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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes
Thiago José Jesus Rebello
“Planta não serve pra nada?”: contribuição à discussão e à divulgação
científica sobre a interação da biodiversidade de plantas com a sociedade, a
ciência e a tecnologia
Rio de Janeiro
2017
Thiago José Jesus Rebello
“Planta não serve pra nada?”: contribuição à discussão e à divulgação científica sobre a
interação da biodiversidade de plantas com a sociedade, a ciência e a tecnologia
Monografia apresentada ao Instituto de Biologia
Roberto Alcantara Gomes da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial
para obtenção do grau de licenciatura em
Ciências Biológicas.
Orientadora: Prof. Drª. Magui Aparecida Vallim da Silva
Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC-A
Autorizo a reprodução total ou parcial deste projeto para fins acadêmicos e científicos.
______________________________ ________________________
Assinatura Data
Rebello, Thiago José Jesus.
“Planta não serve pra nada?”: contribuição à discussão
e à divulgação científica sobre a interação da
biodiversidade de plantas com a sociedade, a ciência e a
tecnologia / Thiago José Jesus Rebello ; orientadora,
Magui Aparecida Vallim da Silva – Rio de Janeiro, 2017.
134 f. : il.
Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas) -
Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2017.
1. Ensino de Botânica. 2. Divulgação científica. 3.
Biodiversidade vegetal 4. Ciência, Tecnologia e
Sociedade. I. Silva, Magui Aparecida Vallim da, orient.
II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Biologia Roberto Alcantra Gomes. III. Título.
Thiago José Jesus Rebello
“Planta não serve pra nada?”: contribuição à discussão e à divulgação científica sobre a
interação da biodiversidade de plantas com a sociedade, a ciência e a tecnologia
Monografia apresentada ao Instituto de Biologia
Roberto Alcantara Gomes da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial
para obtenção do grau de licenciatura em
Ciências Biológicas.
Aprovada em 26 de janeiro de 2017.
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Drª. Magui Aparecida Vallim da Silva - Orientadora
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
_____________________________________________
Prof. Drª. Andréa Espinola de Siqueira - Avaliadora
DECB - IBRAG - UERJ
_____________________________________________
Prof. Drª. Débora de Aguiar Lage - Avaliadora
DCN - CAp - UERJ
_____________________________________________
Prof. Drª. Rosane Moreira Silva Meirelles - Suplente
DECB - IBRAG - UERJ
Rio de Janeiro
2017
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao Colégio Pedro II por me mostrar a importância do professor
na vida do aluno e do cidadão, por me permitir vivenciar o sucesso da educação pública de
qualidade, por me proporcionar o amor que hoje tenho pelo magistério.
AGRADECIMENTOS
À minha família. Impregnado pela minha imensa vontade de conhecer o mundo, as
pessoas e as ciências, posso ter passado anos sem perceber a importância que a família têm
em minha vida. Foi ao perder minha avó e quase perder minha mãe que pude perceber que
nenhuma alegria se sustenta sem a confiança de que meus familiares estão felizes e saudáveis.
Ao meu pai, minha madrinha, minha prima, meu padrasto, meus irmãos e filha de quatro
patas, todo o amor do mundo. À minha mãe e à minha irmã, minha vida.
Aos amigos - Raphael Aleixo, Carla Medeiros, Bruno Freijanes, Ana Clara Derani e
Kézia Reche - e irmãos - Rodolfo Vieira, Caio Oliveira e Stephanie Oliveira - que fiz no
Colégio Pedro II, a certeza de que vivi com eles os mais saudosos momentos da minha vida,
formei meu caráter e aprendi que a amizade existe a despeito de qualquer diferença.
Aos amigos que fiz na Biologia UERJ, de tantos períodos, agradeço pelos momentos
de alegria, companheirismo e confiança. Em especial aos meus FDPs - Evandro Junior, Luana
Leirós, Laís Barcelos, Elton Rodrigues, Tamara Magalhães, Beatriz Ferreira, Jeferson Raj,
Wallace Lima e Pedro Bello - agradeço por estarem comigo do início ao fim. À Vanessa
Oliveira, agradeço por me mostrar que uma amizade pode ser profunda como um casamento.
Aos amigos que ganhei por sorte - Shaylla Vieira, Rodrigo Bento, Alcimar Alves,
Natan Santiago, Jessyca Marques, Nathália Ferreira, Bárbara Mitchell, dentre outros - aqueles
que passaram, entraram e ficaram na minha vida, quando não tinham obrigação nenhuma, a
eles agradeço por serem os presentes que guardei de tantos momentos felizes.
Aos meus alunos no Pré-Vestibular Social do CEDERJ, em especial Isabela Batista,
Sulamita Rocha, Laíne Rodrigues, Lorenna Infante, Maurillia Rodrigues e Nathália Gouveia,
por serem tão compreensíveis, amáveis e dedicados. Fizeram-me um professor melhor.
Aos meus professores do ensino básico por serem tão inspiradores, aqueles em quem
quero sempre me espelhar. Aos meus professores universitários por serem companheiros e
guias na jornada pelo cruel mundo acadêmico, sobretudo os Profs. Sebastião Neto, Bruno
Rosado e Andrea Espínola. Às minhas orientadoras, Siomara Lemos, Norma Albarello,
Débora Lage e Magui Vallim, a eterna gratidão pela paciência e por todos os ensinamentos.
Ao meu namorado, Luiz Alberto, por atender meu maior desejo: me fazer feliz.
RESUMO
REBELLO, T. J. J. “Planta não serve pra nada?”: contribuição à discussão e à divulgação
científica sobre a interação da biodiversidade de plantas com a sociedade, a ciência e a
tecnologia. 2017. 134 f. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas) - Instituto de
Biologia Roberto Alcantara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2017.
A ciência moderna, marco de nossa época e grande aliada da tecnologia, durante
muitas décadas foi encarada como uma atividade socialmente neutra. Hoje, porém, é
reconhecida como um ente influenciado e influenciador de aspectos sociais, políticos,
econômicas, culturais e ambientais. No primeiro momento, o presente trabalho tem o objetivo
de abordar como estes aspectos permeiam as relações existentes entre a biodiversidade de
plantas, a ciência, a tecnologia e a sociedade. Para isso, vale-se do método de revisão
bibliográfica. Observando a literatura científica, percebe-se que a humanidade se apropria de
recursos oriundos da biodiversidade de plantas para garantir sua alimentação, moradia, saúde
física e espiritual, entre outras aplicações. Contudo, no cenário de intensa exploração
proporcionado pelo avanço das técnicas e da ciência, o uso desses recursos provocou - e ainda
provoca - danos graves à biodiversidade. Soluções conservacionistas e biotecnológicas estão
sendo aplicadas e discutidas como estratégias para atenuar o fenômeno da degradação
ambiental. Assim, é necessário que a sociedade discuta a forma como utilizamos e
preservamos os recursos vegetais e, assim, possa influenciar as instâncias de poder - ciência,
poder público, iniciativa privada - que comandam as políticas dessa área. Para tal, é essencial
que a população se aproprie dos conhecimentos associados a esta temática, e a divulgação
científica pode ser um caminho para atingir esse objetivo. Sendo assim, no segundo momento
do trabalho, o objetivo foi produzir e avaliar um recurso de divulgação científica sobre o tema
que contribuísse para a democratização do conhecimento. Os métodos escolhidos foram a
realização de um levantamento de espécies de Mata Atlântica com utilidades
socioeconômicas, a produção de um livreto de divulgação no software “Microsoft Publisher”
e a avaliação deste por pares através de questionário online anônimo majoritariamente
fechado. O levantamento resultou em 20 espécies abundantes que apresentam utilidades para
populações tradicionais, para a economia ou para a biotecnologia. A produção do recurso de
divulgação resultou em um livreto de 80 páginas (formato A5) que abordou de forma
integrada o uso de recursos vegetais, a degradação ambiental, as estratégias de conservação e
o levantamento de espécies. A maioria dos avaliadores entendeu que o material é plenamente
capaz de contribuir para a popularização e democratização da Ciência através da
disseminação do conhecimento, sendo que todos demonstraram interesse em utilizar o
material em suas atividades docentes. Além disso, os participantes avaliaram a formatação, o
conteúdo, os recursos textuais e visuais, as potencialidades e fragilidades do material -
resultando sempre em avaliações positivas. Assim, concluiu-se que o livreto “Planta não serve
pra nada?” é uma ferramenta legítima para debater estas relações e contribuir para reequilibrar
disputas de poder, além de divulgar o conhecimento acerca das plantas nos seus aspectos
globais e, assim, aproximar o leitor do universo botânico.
Palavras-chave: CTS, Ensino de botânica, Biodiversidade vegetal, Botânica econômica.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 –
Figura 2 –
Figura 3 –
Figura 4 –
Figura 5 –
Figura 6 –
Figura 7 –
Figura 8 –
Figura 9 –
Figura 10 –
Figura 11 –
Espécies de plantas incluídas no levantamento deste trabalho...............
Contracapa (esquerda) e capa (direita) do livreto...................................
Exemplo de formatação do interior do livreto........................................
Avaliação da formatação do livreto........................................................
Avaliação da seleção de conteúdos.........................................................
Avaliação da organização dos conteúdos................................................
Avaliação dos recursos textuais..............................................................
Avaliação dos recursos visuais................................................................
Potencialidades do livreto.......................................................................
Fragilidades do livreto.............................................................................
Capacidade de popularização..................................................................
60
62
65
66
67
67
67
67
68
69
69
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 –
Espécies abundantes da Mata Atlântica com uso socioeconômico
registrado .......................................................................................................
43
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CTS –
CTSA –
DC –
UC –
Ciência, Tecnologia e Sociedade
Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
Divulgação Científica
Unidade de Conservação
SUMÁRIO
1
2
3
4
4.1
4.2
4.3
4.4
5
1
2
3
3.1
3.2
3.3
4
4.1
4.2
4.3
5
6
INTRODUÇÃO GERAL...............................................................................
OBJETIVO GERAL......................................................................................
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO...............................................................................................
OBJETIVO......................................................................................................
MATERIAIS E MÉTODOS..........................................................................
RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................
Recortes da biodiversidade............................................................................
Importância socioeconômica............................................................................
Histórico de degradação...................................................................................
Novas perspectivas...........................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................
CAPÍTULO II
INTRODUÇÃO...............................................................................................
OBJETIVO......................................................................................................
MATERIAIS E MÉTODOS..........................................................................
Levantamento de espécies................................................................................
Produção do material de divulgação.................................................................
Avaliação do material de divulgação................................................................
RESULTADOS...............................................................................................
Levantamento de espécies................................................................................
Produção do material de divulgação.................................................................
Avaliação do material de divulgação................................................................
DISCUSSÃO...................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................
APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO..................................
APÊNDICE 2 – LIVRETO PRODUZIDO.....................................................
12
13
15
17
17
18
18
19
30
33
37
40
42
42
42
43
43
43
43
63
66
71
82
83
109
114
12
INTRODUÇÃO GERAL
A ciência e a tecnologia influenciam muitos aspectos da nossa sociedade,
estabelecendo relações que caracterizam a época em que vivemos. Serpa (1993) atribui a
origem dessas relações às transformações pelas quais a produção de conhecimento passou a
partir do século XVII, partindo da noção medieval de contemplação do mundo natural para a
visão capitalista de manipulação da natureza. O autor lista inovações oriundas da Física, da
Biologia, da Filosofia, da Sociologia e da Psicanálise que teriam contribuído para o avanço da
ciência e da sociedade sob o paradigma da transformação, da tecnologia.
A ciência moderna, então, constitui forte unidade junto à tecnologia ao proporcionar
formas de controle de processos naturais e de si mesma (SCHOR, 2007). Mesmo que
tradicionalmente atribua-se à ciência moderna a ampla função de compreender o mundo e
suas possibilidades, o senso comum costuma valorizá-la justamente por suas contribuições à
tecnologia (LACEY, 1998). Esse papel de desenvolver técnicas, por ser visto como objetivo e
desvinculado de influências sociais, legou à ciência uma pretensa autonomia (SCHOR, 2007).
Desta conjuntura, originou-se a tendência de supervalorização da ciência, que a
colocou como uma atividade guiada pela neutralidade e capaz de produzir soluções para todas
as mazelas da humanidade (SANTOS; MORTIMER, 2002). Disseminou-se a noção de que,
enquanto esfera autônoma da sociedade, cabia somente à comunidade científica julgar seu
desenvolvimento e suas aplicações (SCHOR, 2007). Esse ambiente de total liberdade
culminou no recente quadro, onde a ciência contribui para crises ambientais e conflitos
sociais, por exemplo, ao criar armas químicas e nucleares (CUTCLIFFE, 1990).
Então, a partir da década de 1970, entre filósofos e cientistas, surgiu um movimento de
preocupação com as consequências do uso da tecnologia e com os aspectos éticos do trabalho
científico - que recebeu a alcunha de “Ciência, Tecnologia e Sociedade” (CTS). Este enfoque
defende que a ciência influencia e é influenciada por diversos aspectos sociais, políticos,
econômicos, culturais e ambientais - não sendo, portanto, uma atividade neutra (SANTOS;
MORTIMER, 2001). Por conseguinte, busca investigar os aspectos sociais e políticos
pertinentes ao desenvolvimento técnico-científico (VAZ; FAGUNDES; PINHEIRO, 2009),
estabelecendo, através da pesquisa, da educação e da política pública, caminhos para a
participação democrática na produção científica e tecnológica (BAZZO et al., 2003).
13
O primeiro capítulo deste trabalho trata das diferentes relações que a ciência, a
tecnologia e, sobretudo, a sociedade estabelecem com a biodiversidade vegetal. Para tal, é
realizada uma ampla revisão bibliográfica que resulta em síntese textual onde aspectos
socioeconômicos, políticos, ambientais, tecnológicos e científicos se integram para elucidar
parte do multifacetado cenário no qual a temática do capítulo está inserida.
No segundo capítulo, busca-se uma estratégia para promover a disseminação dos
conhecimentos que compõem a temática objeto do capítulo anterior. Para tal, é reconhecida a
importância da divulgação científica (DC) como um instrumento de propagação de
informações e, embasado no conteúdo teórico do primeiro capítulo, é produzido um livreto
sobre o assunto. Por fim, o material é avaliado por profissionais para fomentar discussão
sobre o uso da DC como caminho para a popularização e democratização da ciência.
OBJETIVO GERAL
O debate entre exploração e conservação de recursos envolve um universo amplo de
valores e interesses, abarcando tanto questões científicas e tecnológicas, quanto sociais,
políticas e econômicas. Dessa forma, o presente trabalho visa contribuir para a
democratização de saberes associados à relação entre ciência, tecnologia, sociedade e
biodiversidade vegetal, através de discussão e divulgação científica sobre o tema.
15
1 INTRODUÇÃO
Desde o século XVIII, estudiosos vêm dedicando esforços à identificação dos
organismos vegetais encontrados ao redor do mundo (JOPPA; ROBERTS; PIMM, 2011).
Apesar de centenas de milhares já terem sido catalogados, estima-se que ainda existam mais
de 80 000 espécies de plantas sem registro (MORA et al., 2011). São árvores, arbustos, ervas,
epífitas, trepadeiras, parasitas, enfim, uma infinidade de formas, hábitos e estratégias
distribuídas pelas diferentes regiões do planeta (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). Essa
diversidade, entendida como “a variabilidade entre os seres vivos [...] no interior das espécies,
entre as espécies e entre espécies e ecossistemas” (DIEGUES, 2000, p. 1), está em constante
interação com o ambiente e com a humanidade.
Preservar essas variadas formas de vida é uma obrigação ética. Na medida em que não
somos a única espécie a habitar esse planeta, temos o dever intrínseco de resguardar a
integridade da natureza para que os outros seres vivos possam seguir seu desenvolvimento
(ALHO, 2008). Sabe-se, também, que a diversidade é essencial para o funcionamento de
ecossistemas e para a manutenção de serviços ecológicos (MIKHAILOVA; BARBOSA,
2004). Os diferentes componentes de um ecossistema se relacionam de forma complexa, e
interferir na diversidade biológica pode afetar essa dinâmica e indiretamente gerar prejuízos
socioeconômicos (ALHO, 2012).
Por exemplo, além de abrigar animais e plantas, a Floresta Amazônica também
contribui com o estoque de carbono e com a ciclagem da água (FEARNSIDE, 2005). Ao
promover o ciclo da água, ela atua na manutenção do sistema hidrológico local e na regulação
do clima global (BOUBLI; HRBECK, 2012). Sem florestas para estabilizar a água da chuva,
aumentam os deslizamentos e enchentes, assim como o desmatamento também contribui para
erosão do solo, diminuição da qualidade da água, perda de habitat, degradação de ambientes
aquáticos e prejuízos na pesca (ALHO, 2008). O impacto inclui até mesmo a área da saúde, já
que a deterioração do meio ambiente diminui a qualidade do ar, provoca contaminação da
água e dos alimentos, além de aumentar a proliferação de vetores de doenças (ALHO, 2012).
16
Todavia, não é apenas de forma indireta que dependemos da manutenção dos
ecossistemas, a sociedade também se apropria diretamente da biodiversidade através do
fornecimento de matéria para extração, uso doméstico, indústria e biotecnologia (ALHO,
2008). A literatura científica reúne numerosos registros de comunidades que utilizam folhas,
caules, frutos, entre outras partes vegetais em seu cotidiano (CHRISTO; GUEDES-BRUNI;
FONSECA-KRUEL, 2006), principalmente de plantas das famílias Fabaceae, Myrtaceae,
Euphorbiaceae e Poaceae (BORGES; PEIXOTO, 2009; CHRISTO, 2009; CHRISTO;
GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006; GANDOLFO; HANAZAKI, 2011; SILVA;
ANDRADE, 2005; TORRES et al., 2009). As aplicações incluem alimentação, construção
civil, marcenaria e carpintaria, medicação, ornamentação, combustível, cosméticos e tinturas,
entre outros (BORGES; PEIXOTO, 2009; CHRISTO, 2009; BRITO; OLIVEIRA;
SCUDELLER, 2011; CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006).
Na ânsia de obter as vantagens oferecidas pelos organismos vegetais, comumente,
recorre-se a técnicas de extração que podem levar à destruição da planta (PRANCE, 1989).
Em maior escala, esses danos podem levar à extinção de espécies nativas e à perda de
variabilidade genética, comprometendo o ecossistema local (BARBOSA, 2001). Com a
fragilização do ecossistema, serviços ambientais importantes para o bem-estar humano, como
a regulação do clima e oferta de água, podem ser comprometidos (ANDRADE; ROMEIRO,
2011). Como alternativa, são propostas diversas estratégias para conservar a biodiversidade
ameaçada pela degradação ambiental (SIMÕES, 2008).
17
2 OBJETIVO
O presente capítulo busca abordar diferentes aspectos da relação entre ciência,
tecnologia, sociedade e biodiversidade vegetal, de modo a fomentar reflexões sobre o tema.
3 MATERIAIS E MÉTODOS
Esta etapa do trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica. Este método tem perfil
qualitativo, na medida em que busca descrever o estado da arte de um tema, primando pela
aquisição e atualização do conhecimento sobre o assunto (BOTELHO; CUNHA; MACEDO,
2011). A revisão, em seu caráter exploratório-descritivo, pautou-se nas etapas sugeridas em
Lima e Mioto (2007):
a) Elaboração do objeto: a fim de atender aos objetivos propostos, definiu-se como
objeto de pesquisa os temas “biodiversidade vegetal e o uso de recursos naturais” e
“conservação, biotecnologia e biodiversidade”;
b) Investigação das respostas: o levantamento bibliográfico ocorreu através do portal
de busca acadêmica “Google Acadêmico”, por meio de palavras-chaves como
“biodiversidade vegetal”, “levantamento etnobotânico”, “degradação ambiental”,
“extrativismo”, “manejo”, “unidades de conservação”, “biotecnologia de plantas” e
outras que se mostraram necessárias no decorrer da revisão;
c) Análise explicativa dos dados: foi adotada uma análise de viés dialético, uma vez
abordadas tanto as dimensões concretas quanto filosóficas e políticas, objetivando uma
reflexão crítica sobre o objeto de estudo;
d) Síntese integradora: a partir da análise dos dados compilados foi elaborado um
produto textual que trate dos temas de forma atual e correta.
18
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Recortes da biodiversidade
Ao longo da evolução os vegetais interagiram com diferentes populações e variadas
condições ambientais, como secas e geadas, o que proporcionou peculiaridades que, se
analisadas coletivamente, sugerem a formação dos padrões de vegetação que encontramos
atualmente (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). Enquanto entidade com vegetação típica
sob efeito de diversos fatores ambientais, essa unidade fitofisionômica é chamada de bioma
(COUTINHO, 2006). Temperatura, umidade, precipitação, regeneração de nutrientes no solo
e produtividade biológica são exemplos de fatores que interferem e caracterizam os biomas
(RICKLEFS, 2010). Desse modo, podemos identificar desde florestas temperadas decíduas,
que perdem as folhas no inverno e se recompõem na primavera, até desertos com suas plantas
suculentas e espinhosas (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996).
Dentre os biomas, as florestas pluviais tropicais são as que apresentam maior
biodiversidade e complexidade ecológica, com destaque para o alto número de espécies
endêmicas (KAGEYAMA, 1987). Esse bioma é caracterizado por um clima sempre quente e
úmido - ainda que sofra variações ao longo do ano - onde água e temperatura não atuam como
fatores limitantes (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). O solo, tipicamente avermelhado,
possui pouco húmus e argila, razão pela qual as plantas dependem dos nutrientes da
serapilheira - rapidamente decompostos e absorvidos - para garantir alta produtividade
(RICKLEFS, 2010). São florestas com alta densidade e que apresentam um grande número de
espécies por unidade de área, embora estas espécies estejam representadas por poucos
indivíduos (KAGEYAMA, 1987). Podem ser encontradas em países do sudeste asiático, na
Bacia do Zaire do continente africano (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996) e em regiões
do continente americano - chamadas de florestas pluviais neotropicais (RICKLEFS, 2010).
