboos prtico-tericos se
encontram nas experincias constitucionais e parlamentares norte-americana e francesa,
inclusive do perodo pr-revolucionrio. Em ambos os casos, sempre com a referncia
ao modelo ideal do Parlamento Britnico, o qual em geral funcionava mais como
argumento retrico do que como fiel relato da prtica parlamentar inglesa, como a
seguir exposto neste captulo. Assim, se at ento a responsabilidade se limitava ao
plano penal, atravs da utilizao do impeachment, inclusive com a efetiva execuo
dos condenados, passou-se a articular mecanismos para a responsabilidade poltica de
altos dignitrios do Estado, como a seguir ser analisado neste captulo.
Sublinhe-se que a expresso responsabilidade dos ministros abrange as mais
diversas formas de responsabilidade dos titulares das diversas pastas ministeriais em um
determinado Estado por eventuais infraes, ao disposto no texto legal, cometidas no
desempenho de suas funes. Dentre elas, destacam-se, por estarem diretamente
relacionadas ao tema desta tese, as responsabilidades moral, penal e poltica, cujos
conceitos foram articulados por meio da prtica poltico-parlamentar, reiterada ao longo
das diversas legislaturas e consagradas como um costume a ser respeitado26
, mais do
25
Sobre o sistema de garantias e direitos individuais frente aos atos de poder do Antigo Regime pr-
iluminista, ver HESPANHA, Antnio Manuel. Hercules confundido: sentidos improvveis e incertos do
constitucionalismo oitocentista: o caso portugus. Curitiba: Juru, 2010. Nesse texto, antes de analisar os
textos constitucionais portugueses de 1822, 1826 e 1838, o autor tece algumas reflexes sobre as
continuidades entre a constituio do Antigo Regime e os diversos textos constitucionais portugueses
posteriores Revoluo do Porto, em especial, na Constituio da Monarquia Portuguesa de 1822, na
qual se verificava a permanncia de fontes da ordem jurdica de Antigo Regime, que acaba por funcionar
como uma moldura normativa que enquadra a prpria constituio, o direito que dela resulta e a atividade
judicial e administrativa que aplicam uma e outro (HESPANHA, Antnio Manuel. Hercules confundido:
sentidos improvveis e incertos do constitucionalismo oitocentista: o caso portugus. Curitiba: Juru,
2010, p.131). 26
Depara-se, na leitura dos Anais de ambas as Cmaras da Assembleia Geral Legislativa do Imprio do
Brasil, com inmeras referncias de seus membros em relao s prticas consagradas em outras sesses
25
que previamente estabelecidos na doutrina jurdica e/ou em textos legais.27
Cumpre-se
notar que, no decorrer no Primeiro Reinado do Imprio do Brasil, conforme analisado
no prximo captulo, em um primeiro momento, o empenho dos deputados foi no
sentido de ser regulamentada a responsabilidade penal dos ministros e secretrios de
Estado e dos conselheiros de Estado, nos termos dos artigos 133 a 135 e 143 da
Constituio Poltica do Imprio do Brasil; de modo que, apenas a partir do final da
Primeira Legislatura, buscou-se atingir objetivos polticos atravs da aplicao de um
dispositivo penal.28
A Responsabilidade moral a perante a opinio pblica, ou seja, existe ex fato
(isto , decorrente do fato e no do direito) e no necessita de consagrao jurdica para
ser invocada. Desse modo, difere da responsabilidade legal ou jurdica, a qual decorre
de expressa previso legal, tal como a responsabilidade penal dos ministros e
secretrios de Estado e dos conselheiros de Estado, expressamente prevista na
Constituio Poltica do Imprio do Brasil e regulamentada pela lei de 15 de outubro de
1827, fruto do procedimento legislativo analisado no prximo captulo. Sublinhe-se que
nesses textos legais h a referncia apenas responsabilidade penal dos ministros e
legislativas e que, por isso, deveriam ser respeitadas independente do fato de estarem ou no inseridas no
