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Universidade de So Paulo
Faculdade de Sade Pblica
A Problemtica do Financiamento da Ateno Bsica
nos municpios no perodo do Pacto pela Sade (2006-
2010): o caso do Estado da Bahia
SILVIA CYPRIANO VASCONCELLOS
So Paulo
2013
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sade Pblica da Faculdade de
Sade Pblica da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
rea de concentrao: Prticas de Sade Pblica
Orientador: Prof. Dr. quilas Nogueira Mendes
A Problemtica do Financiamento da Ateno Bsica nos municpios
no perodo do Pacto pela Sade (2006-2010): o caso do Estado da Bahia
SILVIA CYPRIANO VASCONCELLOS
So Paulo
2013
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sade Pblica da Faculdade de
Sade Pblica da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
rea de concentrao: Prticas de Sade pblica
Orientador: Prof. Dr. quilas Nogueira Mendes
expressamente proibida a comercializao deste documento tanto na forma impressa como
eletrnica. Sua reproduo total ou parcial permitida exclusivamente para fins acadmicos e
cientficos, desde que na reproduo figure a identificao do autor, ttulo, instituio e ano da
dissertao.
Agradecimentos
Ao trmino desta jornada, realizar agradecimentos uma tarefa difcil, pois
sempre se corre o risco de cometer injustias e esquecer pessoas importantes dessa
longa caminhada.
Ao professor quilas Nogueira Mendes, meu orientador, pela oportunidade de
sua orientao, conversas e reflexes sobre a poltica de sade, e por despertar e aguar
minha curiosidade sobre a poltica econmica.
Agradeo s pessoas e instituies que colaboraram para a idealizao,
construo e concretizao deste trabalho, de forma especial:
- aos colegas da Diretoria da Ateno Bsica da Secretria de Sade do Estado
da Bahia (DAB/SESAB), em especial, Lvia Nogueira, Marco Antnio
Minervino, Maria Aguin Cunha, Marta Caires, companheiros da equipe de
apoio institucional, pela oportunidade de desenvolver um projeto poltico neste
nvel de ateno;
- ao Conselho Estadual dos Secretrios Municipais de Sade da Bahia
(COSEMS-BA), na figura da sra. Stela dos Santos Souza e do sr. Fabiano
Ribeiro dos Santos, pela ajuda e incentivo no desenvolvimento desta pesquisa;
- ao grupo de estudos dos Professores quilas Nogueira Mendes, Aurea Maria
Zllner Ianni, Laura Camargo Macruz Feuerwerker da Faculdade de Sade
Pblica da Universidade de So Paulo e aos colegas integrantes do grupo por
compartilharem suas reflexes e seus conhecimentos sobre polticas pblicas,
estado e gesto;
- aos amigos-irmos Emmanuela Mendes Amorim, Liu Leal, Mariana Bertol
Leal, Mateus Matos, pelo carinho, incentivo, apoio prestado nesta caminhada;
A todos que injustamente esqueci de citar, mas que, direta ou indiretamente,
contriburam para o desenvolvimento desse trabalho, os meus sinceros agradecimentos.
Resumo
O presente estudo configura-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa
exploratria do tipo estudo de caso, com o objetivo de analisar as bases de
financiamento federal e estadual no campo da Ateno Bsica dos municpios do Estado
da Bahia, evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela Sade,
bem como as incertezas que cerceiam seu financiamento. Os dados foram coletados em
duas etapas: na primeira realizaram-se entrevistas semiestruturadas, com perguntas
fechadas e abertas, aplicadas aos representantes da diretoria da atual gesto do Conselho
Estadual dos Secretrios Municipais de Sade do Estado da Bahia (COSEMSBA); na
segunda etapa desenvolveu-se uma reviso documental, atravs da leitura e anlise das
portarias, resolues federais e estaduais, assim como atas de reunies da Comisso
Intergestores Bipartite (CIB), que trataram como tema a Poltica e o Financiamento da
Ateno Bsica. Observou-se que os problemas em relao ao financiamento da sade,
em especial da Ateno Bsica, persistem, mesmo aps a instituio do Pacto pela
Sade. Desta forma, conclui-se que descentralizao s obter sucesso se a quantidade
de recursos financeiros necessrios para responder aos compromissos assumidos no
atendimento populao for adequada, e tambm quando houver regularidade do
financiamento e da capacidade de incremento de recursos destinados sade pelas trs
esferas, ou seja, no basta a simples transferncia financeira, tambm se faz necessrio
discutir os critrios e as formas de alocao dos recursos.
Descritores: Financiamento; Ateno Bsica; Sistema nico de Sade.
Abstract
This study characterizes as an exploratory qualitative case study, with the aim of
analyzing the foundations of federal and state funding in Primary Healthcare of the
municipalities of the state of Bahia, bringing light upon current conflicts after the
deployment of the Pact for Health as well as the uncertainties that surrounded its
funding. Data were collected in two stages, the first semi-structured interviews were
conducted with closed and open questions, applied to current managers of the State
Council of Municipal Health Secretaries of the State of Bahia (BA-COSEMS/ Conselho
Estadual dos Secretrios de Sade-BA), in the second stage, it was developed a
document review, through reading and analysis of ordinances, resolutions, state and
federal, as well as minutes of meetings of the Managers Bipartite Commission
(Comisso Intergestores Bipartite-CIB), which dealt with the theme Politics and
funding of primary healthcare. It was observed that the issues, in relation to health
financing, particularly Primary Healthcare, persist even after the institution of the Pact
for Health. Therefore, it was concluded that decentralization will succeed when the
amount of financial resources needed to meet commitments assumed to serve the
population is adequate, and also when there is regular funding, increased resources for
health by the three spheres of government. It is estimated to be necessary to discuss the
criteria and forms of resource allocation in primary healthcare, as there are
disagreements about the equality of financial transfers to all municipalities and regions
of the state.
Descriptors: Funding; Primary; Unified Health System.
Lista de Tabelas
Tabela 1 - Distribuio da populao e dos municpios segundo faixa
populacional, Brasil, 2003. ................................................................
38
Tabela 2 - Comparao do gasto MAC com o PAB fixo. ................................... 81
Tabela 3 - Consulta de Despesa em valores correntes, por subfuno,
consolidada por fase de despesa, perodo de 2006 a 2008, Bahia. .....
82
Tabela 4 - Consulta de Despesa em valores, por subfuno, consolidada por
fase de despesa, perodo de 2009 a 2011, Bahia. ...............................
82
Tabela 5 - Percentual mnimo e aplicado pelo estado de acordo com a EC-29,
Bahia. .................................................................................................
89
Tabela 6 - Incentivo financeiro estadual para manuteno de equipes do
Programa Sade da Famlia. ..............................................................
115
Tabela 7 - Financiamento Federal e Estadual da Ateno Bsica, em 2006. ...... 117
Tabela 8 - Financiamento Federal e Estadual da Ateno Bsica, em 2010. ...... 118
Tabela 9 - Gastos com Sade do Estado da Bahia. ............................................. 133
Lista de Quadros
Quadro 1 - Municpios baianos sem Cobertura da Estratgia de Sade da
Famlia por populao, dezembro de 2004. .......................................
60
Quadro 2 - Sistematizao das Categorias Analticas. ......................................... 77
Quadro 3 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade da
Criana, perodo 2006 a 2010. ...........................................................
95
Quadro 4 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Controle da
tuberculose, perodo 2006 a 2010. .....................................................
95
Quadro 5 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade Bucal,
perodo 2006 a 2010. ..........................................................................
96
Quadro 6 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade da Mulher,
perodo 2006 a 2010. ..........................................................................
96
Quadro 7 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Sade Materna-
Infantil, perodo 2006 a 2010. ............................................................
97
Quadro 8 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Eliminao da
Hansenase, perodo 2006 a 2010. .....................................................
97
Quadro 9 - Indicadores do Pacto pela Sade, rea estratgica Coeficiente de
Mortalidade para algumas causas selecionadas, perodo 2006 a
2010. ...................................................................................................
98
Lista de Grficos
Grfico 1 - Nmero de Municpios com ESF no Estado da Bahia, perodo
dez/2006 a dez/2010. ..........................................................................
85
Grfico 2 - Nmero de ESFs implantadas no Estado da Bahia, perodo
dez/2006 a dez/2010. ..........................................................................
85
Grfico 3 - Proporo de Cobertura Populacional Estimada pela ESF no Estado
da Bahia, perodo dez/2006 e dez/2010. ............................................
86
Lista de Siglas
AB - Ateno Bsica
AIS - Aes Integradas de Sade
APS - Ateno Primria Sade
BIRD - Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento
CABAS - Coordenao de Ateno Bsica
CAHEM - Coordenao de Ateno Hospitalar Urgncia Emergncia
CIB - Comisso Intergestores Bipartite
CIT - Comisso Intergestores Tripartite
Conasp - Conselho Consultivo da Administrao de Sade Previdnciria
COSEMS - Conselho Estadual dos Secretrios Municipais de Sade
DAB/MS - Departamento de Ateno Bsica do Ministrio da Sade
DAB/SESAB - Diretoria de Ateno Bsica da Secretria da Sade do Estado da Bahia
DEPAS - Departamento de Assistncia Sade
DIREBA - Diretoria da Rede Bsica
FIOCRUZ - Fundao Oswaldo Cruz
eSF - Equipe de Sade da Famlia
ESF - Estratgia de Sade da Famlia
FESF - Fundao Estatal de Sade da Famlia
FUSEB - Fundao de Sade do Estado da Bahia
IDH - ndice de Desenvolvimento Humano
Inamps - Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
MS - Ministrio da Sade
NOAS - Norma Operacional de Assistncia Sade
NOB - Norma Operacional Bsica
OMS - Organizao Mundial da Sade
PAB - Piso da Ateno Bsica
PACS - Programa de Agentes Comunitrios de Sade
PEAB - Poltica Estadual de Ateno Bsica
PIASS - Programa de Interiorizao das Aes de Sade
PIB - Produto Interno Bruto
PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica
Prevsade - Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade
PROESF - Programa de Expanso e Consolidao da Estratgia de Sade da
Famlia
PSF - Programa Sade da Famlia
SESAB - Secretria da Sade do Estado da Bahia
SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Sade
SURAPS - Superintendncia de Regulao, Ateno e Promoo Sade
SUS - Sistema nico de Sade
USF - Unidade de Sade da Famlia
NDICE
APRESENTAO ................................................................................................. 12
1 INTRODUO ............................................................................................. 17
2 OBJETIVOS .................................................................................................. 23
2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 23
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .................................................................... 23
3 A ATENO BSICA NO BRASIL: ASPECTOS CONCEITUAIS E
DE CONTEXTO ..............................................................................................