A Mata Atlântica é um exemplar de floresta tropical úmida que já se estendeu por 1,35
milhões km² do território sul-americano, cobrindo diversos estados brasileiros (FUNDAÇÃO
SOS MATA ATLÂNTICA; INPE, 2002). Se desenvolveu em regiões litorâneas e
interioranas, de baixada e de altitude, com solo profundo e com solo raso, em diferentes níveis
19
de temperatura e pluviosidade (TABARELLI et al., 2005). Essa variedade de ambientes
propiciou o desenvolvimento de diferentes ecossistemas, como florestas ombrófilas, mangues,
restingas, brejos e campos de altitude, além da associação com outras formações - mata de
araucárias ao sul, florestas decíduas e semidecíduas no interior (GALINDO-LEAL;
CÂMARA, 2003). Sua vegetação é marcada por um dossel contínuo de árvores perenes, além
de muitos arbustos, trepadeiras lenhosas e epífitas nas várias camadas do sub-bosque
(RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996; RICKLEFS, 2010).
Segundo dados do INPE, a Mata Atlântica possui “o recorde mundial de diversidade
botânica para plantas lenhosas [...] sem contar as cerca de 20 mil espécies de plantas
vasculares, das quais aproximadamente 6 mil restritas ao bioma” (FUNDAÇÃO SOS MATA
ATLÂNTICA; INPE, 2002, p. 8). Essa grande biodiversidade pode ser parcialmente
explicada pelo intercâmbio biológico promovido nos períodos em que a Mata esteve
conectada com outras florestas sul-americanas - como a Amazônia e Florestas Andinas - o
que contribuiu para a formação de novas espécies e de áreas de endemismo (TABARELLI et
al., 2005). Tal conjuntura levou a comunidade científica a considerar este bioma um hotspot
de biodiversidade, isto é, uma área onde há grande concentração de espécies endêmicas e
muita perda de habitat, demonstrando ser prioridade para conservação (MYERS et al., 2000).
É importante dizer, porém, que a riqueza biológica brasileira não se limita à Mata
Atlântica, alcançando diversas regiões e garantindo ao país o título de flora mais rica do
mundo (GIULIETTI, 2005). O Cerrado, localizado na região central do Brasil, com seu clima
estacional, queimadas naturais e solo pobre, é a savana tropical mais diversificada do mundo,
sendo outro hotspot nacional (KLINK; MACHADO, 2005). Ao contrário do que se
costumava acreditar, estudos recentes têm evidenciado que a Caatinga, bioma árido do
nordeste brasileiro, apesar do domínio de arbustos espinhosos e florestas sazonalmente secas,
guarda um número significativo de espécies endêmicas (LEAL et al., 2005). A Floresta
Amazônica, em contrapartida, já é alvo habitual de uma série de superlativos para descrever
sua megadiversidade de espécies, ecossistemas e paisagens (BOUBLI; HRBECK, 2012).
4.2 Importância Socioeconômica
20
a) Uso alimentício:
A alimentação humana inclui diversos produtos de origem vegetal como as verduras,
os tubérculos, os frutos e as sementes (SILVA; ANDRADE, 2005), seja na forma de suco,
sorvete, doces, processados ou in natura (BRITO; OLIVEIRA; SCUDELLER, 2011). Muitas
plantas produzem substâncias contra herbívoros que lhes conferem aroma e sabor especiais,
como a canela (casca de Cinnamomum zeylanicum), a pimenta-do-reino (frutos de Piper
nigrum), o cravo (gema floral de Syzygium aromaticum) e o gengibre (rizoma de Zingiber
officinale) - as chamadas especiarias. Apesar de atualmente cultivarmos muitas das plantas
que nos servem de alimento, os primeiros seres humanos subsistiam basicamente de
atividades de coleta em busca de raízes, caules, folhas, frutos e sementes comestíveis
(RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996).
No final do período paleolítico, a Terra passou por um período deglaciação que alterou
as formações vegetais ao redor do globo e criou o cenário no qual o Homo sapiens realizou a
revolução agrícola do neolítico - o início da domesticação de plantas (MARCEL; ROUDART,
2010). Uma das explicações para esse evento envolve os cereais silvestres (Poaceae), plantas
oportunistas cujos grãos teriam sido coletados na mata e derrubados em solo próximo aos
acampamentos, gerando fonte segura de alimento. É possível, também, que grupos pré-
históricos tenham se estabelecido durante longos períodos em regiões com abundância de
leguminosas (Fabaceae), aprendendo a otimizar suas colheitas através de irrigação, adubação,
proteção contra pragas e plantio de sementes (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). Na
Antiguidade, o uso de diferentes tipos de plantas comestíveis e especiarias já estava difundido
através de novos plantios e do comércio (ABREU, 2001).
A agricultura também se desenvolveu no continente americano, iniciando o cultivo de
várias espécies nativas da América do Sul que são consumidas até os dias atuais, como
mandioca (Manihot esculenta), cacau (Theobroma cacao), amendoim (Arachis hypogaea),
mamão (Carica papaya), abacaxi (Ananas comosus), batata inglesa (Solanum tuberosum),
batata doce (Ipomoea batatas), entre outras (KHOURY et al., 2015). Esse quadro ilustra o
grande potencial alimentício da fitodiversidade brasileira, que inclui inúmeras espécies
frutíferas e hortaliças (KINUPP, 2009). Plantas silvestres e até mesmo plantas daninhas
possuem potencial econômico, mas estão em desuso pela maior parte da população (KINUPP;
BARROS, 2004). Pouco dessa diversidade é conhecida, estudada e explorada, de modo que
apenas uma pequena parcela da matriz agrícola brasileira é composta por plantas nativas
21
(KINUPP, 2009). Mesmo em áreas de ampla cobertura vegetal, o potencial alimentar das
espécies nativas é subutilizado e restrito a comunidades locais (SILVA; ANDRADE, 2005).
Um modelo desse potencial é o caruru (Amaranthus spp.), que já era utilizado como
alimento na época pré-colombiana e possui sementes com alto teor proteico, além de folhas
que podem servir como verduras nutritivas (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). A própria
gastronomia regional apresenta plantas nativas que não são convencionalmente cultivadas e
consumidas, por exemplo, o jambu (Acmella oleracea) presente no tacacá, o cubiu (Solanum
sessiliflorum) utilizado na caldeirada amazonense e o ora-pro-nobis (Pereskia spp.) típico da
cozinha mineira (KINUPP, 2009). Existem, ainda, casos como a Feira da Cooperativa
Ecológica “Coolmeia” de Porto Alegre - RS, que comercializa produtos alternativos como a
goiabeira-serrana (Acca sellowiana) e obtém grande aceitação popular (KINUPP; BARROS,
2004).
b) Uso madeireiro:
A madeira é uma matéria-prima que, em estado bruto ou associada a outros elementos,
tem se mostrado bastante vantajosa na história da humanidade (HOFFMANN; PELEGRINI,
2009). O trabalho com materiais lenhosos envolve desde processos manuais e primitivos até a
engenharia moderna (LOURENÇO; BRANCO, 2013). Utilizada de diversas formas pelo setor
industrial (ROCHA; AMARAL; MOUTINHO, 2014), são produzidos componentes como
vigas, pilares, forros, postes, assoalhos, pisos, instrumentos musicais, utensílios domésticos,
armas, brinquedos, ferramentas, caixas, embarcações, entre outros (BRITO; OLIVEIRA;
SCUDELLER, 2011; CARDOSO et al., 2014). Essa infinidade de produtos pode ser dividida
de acordo com o nível de transformação: (i) os produtos primários, como madeira em tora; (ii)
os produtos pouco transformados, como madeira serrada e painéis; e (iii) os produtos mais
elaborados, como portas, janelas e móveis (BACHA, 2004).
Outra importante aplicação da madeira é a produção de energia para indústrias e
residências por meio de lenha e carvão vegetal - produto da carbonização da madeira
(ROCHA; AMARAL; MOUTINHO, 2014). A lenha era amplamente utilizada para abastecer
as fornalhas dos engenhos de açúcar coloniais durante o período de moagem (ENGEMANN
et al., 2005), já a produção de carvão é destinada a indústrias, sobretudo siderúrgicas e
metalúrgicas (ROCHA; AMARAL; MOUTINHO, 2014). O uso de lenha como combustível é
praticado até hoje em comunidade distantes dos centros urbanos (SILVA; ANDRADE, 2005).
22
Mesmo sendo variadas as formas de uso da madeira, “cada espécie apresenta
diferentes características, sendo necessário a verificação de diversos fatores que atuam
intrinsecamente na qualidade de uso dessas espécies” (CARDOSO et al., 2014, p. 2). Assim,
apesar de toda madeira seca servir como lenha (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011), aquelas
com maior densidade e maior teor de lignina produzem carvão de maior poder calorífico e são
mais indicadas para produção de energia (ROCHA; AMARAL; MOUTINHO, 2014). Do
mesmo modo, ainda que a madeira seja um bom material para construção em conforto,
plasticidade e durabilidade (MEIRELLES et al., 2007), aquelas mais densas costumam ser
mais resistentes e retráteis (CARDOSO et al., 2014).
Mesmo sem todo esse conhecimento, ao sair das cavernas e grutas, a humanidade já
unia troncos e ramos na fabricação de abrigos para proteção contra o clima e os predadores
(HOFFMANN; PELEGRINI, 2009). Ainda no período pré-histórico foram registradas
armações “de ramos ou de pequenos troncos cobertas com folhas ou cascas de árvores”, como
cabanas e palafitas (LOURENÇO; BRANCO, 2013, p. 203). É evidente, porém, que diversos
fatores já influenciavam na forma como a madeira é utilizada nas construções: as
características do terreno, o clima local, o tipo de árvore disponível, a cultura em questão
(MEIRELLES et al., 2007). Por exemplo, nas primeiras civilizações, que surgiram no
território árido e sem florestas da Mesopotâmia, o principal recurso para construção era a terra
(LOURENÇO; BRANCO, 2013, p. 204). Já as sociedades nórdicas, utilizando o material
extraído dos seus bosques de coníferas (HOFFMANN; PELEGRINI, 2009), desenvolveram
inúmeras construções em madeira marcadas pelo empilhamento horizontal das toras
(MEIRELLES et al., 2007).
Conforme os povos progrediam, as técnicas se aperfeiçoavam. Os chineses, e
posteriormente os japoneses, desenvolveram métodos de encaixe de vigas e pilares com
bastante precisão geométrica, formando construções que resistem até a terremotos
(HOFFMANN; PELEGRINI, 2009). Durante a Idade Média, apesar do destacado uso de
pedras nas construções, foram criadas estratégias de serragem que levaram à substituição de
habitações com troncos horizontais por casas de tábuas, que ofereciam maior estanquicidade e
estabilidade. Ao elevar paredes de madeira preenchidas por areia, ripas, tecidos e argila, os
carpinteiros no início da Idade Moderna já eram capazes de construir edifícios de até seis
andares (LOURENÇO; BRANCO, 2013). Após a revolução industrial, a fabricação de aço e
concreto levou a um novo modo de construir (MEIRELLES et al., 2007).
23
No Brasil, as primeiras construções registradas foram as moradas rústicas de índios,
que também utilizavam a madeira para produzir armas de caça, instrumentos musicais e
ferramentas de trabalho - somente com a chegada dos colonizadores o extrativismo
madeireiro se tornou uma atividade econômica de fato (HOFFMANN; PELEGRINI, 2009).
Embora nossa tradição arquitetônica seja fortemente marcada pela alvenaria com tijolos de
barros trazida pelos portugueses, muitas habitações no sul e sudeste do país foram erguidas
com araucárias presentes na região (MEIRELLES et al., 2007).
Durante o período colonial, a principal atividade econômica foi a produção de açúcar
nos engenhos que, além de demandar muita lenha, utilizavam madeira extraída de terrenos
próximos para confeccionar caixas para armazenamento do açúcar, cercas para a criação de
bois e cavalos, carros de boi para transporte da produção (ENGEMANN et al., 2005). Já no
final do século XX, os produtos madeireiros representavam quase 10% da exportação
nacional e eram responsáveis por até 1,8 milhões de empregos (BACHA, 2004).
c) Uso medicinal:
O hábito de prevenir e curar doenças através das plantas parece ser uma das primeiras
práticas na história da humanidade (VEIGA JUNIOR; PINTO; MACIEL, 2005). Por
exemplo, índios norte-americanos utilizavam plantas do gênero Salvia para auxiliar no parto,
assim como a tradição indiana recomenda a ingestão da seiva de Alhagi maurorum para o
tratamento de obesidade, prisão de ventre e febre (DIAS; URBAN; ROESSNER, 2012).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 1998), qualquer vegetal que possuir
substâncias utilizadas para fins terapêuticos ou para produção de fármacos pode ser definida
como uma planta medicinal. Esse conhecimento, tipicamente dominado por mulheres e
curandeiros (FIRMO et al., 2011), foi adquirido pelos primeiros povos durante a busca por
alimentos, quando por tentativa e erro descobriam as propriedades medicinais dos produtos
naturais (DIAS; URBAN; ROESSNER, 2012).
Conforme os povos se desenvolveram, esses saberes foram sistematizados em tratados
médicos (FIRMO et al., 2011). O primeiro desses registros remonta às antigas civilizações da
Mesopotâmia (2600 a.C.) e documenta em tábuas de argila o uso de óleos de cipestre italiano
(Cupressus sempervirens) e mirra (Commiphora spp.) para tosse, resfriado e inflamações
(DIAS; URBAN; ROESSNER, 2012). Também foram encontrados diversos livros chineses,
hindus e egípcios anteriores à era cristã que catalogavam diversas plantas medicinais,
24
inclusive algumas utilizadas ainda hoje pela indústria farmacêutica, como espécies dos
gêneros Panax, Ephedra e Cassia. Os produtos naturais vegetais seguiram como principal
fonte de recursos terapêuticos até o início do século XX, quando iniciaram os trabalhos de
isolamentos de princípios ativos (FIRMO et al., 2011).
Ainda que a indústria farmacêutica tenha avançado, o uso de plantas na prevenção e
tratamento de doenças ainda é parte da cultura de várias comunidades brasileiras (MOREIRA;
GUARIM-NETO, 2009), um saber desenvolvido através do convívio com a natureza
(FIRMO, 2011) e que revela uma íntima relação do homem com a biodiversidade (TORRES
et al., 2009). Na região amazônica, por exemplo, há relato de moradores que dão preferência
aos produtos naturais caseiros ao invés dos recursos hospitalares (SANTOS, 2000). Prova
desta tradição é a categoria “uso medicinal” ser a mais citada em estudos de etnobotânica de
diferentes áreas do país (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011; MOREIRA; GUARIM-NETO,
2009; SILVA; ANDRADE, 2005), registrando até mesmo o uso de espécies exóticas (VEIGA
JUNIOR, 2008). É possível que o uso medicinal de espécies que não são nativas se deva ao
fluxo de informações promovido pelas mídias (AZEVEDO; SILVA, 2006), mas também pela
pluralidade da matriz cultural brasileira (FIRMO et al., 2011; SANTOS, 2000).
De todo modo, nativas ou exóticas, essas plantas costumam ter origem no quintal do
próprio usuário ou em feiras do bairro, e são utilizadas no tratamento de diversas doenças
(AZEVEDO; SILVA, 2006). Levantamento com comunidades do município de Silva Jardim
(RJ) destacou o uso contra doenças infecciosas, parasitárias, respiratórias e neurológicas
(CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006). Por exemplo, a infusão de folhas
de pitanga (Eugenia uniflora), de laranja (Citrus sinensis) e de laranja-da-terra (Citrus
aurantium) é utilizada no tratamento de gripes, resfriados e dores de garganta, assim como as
folhas de Aloysia gratissima podem ser usadas para dores no corpo, febre e dor de cabeça
(BORGES; PEIXOTO, 2009). O uso, externo ou interno, do material vegetal pode ser na
forma de chás, banhos, garrafadas, xaropes, inalações, gargarejos, entre outros (CHRISTO;
GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006; MOREIRA; GUARIM-NETO, 2009).
Embora a folha seja o órgão mais utilizado para fins medicinais (BORGES;
PEIXOTO, 2009), diversos outros órgãos e tecidos vegetais são aproveitados - é o caso do
preparado da casca de Eschweilera wachenheimii e E. coriacea que pode ser usado no
combate a dor no estômago e diarreia (BRITO; OLIVEIRA; SCUDELLER, 2011). Essas
diferentes estruturas do organismo vegetal têm finalidades diferentes por possuírem
25
composições químicas diferentes (MOREIRA; GUARIM-NETO, 2009). Isto é, por mais que
existam moléculas essenciais ao crescimento e desenvolvimento do organismo - lipídios,
proteínas, carboidratos e ácidos nucleicos - que estão presentes em todo o organismo, há
também moléculas associadas à sobrevivência e adaptação ao ambiente que são produzidas
por órgãos e indivíduos específicos, em épocas e condições específicas - os chamados
metabólitos secundários (DIAS; URBAN; ROESSNER, 2012).
É do metabolismo secundário que se origina a diversidade química de substâncias
vegetais com atividade biológica utilizadas para fins medicinais (DIAS; URBAN;
ROESSNER, 2012). Essas moléculas atuam sobre o organismo através da interação com
alvos moleculares e celulares, podendo, por exemplo, interferir em várias etapas da resposta
imunológica, na produção e ação de mensageiros secundários, na expressão gênica e síntese
de proteínas (FIRMO et al., 2011). Tendo em vista a importância desses metabólitos para a
finalidade terapêutica das plantas medicinais, deve-se atentar para possíveis alterações nas
taxas de produção dessas substâncias, como a marcante variação sazonal na produção de
biflavonoides presentes nas folhas de Ginkgo biloba ou a variação qualitativa na produção de
lactonas sesquiterpênicas da Arnica montana entre plantas jovens e adultas (GOBBO-NETO;
LOPES, 2007). Na medida em que o metabolismo secundário constitui a “interface química
entre as plantas e o ambiente circundante” (GOBBO-NETO; LOPES, 2007, p. 374), é
coerente que a síntese dessas substâncias seja frequentemente alterada de acordo com
diferentes fatores, como idade da planta, época e local da coleta (LANA et al., 2010).
A possibilidade de desvendar a estrutura e o funcionamento dessas moléculas
bioativas desperta o interesse de diversas áreas da pesquisa (LANA et al., 2010) e constitui
uma promissora fonte de novos produtos (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996). Um
exemplo foi a pandemia de AIDS dos anos de 1980, que estimulou a análise de dezenas de
milhares de extratos de plantas e produziu resultados promissores (DIAS; URBAN;
ROESSNER, 2012). O saber popular acerca de produtos naturais terapêuticos também têm
sido um guia cada vez mais bem-sucedido nessa investigação do potencial medicinal das
plantas (MENDONÇA-FILHO; MENEZES, 2003). Por exemplo, a partir do estudo sobre a
utilização das plantas por parte de comunidades rurais e indígenas, foi possível produzir
pílulas anticoncepcionais de derivados de inhame selvagem (Dioscorea villosa) (BRITO;
OLIVEIRA; SCUDELLER, 2011).
26
A interação entre conhecimento tradicional e indústria farmacêutica originou a
fitoterapia, entendida como o tratamento com plantas medicinais ou com seus derivados
farmacológicos (FIRMO et al., 2011). Esses derivados, os fitoterápicos, são medicamentos
que têm a planta como matéria-prima, que possuem controle de qualidade e que não contam
com substâncias ativas isoladas em sua composição - estes seriam os fitofármacos (VEIGA
JUNIOR; PINTO; MACIEL, 2005). Também é comum o consumo de alimentos funcionais,
aqueles que colaboram com a prevenção ou cura de alguma doença, como o consumo de
alimentos ricos em ferro para combater anemia e de alimentos ricos em vitamina C para
fortalecer o sistema imunológico (VEIGA JUNIOR, 2008).
Da planta ao medicamento, porém, existe uma série de etapas a serem cumpridas. De
acordo com Lana e colaboradores (2010), após selecionar, a partir dos critérios
etnofarmacológicos, a espécie e o órgão a ter seu potencial medicinal avaliado, ainda é
necessário que a coleta e a identificação do material sejam realizadas corretamente. Já no
laboratório, deve-se preparar extratos do órgão coletado visando à investigação preliminar das
classes de substâncias presentes. Os extratos são, então, submetidos a técnicas de
fracionamento, isolamento, purificação e caracterização mais adequadas às classes de
substâncias encontradas. Depois, a identificação dos compostos orgânicos é feita através de
ressonância magnética ou de análises espectroscópicas.
Somente depois de conhecer a composição química do material botânico, é possível
realizar os ensaios bioquímicos ou com culturas de células - bacterianas, animais ou humanas
- para avaliar letalidade, toxicidade e atividade biológica do material. Ainda de acordo com
Lana e colaboradores (2010), são exemplos de ensaios de atividade biológica: (i) avaliação
antitumoral in vitro, na qual células tumorais crescem em meio de cultura que contem a droga
estudada; (ii) avaliação antitumoral in vivo, na qual injeta-se ou transplanta-se o tumor para
camundongos que são tratados com a droga; (iii) avaliação antimutagênica in vitro, na qual
bactérias mutantes crescem em cultura com a droga para observar se a reversão do processo
de mutação é induzida. Só após consolidar esta etapa, os testes clínicos são iniciados.