Regimento Interno. Nesse sentido, verifica-se, durante o perodo objeto de anlise nesta tese, um esforo
contnuo dos membros do Corpo Legislativo de articularem mecanismos de controle dos demais Poderes
Estatais, no expressamente previstos no texto constitucional mas passveis de serem consagrados a partir
da prtica poltico-parlamentar. Conforme sublinha Sir Ivor Jennings em relao ao papel das convenes
dentro da tradio constitucional inglesa, referindo-se a uma determinada prtica presente no Parlamento
Britnico desde o incio do sculo XIX: Cada ato um precedente, mas nem todos os precedentes criam
uma regra. (...) mais importante que exista uma srie de precedentes. (...) um fato de maior relevncia
que nenhum monarca desde a Rainha Ana tenha vetado um Bill. (...) Os precedentes criam convenes
porque h razes de natureza geral que os relacionam com as condies polticas existentes e porque so
geralmente reconhecidos como adaptaes sensatas de regras convencionais existentes para atender a
condies polticas mudadas ou em mudana (JENNINGS, Sir Ivor. Governo de Gabinete. Brasilia;
Senado Federal, 1979 (1 edio em ingls: 1936), em especial Captulo I, p.1-18). 27
Neste sentido ver LAQUIZE, Alain. Les origines du rgime parlementaire em France (1814-1848).
Paris: Presses Universitaires de France, 2002, em especial a introduo geral, na qual o autor faz uma
reflexo sobre a relao entre responsabilidade poltica e regime de governo parlamentar. 28
Apesar de a lei de 15 de outubro de 1827 ter regulamentado tanto a responsabilidade dos ministros e
secretrios de Estado como tambm a dos conselheiros de Estado, a nfase nesta tese ser na
responsabilidade dos primeiros, a qual no apenas foi regulamentada pela mencionada lei como tambm
aplicada no final da Primeira Legislatura ao ser iniciado o processo de responsabilidade em face de
Joaquim de Oliveira lvares, ento ministro e secretrio de Estado dos Negcios da Guerra. Nesse
sentido, ver captulo quarto supra.
Em relao aos conselheiros de Estado, apesar de a responsabilidade ter sido igualmente regulamentada
pela lei de 15 de outubro de 1827, houve pouca movimentao dos deputados da oposio no sentido de
sua efetiva aplicao. Muitas denncias de infraes cometidas pelos (ex-)ministros-conselheiros foram
feitas em plenrio, mas nenhuma foi formalizada nos termos da lei da responsabilidade. No subttulo 4.9,
so levantadas algumas hipteses para esse silncio dos deputados em relao aos conselheiros de Estado.
26
secretrios de Estado e dos conselheiros de Estado pela qual diante de uma eventual
infrao ao texto legal deve ser cominada uma determinada pena prevista em lei.
A responsabilidade poltica caracterstica dos governos parlamentares, mas
no restrita a eles a decorrente da perda de confiana dos membros do Poder
Legislativo em relao aos do Poder Executivo, cujas atividades so analisadas
independentemente de qual tenha sido seu autor. Trata-se de uma presuno de
responsabilidade que obriga o Gabinete a pedir demisso, ou ser demitido ad nutum
(por simples vontade), diante da perda da confiana do responsvel por sua nomeao.29
Sublinhe-se que a responsabilidade poltica, tal como foi articulada no decorrer do
sculo XIX (na Frana durante a Monarquia de Julho e na Inglaterra aps a Reforma
Eleitoral de 1832), no foi diretamente objeto de discusso legislativa durante o
Primeiro Reinado, apesar de alguns deputados, em momentos mais tensos, levantarem a
possibilidade de o Corpo Legislativo deliberar uma moo de censura e solicitar ao
imperador a demisso de parte ou de todos os ministros e secretrios de Estado. No
entanto, apesar de no estar prevista nem no texto constitucional, nem na legislao
ordinria, os deputados obtiveram, em alguns momentos, ganhos polticos pela
aplicao da lei da responsabilidade e, nesse sentido, consultar os captulos seguintes
desta tese.