24
3.1 A PRODUO DA ATENO BSICA NO BRASIL ......................... 24
3.1.1 A Influncia da Dcada de 1970 na Estruturao da Ateno
Bsica ................................................................................................
25
3.1.2 A Dcada de 1980: as transformaes da Ateno Bsica de 1980
a 1994 ................................................................................................
27
3.1.3 A dcada de 1990: a Norma Operacional Bsica de 1996 e as
mudanas da poltica de Ateno Bsica .........................................
32
3.1.4 A Dcada de 2000 ............................................................................ 34
3.2 O FINANCIAMENTO DA ATENO BSICA .................................... 36
3.3 O PACTO FEDERATIVO E SUA PROPOSTA DA
DESCENTRALIZAO E REGIONALIZAO SOLIDRIA ............
45
4 O ESTADO DA BAHIA E AS CARACTERSTICAS
INSTITUCIONAIS DA ATENO SADE .........................................
50
4.1 A ATENO BSICA NO ESTADO DA BAHIA ................................ 56
5 METODOLOGIA ......................................................................................... 67
5.1 POR QUE A BAHIA? .............................................................................. 67
5.2 ATORES ................................................................................................... 68
5.3 COLETA DE DADOS .............................................................................. 69
5.4 ASPECTOS TICOS ................................................................................ 71
5.5 ORGANIZAO E ANLISE DO MATERIAL DE PESQUISA: os
caminhos percorridos ................................................................................
72
6 ANLISE DOS RESULTADOS .................................................................. 76
6.1 A ATENO BSICA: o que dizem os atores e os documentos ............ 77
6.1.1 A Ateno Bsica na Agenda da Sade ........................................ 77
6.1.2 A Implantao da Estratgia da Sade e a Organizao da
Rede: o impacto da Ateno Bsica nos demais nveis de ateno .
90
6.2 O TRABALHO NO SETOR SADE: a crise da Equipe de Sade da
Famlia ..................................................................................................
101
6.2.1 O Que Diz a Poltica de Ateno Bsica Sobre o Trabalho em
Sade ...............................................................................................
102
6.2.2 A Influncia do Mercado de Trabalho na Estruturao da
Ateno Bsica ................................................................................
108
6.3 A PROBLEMTICA DO FINANCIAMENTO DA ATENO
BSICA ....................................................................................................
112
6.3.1 O Financiamento da Ateno Bsica no Perodo Pacto Pela
Sade ...............................................................................................
116
6.3.2 Quando o Financiamento Define a Poltica: a crise dos modelos
de incentivos ....................................................................................
128
6.3.3 Problemas do Financiamento da Ateno Bsica ....................... 136
7 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................... 142
8 REFERNCIAS ............................................................................................ 145
APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................ 159
APNDICE B Entrevista ................................................................................... 160
ANEXO A Aprovao do Comit de tica ....................................................... 162
12
APRESENTAO
O objetivo deste trabalho estudar um tema que objeto de intensos debates e
de interesse dos trs entes federados, o financiamento da Ateno Bsica Sade
(ABS). Quando iniciado o processo de descentralizao do Sistema nico de Sade
(SUS), a partir da dcada de 1990, buscou-se orientar a poltica de sade para Ateno
Bsica.
A partir do processo de descentralizao, iniciado em 1990, os recursos federais
para o financiamento da sade diminuram consideravelmente, passando de 60,7%, em
1994, para 56,2%, em 2001 (MENDES, 2005). A participao dos municpios no
financiamento da sade neste perodo aumentou, devido ao fortalecimento do processo
de municipalizao da sade e reforma fiscal efetivada pela Constituio Federal de
1989. Entretanto, observou-se uma reduo da atuao dos estados que, nesta dcada,
reduziram a oferta direta de aes e servios de sade, especialmente na Ateno Bsica
e sua participao nos gastos com sade (SOLLA et al., 2007).
Na perspectiva de orientar a poltica de sade para Ateno Bsica, em 1991 o
Ministrio da Sade, inspirado pela experincia do Programa de Agentes Comunitrios
de Sade (PACS) do Cear, implementou o Programa Nacional de Agentes
Comunitrios de Sade e, em 1994, criou o Programa de Sade da Famlia (PSF).
As transformaes no modelo de financiamento federal da Ateno Bsica
favoreceram a induo da ampliao dos servios de sade deste nvel de ateno. A
criao do Piso de Ateno Bsica (PAB), que introduziu os repasses de recursos com
base em critrios populacionais, suprimindo o pagamento por produo de servios.
A ampliao destes servios nos municpios foi aprimorada com a criao do
PAB varivel, o qual estabeleceu os repasses de recursos em funo do nmero de
equipes de Sade da Famlia, Sade Bucal e Agentes Comunitrios de Sade em
atividade. Segundo SOLLA et al. (2007, p. 496), num primeiro momento a introduo
do PAB produziu uma elevao dos recursos federais transferidos para a Ateno
Bsica para a maioria absoluta dos municpios brasileiros. Mas, nos anos posteriores,
houve uma defasagem do valor do PAB e uma baixa participao da esfera estadual no
financiamento.
13
A ausncia de um debate sobre medidas que diferenciassem as necessidades do
financiamento levando em conta as desigualdades intermunicipais, fez com que,
progressivamente, a busca da equidade no financiamento deste nvel de ateno fosse se
enfraquecendo. A no regulamentao e o no cumprimento das determinaes da
Emenda Constitucional 29/2000, principalmente pelos governos estaduais, estagnaram a
implantao dos servios de Ateno Bsica e agravaram os problemas do
financiamento do setor sade.
Devido ao fato do PAB fixo ser a principal fonte de recursos federais para o
financiamento da Ateno Bsica, a ausncia de reajustes dos valores do PAB fixo
desde sua implantao at o incio dos anos 2000, evidencia a no priorizao do
governo com este nvel de ateno. Segundo SOLLA et al. (2007), o valor do PAB
ficou sem reajuste desde sua implantao, em 1998. Situao semelhante ocorreu com
os incentivos para Sade da Famlia, que apresentavam os mesmos valores desde que
haviam sido criados.
Nos anos de 1990, a ausncia de priorizao do financiamento do setor sade, e
consequentemente da Ateno Bsica, era reflexo da Poltica Econmica adotada pelo
governo federal, caracterizada pela predominncia de uma poltica macroeconmica
restritiva, cuja exigncia de conteno dos gastos pblicos para assegurar supervit
primrio e pagamento de juros da dvida comprometeu o financiamento das polticas
sociais e, consequentemente, da sade (MENDES, MARQUES, 2011).
Na tentativa de superar as lacunas das bases regulamentadoras do SUS, em 22 de
fevereiro de 2006 o Ministrio da Sade editou a Portaria n 399, que divulga o Pacto
pela Sade 2006, e aprovou as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto.
Posteriormente, publicou a Portaria n 648/2006, que instituiu a Nova Poltica Nacional
de Ateno Bsica. A publicao desta portaria estabeleceu as diretrizes nacionais da
Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) e afirmou que o Pacto pela Vida definiu
como prioridade consolidar e qualificar a Estratgia de Sade da Famlia como modelo
de Ateno Bsica e centro ordenador das redes de ateno sade no Sistema nico de
Sade (BRASIL, 2006c, p.1).
Em consonncia com a Poltica de Ateno Bsica instituda pelo Ministrio da
Sade, no ano de 2007 a Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB) lanou a
Poltica Estadual de Ateno Bsica (PEAB), a Sade da Famlia de Todos Ns, na
14
qual definia Ateno Bsica como prioridade. A PEAB avanou em alguns aspectos da
gesto ao definir os quatro eixos de atuao da Diretoria de Ateno Bsica da SESAB:
Apoio Financeiro, Coordenao da Ateno Bsica, Educao Permanente e Apoio
Institucional (BAHIA, 2007).
A escolha por estudar esta Unidade Federativa se d por trs motivos: primeiro,
pelo trabalho desenvolvido pela pesquisadora como Apoiadora Institucional da
Diretoria de Ateno Bsica da Secretaria de Sade do Estado da Bahia (DAB/SESAB),
no ano de 2010. Segundo, por ser um estado com 417 municpios e ter os melhores
ndices de Desenvolvimento Humano (IDH) da regio Nordeste, com uma populao
estimada de 14.021.432 habitantes, segundo informaes do Censo 2010. Por ocupar a
7 posio no ranking nacional do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e,
paradoxalmente, ocupar a 19 posio em relao ao PIB per capita. E, tambm, por ser
um estado que, em 2007, instituiu financiamento estadual da Ateno Bsica para todas
as equipes de Sade da Famlia, estendendo o repasse aos municpios com mais de 100
mil habitantes. Todos os municpios que aderiram a Estratgia de Sade da Famlia
(ESF) recebem o valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por equipe,
independentemente dos seus indicadores socioeconmicos, populacionais e territoriais.
Finalmente, o terceiro motivo o fato de representantes da equipe gestora do sistema de
sade estadual j terem ocupado e, atualmente, ocuparem cargos no nvel federal. Ou
seja, ao atuarem no Ministrio da Sade, exercem o papel de reguladores do SUS, sendo
responsveis pela elaborao de estratgias e instrumentos que definam as bases e
princpios fundamentais sobre os quais Unio, Estados e Municpios construiro a
Ateno Bsica.
Atualmente, observa-se uma forte influncia das diretrizes polticas da AB
definidas em nvel federal na elaborao dos documentos que definem a poltica de
Ateno Bsica a ser desenvolvida pelos municpios. Desta forma, percebe-se que o
governo federal, representado pelo Ministrio da Sade, cumpre sua funo de elaborar
estratgias e instrumentos que definam as bases e princpios fundamentais sobre os
quais Unio, Estados e Municpios construiriam seus sistemas de sade, ou seja, a
regulao.
