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UNEB – UNVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA JOSY DE SOUZA CARVALHO BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR: UMA PRÁTICA DE PRECONCEITO E EXCLUSÃO SALVADOR – BAHIA 2012

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UNEB – UNVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

CURSO DE PEDAGOGIA

JOSY DE SOUZA CARVALHO

BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR: UMA PRÁTICA DE PRECONCEITO E EXCLUSÃO

SALVADOR – BAHIA 2012

JOSY DE SOUZA CARVALHO

BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR: UMA PRÁTICA DE PRECONCEITO E EXCLUSÃO

Trabalho monográfico apresentado à disciplina TCC II, como requisito para obtenção do título de licenciatura em pedagogia do departamento de educação sob a orientação da professora Maria de Fátima V. Noleto.

SALVADOR – BAHIA 2012

FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Carvalho, Josy de Souza. Bullying no ambiente escolar: uma prática de preconceito e exclusão / Josy de Souza Carvalho. Salvador, 2012. 49f. Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima V. Noleto. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2012. Contém referências. 1. Assédio nas escolas. 2. Violência na escola. I. Noleto, Maria de Fátima. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD: 371.58

JOSY DE SOUZA CARVALHO

BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR: UMA PRÁTICA DE PRECONCEITO E EXCLUSÃO

Trabalho monográfico apresentado à disciplina TCC II, como requisito para obtenção do título de licenciatura em pedagogia do departamento de educação sob a orientação da professora Maria de Fátima V. Noleto.

BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Profª. Maria de Fátima V. Noleto (UNEB-SALVADOR/BA) ____________________________________________________________ Profª. Rilza Cerqueira (UNEB-SALVADOR/BA)

SALVADOR – BAHIA 2012

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus avós, Ana e Etevaldo, fonte de sabedoria e responsáveis pelas melhores referências que tive em minha vida;

Ao meu esposo, Marcel, por fazer a vida possuir um maravilhoso sentido através de

seu amor e pelo constante apoio;

A Thalita Sarah, minha filha, minha razão de querer vencer! O maior presente que recebi de Deus.

Te amo!

Dedico também a todas as pessoas que vivenciam ou vivenciaram situações de bullying no ambiente escolar.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por ter me concedido a paz e a sabedoria

para a realização deste árduo trabalho.

Agradeço a todos os meus professores desde o primeiro semestre, que

acrescentaram muito na minha formação, incluindo, claro, minha orientadora

Professora Maria de Fátima Noleto, por toda paciência e dedicação dada nesta

orientação desse trabalho tão esperado.

Aos profissionais da UNEB que forneceram a ajuda necessária nos momentos

mais precisos para realização de etapas imprescindíveis de vários trabalhos

realizados. Em especial à Aline (colegiado) e Jailton (secretaria acadêmica),

pela atenção e dedicação em estarem sempre dispostos a ajudar.

Aos colegas de sala, que, mesmo diante de tanta discórdia, se fizeram

presente em diversas situações de alegria, e claro, aos meus diletos, com os

quais eu tive o privilégio de conviver (em ordem alfabética): Ângelo, Bartyra,

Luciana, Marlene e Tytta – companheiros de todos os semestres. Em especial

Luciana, companheira de todos os momentos unebianos, principalmente, pelo

apoio dado após meu acidente e Bartyra, por ter me incentivado em momentos

de desistência deste trabalho final.

A Zete, Ugo, Ana Áurea e Eurides pelas boas histórias e bons momentos que

desencadearam, de alguma forma, esse meu trajeto de vida.

Aos meus sogros, Márcia e Neydson, por incentivar os meus estudos.

“A intolerância, a ausência de parâmetros que orientam a convivência pacífica e a falta de habilidade para resolver

os conflitos são algumas das principais dificuldades detectadas no ambiente escolar. Atualmente, a matéria

mais difícil da escola não é a matemática ou a biologia; a convivência, para muitos alunos e de todas as séries,

talvez seja a matéria mais difícil de ser aprendida.”

Cleo Fante

RESUMO

O presente trabalho trata da violência no espaço escolar denominada de bullying e toma como referência a análise do filme Jesus Children of America - dirigido por Spike Lee - um dos sete curtas-metragens do filme Crianças Invisíveis (2005), na qual é uma produção encomendada pela Unicef e realizada por oito diretores diferentes nacionalidades e retrata a realidade de suas crianças de cada continente – na qual trata de conhecer as implicações deste fenômeno como prática de preconceito e exclusão no ambiente escolar. As implicações, as quais esse trabalho se refere, perpassam estudos e análises sobre fatores que possam vir a facilitar a existência de tal prática. Para embasar esta discussão, a presença de alguns teóricos, como Cléo Fante, Ana Beatriz B. Silva, Michel Foucault, José Leon Crochik, entre outros, foi essencial; além, da utilização de recursos midiáticos, imprescindíveis para a verificação do fenômeno. Tal fenômeno apresenta-se de forma velada, intencional e repetitiva, dentro de uma relação desigual de poder, por um longo período de tempo contra uma mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequências irreparáveis, sejam elas físicas, psíquicas, emocionais ou comportamentais. Sem dúvida, bullying e preconceito trata-se dos mesmos comportamentos ou, ainda, de uma mesma racionalidade reinante antes e agora, na sociedade como um todo e nas relações entre os colegas escolares. E o que se observa no contexto escolar é que os alunos que estão fora do padrão social idealizado, sofrem com a rejeição a que são submetidos e essa escola passa a ser um lugar de medo, de solidão e de excludentes.

PALAVRAS-CHAVE: Bullying; ambiente escolar; preconceito; exclusão.

RESUMEN

El presente trabajo trata de la violencia en la escuela llamó la intimidación y se refiere al análisis de la película de Jesús los niños de América - dirigida por Spike Lee - uno de los siete cortometrajes de los niños película invisible (2005), que es una producción de encargo por UNICEF y llevado a cabo por ocho directores de diferentes nacionalidades y retrata la realidad de sus hijos de todos los continentes-en los que trata de conocer las implicaciones de este fenómeno como una práctica de los prejuicios y la exclusión en el ámbito escolar. Las implicaciones que este trabajo se refiere impregnan los estudios y análisis de los factores que pueden facilitar la existencia de tal práctica. Para apoyar esta discusión, la presencia de algunos teóricos, como Cleo Fante, Ana Beatriz B. Silva, Michel Foucault, José Leon Crochik, entre otros, era esencial, además, el uso de los recursos de los medios de comunicación, esenciales para la verificación del fenómeno. Este fenómeno se presenta de una manera indirecta, intencional y repetitiva dentro de una relación desigual de poder, durante un largo periodo de tiempo contra la misma víctima, sin razones obvias, la adopción de comportamientos crueles, humillantes e intimidantes, provocando consecuencias irreparables, ya sean física, mental, emocional o de comportamiento. Sin lugar a dudas, la intimidación y el perjuicio es de las mismas conductas, o incluso la misma racionalidad que reinaba antes y ahora, en la sociedad en su conjunto y las relaciones entre compañeros de la escuela. Y lo que se observa en la escuela es que los estudiantes que se encuentran fuera de la norma social idealizado, sufren el rechazo que se presentan, y la escuela se convierte en un lugar de miedo, la soledad y la exclusión. PALABRAS CLAVE: La intimidación, el entorno escolar, los prejuicios, la exclusión.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11 1. BULLYING: CONCEITOS, TIPOS E PERSONAGENS .............................. 15 1.1 CONCEITOS .............................................................................................. 16

1.2 BULLYING E AS DISTINÇÕES COM OUTRAS

VIOLENCIAS NO AMBIENTE ESCOLAR ....................................................... 22

1.3 PERSONAGENS: AGRESSOR, VÍTIMA E ESPECTADOR ..................... 25

1.3.1 As vítimas ............................................................................................ 26 1.3.2 Os agressores ....................................................................................... 29 1.3.3 Os espectadores ................................................................................... 31 2. PRECONCEITO E EXCLUSÃO .................................................................. 33 2.1 DO BULLYING AO PRECONCEITO ......................................................... 33

2.2 DO BULLYING À EXCLUSÃO ................................................................... 36

3. PRÁTICAS DO BULLYING: PRECONCEITO E EXCLUSÃO NO AMBIENTE ESCOLAR ............................................................................. 39 3.1 SITUAR O FILME E O SEU CONTEXTO .................................................. 39

3.2 CATEGORIAS DE ANÁLISE ..................................................................... 41

3.2.1. Preconceito .......................................................................................... 41 3.2.2. Exclusão ............................................................................................... 43 3.3 ESTRATÉGIAS NA INTERVENÇÃO E PREVENÇÃO

DO BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR ..................................................... 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 49 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 51

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INTRODUÇÃO A escola, vista como uma instituição de ensino deve zelar e estar comprometida com

a aprendizagem e o bem estar da criança. Todavia, esse ambiente que deveria ser

agradável e sadio tem sido palco de atitudes frequentes, que envolvem atos de

violência entre os alunos, ficando evidente, dessa forma, a conduta bullying.

O bullying caracteriza-se por ser um problema mundial encontrado em todas as

escolas, sejam elas privadas ou públicas, o que vem se expandindo nos últimos

anos. A conduta bullying nas instituições de ensino tem sido um sério problema, pois

gera um aumento significativo da propagação da violência entre os alunos.

A prática desse tipo de violência é vista pelos os autores dedicados a esse assunto

como “Fenômeno bullying”. Tal fenômeno apresenta-se de forma velada, intencional

e repetitiva, dentro de uma relação desigual de poder, por um longo período de

tempo contra uma mesma vítima, sem motivos evidentes, adotando comportamentos

cruéis, humilhantes e intimidadores, gerando consequências irreparáveis, sejam elas

físicas, psíquicas, emocionais ou comportamentais.

Entre crianças e adolescentes, levando em conta a faixa etária em que se encontra,

a prática do bullying é causada pela necessidade que o sujeito tem de se impor

sobre o outro, tanto para demonstração de poder, quanto para satisfação pessoal.

Percebe-se que há uma necessidade de se auto-afirmarem a todo instante, perante

si mesmos e em relação aos outros e para que isso ocorra, normalmente, o agressor

se impõe sobre a vítima, considerada a parte mais frágil da relação e por ter a

certeza de que ela não irá apresentar meios de defesa para reverter à situação.

As consequências provocadas pelo bullying geram, por vezes, danos e traumas

irreparáveis na vida da criança, podendo refletir desde logo, como por exemplo,

baixa auto-estima, estresse, depressão, queda no rendimento escolar, pensamentos

de vingança para com o agressor e até mesmo suicídio.

Aquele que sofre a violência do bullying em muitas situações não expõe a agressão

sofrida, ora por medo de delatar os seus agressores, ora por vergonha que irá

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passar diante dos demais amigos de classe, por medo de sofrer represálias, seja por

acreditar que os professores ou seus próprios pais não lhe darão o devido crédito.

Outro aspecto interessante é o fato de alguns professores acreditarem que tais

agressões são apenas brincadeiras de crianças e que irão passar com o tempo,

atitude essa que faz crescer mais ainda a violência nas escolas e banaliza o

sofrimento da vítima.

O objetivo deste trabalho é analisar as práticas do bullying que resultam em

preconceito e exclusão no ambiente escolar. A preocupação com esta temática

surgiu em 2010 a partir das notícias, difundidas na mídia, dos homicídios e suicídios

de crianças e adolescentes na sequência de terem sido vítimas de bullying, em

ambiente intra e extramuros escolar.

No estágio realizado em um colégio particular, de classe alta, convivi com um aluno

de seis anos que sofrera deste mal em que era excluído por todos os seus colegas

(também com seis anos de idade) e o apelidavam de “melequento”, “babão”, “mijão”,

resultando em brigas. Sinalizei para a professora interferir e pude perceber que esta

não acreditava que as ações dos demais alunos estavam causando dor e sofrimento

àquela criança. Todavia, pela minha insistência, a professora conversou com a

turma sobre as agressões verbais dirigidas a ele e mostrou-lhes o quanto estas

atitudes eram constrangedoras.