1.2 Responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado no Reino Brasil antes
da independncia a experincia constitucional das Cortes Gerais e
Extraordinrias e Constituintes da Nao Portuguesa (1821-1822)
Na medida em que a questo da responsabilidade dos ministros e secretrios de
Estado foi discutida, em diversos momentos, nas Cortes Gerais e Extraordinrias e
Constituintes da Nao Portuguesa e proclamada pelas Bases da Constituio30
em seu
29
Para as diversas concepes e requisitos da responsabilidade poltica na doutrina jurdica e de sua
distino frente s demais espcies de responsabilidade ministerial, consultar HAVAS, Nathalie. La
responsabilit ministrielle em France: contribuition une approche historique des responsabilits
politique et pnale des ministres de la Rvolution de 1789 la Ve Rpublique. Paris: Dalloz, 2012, p.25-
34. 30
O decreto das Bases da Constituio Poltica da Nao Portuguesa foi assinado na sesso do dia 09 de
maro de 1821 e promulgado no dia seguinte (Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao
Portuguesa, nmero 30 de 09 de maro de 1821, p.232-235).
Sobre os acontecimentos que levaram convocao das Cortes Gerais Extraordinrias e Constituintes da
Nao Portuguesa, bem como de seus primeiros desdobramentos poltico-institucionais ver VARGUES,
Isabel Nobre. A aprendizagem da cidadania em Portugal (1820-1823). Coimbra: Minerva, 1997 (a partir
da dissertao de doutoramento apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em
27
artigo 3131
, ela aportou no Rio de Janeiro juntamente com esse diploma legal no dia 21
de maio de 182132
. A questo era aparentemente simples, frente inviolabilidade do rei,
algum tinha que responder pelas aes e omisses praticadas pelo Governo. Destarte,
nas Cortes de Lisboa, no apenas se ressaltou a relao existente entre a inviolabilidade
do monarca e a responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado, de modo que
aquela apenas podia existir diante do reconhecimento desta, como tambm proclamou-
se o temor diante do papel malfico eventualmente desempenhado pelos titulares das
diversas pastas ministeriais junto ao rei, de modo a justificar a responsabilizao
daqueles pelas infraes aos textos legais porventura cometidas no exerccio de seus
cargos. Assim, na sesso do dia 27 de fevereiro de 1821, durante a discusso da questo
da iniciativa legislativa, Joo Pereira da Silva (deputado eleito pela provncia do Minho)
alertou para o perigo de se atribuir ao Poder Executivo o rei e seus ministros de
Estado a exclusividade na proposio das leis, tal como disposto na Carta
Constitucional francesa de 1814. Para esse deputado, essa soluo tornaria ilusria toda
a liberdade poltica, pois:
Ha muitas Leis, e at mesmo Leis fundamentais que nunca seriam propostas se
chocassem os interesses do Ministrio, uma vez que ele tivesse na sua mo
exclusivamente o direito da iniciativa. A Frana por exemplo determinou na sua
Constituio, que os Ministros seriam responsaveis, mas como era necessaria uma tal
Lei que fizesse efetiva e a responsabilidade, e o direito de iniciativa estava s nas mos
1993). Em relao participao dos deputados brasileiros nas Cortes lisboetas, ver BERBEL, Mrcia
Regina. A nao como artefato: Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas (1821-1822). So Paulo:
Hucitec, 2010 (1 edio: 1998, a partir de tese de doutoramento apresentada na Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo em 1997); FERREIRA, Paula
Botafogo Caricchio. Deputados Portugueses e Redatores Fluminenses na Construo da Monarquia
Constitucional Portuguesa (1821-1822). 2010, 187f. Dissertao (Mestrado em Histria Social).