Ainda que embasado pelo conhecimento popular e por diversos protocolos científicos,
o uso de plantas medicinais e derivados apresenta uma série de dificuldades. Do ponto de
vista industrial, a investigação do potencial medicinal da biodiversidade vegetal para
produção de fármacos configurou-se como um processo caro, com problemas no
fornecimento de matéria-prima e grande possibilidade de redescoberta de compostos já
27
isolados (DIAS; URBAN; ROESSNER, 2012), levando as empresas a abandonarem seus
projetos de produtos naturais e investirem em drogas sintéticas (FIRMO et al., 2011). Até
mesmo o conhecimento popular sobre o assunto está deteriorando frente aos processos de
urbanização e abandono da vida rural (VEIGA JUNIOR, 2008). Os jovens consomem com
mais frequência e preferência medicamentos sintéticos comprados em farmácias, abandando o
tradicional e trabalhoso costume de cultivar plantas medicinais nos quintais (MENDONÇA-
FILHO; MENEZES, 2003).
Ademais, apesar da crença comum de que plantas não representam perigo à saúde
humana, muitos profissionais de saúde não indicam terapias alternativas - como a fitoterapia -
por não as considerarem seguras (VEIGA JUNIOR, 2008). Diversos extratos são
comercializados sem passarem por testes clínicos (FIRMO et al., 2011), sem certificação de
qualidade e após sofrerem adulterações (VEIGA JUNIOR; PINTO; MACIEL, 2005). Essa
falta de informação confiável sobre muitas espécies (FIRMO et al., 2011) pode levar a casos
de superdosagem, reação alérgica e intoxicação (VEIGA JUNIOR; PINTO; MACIEL, 2005).
Além disso, alguns pacientes têm o hábito de substituir o medicamento alopático receitado
pelo médico por plantas medicinais, ou de conciliar o uso dos dois sem avisar ao profissional -
combinação que pode gerar efeitos sinérgicos perigosos (VEIGA JUNIOR, 2008).
Conquanto todos estes riscos, a Organização Mundial da Saúde apoia a fitoterapia
(OGAVA et al., 2003). O consumo de plantas medicinais é amplo em países como França,
Alemanha (GOBBO-NETO; LOPES, 2007) e Estados Unidos, onde cerca de 25% das receitas
médicas incluem algum produto obtido a partir de uma planta (RAVEN; EVERT;
EICHHORN, 1996). Diversas medidas governamentais, como a regulação da fitoterapia por
órgãos públicos de controle (OGAVA et al., 2003), e o projeto “farmácia viva”, onde
profissionais mantêm hortas medicinais e farmacêuticos controlam a formulação dos produtos
(VEIGA JUNIOR, 2008), contribuíram para tornar o uso de produtos naturais mais seguro.
Em países em desenvolvimento, 80% da população confia em derivados de plantas para
cuidar da saúde (FIRMO et al., 2011). Parte dessa abrangência também é resultado da
dificuldade de populações de baixa renda terem acesso a medicamentos alopáticos - devido
aos altos preços - e a atendimento médico básico - devido à degradação dos serviços públicos
de saúde (AZEVEDO; SILVA, 2006).
28
d) Outros usos:
Através da figura do feiticeiro, o homem pré-histórico também buscava nas plantas a
cura de males de ordem espiritual, unindo magia às práticas terapêuticas (FIRMO et al.,
2011). No Brasil, esse conhecimento surgiu através da interação entre os saberes dos diversos
povos que formaram a população, sobretudo indígenas e africanos (AZEVEDO; SILVA,
2006). Atualmente, o uso tradicional de plantas em rituais é mantido na figura dos rezadores,
mulheres idosas respeitadas por sua experiência que utilizam pequenos ramos de plantas para
curar e absorver a “energia negativa” através de rezas (OLIVEIRA; TROVÃO, 2009). Por
exemplo, a erva-cidreira (Melissa officinalis) recomendada para banhos de descarrego possui
atividade analgésica e diminui ansiedade (VEIGA JUNIOR, 2008), enquanto a arruda (Ruta
graveolens) e o pinhão-roxo (Jatropha gosypifolia) são recomendadas para “mal olhado” e
“quebranto” (OLIVEIRA; TROVÃO, 2009). Talvez o caso mais polêmico de uso ritualístico
seja o consumo da Ayahuasca, chá alucinógeno produzido a partir da decocção do caule de
Banisteriopsis caapi e das folhas de Psychotria viridis que surgiu em tribos amazônicas e
rapidamente se expandiu para centros urbanos, através de grupos como Santo Daime ou
Barquinha (TEIXEIRA et al., 2008).
As plantas também têm atraído a atenção de empresários e consumidores da área de
cosméticos (MAGALHÃES; CAMARGO; HIGUCHI, 2013). Muitos dos produtos destinados
à higiene e à beleza são produzidos a partir de extratos, corantes, óleos essenciais ou
princípios ativos vegetais (BORGES; GARVIL; ROSA, 2013). Por exemplo, o óleo extraído
do fruto de tucumã (Astrocaryum aculeatum) é utilizado como hidratante e protetor solar, mas
também pode ser empregado em cremes antirrugas, shampoos, maquiagem, sabonetes e
tintura de cabelo (PASTORE JUNIOR; ARAUJO, 2005). A cafeína proveniente do café
(Coffea arabica), em associação com outros ativos, estimula a lipólise e ajuda a reduzir
celulites (MAGALHÃES; CAMARGO; HIGUCHI, 2013). De modo geral, esses variados
fitocosméticos são classificados de acordo com suas propriedades farmacológicas, em
categorias como adstringentes, tônicos, emolientes e umectantes, antissépticos, entre outras
(BORGES; GARVIL; ROSA, 2013).
Além disso, é comum encontrarmos fitocosméticos que são pigmentados com corantes
naturais, por exemplo, os carotenos que dão cor aos bronzeadores (BORGES; GARVIL;
ROSA, 2013). Alimentos, papéis e tecidos também podem ser pigmentados por corantes
naturais (FARIA, 2015), como a tinta vermelha extraída do pau-brasil (Caesalpinia echinata)
29
que era bastante usada no tingimento de roupas (BACHA, 2004). O uso de plantas como fonte
de pigmentos para arte é ainda mais antigo e remete às milenares pinturas rupestres
(BARBOZA; POHLMANN, 2015). Atualmente, a produção de tintas naturais está crescendo
e já obtém mais de 500 colorações a partir de raízes, frutas, flores, madeira, folhas e sementes
(FARIA, 2015). No Brasil, 90% desse mercado é ocupado pelas sementes do urucum (Bixa
orellana), conhecidas por compor o condimento “colorau” (FABRI; TERAMOTO, 2015).
Outro material vegetal também é muito utilizado pela indústria. Ricas em celulose,
hemicelulose e lignina, as fibras vegetais são feixes de esclerênquima que atuam na
sustentação da planta e são empregados na fabricação de tecidos desde 5000 a. C.
(GUIMARÃES, 2014). O algodão (Gossypium hirsutum), por exemplo, passou a ser cultivado
em todo o mundo para a produção de tecidos a partir dos tricomas de suas sementes (RAVEN;
EVERT; EICHHORN, 1996). Frutos, caules e folhas também podem fornecer fibras, como é
o caso do coco (Cocus nucifera), do linho (Linum usitatissimum) e do sisal (Agave sisalana) -
respectivamente (GUIMARÃES, 2014). No processamento industrial para produção dos
tecidos, segundo Alcântara e Daltin (1996), existem três etapas básicas: (i) na fiação, as fibras
são transformadas em fios; (ii) na tecelagem, os fios são arranjados em tecidos; (iii) no
beneficiamento, ocorre o tingimento, a estamparia e o acabamento final do tecido.
A utilidade das fibras não é apenas a confecção de tecidos. O artesanato com as hastes
de capim-dourado (Syngonanthus nitens) - que também utiliza fibras da folha jovem da
palmeira buriti (Mauritia flexuosa) - alcançou destaque nacional nos anos de 1990 e hoje é
vendido em feiras e shoppings por todo o país, servindo como principal fonte de renda de
centenas de famílias no Tocantins (SCHMIDT et al., 2011). Outro produto do artesanato que
ganhou o mercado nas últimas décadas, inclusive aparecendo em desfiles de moda, foram as
biojóias (LANA et al., 2010), peças produzidas da combinação de elementos naturais, como
sementes e fibras, metais nobres e pedras preciosas (SOUZA et al., 2012). Além de objetos
decorativos e acessórios de moda, os artesãos que trabalham com matéria-prima vegetal
também produzem uma série de artefatos de uso doméstico, como peneiras, paneiros, balaios
e tupés (LEONI; MARQUES, 2008).
Não é somente através do artesanato que as plantas podem adquirir valor estético,
desde a Antiguidade há registro de civilizações que já utilizavam as próprias plantas por sua
beleza (HEIDEN et al., 2007). O mercado de flores e plantas ornamentais no Brasil vem
crescendo e contribuindo para o aumento da renda dos pequenos agricultores (FRANÇA;
30
MAIA, 2008) e dos comerciantes que vendem os buquês, vasos de flores, arranjos e mudas
para jardim (LARA; CARVALHO, 2003). Até mesmo nas cidades a beleza das plantas pode
ser explorada, a arborização em ambientes urbanos contribui para o aumento da qualidade de
vida e o embelezamento da cidade (ROCHA; TELES; OLIVEIRA NETO, 2004).
4.3 Histórico de degradação
Apesar da humanidade ter desenvolvido essas variadas relações com a diversidade
vegetal, com o crescimento das atividades econômicas e da população mundial, a pressão
antrópica sobre os recursos naturais vem comprometendo a sustentabilidade ecológica
(ENGEMANN et al., 2005). A interação homem-natureza converteu-se em intensa exploração
e degradação ao longo dos últimos séculos (TORRES et al., 2009), afetada por processos
como a expansão da agricultura, a construção de estradas, o crescimento urbano e
demográfico (CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006). A devastação da
Mata Atlântica, por exemplo, ocorreu em paralelo à história econômica brasileira, tendo sido
iniciada com a chegada dos portugueses ao continente americano (NEVES, 2006).
Para os colonizadores, o Brasil tratava-se de um “arquipélago de projetos de
exploração ecológica” (PADUA, 2004, p. 3), isto é, um modo de ocupação da terra e de
produção caracterizado pela apropriação intensa dos recursos nativos e pela introdução de
espécies exóticas para cultivo - chamadas colônias de exploração (NEVES, 2006). O
município do Rio de Janeiro, por exemplo, perdeu mais de 90 km² de florestas e outros
ambientes naturais ao longo de sua história (AZEVEDO; SILVA, 2006). Essa lógica
exploratória perpetuou no imaginário nacional o mito de que a Mata Atlântica era uma fonte
inesgotável de recursos, sempre disponível para produção e ocupação (NEVES, 2006).
Também é legado desse momento histórico o desprezo pela biodiversidade local, tratada
como empecilho ao desenvolvimento e ao progresso (PADUA, 2004).
O outrora abundante pau-brasil foi o primeiro recurso a sofrer ampla exploração, uma
extração tão intensa que tornou a espécie escassa em poucas décadas (NEVES, 2006).
Contudo, foi a procura por lenha que impulsionou a maior parte do desmatamento promovido
durante o período colonial (ENGEMANN et al., 2005), ainda que a extração de madeira
também atendesse a diversas outras demandas de estaleiros e engenhos de cana-de-açúcar
(CABRAL; CESCO, 2008). Mesmo no período pós-colonial, as florestas tropicais
31
continuaram sofrendo redução de suas áreas em razão da extração de produtos madeireiros
(SILVA; ANDRADE, 2005). No século XX, serralherias leves e pesadas se expandiram com
o desenvolvimento do transporte de carga e do processamento de madeira, estimulando a
extração de madeira das ainda abundantes florestas virgens (CABRAL; CESCO, 2008).
Não apenas o extrativismo de madeira contribui para a degradação ambiental, o
desmatamento em florestas tropicais está muito associado a empreendimentos agropecuários
(SILVA; ANDRADE, 2005). A agricultura exportadora foi o principal motor da economia e
da ocupação do território em diversos momentos da história brasileira (ALVES; ARAUJO;
NASCIMENTO, 2009). Dois dos principais ciclos econômicos nacionais foram os cultivos de
cana-de-açúcar (Saccharum spp.) e café (Coffea arabica), ambos marcados por um padrão de
produção que acelera o desmatamento de áreas naturais com vistas à extensa exploração
(NEVES, 2006). Muito desse estilo de cultivo permanece até hoje e pode ser ilustrado pelo
avanço do “arco do desmatamento” sobre a Floresta Amazônica (FEARNSIDE, 2005).
O mau uso da terra já era incentivado pela concessão fácil de novas propriedades no
período colonial: a área era explorada de forma descuidada e, tão logo ficasse inutilizada, era
abandonada para que se avançasse sobre uma nova área (NEVES, 2006). Por exemplo, ao
invés de adubar o solo da propriedade anterior, é antiga e recorrente a prática de queimar
novas áreas de floresta para limpar o terreno e se aproveitar da fertilidade desta nova
propriedade - que tão logo se esgota e o ciclo de desmatamento continua (PADUA, 2004). As
queimadas também são utilizadas para estimular a rebrota e a floração de diversas espécies,
sobretudo no Cerrado, como é o caso do capim-dourado (SCHMIDT et al., 2011). O uso do
fogo como instrumento de manejo é extremamente perigoso, pois é possível perder o controle
sobre sua extensão e intensidade caso não sejam consideradas as condições climáticas, o
correto uso dos equipamentos, entre outros aspectos (MEDEIROS; FIEDLER, 2004).
Depois da destruição de hábitats causada pela exploração antrópica, a contaminação
biológica provocada por espécies exóticas é a segunda maior ameaça à biodiversidade -
sobretudo em ambientes já perturbados (ZILLER, 2001). Quando certas espécies oriundas de
outro ecossistema são inseridas em novos ecossistemas e conseguem se naturalizar, acabam
comprometendo a vegetação nativa e alterando as características naturais do ambiente
(BLUM; BORGO; SAMPAIO, 2008). Essa invasão ocorre em razão da capacidade que a
planta exótica pode apresentar de explorar funções ecológicas ainda inexploradas naquele
ecossistema, além de não possuir competidores, parasitas e predadores (ZILLER, 2001).
32
Embora a transferência de plantas entre diferentes regiões do mundo tenha atendido muitas
demandas do setor agrícola, como a cana-de-açúcar e o café no Brasil (NEVES, 2006),
ultimamente uma parcela significativa corresponde ao setor de plantas ornamentais (BLUM;
BORGO; SAMPAIO, 2008). Quase metade das plantas ornamentais exóticas se tornou
espécie invasora, por exemplo, a maria-sem-vergonha (Impatiens walleriana) e o mal-me-
quer-do-campo (Chrysanthemum myconis) (HEIDEN et al., 2007).
A degradação promovida pela contaminação biológica, pelas queimadas, pelas
atividades extrativistas e pelo desmatamento decorrente da expansão de zonas agropecuárias e
urbanas atinge tanto os ecossistemas, quanto a sociedade que deles se beneficia
(FEARNSIDE, 2005; HEIDEN et al., 2007). A perda da biodiversidade talvez seja a
preocupação mais crítica nesse cenário, principalmente em áreas fragmentadas ou com alto
endemismo (FEARNSIDE, 2005). Inclusive porque certas espécies em risco de extinção
podem apresentar alguma utilidade socioeconômica (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 1996) e
acabarem ficando indisponíveis para gerações futuras (MOREIRA; GUARIM-NETO, 2009).
Essa extinção pode ter origem na competição com plantas invasoras (HEIDEN et al., 2007),
na pressão extrativista exercida pela coleta intensa e agressiva (AZEVEDO; SILVA, 2006;
CHRISTO, 2009) ou fragilização do ambiente (ALVES; ARAUJO; NASCIMENTO, 2009).
A fragilização está relacionada a diversos aspectos da estrutura e do funcionamento de
um ecossistema. A diminuição da população de certos animais pode afetar a dispersão e a
polinização de espécies vegetais, podendo leva-las à extinção (FACHIM; GUARIM, 1995). O
solo de um ambiente degradado sofre mais erosão e compactação, diminuindo a qualidade e
sua produtividade (FEARNSIDE, 2005). A remoção de vegetação também interfere na
ciclagem da água, comprometendo os recursos hídricos e as populações dele dependentes
(ALVES; ARAUJO; NASCIMENTO, 2009). A extração excessiva de madeira, inclusive,
aumenta o risco de incêndios florestais que emitem gases do efeito estufa, contribuindo para o
quadro de mudanças climáticas (FEARNSIDE, 2005). A própria qualidade de vida das
populações locais é drasticamente afetada pela degradação ambiental, que não
necessariamente é sinônimo de desenvolvimento econômico (NEVES, 2006).
33
4.4 Novas perspectivas
Observando os diversos fatos já apontados, é inegável que a biodiversidade seja
importante para a economia. Contudo, são igualmente inegáveis sua importância para a
qualidade de vida - essencial à saúde humana e à segurança alimentar - e as altas taxas de
extinção com as quais vem sofrendo (BARBOSA, 2001). Desde o período colonial havia
quem entendesse a necessidade de conciliar o progresso econômico com ações de
conservação florestal (NEVES, 2006), na expectativa de minimizar os malefícios decorrentes
do desmatamento (BACHA, 2004). No século XX, a discussão ambiental ganhou destaque de
especialistas e governantes em diversas conferências internacionais, como a 1ª Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1972 (NEVES, 2006) e a
Convenção da Diversidade Biológica de 1992 - que trouxe a visão crítica e integradora sobre
o tema (CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006).
a) Conservação in situ e manejo:
O trabalho diplomático internacional foi importante para garantir avanços nas políticas
de manutenção das florestas, exercendo grande pressão sobre Brasil e outros países com
grandes áreas florestadas (FEARNSIDE, 2005). Ainda na década de 1990, com a criação das
leis de crimes contra o ambiente, de recursos hídricos e da Mata Atlântica, ficou clara a
evolução na política ambiental brasileira (NEVES, 2006). A repressão por meio de inspeção e
multas previstas por esta legislação, contudo, não vem apresentando bons resultados, já que o
desmatamento parece aumentar e diminuir independentemente dos investimentos em estrutura
de fiscalização (FEARNSIDE, 2005).
Ainda que a repressão seja importante para garantir a aplicação de regras e evitar a
sobre-exploração (SCHMIDT et al., 2011), é preciso entender que o desmatamento é
resultado de fatores sociais, econômicos e políticos que, muitas vezes, fogem do alcance dos
órgãos ambientais (FEARNSIDE, 2005). Lidar com a especulação da terra, a lavagem de
dinheiro através da agropecuária e o fornecimento de subsídios e anistias a desmatadadores,
por exemplo, demanda atenção de diversos setores do governo (FEARNSIDE, 2005). A
criação de impostos cujas receitas são revertidas para o reflorestamento, como o ICMS
Ecológico, o Imposto de Renda Ecológico e o Pagamento por Serviços Ambientais, foi uma
alternativa interessante para atuar de forma mais global (NEVES, 2006).
34
Outro foco da política ambiental brasileira foi a conservação in situ, isto é, a
preservação da biodiversidade em seu local de origem através da criação de reservas físicas
(BARBOSA, 2001). Por exemplo, as Unidades de Conservação (UC) de proteção integral -
reservas biológicas, parques nacionais, estações ecológicas, refúgios da vida silvestre e
monumentos naturais - são destinadas à conservação da biodiversidade, sendo proibida a
exploração de recursos naturais, mas permitidas atividades de fins educativos e de pesquisa
(RYLANDS; BRANDON, 2005). Essas reservas têm o objetivo de impedir o avanço da
ocupação territorial, através da proteção dos ecossistemas locais (CHRISTO, 2009). Diversos
workshops foram realizados durante a década de 1990 para definir áreas prioritárias em cada
bioma do país para serem transformadas em UC, defendendo, ainda, a importância do
estabelecimento de corredores de biodiversidade entre elas (RYLANDS; BRANDON, 2005).
Além de sofrer com a falta de recursos humanos e financeiros (BARBOSA, 2001),
essas UC são comumente prejudicadas por embates entre os responsáveis pela gestão das
unidades e as comunidades circunvizinhas (CHRISTO, 2009). A polêmica reside na visão do
ser humano como agente da destruição, de modo que a preservação efetiva da biodiversidade
seria inviável em sua presença (BARBOSA, 2001) - um pensamento herdado do modelo
estadunidense de conservação no qual a natureza deve ser mantida intocada (CHRISTO,
2009). Contudo, alternativamente, há quem defenda que a biodiversidade é resultado da
interação entre o ser humano e a natureza e, por isso, também podemos atuar na solução dos
problemas ambientais (CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006). A
colaboração das comunidades locais, por exemplo, é estratégica para a manutenção da
vegetação (SCHMIDT et al., 2011), como é o caso das reservas indígenas que contribuem de
forma significativa para a proteção da Amazônia (RYLANDS; BRANDON, 2005).
Nesse sentido, a realização de trabalhos de Educação Ambiental que valorizem o
conhecimento sobre a vegetação nativa e promovam a inserção dessas populações tradicionais
como agentes da conservação são essenciais à política ambiental (CHRISTO; GUEDES-
BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006). Por exemplo, substituir o mercado de plantas exóticas
por plantas nativas é um caminho para conquistar avanços (HEIDEN et al., 2007) e essas
comunidades já têm o hábito usar mais plantas nativas do que a população urbana (BRITO;
OLIVEIRA; SCUDELLER, 2011). Entender como esses grupos utilizam e gerenciam seus
recursos naturais pode ser extremamente proveitoso para o desenvolvimento sustentável
(TORRES et al., 2009). Contudo, o desmatamento e o avanço da urbanização têm contribuído
35
para que esse conhecimento, tipicamente oral, se perca ao longo das gerações (CHRISTO,
2009; CHRISTO; GUEDES-BRUNI; FONSECA-KRUEL, 2006). Por isso, a importância do
resgate e registro desses saberes promovido pelos estudos etnobotânicos (MOREIRA;
GUARIM-NETO, 2009).