Porém a própria professora mostrava-se impaciente com o mesmo em relação a

suas diferenças perante a turma, achando-o “imaturo” e “bobão”, mesmo sabendo

que esta criança estava sendo objeto de disputa judicial entre os pais.

Na condição de estagiária, perguntava à professora se esta criança sofria de bullying

e a mesma negava qualquer possibilidade, dando a entender na sua fala que o

problema era da família desta criança. A escola sempre se esquivando dos

problemas, fingindo não enxergá-los, responsabilizando apenas o dever à família,

comprometendo o desenvolvimento psicológico e social das crianças.

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Além do fato narrado acima, pode-se presenciar várias cenas de alunos figurando

como agressores e vítimas de tal fenômeno. Contudo, este assunto me interessou

bastante, fazendo com que esse tema fosse escolhido como pesquisa para esta

monografia.

Diante destas inquietações, pretende-se estudar: quais são os tipos de violência,

denominada de bullying, existentes no contexto escolar? Quais as práticas do

bullying que expressam preconceito e exclusão, no ambiente escolar?

Fundamenta-se este trabalho bibliográfico nos estudos realizados pela educadora e

pesquisadora Cléo Fante (2005) por trazer a discussão sobre o tema bullying, na

qual aborda em seu livro Fenômeno bullying – como prevenir a violência nas escolas

e educar para a paz, como um tema dos mais importantes para a educação e para a

erradicação da violência entre escolares em nosso país, principalmente por sua

especificidade, implicações e consequências nefastas, acarretando enorme prejuízo

à formação psicológica, emocional e socio-educacional do indivíduo que é vitimizado

por esse fenômeno. A mesma direciona seu estudo, para a promoção da paz em

nossas escolas além de analisar alguns questionamentos que ultrajam a vida de

pais, educadores, pesquisadores, autoridades e jovens que sonham com um futuro

de paz e justiça; e nos estudos realizados pela psiquiatra Ana Beatriz Silva (2010)

que traz no seu livro Mentes perigosas nas escolas – bullying, uma abordagem

psicossocial na qual abordam informações para a identificação do bullying e seus

efeitos, assim como o que se pode fazer para combater este mal que não deve mais

ser tolerado pela sociedade.

Quanto o aspecto metodológico, optou-se pela pesquisa bibliográfica apoiada no

pensamento de Antônio Carlos Gil (2002) e com base em material já elaborado,

constituído principalmente de livros, artigos científicos e da analise de um filme.

Destaca este autor que a principal vantagem desta pesquisa reside no fato de

permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla

do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se

particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito

dispersos pelo espaço.

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Organiza-se este trabalho em três itens. O primeiro trata de reunir conceitos sobre

bullying, evidenciando comportamentos, contextos e ambientes de sua manifestação

a partir de autores como Fante (2005) e Silva (2010); o segundo aborda o

preconceito e a exclusão dentro do ambiente escolar, trazendo as perspectivas dos

autores Jahoda e Ackerman (1969), Foucault (1987), Levin (1995), Trindade (1996),

Crochik (1997), Escorel (1998), Luz (2001), Novaes (2006) e Antunes e Zuin (2008);

e o terceiro analisa as práticas do bullying e as suas repercussões no ambiente

escolar, a partir de um estudo de caso do filme Jesus Children of America (Crianças

invisíveis), na qual a personagem Blanca é vítima de bullying escolar.

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1. BULLYING: CONCEITOS, TIPOS E PERSONAGENS

A preocupação com a violência no ambiente escolar, segundo Marılia Pontes

Sposito, em seu artigo Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no

Brasil (2001), emergiu nos estudos acadêmicos brasileiros a partir da década de

1980, ou seja, parece que a preocupação com a barbárie e o compromisso com uma

educação contra a violência são ainda muito recentes no Brasil.

O tema da violência, sobretudo aquela que ocorre nos grandes centros urbanos na sociedade brasileira, é parceiro do processo de democratização, à medida que, a partir do início dos anos de 1980, essa questão eclode com força do debate público. (SPOSITO, 2001, p.5)

De fato a história da educação no Brasil, comparada com o Velho Mundo, é recente.

Segundo Sposito (2001), o estudo da violência escolar parte da análise das

depredações e danos aos prédios escolares e chega ao final da década de 1990 e

início dos anos 2000 com o estudo das relações interpessoais agressivas,

envolvendo alunos, professores e outros agentes da comunidade escolar a ponto de

afirmar que.

Nesses primeiros anos da década de 1980 observa-se certo consenso em torno da idéia de que as unidades escolares precisavam ser protegidas, no seu cotidiano, de elementos estranhos, os moradores dos bairros periféricos, atribuindo a eles a condição de marginais ou delinquentes. Tratava-se assim de uma concepção expressas nas ações de depredação do patrimônio público, especialmente, e, em menor grau, no medo da invasão dos prédios por adolescentes ou jovens moradores, aparentemente sem vínculo com a unidade escolar. (SPOSITO, 2001,p. 5)

De acordo com Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua no livro Violências nas

escolas (2003, p.26), a violência escolar é um fenômeno antigo em todo o mundo e

configura um “grave problema social”, podendo ocorrer, conforme já classificado

pela ciência e adotado pelo senso comum, como indisciplina, delinquência,

problemas de relação professor-aluno ou mesmo aluno-aluno, entre outros.

Neste mesmo sentido o estudo de Maria José D. Martins sobre o problema da

violência escolar: Uma clarificação e diferenciação de vários conceitos relacionados

(2005), aponta que “a violência escolar, a delinquência juvenil, a conduta anti-social,

os problemas de comportamento na sala de aula e a indisciplina tem sido objeto de

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uma crescente preocupação nas sociedades industrializadas” (p. 94). É tanto que

situar este problema complexo como produto da industrialização é simplifica-lo já

que este fenômeno se encontra em todos os espaços do mundo.

A discussão da violência no espaço da escola é sempre encarada como conduta

anti-social, distúrbio de conduta e bullying. Esta última é uma expressão inglesa e

que tem gerado estudos diante das grandes preocupações com o fenômeno não só

nos contextos escolares, mas nos espaços do trabalho, da rua, família, dentre

outros.

Embora atualmente o estudo da violência tenha classificado suas diversas formas de

apresentação e ocorrência nas escolas públicas e privadas, tais como a presença de

gangues, de armas e do tráfico de drogas nas instituições escolares, porém uma

dessas violências, que se convencionou chamar no mundo todo, chama-se bullying.

1.1 CONCEITOS

Durante muito tempo a violência tem sido um traço característico das relações

escolares. Até alguns anos atrás (e ainda hoje, em alguns lugares, infelizmente),

estas atitudes agressivas e intencionais eram vistas como sendo uma “fase”,

“brincadeiras”, “coisas de jovem”, “coisas que todos passam por isso na vida”.

As pesquisas da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à

Adolescência, ABRAPIA, fundada em 1988 pelo médico pediatra Dr. Lauro Monteiro,

que é uma organização não governamental, privada, porém com objetivos públicos,

cuja missão é: Defender e promover os direitos da criança e do adolescente relata que no início dos anos 70, Dan Olweus iniciava investigações na escola sobre o problema dos agressores e suas vítimas, embora não se verificasse um interesse das instituições sobre o assunto. Já na década de 80, três rapazes entre 10 e 14 anos, cometeram suicídio. Estes incidentes pareciam ter sido provocados por situações graves de bullying, despertando, então, a atenção das instituições de ensino para o problema. (www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-154.pdf. 2002)

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Algumas ONGs foram criadas para o combate ao bullying, dentre elas se destaca a

ABRAPIA que implantou, em 2002, o Programa de Redução do Comportamento

Agressivo, envolvendo 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental de

11 escolas do Rio de Janeiro, sendo 9 públicas e 2 particulares. Dos alunos que

foram entrevistados, 40,5% tinham envolvimento direto com os atos de bullying; tal

pesquisa, segundo Fante (2005), revelou que o fenômeno bullying se faz presente

em nossas escolas com índices superiores aos apresentados pelos países

europeus. Essa pesquisa foi o marco dos estudos voltados para esse tema no Brasil,

repercutindo nacionalmente, inclusive, com a preocupação em se desenvolver

políticas públicas de combate ao bullying, principalmente dentro das escolas.

Outra pesquisa considerada pioneira em estudos sobre bullying no Brasil é a da

educadora Cleo Fante que em 2002 e 2003, realizou uma pesquisa em São José do

Rio Preto (SP) envolvendo cerca de dois mil alunos em oito escolas das redes

pública e particular, revelando que 49% dos alunos estavam envolvidos com o

bullying. Criou o Programa Educar para a Paz, pioneiro no combate ao bullying nas

escolas.

Vale destacar que o estudo de Fante no seu livro Fenômeno bullying – como

prevenir a violência nas escolas e educar para a paz (2005), traz investigações e

experiências, especialmente daqueles envolvidos no processo educacional, diante

dos inúmeros fatos violentos que se fazem presentes nas escolas de todo o mundo.

A autora aborda o tema bullying como uma forma de violência entre escolares,

desencadeada de forma repetitiva contra uma mesma vítima ao longo do tempo e

dentro de um desequilíbrio de poder. Trata-se de um fenômeno social, que possui

características peculiares que podem ser identificadas, dentre elas, a sua

propriedade de causar danos psicológicos irreparáveis ao psiquismo (se não

identificados e tratados), à personalidade, ao caráter e à auto-estima de suas

vítimas, manifestando suas sequelas ao longo de toda a vida”. (p. 15). A mesma

ainda descreve o bullying, como “um mal que se difunde nas escolas, de maneira

velada e sorrateira, causando traumas e bloqueios emocionais que interferem

preferencialmente no desenvolvimento socioeducacional dos alunos”. (p.17).

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Para a autora, o bullying é o “desejo consciente e deliberado de maltratar outra

pessoa e colocá-la sob tensão”. (p. 27). Destaca ainda, que, o bullying “é um

subconjunto de comportamentos agressivos, caracterizado pela sua natureza

repetitiva e por desequilíbrio de poder”. (p. 28).

Neste estudo Fante apoia-se nas pesquisas de Dan Olweus (1978) pesquisador da

Universidade de Berger, Noruega, na qual trata a diferença do bullying e as demais

violências da escola. Constatou que, “um em cada sete alunos encontrava-se

envolvido em casos de bullying” (p. 45), tanto em papel de vítima como no papel de

agressor. Essa revelação mobilizou toda a sociedade local dando origem a uma

campanha nacional antibullying, recebendo, por sua vez, segundo a mesma, apoio

do governo norueguês, havendo uma redução em cerca de 50% dos casos dessa

prática escolar. O sucesso dessa iniciativa foi tão grande que desencadeou a

promoção de campanhas antibullying em outros países.

A pesquisadora Fante (2005) também se apoia no estudo de Olweus que pesquisou

inicialmente cerca de 84.000 estudantes, 300 a 400 professores e 1.000 pais entre

os vários períodos de ensino. Um fator fundamental para a pesquisa sobre a

prevenção do bullying foi avaliar a sua natureza e ocorrência. Como os estudos de

observação direta ou indireta são demorados, o procedimento adotado foi o uso de

questionários, o que serviu para fazer a verificação das características e extensão

do fenômeno, bem como avaliar o impacto das intervenções que já vinham sendo

adotadas.