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010. Sobre
o impacto da Revoluo do Porto de 1820 na corte portuguesa no Rio de Janeiro, ver ALEXANDRE,
Valentim. Os Sentidos do Imprio: Questo nacional e questo colonial na Crise do Antigo Regime
Portugus. Porto: Afrontamento, 1993 (a partir de tese de doutoramento apresentada na Universidade
Nova de Lisboa em 1988 e defendida em 1989). 31
De acordo com as Bases da Constituio Poltica da Nao Portuguesa em seu artigo 31: O rei
inviolvel na sua pessoa. Os seus ministros so responsveis pela falta de observncia das leis,
especialmente pelo que obrarem contra a liberdade, segurana e propriedade dos cidados, e por qualquer
dissipao ou mau use dos bens pblicos (Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao
Portuguesa, nmero 30 de 09 de maro de 1821, p.233). 32
Nesse sentido ver SOUSA, Otvio Tarqunio de. Histria dos Fundadores do Imprio. Volume III A
vida de D. Pedro I. (1 edio: 1952) So Paulo: Itatiaia, Universidade de So Paulo, 1988, Tomo I,
p.228-229.
28
do Ministrio, nunca ela se pode conseguir. por tanto indubitvel que o direito de
iniciativa deve pertencer s Cortes.33
Na mesma sesso, pouco depois, Manoel Borges Carneiro (deputado eleito pela
provncia da Extremadura)34
sugeriu que se fizesse referncia expressa obrigariedade
de os ministros assinarem todas as ordens por eles emitidas, de modo a se fazer efetiva
sua responsabilidade, alm de serem elencadas no apenas as atribuies, mas tambm
as proibies a respeito do rei. Cumpre-se notar que nenhum deputado se posicionou em
oposio incluso da responsabilidade dos ministros de Estado no texto das Bases da
Nao Portuguesa.35
E, ainda nas Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa,
na sesso do dia 03 de maro do mesmo ano, por ocasio da discusso acerca da
necessidade e da utilidade de se criar um Conselho de Estado, com membros propostos
pelas Cortes e de consulta facultativa, nos moldes do articulado pelo constituinte
gaditano, o deputado Miranda (em oposio ao posicionamento de Borges Carneiro e
demais deputados liberais) alertou para o perigo de se prever um rgo irresponsvel
entre o rei e os ministros de Estado, de modo a inviabilizar a aferio da
responsabilidade destes ltimos, pois cobertos pelas decises secretas adotadas por
aquele rgo colegiado, tal como exposto pelo deputado Giro pouco antes. Sublinhe-se
que a a criao de um Conselho de Estado foi aprovada por 42 votos contra 41, o que
mostra o acirramento da discusso em torno dessa questo.36
Alm disso, referncias a
abusos cometidos por ministros e secretrios de Estado eram comuns nas Cortes, bem
como a deliberao sobre ordens mais restritas a serem a eles enviadas com o objetivo
de coibir os abusos.
33
Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa, nmero 23 de 27 de fevereiro de
1821, p.171, 173-174. 34
Manuel Borges Carneiro nasceu em Resende, Portugal 02 de novembro de 1774 e faleceu na priso,
em Cascais, a 04 de julho de 1833. Formou-se em Cnones pela Universidade do Coimbra, em 1800.
Nomeado desembargador na Relao do Porto (1820), integrou o Sindrio e participou da Revoluo
ocorrida naquela cidade. Eleito deputado s Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa, foi um
de seus mais ativos membros. Promulgado o texto constitucional, foi eleito para as novas Cortes, as quais
seriam dissolvidas, aps a Vilafrancada (17 de maio de 1823), no dia 02 de junho de 1823. Com o
falecimento de dom Joo VI e a outorga da Carta de 1826 por dom Pedro IV (I do Brasil), foi eleito para a
nova Legislatura. Em dezembro de 1827, foi nomeado desembargador da Casa de Suplicao de Lisboa,
contudo, com o retorno de dom Miguel e a restaurao do absolutismo em Portugal, foi preso e na priso
faleceu anos depois. 35
Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa, nmero 23 de 27 de fevereiro de
1821, p.171, 173-174. 36
Dirio das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa, nmero 26 de 03 de maro de 1821,
p.197-201.