Outro aspecto que contribui para a perda desse conhecimento popular é o caráter
proibitivo da legislação ambiental (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011). Inclusive, a criação de
UC sob o controle único do poder público e sem o apoio da sociedade não tem sido eficiente
na tentativa de proteger a vegetação nativa remanescente (SILVA; ANDRADE, 2005). Como
alternativa ao alto custo social e financeiro dessas unidades, há ambientalistas que defendem a
criação de reservas onde comunidades e empresas possam realizar o manejo dos recursos
naturais (BARBOSA, 2001). As chamadas UC de uso sustentável admitem essa exploração de
forma sustentável, ou seja, através de modelos de desenvolvimento que permitam a geração
de riquezas sem comprometer o ecossistema (DRUMMOND; FRANCO; OLIVEIRA, 2010).
Existem as Áreas de Proteção Ambiental que organizam atividades econômicas locais através
de zoneamentos e planos de manejo, as Florestas Nacionais destinadas à silvicultura e ao corte
seletivo sustentável, as Reservas Extrativistas criadas originalmente para atender a
comunidades de seringueiros do Acre e que hoje contemplam diversas atividades, entre outras
(RYLANDS; BRANDON, 2005).
Um exemplo de manejo bem-sucedido pode ser encontrado na região de Jalapão (PI),
onde o órgão ambiental local buscou combater a sobre-exploração do capim-dourado através
de regulamentação baseada tanto no conhecimento acadêmico sobre a ecologia da espécie,
quanto no conhecimento tradicional dos artesãos e coletores, conseguindo produzir normas
simples e amplamente aceitas pela comunidade (SCHMIDT et al., 2011). O manejo de
recursos florestais não-madeireiros, como a borracha (Hevea brasiliensis), a castanha-do-pará
(Bertholletia excelsa), o fruto do açaí (Euterpe oleracea) (HOMMA, 2012), também
representa importante ganho social e ambiental, podendo, inclusive, sobrepor os lucros que
viriam do uso madeireiro ou agrícola da área (BRITO; OLIVEIRA; SCUDELLER, 2011).
Todavia, nem sempre o manejo consegue garantir a sustentabilidade do uso (CHRISTO,
2009). Por vezes, a redução dos recursos, a competição com espécies domesticadas e a
pressão exercida pela demanda de mercado podem comprometer a sustentabilidade
econômica e biológica da atividade (HOMMA, 2012).
36
b) Conservação ex situ e biotecnologia:
Neste cenário de difícil custeio das UC, ganham destaque na preservação da
diversidade genética, as estratégias de conservação ex situ - fora do local de ocorrência da
espécie. A manutenção de embriões, sementes, partes de indivíduos ou indivíduos inteiros em
casas de vegetação, cultura in vitro, criopreservação e bancos de germoplasma costuma
garantir a preservação do patrimônio genético com maior controle, proteção e facilidade de
acesso, ao mesmo tempo que demanda menor custo e espaço (BARBOSA, 2001). A
facilidade de acesso à diversidade genética colabora com a Biotecnologia na busca por
métodos de produção mais eficazes e menos poluentes (GUIMARÃES, 2014), aumentando,
consequentemente, a produtividade e a sustentabilidade (GOLLE et al., 2009).
A cultura de tecidos in vitro, por exemplo, consiste no cultivo em meios de cultura
com baixa concentração salina, enriquecidos com açúcares, vitaminas e fitorreguladores,
mantidos em ambiente de temperatura e luminosidade controladas (GEORGE, 2008). Uma
das técnicas associadas à cultura in vitro, a micropropagação é capaz de promover a
propagação de indivíduos selecionados através do estabelecimento de populações de clones
(GOLLE et al., 2009). Afinal, para preservar o patrimônio genético de uma espécie ameaçada
de extinção, é recomendável promover o aumento da população de forma controlada para que
sejam evitadas perdas no pool gênico (BARBOSA, 2000).
Além da preservação, a micropropagação também é importante para a extensa
produção de mudas de genótipos superiores, produzidos através do melhoramento vegetal
(SOUZA, 2006). Nos trabalhos de melhoramento, procura-se alterar propriedades químicas,
físicas e fisiológicas da espécie para aumentar a resistência a doenças, a tolerância a estresses
abióticos, a capacidade fotossintética, entre outras características (GOLLE et al., 2009). Esses
avanços podem, por exemplo, contribuir para a diminuição da exploração extrativista ao
encurtarem o processo de domesticação de espécies de interesse econômico (HOMMA, 2012)
e para a obtenção de matéria-prima de maior qualidade (KINUPP, 2009).
Inicialmente, essas alterações eram obtidas a partir da lenta e pouco controlada busca
por cruzamentos mais vantajosos (GOLLE et al., 2009), contudo, técnicas recentes ajudaram
a otimizar o melhoramento vegetal. Os bancos de germoplasma - “[...] parte biológica que
mantém as características genéticas da espécie” - são importantes fontes de material para o
melhoramento moderno (BARBOSA, 2001, p. 73). Os marcadores moleculares - “[...]
37
características de DNA que diferenciam dois ou mais indivíduos e são herdadas
geneticamente [...]” - facilitam a identificação e seleção de genes de interesse (GOLLE et al.,
2009, p. 1609). Por fim, na década de 1970, a descoberta da tecnologia do DNA recombinante
proporcionou o progresso em direção à transformação genética (BARBOSA, 2001).
A engenharia genética recombinante possibilitou a inserção do gene de interesse
proveniente de um organismo no DNA de outro, produzindo plantas geneticamente
modificadas, como os transgênicos da soja e do milho - resistentes a herbicidas e insetos
graças à inserção de genes da bactéria Bacillus thuringiensis (BARBOSA, 2000). Nesse
processo, enzimas de restrição são utilizadas para fragmentar o DNA onde se encontra o gene
de interesse, que será isolado e inserido no vetor (MALAJOVICH, 2016). Após o vetor -
normalmente o plasmídeo da bactéria Agrobacterium tumefaciens - ter sido incorporado pelas
células hospedeiras, a cultura de tecidos é utilizada para a multiplicação in vitro das células
transformadas (GOLLE et al., 2009). Apesar das vantagens proporcionadas, é preciso destacar
que todo transgênico exposto no meio ambiente representa ameaça potencial ao ecossistema e
à saúde humana, na medida em que a transferência de genes entre espécies pode provocar
intensa poluição genética (BARBOSA, 2000).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando os fatos discutidos neste capítulo, é possível concluir que existem, de fato,
inúmeras relações entre os componentes CTS e a biodiversidade vegetal. A utilização de
plantas em atividades cotidianas faz parte da história e da cultura humana. Os usos ritualístico
e medicinal são traços essenciais das culturas afro-brasileira e indígena, as artes plásticas e a
arquitetura são permeadas por diversos materiais de origem vegetal. A agricultura familiar e o
artesanato ainda são responsáveis pela sustentação de muitas populações de baixa renda. É
inegável que a relação entre a sociedade e as plantas é parte constituinte de nossa identidade,
de nosso modo de vida.
O setor industrial também possui íntima relação com a biodiversidade de plantas. A
indústria têxtil, as empresas de cosméticos, o agronegócio, a indústria farmacêutica, o setor
madeireiro... diversos componentes do sistema econômico - e consequentemente os empregos
e os produtos por ele gerados - dependem da oferta de recursos vegetais. Muitos desses
setores devem parte de sua produção a recentes inovações científicas e tecnológicas que
38
ampliaram sua capacidade produtiva ao mesmo passo que potencializaram sua capacidade
destrutiva. A iniciativa privada atua sobre o julgo da legislação, mas também são notórias
suas iniciativas que visam corromper agentes do poder público a fim de garantir o lucro.
Isto ilustra que, por mais que a Biotecnologia aparente ser um promissor modelo de
desenvolvimento, não é possível tratar deste assunto apenas em termos econômicos. Sendo o
Brasil detentor de parcela significativa da biodiversidade mundial, há uma enorme variedade
de espécies com potencial econômico a ser desenvolvido por meio da Biologia Molecular e da
Engenharia Genética. Contudo, a alta biodiversidade também acentua a responsabilidade no
combate à erosão genética e à extinção de espécies, na regulação e fiscalização da iniciativa
privada, da atividade científica e da produção tecnológica.
À luz dos diversos aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais que
permeiam este assunto, é necessário que a sociedade civil - simbolizada na figura do cidadão -
seja capaz de atuar a fim de garantir a gestão justa da biodiversidade com a qual convivemos e
da qual dependemos. Isto é, é preciso que a sociedade possa discutir sobre a forma como
utilizamos e preservamos os recursos naturais e, assim, influenciar as instâncias de poder -
ciência, poder público, iniciativa privada - que comandam as políticas dessa área. Sendo
assim, é legítimo defender a difusão dos conhecimentos discutidos neste capítulo.
39
CAPÍTULO II
Produção e avaliação de uma proposta de divulgação científica sobre a
biodiversidade vegetal brasileira na perspectiva CTS
40
1 INTRODUÇÃO
O avanço nas práticas de comunicação nas últimas décadas promoveu o surgimento de
novos espaços de interação e, assim, ao viabilizar meios para o diálogo entre ciência e
sociedade, ajudou a diminuir o isolamento do universo científico (MARANDINO et al.,
2003). Não obstante as primeiras iniciativas de aproximação do público leigo com o
conhecimento científico remontem ao século XVII, foi com a institucionalização da ciência, e
a consequente definição de um discurso próprio da comunidade científica nos séculos mais
recentes, que surgiu a figura de um profissional que reaproximaria a ciência ao resto da
sociedade (SILVA, 2006). Atualmente, essa reaproximação pode dar-se através de jornais,
livros comuns, livros didáticos, músicas, filmes, documentários, panfletos, exposições e tantos
outros canais (NASCIMENTO, 2008).
Ainda que haja diversas formas de difundir o conhecimento produzido, é possível
diferenciá-las de acordo com o público-alvo: enquanto a disseminação científica envolve a
circulação de informação entre os próprios especialistas do assunto; a divulgação científica
(DC) trata de exportar o conhecimento produzido por cientistas para o público leigo
(ALBAGLI, 1996). Essa definição, porém, é problemática, na medida em que reforça a
anteposição entre um “sujeito produtor do conhecimento científico numa posição de
autoridade altamente legitimada” e um “sujeito interessado em atualização cultural, sem
nenhum conhecimento sobre ciência” (SILVA, 2006, p. 58). De todo modo, parece hercúlea a
tarefa de encontrar um único conceito capaz de cobrir a vasta gama de produtos de DC, sendo
razoável trata-lo como um conceito polissêmico, aberto a discussões (NASCIMENTO, 2008).
Apesar dos dissensos, concorda-se que o processo inerente à divulgação do saber
científico envolve alguma transformação no campo linguístico (ALBAGLI, 1996).
Comumente, o trabalho da DC é transmitir aos leigos os princípios, métodos e ideias que
regem o conhecimento em Ciência utilizando uma linguagem adequada e atraente para esse
público, sem, com isso, incorrer em distorções na informação (MASSARANI; MOREIRA,
2005). É preciso, contudo, atentar-se ao fato de que a DC é um trabalho de formulação de um
discurso novo, não apenas uma conversão de um discurso-fonte para um discurso-alvo
(ZAMBONI, 1997). Ainda que a “tradução” do jargão especializado seja recurso corriqueiro,
as estruturas retóricas dos textos de divulgação são diferentes daquelas dos textos científicos
originais (MASSARANI; MOREIRA, 2005).
41
Descrevendo nestes termos, é possível que se torne confusa a distinção entre ensinar e
divulgar. Diversos trabalhos aproximam a DC do ensino formal, elencando diversas de suas
funções em sala de aula: contribuição da motivação e participação; complemento ao material
didático; vínculo entre a linguagem do aluno e a linguagem científica; e contato com valores
socioculturais (NASCIMENTO, 2008). Até o ano de 2011, foi registrado um acréscimo
considerável no número de pesquisas sobre a potencialidade didática dos trabalhos de
divulgação (FERREIRA; QUEIROZ, 2012). São trabalho que, muitas vezes, estão atrelados à
educação informal, afinal, sendo a educação estabelecida ao longo da vida e não apenas no
contexto escolar, surgem situações de aprendizagem por livre escolha (MARANDINO et al.,
2003) onde os materiais de DC podem contribuir para a atualização e consolidação dos
conhecimentos oriundo da educação formal (ALBAGLI, 1996).
Não obstante, é importante ressaltar que o fator educativo não é o único objetivo da
DC (VALÉRIO; BAZZO, 2006). O papel do profissional não é somente traduzir a
informação, mas também promover uma análise crítica de cunho político, social ou
econômico do conhecimento e da pesquisa que o gerou (NASCIMENTO, 2008). O recente
crescimento da produção científica aumentou, na figura do movimento CTS, a demanda por
processos democráticos na aplicação da ciência e por controle social sobre sua metodologia, o
que acaba atribuindo um papel cívico e de mobilização social à DC (ALBAGLI, 1996). Um
pioneiro da DC, Dr. José Reis declara:
Durante muito tempo, a divulgação se limitou a contar ao público os encantos e
os aspectos interessantes e revolucionários da ciência. Aos poucos passou a
refletir também a intensidade dos problemas sociais implícitos nessa atividade
(REIS, 1982, p.78 apud AIRES et al., 2003).
Ao aproximar o cidadão do trabalho científico, possibilita-se a independência
individual e racional essencial para a capacidade de decisão e a construção da cidadania,
ajudando a entender e solucionar problemas do cotidiano moderno (NASCIMENTO, 2008).
Aceitando que avanço científico-tecnológico não acarreta necessariamente em
desenvolvimento humano, é necessário estabelecer um novo equilíbrio de forças na relação
entre ciência, tecnologia e sociedade, onde a sociedade se aproprie do conhecimento e oriente
os rumos do desenvolvimento (VALÉRIO; BAZZO, 2006). A DC pode contribuir para
melhorar o desempenho científico do público e, consequentemente, para a melhor
compreensão desses problemas (AIRES et al., 2003).
42
Conforme discutido no Capítulo I, as intrincadas relações da ciência, da tecnologia e
da sociedade com a biodiversidade vegetal brasileira, sobretudo na Mata Atlântica,
representam um campo de conhecimento onde essa reconfiguração de poder é urgente. O uso
dos recursos vegetais pelas populações humanas, que outrora não comprometia o
funcionamento dos ecossistemas, hoje acarreta em extensos dados ao meio ambiente. Estes
danos podem ser explicados pela expansão urbana e populacional, pelo aumento do consumo,
pelo estabelecimento de técnicas predatórias, enfim, mudanças promovidas pela própria
sociedade, em conjunto com a ciência e a tecnologia, que afetam os biomas e a
biodiversidade. A Mata Atlântica é caso crítico, de modo que é considerada um hotspot da
biodiversidade em risco. Portanto, é necessário e urgente discutir como o poder público, a
iniciativa privada, a população, as pesquisas científica e tecnológica estão envolvidas na
gestão do consumo desses recursos e dos danos causados por ele.
2 OBJETIVO
O presente capítulo teve o objetivo de abordar a produção e avaliação de um recurso
de divulgação científica sobre a biodiversidade vegetal - da Mata Atlântica, principalmente. O
tema foi contextualizado sob o enfoque CTS, visando à democratização do conhecimento.
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Levantamento de espécies
A partir da pesquisa de Zaú (2010) sobre a composição de um remanescente urbano de
Mata Atlântica na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada uma busca por espécies vegetais que
exemplificassem a diversidade de utilidades exploradas pela sociedade. Dentre as espécies
levantadas, 20 foram selecionadas para compor o levantamento final do trabalho com base
nos seguintes critérios: (i) abundância da espécie no remanescente amostrado; (ii) relevância
socioeconômica; e (iii) disponibilidade de informações sobre a espécie na literatura científica.
43
3.2 Produção do material de divulgação
O material foi produzido com o software Microsoft Publisher 2013. O conteúdo foi
elaborado a partir das informações obtidas nas etapas de revisão bibliográfica e levantamento
de espécies. Durante o processo, prezou-se pela clareza do discurso, pela correção e
atualização das informações (ALBAGLI, 1996; NASCIMENTO, 2008). Majoritariamente, as
imagens utilizadas no material foram obtidas por meio de bancos gratuitos de imagens, nos
demais casos foi citada a autoria e/ou origem da imagem. O público-alvo é são alunos de do
Ensino Médio, coerente com o hábito da DC - população escolarizada ou em escolarização
(ALFERES; AGUSTINI, 2008). O material pode ser distribuído digitalmente através de sites
de apoio ao ensino de Ciências e Biologia ou impresso em parceria com instituições público-
privadas que fomentam práticas de cultura e educação por meio de incentivos legais.
3.3 Avaliação do material de divulgação
O material foi avaliado por profissionais formados em cursos de Licenciatura em
Ciências Biológicas, através de questionário online anônimo majoritariamente fechado
(Apêndice 01). O questionário fechado é um instrumento de coleta de dados composto por
questões nas quais o respondente é apresentado a um rol de alternativas previamente
elaboradas pelo pesquisador, facilitando a aplicação, o processamento e a análise das
respostas (CHAGAS, 2000). A avaliação por pares, prática comum na comunidade científica,
baseia-se na contribuição de profissionais da área de conhecimento da pesquisa avaliada para
que o produto final da pesquisa tenha maior qualidade (MENDES; MARZIALE, 2001).
4 RESULTADOS
4.1 Levantamento de espécies
Foram selecionadas, dentre as espécies vegetais mais abundantes, vinte que
apresentassem utilidade socioeconômica registrada na literatura científica (Tabela 01).
44
Tabela 01 - Espécies abundantes da Mata Atlântica com uso socioeconômico registrado.
Ni Espécie Família Uso
141 Euterpe edulis Arecaceae Sim
93 Myrceugenia myrcioides Myrtaceae Não
61 Geonoma schottiana Arecaceae Sim
43 Myrcia multiflora Myrtaceae Sim
37 Guapira opposita Nyctaginaceae Sim
31 Myrcia spectabilis Myrtaceae Sim
22 Amaioua intermedia Rubiaceae Sim
22 Ecclinusa ramiflora Sapotaceae Sim
21 Guarea macrophylla subsp. tuberculata Meliaceae Sim
16 Maytenus communis Celastraceae Não
14 Bathysa gymnocarpa Rubiaceae Não
14 Roupala longepetiolata Proteaceae Não
11 Roupala consimilis Proteaceae Não
10 Cupania furfuracea Sapindaceae Sim
10 Ocotea glaziovii Lauraceae Sim
9 Lamanonia ternata Cunoniaceae Sim
8 Eugenia brasiliensis Myrtaceae Sim
8 Hieronyma alchorneoides Phyllanthaceae Sim
7 Eriotheca pentaphylla Malvaceae Sim
7 Eugenia excelsa Myrtaceae Não
7 Ocotea odorífera Lauraceae Sim
7 Pseudopiptadenia leptostachya Fabaceae Sim
7 Psychotria nemorosa Rubiaceae Não
7 Rinorea guianensis Violaceae Sim
7 Trichilia lepidota Meliaceae Sim
6 Aniba firmula Lauraceae Sim
6 Erythroxylum pulchrum Erythroxylaceae Não
6 Pera glabrata Euphorbiaceae Sim
Legenda: “Ni” - número de indivíduos da espécie encontrados por Zaú (2010) no trecho de Mata
Atlântica analisado; “Uso” - indica se a espécie possui algum uso socioeconômico registrado na
literatura científica. As espécies realçadas em cinza foram utilizadas no levantamento deste trabalho.
a) Euterpe edulis Mart.
Família botânica: Arecaceae, a família das palmeiras (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Juçara (AGUIAR et al., 2002; BORGES et al., 2013; MARCOS; MATOS,
2003), palmiteiro (AGUIAR et al., 2002; MARCOS; MATOS, 2003).
Distribuição: Normalmente, esta espécie ocorre do sul da Bahia ao Rio Grande do Sul, mas
também pode ser encontrada em Pernambuco, Alagoas, Goiás e Mato Grosso do Sul
(FELZENSZWALB et al., 2013). Apesar de ser típica da Mata Atlântica, também aparece no
Cerrado (AGUIAR et al., 2002; ZAÚ, 2010).
45
Características: A juçara é uma palmeira cujo estipe1 pode atingir até 20 metros de altura
(MARTO; BARRICHELO; MULLER, 2007). Suas folhas podem alcançar até 3 metros de
comprimento e são pinadas, isto é, têm forma similar a penas (MARTO; BARRICHELO;
MULLER, 2007). As flores possuem coloração creme e se reúnem em inflorescências2
semelhantes a cachos (AGUIAR et al., 2002). Seus frutos, arredondados e pretos, alimentam
pássaros, mamíferos e roedores (AGUIAR et al., 2002; FELZENSZWALB et al., 2013). Este
papel na alimentação de diversos animais torna a palmeira juçara muito importante para a
manutenção de ecossistemas, além de muito abundante (MARCOS; MATOS, 2003).