Nos estudos deste norueguês, Fante (2005) destaca o instrumento utilizado que foi

um questionário consistindo de um total de 25 questões com respostas de múltipla

escolha, onde se verificava a frequência, tipos de agressões, locais de maior risco,

tipos de agressores e percepções individuais quanto ao número de agressores

(Olweus, 1993a). Este instrumento destinava-se a apurar as situações de

vitimização/agressão segundo o ponto de vista da própria criança. Ele foi adaptado e

utilizado em diversos estudos, em vários países, inclusive no Brasil, pela ABRAPIA,

possibilitando assim, o estabelecimento de comparações interculturais.

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Traz como resultados sobre o diagnóstico do bullying realizado pelos pesquisadores

Olweus (1989) e por Roland (1989), que 1 em cada 7 estudantes estava envolvido

em caso de BULLYING. Em 1993, Olweus publicou o livro “BULLYING at School”

apresentando e discutindo o problema, os resultados de seu estudo, projetos de

intervenção e uma relação de sinais ou sintomas que poderiam ajudar a identificar

possíveis agressores e vítimas.

O resultado desta pesquisa resultou na Campanha Nacional, com o apoio do

Governo Norueguês, que reduziu em cerca de 50% os casos de BULLYING nas

escolas. Sua repercussão em outros países, como o Reino Unido, Canadá e

Portugal, incentivou essas nações a desenvolverem suas próprias ações.

Pode-se entender que o programa de intervenção proposto por Olweus tinha como

características principais desenvolver regras claras contra o bullying nas escolas,

alcançar um envolvimento ativo por parte de professores e pais, aumentar a

conscientização do problema, avançando no sentido de eliminar alguns mitos sobre

o bullying, e prover apoio e proteção para as vítimas.

Já o estudo de Ana Beatriz Silva, médica pediátrica, que traz no seu livro Mentes

perigosas nas escolas – bullying (2010) sobre pesquisas sobre o bullying, ao redor

do mundo, apontam para o crescimento do problema de que 5% a 35% das crianças

em idade escolar estejam envolvidas em condutas agressivas no ambiente

educacional, incluindo neste quadro jovens vítimas de violência quanto os próprios

agressores.

A mesma autora ainda afirma que nos Estados Unidos, o bullying é motivo de

grande tensão e interesse, uma vez que lá:

o fenômeno cresce de forma exponencial, a ponto de os estudiosos no assunto o classificarem como um conflito global. Certas pesquisas revelam incidências tão altas, que muitos jovens preveem um futuro sombrio para um percentual significativo de jovens, especialmente os que desempenham o papel de agressores. Para os pesquisadores, a quantidade de jovens que se tornarão adultos violadores das regras sociais básicas para a boa convivência e/ou francamente delinquentes é bastante representativa. (SILVA, 2010, p. 112 e 113)

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No Brasil os estudos sobre o fenômeno estão apenas começando, tendo, de acordo

com Fante (2005), chegado por aqui no final da década de 1990, o que não diminui

a incidência do fenômeno nos diversos locais em que as relações interpessoais se

fazem presentes. Influenciados pelas pesquisas desenvolvidas na Europa, pode-se

citar, a professora Marta Canfield (1997), que direcionou sua pesquisa em quatro

escolas de ensino público em Santa Maria (RS) e os professores Israel Figueira

(2000) e Carlos Neto (2001) em duas escolas municipais do Rio de Janeiro.

De acordo com Fante, a definição do bullying é compreendida como um

“subconjunto de comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua natureza

repetitiva e por desequilíbrio de poder”. A mesma ainda complementa, como

definição universal, que o bullying é:

Um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro (s), causando dor, angústia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais. (FANTE, 2005, p. 28 e 29)

Desta forma, não é toda violência escolar que pode ser considerada bullying. Para

isso é preciso contemplar uma agressão psicológica, moral ou física que indique a

intenção de ferir, intimidar, ofender, discriminar, perseguir, amedrontar, havendo

uma ocorrência frequencial sistematizada e que no final deixam marcas para a

vítima.

A mesma autora traz a posição da psicóloga espanhola Carmem Orte Socías (1996),

sobre o bullying: O bullying é considerado um mal-estar que se apresenta na perspectiva oculta, no desenvolvimento e na indiferença, tendo sua força na ausência de valorização pessoal, fruto do desenvolvimento social, emocional e intelectual inadequado daqueles que sofrem e padecem como vítimas desse fenômeno novo e velho ao mesmo tempo. (FANTE, p. 29)

Esta concepção mostra que o bullying é um fenômeno que vem sendo considerado

novo, pois o mesmo é objeto de investigação e de estudos nas últimas décadas,

evidenciando a “desigualdade entre iguais”, na qual os “valentões” agridem de forma

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perversa e oculta dentro de um mesmo contexto escolar. Por outro lado, o bullying é

considerado um fenômeno antigo, pois se trata de uma violência que sempre existiu

nas escolas, na qual os “valentões” continuam oprimindo e ameaçando suas vítimas,

por motivos banais, ocorrendo despercebida entre os profissionais de educação.

Segundo Silva, o bullying é um termo que conceitua os comportamentos agressivos

e anti-sociais, em estudos sobre o problema da violência escolar. Dentre esses

comportamentos podemos destacar as agressões, os assédios e as ações

desrespeitosas, todos realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos

agressores. É fundamental explicitar que as atitudes tomadas por um ou mais agressores contra um ou alguns estudantes, geralmente, não apresentam motivações específicas ou justificáveis. Isso significa dizer que, de forma quase “natural”, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas. E isso, invariavelmente, sempre produz, alimenta e até perpetua muita dor e sofrimento nos vitimados. (SILVA, 2010. p. 21)

Quando trata do agressor, que pratica o bullying, Silva comenta que este tende a

dominar subjugar e impor a sua autoridade sobre outrem, mediante coação,

necessidade de aceitação, pertencimento a um grupo de auto-afirmação e de

chamar atenção para si acarretando enorme prejuízo à formação psicológica,

emocional e sócio educacional do indivíduo que é vitimizado.

Assim, esta autora aponta o abuso de poder para provocar comportamentos de

intimidação e prepotência como estratégias para a prática do bullying (os bullies) o

que ao impor sua autoridade e manter suas vítimas sob total domínio, a violência se

instala entre estudantes e pode acarretar enorme prejuízo à formação psicológica,

emocional e sócio educacional do indivíduo que é vitimizado.

Ao analisar o bullying como relações interpessoais, Fante (2005) traz nos seus

estudos as práticas que ocorrem nas escolas, condomínios, famílias, trabalhos, e

mostra que este comportamento cruel em que os mais fortes convertem os mais

frágeis em objetos de diversão e prazer, através de “brincadeiras” que disfarçam o

propósito de maltratar e intimidar.

22

É tanto que esta comenta que diversos estudiosos vêm dando contribuições a

respeito desse fenômeno e que todas as pesquisas convergem para a incapacidade

da vítima em se defender, além de não conseguir motivação em outras pessoas

agirem em sua defesa a ponto de afirmar que:

O bullying é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, a propriedade de causar traumas ao psiquismo de suas vítimas. (FANTE, 2005, p.30)

Desta forma o bullying é uma agressão entre iguais, ou seja, alunos que partilham

do mesmo espaço físico, que tem idades semelhantes ou aproximadas. Essa

agressão entre iguais só aumenta a urgência do estudo e uma intervenção junto às

pessoas que experenciam o fenômeno bullying. O que se quer chamar de igual é:

crianças e adolescentes da mesma idade, ou idades aproximadas ou não, e que

dividem o mesmo espaço, seja a sala de aula, o recreio ou a escola como um todo.

1.2 BULLYING E AS DISTINÇÕES COM OUTRAS VIOLENCIAS NO AMBIENTE

ESCOLAR

O fenômeno bullying no ambiente escolar, de acordo com o estudo de Fante (2005)

traz dados de que é comum entre alunos de uma classe a existência de vários tipos

de tensões e conflitos. Os conflitos estão nas interações, que às vezes são,

agressivas, em outras são simbólicas e ocorrem na diversão ou como forma de auto-

afirmação e para se confirmar as relações de força que os estudantes estabelecem

entre si, Fante chama a atenção de que:

Caso exista na classe um agressor em potencial, ou vários deles, seu comportamento agressivo influenciará nas atividades dos alunos, promovendo interações ásperas, veementes e violentas. Devido ao temperamento irritadiço do agressor e à sua acentuada necessidade de ameaçar, dominar e subjugar os outros de forma impositiva pelo uso da força, as adversidades e as frustrações menores que surgem acabam por provocar reações intensas. (FANTE, 2005, p.47)

Entende que a tendência do agressor assumir reações de caráter agressivo, este

tende a empregar meios violentos nas situações de conflitos. Por ter a favor a sua

força física, suas agressões são cada vez mais desagradáveis e dolorosos para os

23

demais. De acordo Fante (2005), o agressor, geralmente, prefere atacar os mais

frágeis, pois tem certeza de poder dominá-los, não temendo brigar com outros

alunos da classe, pois se sente forte e confiante.

Destaca ainda Fante (2005) que se existir na classe alunos com características

psicológicas como insegurança, passividade, ansiedade, timidez, dificuldade de

impor-se e de reagir, mostrando-se fisicamente indefeso, ele logo será descoberto

pelo agressor. Pois, este tipo de aluno indefesso é o elo frágil da cadeia e o agressor

sabe que o mesmo não vai reagir se for atacado, que mostrará temor, talvez, vindo a

chorar e ninguém o defenderá dos abusos e provocações que receber.

Este tipo de vítima, caracterizada pelo parágrafo anterior, constitui-se para o

agressor, o alvo ideal. Sua ausência de defesa produz no agressor um forte

sentimento de superioridade. Segundo Fante (2005, p. 48) “o agressor sente a

mesma satisfação quando ataca ou quando são outros que atacam a vítima. Caso

seus atos produzam alguma conseqüência, o agressor sempre tem alguma

estratégia inteligente para sair-se bem”.

Geralmente, entretanto, os professores ou os demais profissionais que atuam nas

escolas não percebem os conflitos ou por infelicidade das vítimas, não se encontram

no local onde acorrem as agressões.

A mesma autora aponta que é comum que a vítima não conte para os professores e

para os pais o que acontece na escola. Ocorre, também, que outros alunos

participem dos maus tratos a essa vítima, pois todos do seu meio sabem que este

não irá reagir e que nenhum outro aluno da classe sairá em sua defesa. Desta

forma, a vítima vai se isolando do grupo/classe, uma vez que sua fama se torna

cada vez pior perante seus colegas pelas constantes difamações, gozações, e

ataques.

Muitos alunos têm receio, ou melhor, medo, de que sua reputação seja abalada ou

de serem excluídos do seu grupo ou de serem desaprovados pelos valentões se

alguém os vir em companhia da vítima, alvo das gozações. Estes têm receio de se

tornarem o próximo alvo, consumando um isolamento do aluno, vítima do bullying.

24

Não raro alguns alunos são tomados pelo medo de que sua reputação seja ameaçada ou de provocarem o desdém ou a desaprovação dos agressores se alguém os vir em companhia do aluno alvo das gozações. Alguns temem se tornar a próxima vítima, e, dessa forma, o isolamento do aluno, alvo do bullying, é fato consumado. (FANTE, 2005, p. 49)

Ainda, segundo Fante (2005) a maioria dos casos de bullying ocorre dentro dos

muros das escolas. Contudo, para que uma conduta seja caracterizada como

bullying, é imprescindível distinguir os maus-tratos ocasionais e não graves dos

maus-tratos habituais e graves. Em vista disso, as características mais comuns

determinadas para os atos de bullying entre os alunos são:

Comportamentos produzidos de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ocorrem sem motivações evidentes; são comportamentos deliberados e danosos. (FANTE, 2005, p. 49)

Aponta ainda que os comportamentos bullying podem ocorrer de duas formas: direta

e indireta. As duas formas são danosas e abomináveis. A direta refere-se a

agressões físicas e verbais e a indireta é a que mais provoca prejuízo, causando

possíveis traumas permanentes.