29
No Reino do Brasil, dom Pedro, ento prncipe-regente37
, fundamentado no
artigo 31 das Bases da Nao Portuguesa, atravs do decreto de 05 de junho de 1821,
criou uma Junta Provisional, composta por nove Deputados escolhidos de todas as
Classes, para a verificao da responsabilidade dos ministros e secretrios de Estado em
exerccio (Pedro lvares Diniz, conde de Louz, Carlos Frederico da Caula e Manoel
Antonio Farinha, respectivamente, nas pastas dos Negcios do Reino, da Fazenda, da
Guerra e da Marinha) conforme prevista no decreto de 22 de abril38
, a qual deveria
ser responsvel perante as Cortes de Lisboa. Alm disso, o mesmo decreto estabelecia
que deveriam ser submetidos recm-criada Junta Provisional, todos os projetos de lei,
que pela necessidade pblica o prncipe-regente fosse obrigado a fazer, o que resultava,
de certa forma, em um controle prvio da legalidade dos atos dos diversos titulares das
pastas ministeriais, pelos atos por eles referendados.39
Ao assim agir, o prncipe-regente
37
O prncipe real primognito, herdeiro e sucessor do trono do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarve, dom Pedro de Alcntara se tornou prncipe-regente do Governo Provisrio do Reino do Brasil e
lugar-tenente de dom Joo VI atravs do decreto de 22 de abril de 1821, mas assumiu a regncia apenas
quatro dias depois, no dia 26 de abril (CAIRU, Jos da Silva Lisboa, visconde de. Historia dos principaes
successos polticos do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Imperial e Nacional, 1827, tomo I, p.89).
Nas instrues foram designados ministros e secretrios de Estado: o conde dos Arcos, o conde de Lous,
o Marechal de Campo Carlos Frederico de Caula, o Major General da Armada Manoel Antnio Farinha
respectivamente para as Secretarias de Estado dos Negcios do Reino e Estrangeiros, Fazenda, Guerra e
Marinha os dois ltimos interinos (Coleo das Leis do Brasil de 1821. Tomo II: Decretos, Cartas e
Alvars. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p.71-72; Coleo Cronolgica das Leis, Decretos,
Resolues de Consulta, Provises, etc., etc., do Imprio do Brazil desde 1808 at 1831 inclusive
contendo alm do que se acha publicado nas melhores colees, para mais de duas mil peas inditas,
coligidas pelo. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1837, terceiro tomo [1819-
1822], p.178-182).
Conforme sublinha Vera Lcia Nagib Bittencourt, a Regncia de dom Pedro abrange o perodo de 26 de
abril de 1821 a 12 de outubro de 1822, quando foi aclamado imperador do Brasil. Sobre o retorno da
Corte para Lisboa e o incio do governo do prncipe-regente dom Pedro, ver SOUSA, Otvio Tarqunio
de. Histria dos Fundadores do Imprio. Volume III A vida de D. Pedro I. (1 edio: 1952) So Paulo:
Itatiaia, Universidade de So Paulo, 1988, Tomo I, p.213-237; OLIVEIRA, Ceclia Helena Lorenzini de
Salles. A Astcia Liberal: Relaes de Mercado e Projetos Polticos na Corte do Rio de Janeiro (1820-
1824). Bragana Paulista: EDUSF, cone, 1999 (tese de doutorado em Histria Social defendida na
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo em 1986);
BITTENCOURT, Vera Lcia Nagib. De alteza real a imperador: o governo do Prncipe D. Pedro, de
abril de 1821 a outubro de 1822. 2006, 395f.. Tese (doutorado em Histria Social). Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006. 38