Usos: A palmeira juçara é conhecida por produzir um palmito de qualidade e sabor superior
ao de outras espécies do mesmo gênero (BORGES et al., 2011). O Brasil é um dos poucos
países que apresentam condições climáticas para o desenvolvimento dessa espécie (AGUIAR
et al., 2002), que já era explorada antes mesmo da colonização (MARCOS; MATOS, 2003).
O palmito, consumido em diversos países (AGUIAR et al., 2002), é na verdade a parte
superior do estipe (MARTO; BARRICHELO; MULLER, 2007) e sua extração leva à morte
da planta (AGUIAR et al., 2002) - é importante, portanto, não consumir palmito de origem
ilegal. Além do palmito, o fruto da espécie é semelhante ao açaí, sendo consumido na forma
de sucos, sorvetes e doces (BARROSO, R.; REIS; HANAZAKI, 2010; BORGES, G. et al.,
2011; FELZENSZWALB et al., 2013; MARTO; BARRICHELO; MULLER, 2007). As
propriedades antioxidantes dos frutos (BORGES et al., 2011, 2013; INÁCIO et al., 2013) têm
chamado atenção por seu potencial na prevenção de diversas doenças crônicas (BORGES et
al., 2011). Por fim, a palmeira pode ser usada para paisagismo e ornamentação (AGUIAR et
al., 2002), sua madeira pode ser utilizada em construções rústicas e na confecção de vassouras
(AGUIAR et al., 2002; BARROSO; REIS; HANAZAKI, 2010; MARTO; BARRICHELO;
MULLER, 2007), suas folhas podem ser usadas como cobertura temporária (BARROSO;
REIS; HANAZAKI, 2010; MARTO; BARRICHELO; MULLER, 2007), a casca do fruto
fornecesse tinta para tecidos e as sementes podem compor ração para animais (MARTO;
BARRICHELO; MULLER, 2007).
1 Estipe é um tipo de caule longo, resistente e cilíndrico que não costuma possuir ramificações – as folhas ficam
reunidas apenas na extremidade. É típico das palmeiras (VIDAL; VIDAL, 2011).
2 Inflorescência são ramos que produzem flores, sendo relevante a forma como essas flores se dispõem nestes
ramos (VIDAL; VIDAL, 2011).
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b) Geonoma schottiana Mart.
Família botânica: Arecaceae, a família das palmeiras (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Guaricana (BAUERMANN et al., 2010; DORNELES; WAECHTER, 2004;
KRIEGEL; AZEVEDO; SILVA, 2014), ouricana (BAUERMANN et al., 2010), guaricanga
palha-fina (SILVA; FISCH, 2012).
Distribuição: Ocorre de Pernambuco ao Rio Grande do Sul (DORNELES; WAECHTER,
2004), sobretudo em áreas de solo úmido (BAUERMANN et al., 2010; DORNELES;
WAECHTER, 2004) como florestas costeiras e de encosta, restingas, capoeirões e brejos
(BAUERMANN et al., 2010; MONTEIRO et al., 2012).
Características: A guaricana é uma palmeira que costuma possuir apenas um estipe tortuoso
e com cicatrizes em formato de anel (SAMPAIO, 2006). No alto do estipe, costuma
apresentar de 7 a 12 folhas formando uma estrutura semelhante a um guarda-chuva
(BAUERMANN et al., 2010). Os frutos possuem apenas uma semente, são arredondados e
quando maduros adquirem coloração de roxo a preto (SAMPAIO, 2006). Eles são importante
fonte de alimento para diversas aves (MONTEIRO et al., 2012; SAMPAIO, 2006).
Usos: As folhas da guaricana foram muito utilizadas na cobertura de moradias (KRIEGEL;
AZEVEDO; SILVA, 2014; SILVA, 2008). Até mesmo índios as utilizavam de forma que,
atualmente, é difícil encontrar essa espécie nas áreas que foram ocupadas por índios guaranis
(KRIEGEL; AZEVEDO; SILVA, 2014). Para uso ornamental, as folhas eram secadas e
depois tingidas, servindo de decoração na Europa (SILVA, 2008). Até mesmo o pecíolo3
servia para artesanato na elaboração de cestos e balaios (SILVA, 2008). Por fim, seus frutos
também podem ser usados como alimento (SILVA; FISCH, 2012).
c) Myrcia multiflora (Lam.) DC.
Família botânica: Myrtaceae, a família da jabuticaba (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Cambuí, cambuim, pedra-ume-caá, entre outros (SILVA et al., 2015).
3 Pecíolo é a haste que sustenta a lâmina foliar, conectando-a ao ramo (VIDAL; VIDAL, 2011).
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Distribuição: Ocorre no Peru, Paraguai, Guiana e no Brasil (ALVES, 2012), em biomas
como Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica (ZAÚ, 2010).
Características: O cambuí é uma árvore que pode alcançar até 18 metros de altura (ALVES,
2012). Assim como outras partes da planta, seus ramos são cobertos de uma camada de cera e
não possuem tricomas, ao invés disso, os ramos apresentam glândulas na forma de pontuações
(SILVA et al., 2015). Suas flores são brancas e dispostas em inflorescências, enquanto os
frutos se apresentam pretos ou arroxeados (SILVA et al., 2015).
Usos: A madeira do cambuí é considerada um produto de qualidade, sendo utilizada como
lenha e na construção de cercas (ALVES, 2012). Seus saborosos frutos são conhecidos como
“mata-fome” por alimentar aqueles que percorrem longas caminhadas (ALVES, 2012). Sua
folha pode ser utilizada na produção de óleos essenciais, uma classe de produtos vegetais com
atributos aromáticos muito utilizada na indústria de higiene e beleza (ALVES, 2012). A folha
do cambuí também é utilizada em banhos para tratar inflamações uterinas e na forma de chá
para hemorragia e diabetes, por ter propriedade hipoglicemiante - isto é, reduz a quantidade
de açúcar no sangue (SILVA et al., 2015). Em extratos da folha, também foi detectada a
capacidade de inibir uma cadeia de reações químicas do açúcar que, em diabéticos, poderia
levar a doenças como neuropatia periférica, retinopatia diabética e catarata (MATSUDA;
NISHIDA; YOSHIKAWA, 2002).
d) Guapira opposita (Vell.) Reitz
Família botânica: Nyctaginaceae, a família das buganvílias (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Maria-mole, fruto de pombo (MELO; LACERDA; HANAZAKI, 2008).
Distribuição: A espécie possui grande área de distribuição, sendo encontrada em quase todos
os estados do Brasil (ANTONIO; GIULIETTI, 2014), sobretudo ao longo do litoral
(MARCHIORETTO; LIPPERT; SILVA, 2011). Ocorre em restingas, dunas, praias,
manguezais, matas ciliares, florestas úmidas, entre outros ambientes (ANTONIO;
GIULIETTI, 2014; MARCHIORETTO; LIPPERT; SILVA, 2011).
Características: Árvore que pode atingir até 25 metros de altura (SEVERI, 2010). Seu caule
é tortuoso e possui casca fina e quase lisa (SEVERI, 2010), à exceção de algumas estrias
(MARCHIORETTO; LIPPERT; SILVA, 2011). As flores são esverdeadas e costumam
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florescer em outubro ou novembro (MORELLATO, 1991). Os frutos são ovais e têm
coloração de vermelho a roxo (SEVERI, 2010). É comum encontrar galhas4 em indivíduos
dessa espécie (RODRIGUES et al., 2007).
Usos: A maria-mole é conhecida pela utilização de seus frutos na alimentação de animais,
como cabra, coelho, aves e gado (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011; MELO; LACERDA;
HANAZAKI, 2008), sendo descrita por algumas comunidades como um dos alimentos
preferidos desses animais (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011). Há registros, também, do uso
de sua madeira na construção civil, em alguns trabalhos de marcenaria e como lenha (MELO;
LACERDA; HANAZAKI, 2008; SEVERI, 2010). Estudo mais recente indicou que esta
espécie é composta por várias substâncias de interesse, apresentando, inclusive, capacidade de
destruir algumas bactérias (SEVERI, 2010). Outro ponto é a utilização da espécie no
reflorestamento de áreas degradadas e como bioacumuladora (SEVERI, 2010).
e) Myrcia spectabilis DC.
Família botânica: Myrtaceae, a família da jabuticaba (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Cabiúna do campo, jabuticaba do mato, entre outros (CALIARI, 2013;
LEGRAND; KLEIN, 1967).
Distribuição: A cabiúna do campo se distribui do nordeste ao sul do Brasil (AMORIM, 2011;
AMORIM; ALVES, 2012; CALIARI, 2013; LEGRAND; KLEIN, 1967), sempre em
formações de mata atlântica - tratando-se, portanto, de uma espécie endêmica deste bioma
(AMORIM; ALVES, 2012; LEGRAND; KLEIN, 1967). Apesar de ocorrer preferencialmente
em ambientes úmidos, a espécie também é encontrada em ambientes secos e de diferentes
altitudes (LEGRAND; KLEIN, 1967).
Características: Os indivíduos desta espécie podem alcançar porte de arbusto até árvore, com
altura variando de 1,5m a 15m (CALIARI, 2013). Seu tronco tortuoso e fino tem casca clara e
lisa (LEGRAND; KLEIN, 1967), enquanto seus ramos são castanhos e possuem revestimento
com textura semelhante a farinha - assim como os botões florais e os frutos (CALIARI, 2013).
Por ter ramos longos, flexíveis e em pequena quantidade, a copa da cabiúna do campo tem
aparência irregular e pouco densa (LEGRAND; KLEIN, 1967). As folhas são tipicamente
4 Galhas são deformações induzidas no tecido das plantas, em sua maioria, por insetos para abrigar suas larvas
(RODRIGUES et al., 2007).
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grandes (CALIARI, 2013; LEGRAND; KLEIN, 1967) e possuem a nervura5 principal
canelada (CALIARI, 2013), isto é, a nervura parece ter afundado dentro da folha e formaram-
se margens ao longo de onde havia a nervura (AMORIM, 2011; AMORIM; ALVES, 2012;
CALIARI, 2013). Suas flores são vistosas e estão dispostas em inflorescências (AMORIM,
2011; LEGRAND; KLEIN, 1967). Seus frutos são arredondados (AMORIM, 2011;
AMORIM; ALVES, 2012) e possuem cor amarelada (LEGRAND; KLEIN, 1967).
Usos: O principal uso da espécie é madeireiro, servindo como fonte de lenha e de matéria-
prima para confecção de tábuas e pisos (LEGRAND; KLEIN, 1967).
f) Amaioua intermedia Mart. ex Schult. & Schult.f.
Família botânica: Rubiaceae, a família do café (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Carvoeiro, cinzeiro, canela-de-viado, entre outros (OLIVEIRA, 2014;
RUBIACEAE..., 2016).
Distribuição: Com exceção da região Norte, esta espécie está distribuída em todas as regiões
do Brasil (RUBIACEAE..., 2016) e em outros países da América Latina (OLIVEIRA, 2014;
OLIVEIRA; SALIMENA; ZAPPI, 2014). Ela pode ser encontrada em formações de Mata
Atlântica, Cerrado e Caatinga (ZAÚ, 2010).
Características: O carvoeiro pode alcançar desde a altura de um arbusto até a altura de uma
árvore com cerca de 10 metros (CAMPOS et al., 2006; OLIVEIRA, 2014; OLIVEIRA;
SALIMENA; ZAPPI, 2014). Seus ramos são cilíndricos a triangulares e suas folhas têm
formato de lança (OLIVEIRA; SALIMENA; ZAPPI, 2014). Organizadas em ramos
multiflorais (CAMPOS et al., 2006), as flores têm cor clara e possuem 6 ou 7 pétalas
(OLIVEIRA; SALIMENA; ZAPPI, 2014). O fruto tem formato oval e sua cor varia de
castanho a roxo (CAMPOS et al., 2006; OLIVEIRA; SALIMENA; ZAPPI, 2014).
Usos: O principal uso registrado da espécie é madeireiro, com a fabricação de cabo de
ferramentas e móveis, aplicação na construção civil e queima como lenha e carvão
(LORENZI, 2002b). Estudo recente também sugere que extratos produzidos a partir de galhos
e folhas da espécie possuem atividade antioxidante (OLIVEIRA, 2014). Além disso, o
5 Nervuras são os vasos condutores na folha (VIDAL; VIDAL, 2011). Quando observados na superfície do
limbo foliar, esses vasos se dispõem de forma semelhante aos nervos.
50
carvoeiro possui uso ornamental e na restauração de florestas, fornecendo alimento para a
fauna local (LORENZI, 2002b).
g) Ecclinusa ramiflora Mart.
Família botânica: Sapotaceae, a família do sapoti (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Fruta-banana (ECCLINUSA..., 2016; MORAIS, R.; SERRANO; MORAIS,
F., 2015; MOREIRA; GUARIM-NETO, 2009), acá (CHRISTO, 2009; CHRISTO; GUEDES-
BRUNI; DA FONSECA-KRUEL, 2006; ECCLINUSA..., 2016), entre outros
(ECCLINUSA..., 2016).
Distribuição: A espécie pode ser encontrada na maioria dos estados do nordeste e em todos
os estados das regiões norte e sudeste do Brasil (ECCLINUSA..., 2016). Ocorre em
formações da Amazônia e da Mata Atlântica (ZAÚ, 2010), sobretudo em florestas úmidas
(ECCLINUSA..., 2016).
Características: Esta árvore possui ramos com tricomas6 (PALAZZO et al., 2010). As folhas
estão dispostas nos ramos em espiral, possuem formato de lança ovalada e apresentam
tricomas acastanhados na face inferior (ELTINK et al., 2011; PALAZZO et al., 2010). Suas
flores se reúnem intimamente nos ramos, formando estruturas semelhantes a pequenos
novelos com 4 a 12 flores (CORREA, 1931).
Usos: O fruto do acá serve de alimentos para moradores de comunidades próximas, sendo
considerado muito saboroso (MOREIRA; GUARIM-NETO, 2009). Além disso, também há
registro de uso na construção de pequenas moradias, ferramentas e como lenha (CHRISTO,
2009; CHRISTO; GUEDES-BRUNI; DA FONSECA-KRUEL, 2006).
h) Guarea macrophylla subsp. tuberculata (Vell.) T.D.Penn.
Família botânica: Meliaceae, a família do mogno (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Café bravo, café-do-mato, camboatá, entre outros (LORENZI, 2002c;
MELIACEAE..., 2016; MELLADO; GARCIA, 2014).
6 Tricoma é usado genericamente como sinônimo de pelos em plantas (APPEZZATO-DA-GLÓRIA;
CARMELLO-GUERREIRO, 2012)
51
Distribuição: A espécie pode ser encontrada em todas as regiões do país (MELIACEAE...,
2016), mas se destaca principalmente ao longo do litoral (PENNINGTON; CLARKSON,
2013). Aparece tanto em formações de Mata Atlântica, quanto de Cerrado e Amazônia
(MELIACEAE..., 2016; ZAÚ, 2010). Também ocorre em outros países da América do Sul,
como Bolívia e Paraguai (PENNINGTON; CLARKSON, 2013).
Características: São árvores pequenas que não atingem mais de 10 metros (LORENZI,
2002c; MELLADO; GARCIA, 2014). Seu tronco é curto e apresenta casca áspera e
amarronzada (LORENZI, 2002c). Possui folhas compostas7 com folíolos de 5,5 a 11,5
centímetros de comprimento (MELLADO; GARCIA, 2014). A flor tem pétalas de 5 a 9
milímetros (PENNINGTON; CLARKSON, 2013) com coloração rosa (MELLADO;
GARCIA, 2014) que florescem de outubro a fevereiro (LORENZI, 2002c). Os frutos são
marrom-avermelhados (MELLADO; GARCIA, 2014), tendo de 1 a 3 centímetros de
comprimento (PENNINGTON; CLARKSON, 2013).
Usos: A madeira desta espécie é macia e possui média resistência ao apodrecimento, tendo
possibilidades de uso na confecção de embalagens e brinquedos (LORENZI, 2002c). Os
frutos servem de alimento para as aves, por isso também existe o potencial uso em
reflorestamento de áreas de preservação (LORENZI, 2002c).
i) Cupania furfuracea Radlk.
Família botânica: Sapindaceae, a família do guaraná (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Cubatã-folha-larga, camboatá (BORGES; PEIXOTO, 2009; CHRISTO, 2009).
Distribuição: A espécie é encontrada em todos os estados da região sudeste do Brasil e na
Bahia (CHRISTO, 2009). É considerada endêmica da Mata Atlântica, isto é, só ocorre em
formações deste bioma (PERDIZ; FERRUCCI; AMORIM, 2014).
Características: O camboatá é uma árvore que pode atingir até 25 metros de altura (PERDIZ;
FERRUCCI; AMORIM, 2014). Seus ramos, levemente descamados, apresentam tricomas de
coloração semelhante a ferrugem - da mesma forma que seus frutos e a face inferior de suas
folhas (ELTINK et al., 2011; PERDIZ; FERRUCCI; AMORIM, 2014). A espécie possui
7 Folhas compostas são aquelas cuja lâmina foliar é dividida em estruturas menores semelhantes a pequenas
folhas, os chamados folíolos (VIDAL; VIDAL, 2011).
52
folhas compostas divididas em 10 a 25 folíolos com consistência rígida como couro
(PERDIZ; FERRUCCI; AMORIM, 2014).
Usos: Segundo registros na literatura científica, a espécie é utilizada como fonte de lenha e
carvão (BORGES; PEIXOTO, 2009; CHRISTO, 2009). Essa exploração levou o camboatá a
ser classificado como vulnerável à extinção (PERDIZ; FERRUCCI; AMORIM, 2014).
j) Ocotea glaziovii Mez
Família botânica: Lauraceae, a família da canela (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Canela amarela (CHRISTO, 2009).
Distribuição: Ocorre em todos os estados das regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil,
além de Tocantins e Bahia (BROTTO, 2010; LAURACEAE..., 2016). Como ocorre apenas
no Brasil, ela é considerada uma espécie endêmica do país (LAURACEAE..., 2016).
Características: A canela amarela é uma árvore que pode atingir até 22 metros de altura e
possui ramos angulosos (BROTTO, 2010). Suas folhas têm de 6 a 16 centímetros de
comprimento, não apresentam tricomas e possuem consistência rígida - semelhante a couro
(BROTTO, 2010). Suas flores apresentam coloração entre creme e verde, florescendo de
março a junho (BROTTO, 2010). Seus frutos são redondos e vermelhos quando maduros,
sendo produzidos de junho a dezembro (BROTTO, 2010).
Usos: Além de fornecer material para a construção de cercas, vigas e tábuas (CHRISTO,
2009), a espécie é conhecida por produzir a glaviozina (CASSIANO, 2014). Essa substância
farmacológica comercializada desde os anos de 1970 (CASSIANO, 2014) tem a propriedade
de diminuir ansiedade, prevenir convulsões, relaxar músculos e servir como sedativo
(PUENTES DE DIAZ, 1996).
k) Lamanonia ternata Vell.
Família botânica: Cunoniaceae (ZAÚ, 2010).
Nome popular: Guaperê (AVILA et al., 2009; PIRANI; CASTRO, 2011), açoita-cavalos
(BOTREL et al., 2006; RODRIGUES, 2007; RODRIGUES; CARVALHO, 2001), guaraperê
(PIRANI; CASTRO, 2011).
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Distribuição: A espécie ocorre em formações de Cerrado e Mata Atlântica nas regiões sul,
sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil (CUNONIACEAE..., 2016; AVILA et al., 2009),
além de outros países sul-americanos, como Argentina e Paraguai (AVILA et al., 2009;
PIRANI; CASTRO, 2011).
Características: O guaperê é uma árvore que costuma ter de 4 a 12 metros de altura e
apresenta ramos jovens com tricomas e finas descamações (PIRANI; CASTRO, 2011). Já as
folhas são compostas, apresentando de 3 a 5 folíolos (PIRANI; CASTRO, 2011). Enquanto
suas flores são claras e possuem numerosos estames8, seus frutos são como cápsulas
resistentes, alongadas e com textura sedosa (PIRANI; CASTRO, 2011).
Usos: É costume fazer banhos e compressas com a casca do caule do guaparê para curar
feridas e machucados graças à sua ação adstringente (RODRIGUES, 2007; RODRIGUES;
CARVALHO, 2001). Além disso, a espécie também serve como fonte de material de
construção (BOTREL et al., 2006), lenha (RODRIGUES, 2007) e pode ser utilizada na
recuperação de áreas degradadas (AVILA et al., 2009).
l) Eugenia brasiliensis Lam.
Família botânica: Myrtaceae, a família da jabuticaba (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Grumixama (BORGES; PEIXOTO, 2009; FRIGHETTO et al., 2005).
Distribuição: A espécie é encontrada em formações de Mata Atlântica de todos os estados do
sudeste brasileiro, além de Paraná, Santa Catarina e Bahia (EUGENIA..., 2016). Como ocorre
apenas em território brasileiro, a grumixama é endêmica do Brasil (EUGENIA..., 2016).
Características: A espécie apresenta indivíduos com altura entre 10 e 15 metros (LORENZI,
1992). Seu tronco é curto e cilíndrico, já sua copa tem formato de pirâmide (LORENZI,
1992). Possui folhas simples9, sem tricomas e com consistência semelhante a couro
(LORENZI, 1992). Suas flores são brancas e surgem isoladas em diferentes ramos, ao invés
8 Estames são os órgãos masculinos da flor, produtores de grãos de pólen (VIDAL; VIDAL, 2011).
9 Folha simples possui lâmina foliar inteira, sem estar dividida em folíolos (VIDAL; VIDAL, 2011).
54
de várias reunidas em um único ramo (LORENZI, 2002a). Seus frutos arredondados são do
tipo drupa10, com coloração variando de amarelo a preto (LORENZI, 2002a).