Ao se analisar a proposio da Poltica Nacional de Ateno Bsica, observa-se
que esta acontece de forma vertical, sendo induzida pelo financiamento. Ou seja, a
15
funo de regulao exercida pelo Ministrio da Sade vem ocorrendo a partir da edio
de inmeras portarias atreladas ao financiamento da PNAB.
O Pacto pela Sade, quando implantado, vislumbrava proporcionar uma maior
autonomia dos gestores municipais, estabelecendo contratos de gesto entre os entes
federativos. Entretanto, diversos autores apontam que mesmo aps a implantao do
Pacto, no mbito da Ateno Bsica, observa-se o desenvolvimento de uma autonomia
tutelada ou relativa, visto que a formulao das diretrizes da poltica acontece no
nvel federal e o repasse dos recursos financeiros adicionais s efetuado mediante
adeso do municpio Estratgia da Sade da Famlia (ESF) e outras polticas
correlatas.
Diante deste cenrio, emergiram as seguintes perguntas: houve problemas no
esquema de financiamento que foi utilizado pelo gestor federal e estadual do SUS para a
Ateno Bsica, no perodo do Pacto pela Sade, e em que grau este financiamento se
relaciona concepo de AB definida pela poltica de 2006 no SUS? Durante a
pesquisa de campo e a reviso documental e de literatura, observou-se que os gestores
municipais encontram dificuldades na estruturao das aes e servios deste nvel de
ateno. Desta forma, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de analisar as bases de
financiamento federal e estadual no campo da Ateno Bsica dos municpios baianos,
evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela Sade, bem como
as incertezas que cerceiam seu financiamento.
Para alcanar o objetivo, organizou-se o trabalho da seguinte maneira: no
primeiro captulo, a introduo, contextualizou-se o objeto de estudo, o financiamento
da Ateno Bsica. A justificativa para sua realizao, as mudanas na poltica nacional
para este nvel de ateno e a hiptese geral que os gestores municipais encontram
dificuldades na estruturao das aes e servios de Ateno Bsica diante do papel e
participao do Estado e do Ministrio da Sade em relao ao financiamento.
No segundo captulo, apresentam-se os objetivos geral e especficos da
pesquisa e a problemtica do financiamento da AB nos municpios aps a implantao
do Pacto pela Sade. A partir do captulo terceiro, desenvolveu-se uma breve reviso
sobre a Ateno Bsica no Brasil, abrangendo os aspectos conceituais e de contexto
histrico, que englobam as mudanas do financiamento e da poltica de sade neste
nvel de ateno.
16
Assim, depois de explicitar as caractersticas estruturais da Ateno Bsica no
Brasil, adentra-se, nos captulos seguintes, ao estudo sobre sua estruturao no Estado
da Bahia, seu financiamento e as repercusses da implantao do Pacto pela Sade nos
municpios no tocante ao financiamento deste nvel de ateno.
17
1 INTRODUO
A dcada de 1980, denominada dcada perdida no Brasil, marcada pela
estagnao econmica, evidenciada por uma forte retrao industrial, baixo crescimento
da economia, queda do Produto Interno Bruto (PIB) e desemprego elevado, sendo o
perodo em que se forja o Sistema nico de Sade (SUS). E, no contrafluxo da maioria
dos pases que dispunham de Sistemas de Proteo Social e que passaram a instituir
polticas econmicas que seguiam as determinaes do Consenso de Washington1 que
transformava radicalmente a Seguridade Social nestes pases , instituiu-se o SUS, um
Sistema Pblico de Sade com princpios universalistas e que vislumbrava assegurar a
Proteo Social dos cidados.
Nesta dcada foi homologada a Constituio Federal pelo Presidente da
Repblica, Jos Sarney, na qual se edificou a Seguridade Social, em trs pilares: a
assistncia social, a previdncia e a sade. Quanto sade, no artigo 195, afirma-se que
esta ser financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, e pelas trs esferas de
governo (RIO GRANDE DO SUL, 2000, p. 12). No entanto, o texto constitucional no
define a disposio e a alocao dos recursos financeiros para o SUS, situao que teve
repercusses na oferta e na organizao de aes e servios do setor sade.
As Leis Orgnicas da Sade n 8.080 e n 8.142, no ano de 1990 foram
elaboradas no sentido de assegurar o financiamento do Sistema Pblico de Sade.
Entretanto, o ento Presidente da Repblica, Fernando Collor de Mello, num ato
poltico-administrativo, vetou pargrafos importantes dos artigos 33 e 35 da Lei n
8.080, os quais tratavam das transferncias de recursos que financiariam as aes e
servios de sade, e estipulavam o percentual a ser alocado pelos entes federativos.
1 O Consenso de Washington foi um termo criado para designar um receiturio de medidas econmicas prescritas aos pases em desenvolvimento, a partir da dcada de 1990, aplicado, especialmente, na
Amrica Latina. As medidas apregoadas pelos defensores do Consenso para esses pases foram: disciplina
fiscal; reordenao das prioridades do gasto pblico; reforma fiscal; liberalizao das taxas de juros; taxa
de cmbio competitiva; liberalizao do comrcio; liberalizao da entrada de investimento externo direto
(IED); privatizao; desregulamentao e direitos de propriedade. Essas medidas econmicas comearam
a ser implantadas, paulatinamente, nos pases em desenvolvimento, sendo que na Amrica Latina elas
foram impostas pelo FMI (Fundo Monetrio Internacional), com promessas de crescimento econmico,
desenvolvimento e insero no mercado global. No Brasil este processo foi marcado pela escalada de
privatizaes, implantao do Plano Real e Reforma Gerencial do Estado (NAKATANI e OLIVEIRA,
2010; MENDES e MARQUES, 2010).
18
O financiamento da sade um dos temas mais debatidos e problemticos no
pas, desde os anos de 1990 at os dias atuais. Alguns autores, ao analisarem a Poltica
Econmica adotada pelo governo brasileiro nas ltimas dcadas, apontaram que
assistimos ao predomnio de uma poltica macroeconmica restritiva, cuja exigncia de
conteno dos gastos pblicos para assegurar supervit primrio2 e pagamento de juros
da dvida comprometeu o financiamento das Polticas Sociais e, consequentemente, da
sade (DRAIBE, 2003; NAKATANI e OLIVEIRA, 2010; MENDES e MARQUES,
2012).
MENDES e MARQUES (2009) colocam que, na dcada de 1990, o pas passou
por situaes de constrangimentos derivadas da Poltica Econmica dos governos
brasileiros aps o Plano Real3, e que estas refletiram em aes que resultariam em
menor disponibilidade de recursos para a Sade Pblica. Desta forma, notria que a
Poltica Econmica adotada pelos governos em nvel federal tem acentuado a
insuficincia dos recursos para o financiamento das aes e servios de sade no
territrio brasileiro.
Desde a Declarao de Alma-Ata, na qual se estabeleceu como meta aos pases
Sade para Todos no Ano 2000, sugere-se aos governantes que adotem estratgias a
fim de proporcionarem um nvel de sade para todos os cidados atravs dos Cuidados
Primrios Sade. A partir desta declarao, os servios de sade da Ateno Bsica
so considerados a base para organizao de um novo modelo assistencial, que objetiva
ter em seu centro o usurio-cidado. (GIOVANELLA e MENDONA, 2008).
2 O supervit primrio se refere s contas do governo. Toda vez que ele acontece significa que a
arrecadao do governo foi superior a seus gastos. Mas h um detalhe: no clculo no so levados em
considerao os juros e a correo monetria da dvida pblica, deixados de lado porque no fazem
parte da natureza operacional do governo - so consequncias financeiras de aes anteriores. O
resultado primrio, seja ele supervit ou dficit, um indicador de como o governo est administrando
suas contas (WOLFFENBTTEL, 2007).
3 Segundo NAKATANI e OLIVEIRA (2010), o Plano Real passou por duas fases distintas: a primeira,
que vai de sua implementao, que comeou ainda durante o Governo Itamar Franco, at a crise
financeira de 1998; e a segunda, que tem incio em 1999, com a mudana no regime fiscal e cambial e
com a introduo da poltica de metas para a inflao, a partir de maro deste mesmo ano. Este plano,
que era um programa de estabilizao da economia, foi marcado por alguns acertos e muitos
desacertos, devido opo por um modelo econmico de contedo neoliberal, num pas onde so
profundas as desigualdades sociais e acentuada a heterogeneidade estrutural de setores e regies
econmicas.
19
No Brasil, a partir da dcada de 1990, iniciam-se importantes mudanas nas
Polticas Pblicas de Sade, em especial na Ateno Bsica Sade. Em 1991, o
Ministrio da Sade, inspirado na experincia do Programa de Agentes Comunitrios de
Sade (PACS) do Cear, implantou o Programa Nacional de Agentes Comunitrios de
Sade e, no ano de 1994, instituiu o Programa de Sade da Famlia, como estratgia
para promover a organizao das aes de Ateno Bsica Sade nos sistemas
municipais (SOUSA, 2002, p. 25).
Em 2006, com a publicao da Portaria n 648/2006 que estabelece as
diretrizes nacionais da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) o Ministrio da
Sade afirma que o Pacto pela Vida definiu como prioridade consolidar e qualificar a
Estratgia de Sade da Famlia como modelo de Ateno Bsica e centro ordenador das
redes de Ateno Sade no Sistema nico de Sade (BRASIL, 2006b). Neste
documento, verifica-se uma forte orientao para estruturao da Ateno Bsica
brasileira nos preceitos da Primary Health Care, que define os servios de Ateno
Primria Sade como o primeiro nvel de assistncia de um sistema de sade. A
Primary Health Care, ou Cuidado Primrio Sade a ateno essencial sade
baseada em tecnologia e mtodos prticos, cientificamente comprovados e socialmente
aceitveis, tornados universalmente acessveis a indivduos e famlias na comunidade
por meios aceitveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o pas possa
arcar em cada estgio de seu desenvolvimento, um esprito de autoconfiana e
autodeterminao (STARFIELD, 2002).