De acordo com as instrues deixadas por dom Joo VI ao prncipe-regente: O Principe Real tomar
as suas resolues em Conselho, formado dos Ministros de Estado [os condes dos Arcos e de Lous] e
dos dous Secretrios de Estado interinos [Carlos Frederico da Caula e Manoel Antonio Farinha], e as suas
determinaes sero referendadas por aquele dos Ministros de Estado, ou Secretrios da competente
Repartio, os quais ficaro responsveis (Coleo Cronolgica das Leis, Decretos, Resolues de
Consulta, Provises, etc., etc., do Imprio do Brazil desde 1808 at 1831 inclusive contendo alm do que
se acha publicado nas melhores colees, para mais de duas mil peas inditas, coligidas pelo. Rio de
Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1837, terceiro tomo [1819-1822], p.179). 39
De acordo com o decreto de 22 de abril de 1821, o prncipe-regente deveria tomar suas resolues em
Conselho, formado dos Ministros de Estado, e dos dois Secretrios de Estado interinos, de modo que
elas deveriam ser referendadas pelos ministros e secretrios de Estado competentes para sua execuo, os
quais ficavam responsveis pelos atos por ele referendados (Coleo das Leis do Brasil de 1821. Tomo II:
Decretos, Cartas e Alvars. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p.72). Cumpre-se notar que, at
30
dava uma resposta ao pronunciamento das tropas da Corte, arvorada em intrprete do
pensamento constitucional e fiscal da execuo dos atos do Soberano Congresso40
, com
o apoio do povo, na defesa do juramento do texto promulgado pelas Cortes Gerais e
Extraordinrias da Nao Portuguesa (jurado pelo prncipe-regente no dia 08 de junho),
da demisso do conde dos Arcos41
(ministro e secretrio de Estado dos Negcios do
Reino e Estrangeiros42
), o qual seria, poucos dias depois, preso e deportado, sob a
acusao de ter influenciado o prncipe dom Pedro a no jurar as Bases da Constituio
Poltica da Nao Portuguesa e conspirado contra as Cortes lisboetas.43
Nesse
este momento, no era regra a referenda dos atos emitidos pelo rei, o qual se limitava a rubric-los ou a
escrever Rei. Sobre o decreto de 22 de abril de 1821, ver SOUSA, Otvio Tarqunio de. Histria dos
Fundadores do Imprio. Volume III A vida de Dom Pedro I. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1988 (1
edio: 1952), Tomo I, p.232-233. 40
SOUSA, Otvio Tarqunio de. Histria dos Fundadores do Imprio. Volume III A vida de Dom Pedro
I. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1988 (1 edio: 1952), Tomo I, p.227. 41
Dom Marcos de Noronha e Brito (oitavo conde dos Arcos) nasceu em Lisboa, a 07 de julho de 1771 e
faleceu na mesma cidade em 1828. Militar, ltimo vice-rei do Brasil (1806-1808). Governador e capito-
geral das Capitanias do Gro-Par (1803-1806) e da Bahia (1810 a 1818), atuou na represso aos
revolucionrios de 1817. Foi nomeado ministro e secretrio de Estado dos Negcios da Marinha e
Ultramar, por dom Joo VI, onde permaneceu at o pronunciamento de 26 de fevereiro de 1821 no qual
se opuseram, a princpio, os verdadeiros constitucionais (articulados em torno de Ledo, Cunha Barbosa e
Clemente Pereira, em defesa das Cortes Gerais e Extraordinrias da Nao Portuguesa) em face dos
agentes do despotismo (nobres emigrados, altos burocratas e proprietrios fluminenses mais abastados).