De acordo com Silva (2010), dificilmente a vítima recebe apenas um tipo de maus-

tratos; normalmente, os comportamentos desrespeitosos dos bulies costumam vir

em “bando”.

A ABRAPIA enfatiza no conceito do bullying as relações de poder que estão em

jogo. As atitudes agressivas, intencionais, deliberadas e conscientes que visam a causar dor, sofrimento, perseguição e exclusão são adotadas por um indivíduo ou um grupo, na sua maioria composto de pessoas com força física, mais idade e alto poder de persuasão, contra outros indivíduos ou grupos mais “fracos”. (www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-154.pdf. 2002)

Afirma ainda Silva (2010, p.22) que “essa versatilidade de atitudes maldosas

contribui não somente para a exclusão social da vítima, como também para muitos

casos de evasão escolar, e pode se expressar das mais variadas formas”.

25

De acordo com Silva (2010) as práticas do bullying podem ser expressas em: verbal,

físico e material, psicológica e moral, sexual e virtual. Quando se trata do aspecto

verbal, há os seguintes tipos: insultar, ofender, xingar, fazer gozações, colocar

apelidos pejorativos, fazer piadas ofensivas, “zoar”. Quanto ao aspecto físico e

material: bater, chutar, espancar, empurrar, ferir, beliscar, roubar ou destruir

pertences da vítima. O aspecto psicológico e moral trazem os tipos: irritar, humilhar

ou ridicularizar, excluir, isolar, ignorar, desprezar ou fazer pouco caso, discriminar,

aterrorizar e ameaçar, chantagear e intimidar, tiranizar, dominar, perseguir, difamar,

passar bilhetes e desenhos entre os colegas de caráter ofensivo, fazer intrigas,

fofocas ou mexericos.

Quanto ao aspecto sexual, considera-se: abusar, violentar, assediar, insinuar. De

acordo com Silva (2010) este tipo de comportamento desprezível costuma ocorrer

entre meninos com meninas e meninos com meninos. Não raro o estudante indefeso

é assediado e/ou violentado por vários colegas ao mesmo tempo.

Quanto ao aspecto virtual, trata dos avanços tecnológicos que também influenciam

esse fenômeno típico das interações humanas. A mesma autora ainda afirma que

novas formas de bullying surgiram por meio da utilização de aparelhos e

equipamentos de comunicação (celular e internet), que são capazes de difundir, de

maneira avassaladora, calúnias e maledicências. Essa forma de bullying é

conhecida como ciberbullying

1.3 PERSONAGENS: AGRESSOR, VÍTIMA E ESPECTADOR

O bullying é constituído de personagens na qual nos despertam terror, compaixão e

empatia. No entanto, de forma diversa, felizmente, o bullying pode ser identificado,

combatido e enfrentado por todos que heroicamente lutam para mudar o rumo dessa

história. Para isso, precisa-se distinguir e classificar os protagonistas dessa

dramática realidade.

Silva (2010) trabalha com a lógica de que todos os seres humanos são diferentes

uns dos outros. Algo de sua genética é herdado e outra porção é formatada de

acordo com o comportamento dos indivíduos ao seu redor. Uma atitude que possa

26

ser repelida por um grupo de pessoas, poderá ser aceita por outro grupo, ou repelida

por este grupo também.

Acompanhando esta visão, as pessoas, no geral, tendem a imitar posturas de

convivência e, herdam valores e princípios de uma sociedade construindo, assim,

civilizações inteiras, imbuídas de uma série de aspectos culturais. E é esta

multiplicidade de comportamentos que dificulta a padronização dos processos

envolvidos no bullying, para a identificação do problema e de uma solução que atue

de maneira rápida e eficaz. Assim, Silva afirma que:

A personalidade resulta da interação do temperamento com a grande variedade de situações que vivenciamos ao longo do tempo. O temperamento diz respeito aos traços biológicos que herdamos (material genético) de nossos familiares. Já a nossa história psicológica é formada por uma gama de comportamentos e sentimentos que desenvolvemos como resposta às diversas circunstâncias da vida. (SILVA, 2010, p.73)

É importante, pois, lembrar que o que se herda são tendências a seguir

determinados comportamentos, seja por questões sociais, culturais ou biológicas.

Os jovens que exercem o bullying escolar, muitas vezes, praticam a violência devido

a fatores externos, situações pelas quais passaram e que deixaram marcas em suas

personalidades.

1.3.1 As vítimas

São conhecidas como “alvos” do bullying. É a parte “escolhida” dessa relação para

sofrer ameaças, humilhações, perseguições, intimidações, maus tratos e chamam

atenção, incomodam, pelo simples fato de terem hábitos, comportamentos, etnia,

sotaques diferentes, por não se enquadrarem em um padrão de beleza que foi

estipulado pela sociedade, através do qual algumas pessoas não se importam,

outras viram escravas e uma boa parte sofre preconceito.

As vítimas para Fante (2005) são pessoas inseguras, retraídas e de baixa auto-

estima, pouco sociáveis, e não pedem ajuda por acharem que merecem passar por

tal sofrimento, com isso, a dor e a angústia são prolongados pela falta de

intervenção. As vítimas sofrem caladas, pois não possuem habilidades para fazer

27

com que as provocações e os sofrimentos acabem. A tendência é buscarem, cada

vez mais, o isolamento.

Uma das razões para que a vítima se cale é a vergonha que sente em contar para

alguém o que vem sofrendo ou ainda por conformismo. A vítima também se sente

culpada, acredita que tem motivos para sofrer tal violência, mas, o que acontece é

que estas são “escolhidas” sem nenhum critério, depende apenas da intenção do

agressor que sente prazer em humilhar, ofender, intimidar, agredir quem lhe está

próximo.

No decorrer do tempo os pais e os professores começam a observar algumas

mudanças no comportamento das vítimas, pois passam a manifestar, mesmo sem

querer, um sofrimento que vem causando danos internos, através do baixo

rendimento escolar, da resistência em ir ao colégio, começam a responder com mais

agressividade dentro de casa, são tomados por um sentimento de raiva que muitas

vezes os levam a atos extremos, tudo pela ânsia de se vingar de todo um histórico

de humilhações, o sofrimento se mistura com uma forte depressão, vontade de

autodestruição e, de acordo com Fante (2005) alguns preferem suicidar-se a

continuar aguentando tanto sofrimento.

Não se pode prever qual a conseqüência do sofrimento da vítima, a resposta diante

de tanta provocação vai depender de cada um, diante disso Fante (2005) diferencia

a existência das vítimas, que são também protagonistas envolvidas no fenômeno

bullying.De acordo com Fante (2005) e Silva (2010) existem três tipos de vítimas:

• Vítima típica

É aquela que serve de bode expiatório para um grupo. Geralmente, uma pessoa

pouco sociável, que sofre consequências de comportamentos agressivos e não

reage, por não saber mesmo como se defender, não possui habilidades para fazer

cessar essas agressões. Características mais comuns, segundo Fante são:

Aspecto físico mais frágil que o de seus companheiros; medo de que lhe causem danos ou de ser fisicamente ineficaz nos esportes e nas brigas, sobretudo, no caso dos meninos; coordenação motora deficiente,

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especialmente entre os meninos; extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa auto-estima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. (FANTE, 2005, p. 72)

Essa vítima possui um comportamento não agressivo, motivo pelo qual o agressor

percebe que não vai revidar quando atacado. De acordo com Silva (2010, p. 38)

“qualquer coisa que fuja do padrão imposto por um determinado grupo pode

deflagrar o processo de escolha da vítima do bullying. Os motivos (sempre

injustificáveis) são os mais banais possíveis”.

Portanto, é aquela vítima que sofre as agressões sem motivos, sem externar sua

indignação, e acha que merece passar por aquilo pelo fato de ela mesma não se

aceitar.

• Vítima provocadora

Como o próprio nome diz, “provoca, e atrai reações agressivas contra as quais não

consegue lidar com eficiência” (Fante, 2005, p. 72) por isso é a vítima. Ela sempre

tenta brigar, ou responder aos ataques, mas, geralmente sem sucesso. Destaca

ainda a mesma autora que essa vítima possui características de uma criança

hiperativa, pirracenta, dispersa, inquieta, e de um modo geral, imatura, tola, e quase

sempre responsável por causar tensões nos lugares em que se encontra. Nessa

mesma linha de pesquisa afirma Silva que:

Nesse grupo geralmente encontramos as crianças ou adolescentes hiperativos e impulsivos e/ ou imaturos, que criam, sem intenção explícita, um ambiente tenso na escola. Sem perceberem, as vítimas provocadoras acabam “dando tiro nos pés”, chamando atenção dos agressores genuínos. Estes, por sua vez, se aproveitam dessas situações para desviarem toda a atenção para a vítima provocadora. Assim, os verdadeiros agressores continuam incógnitos em suas táticas de perseguição. (SILVA, 2010, p. 40)

Normalmente esse tipo de vítima participa das brigas do colégio, isto quando

não inicia uma, mas geralmente a perde. Nesse tipo de situação, os verdadeiros

agressores permanecem “camuflados” pelo comportamento rebelde da vítima

provocadora, que acaba enfrentando as consequências da situação, ou seja, é o

único a ser advertido ou punido.

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• Vítima agressora

É a que reproduz os maus-tratos sofridos, geralmente, dentro de casa, ou na escola.

De acordo com Fante:

“A vítima agressora é aquele aluno que, tendo passado por situações de sofrimento na escola, tende a buscar indivíduos mais frágeis que ele transformá-los em bodes expiatórios, na tentativa de transferir os maus-tratos sofridos”. (FANTE, 2005, p. 72)

Essa atitude tem contribuído para expansão do bullying, aumentando o número de

vítimas, pois ao invés de tentar resolver a situação e cessar a violência, a vítima

expande o problema, passando a fazer o mesmo com outras pessoas, julgadas por

ela, mais fracas indefesas. É uma forma que ela encontra de não se sentir tão

vítima. Segundo Silva (2010, p. 42), essa vítima “reproduz os maus-tratos sofridos

como forma de compensação, ou seja, ela procura outra vítima, ainda mais

vulnerável, e comete contra esta todas as agressões sofridas”. Entram nesse

parâmetro aquelas pessoas que sofreram e, num momento de fúria, cometeram as

mais variadas vinganças, chegaram a atos extremos, causando sofrimentos maiores.

1.3.2 Os agressores Para que exista uma vítima, um sofredor é necessário que haja alguém que pratique

as maldades, as crueldades, que cause o sofrimento, pode ser menino ou menina,

ser uma pessoa apenas ou um grupo que é sempre liderado por alguém, e é

chamado (a) de agressor ou bullie.

Para Fante (2005), o agressor ou bullie é aquele que intimida os mais fracos,

vitimizando-os. Independente do sexo costuma ser uma pessoa de pouca empatia,

geralmente faz parte de uma família desestruturada. Ele se apresenta mais forte que

seus colegas e suas vítimas; pode ser da mesma idade ou mais velho. Sente

necessidade de subjugar, de se impor e dominar mediante demonstração de poder e

ameaças para conseguir o que quer. É mau-caráter, impulsivo, impaciente, não

aceita normas, regras, não gosta de ser contrariado. Adotam condutas anti-sociais

como roubo, vandalismo, uso de álcool, sente-se atraído por más companhias. Nas

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séries iniciais seu rendimento escolar é normal ou acima da média, porém, nas

demais séries possuem notas baixas e condutas negativas perante a escola. Afirma

Silva que:

Eles podem ser de ambos os sexos. Possuem em sua personalidade traços de desrespeito e maldade e, na maioria das vezes, essas características estão associadas a um perigoso poder de liderança que, em geral, é obtido ou legitimado através da força física ou de intenso assédio psicológico. O agressor pode agir sozinho ou em grupo. Quando ele está acompanhado de seus “seguidores”, seu poder de “destruição” ganha reforço exponencial, o que amplia seu território de ação e sua capacidade de produzir mais e novas vítimas. (SILVA, 2010, p. 42)

Destaca Fante (2005) que o agressor precisa de uma platéia para agir, caso

contrário não teria para quem se exibir e manifestar o seu poder. Geralmente anda

em grupos, pessoas com as quais dividem a responsabilidade dos seus atos e se

sentem apoiados para darem continuidade ao fenômeno. E essas pessoas que

rodeiam o Bullie também são consideradas como agressores.