No ano de 2007, em consonncia com a PNAB instituda pelo Ministrio da
Sade, a Secretaria de Sade do Estado da Bahia (SESAB) lanou a Poltica Estadual de
Ateno Bsica (PEAB), a Sade da Famlia de Todos Ns. A PEAB definia quatro
eixos de atuao da Diretoria de Ateno Bsica da SESAB, o Apoio Financeiro, a
Coordenao da Ateno Bsica, a Educao Permanente e o Apoio Institucional, com
os quais vislumbrava mediante o desenvolvimento de sete projetos estratgicos
Expanso com Incluso Social, Desprecarizao dos Vnculos de Trabalho dos Agentes
Comunitrios de Sade (ACS) e trabalhadores da Sade da Famlia, Carreira Sade da
Famlia, Sade da Famlia pra Valer, O SUS uma Escola, Fortalecimento da Gesto
loco-regional e Fortalecimento do Controle Social superar os problemas encontrados
20
na Ateno Bsica do Estado quando iniciada a gesto neste mesmo perodo (BAHIA,
2007d, p. 18).
Ao se analisar os documentos oficiais que tratam da PEAB, observa-se haver
consonncia entre as diretrizes da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) e os
documentos que definem como ser estruturada e organizada a Ateno Bsica nos
municpios do Estado da Bahia. primeira vista, pode-se concluir que as gestes
federal e estadual possuem um discurso semelhante ao tratar da Ateno Bsica. Esta
situao confirma o que alguns autores apontam sobre a Poltica Pblica de Sade e seu
financiamento, isto , que desde a sua implantao as definies sobre a poltica do
setor se mantm centralizadas no nvel federal (ELIAS et al., 2001; MENDES, 2005;
GIOVANELLA e MENDONA, 2008; CASTRO e MACHADO, 2010). SANTOS e
ANDRADE (2009, p. 140), ao analisarem o financiamento da sade nos anos de
implementao do SUS, corroboram esta ideia e afirmam:
Durante esses anos de implementao do SUS, o Ministrio da Sade editou
uma excessiva e exaustiva legislao infralegal, com intuito de dar
conformao administrativa a partir do financiamento da sade. Toda essa
regulao visava impor projetos e programas federais aos municpios e
estados, e no configurar o sistema de sade para sociedade.
As Comisses Intergestores Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB) institudas em
1991 e 1993, respectivamente, e formadas paritariamente por representantes do MS,
representantes dos Secretrios Estaduais de Sade indicados pelo Conselho Nacional de
Secretrios de Sade (CONASS) e representantes dos Secretrios Municipais de Sade
indicados pelo Conselho Nacional dos Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS)
seriam as instncias nas quais se debateria e negociaria o processo de formulao e
implementao da Poltica de Sade (NORONHA et al., 2008). No entanto, apesar da
existncia destas instncias, a concentrao de poder e a centralizao da formulao da
Poltica de Sade em nvel federal so notrias, o Ministrio da Sade elabora as
propostas (programas, projetos, polticas, etc) e negocia os detalhes nos Grupos
Tcnicos da CIT, desta forma, a comunicao entre a Unio, e a maioria dos Municpios
tem se dado atravs da publicao de resolues e portarias que definem quais e que
tipos de aes e servios sero financiados no SUS.
As publicaes das Normas Operacionais Bsicas (NOB) 01/93 e 01/96 e da
Norma Operacional da Assistncia Sade (NOAS) so exemplos de verticalizao das
21
definies sobre o financiamento das Polticas de Sade. Ao se estudar o cenrio em
que se estruturou o financiamento da sade, optou-se por trazer cena o debate sobre
recursos destinados Ateno Bsica, j que a partir da implementao da Norma
Operacional Bsica 01/96, 90% dos municpios brasileiros estavam habilitados em
Gesto Plena da Ateno Bsica. E com a publicao da Norma Operacional de
Assistncia Sade 01/2002, ampliaram-se as responsabilidades dos municpios na
Ateno Bsica, tornando-os responsveis pelo planejamento e execuo dos servios e
aes deste nvel de ateno sade (SANTOS e ANDRADE, 2009). primeira vista,
observa-se que, na maioria dos estados e municpios, a organizao do SUS tem sido
pautada e determinada pelas regras do financiamento de programas, projetos, incentivos
a programas definidos no nvel federal.
Para SANTOS e ANDRADE (2009), desde a implantao do SUS observa-se
um esgotamento dos modelos de regulamentao da organizao e funcionamento do
sistema de sade. Diante deste cenrio, os autores anteriormente citados, afirmam que
foi necessrio retomar o debate sobre o processo de descentralizao, reconhecendo que
o SUS um exemplo de federalismo cooperativo, no qual os interesses entre os entes
so comuns e indissociveis e deveriam ser harmonizados em nome dos interesses local,
regional, estadual e nacional.
O Ministrio da Sade, atento necessidade de mudar o modelo de gesto do
sistema de sade brasileiro, retoma a agenda da descentralizao e regionalizao da
sade diretrizes constitucionais do SUS ao implementar o Pacto pela Sade, em
2006, vislumbrando proporcionar uma maior autonomia dos gestores municipais e
estabelecendo contratos de gesto entre os entes federativos. Entretanto, diversos
autores apontam que, mesmo aps a implantao do Pacto, no mbito da Ateno
Bsica, observa-se o desenvolvimento de uma autonomia tutelada ou relativa, visto
que a formulao das diretrizes da poltica acontece no nvel federal e o repasse dos
recursos financeiros adicionais s efetuado mediante adeso do municpio Sade da
Famlia.
Diante disso, algumas questes emergem deste enfoque: qual a concepo de
Ateno Bsica proposta pelo Pacto? Houve problemas no esquema de
financiamento que vem sendo utilizado pelo gestor federal do SUS para a Ateno
Bsica nos municpios no perodo do Pacto pela Sade? Em que grau esse
22
financiamento se relaciona a concepo de Ateno Bsica definida pela Poltica de
Ateno Bsica (PNAB) no SUS? Estariam os municpios conseguindo receber e
manter estvel o financiamento da Ateno Bsica, recebendo fundo a fundo os
recursos do Piso da Ateno Bsica (PAB) varivel? Como o Estado da Bahia, por
meio da Secretaria Estadual de Sade, tem cooperado financeiramente para
implementao da Poltica de Ateno Bsica?
A hiptese da pesquisadora que os gestores municipais encontram dificuldades
na estruturao das aes e servios de Ateno Bsica, diante do papel e participao
da Secretaria da Sade do Estado da Bahia (SESAB) e do Ministrio da Sade (MS) em
relao ao financiamento, restrito lgica apenas de repasses de incentivos financeiros.
Para desvelar esta realidade, prope-se a realizao deste estudo para compreender
como e onde acontece a definio do financiamento da Ateno Bsica e qual o impacto
desta definio no planejamento local das aes e servios de sade, a partir dos
seguintes aspectos: a magnitude do recurso diante das necessidades dos municpios para
o financiamento da Ateno Bsica, os critrios para alocao dos recursos e a
alimentao dos sistemas de informao.
23
2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar as bases de financiamento do SUS no campo da Ateno Bsica dos
municpios, evidenciando os conflitos presentes aps a implantao do Pacto pela
Sade, bem como as incertezas que cerceiam seu financiamento.
2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS
Identificar os fundamentos e conceitos que influenciaram a estruturao da
Ateno Bsica brasileira, em especial no perodo do Pacto pela Sade.
Compreender as caractersticas estruturais da Ateno Bsica e os mecanismos
utilizados para sua regulao, reconhecendo o papel central do financiamento,
principalmente ao longo do perodo de implementao do Pacto pela Sade.
Analisar as resolues federais e estaduais (Bahia) que estabelecem os critrios
para os municpios aderirem aos programas e receberem os incentivos federais e
estaduais para estruturao e organizao do financiamento da Ateno Bsica.
Compreender as diferentes propostas dos gestores federal e estadual (Bahia)
sobre o financiamento, entendendo suas repercusses na estruturao da Ateno
Bsica dos municpios.
24
3 A ATENO BSICA NO BRASIL: ASPECTOS CONCEITUAIS E
DE CONTEXTO
Neste estudo sero utilizados como sinnimos os conceitos Ateno Primria
Sade e Ateno Bsica, pois h uma frequente discusso acerca da terminologia para
designar o primeiro nvel de ateno sade. [...] E a expresso Ateno Bsica (AB)
foi oficializada pelo governo brasileiro, que passou a denominar assim suas secretarias e
documentos oficiais (MELLO et al., 2009, p. 205).
Diante da emergncia e valorizao da Ateno Bsica, impulsionada pela
publicao e implantao das NOB 01/96 e a NOAS 01/2002 e, recentemente, com a
Portaria n 399, de 2006 que institui o Pacto pela Sade desenvolveu-se, neste item,
uma breve reviso dos aspectos conceituais e do contexto histrico no qual se
implementou a Poltica de Ateno Bsica. Realizou-se esta reviso pretendendo
compreender em que grau o financiamento das Polticas Pblicas de Sade influencia a
concepo de Ateno Bsica definida pela Poltica Nacional de Ateno Bsica
(PNAB) no SUS.
3.1 A PRODUO DA ATENO BSICA NO BRASIL
No Brasil, o debate sobre Ateno Primria Sade (APS) j estava na agenda
da reforma setorial desde meados de 1970. E, nas dcadas seguintes, de 1980 e 1990,
houve uma valorizao da Ateno Primria Sade no processo de Reforma do
Sistema de Sade brasileiro (GIOVANELLA e MENDONA, 2008; CASTRO e
MACHADO, 2010).
RIBEIRO (2007), em seu estudo sobre a Ateno Primria e o Sistema de
Sade no Brasil, faz uma reconstruo histrica do modo como este conceito entrou na
formulao do sistema de sade. Para analisar os principais aspectos conceituais e de
contexto da Ateno Bsica brasileira, a pesquisadora baseou-se na proposta de
periodizao elaborada pela autora supramencionada, com recorte da dcada de 1970,
at o perodo de implantao do Pacto Pela Sade, no ano de 2006. Optou-se por esta
dcada devido a sua importncia na construo da Poltica de Ateno Bsica brasileira.