Conforme sublinha Ceclia Helena de Salles Oliveira, nesse momento a expresso independncia
nacional aparecida associada proposta de atuao conjunta dos liberais portugueses e fluminenses no
sentido da derrubada das leis e instituies que sustentavam a monarquia absoluta e o poder dos grandes
do Reino. Aps o retorno do rei para Portugal, atravs do decreto de 22 de abril, foi nomeado para a
pasta dos Negcios do Brasil e Estrangeiros tornando-se uma espcie de valido do prncipe-regente
onde permaneceria at 05 de junho, quando foi substitudo por Pedro lvares Diniz. Na Corte do Rio de
Janeiro, tornou-se o principal conselheiro do prncipe regente, sobre quem exercia considervel
influncia. De acordo com Otvio Tarqunio de Sousa, coube ao conde dos Arcos (espcie de minence
grise do Governo) incutir em dom Pedro a preferncia pelo Brasil e de aqui permanecer (SOUSA, Otvio
Tarqunio de. Histria dos Fundadores do Imprio. Volume III A vida de Dom Pedro I. Rio de Janeiro:
Jos Olympio, 1988 (1 edio: 1952), Tomo I, p.182-188, 221-232; sobre a articulao da manifestao
de 26 de fevereiro de 1821, ver OLIVEIRA, Ceclia Helena Lorenzini de Salles. A Astcia Liberal:
Relaes de Mercado e Projetos Polticos na Corte do Rio de Janeiro (1820-1824). Bragana
Paulista: EDUSF, cone, 1999 (tese de doutorado em Histria Social defendida na Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo em 1986), p.108-128). Aps a morte de dom Joo
VI, foi nomeado para a Regncia sob a presidncia da Infante Dona Isabel Maria e, em 1826, par do
Reino, por dom Pedro IV (I do Brasil). 42
Atravs do decreto de 22 de abril de 1821, de dom Joo VI, antes de seu retorno Portugal, foram
nomeados ministros e secretrios de Estado do prncipe regente dom Pedro: os condes dos Arcos e de
Lous, Carlos Frederico de Caula, Manuel Antnio Farinha, respectivamente, para as Secretarias de
Estado dos Negcios do Reino e Estrangeiros, da Fazenda (como atual ), da Guerra e da Marinha. A
demisso do conde dos Arcos deduzida do decreto de 05 de junho de 1821, pelo qual o desembargador
do Pao Pedro Alves Dinis foi mencionado como ministro e secretrio de Estado dos Negcios do Reino
e Estrangeiros (Coleo Cronolgica das Leis, Decretos, Resolues de Consulta, Provises, etc., etc., do
Imprio do Brazil desde 1808 at 1831 inclusive contendo alm do que se acha publicado nas melhores
colees, para mais de duas mil peas inditas, coligidas pelo. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J.
Villeneuve e Comp., 1837, terceiro tomo [1819-1822], p.179, 196). 43
Sobre esse episdio da priso do conde dos Arcos ver o relato coevo do visconde de Cairu, em defesa
do conde dos Arcos, de modo a denunciar eventual a arbitrariedade contra ele cometida ao passar pela
capitania da Bahia (ou desde o Rio de Janeiro, com sua priso pelas tropas portuguesas comandadas pelo
General Jorge Avilez, de acordo com outros autores), em sua viagem de retorno Lisboa (CAIRU, Jos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_vice-reis_do_Brasil
31
movimento, apenas ficou reservada ao prncipe-regente a atribuio da escolha do
substituto do conde dos Arcos na Secretaria de Estado dos Negcios do Reino e
Estrangeiros, a qual recaiu sobre o desembargador do Pao Pedro lvares Diniz44
, e a
organizao de um governo provisrio.
Foram escolhidos, no dia 05 de junho de 1821, pelos eleitores da Comarca [da
Corte], para integrarem a Junta Provisional: Mariano Jos Pereira da Fonseca, Bispo
Capelo-Mr, Jos de Oliveira Barbosa, Jos Caetano Ferreira de Aguiar, Joaquim de
Oliveira lvares, Joaquim Jos Pereira de Faro, Sebastio Luiz Tinoco, Francisco Jos
Fernandes Barboza, Manoel Pedro Gomes. Contudo, apesar de toda essa movimentao
de povo e tropa, no apenas o prncipe-regente dom Pedro manteve no Governo das
Armas o Tenente-general Jorge de Avilez Juzarte de Souza Tavares, agora membro
(juntamente com o Brigadeiro Quartel Mestre General Verissimo Antonio Cardoso e o
Brigadeiro Graduado Francisco Saraiva da Costa Refoios) da comisso militar criada