A mesma autora ainda afirma que os autores do bullying muitas vezes se envolvem

em situações anti-sociais e de risco, usam drogas, álcool, fumam, se envolvem em

brigas. Apesar de não haver estudos conclusivos, é possível que esses valentões,

no futuro, se tornem adultos com comportamentos violentos ou até mesmo

criminosos.

O agressor, de acordo com a terminologia em inglês, é chamado de “bullie”, que

significa valentão. E não é tarefa das mais difíceis reconhecer um bullie, pois desde

muito cedo, em casa ou no convívio diário com vizinhos ou colegas, é possível

perceber, nas entrelinhas de suas ações, a perversidade e a falta de afeto de uma

criança agressora. No início de suas relações sociais, que acontece por volta dos

cinco ou seis anos, durante as brincadeiras de criança entre os irmãos, familiares ou

entre os coleguinhas, torna-se evidente o comportamento hostil, recorrente e

proposital de um bullie. Silva descreve os bullies da seguinte maneira:

Eles podem ser de ambos os sexos. Possuem em sua personalidade traços de desrespeito e maldade e, na maioria das vezes, essas características estão associadas a um perigoso poder de liderança que, em geral, é obtido ou legitimado através da força física ou do intenso assédio psicológico. O agressor pode agir sozinho ou em grupo. Quando ele está acompanhado de

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seus “seguidores”, seu poder de “destruição” ganha reforço exponencial o que amplia seu território de ação e sua capacidade de produzir mais e novas vítimas. (SILVA, 2010, p.43)

Faz-se importante verificar a repetição de um determinado comportamento violento

de uma criança ou jovem, pois é na sucessão dessas ações que será possível

identificar um bullie. Tal observação ajuda a não confundir atos isolados de uma

criança, com os atos propriamente ditos do bullying.

1.3.3 Os espectadores

O fenômeno Bullying não é apenas formado por vítimas e agressores. A grande

maioria dos envolvidos no fenômeno é composta pelos espectadores que são

aqueles alunos que testemunham as ações dos agressores contra as vítimas, mas

não tomam qualquer atitude em relação a isso; não saem em defesa do agredido,

tampouco se juntam aos agressores. Segundo Fante o espectador é o aluno que:

Presencia o bullying, porém não o sofre nem o pratica. Representa a grande maioria dos alunos que convive com o problema a adota a lei do silêncio por temer se transformar em novo alvo para o agressor. Mesmo não sofrendo as agressões diretamente, muitos deles podem se sentir inseguros e incomodados. Alguns espectadores reagem negativamente, uma vez que seu direito de aprender em um ambiente seguro e solidário foi violado, o que pode influenciar sua capacidade e progresso acadêmico e social. (FANTE, 2005, p. 73-74)

Nessa perspectiva, Silva (2010) aponta, pelo menos, três tipos de espectadores: os

passivos, os ativos e os neutros. Os espectadores passivos veem os ataques e nada

fazem, por medo ou insegurança de algo dar errado e eles se verem em meio às

consequências e serem punidos ou perseguidos pelos bullies. A mesma autora

ainda afirma que “neste grupo encontram-se aqueles que, ao presenciarem cenas

de violência ou que trazem embaraços aos colegas, estão propensos a sofrer as

consequências psíquicas, uma vez que suas estruturas psicológicas também são

frágeis”. (SILVA, 2010, p. 45-46)

Normalmente esses jovens repelem os bullies, mas também não querem se tornar

as vítimas. Os espectadores ativos esboçam reação às agressões, porém, em favor

aos bullies. Riem, brincam, incentivam, mas não agem, preferem permanecer como

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espectadores mesmo, como público que assiste a uma peça de teatro e aplaudem

as cenas. De acordo com Silva, os espectadores ativos: Não se envolvem diretamente, mas isso não significa, em absoluto, que deixam de se divertir com o que veem. É importante resaltar que misturados aos espectadores podemos encontrar os verdadeiros articuladores dos ataques, perfeitamente “camuflados” de bons moços. Eles tramam tudo e, agora, estão apenas observando e se divertindo ao verem o circo pegar fogo. (SILVA, 2010, p. 46)

Por último, os espectadores neutros, que veem tudo, mas fingem que não viram

nada. Não sentem pena, não julgam a situação, permanecem como Silva chamou de

“anestesia emocional” em função do próprio contexto social no qual estão inseridos.

Destaca Silva (2010, p. 46) que os espectadores: “Em sua grande maioria, se

omitem em face dos ataques de bullying. Vale a pena salientar que a omissão,

nesses casos, também se configura em uma ação imoral e/ou criminosa, tal qual a

omissão de socorro diante de uma vítima de um acidente de trânsito”.

Desta forma, a omissão só faz alimentar a impunidade e contribuir para o

crescimento da violência por parte de quem a pratica, ajudando a fechar a ciranda

perversa dos atos de bullying.

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2. PRECONCEITO E EXCLUSÃO A escola, embora seja vista como chave de oportunidades para uma vida melhor,

pode ser também, local de preconceito e exclusão social. Ou seja, pode discriminar

e estigmatizar, marginalizando o indivíduo formal ou informalmente, nos seus

direitos de cidadania e no seu acesso às oportunidades de estudo,

profissionalização, trabalho, cultura, lazer, entre outros bens e serviços do acervo de

uma civilização. Assim, com a finalidade de contribuir para a construção de uma

cultura contra violências, faz sentido lidar com preconceitos, discriminações,

intolerâncias e exclusões no espaço escolar, ainda que essas não deságuem em

ameaças, brigas e mortes, ou seja, não se consubstanciando em violência física

propriamente dita. 2.1 DO BULLYING AO PRECONCEITO

O bullying, tal como conceituado, não é, de maneira alguma, uma simples

manifestação da violência sem qualquer fator determinante. De acordo com Deborah

Christina Antunes e Antônio Álvaro Soares Zuin em seu artigo do bullying ao

preconceito: os desafios da barbárie à educação, afirmam que:

[...] na verdade, o bullying se aproxima do conceito de preconceito, principalmente quando se reflete sobre os fatores sociais que determinam os grupos-alvo, e sobre os indicativos da função psíquica para aqueles considerados como agressores. Essa proximidade leva à hipótese de que o que atualmente tem sido denominado bullying é um fenômeno há muito conhecido pela humanidade, mas que ganhou nova nomeação pela ciência pragmática que se ilude ao tentar controlá-lo via classificação e aconselhamentos. Somando-se a isso, sua assimilação torna-se imediata numa sociedade que se pretende cinicamente cosmopolita (sem sê-lo de fato), pois o que assusta e fere a moral burguesa, hegemônica em nosso tempo, é a forma como tem se manifestado no ambiente escolar e as consequências que têm trazido, e que tem como exemplos mais extremos os suicídios e os ataques armados à comunidade que resultam em pessoas feridas e mortas.( Zuin ,2008, p. 36 e 37)

Defendendo essa hipótese, de que se trata do preconceito existente em sociedades

e culturas pretensamente democráticas, mas na realidade autoritárias, torna-se

importante apresentar agora o conceito de preconceito referido aqui, bem como os

seus determinantes.

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O preconceito, de acordo com as psicanalistas Marie Jahoda e Nathan W. Ackerman

(1969), em seu livro Distúrbios emocionais e anti-semitismo é caracterizado por

“uma atitude de hostilidade nas relações interpessoais, dirigida contra um grupo

inteiro ou contra os indivíduos pertencentes a ele, e que preenche uma função

irracional definida dentro da personalidade” (p. 27). Somando a esta conceituação, o

psicólogo José Leon Crochik em seu livro Preconceito, indivíduo e cultura (1997)

atenta para o fato de que para que ele exista é necessário que se somem às

características do indivíduo fatores de seu processo de socialização, e, embora a

manifestação do preconceito seja individual, pois responde às necessidades

individuais, ele “surge no processo de socialização, como resposta aos conflitos

gerados neste processo” (p. 15).

O indivíduo preconceituoso tende a desenvolver preconceitos em relações a

diversos objetos – ao negro, ao magro, ao gordo, ao homossexual, etc.- o que já

indica uma forma de atuação desenvolvida por ele de certa maneira independente

das características dos objetos alvos do preconceito, que são distintos entre si.

Crochik (1997) afirma que “O preconceito diz mais respeito às necessidades do

preconceituoso do que às características de seus objetos, pois cada um desses é

imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são”. (p. 14)

Desse modo, o preconceituoso não vê a pessoa, objeto do preconceito, a partir dos

diversos predicados que possui, mas reduz os seus diversos predicados ao nome

que não permite a nomeação: gordo, homossexual, louco, etc. De acordo com

Crochik (1997), este afirma que:

Uma pessoa que é portadora do vírus da AIDS, no entanto, não é somente portadora do vírus, mas é, também, homem ou mulher, adulto ou criança, branca ou negra, pobre ou rica, sensível ou insensível, bonita ou feia, culta ou inculta, religiosa ou atéia, viciada em tóxicos ou não, amistosa ou hostil, trabalhadora ou proprietária, casada ou solteira, com ou sem filhos, homossexual ou heterossexual, pacífica ou agressiva, etc. Embora algumas dessas dicotomias tenham alternativas, o que se quer dar ênfase é que independente das inúmeras características que a pessoa vítima do preconceito possua a que passa a caracterizá-la é o termo que designa o preconceito. (Crochik, 1997, p. 20)

Assim, o preconceito não tem limites, seja em relação ao que converte em seu

objeto, seja em relação às conseqüências invariavelmente violentas que acarreta

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àqueles que o sofrem. As consequências vão das agressões verbais e físicas às

exclusões sociais de variado tipo. A observação atenta das sociedades atuais leva-

nos, inevitavelmente, a concluir que elas não somente não conseguem refrear o

preconceito, como este amplia-se em escala que põe em risco a própria sociedade e

o indivíduo.

2.2 DO BULLYING À EXCLUSÃO

Dentre os episódios de violência, observa-se que muitos têm como palco principal as

instituições escolares e seu entorno, reprodutores de uma violência que se inicia

algumas vezes por motivos fúteis, como o fraco desempenho esportivo, um esbarrão

involuntário no recreio, um chinelo simples usado ao invés de um tênis de marca que

o desqualifica socialmente, uma olhada mais insistente para a namorada do outro ou

o resultado de uma disputa esportiva.

Tudo parece ser motivo de provocação, de zoação e enfrentamento. Algumas

escolas funcionam então como um depósito de pólvora, sujeitas a explodir a

qualquer manifestação de opiniões divergentes se não houver quem faça as

contenções/intervenções necessárias na hora certa.

Então, ao lidar na escola com os diferentes tipos de linguagens corporais a escola

atual precisa estar preparada para contribuir para a solução deste que é um

problema pontual e crucial: a exclusão social de seus “habitantes”. A socióloga

Sarah M. Escorel em seu livro Vidas ao Léu (1998, p. 6) nos auxilia sobre esse

assunto ao referir que, o conceito de exclusão social é reservado para definir

“situações e condições nas quais há um processo social ativo de discriminação,

estigmatização e expulsão de um conjunto de âmbitos sociais não determinados por

decisões individuais”.