25
3.1.1 A Influncia da Dcada de 1970 na Estruturao da Ateno Bsica
A partir da dcada de 1970, surgem algumas experincias da Medicina
Comunitria no cenrio brasileiro, sendo que a maioria delas surgiu nos
Departamentos de Medicina Preventiva das Escolas Mdicas. E, por meio de atividades
de extenso acadmica, prestao de servios de sade em comunidades urbanas e
rurais, programas de residncias em medicina comunitria ou medicina preventiva,
muitas escolas desenvolveram propostas de reforma da sade como poltica social.
As principais caractersticas da Medicina Comunitria eram: resgatar a
preocupao com a sade dos grupos populacionais, embora restrita preocupao com
a populao local, no se remetendo aos contextos sociais mais amplos; desenvolver as
aes preventivas e curativas, vistas como servios bsicos que so oferecidas
universalmente, especialmente aos grupos vulnerveis e de risco; estruturar os servios
de maneira hierarquizada: os servios de Ateno Primria, de natureza simplificada,
funcionam como porta de entrada do sistema; contratao de pessoal auxiliar treinado,
orientado por profissionais de nvel superior, visando extenso de cobertura, incluso
de prticas mdicas alternativas, o aumento da eficcia e da aceitao da populao e
reviso da tecnologia incorporada, objetivando reduo de custos; a participao
comunitria incentivada, como forma de envolver a populao na soluo dos seus
problemas (MERHY et al., 2004). Desta forma, observa-se que este modelo muito se
assemelha proposta assistencial brasileira, iniciada com a implantao do Programa
Sade da Famlia em 1994, que tem a Ateno Bsica como base do Sistema de Sade.
No Brasil, segundo GIOVANELLA e MENDONA (2008), a APS entra na
pauta da sade brasileira a partir da dcada de 1970, baseada nas experincias relatadas
pela academia e com o Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento
(PIASS). Este programa era financiado com recursos do Fundo de Apoio Social, o qual
destinava recursos tanto para construo de unidades bsicas de sade, quanto para
convnios entre os entes federativos, vislumbrando implantar servios de Ateno
Primria Sade.
O PIASS tinha como objetivo a organizao de uma estrutura bsica de sade
nos Municpios com at 20.000 (vinte mil) habitantes, utilizando pessoal de nvel
26
auxiliar e da prpria comunidade, ou seja, tratava-se de um programa de interiorizao
do atendimento, buscando maior eficincia e baixos custos. Contudo, para PUGIN e
NASCIMENTO (1996), os resultados do PIASS resumiram-se, basicamente,
ampliao da rede fsica instalada para o atendimento da populao, sem que houvesse
um maior investimento na melhoria das aes de sade, com escassez de recursos para
implantao do programa.
Segundo MLLER- NETO (1991), em meados da dcada de 70 surge algumas
experincias de organizao de servios e de formulao de polticas locais de sade.
Estas experincias, segundo o autor anteriormente citado, aconteceram em prefeituras
governadas pela oposio ao regime militar, que implantaram modelos alternativos e
organizao de servios voltados para a Ateno Primria, cujo objetivo consistia na
extenso dos servios bsicos para toda a populao. Os municpios que se destacaram
por tais experincias foram: Campinas (SP), Lages (SC), Londrina (PR), Niteri (RJ),
Piracicaba (SP), Montes Claros (MG), Capim Branco (MG) e Porto Nacional (GO).
J no cenrio internacional, dois grandes eventos marcaram o debate sobre a
sade no mundo, a Trigsima Reunio da Assembleia Mundial de Sade e a I
Conferncia Internacional de Cuidados Primrios de Sade. Na 30 Reunio da
Assembleia Mundial de Sade, que aconteceu no ano de 1977, foi acordado entre os
governos participantes que estes teriam como principal meta social a obteno por
parte de todos os cidados do mundo um nvel de sade no ano de 2000 que lhes
permitiria levar vida social e economicamente produtiva (STARFIELD, 2002, p. 30).
Este slogan desencadeou uma srie de atividades que tiveram um grande impacto sobre
o pensamento a respeito da Ateno Primria (STARFIELD, 2002).
A I Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios de Sade, realizada no
ano de 1978 em Alma-Ata, considerada como um dos eventos mais significativos para
a Sade Pblica em termos mundiais. Nela ecoaram os questionamentos dos modelos
verticais de interveno da Organizao Mundial da Sade (OMS) para o combate s
endemias nos pases em desenvolvimento, em especial na frica e na Amrica Latina, e
do modelo mdico hegemnico cada vez mais especializado e intervencionista
(CZERESNIA e FREITAS, 2003; GIOVANELLA e MENDONA, 2008).
27
A conferncia de Alma-Ata foi um importante evento para a agenda da sade
mundial, na qual estiveram presentes 134 (cento e trinta e quatro) representaes
governamentais. Segundo GIOVANELLA e MENDONA (2008, p. 578),
a Declarao de Alma-Ata afirma a responsabilidade dos governos sobre a sade de
seus povos por meio de medidas sanitrias e sociais, reiterando a sade como direito
humano fundamental e uma das mais importantes metas sociais mundiais.
A Organizao Mundial da Sade (1978) apud STARFIELD (2002, p. 30)
aponta que na Assembleia Mundial de Sade, subsequente de Alma-Ata, realizada no
ano de 1979, definiu-se a Ateno Primria como:
Ateno essencial sade baseada em tecnologia e mtodos prticos
cientificamente comprovados e socialmente aceitveis, tornados
universalmente acessveis a indivduos e famlias na comunidade por meios
aceitveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como pas possa
arcar em cada estgio de seu desenvolvimento, um esprito de autoconfiana
e autodeterminao. a parte integral do sistema de sade do pas, do qual
funo central, sendo enfoque principal do desenvolvimento social e
econmico global da comunidade. o primeiro nvel de contato dos
indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional de sade,
levando a ateno sade mais prximo possvel do local onde as pessoas
vivem e trabalham, construindo o primeiro elemento de um processo de
ateno continuada sade.
A agenda da sade, em especial da Ateno Primria a Sade, foi bastante
movimentada, com diversos eventos e conferncias em defesa da sade de todos. No
entanto, alguns autores (FRANCO e MERHY, 2003; MATTOS, 2001) apontam que as
metas estabelecidas para todos os pases na Conferncia de Alma-Ata no foram
alcanadas plenamente, tendo em vista as crises econmicas mundiais e as reformas
administrativas realizadas em muitos pases. Apesar do no cumprimento das metas, a
APS tornou-se uma referncia fundamental para as reformas sanitrias ocorridas em
diversos pases nos anos de 1980 e 1990 (MATTOS, 2001).
3.1.2 A Dcada de 1980: as transformaes da Ateno Bsica de 1980 a 1994
No Brasil, diversos programas foram institudos visando estender o atendimento
sade da populao, em especial os servios bsicos de sade. Em maro de 1980, foi
28
realizada a 7 Conferncia Nacional de Sade, sob a influncia das definies da
Conferncia de Alma-Ata, cujo tema era Extenso das aes de sade atravs dos
servios bsicos. Nesta conferncia, debateu-se a implantao e o desenvolvimento do
Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade (Prevsade). O Prevsade tinha como
objetivos:
a universalizao da cobertura de servios bsicos; a articulao das diversas
instituies do setor sade para a oferta de servios; a hierarquizao da
oferta de servios por nveis de complexidade, tendo a ateno primria como
porta de entrada; a regionalizao dos servios; a utilizao de tcnicas
simplificadas; e, a participao comunitria. Para o cumprimento desses
objetivos, propunha-se o privilegiamento da expanso da rede pblica,
especialmente de servios bsicos, bem como o incentivo ao regime de tempo
integral e dedicao exclusiva e a definio de planos estaduais de cargos e
salrios, entre outros (BRASIL, 2006e, p. 103).
Este programa enfrentou uma forte resistncia, e muitas verses do Prevsade
foram elaboradas no entanto, nunca implementadas - at o seu arquivamento, em
1981. Neste mesmo ano, diante da publicizao da crise da previdncia, o governo
federal, atravs do Decreto n 86.329, de 02 de setembro de 1981, criou o Conselho
Consultivo da Administrao de Sade Previdenciria (Conasp). Este conselho tinha
como responsabilidade a elaborao e a proposio de alternativas racionalizadoras para
conter os gastos da Previdncia Social com Assistncia Mdica.
Em 1983, inicia-se um programa que dispara o processo de universalizao da
assistncia mdica, o Programa de Aes Integradas de Sade (PAIS). A partir da
implantao do PAIS, as prefeituras passaram receber por produo e, financiadas pelo
Inamps, ofereceram atendimento a toda populao, independente da existncia de
vnculo previdencirio (ESCOREL, 2008, p. 422). Este programa foi um avano da
Poltica Pblica de Sade brasileira, deixando o carter excludente e assumindo um
discurso universalista.
No ano de 1984, o Programa de Aes Integradas de Sade foi transformado em
Aes Integradas de Sade (AIS). Em 1985, a implementao das AIS propiciou uma
importante ampliao da cobertura de servios Bsicos de Sade, com a criao de
unidades municipais de sade em grande parte dos municpios brasileiros
(GIOVANELLA e MENDONA, 2008, p. 598).
O governo federal adotou as aes integradas como estratgia de reordenamento
da Poltica Nacional de Sade, tendo como princpios gerais, para a Ateno Bsica, a
29
valorizao das atividades bsicas e a garantia de referncia. Com isso, postos e
centros de sade passaram a oferecer assistncia mdica, alm dos tradicionais
programas de Sade Pblica (ESCOREL, 2008, p. 423).
Segundo NASCIMENTO (2007), a partir do depoimento de alguns tcnicos e
dirigentes ligados aos rgos de deciso, que atuavam nos governos estaduais e
municipais na poca sobre as Aes Integradas de Sade, constata-se posio unnime
ao afirmarem que as AIS constituram um grande impulso para desencadear o
movimento de descentralizao, pois tinham como pressuposto a integrao
programtica entre as organizaes de sade de mbito federal, estadual e municipal, a
partir de repasses financeiros do Inamps para a rede pblica.