Usos: A grumixama fornece material para construção e marcenaria (BORGES; PEIXOTO,
2009; LORENZI, 1992), além de produzir frutos próprios para consumo (DELGADO;
BARBEDO, 2007; SILVA; BILIA; BARBEDO, 2005). Sua composição química também
chama atenção da indústria farmacêutica (DELGADO; BARBEDO, 2007; SILVA; BILIA;
BARBEDO, 2005) pela presença de substâncias que possuem atividade antioxidante
(LAMARCA et al., 2013; MAGINA et al., 2010; NASCIMENTO et al., 2015). Nas folhas,
por exemplo, encontramos o ácido ursólico - uma molécula que diminui inflamações, protege
o fígado e combate tanto células cancerígenas, quanto micro-organismos (DAMETTO, 2014;
FRIGHETTO et al., 2005; LAMARCA et al., 2013; LEITE et al., 2001).
m) Hieronyma alchorneoides Allemão
Família botânica: Phyllanthaceae, a família do quebra-pedra (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Licurana, aricurana, uricurana, entre outros (LORENZI, 1992).
Distribuição: Indivíduos dessa espécie podem ser encontrados em todas as regiões do Brasil e
em diversos outros países da América Latina (CARVALHO, 2009). Além de ocupar latitudes
e altitudes variadas, a licurana ocorre em todos os principais biomas brasileiros
(CARVALHO, 2009; ZAÚ, 2010).
Características: Segundo Carvalho (2009), são árvores de até 40 metros de altura, com
tronco reto e que apresentam sapopemas11. A parte externa da casca do tronco é cinza e com
fissuras, mas a parte interna é avermelhada e possui sabor amargo. As folhas podem atingir
até 22 centímetros de comprimento, sobretudo em indivíduos mais jovens. A flores são
pequenas e amareladas, dispostas em inflorescência. O fruto é uma cápsula arredondada com
coloração de roxo a preto quando madura, brilhante e sem tricomas.
10 Drupa é um tipo de fruto carnoso que geralmente possui uma única semente endurecida formando um caroço,
como, por exemplo, a azeitona, a manga e o pêssego (VIDAL; VIDAL, 2011).
11 Sapopemas são raízes que alcançam grande desenvolvimento e adquirem formato de tábuas posicionadas
verticalmente em relação ao solo – o que confere mais estabilidade à planta (Vidal & Vidal, 2011).
55
Usos: A madeira da licurana pode ser utilizada como fonte de lenha e de carvão, na
carpintaria, na construção civil, na construção naval e na produção de celulose (CARVALHO,
2009; LORENZI, 1992). Suas flores são consideradas melíferas por atraírem abelhas para a
polinização, possibilitando o uso da espécie em apicultura (CARVALHO, 2009). A espécie
pode ser utilizada em paisagismo, arborização urbana e reflorestamento de matas ciliares -
graças à sua adaptação a solos úmidos (CARVALHO, 2009; LORENZI, 1992).
n) Eriotheca pentaphylla (Vell. & K.Schum.) A.Robyns
Família botânica: Malvaceae, a família do algodão (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Embiruçi, imbiruçu-branco, paineira (GRANDTNER; CHEVRETTE, 2013).
Distribuição: Esta espécie é encontrada nas florestas chuvosas dos estados do Rio de Janeiro
e de São Paulo (DUARTE, 2010; ROBYNS, 1963). Por ocorrer apenas na Mata Atlântica, o
imbiruçu-branco é considerado endêmico deste bioma (ZAÚ, 2010).
Características: Os indivíduos desta espécie podem atingir até 30 metros de altura
(DUARTE, 2010), possuem tronco reto e acinzentado (DUARTE, 2010; ROBYNS, 1963), e
os ramos marrom-acinzentados (ROBYNS, 1963). As folhas são compostas (ROBYNS,
1963), divididas entre 5 a 7 folíolos com consistência semelhante a papel (DUARTE, 2010).
As flores, de pétalas brancas e até 3,5 cm de comprimento (ROBYNS, 1963), estão dispostas
em inflorescência com até 10 flores cada (DUARTE, 2010). Os frutos são semelhantes a
cápsulas (ROBYNS, 1963) e possuem sementes grandes (FISCHER, 1997).
Usos: Apesar de não ser de excelente qualidade, a madeira do imbiruçu-branco costuma ser
utilizada na fabricação de brinquedos, caixas não-duráveis, enchimentos e forros
(GRANDTNER; CHEVRETTE, 2013). Os indivíduos da espécie também podem ser usados
em projetos paisagísticos e na arborização urbana, assim como suas fibras são usadas para
produzir cordas rústicas (GRANDTNER; CHEVRETTE, 2013).
o) Ocotea odorifera (Vell.) Rohwer
Família botânica: Lauraceae, a família da canela (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Canela-sassafrás, sassafrás-amarelo, entre outros (LORENZI, 1992).
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Distribuição: Além de Argentina e Paraguai, os indivíduos de sassafrás são encontrados do
sul da Bahia até o Rio Grande do Sul (KAGEYAMA et al., 2003; LORENZI, 1992). A
espécie ocorre em diferentes altitudes (KAGEYAMA et al., 2003), tanto em formações de
floresta, quanto em formações de campo (LORENZI, 1992).
Características: O sassafrás alcança até 25 metros de altura (LORENZI, 1992) e,
dependendo da localidade em que crescer, pode apresentar cheiro de canela (KAGEYAMA et
al., 2003). Sua copa é densa e arredondada, suas folhas possuem 7 a 14 cm de comprimento
(LORENZI, 1992). As floras são pequenas - cerca de 3 milímetros de comprimento - e se
reúnem em inflorescências (BROTTO, 2010).
Usos: A espécie é fonte de madeira e de óleos essenciais (KAGEYAMA et al., 2003). Sua
madeira pode ser utilizada na marcenaria e na construção civil, fabricando caixas, painéis,
ripas, rodapés, molduras, entre outros (LORENZI, 1992). Seu óleo essencial pode ser extraído
de diversas partes da planta e utilizado tanto na produção de perfumes (OREALLANA;
KOEHLER, 2008), quanto para fins medicinais - contra dores (COSTA; MAYWORM, 2011)
e no combate ao verme do “amarelão” ou ancilostomose (BROTTO, 2010). Seus produtos
químicos foram tão utilizados pela indústria que intensificaram as atividades extrativistas e
levaram a espécie ao risco de extinção (CARMO; BORGES; TAKAKI, 2007). Por isso, a
espécie é considerada uma prioridade na conservação genética (KAGEYAMA et al., 2003).
p) Pseudopiptadenia leptostachya (Benth.) Rauschert
Família botânica: Fabaceae, a família do feijão (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Angico, angico-branco (MEDEIROS, 2009; SOLDATI et al., 2011).
Distribuição: A espécie é encontrada apenas nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de
Janeiro (MORIM, 2006). Como o angico só ocorre em florestas de Mata Atlântica (MORIM,
2006), a espécie também pode ser considerada endêmica deste bioma (ZAÚ, 2010).
57
Características: O angico costuma ter cerca de 18 metros de altura (MEDEIROS, 2009), mas
pode atingir até 35 metros (MORIM; BARROSO, 2007). Suas folhas são recompostas12 em 4
a 12 pares de foliólulos (MORIM; BARROSO, 2007) de lâmina assimétrica e consistência
semelhante a papel (MEDEIROS, 2009). Entre alguns folíolos, as folhas costumam apresentar
glândulas produtoras de néctar (MEDEIROS, 2009). A espécie floresce em dezembro e
produz frutos arqueados com até 22 centímetros de comprimento (MEDEIROS, 2009).
Usos: O uso tradicional do angico diz respeito ao aproveitamento de sua madeira para
fornecimento de lenha e confecção de estacas, esteios, móveis, réguas e tábuas (SOLDATI et
al., 2011). Contudo, sabe-se que a espécie também produz a teobromina (BISBY;
BUCKINGHAM; HARBORNE, 1994). Esta substância é capaz de atuar nos sistemas
nervoso, cardiovascular, renal e digestório (LIMBERGER et al., 2016), exercendo atividades
como aumento da produção de urina (ALVES; BRAGAGNOLO, 2002), melhora na
sensibilidade à insulina, regulação da pressão arterial e aumento do “bom” colesterol
(POSTAL, 2015). Por esses motivos, acredita-se que a teobromina contribua no combate à
obesidade e diabetes (POSTAL, 2015).
q) Rinorea guianensis Aubl.
Família botânica: Violaceae, a família das violetas (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Acariquarana, aquariquara, entre outros (CARDOSO et al., 2014;
GRANDTNER; CHEVRETTE, 2013).
Distribuição: Indivíduos dessa espécie podem ser encontrados em formações de Floresta
Amazônica de diversos estados da região norte brasileira e em formações de Mata Atlântica
de alguns estados das regiões sudeste e nordeste (GRANDTNER; CHEVRETTE, 2013;
HEKKING, 1988; ZAU, 2010). Além do Brasil, existe registro da espécie em outros países da
América Latina, como Guiana Francesa, Equador, Bolívia e Venezuela (GRANDTNER;
CHEVRETTE, 2013; HEKKING, 1988).
Características: A acariquarana costuma alcançar até 20 metros de altura (HEKKING,
1988). Suas folhas são simples, sem tricomas e apresentam de 4,5 a 19 centímetros de
comprimento (HEKKING, 1988). Suas flores têm coloração entre creme e branco-amarelado,
12 Folhas recompostas: Se nas folhas compostas a lâmina foliar é dividida em folíolos, nas folhas recompostas a
lâmina é dividida em folíolos que por sua vez são divididos em partes ainda menores - os foliólulos (VIDAL;
VIDAL, 2011).
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são perfumadas e ficam dispostas em inflorescências com até 9 flores desenvolvidas
(HEKKING, 1988). Seus frutos são cápsulas amareladas e assimétricas que ficam disposta em
trios - duas cápsulas menores e uma maior (HEKKING, 1988).
Usos: A espécie historicamente não apresenta importância comercial (VASCONCELOS et
al., 2003). Contudo, estudos indicaram que a acariquarana é competente tanto na produção de
energia através de carvão (ROCHA; AMARAL; MOUTINHO, 2014), quanto na confecção de
produtos madeireiros como vigas, forros, pisos, assoalhos e móveis (CARDOSO et al., 2014).
r) Trichilia lepidota Mart.
Família botânica: Meliaceae, a família do mogno (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Casca cheirosa, cedrinho, guacá, entre outros (PATRÍCIO; CERVI, 2005;
TERRA; VIEIRA; BRAZ FILHO, 2009).
Distribuição: A espécie pode ser encontrada em todos os estados da região sul do Brasil,
além de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (PATRÍCIO; CERVI, 2005). Como só
ocorre em formações de Mata Atlântica, essa espécie é considerada endêmica (ZAÚ, 2010).
Características: A espécie atinge, em média, até 10 metros de altura e apresenta ramos
jovens com coloração marrom-acinzentada e tricomas (PATRÍCIO; CERVI, 2005). Possui
folhas compostas, com folíolos de 7 a 9 centímetros de comprimento em média, consistência
semelhante a papel e vários tricomas na face inferior (PATRÍCIO; CERVI, 2005). Suas flores
estão dispostas em inflorescências de 11 a 20 centímetros de comprimento e possuem 5
pétalas - com tricomas na face superior e sem tricomas na face inferior (PATRÍCIO; CERVI,
2005). Seus frutos são cápsulas arredondadas de não mais que 1,5 centímetros de diâmetro e
apresentam 1 ou 2 sementes, cada (PATRÍCIO; CERVI, 2005).
Usos: A principal utilidade da espécie é servir como fonte de energia através de carvão e
lenha, contudo, por ter uma madeira macia ao corte, também pode ser empregada na
confecção de tábuas para obras internas (PATRÍCIO; CERVI, 2005). Além disso, estudos
sobre a composição química da espécie indicaram produção de substâncias que atuam em
células com mutações no DNA (VIEIRA et al., 2014) e em leucemia (TERRA et al., 2013).
59
s) Aniba firmula (Nees & Mart.) Mez
Família botânica: Lauraceae, a família da canela (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Pau-rosa, louro-rosa, entre outros (LORENZI, 2002b; MARQUES, 2001).
Distribuição: A espécie pode ser encontrada nas regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil
(SANTOS; ALVES, 2013), em estados como Rio de Janeiro, Espirito Santo e Bahia
(LORENZI, 2002b). Por ocorrer apenas em território nacional, a espécie é considerada
endêmica do Brasil (SANTOS; ALVES, 2013).
Características: O pau-rosa costuma alcançar entre 10 e 20 metros de altura e possui uma
copa ampla e arredondada (LORENZI, 2002b). Seus ramos são angulosos e apresentam
muitas lenticelas13 (SANTOS; ALVES, 2013). Seu tronco é ereto, tem casca externa fina e
lisa, e também apresenta lenticelas (LORENZI, 2002b). As folhas são simples, têm de 10 a 17
centímetros de comprimento (LORENZI, 2002b), têm formato de lança (MARQUES;
AZEVEDO, 2011) e exalam perfume semelhante a rosas (KROPF; QUINET; ANDREATA,
2006). Suas flores, pequenas e amarelas, se apresentam em inflorescências menores que as
folhas e com aparência semelhante a ferrugem (LORENZI, 2002b). Os frutos possuem
coloração roxa quando maduros (LORENZI, 2002b).
Usos: A espécie produz óleo essencial utilizado em perfumaria e para fins medicinais
(KROPF; QUINET; ANDREATA, 2006; MARQUES; AZEVEDO, 2011). Sua madeira
rígida é adequada para marcenaria e carpintaria (KROPF; QUINET; ANDREATA, 2006;
MARQUES, 2001), como a confecção de caibros, vigas, ripas, tábuas, móveis (LORENZI,
2002b). Além disso, a espécie também poderia ser utilização em reflorestamento e
arborização urbana (LORENZI, 2002b).
t) Pera glabrata (Schott) Poepp. ex Baill.
Família botânica: Euphorbiaceae, a família da mandioca (JUDD et al., 2009; ZAÚ, 2010).
Nome popular: Pau-de-tamanco, tamanqueira, sapateiro, entre outros (LORENZI, 1992).
13 Lenticelas são pequenos orifícios (VIDAL; VIDAL, 2011) em caules, raízes e frutos, que ajudam na troca de
gases e água entre a planta e o meio ambiente (MAZZONI-VIVEIROS; COSTA, 2012).
60
Distribuição: A espécie pode ser encontrada nos estados de Pernambuco, Bahia, Minas
Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina (FREITAS et al., 2011;
LORENZI, 1992) - sobretudo em formações de restingas e cerrado (FREITAS et al., 2011).
Características: A tamanqueira tem porte arbóreo (FREITAS et al., 2011) e pode alcançar
entre 8 e 10 metros de altura (LORENZI, 1992). Suas folhas são simples, sem tricomas e com
comprimento entre 7 e 11 centímetros (LORENZI, 1992). As flores têm coloração amarelo-
claro e estão organizadas em inflorescências com 6 a 9 flores cada (FREITAS et al., 2011).
As flores masculinas têm odor adocicado e são um pouco maiores que as flores femininas
(FREITAS et al., 2011).
Usos: A madeira da tamanqueira, além de lenha (BRITO; SENNA-VALLE, 2012), é fonte de
matéria-prima para tamancos, lápis, caixas e materiais para entalhamento (LORENZI, 1992).
Além disso, a tamanqueira produz um tipo de molécula que melhora a memória de pacientes
com Alzheimer e atua contra fungos causadores de doenças (CARDOSO-LOPES et al.,
2009). A espécie também pode ser utilizada na arborização urbana e em reflorestamento
(LORENZI, 1992).
62
Legenda: (da esquerda para a direita, de cima para baixo) Euterpe edulis, foto de Sérgio
Campestrini / Flora Digital UFRGS; Geonoma schottiana, foto de Daniel Dutra / Flora
Digital UFRGS; Guapira opposita, foto de Eduardo Giehl / Flora Digital UFRGS; Myrcia
multiflora, foto de Sérgio Bordignon / Flora Digital UFRGS; Myrcia spectabilis, foto de
J. P. Maçaneiro / Flora Digital UFRGS; Amaioua intermedia, foto de Anita Stival / Flora
Digital UFRGS; Cupania furfuracea, foto de Mariella Eltink / BDC Unicamp; Guarea
macrophylla subsp. tuberculata, foto de Paulo Schwirkowski / Flora Digital UFRGS;
Ecclinusa ramiflora, foto de Mariella Eltink / BDC Unicamp; Ocotea glaziovii, foto de
Marcio Verdi / Flora Digital UFRGS; Eugenia brasiliensis, foto de Ciro Couto / Flora
Digital UFRGS; Eriotheca pentaphylla, foto de Mariella Eltink / BDC Unicamp; Ocotea
odorífera, foto de Sérgio Bordignon / Flora Digital UFRGS; Lamanonia ternata, foto de
Sérgio Bordignon / Flora Digital UFRGS; Hieronyma alchorneoides, foto de Marcio
Verdi / Flora Digital UFRGS; Rinorea guianensis, Biodiversity Heritage Library;
Trichilia lepidota, foto de Martin Moly / Flora Digital UFRGS; Pera glabrata, foto de
Anita Stival / Flora Digital UFRGS; Pseudopiptadenia leptostachya, foto de Mariella
Eltink / BDC Unicamp; Aniba firmula, foto de J. P. Maçaneiro / Flora Digital UFRGS
63
4.2 Produção do material de divulgação
Como resultado desta etapa, foi produzido um livreto de 80 páginas (Apêndice 02). A
capa do livreto, além de deixar claro que o conteúdo envolve a biodiversidade de plantas,
busca chamar atenção do potencial leitor através do título (em fonte de tamanho maior e cor
mais vibrante. A exclamação feita pelo título é rapidamente contraposta as frases que o
circundam - em fonte de tamanho menor e inseridas em balões com cor menos vibrante - as
quais retratam quatro situações cotidianas onde vemos que as plantas apresentam utilidades,
instigando-o a buscar mais informações no interior do material (Figura 02).
Figura 02 - Contracapa (esquerda) e capa (direita) do livreto.
Legenda: Contracapa do livreto (esquerda), como de hábito, apresentando uma sinopse do material e convidando
o leitor; Capa (direita) que busca atrair a atenção do leitor potencial através da contradição do título em destaque
com as demais sentenças da capa.
Os conteúdos do livreto foram selecionados a partir da revisão bibliográfica realizada
no decorrer deste trabalho e foram organizados de forma a integrar os seguintes temas: (i) uso
da biodiversidade vegetal; (ii) degradação ambiental; (iii) estratégias de conservação da
biodiversidade. O primeiro capítulo do material, “Planta não serve pra nada?”, começa com
uma introdução que dimensiona a importância da biodiversidade vegetal na provisão de
64
serviços ambientais e recursos socioeconômicos, alertando o leitor, contudo, para a
intensidade que a exploração desses recursos alcançou e para a necessidade de agir contra a
degradação ambiental causada por essa intensa exploração.
Logo depois, encontra-se a seção “Plantas e Alimentação”. Neste trecho do material, o
leitor é levado a perceber que várias partes das plantas possuem alguma serventia para a
alimentação humana, citando, inclusive, exemplos de plantas alimentícias não-convencionais.
Após elencar hipóteses sobre o início da agricultura na história da humanidade, o material
discute a contribuição do modelo agrícola aplicado no Brasil desde a época colonial nas taxas
de desmatamento e queimadas. Por fim, o melhoramento vegetal é apresentado como uma
estratégia potencial para aumentar a produtividade do cultivo de plantas alimentícias e reduzir
seu impacto ambiental, estimulando, inclusive, o debate sobre plantas transgênicas.
A seção “Plantas e Indústria” dedica-se aos vários usos da madeira. Primeiro são
apresentados os usos na fabricação de produtos diversos, na produção de energia - como
combustível - e na construção, momento a partir do qual é traçado um histórico da produção
de habitações em madeira pela humanidade. O diálogo com a temática ambiental é realizado
ao abordar a degradação oriunda do extrativismo madeireiro, citando o caso da extração de
Pau-brasil durante o período colonial. Por fim, são discutidas formas de diminuir o
extrativismo predatório, dando destaque para os diferentes tipos de Unidades de Conservação.
A seção “Plantas e Saúde” trata desde o uso de plantas medicinais por curandeiros e
comunidades tradicionais até conceitos contemporâneos como “fitoterapia” e “alimentos
funcionais”, explicando a relação entre a produção de metabólitos na planta e suas
propriedades curativas. São discutidos, inclusive, os riscos e benefícios associados ao
consumo de plantas medicinais frente aos medicamentos sintéticos. Na intenção de interagir
com o universo da pesquisa científica, o material esquematiza os passos da pesquisa com
plantas medicinais, abordando assuntos como a cultura in vitro e a avaliação da atividade
biológica dos fármacos.
A seção seguinte, “Plantas e Arte”, apresenta tanto o artesanato com recursos vegetais,
quanto a utilização de plantas para fins ornamentais. Além disso, o manejo de recursos
naturais e a educação ambiental são cogitados como estratégias para contribuir com a
conservação da biodiversidade, sem comprometer o sustento de diversas famílias que
dependem dessas atividades econômicas. Também é discutido de que forma a introdução de
65
espécies exóticas, como muitas plantas tipicamente ornamentais, pode comprometer os
ecossistemas nativos através da contaminação biológica.