Essa mesma autora esclarece ainda que a exclusão é mais do que separar.

É segregar, discriminar grupos sociais por determinadas características inatas ou desenvolvidas, por escolhas religiosas, partidárias ou condição social. É também expulsar do mundo dominante, colocar literalmente para fora dos parâmetros e normas que regem as relações sociais, não apenas marginalizar e sim para desconsiderar a existência humana. Excluir significa

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criar e perpetuar condições sociais que tornam permanente o ato de morrer, de não existir significativamente para alguém. A exclusão social é observada na formação de novos processos de subjetivação a partir de uma mudança nos modos de comunicação. Exclusão causada pelo que a corporeidade desses habitantes denuncia, fazendo assim, da escola, um espaço nada democrático.( ESCOREL, 1998,p.15 ).

Sobre o processo de exclusão, Escorel afirma que a exclusão:

[...] se manifesta no contexto social (pela fragilidade que se estabelece no contexto das relações humanas); no contexto cultural (pela estigmatização simbólica e o descaso pelas representações sociais); no contexto humano (pelo descaso à pessoa quando sem uma função social); no contexto político (pelo desrespeito aos direitos fundamentais do homem) (ESCOREL, 1998, p.17)

A exclusão sócio-educacional tem diversos motivos e variantes que a fazem

presentes nas escolas. Uma dessas variantes e que é objeto do presente estudo é a

exclusão pela imagem corporal do sujeito que transita por esse espaço social.

Imagem essa que muitas vezes é rejeitada por ser destoante do idealizado pelos

meios de comunicação de massa e já incrustados no senso comum dos alunos. A

psicóloga Joana de Vilhena Novaes em seu livro O intolerável Peso da Feiúra (2006,

p.16) chama a atenção para o valor que se dá à imagem corporal atualmente:

“Beleza e feiúra, hoje, quando atribuídos ao corpo de alguém, podem ser vividas

como sentenças que decidem sobre o direito de ter ou não uma identidade humana

plenamente reconhecida”.

Constata-se conforme a citação acima, que o corpo na escola e na sociedade

funciona como território de inscrições de identidades e de reconhecimento, lugar

privilegiado de controle social, nem só de beleza e feiúra, mas de expressão. O

universo escolar é marcado eminentemente pela presença de pessoas; bonitas,

feias, magras, gordas, altas, baixas, inteligentes ou não, engraçadas ou não,

funcionando como espaço privilegiado das sociabilidades humanas. Estas se

apresentam em suas singularidades com diferentes tamanhos, etnias, visões de

mundo, modos de ser, sentir, agir e sonhar, como afirma a educadora Arisa Araújo

da Luz em seu livro Com o Bicho-Carpinteiro no Corpo (2001, p. 46): ”Há o eu

porque há o corpo e há o corpo porque há o eu. A escola precisa introjetar o eu

individual no coletivo de seu corpo escolar. Trabalhar o corpo/sujeito singular e

singularizado dentro do coletivo escolar”.

37

A escola é, portanto, o espaço eminentemente da diferença, da diversidade, e

também de encontros, embates, conflitos, possibilidades... É um espaço do múltiplo.

Mas nesses espaços de trocas de saber é cobrado do sujeito aprendente que saiba

se expressar, ter postura, estar inserido no seu tempo e espaço, emitindo

mensagens corporais constantemente. Diz Novaes (2006, p.58): “a complexa e

ampla rede de signos e mensagens visuais se interpõe entre o sujeito e o olhar do

outro [...]”. E assim, ele (corpo) é lido e interpretado, compreendido como uma

exteriorização do interior psíquico do sujeito, crescendo em expressividade a cada

movimento, e na falta desta – expressividade – o sujeito que não a possui é excluído

socialmente, pois como coloca Esteban Levin (psicólogo, psicomotricista,

psicanalista em serviços interdisciplinares com crianças com plurideficiências) em

seu livro A Clínica Psicomotora (1995, p. 60), o sujeito alheio à linguagem corporal,

tem um “eu corporal debilitado e inadaptado”. E completa: “o corpo metaforiza-se na

linguagem”. E se esta se faz deficiente, é cobrada do sujeito uma postura no seu

“dizer corporal”. Levin coloca ainda que o corpo em sua parte orgânica é cuidado

pela medicina, mas que o corpo de um sujeito como instrumento de comunicação:

É letra, é gramática, e é lida pelo outro enquanto tal (o que implica uma reconstrução). Lê-se o sentido e por isso o corpo é da ordem do imaginário, e, como a imagem não diz, necessita de um outro que inscreva um dizer no corpo, que o torne imagem do corpo, quedos alunos, uns mais confiantes e extrovertidos e outros mais inibidos e inseguros, poderia haver uma troca entre sujeitos tão díspares, mas a diferença entre os pares que poderia somar e uni-los no espaço escolar desqualifica a ideia de inserção social, visto que os “diferentes” são excluídos do convívio e muitas vezes são perseguidos e com receio das gozações constantes, se isolam. (LEVIN, 1995, p. 47)

E ela, a violência silenciosa e excludente então, faz parte desse embate, desse

conflito, ao empurrar para um “não” lugar, os destoantes que não se comunicam

“adequadamente” pela via corporal, não se impõem pelo corpo.

A violência usa assim, diversas maneiras para se manifestar e, às vezes, irrompe

num ato de explosão, chocando os presentes que assistem a essas formas de

agressões físicas repentinas sem entender muitas vezes que o sujeito está cansado

de ser ignorado pelo grupo, zoado por alguns e humilhado por tantos outros, ás

vezes, num simples gesto de exclusão, ao ignorarmos os diferentes, ao isolá-los de

nossa convivência, ao não tomarmos conhecimento de sua existência ali tão

38

próximo de nós. Esses tipos de exclusões deixam marcas visíveis pelo corpo que

acuado se mostra ainda mais frágil externamente e ferem também de outra maneira,

internamente.

Estar excluído socialmente da/na escola pode significar estar fora da escola, assim,

estar excluído também das conquistas sociais ou, ainda, pode significar estar

excluído socialmente, mesmo permanecendo dentro da escola, se a mesma não

está articulada para esse sujeito agir crítica e produtivamente nesse mundo em crise

em favor da equidade social.

Refletir sobre quem são os excluídos da escola pode ter o mesmo sentido que

refletir sobre os excluídos da sociedade. De acordo com a pedagoga e psicóloga

Azoilda Loretto Trindade (1996) em seu livro Do corpo da carência ao corpo da

potência, esta afirma que:

As minorias que representam a maioria da população, ou seja, os desfavorecidos economicamente, como as classes populares, as crianças, os negros, as mulheres e todos aqueles estigmatizados culturalmente. Há, assim, uma dupla exclusão: a exclusão social e a exclusão feita pela escola, que inviabiliza muitas vezes o acesso à melhoria da qualidade de vida. (TRINDADE, 1996, p. 202)

É imprescindível destacar também, além do que coloca Trindade (1996) que a

exclusão tem muitas vias para se fazer presente. São disfarces que tem outras

faces, outros nomes, outras imagens, mas ainda assim, silenciosas muitas vezes;

ferem e magoam. Essas violências podem ser praticadas individualmente ou, o que

é mais preocupante, em grupos. A força de um grupo contra um só. A coação do

“mais forte” contra o mais fraco. São dispositivos de coerção usados para diminuir

um outro do grupo (de acordo com o filósofo, Foucault, 1987) através de

maledicências, fofocas, apelidos constrangedores, intrigas, ameaças verbais ou

disfarçadas por gestos amedrontadores, algumas vezes até bilhetes ou mensagens

via internet ou via celular. E é esse episódio de violência moral, que causa exclusão,

que vai se naturalizando no relacionamento do dia-a-dia que recebe o nome de

bullying.

39

3. PRÁTICAS DO BULLYING: PRECONCEITO E EXCLUSÃO NO AMBIENTE ESCOLAR Para analisar a prática do bullying sob o eixo do preconceito e exclusão no ambiente

escolar toma-se como referência para a analise, o filme Jesus Children of America

(Crianças de Jesus da América), dirigido por Spike Lee é um dos sete curtas-

metragens do filme Crianças Invisíveis (2005), na qual é uma produção

encomendada pela Unicef e realizada por oito diretores diferentes nacionalidades e

retrata a realidade de suas crianças de cada continente.

3.1 SITUAR O FILME E O SEU CONTEXTO

O caso escolhido para a proposta de intervenção baseia-se na estória de uma

menina, de aproximadamente 12 anos e portadora do vírus HIV, cujos pais são

usuários de drogas e também portadores do vírus. A personagem Blanca toma

conhecimento da sua doença através do bullying que sofre na escola. Em

decorrência da doença e dos medicamentos que lhes são administrados, esta passa

parte do tempo das aulas na enfermaria da escola por conta do mal estar e

indisposições. Seu dia-a-dia baseia-se no isolamento devido ao bullying e na

convivência com seus pais, os quais por conta da dependência química encontram-

se sempre envolvidos em discussões e sob o efeito das drogas. Tal fato faz com que

a personagem fique de certa forma privada de cuidados básicos, diálogo, segurança

afetiva e financeira. A escola freqüentada por Blanca não possuía programas

extracurriculares que abordasse o assunto da prevenção de violência e/ ou

orientação aos alunos sobre DST e uso das drogas. Somente no final do filme os

pais de Blanca se dão conta que ela está sofrendo por conta da doença que acabara

de descobrir ser portadora e a encaminham para um grupo de apoio.

Diante desse caso de Blanca percebe-se que além dos danos inevitáveis que a

doença acarretará para a sua saúde, a mesma é forte candidata a apresentar

prejuízos no seu desenvolvimento emocional e social diante de uma dinâmica

familiar conturbada e por vítima do bullying. De acordo com a psicóloga Maria

Aparecida Cória Sabini em seu livro Psicologia do desenvolvimento (1993) salienta

que a criança de sete a doze anos de idade ainda é incapaz de resistir às pressões

40

externas. E que o comportamento da criança tende a ser caracterizado de acordo

com aquilo que se ouve.

A criança de idade escolar não é ainda capaz de resistir às pressões externas, Por isso, seu auto-conceito baseia-se naquilo que os outros dizem a seu respeito. Se estes lhe comunicarem que ela é esperta e inteligente, ela se sentirá assim e se comportará de forma a corresponder às expectativas. Porém, se lhe disserem que é feia ou menos capaz, ela passará a se identificar com essas informações e a comportar-se de acordo com elas. (SABINI, 1993, p. 81 e 82)

No Caso de Blanca, após um acidente doméstico, na qual a sua mãe esquece a

comida no fogo por efeito das drogas seu pai diz: “Maldita garota! Maldita garota!”.

Blanca ouve coisas depreciativas ao seu respeito em casa e também na escola por

conta do bullying. Assim sendo, seu auto-conceito tende a se estruturar de forma

negativa podendo ocasionar um prejuízo para seu desenvolvimento como um todo.

O fato do seu pai não aceitar ser portador do HIV e por isso não querer tomar

remédios fez com que Blanca ficasse tanto tempo sem descobrir que também era

portadora do vírus; pai e mãe sempre ocultaram essa informação dela. De acordo

com Sabini (1993), a qualidade das relações familiares é de extrema importância

para a criança, pois os valores estabelecidos no lar serão questionados fora dele:

É no lar que as crianças desenvolvem sua orientação básica para a vida. Aprendem a aderir aos padrões morais e aos ideais religiosos da família. Nas escolas e nas interações com os companheiros, essa orientação pode ser reforçada ou questionada com conflitos leves ou intensos. (SABINI, 1993, p. 83)

O desenvolvimento do aspecto social de Blanca também poderá apresentar

comprometimentos. A mesma autora ainda afirma que, a partir dos seis anos de

idade a criança sente necessidade de estabelecer amizades duradouras e

convivência com os demais da sua idade. À medida que ela se torna mais velha

essa necessidade aumenta junto da construção de valores grupais e sentimentos de

orgulho, lealdade e solidariedade entre seus companheiros. Se a situação do

bullying persistir, Blanca estará praticamente privada desse contato social com

tendência crescente ao isolamento.