Na literatura, consta que neste perodo o processo de descentralizao dependia
da vontade poltica dos governantes municipais em assumir e investir nos servios de
baixa complexidade, ou seja, na Ateno Primria Sade. Entretanto, a proposta da
descentralizao caminhava para responsabilizao da gesto municipal pela Ateno
Bsica, o que esboava uma definio de atribuies e competncia das esferas de
governo no setor sade (NASCIMENTO, 2007).
No ano de 1987, implementado o Sistema Unificado e Descentralizado de
Sade (SUDS), considerado uma consolidao das Aes Integradas de Sade (AIS). A
justificativa para implantao do SUDS consistia na avaliao positiva do cumprimento
de algumas metas das AIS, como a de expandir a capacidade da rede pblica
ambulatorial.
O SUDS diferenciou-se das aes integradas por definir claramente as
competncias entre as esferas de governo, adotando como diretrizes a regionalizao
dos servios de sade, a implementao de distritos sanitrios, a descentralizao das
aes de sade e o desenvolvimento de instituies colegiadas gestoras. Enfatizou os
mecanismos de programao e oramentao integradas e as decises colegiadas
tomadas no mbito das Comisses Interinstitucionais. No entanto, sua implantao
encontrou dificuldades devido dominncia de problemas administrativos
(infraestrutura e poltico-gerencial), resistncias de agentes das prticas de sade
particularmente dos mdicos que dificultaram o avano desta dimenso da gesto,
centralizao dos recursos financeiros para sade na gesto federal e estadual, bem
30
como repasses atrasados e com valores desatualizados (PAIM, 1989; MERCADANTE,
et al., 2002; NASCIMENTO, 2007).
A implantao do SUDS ocorreu na contramo do que acontecia no mundo, o
avano das formulaes neoliberais do Banco Mundial, referentes ao ajuste estrutural e
reduo do papel do Estado na oferta de bens e servios sociais e na economia. Segundo
MATTOS (2001, p. 386), os autores de Financing health services in developing
countries: an agenda for reform, por exemplo, criticavam duramente os governos que
viam a sade como um direito e tentavam assegurar gratuitamente o acesso universal a
todos os servios.
No ano de 1988, o Brasil realiza a reforma do modelo de assistncia pblica
sade com a inscrio do Captulo II na Constituio Federal, que trata da Seguridade
Social e da criao do Sistema nico de Sade (SUS). Este novo modelo define como
diretrizes do sistema de sade a universalidade das aes, a descentralizao e a
organizao dos servios sob os princpios da integralidade, da regionalizao e
hierarquizao para a organizao do SUS.
Na dcada de 1990, o desenvolvimento do SUS foi marcado por um intenso
processo de descentralizao das responsabilidades de gesto e dos recursos financeiros
do governo federal para os municpios. MENDES (2005, p. 4) afirma que:
A lgica que norteou a deciso do Ministrio da Sade foi a da reorganizao
do modelo assistencial do SUS, no qual o municpio passava a ser o principal
executor. [...] o Ministrio estimulou o enquadramento dos municpios nos
nveis de gesto mais qualificados nas dimenses institucionais, operacionais
e de responsabilidades em aes e servios de sade, como as estabelecidas
na Norma Operacional Bsica 93, sob a denominao de gesto semiplena
[...].
nesse perodo que processo de descentralizao da sade, com base na
municipalizao, ganha fora.
Ainda nesta dcada, em especial a partir da segunda metade, o Ministrio da
Sade adotou uma srie de medidas governamentais voltadas para o fortalecimento da
Ateno Bsica (ESCOREL, et al., 2007). Em 1991, o governo federal decide por
implantar o Programa de Agentes Comunitrios de Sade (PACS).
No ano de 1993, o PACS abrangia treze estados das regies Norte e Nordeste. J
no ano seguinte, 1994, o programa estava implantado em 987 municpios de estados das
31
regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Mas, outras experincias j estavam sendo
implantadas, como o Programa Mdico de Famlia, desenvolvido a partir de 1992 em
Niteri (RJ), com estrutura semelhante medicina da famlia implantada em Cuba
(BRASIL, 2005).
A experincia bem-sucedida do Cear estimulou o Ministrio da Sade a propor
o Programa Nacional de Agentes Comunitrios de Sade, vinculado Fundao
Nacional de Sade (Funasa), implantado, inicialmente, na Regio Nordeste e, em
seguida, na Regio Norte, como medida de enfrentamento dos graves ndices de
morbimortalidade materna e infantil nestas regies do pas (BRASIL, 2005). Em
reunio convocada pelo gabinete do Ministro da Sade, Henrique Santillo, com apoio
do Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF), e realizada nos dias 27 e 28 de
dezembro de 1993 em Braslia, criou-se o PSF. Nesta reunio, avaliou-se a proposta de
incorporar novos profissionais s equipes do PACS, para que os agentes no
funcionassem de forma isolada (ROSA e LABATE, 2005).
Segundo BRASIL (2003), aps a implantao do PACS, iniciou-se a formulao
das diretrizes do Programa Sade da Famlia e, em maro de 1994, este programa foi
apresentado como a estratgia capaz de provocar mudanas no modelo assistencial, ao
romper com o comportamento passivo das Unidades Bsicas de Sade e estender suas
aes junto comunidade.
A Ateno Bsica, no Brasil, era caracterizada pelo governo federal como
conjunto de aes de sade, de carter individual ou coletivo, situadas no primeiro
nvel de ateno dos sistemas de sade, voltadas para promoo da sade, a preveno
de agravos, o tratamento, a reabilitao (BRASIL, 1999, p. 9). Essa definio de
Ateno Bsica, para RIBEIRO (2007), poderia trazer prejuzos para o desenvolvimento
da Poltica de Sade, pois ela estava vinculada a critrios de financiamento de um
pacote de aes e servios, o que, na viso da autora, poderia levar a interpretaes
reducionistas das responsabilidades deste nvel de ateno.
Desde a implantao do SUS, o poder executivo brasileiro vem adotando como
estratgia para reorganizao e reordenamento do Sistema de Sade, a estruturao e
ampliao de servios e aes de Ateno Bsica, ao passo que vem aumentando o
financiamento deste nvel de ateno, ainda que se mantenha uma elevada concentrao
de recursos no financiamento da mdia e alta complexidade. As justificativas para
32
adoo destas medidas baseiam-se na necessidade de mudana no modelo de ateno,
na perspectiva de alcanar melhores resultados nos indicadores de sade e organizao
da rede assistencial.
BAPTISTA et al. (2009, p. 1024) nos fazem apontamentos importantes acerca do
PSF:
No h dvidas de que o PSF teve papel fundamental no resgate da APS no
Brasil, no somente na agenda da poltica nacional, mas tambm na agenda
da produo acadmica [...] Uma vez que a poltica ainda est em fase de
implementao, faz-se necessrio investir em pesquisas que apontem para a
qualificao da APS no sistema de sade brasileiro, na capacidade resolutiva
do modelo centrado na APS, j que este o principal argumento para o
direcionamento dos investimentos recentes feitos pelo Estado no setor de
sade.
Em 1994, o PSF no representava uma proposta de substituio do PACS, pois
sua implantao privilegiava reas de maior risco social, inicialmente, populao
residente nas localidades delimitadas no Mapa da Fome do Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada (IPEA) e, posteriormente, nos municpios inseridos no Programa
Comunidade Solidria ou no Programa de Reduo da Mortalidade Infantil. No ano
posterior, 1995, o PACS e o PSF foram transferidos da Fundao Nacional de Sade
(FUNASA) para a Secretaria de Assistncia Sade (SAS), onde permaneceram at
meados de 1999, quando novamente os programas mudaram de localizao
institucional, passando para a Coordenao da Ateno Bsica da Secretaria de Polticas
de Sade (BRASIL, 2005).
Ao analisar a literatura que trata do processo de estruturao da Ateno Bsica
brasileira, observa-se que, at 1995, esta tratada como programa e no como Poltica
Pblica de Sade.
3.1.3 A Dcada de 1990: a Norma Operacional Bsica de 1996 e as mudanas da
poltica de Ateno Bsica
A dcada de 1990 constitui-se num perodo de intensa normatizao legal da
Ateno Bsica. No ano de 1996, com a publicao da Norma Operacional Bsica de
1996, conhecida como NOB/96, introduziu-se o Piso da Ateno Bsica (PAB). A
33
implantao do PAB trouxe como principal novidade a transferncia regular e
automtica de recursos financeiros, com repasse federal feito diretamente aos
municpios, cujo objetivo era incentivar os gestores municipais a assumirem,
progressivamente, a gesto da rede bsica de servios de sade (BODSTEIN, 2002).
Neste sentido, observa-se que um poderoso mecanismo de induo utilizado pelo
governo federal para priorizar a Ateno Bsica foi a adoo dos Programas Sade da
Famlia e dos Agentes Comunitrios de Sade, como estratgia de reorganizao deste
nvel de ateno.
BODSTEIN (2002, p. 407) corrobora esta ideia, ao afirmar que: O principal
incentivo o financeiro, decisivo para o clculo poltico dos gestores municipais em
prol da adeso.
Diante a evoluo do processo de descentralizao, o Ministrio da Sade
(BRASIL, 2003) afirmou que o ano de 1998 foi um marco no processo de consolidao
do PSF, visto que o programa foi definido como estratgia estruturante para a
organizao do sistema de sade. Neste ano, o PAB entrou em vigor e alterou a lgica
de repasse de recursos federais para o sistema de prestao de aes mdico-sanitrias,
o que se constituiu como uma medida decisiva para descentralizao financeira do
sistema de sade no Brasil, incentivando os municpios a assumirem, progressivamente,
a gesto da rede bsica de servios de sade (BODSTEIN, 2002; BRASIL, 2003).
Ao implantar o PAB, o Programa Sade da Famlia passou a ter oramento
prprio, sendo includo no Plano Plurianual do Governo Federal, no ano de 1998.
Contudo, era preciso definir as responsabilidades dos municpios neste nvel de ateno
e, em 1999, o Ministrio da Sade publicou o "Manual para Organizao da Ateno
Bsica no SUS" e implantou o Pacto de Indicadores da Ateno Bsica4.