As três últimas seções deste capítulo são mais breves e rapidamente discorrem sobre
outras aplicações socioeconômicas da biodiversidade vegetal. Em “Plantas e Vestuário” o
leitor descobre que tecidos podem ser produzidos a partir de fibras retiradas de diferentes
órgãos vegetais e conhece um pouco sobre o processo de transformação dessas fibras em
tecidos e sobre pigmentos vegetais. Na seção “Plantas e Cosméticos” são apresentadas outras
utilidades dos metabólitos produzidos pelas plantas, agora associados à beleza e higiene. Por
fim, na seção “Plantas e Espiritualidade”, o leitor encontra exemplos de uso ritualístico das
plantas, incluindo o polêmico caso do “Santo Daime”.
O segundo capítulo do livreto, “A diversidade está por perto!”, tem o objetivo de
ajudar o leitor a perceber que a imensa variedade de plantas (e utilidades) citadas do decorrer
das seções do primeiro capítulo não está localizada em um plano abstrato de discussões
científicas, mas sim presente nas formações vegetais próximas a ele. Na introdução do
capítulo, o material apropria-se do conceito de bioma para dimensionar a biodiversidade
dentre as diferentes formações vegetais conhecidas, dando destaque para a Mata Atlântica -
bioma no qual está inserida a região onde o livreto foi produzido.
Em seguida, são descritas as vinte espécies vegetais de Mata Atlântica levantadas
durante este trabalho. Para cada espécie, são disponibilizadas informações que permitam ao
leitor reconhecê-la (nome popular, distribuição geográfica e características taxonômicas) e
conhecer sua importância socioeconômica. Por vezes, foram inseridas notas de rodapé com a
definição de certos conceitos oriundos da organografia vegetal, de modo que o leitor possa
compreender melhor a descrição da espécie e, ainda, aprender sobre a morfologia das plantas.
No que tange a formatação do material, com páginas para formato A5 em papel
couché 120 g/m2, predominam as cores azul escuro do fundo de página e a cor verde da caixa
de texto principal, sobre a qual o texto encontra-se escrito em cor branca. Textos secundários
incluídos ao longo do material foram escritos em cor preta sobre caixa de texto amarela,
destacando-se do texto principal. A fonte escolhida para ambos foi “Candara”, tamanho 13 no
texto principal, 12 nos textos secundários e 10 nas legendas. O material é ilustrado com dois
infográficos, três esquemas descritivos, três charges e fotografias (Figura 03).
66
Figura 03- Exemplo de formatação do interior do livreto.
Legenda: Formatação do interior do material com fundo azul escuro, caixa de texto principal
verde, caixa de texto secundário amarela, fonte “Candara” tamanho 13 no texto principal, 12
no texto secundário e 10 nas legendas; imagens sempre legendadas.
4.3 Avaliação do material de divulgação
O material foi analisado por 15 avaliadores graduados em cursos de Licenciatura em
Ciências Biológicas, possuindo, portanto, formação superior adequada ao ensino básico de
Ciências e Biologia. Quase todos, inclusive, possuem experiência de atuação docente no
ensino básico - 7 na rede privada, 5 na rede pública municipal e 8 na rede pública estadual.
Além disto, 60% dos avaliadores possuem algum título de pós-graduação - 5 especialistas, 1
mestre e 3 doutores.
O primeiro objeto de avaliação foi a formatação do livreto, isto é, os aspectos inerentes
a composição gráfica do material, como o uso das cores, a fonte escolhida e os diferentes
tamanhos em que foi aplicada, a disposição dos elementos (imagens, legendas, caixas de
textos, etc.), entre outros. Para a grande maioria dos avaliadores (87%), a formatação foi
muito adequada aos objetivos do material (Figura 04).
67
Figura 04 - Avaliação da formatação do livreto.
Legenda: (A) a formatação é muito
adequada aos objetivos do material; (B) a
formatação é razoavelmente adequada aos
objetivos do material; (C) a formatação não
é adequada aos objetivos do material
Posteriormente, foi solicitado que o avaliador opinasse sobre o conteúdo do livreto.
Uma primeira pergunta questionava sobre os temas abordados no material, na intenção de
obter uma avaliação sobre a seleção dos conteúdos escolhidos no amplo universo de
possibilidades no qual a temática do material se insere. Neste sentido, a maioria (87%)
afirmou que a seleção dos conteúdos foi muito adequada aos objetivos do material (Figura
05). Em seguida, avaliou-se a forma como estes conteúdos foram divididos e articulados entre
si, buscando uma análise da coerência no encadeamento dos temas abordados. A esta
pergunta, 80% dos avaliadores responderam que a organização dos conteúdos foi muito
adequada aos objetivos do material (Figura 06).
Figura 05 - Avaliação da seleção de conteúdos. Figura 06 - Avaliação da organização dos conteúdos.
Legenda: (A) a seleção dos conteúdos foi muito
adequada aos objetivos do material; (B) a seleção
dos conteúdos foi razoavelmente adequada aos
objetivos do material; (C) a seleção dos conteúdos
não foi adequada aos objetivos do material.
Legenda: (A) a organização dos conteúdos foi muito
adequada aos objetivos do material; (B) a organização
dos conteúdos foi razoavelmente adequada aos
objetivos do material; (C) a organização dos conteúdos
não foi adequada aos objetivos do material.
68
O objeto seguinte de avaliação foi o uso de recursos ao longo do livreto. No que se
refere aos aspectos do texto escrito, como o vocabulário selecionado, o estilo de discurso, as
analogias, explicações e demais construções enunciativas utilizadas para a transmissão das
informações, 80% consideraram que os recursos textuais foram utilizados de maneira muito
adequada aos objetivos do material (Figura 07). Já sobre o uso de imagens e esquemas ao
longo do material, 67% dos avaliadores consideraram que os recursos visuais foram utilizados
de maneira muito adequada aos objetivos do material (Figura 08).
Figura 07 - Avaliação dos recursos textuais. Figura 08 - Avaliação dos recursos visuais.
Legenda: (A) os recursos textuais utilizados são
muito adequados aos objetivos do material; (B) os
recursos textuais utilizados são razoavelmente
adequados aos objetivos do material; (C) os recursos
textuais utilizados não são adequados aos objetivos
do material.
Legenda: (A) os recursos visuais utilizados são
muito adequados aos objetivos do material; (B)
os recursos visuais utilizados são
razoavelmente adequados aos objetivos do
material; (C) os recursos visuais utilizados não
são adequados aos objetivos do material.
Após essa avaliação objetiva do livreto, o avaliador era direcionado para duas outras
perguntas que buscavam apontar propriedades do material que proporcionassem uma
caracterização mais especifica de suas qualidades e defeitos. Quando expostos a um universo
de oito possíveis potencialidades do material, dois terços ou mais dos avaliadores apontaram
que o material é capaz de atrair a atenção do leitor, que aborda conceitos científicos de forma
acessível, dialoga com a experiência de vida do leitor, contribui para a valorização da
biodiversidade vegetal e para o debate sobre conservação ambiental, e proporciona diferentes
visões sobre a relação entre sociedade, ciência, tecnologia e meio ambiente (Figura 09). Já
dentre as fragilidades, a mais citada foi a possibilidade de o material despertar o interesse do
leitor em explorar os recursos naturais (Figura 10).
69
Figura 09 - Potencialidades do livreto.
Legenda: (A) O material é capaz de atrair a atenção do leitor; (B) O material aborda
conceitos científicos de forma acessível; (C) O material dialoga com a experiência de vida do
leitor; (D) O material contribui para a valorização do conhecimento popular ; (E) O material
contribui para a valorização da biodiversidade vegetal; (F) O material ajuda a dimensionar o
impacto causado pelo uso de recursos vegetais; (G) O material contribui para o debate sobre
conservação ambiental; (H) O material proporciona diferentes visões sobre a relação entre
sociedade, ciência, tecnologia e meio ambiente.
Figura 10 - Fragilidades do livreto.
Legenda: (A) O material ignora aspectos atuais sobre os temas abordados; (B) O material não
promove contextualização histórica sobre os temas abordados; (C) O material desperta o
interesse do leitor em explorar recursos naturais; (D) O material usa afirmações
sensacionalistas, passando uma visão irreal sobre ciência; (E) O material contribui para o
mito de que a ciência, através da tecnologia, é fonte de soluções para todas as mazelas da
sociedade; (F) O material transparece que a ciência não influencia e nem é influenciada por
aspectos sociais, políticos e econômicos.
70
Com a intenção de concluir a avaliação e integrar todos os aspectos anteriormente
abordados, o avaliador é confrontado com duas perguntas conclusivas. A primeira questiona a
capacidade do material de contribuir para a popularização e democratização da Ciência
através da disseminação do conhecimento. Para pouco mais da metade (53%) dos avaliadores
o material é plenamente capaz de alcançar esse objetivo, para os outros o material é
parcialmente capaz (Figura 11). A segunda pergunta questiona se há ou não interesse do
profissional-avaliador em utilizar o livreto em sua atividade docente. Todos os avaliadores
responderam que se interessariam em utilizá-lo.
Figura 11 - Capacidade de popularização.
Legenda: (A) o material é plenamente
capaz de alcançar esse objetivo; (B) o
material é parcialmente capaz de alcançar
esse objetivo; (C) o material é pouco capaz
de alcançar esse objetivo; (D) o material
não é capaz de alcançar esse objetivo.
Por fim, o questionário dava oportunidade para o avaliador acrescentar comentários
adicionais sobre o material avaliado - 11 avaliadores o fizeram. A crítica mais frequente
(quatro avaliadores) diz respeito à extensão do trabalho, conforme os comentários “O material
é extenso demais, dependendo do público-alvo pode se tornar enfadonho” (Avaliador 1),
“Achei o material ótimo e adoraria utilizar esse material, entretanto o conteúdo é um pouco
extenso” (Avaliador 3), “Ele poderia ser menor, mais condensado” (Avaliador 6) e “Acredito
que para chamar maior atenção do leitor, deveria ser mais sintetizado” (Avaliador 11).
Contudo, o avaliador 7 considerou a abordagem abrangente do material como um ponto
positivo: “Pontos positivos do livro [são] abordagem abrangente do tema, contextualização,
valorização dos diferentes tipos de conhecimento (científico, religioso, cotidiano, etc.) ”.
71
Outros avaliadores fizeram comentários sobre o conteúdo do livreto. O avaliador 5
considerou o material pertinente ao ensino básico (“O trabalho é muito bacana e pertinente
inclusive ao ensino médio da educação básica”) e ainda sugeriu a inclusão do assunto
“agrotóxicos”, assim como o avaliador 8 recomendou a inserção de exemplos de erros
comuns no uso de plantas medicinais. Sobre a relação do texto com o leitor, o avaliador 2
sugere que o livreto “poderia ser abordado questões mais próximas a realidade dos alunos”, já
o avaliador 5 acredita que “ele [o material] parece que dialoga com o leitor”. Por outro lado, o
avaliador 7 defendeu que o texto utiliza “vocabulário pouco claro” e promove “pouca
interação com o leitor”.
Alguns preocuparam-se em comentar sobre aspectos da estrutura do material. O
avaliador 4 sugeriu que “colocaria sumário no livreto, utilizaria itens numéricos para
organizar o texto, exemplo 1 - Uso dos vegetais na alimentação; 2 - Uso dos vegetais na
indústria ... e escolheria imagens com melhor qualidade (às vezes as imagens estão um pouco
distorcidas)”. Semelhante foi o comentário do avaliador 10, que sugeriu “elaboração de
sumário, paginação e capitulação; consertar algumas legendas de figuras que estão de lado;
expor referências, ou sugerir textos de apoio”. O avaliador 9 tratou, ainda, do uso das cores:
“Se o objetivo é atender a educação básica, ele poderia ter cores mais alegres e que ativam a
leitura, como amarelo e laranja, e esquemas mais descontraídos”. Finalmente, os avaliadores 8
e 10 sugeriram a citação de referências ao longo do texto e a indicação de textos de apoio.
5 DISCUSSÃO
Embora a disseminação do conhecimento científico seja iniciativa antiga na história da
humanidade, o recente advento de tecnologias da informação tem aberto novas fronteiras para
o ensino e para a divulgação. Ainda no final do século XX, o Prof. Guilherme Orozco, da
Universidade de Guadalajara, já anteviu que a inovação tecnológica levaria a uma
aproximação ainda maior entre a Comunicação e a Educação. Em palestra no Brasil, o autor
mexicano defendeu que a capacitação de interlocutores para a recepção de informação e
produção de comunicação, expandiria a comunicação educativa através de diferentes
linguagens, formatações e canais (GOMEZ, 2002). Quase duas décadas após estas afirmações,
o material de divulgação aqui produzido parece resultado de uma geração que, criada no seio
da sociedade informatizada, credencia-se para atuar efetivamente neste papel de interlocutor.
72
Sendo, então, o livreto um produto de comunicação, existem variados aspectos formais
que influenciam seu objetivo de transmitir uma mensagem. Por exemplo, em sua dissertação
de mestrado sobre materiais educacionais digitais, Torrezzan (2009) diz que é comum
materiais preparados por profissionais da área pedagógica serem deficientes em fatores
técnicos e gráficos, destacando a importância do equilíbrio destes com os fatores pedagógicos
para que o material alcança seu objetivo. Dentre os fatores gráficos, a autora elenca a
semiótica, a estética e o design. O primeiro trata dos significados transmitidos pelos signos
que compõem o material, o segundo diz respeito à percepção dos sentidos sobre o objeto em
questão, o terceiro estaria associado à conjugação dos elementos visuais na interface gráfica.
Ainda sobre este último, Marcato e Figueiredo (2007) complementam reafirmando a
capacidade do design de, através de elementos visuais, tornar assuntos mais atraentes e
viáveis ao público. Imagina-se, portanto, que os aspectos gráficos do livreto “Planta não
serve pra nada?” tenham influenciado os dez avaliadores que indicaram a capacidade do
material de atrair a atenção do leitor (Figura 09). No que tange as nuances gráficas verbais,
por exemplo, a fonte escolhida ajuda a tornar a leitura menos cansativa por possuir traços
simples, leves, finos e ligeiramente informais - sem comprometer a credibilidade do material.
Fassina, Cavalcante e Andrade (2009) revelam que muitos estudantes e profissionais da área
gráfica atribuem grande importância à tipografia adequada para a boa legibilidade de textos.
No livreto, segundo o Avaliador 10, essa legibilidade parece ter sido comprometida somente
em algumas legendas verticalizadas, em razão do aumento na espessura da fonte.
Para a discussão dos aspectos não-verbais, contudo, é interessante resgatar os quatro
formantes básicos da dimensão plástica da linguagem estabelecidos por Greimas (2004). O
formante cromático, relacionado às possibilidades associadas ao uso das cores, manifesta-se
no contraste entre o fundo escuro e as caixas de textos em tons mais luminosos, todos em
cores sólidas, dando destaque ao espaço do texto sem proporcionar excesso de informação.
Considerando os comentários de Silveira (2015) sobre a percepção das cores, também
podemos dizer que as cores frias utilizadas na maior parte do material geram sensação de
tranquilidade e introspecção, enquanto as cores quentes utilizadas somente nas caixas de texto
secundárias e de títulos atingem o objetivo de despertar a atenção em meio ao texto principal.
Ainda que seja válida a recomendação do Avaliador 9 de tornar o material mais descontraído
através do uso mais frequente de cores quentes, é possível que essa estratégia tornasse a
leitura visualmente cansativa - para um material de tamanha extensão.
73
Já o aspecto eidético - sobre as formas e a construção de sentidos - do material é
estruturado por planos retangulares com vértices arredondados. Na interpretação de Dondis
(1997), o formato retangular (derivado do quadrado) associasse à ideia de retidão e
honestidade que contribuem para a credibilidade do material. O risco da forma retangular
imprimir a sensação de tédio e limitação é atenuada pelos vértices arredondados, gerando o
efeito de infinidade associado aos círculos. Topologicamente, a organização no layout do
material buscou criar um ambiente limpo e sóbrio que não sobrecarregasse a composição
visual, com grid (diagrama) de apenas uma coluna por página, poucos elementos e
espaçamentos arejados entre eles (Figura 03).
Sobre aspectos matéricos, Cazonatto e Tedeschi (2013) relacionam o formato do
material impresso com o grau de comodidade ao uso. O livreto produzido neste trabalho adota
o formato A5 - equivalente à metade de uma folha A4 - para proporcionar maior conforto ao
leitor, tanto na leitura, quanto no transporte do material. Ainda segundo as autoras, o papel
couché escolhido para impressão, além de mais resistente que o papel comum, é capaz de
atrair mais a atenção do leitor potencial por apresentar brilho. O sucesso do arranjo desses
diversos componentes gráficos no livreto parece ser confirmado pela ampla aprovação de sua
formatação pelos avaliadores (Figura 04), qualificando-o como um instrumento de
comunicação potencialmente eficiente.
Outro fator que parece ser bastante importante na qualidade de um produto de
comunicação são os recursos visuais: uma das avaliações menos positivas do livreto diz
respeito às figuras empregadas (Figura 08), com a crítica direta do Avaliador 4 à qualidade
das imagens utilizadas. Souza (2013), ao segmentar as fases pelas quais a prática jornalística
mundial passou, aponta a sobrevalorização da visualidade como um marco da fase atual do
jornalismo. Nascimento, Bezerra e Heberle (2011) ampliam essa constatação ao abordarem os
variados novos gêneros textuais - muitos deles baseados em enunciados verbo-visuais -
produzidos no cenário de globalização e de novas tecnologias da informação, defendendo a
necessidade do letramento para a multimodalidade nas esferas de ensino.
74
Na educação formal, a importância do uso de imagens associadas aos textos fica clara
nos livros didáticos. Martins, Gouvêa e Piccinini (2005) observaram livros de ciências e
perceberam a predominância de imagens naturalistas e realistas nos materiais dos anos iniciais
do ensino fundamental, sobretudo na intenção de promover a observação de fenômenos em
cenários cotidianos, enquanto nos materiais dos anos finais já eram encontradas representação
abstratas de situações microscópicas, da natureza da ciência, de sua metodologia e
fenomenologia. Na DC, por sua vez, Grillo (2009) marca a relevância das imagens como
reforço ao texto já escrito, ilustrando o material verbal em um outro registro semiótico -
relação nomeada como Princípio da Repetição.
Uma das principais articulações entre texto e imagem apontadas pela autora é a
ilustração-síntese, cuja finalidade é “sintetizar e reforçar sentidos presentes no texto e no
material verbal do peritexto – em particular título, título-auxiliar e legenda” (op. cit., p. 220).
No livreto, por exemplo, encontram-se diversas figuras que sintetizam e reforçam a variedade
de produtos originados da biodiversidade vegetal discutida ao longo do texto: figura 02 para
produtos alimentícios; figura 18 para produtos medicinais populares; figuras 25, 26 e 27 para
produtos artesanais; figura 30 para plantas ornamentais; e figura 34 para produtos cosméticos.
Também pode-se destacar a característica da figura 23 sintetizar aspectos da cultura in vitro
descritas no texto, assim como a capacidade das figuras 7 e 38 reforçarem a noção de
degradação ambiental descrita no texto.
Também é possível ressaltar a relevância das ilustrações nos trabalhos de DC através
da análise de imagens proposta por Nascimento, Bezerra e Heberle (2011), baseada nas
principais categorias da gramática visual. Primeiramente, as imagens podem cumprir a função
de representar algo, seja através de narrativas ou de conceituações. No livreto, temos
exemplos de representação conceitual na figura 4 - originada por um processo classificatório,
frente à variedade de legumes e verduras - e de representação narrativa na figura 7 - originada
por um processo de ação, onde um vetor indica o avanço da área desmatada sobre a área
florestada - e na figura 16 - por um processo de reação, apresentando a reação ao
acontecimento que se desenrola. Além disso, existem as imagens que cumprem a função de
promover interação com o leitor, como a figura 28, onde a angulação oblíqua do corpo da
participante projeta maior envolvimento entre ela e o leitor. Há, ainda, imagens que
desempenham a função de composição, associada à organização dos elementos no espaço -
considerando disposição, enquadramento e saliência.
75
Além de fotografias, existem outros tipos de figuras que contribuem na divulgação do
conhecimento. O infográfico, por exemplo, é a combinação de elementos icônicos e
tipográficos, como fotografias, desenhos, textos e diversas soluções informáticas, que gera um
produto capaz de acompanhar e, até, substituir o texto (SOUZA, 2012) - é o caso das figuras 2
e 6 do livreto. A primeira reúne uma fotografia por satélite do continente sul-americano,
textos, desenhos e vetores gráficos para explicar a importância da Floresta Amazônica no
regime de chuvas. A segunda usa elementos gráficos verbais e não-verbais para representar a
diversidade de alimentos nativos do continente sul-americano. De forma mais simplificada,
também através da combinação de textos e recursos gráficos, os esquemas descritivos
propiciam uma representação concreta e simplificada das etapas de um processo (GRILLO,
2009), como é o caso da técnica do DNA recombinante na figura 9, da pesquisa com plantas
medicinais na figura 20 e da produção de tecidos na figura 33.
As charges e cartoons, por sua vez, constituem um antigo gênero textual, marcado
pelo caráter cômico e/ou crítico de suas mensagens (BRESSANIN, 2007). Comumente
utilizadas nos ambientes formais de ensino (SILVA; CAVALCANTI, 2008), também são
muito úteis ao objetivo da divulgação científica de difundir informação ao mesmo tempo
provocar reflexão. No livreto, encontra-se a charge da figura 8 que produz humor ao remover
o “Mato” da placa de recepção ao estado do Mato Grosso do Sul, em razão do desmatamento
exposto no plano de fundo do desenho. O cartoon da figura 10, por outro lado, não produz
humor, mas sim associa a tensão da aproximação de um tubarão e a devastação deixada por
ele com os efeitos de transgênicos da empresa Bayer nas lavouras. A charge da figura 1, ao
contrário das anteriores, utiliza de humor para retratar o ofício da taxonomia.