41

A partir dos seis anos de idade, aparece na criança a necessidade de amizades duradouras e da convivência com companheiros. À medida que ela se torna mais velha essa necessidade se intensifica. A incorporações de valores grupais e os sentimentos de orgulho, de lealdade e solidariedade tornam-se impulsos poderosos no final desse estágio. (SABINI, 1993, p. 84)

Segundo a mesma autora, na faixa etária dos sete aos doze anos é comum o

desenvolvimento da cooperação e competição. A cooperação promove o

estabelecimento do diálogo e da aceitação e cumprimento de regras. Já a

competição quando positiva, leva a criança a descobrir habilidades e competências,

porém pode tornar-se prejudicial quando provoca sentimentos de inferioridade e

baixa auto-estima através da humilhação feita pelos companheiros.

Blanca: “O F. foi baleado nove vezes. Ninguém vai conseguir passar o F.” Colega: “Mas o D. levou um tiro a queima roupa... e ainda estava sem o colete a prova de balas.” Blanca: “Mas o F. não pode ser detido, disseram que ele levou um tiro na testa e ainda cuspiu a bala pela boca.” Colega: “É claro que pode! Se tivessem atirado nos dois com uma 9mm o F. teria caído primeiro.” Blanca: “Isso é estúpido!” Colega: “Você que é estúpida!” Blanca: “Não fui eu quem repetiu o ano, foi você.”

O conteúdo das falas revela também a presença da violência e agressividade. O

senso de competição já está presente entre Blanca e suas amigas, apresentada no

início do filme.

3.2 CATEGORIAS DE ANÁLISE

Para analisar o caso de Blanca, personagem do filme Crianças de Jesus da América

faz-se necessário definir as categorias para facilitar a análise e também em razão

das inúmeras categorias contidas na discussão que o filme traz. Neste trabalho

foram definidas as categorias: preconceito, exclusão com vista à prática do bullying.

3.2.1. Preconceito De acordo com Crochik (1997), o preconceituoso não vê a pessoa, objeto do

preconceito, a partir dos diversos predicados que possui, mas reduz os seus

42

diversos predicados ao nome que não permite a nomeação: gordo, homossexual,

louco, etc. Este afirma que:

Uma pessoa que é portadora do vírus da AIDS, no entanto, não é somente portadora do vírus, mas é, também, homem ou mulher, adulto ou criança, branca ou negra, pobre ou rica, sensível ou insensível, bonita ou feia, culta ou inculta, religiosa ou atéia, viciada em tóxicos ou não, amistosa ou hostil, trabalhadora ou proprietária, casada ou solteira, com ou sem filhos, homossexual ou heterossexual, pacífica ou agressiva, etc. Embora algumas dessas dicotomias tenham alternativas, o que se quer dar ênfase é que independente das inúmeras características que a pessoa vítima do preconceito possua a que passa a caracterizá-la é o termo que designa o preconceito. (Crochik,1997 p. 20)

Assim, o preconceito não tem limites, seja em relação ao que converte em seu

objeto.

Quando descobre que é portadora da doença, Blanca responde agressivamente:

“Cala a boca sua desgraçada, você não sabe nada... Vaca!”. E depois se retrai

diante ao conteúdo do bullying, “pais drogados”, que começa a fazer sentido,

mediante a situação que vivencia diariamente em casa. Ainda de acordo com a

mesma autora, quando a criança se depara com uma situação de reprovação ou

rejeição ela tende a desenvolver comportamentos agressivos, de retraimento ou

regressão.

[...] a maioria das ações que a criança julga corretas ainda são aquelas que correspondem aos padrões grupais. Isso faz com que ela se torne sensível à crítica e à reprovação, principalmente em situação pública, pois isso representa uma ameaça à sua posição social. Desapontamentos dessa espécie muitas vezes criam sentimentos de hostilidade e inferioridade. (SABINI, 1993, p. 84)

Após a discussão, de quem ganharia em números de vezes quando baleado, se era

o personagem “F”. ou o personagem “D”., a colega de Blanca, no intervalo da aula, a

insulta e uma briga se inicia. Blanca sai ferida. É o início do bullying: “Não espirre

sangue em mim, seus pais tem AIDS. Você é uma filha da AIDS.”... “Você tem AIDS!

Você tem AIDS!”. Quando Blanca está voltando para casa após o término das aulas

do dia o bullying continua:

“Como você vai arranjar namorado agora? Ninguém vai ser doido de beijar alguém com AIDS” “Você não vai voltar mais para escola, não é?”

43

“Vai voltar sim, só que vai ser dentro daquelas bolhas de plástico”. “Como é que você pegou esse negócio? Você é gay?” “A mãe dela é uma drogada!” “E o pai dela também!” “E ela vai voltar pra a escola e eu vou mudar pra uma escola onde ninguém tem uma doença ruim.”

Preconceito e bullying seriam, então, dois nomes para este fenômeno? Sim e não.

Falar em termos de bullying é trazer à tona uma discussão que até então era pouco

realizada e que, exatamente por ser uma questão circunscrita em locais

determinados e vivenciada por sujeitos ainda na infância, o conceito de preconceito,

por tratar de uma aspecto geral da condição humana atual, sozinho, não alcançou.

Sem dúvida, trata-se dos mesmos comportamentos ou, ainda, de uma mesma

racionalidade reinante antes e agora, na sociedade como um todo e nas relações

entre os colegas escolares.

3.2.2. Exclusão

As falas de bullying, no sub-capítulo acima, mostram que Blanca está sendo

excluída de seu grupo de colegas por ser portadora do vírus do HIV e por seus pais

serem dependentes de drogas e também portadores do vírus. Segundo as

psicólogas Jane Middelton-Moz e Mary Lee Zawadski autoras do livro Bullying:

estratégias de sobrevivência para crianças e adultos (2007), são alvos mais fáceis

de bullies (agressores) aqueles que por algum motivo ou outro não estão dentro dos

padrões de “normalidade” considerados pelos demais. As meninas exercem o

bullying de maneira diferente dos meninos:

[...] elas tendem a espalhar boatos maliciosos, intimidar (sussurrando insultos ou rindo em grupo, alto o suficiente para que seus alvos escutem), destruir a reputação da outra, dizer a outras para que deixem de gostar de uma menina de quem querem se vingar. Elas tendem a usar a exclusão social como principal arma, em lugar de agressão emocional ou física direta, embora estudos indiquem que também elas tem se tornado cada vez mais agressivas fisicamente na última década.( Middelton-Moz e Zawadski, 2007, p. 23)

O aspecto cognitivo da personagem relacionado diretamente com a questão da

aprendizagem tende apresentar certo comprometimento não apenas devido a

influências dos possíveis comprometimentos emocional e social, mas também a

maneira com que a escola lida com problemas referentes à DSTs, drogas e

violências. Este fato é observado no filme quando a mãe da colega que brigou com

44

Blanca vai até a diretora da escola para questionar o fato de uma aluna com AIDS

estudar ali. A diretora diz que não pode entrar em detalhes sobre assuntos

particulares de alunos e então essa mãe decide questionar Blanca sobre o que

ocorre com ela:

Mãe: “Você tem uma criança com AIDS aqui nesta escola e quer que eu me acalme?”. Diretora: “Você não sabe se ela tem AIDS (...), Por favor, este é um assunto muito delicado.” Mãe: “Não! Não! Você não pode ter uma criança assim na escola sem que os pais fiquem sabendo. Ela tem que ficar em casa de quarentena!” Diretora: “Se houvesse algo errado, se houvesse algum perigo, os pais seriam os primeiros a saberem! (...). Não estou dizendo que ela está infectada, na verdade eu não tenho a liberdade de lhe falar nada que diga respeito a qualquer aluno.” Mãe: “Então eu mesma vou falar com ela! (...) Qual é o seu problema, hein? Você é doente? Você tem alguma coisa pra me contar sobre seu problema?”

A diretora impede que a mãe continue a fazer questionamentos depreciativos

pedindo que Blanca volte para a sala de aula. O assunto a respeito de Blanca e sua

doença parece ser dado por encerrado na escola. Tal fato nos mostra que a escola

além de desprovida de um programa para esclarecimentos desta natureza, não dá a

devida importância para o caso no sentido de clarificar e orientar pais e alunos, o

que reforça a necessidade de um programa de intervenção.

Segundo o pedagogo Nelson Piletti autor do livro Psicologia Educacional (2004), o

sistema social produz uma escola inadequada ao desenvolvimento da criança para

adaptá-la a sociedade, reproduzindo desigualdade social. A escola faz de tudo para

que os alunos se adaptem a ela ao invés de promover o contrário. Há pouca

consideração para com a situação familiar de cada aluno, o que pode muitas vezes

dificultar a aprendizagem. Os alunos são tratados todos da mesma forma como se

fossem todos iguais, com os mesmos problemas e situações familiares:

A escola pode, ainda, prejudicar a aprendizagem ao não levar em consideração as características do aluno: sua maturidade, seu ritmo pessoal,seus interesses e aptidões específicos, seus problemas nervosos e orgânicos. Muitos obstáculos à aprendizagem têm origem familiar e individual, mas seus efeitos negativos sobre o trabalho do aluno podem ser minimizados ou anulados, se o professor e a escola procurarem

45

compreender e levar em consideração esses obstáculos, buscando sua superação. (PILETTI, 2004, p. 147)

Diante desse paradigma é imprescindível que as escolas desenvolvam estratégias

de intervenção e prevenção ao bullying e para que isso ocorra, é necessário que a

comunidade escolar esteja consciente da existência desse fenômeno e das suas

consequências. De acordo com a educadora Fante (2005):

A conscientização e a aceitação de que o bullying é um fenômeno que ocorre, com maior ou menor incidência, em todas as escolas de todo o mundo, independentemente das características culturais, econômicas e sociais dos alunos, e que deve ser encarado como fonte geradora de inúmeras outras formas de violências são fatores decisivos para iniciativas bem-sucedidas no combate à violência entre escolares. Dessa forma, sensibilizar e envolver toda a comunidade escolar na luta pela redução do comportamento bullying torna-se tarefa imprescindível, uma vez que o fenômeno é complexo e de difícil identificação, principalmente por manifestar-se de maneira sutil e velada e por garantir sua propagação através da imposição da lei do silêncio. (FANTE, 2005, p. 91 e 92):

Fante (2005) afirma que diversas iniciativas antibullying estão sendo desenvolvidas

em vários países a partir das suas realidades para que então suas escolas

desenvolvam estratégias e ações cotidianas e contínuas. Logo, a intenção de tais

iniciativas, deve ser compreendida através de um ponto em comum, a ideia de que a

violência pode ser evitada e, consequentemente, minimizando o seu impacto.

Baseada nessa premissa, durante as últimas décadas, uma grande parte da reflexão pedagógica centrou-se na temática dos valores humanos – a ética, a moral e a cidadania -, visando à redução da violência. Tradicionalmente, considerava-se que os valores estavam implícitos na tarefa educativa e acreditava-se que os professores, ao transmitirem os conteúdos das diferentes matérias, formavam novos valores. Assim, os “temas transversais” seriam a oportunidade ideal para se educar em valores; enfrentam para trabalhá-los acabam inviabilizando a tarefa por não saberem como abordá-los no cotidiano, resultando na deficiência de modelos educativos capazes de sensibilizar, estimular e orientar as atitudes individuais ou coletivas dos alunos. (FANTE, 2005, p. 92 e 93)

Observa-se o quanto os alunos que estão fora do padrão social idealizado, sofrem

com a rejeição a que são submetidos no contexto escolar. Esses sujeitos rejeitados,

ocupam na escola um lugar sem brilho, sem esperança, um “não lugar”, que os leva

ao ostracismo e à invisibilidade social, e por consequência – ao sofrimento psíquico.