Uma estratgia importante adotada pelo Ministrio da Sade foi a criao do
Departamento de Ateno Bsica (DAB) para consolidar a Sade da Famlia, no ano de
1999. O Ministrio da Sade define o DAB como uma:
[...] estrutura vinculada Secretaria de Ateno Sade, no Ministrio da
Sade, tem a misso institucional de operacionalizar essa poltica no mbito
da gesto federal do SUS. A execuo dessa poltica compartilhada por
4 Instrumento de negociao de metas e aes orientadas para os problemas identificados como
prioritrios. Imprime maior visibilidade as aes desenvolvidas pelos municpios habilitados a uma das
condies de gesto do SUS, segundo NOB/96. Explicita as responsabilidades de cada uma das
instncias, estabelecendo como espao de negociao, monitoramento e avaliao dos compromissos
firmados s CIB e CIT (BRASIL, 2000).
34
estados, Distrito Federal e municpios. Ao DAB cabe, ainda, desenvolver
mecanismos de controle e avaliao, prestar cooperao tcnica a estas
instncias de gesto na implementao e organizao da estratgia Sade da
Famlia e aes de atendimento bsico como o de Sade Bucal, de Diabetes e
Hipertenso, de Alimentao e Nutrio, de Gesto e Estratgia e de
Avaliao e Acompanhamento (BRASIL, 2010a).
Ao longo desta dcada, houve uma expanso significativa do PSF, pois segundo
informaes do Ministrio da Sade:
Se nos primeiros quatro anos de sua implantao, o PSF abrangia 3,51% da
populao brasileira, ao final de 1998, este percentual atingiu 6,57%. Em
dezembro de 1999, existiam 4.114 equipes de Sade da Famlia, atuando em
1.646 municpios, que representam 29,9% dos municpios brasileiros. Eram
aproximadamente 14 milhes de pessoas acompanhadas pelo programa,
representando 8,8% da populao do pas. Em setembro de 2002, esses
nmeros cresceram significativamente: so 16.463 equipes, em 4.161
municpios, assistindo 54 milhes de pessoas (BRASIL, 2003, p. 124).
Cabe ressaltar que, no documento publicado em janeiro de 2001, pela primeira
vez o Ministrio da Sade conceitua o PSF como uma estratgia que prioriza as aes
de promoo, proteo e recuperao da sade dos indivduos e famlia (BRASIL,
2001b). A partir de ento, a Sade da Famlia, desenhada inicialmente como um
programa, passou a ser considerada pelo Ministrio da Sade como uma estratgia
estruturante dos sistemas municipais de sade. (BRASIL, 2005).
3.1.4 A Dcada de 2000
Apesar da expanso do PSF no territrio brasileiro nos ltimos 19 anos, no
houve e nem h uma consolidao uniforme deste programa. A implantao ocorre de
forma heterognea, em especial nos municpios cujo nmero de habitantes no esteja
em faixas extremas, muito pequenos ou grandes (CAMPOS, 2002).
Diante deste cenrio, o Ministrio da Sade, no ano de 2003, inicia a execuo
do Programa de Expanso e Consolidao da Estratgia de Sade da Famlia
(PROESF), cujo objetivo era viabilizar, a partir de um acordo de emprstimo celebrado
com o Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento (BIRD), a
transferncia de recursos financeiros, fundo a fundo, isto , de estados e municpios,
35
para expanso da cobertura, qualificao e consolidao da Estratgia Sade da Famlia
nos municpios com populao superior a 100 mil habitantes.
No ano de 2004, o PSF abrangia 80,2% dos municpios brasileiros, ou seja,
4.600 municpios, proporcionado uma cobertura de 39% da populao, o que
corresponderia a 69,1 milhes de pessoas. Quando publicada a nova Poltica Nacional
de Ateno Bsica (PNAB), no ano de 2006, foram implantadas 26.729 Equipes de
Sade da Famlia, em 5.106 municpios, cobrindo 46,2% da populao brasileira, o que
corresponde a cerca de 85,7 milhes de pessoas.
A nova PNAB de 2006 define a Ateno Bsica como:
[...] um conjunto de aes de sade, no mbito individual e coletivo, que
abrangem a promoo e a proteo da sade, a preveno de agravos, o
diagnstico, o tratamento, a reabilitao e a manuteno da sade [...] Utiliza
tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver
os problemas de sade de maior frequncia e relevncia em seu territrio. o
contato preferencial dos usurios com os sistemas de sade. Orienta-se pelos
princpios da universalidade, da acessibilidade e da coordenao do cuidado,
do vnculo e continuidade, da integralidade, da responsabilizao, da
humanizao, da equidade e da participao social (BRASIL, 2006b, p. 10).
Ao se analisar a definio da nova poltica, observou-se que esta fortemente
influenciada pelos princpios da Ateno Primria Sade. Segundo HARZHEIM et al.
(2006), a definio da APS, defendida por Barbara Starfield, vem sendo muito utilizada
em estudos e pesquisas, e inclusive pelo Ministrio da Sade. ESCOREL et al. (2007, p.
165) ratificam a ideia, ao afirmarem que a estratgia de sade da famlia incorpora os
princpios e se aproxima dos pressupostos da ateno primria em sade dimensionados
por Starfield [...], buscando romper com a noo de uma ateno de baixo custo
simplificada.
Atualmente, o principal modelo de estruturao da Ateno Bsica, proposto
pelo governo federal, tem sido a Estratgia de Sade da Famlia (ESF), que fortemente
influenciada pelos preceitos da Ateno Primria Sade (APS). Assim, com base neste
referencial terico, um Sistema de Sade orientado pela APS tem como valores o
direito sade, equidade, integralidade, participao e controle social; como princpios,
a integralidade, resolutivo s necessidade e orientado pela qualidade da ateno; e,
como atribuies, o acesso de primeiro contato do indivduo com o sistema de sade, a
36
continuidade e a integralidade da ateno, e a coordenao da ateno dentro do
sistema.
Apesar dos avanos ocorridos desde sua implantao, o programa hoje
estratgia enfrenta alguns desafios para sua consolidao, entre eles destacam-se:
recursos humanos: a consolidao da ESF est condicionada
existncia de profissionais com conhecimentos, atitudes e habilidades
adequados ao novo modelo, capazes de uma prtica multiprofissional e
interdisciplinar, para compor a rede de servios do SUS;
natureza do modelo de ateno: nosso modelo de ateno ainda
marcado pela hegemonia dos interesses da corporao mdica, das
indstrias e dos servios privados de sade;
financiamento: embora os municpios recebam recursos federais, o
financiamento da ESF ocorre, essencialmente, por meio de recursos
prprios.
Embora a Ateno Bsica seja prioridade na agenda do SUS, os recursos
destinados a ela so menores dos que os repassados Ateno Hospitalar e
Especializada. As transferncias federais, ainda na lgica de incentivo, mantm o
padro de vinculao dos recursos financeiros mediante adeso a programas
estratgicos propostos pelo Ministrio da Sade. Neste sentido, desde 1988, perodo que
vai da aprovao da nova Constituio Federal at os dias de hoje, apresentam-se como
questes complexas dois grandes eixos: a descentralizao poltico-administrativa e a
organizao da ateno sade em seus diversos nveis de ateno.
3.2 O FINANCIAMENTO DA ATENO BSICA
Na dcada de 1990, observa-se um importante aumento no financiamento da
Ateno Bsica, em especial dos recursos do Piso da Ateno Bsica varivel (PAB
varivel). Entretanto, o repasse de recursos para estruturao da rede de servios da
Ateno Bsica no territrio brasileiro no levou em considerao as diferenas e
diversidades loco-regionais, colocando o Acre e o Rio Grande do Sul nas mesmas
condies tcnicas e financeiras para organizao da sua rede assistencial.
37
Mas, a partir da segunda metade da dcada de 1990, o SUS buscou orientar a
Poltica de Sade para Ateno Bsica, adotando uma srie de medidas governamentais,
como regulamentao e o financiamento das aes e servios deste nvel de ateno. Ao
longo da histria do Sistema nico de Sade observa-se que, desde sua constituio, a
maioria das tentativas de organizao do sistema foram pautadas pelo financiamento
federal (SANTOS e ANDRADE, 2009, p. 27).
Em 1992, o Programa dos Agentes Comunitrios de Sade, precursor do PSF,
foi implementado por meio de convnio entre a Funasa/Ministrio da Sade e as
Secretarias Estaduais de Sade, que previa repasses de recursos para custeio do
programa e o pagamento, sob a forma de bolsa, no valor de um salrio mnimo mensal
aos agentes. J em 1994, o Ministrio da Sade divulgou o primeiro documento sobre o
PSF, definindo o convnio entre o nvel federal, estados e municpios, com o
mecanismo de financiamento, exigncias de contrapartidas e critrios de seleo de
municpios. Para assinatura do convnio, exigia-se que estivessem em funcionamento
tanto o Conselho Municipal de Sade quanto o Fundo Municipal de Sade (BRASIL,
2005).
A transferncia do PSF da Fundao Nacional de Sade para a Secretaria de
Assistncia Sade, em 1995, segundo VIANNA e DAL POZ (1998), significou um
rompimento com a ideia de programa vertical, operado atravs de convnio, prtica
comum na Funasa. A partir de janeiro de 1996, o PSF passou a ser remunerado pela
tabela de procedimentos do Sistema de Informao Ambulatorial (SIA) do SUS, mas de
forma diferenciada: a consulta do PSF equivale ao dobro da consulta do SUS
(VIANA e DAL POZ, 1998, p. 23).
Entretanto, importante destacar que a maioria dos municpios brasileiros
apresenta dificuldades na gerao de receitas prprias para o custeio das aes e
servios de sade, assim como apresenta diferentes capacidades administrativas e
operacionais para organizar seu sistema de sade local. NORONHA et al. (2008),
baseados em dados da estimativa populacional de 2003 realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), elaboraram uma tabela com a distribuio
da populao e dos municpios por faixa populacional:
38
Tabela 1 - Distribuio da populao e dos municpios segundo faixa populacional,
Brasil, 2003.