São inclinados a usar um local que poderia ser chamado de “purgatório”, onde se

espera uma sentença de aceitação ou de rejeição e ficam à mercê dos julgamentos

dos ditos “normais”, aqueles que se intitulam os “aceitos”.

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Em caso de aceitação, a escola passa a ser um lugar de encontro, de troca, de

experienciação. Em caso de rejeição, a escola passa a ser um lugar temeroso, de

inquietude, de medo, de solidão, de excludentes.

3.3 ESTRATÉGIAS NA INTERVENÇÃO E PREVENÇÃO DO BULLYING NO

AMBIENTE ESCOLAR

Fante (2005) cita em seu livro um programa, na qual a mesma quem idealizou

chamado de Programa Educar para a Paz, cujo objetivo é mostrar estratégias e

atuar na intervenção e prevenção, adotando valores humanos. Para tanto, faz-se

necessário desenvolver um trabalho junto à comunidade escolar para que a mesma

tenha maior conhecimento e reflexão sobre a violência escolar. Segundo Fante, os

objetivos propostos pelo Programa Educar para a Paz são os seguintes:

[...] que os alunos sejam conscientizados do fenômeno e suas consequências, a partir da análise das próprias experiências vivenciadas no cotidiano, a fim de que percebam quais os pensamentos e as emoções despertadas por ele, bem como os motivos norteadores desse tipo de conduta; que os alunos, por meio da interiorização de valores humanos, desenvolvam a capacidade de empatia, a fim de que percebam as implicações e os sofrimentos gerados por esse tipo de comportamento e desenvolvam habilidades para sua erradicação; que os alunos se comprometam com o bem-comum e se tornem agentes de transformação da violência na construção de uma realidade de paz nas escolas.(FANTE, 2005, p. 94 e 95)

Nesse estudo a mesma autora afirma que deve-se fazer um levantamento de

informações do contexto escolar por meio de observações e relatórios, palestras,

supervisão estudantil, incentivo à denúncia de atos envolvendo agressões física e

verbal, reuniões semanais para avaliação e discussão sobre o andamento do

trabalho, execução de trabalhos que envolvam o cotidiano familiar e escolar,

conversas individuais ou em grupo com vítimas e agressores. Fazem-se

importantes, inclusive, orientações para a melhora da qualidade das relações no

âmbito familiar.

Em relação à adoção de estratégias familiares para fazer frente ao fenômeno bullying, é imprescindível que, no âmbito local, a própria escola tome algumas medidas que incentivem a participação e o acompanhamento dos pais na vida escolar das crianças [...]. [...] o diálogo é outro aspecto que abordamos para unir as famílias. Um bom bate-papo é primordial para estreitar os seus laços. Há famílias que não encontram tempo para conversar e os raros momentos em que se reúnem ficam destinados às discussões, às ofensas impensadas, às reprimendas desnecessárias. As desavenças familiares muitas vezes são fomentadas pela falta de união e

47

de objetivos comuns. É preciso dialogar com os filhos, ouvir suas frustrações, seus medos, suas histórias cotidianas, incentivá-los a confiar-lhes seus problemas, buscando soluções no seio familiar, procedimento essencial para que eles não se percam no meio do caminho. Conhecer os problemas enfrentados pela sua família é uma forma de as crianças compreenderem que as dificuldades fazem parte da vida. (p.146 e 147)

Depois de um tempo de início dessas atividades, sugere-se discussões dos

resultados obtidos com as partes envolvidas, a fim de serem feitas melhorias para o

bom andamento e continuidade do programa.

Ainda segundo Fante (2005, p. 116 e 117), para a inibição do bullying é necessário

fazer um esclarecimento do que é este comportamento, salientar que a prática não é

tolerada, conversar com os alunos e escutar suas sugestões ou reclamações,

estimulá-los a informar os casos, reconhecer e valorizar as atitudes no combate ao

problema. Além disso, é importante identificar o início e andamento de práticas de

bullying para que a dinâmica das agressões seja interrompida; para tanto, sugere-se

ainda, um trabalho grupal com o alunado através de atividades ou dinâmicas que

melhorem a qualidade dos relacionamentos.

[...] baseando-se em pactos ou princípios de convivência sugerimos a elaboração de um estatuto contra o bullying ou contra a violência, centrado em direitos e deveres para toda a comunidade escolar [...]. [...] os alunos devem estar conscientes dos objetivos de cada uma das regras que comporão o estatuto. [...] o tutor relaciona na lousa as condutas violentas que mais incidiram nas investigações. Pede que os alunos se dividam em grupos de três ou quatro e discutam quais são os direitos e quais são os deveres que deverão ter em relação a cada conduta [...]. [...] depois das devidas anotações, chega o momento da decisão final, da qual todos os alunos participam [...]. [...] caberá aos alunos indicar quais serão as consequências se as normas não forem obedecidas [...].

Destaca esta autora que a escola deve estar ciente de que é necessário para que os

alunos aprendam a lidar com seus sentimentos, oferecendo espaço até mesmo no

ambiente da sala de aula para que haja expressão das emoções.

As escolas deveriam educar a emoção dos seus alunos, estimulando-os a pensarem antes de reagir; a lidarem com seus medos, angústias, rejeições, fracassos e frustrações; a canalizarem sua agressividade para atividades proativas; enfim, a não terem medo do medo, a serem líderes de si mesmos, autores de suas próprias histórias. (p. 96 e 97)

Desta forma, acredita-se que a violência entre os alunos diminua ao passo que os

mesmos comecem a desenvolver e transmitir valores que os faça agir de maneira

melhor e mais pacífica. As causas do comportamento ou cultura agressiva devem

48

ser erradicadas através de uma educação que possibilite o indivíduo a fazer uma

reflexão e manter o controle de suas próprias atitudes.

Fante (2005) ainda sugere um modelo de educação humanizada para que cada

indivíduo veja o outro não só pelas suas qualidades ou defeitos, mas seja

considerado em sua totalidade. Para tanto, a base da “Educação para a Paz” deve

proporcionar ao aprendiz um processo de desenvolvimento e resgate de valores e

princípios ético-morais até então desconsiderados; é necessário ensinar a reflexão e

pensamento dos mesmos para que se aprenda uma nova e melhor maneira de viver

e con-viver. Diante disto, a autora afirma que:

Nossa intenção é que os alunos comecem a desenvolver pequenos projetos solidários a partir da conscientização das suas próprias necessidades. Nas estratégias de atuação em sala de aula, pelo estudo de situações-problemas, os alunos poderão sugerir o desenvolvimento de projetos solidários, visando atender as necessidades dos companheiros. O desenvolvimento de tais projetos poderá diminuir os problemas entre vítima e agressor. Bem sabemos que objetivos comuns são a melhor fórmula para aproximar as pessoas. Uma vez trabalhando conjuntamente, desenvolver-se-á em ambos uma nova mentalidade, que levará a vítima à elevação da auto-estima e o agressor à conscientização de que não é com violência e imposição de autoridade que se consegue resolver os impasses da vida cotidiana. O planejamento dos projetos pelo grupo-classe é o caminho mais fácil para perceber e viver a prática da solidariedade. (p. 136 e 137)

De acordo com Fante (2005), para a concepção de novos valores e princípios, a

escola deve adequar toda a sua prática para que esta considere o aluno enquanto

ser capaz de desenvolver um aprendizado integrado que valorize a aquisição de

novos conteúdos e a descoberta de aptidões e habilidades sócio-emocionais.

49

CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as pesquisas em informar que o bullying é um fenômeno novo, esse

é um tipo de violência antiga que sempre foi manifestada intra e extramuros das

escolas. Porém, a escola e a família podem ajudar seus personagens, vítimas,

agressores e testemunhas, a superar esse grande mal social, reestabelecendo o

equilíbrio e o bem-estar. Para isto, é necessário que haja uma qualidade de vida

familiar e escolar, marcada pela abertura, diálogo, informação do tema; assistente

na construção coletiva das regras, na qual deve ser explícito a não tolerância no

maltrato a outrem; na conscientização dos direitos e responsabilidades, pois todos

devem zelar em ter um ambiente seguro e toda comunidade familiar e escolar deve

estar vigilante, supervisionando e promovendo o monitoramento do comportamento

dos alunos.

É de extrema importância que tanto os pais quanto à escola estejam alertas para os

sinais de aviso dos personagens deste fenômeno, tais como: evitar contatos com

seus grupos sociais apresentando atitudes de isolamento e expressando vontade de

sempre estar sozinho; ter sido vítima de violência dentro ou fora da escola;

apresentar atitudes de perseguição ou a sensação de estar atormentado; apresentar

sentimentos de rejeição; apresentar uma repentina deficiência no desempenho

escolar; expressar por meio da escrita ou desenhos algum tipo de violência; ter

momentos de raiva descontrolada; manifestar padrões de comportamento de ataque

ou intimidação; apresentar um histórico de problemas disciplinares ser intolerante

para com as diferenças e manifestar atitudes preconceituosas; fazer parte de grupos

com fins duvidosos. Após a constatação destes sinais, ou similares, a família e a

escola devem reunir-se e conjuntamente propor soluções.

De acordo com alguns sintomas da existência do bullying é conveniente que os pais

e os educadores fiquem atentos em analisar suas próprias convicções relativas ao

bullying. Muitas destas “convicções” podem, involuntariamente, impossibilitar uma

clara percepção do fenômeno e por isso não contribuir para a sua identificação e

uma possível solução. Eis algumas possibilidades de falsas convicções a respeito

deste fenômeno: “O bullying não é problema para os meus filhos ou da minha

50

escola”; “É melhor deixar as crianças resolverem seus próprios problemas sem

interferência dos adultos”; “Fui vítima de bullying na escola e sobrevivi”.

Por outro lado, os educadores devem contribuir para quebrar o código de silêncio,

de forma que o bullying seja conhecido e elucidado. Para tal, é imprescindível que

sejam compartilhadas histórias sobre a temática e que ajudem os alunos a

conhecerem o problema. Os educadores, também, devem ouvir atentamente,

utilizando a escuta sensível aos relatos dos alunos sobre situações de bullying e por

fim, preservar o anonimato das testemunhas de bullying, sempre que for solicitado.

Os educadores e a família devem sempre dialogar, transmitindo mensagens claras e

de repudio ao bullying. Por exemplo: “Ninguém tem culpa de ser vítima de bullying”;

“O bullying não é uma atitude normal e deve enfrentar o problema sozinho”. Os

alunos devem internalizar estas afirmações.

Perante qualquer situação de bullying cabe aos educadores agir de imediato, não

somente às vítimas, mas, também aos bullies, os chamados agressores, impondo-

lhes situações disciplinares justas, contribuindo assim, com a forma de pensar e agir

ensinando-os competências de liderança positiva, respeito às diferenças, tolerância

para com o próximo e em muitos casos, procurar aconselhamento psicológico.

Portanto, a atuação face à problemática do bullying deve assumir, sempre, uma

dupla perspectiva de caráter preventivo e atuante. Por este fenômeno ser um

comportamento adquirido este, pode e deve ser precavido e mudado.

Escrever sobre este tema não é uma tarefa fácil, não só porque o tema é complexo,

mas, principalmente, porque nos obriga a refletir sobre nós mesmos, sobre nossos

sentimentos, pensamentos e atos cotidianos, uma vez que, não somos imunes a ele.

Tenho a convicção, contudo, que somente quando pudermos reconhecer em nós

mesmos a violência que criticamos no outro é que poderemos dar início ao

entendimento do problema.

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