Faixa (por habitante) Populao 2003 Municpios
Pop. Total Dist.% N Dist.%
At 10.000 14.008.250 7,92 2.681 48,22
De 10.00o a 20.000 19.212.149 10,86 1.341 24,12
De 20.000 a 50.000 29.733.362 16,81 990 17,81
De 50.000 a 100.00 21.674.649 12,25 309 5,56
De 100.000 a 1.000.000 55.574.057 31,42 225 4,05
Mais de 1.000.000 36.668.970 20,73 14 0,25
Total 176.871.437 100,00 5.560 100,00
Fonte: NORONHA et al. (2008); IBGE - Estimativa populacional 2003.
Os dados acima (Tabela 1) indicam a existncia de uma grande heterogeneidade
do territrio brasileiro e trazem consigo um grande desafio para os gestores do SUS que
pensar, planejar e implementar uma Poltica Pblica de Sade que considere as
especificidades regionais.
Quando iniciado o processo de descentralizao da responsabilidade em executar
e financiar a rede de servios de sade, os estados e, principalmente os municpios,
tiveram que adequar seus planos de sade para ampliar os recursos financeiros e
cumprir com as atribuies definidas nas leis, normas, portarias e resolues
regulamentadoras do SUS. No mbito do financiamento, para regulamentar o processo
de descentralizao diretriz estruturante do sistema o Ministrio da Sade editou as
Normas Operacionais Bsicas n 01/91 e 01/96.
As normas operacionais so regras de organizao e financiamento do SUS
ditadas pelo Ministrio da Sade mediante portarias, com anexos que detalhavam os
procedimentos a ser observados pelos estados e municpios interessados nas
transferncias financeiras federais (SANTOS e ANDRADE, 2009, p. 35). Para
SCATENA e TANAKA (2001), as NOBs deveriam ser instrumentos que definissem as
bases e princpios fundamentais sobre os quais Unio, Estados e Municpios
39
construiriam seus Sistemas de Sade, ou seja, teriam um papel de reguladoras do
sistema. No entanto, os autores apontam que as NOBs estariam transcendo o seu papel:
Ao buscar cobrir todo o complexo universo do SUS, das condies de gesto
ao financiamento, do modelo de ateno programao e avaliao, das
relaes entre os sistemas locais de sade ao custeio das vrias aes
previstas, as normas esto cada vez mais extensas, complexas e abrangentes.
Essa situao permite supor que as NOBs esto se configurando como
instrumentos definidores do modelo de ateno sade e direcionadores de
polticas pblicas para o setor sade, transcendendo o seu papel regulador
(SCATENA e TANAKA, 2001, p. 69).
Com a edio destas normas, a lgica do financiamento da sade passou a ser
quase exclusivamente pelo critrio de produo, projetos e programas, salvo alguma
parcela dos recursos como caso da Ateno Bsica, que passou a ser repassado pelo
sistema per capita (SANTOS e ANDRADE, 2009). BUENO e MERHY (1997, p. 2),
corroboram esta ideia e afirmam que a norma operacional, j na sua primeira verso, a
NOB 91, apresentou dois importantes retrocessos: no conseguir regulamentar o artigo
35 da Lei n 8.080 que tratava das transferncias de recursos a estados e municpios
e construir as diretrizes do financiamento a partir do pagamento por procedimentos e
sob a forma de convnio, transformando os sistemas estaduais e municipais de sade em
meros prestadores de servios, cerceando suas prerrogativas de gesto nos distintos
nveis de governo.
A NOB01/96 apresentou algum avano no campo regulatrio do SUS, ao
definir os papis de cada nvel de governo no processo de gesto e aumentar as
transferncias diretas de recursos fundo a fundo. Mas, segundo BUENO e MERHY
(1997), a norma apresentou alguns equvocos no seu processo de construo, os quais,
para os autores, poderiam retardar os avanos na qualidade da assistncia e na
construo de um novo modelo assistencial que privilegiasse a vida e a construo da
cidadania.
Desta forma, muitos foram os estudos que apontaram a NOB/96 como lesiva ao
princpio da autonomia do municpio (prevista na Constituio Federal) enquanto gestor
nico do sistema em nvel local, impedindo ou pelo menos induzindo os programas
prioritrios no definidos nos fruns deliberativos locais de controle social (BUENO e
MERHY, 1997; SANTOS e ANDRADE, 2009).
40
Apesar das crticas feitas NOB 01/96, de manter os municpios que no
aderissem ao processo de habilitao na condio de prestadores de servios do sistema,
aprofundando a fragmentao dos repasses financeiros e instituindo inmeras
modalidades de transferncias de recursos, esta norma foi o grande marco para
estruturao da Poltica Nacional de Ateno Bsica. Pela primeira vez asseguraram-se,
num documento oficial, os repasses automticos para as aes bsicas de sade, ao criar
o Piso de Ateno Bsica (PAB). O Piso da Ateno Bsica era definido de duas
formas: PAB fixo, valor repassado de acordo com um per capita nacional multiplicado
pela populao de cada municpio, e PAB varivel, incentivos repassados para o
financiamento de aes e programas desenvolvidos na Ateno Bsica.
Em relao mudana da lgica do financiamento, com a introduo do PAB,
as prefeituras passaram a receber repasses automticos para investir naqueles
procedimentos definidos como prioritrios e fundamentais para desenvolver aes
preveno de doenas e promoo da sade, consultas mdicas e odontolgicas, exames
de pr-natal, vacina e vigilncia sanitria. A partir da instituio desta lgica de
financiamento, observa-se que a concepo de Ateno Bsica, adotada pelo Ministrio
da Sade e reforada por agncias internacionais neste perodo, era de um programa
focalizado e seletivo, com uma cesta restrita de servios, ou seja, o que a literatura
denomina como Ateno Primria Seletiva.
Segundo SOLLA et al. (2007), a suspenso do pagamento por produo de
servios neste nvel de ateno foi fundamental para a induo da ampliao da Ateno
Bsica em todo o territrio nacional. No entanto, cabe ressaltar que a implantao do
PAB se deu aps um perodo de quatro anos de gastos decrescentes do governo federal
em programas de sade, quando as despesas oramentrias com Ateno Bsica
reduziram em 21% entre 1995 e 1998, o que, primeira vista, demonstra que este nvel
de ateno no era prioridade na agenda do governo, reforando a concepo de
Ateno Primria Seletiva (SOLLA et al., 2007).
Mas, em 1999, o Ministrio da Sade reajustou os valores dos repasses e
introduziu uma nova modalidade para o clculo dos incentivos financeiros do PAB
varivel referente ao PSF. A partir deste ano, os municpios com maior cobertura
populacional das eSFs seriam melhor remunerados (BRASIL, 2005).
41
Nos municpios, a NOAS 01/01 ampliou suas responsabilidades pela Ateno
Bsica, aumentando o nmero de aes de sade a serem desenvolvidas pelos mesmos,
ao incluir no financiamento o PAB ampliado (PAB-A). O que difere a NOAS 01/01 da
NOB 01/96, no mbito da Ateno Bsica, que, ao ser publicada em 2001, esta norma
definiu os programas a serem prioritariamente atendidos por meio da Ateno Bsica
ampliada, que so: controle da tuberculose, eliminao da hansenase, controle da
hipertenso arterial, controle do diabetes mellitus, sade da criana, sade da mulher e
sade bucal.
Segundo CAMPOS et al. (2005, p. 9), apesar de todos estes programas j se
encontrarem entre aqueles definidos como prioritrios no Manual de Ateno Bsica, a
NOAS 01/01 lhes deu maior destaque. A lgica da habilitao dos gestores municipais
permaneceu, pois, para receber o novo valor do PAB-A, os municpios precisavam se
habilitar em uma das duas modalidades propostas pela NOAS 01/01: Gesto Bsica
Ampliada5 ou Gesto Plena do Sistema Municipal
6.
Em relao s transferncias federais destinadas Ateno Bsica, de 1998 a
2003 o valor do PAB fixo no sofreu reajustes. Entretanto, os recursos repassados por
meio do PAB varivel cresceram no oramento federal, passando de 2,38% , em 1998,
5 O municpio para se habilitar a esta modalidade de gesto, deveria assumir algumas responsabilidades
definidas a seguir: elaborao do Plano Municipal de Sade, a ser submetido aprovao do Conselho
Municipal de Sade; gerncia de unidades ambulatoriais prprias ou transferidas pelo estado ou pela
Unio; disponibilizao, em qualidade e quantidade suficiente para a sua populao, de servios;
desenvolvimento do cadastramento nacional dos usurios do SUS; operao e alimentao dos sistemas
de informao SIA/SUS e o SIAB; avaliao do impacto das aes do Sistema sobre as condies de
sade dos seus muncipes; execuo das aes bsicas de vigilncia sanitria e aes bsicas de
epidemiologia; elaborao do relatrio anual de gesto e aprovao pelo Conselho Municipal de
Sade/CMS (BRASIL, 2001a). 6 O municpio para se habilitar a esta modalidade de gesto, deveria assumir algumas
responsabilidades: elaborao do Plano Municipal de Sade, a ser submetido aprovao do Conselho
Municipal de Sade, a integrao e articulao do municpio na rede estadual e respectivas responsabilidades na PPI do estado, incluindo detalhamento da programao de aes e servios que
compem o sistema municipal, bem como o Quadro de Metas, mediante o qual ser efetuado o
acompanhamento dos Relatrios de Gesto; gerncia de unidades prprias, ambulatoriais e hospitalares
e unidades assistenciais transferidas pelo estado e pela Unio; gesto de todo o sistema municipal,
incluindo a gesto sobre os prestadores de servios de sade vinculados ao SUS, independente da sua
natureza jurdica ou nvel de complexidade, exercendo o mando nico, ressalvado as unidades estatais
de hemoncleos/hemocentros e os laboratrios de sade pblica; desenvolvimento do cadastramento
nacional dos usurios do SUS; garantia do atendimento para sua populao e para a populao
referenciada por outros municpios; integrao dos servios existentes no municpio s centrais de
regulao ambulatoriais e hospitalares; cadastro, contratao, controle, avaliao, auditoria e
pagamento aos prestadores de servios ambulatoriais e hospitalares localizados em seu territrio e
vinculados ao SUS