A textualidade de um material de DC também é importante objeto de discussão. Para
Mikhail Bakhtin (1992) - filósofo russo que se dedicou ao estudo da linguagem - a utilização
da língua ocorre através de enunciações associadas à esfera de atividade humana na qual se
insere o indivíduo. Cada esfera parece apresentar tipos estáveis de enunciações, constituindo
os gêneros textuais. A estabilidade de cada gênero textual, segundo o Bakthin, parece ser
sustentada por três elementos: o conteúdo temático, o estilo verbal e a construção
composicional. Sendo assim, Zamboni (2001) defende que a DC constitui um gênero textual
próprio, não apenas uma parte integrante do discurso científico. Afinal, as condições nas quais
a DC é produzida são diferentes daquelas do conhecimento científico, guardando traços de
cientificidade, mas também um caráter leigo e didático.
76
Para a autora, a intenção de popularizar o conhecimento permite à DC abrir mão do
jargão científico e empregar variados recursos linguísticos. Partindo disto, Nascimento (2005)
propõe uma caracterização mecanismos textuais típicos da DC. A primeira característica trata
de um “apelo inicial à leitura”, isto é, a presença de elementos que chamem a atenção do leitor
em um primeiro momento, como a capa do livreto, onde a contradição entre a mensagem do
balão principal e as outras mensagens cumpre a função de conquistar o primeiro olhar do
potencial leitor. Fala, também, de “recursos à atratividade” ao longo do material, como os
focos de atração exercidos pelas diversas imagens e boxes de texto do livreto.
A presença de procedimentos explicativos é outra característica apontada - decorrente
do traço didático da DC. No livreto, o parágrafo que explica o conceito de “serviços
ambientais” e o box que trata de contaminação biológica, entre outras passagens, cumprem
esse objetivo de abordar conceitos científicos de forma acessível - potencialidade destacada
por 87% dos avaliadores (Figura 09). A interlocução direta como o leitor é outra
característica marcante, uma tentativa de aproximá-lo do texto para que exerça uma
participação ativa na descoberta do conhecimento. No livreto, esse procedimento é observado
nos títulos e em trechos como “Se você é um deles, provavelmente boa parte da sua comida
vem de um supermercado” e “Quem não tem algo de madeira em casa?”. Mesmo frente a
estes exemplos, os Avaliadores 5 e 7 acreditaram que havia pouca interação do texto com o
leitor, fragilidade que poderia ser atenuada pela inserção de mais perguntas retóricas ou pelo
mais frequente uso do pronome “você”.
No nível sintático, a autora destaca a construção por meio de parágrafos com três
frases simples e curtas. Esse é o caso do livreto, onde a maioria dos parágrafos é composto
por duas ou três frases - ainda que algumas não sejam frases simples. A coesão textual é
garantida pelo encadeamento de ideias e pela progressão cronológica dos enunciados,
conforme Zamboni (2001). Desse modo, a textualidade em cada seção do livreto ganha uma
perspectiva narrativa, facilitando a apreensão da ideia geral do texto - o que parece ter sido
apreciado pelos avaliadores do material, haja vista que 80% deles consideraram a organização
dos conteúdos muito adequada (Figura 06). A última característica diz respeito ao
vocabulário da DC, marcado pela mistura de termos da linguagem coloquial, para construir
uma leitura próxima ao cotidiano do leitor, com termos técnicos da área. Nesse último caso, o
livreto buscou adotar procedimentos explicativos, como as anotações de rodapé. Ainda assim,
o Avaliador 7 considerou o vocabulário utilizado pouco claro.
77
Em outra perspectiva, Alferes e Agustini (2008) analisam os diferentes efeitos de
sentido encontrados no discurso da DC. Segundo as autoras, é comum o uso de sintagmas
nominais - estruturas que caracterizam e definem um conceito - para promover a transposição
do discurso científico forma didática. A partir de sintagmas nominais é possível construir
estruturas capazes de dotar o discurso da DC de um caráter explicativo. Uma delas é a glosa,
resultado de uma atividade de reformulação do que já fora explicado com o intuito de
consolidar e expandir a explicação. Outra é a incisa, desvio sintático que tem a função de
“costurar” o discurso científico ao discurso leigo. Assim como o aposto, construção nominal
cuja função é explicar termos substantivos ou pronominais. Essas diversas derivações dos
sintagmas nominais compõem grande parte dos enunciados típicos da DC
Sobre a construção desses enunciados, Alferes e Agustini (2008) apontam quatro
formas típicas na DC. Os enunciados definitórios são aqueles que buscam definir nomes
através de recursos como a descrição de sua função ou finalidade, a atribuição de uma
característica marcante, entre outros. Um exemplo de enunciado definitório por caracterização
está na figura 9 do livreto, baseado no seguinte aposto: “... ao vetor - molécula de DNA capaz
de se duplicar de forma autônoma”. Já os enunciados explicativos buscam dizer o que já foi
dito, mas agora de uma outra forma - estando por isso muito associado a glosas. Um exemplo
seria o trecho do box sobre tipo de unidades de conservação onde se diz: “... interferência
humana de forma sustentável, ou seja, através de modelos de desenvolvimento que permitam
a geração de riquezas sem comprometer o ecossistema”.
Os enunciados analógicos, por sua vez, são construídos através da ideia de
correspondência, proporção ou semelhança entre dois termos, como no box sobre o Santo
Daime onde é estabelecida uma analogia entre “composto psicotrópico” e “remédios de tarja
preta”. Já os enunciados comparativos associam componentes de diferentes discursividades,
normalmente utilizando elementos alcançáveis ao leitor para aproximá-lo de elementos
abstratos oriundos do conhecimento científico - é o caso da nota de rodapé do livreto sobre
“tricomas”, que os compara com pelos. A combinação desses diversos recursos e enunciados
textuais parece ser bem-sucedida na intenção de transmitir o conhecimento científico de
forma palatável ao público leigo, haja vista que 80% dos avaliadores indicaram que a
textualidade do livro é muito adequada (Figura 07).
78
Diante deste potencial didático, não é inusitado que os textos de DC sejam utilizados
em espaços da educação. Ferreira e Queiroz (2012) realizaram extensa análise dos periódicos
nacionais sobre educação e perceberam aumento nas pesquisas sobre o uso de textos de DC
no ensino de ciências. Martins, Cassab e Rocha (2001) falam dos benefícios obtidos a partir
do contato com diferentes textos científicos, como o acesso a maior diversidade de
informações, o desenvolvimento da leitura, o contato com diferentes argumentações e
terminologias. Sendo assim, não surpreende todos os avaliadores do livreto demonstrarem
interesse em utilizá-lo em sua atividade docente. Até mesmo os Parâmetro Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio indicam esta conduta:
“Lidar com o arsenal de informações atualmente disponíveis depende de habilidades para
obter, sistematizar, produzir e mesmo difundir informações (...). Isso inclui ser um leitor crítico
e atento das notícias científicas divulgadas de diferentes formas: vídeos, programas de
televisão, sites da Internet ou notícias de jornais” (BRASIL, 1999, p.27).
Braga e Calazans (2001) ressaltam, ainda, que o conhecimento é absorvido pelo ensino
formal com certa lentidão e que, por isso, professores têm dificuldade em abordar temas
atuais com os quais o cidadão frequentemente entra em contato através das mídias e de suas
atividades cotidianas. Nascimento e Alvetti (2006) apontam a tendência de livros didáticos
transporem textos de DC para seus conteúdos - sobretudo na forma de leitura complementar -
como estratégia para abordar temas da Biologia Contemporânea. A oferta de conteúdo
atualizado parece ser uma das qualidades de que goza o livreto produzido neste trabalho, se
considerarmos que apenas 20% dos avaliadores indicaram a falta de aspectos atuais sobre os
temas abordados como uma fragilidade do material (Figura 10).
Outra característica que pode ser interessante para o ambiente escolar é a aproximação
entre o conteúdo abordado e a experiência de vida do leitor. Mais de dois terços dos
avaliadores consideraram esta uma das potencialidades do livreto (Figura 09), fato que foi
pontualmente elogiado pelo Avaliador 2. Considerando a explicação dada por Pelizzari e
colaboradores (2002) sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa, é razoável pontuar que a
aprendizagem de novos conhecimentos é facilitada pela associação destes com experiências e
conhecimentos já adquiridos pelo aluno. Essa aproximação fica clara quando o livreto faz
referência a plantas alimentícias de uso cotidiano para então falar sobre alimentícias não-
convencionais, quando resgata o uso popular de plantas medicinais para explicar metabólitos,
quando usa o artesanato com materiais vegetais para explicar manejo de recursos.
79
A despeito do amplo interesse pedagógico pelo material, os avaliadores ficaram
divididos ao responderem se o livreto atinge plena ou parcialmente seu objetivo de contribuir
para a popularização do conhecimento científico e democratização da Ciência (Figura 11).
Pode-se imaginar que parte dos avaliadores que consideraram o material apenas parcialmente
capaz o tenham feito em razão da extensão do livreto - quatro avaliadores fizeram essa crítica.
Segundo alguns deles, o risco da leitura tornar-se cansativa e enfadonha pode dificultar que os
objetivos sejam alcançados. Uma possível solução para atenuar esse risco sem comprometer o
conteúdo, considerando que o Avaliador 7 elogiou o caráter abrangente do material, seria
segmentar o material em fascículos de acordo com as seções do texto.
Também é possível que os avaliadores tenham considerado incorreta a forma como
essa popularização foi realizada, haja vista que 10 avaliadores apontaram que o material pode
estimular o leitor a valorizar a exploração de recursos naturais (Figura 10) - um risco
possivelmente originado pela adoção da perspectiva antropocêntrica. Gomes (2006) alerta
sobre os graves riscos sociais e ambientais dos padrões de consumo do capitalismo,
destacando a necessidade da educação para o desenvolvimento sustentável. Então, mesmo que
seja importante a população conhecer o potencial socioeconômico da biodiversidade vegetal,
é essencial que esta divulgação seja acompanhada da reflexão sobre os danos causados pela
exploração predatória (SOUSA; FERNANDES, 2002). Por isso, em cada seção, o livreto
associa o uso de recursos vegetais com problemáticas ambientais, como queimadas, expansão
agrícola, desmatamento, contaminação biológica, entre outros.
A segunda fragilidade do material mais indicada pelos avaliadores foi a possibilidade
do material contribuir para o mito de que a ciência, através da tecnologia, é fonte de soluções
para todas as mazelas da sociedade (Figura 10). É possível que trechos do livreto tenham
tratado de descobertas científicas e inovações tecnológicas sem ponderar sobre seus riscos e
limitações. Segundo Santos e Mortimer (2002), esse mito teria origem em um processo de
cientifização que, frente à influência da produção tecnológica na vida contemporâneo, resulta
no culto à razão e ao progresso científico. Ora, se a ciência e a tecnologia são dignas de
tamanha confiança, e se delas terão origem a salvação da sociedade, não seria incoerente
deduzir que a população estaria disposta a aceitar qualquer produto e conduta destes setores.
Amplificado, assim, o potencial que a ciência e a técnica têm de legitimar o domínio do
homem sobre a natureza e do homem sobre o homem (HABERMAS, 1983).
80
Por outro lado, também é aceitável conjecturar os motivos que levaram muitos
avaliadores (53%) a considerarem que o material é plenamente capaz de contribuir para a
popularização da Ciência. A grande maioria, por exemplo, considerou que os conteúdos
selecionados para compor o material foram muito adequados (Figura 05). Uma possível
consequência da acertada escolha de conteúdos pode ser a contribuição que o material faz à
valorização da biodiversidade vegetal, potencialidade reconhecida por 60% dos avaliadores
(Figura 09). Para Cristóvão (1999), é essencial que a sociedade passe a valorizar tanto o
patrimônio natural, quanto o patrimônio cultural, de tal modo que seja ela geradora e
mantenedora das iniciativas de preservação e desenvolvimento sustentável. É possível,
inclusive, que a aproximação do leitor com plantas de formações naturais e domínios culturais
próximos a ele, contidas no levantamento de espécies do segundo capítulo do livreto, tenha
facilitado o despertar desse sentimento de valorização na população local.
Aliás, Freitas (2006) discute a importância de considerar as representações sociais da
população, entendidas como “conhecimentos partilhados e estáveis” (op. cit., p. 605), nas
iniciativas que tratam da temática ambiental. Essa característica de valorização do
conhecimento popular está presente no livreto segundo 60% dos avaliadores (Figura 09),
sendo pontualmente elogiada pelo Avaliador 7. Moreira (2006), por exemplo, coloca o
reconhecimento dos saberes populares e tradicionais como uma das diretrizes para políticas
públicas para a popularização da ciência e da tecnologia, assim como valorizar aspectos do
cotidiano, da cultura, da arte, das ciências sociais e humanas. Desse modo, é possível retratar
a produção científica como parte de um universo maior de saberes que interagem entre si.
Outro reflexo da bem-sucedida seleção dos conteúdos é a competência do material em
contribuir para o debate sobre conservação ambiental - apontada por quase 75% dos
avaliadores (Figura 09). Isto reflete a capacidade de ajudar na preparação do leitor para os
processos decisórios inerentes à disputa entre agentes públicos e privados de diversos setores
da sociedade pela condução da política e da legislação ambiental brasileira. Albagli (1996)
coloca a instrumentalização para o debate e reflexão crítica como um dos objetivos
primordiais da DC, em uma busca por “processos decisórios mais abertos e democráticos na
aplicação da ciência e tecnologia a problemas sociais” (op. cit., p. 368). Sobre a questão
ambiental, especificamente, Layrargues (2000) defende a importância de formar as classes
mais afetadas pelos problemas ambientais para o exercício da cidadania e das ações coletivas.
81
Contudo, se o objetivo também é contribuir para a democratização da ciência, a forma
como o conteúdo é abordado é tão importante quanto os temas selecionados. Um equívoco
comum na abordagem do conhecimento por parte dos materiais de DC é a adoção de
afirmações sensacionalistas. Sobre isto, Albagli (1996) resgata o argumento de que o
jornalismo científico produz notícias distorcidas ao divulgar descobertas científicas como uma
estratégia para provocar emoções no público consumidor, aumentando as vendas. Bertolli
Filho (2007), em contrapartida, pondera que certas notícias alarmistas sobre a prática
científica podem não ser fruto apenas do sensacionalismo ou despreparo dos divulgadores,
sendo, talvez, repercussões legitimas do receio da sociedade frente ao poder potencialmente
destruidor do avanço científico e tecnológico. De todo modo, o sensacionalismo parece não
ser reproduzido no livreto se considerarmos que nenhum avaliador apontou esse tipo de
conduta como uma fragilidade do material (Figura 10).
Outro perigo seria que a abordagem utilizada no material transparecesse que a ciência
não influencia e nem é influenciada por aspectos sociais, políticos e econômicos. Na medida
em que a ciência é isolada desses valores, ela fica fora do alcance do questionamento social.
Segundo Oliveira (2008), essa tese é reforçada por falsos argumentos como: “a escolha dos
temas e problemas de pesquisa são definidos na busca do conhecimento pelo conhecimento”;
“a metodologia adotada responde apenas ao método científico, configurando uma escolha
meramente racional”; e “a ciência descreve a realidade, sem se contaminar por nenhum juízo
de valor”. Auler e Delizoicov (2006) desconstroem essas falácias ao afirmarem que o
direcionamento da atividade científica e tecnológica é resultado de decisões políticas, assim
como a apropriação de seus conhecimentos e produtos responde ao sistema político e aos
interesses de grupos sociais hegemônicos. Parece, então, que um dos cuidados essenciais para
evitar essa tendência é abordar o conhecimento científico de forma histórica e socialmente
contextualizada - estratégia presente no livreto segundo 93% dos avaliadores (Figura 10) e
elogiada pelo Avaliador 7. Talvez por isso quase todos os avaliadores considerarem que o
livreto não promove a ideia de neutralidade da ciência de da tecnologia (Figura 10).
Finalmente, não parece razoável imaginar que um material de DC possa contribuir
para democratizar a ciência sem proporcionar ao leitor diferentes visões sobre a relação entre
sociedade, ciência, tecnologia e, neste caso, meio ambiente. De acordo com Invernizzi e Fraga
(2007), a discussão ambiental sempre foi tópico fundamental do campo de estudos CTS,
contudo, ao encontrar com a pesquisa em Ensino de Ciências e dialogar com a Educação
82
Ambiental, o tópico sobre meio ambiente recebeu destaque ainda maior - perfazendo a letra
“A” na sigla CTSA. Segundo as autoras, até mesmo documentos curriculares oficiais já
flertam com essa abordagem, mas a dificuldade em romper com o “conteudismo” e a
fragmentação disciplinar atrapalha sua aplicação na realidade escolar. Observando que a
capacidade de proporcionar essas diferentes perspectivas foi reconhecida por dois terços dos
avaliadores do livreto (Figura 09), é razoável imaginar que o uso de materiais como este
sejam estratégia viável para levar o CTSA para a sala de aula.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta discussão, é possível perceber que a competência da DC em promover a
divulgação do conhecimento e contribuir para democratizar a ciência é dependente de muitos
elementos. Materiais de DC que não se preocupem com os aspectos da forma, do texto, do
conteúdo e da abordagem podem não ser bem-sucedidos em alcançar esses objetivos. É nítido,
também, que a mera ação de divulgar informações não interfere no status quo que mantem a
ciência afasta do poder popular. O divulgador deve ter especial preocupação em promover
reflexões éticas, políticas, sociais e afins, a partir da informação por divulgada.
A produção de materiais de DC que promovam essas reflexões é essencial para a
formação do cidadão nos espaços informais de ensino, mas também nos espaços formais. É
declarada a dificuldade dos professores manterem os conteúdos atualizados e promoverem
uma abordagem crítica, inclusive pelas dificuldades inerentes aos materiais didáticos e pela
falta de formação continuada. Na área da Biologia, especificamente, a dificuldade e falta de
tradição em abordar criticamente os conteúdos somam-se à deficiência no conhecimento
botânico de discentes e docentes. As plantas, como amplamente discutido, permeiam as
complexas relações entre ciência, tecnologia e sociedade, devendo ser tema em sala de aula.
Desta forma, pode-se colocar a DC como uma ferramenta para reequilibrar as disputas
de poder existentes nas relações entre a biodiversidade de plantas, a ciência, a tecnologia e a
sociedade. Em especial, tendo em vista o que fora avaliado e discutido neste capítulo, o
livreto “Planta não serve pra nada?” tem o potencial de exercer essa função da ênfase CTS,
tanto em situações informais de aprendizagem, quanto no ensino formal.
83
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VIDAL, W. N.; VIDAL, M. R. R. Organografia: quadros sinóticos ilustrados de
fanerógamas. 4. ed. rev. ampl. Viçosa: Ed. UFV, 2011. 124 p.
VIEIRA, I. J. C. et al. Secondary metabolites of the genus Trichilia: contribution to the
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ZAMBONI, L. M. S. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica: subjetividade e
heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas: Autores Associados, 2001.
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Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual
de Campinas, São Paulo, 1997.
ZAÚ, A. S. Composição, estrutura e efeitos de bordas lineares na comunidade arbustiva-
arbórea de um remanescente urbano de Mata Atlântica no sudeste do brasil. 2010. 229 f.
Tese (Doutorado em Botânica) - Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2010.
ZILLER, S. R. Plantas exóticas invasoras: a ameaça da contaminação biológica. Ciências
Hoje, v. 30, n. 178, p. 77-79, 2001.
111
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes
Licenciatura em Ciências Biológicas
Thiago J. J. Rebello
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
Prezado(a) colaborador(a),
Este formulário dedica-se à avaliação do material de divulgação científica "Planta não serve
pra nada", produzido por Thiago Rebello em sua monografia de graduação. Os dados obtidos
a partir desta ficha de avaliação contribuirão para os resultados e para a discussão do trabalho.
Os dados serão expostos de forma anônima.
Agradeço carinhosamente sua gentil contribuição.
Dados do colaborador------------------------------------------------------------------------------
Sua área de formação:
( ) Licenciatura em Ciências Biológicas.
( ) Outra: _______________________
Sua formação acadêmica:
( ) Graduação completa.
( ) Especialização (completa ou em curso).
( ) Mestrado (completa ou em curso).
( ) Doutorado (completa ou em curso).
Sua atuação docente:
( ) Rede privada.
( ) Rede pública federal.
( ) Rede pública estadual.
( ) Rede pública municipal.
( ) Ainda não atuei como docente do ensino básico.
112
Ficha de Avaliação----------------------------------------------------------------------------------
1) Considerando o uso das cores, a fonte escolhida para o texto e a disposição dos elementos,
pode-se dizer que:
( ) a formatação é muito adequada aos objetivos do material.
( ) a formatação é razoavelmente adequada aos objetivos do material.
( ) a formatação não é adequada aos objetivos do material.
2) Sobre os temas abordados, pode-se dizer que:
( ) a seleção dos conteúdos foi muito adequada aos objetivos do material.
( ) a seleção dos conteúdos foi razoavelmente adequada aos objetivos do material.
( ) a seleção dos conteúdos não foi adequada aos objetivos do material.
3) Considerando a forma como esses temas foram divididos e articulados entre si, pode-se
dizer que:
( ) a organização dos conteúdos foi muito adequada aos objetivos do material.
( ) a organização dos conteúdos foi razoavelmente adequada aos objetivos do material.
( ) a organização dos conteúdos não foi adequada aos objetivos do material.
4) Considerando o vocabulário, as analogias, as explicações e os demais aspectos do texto,
pode-se dizer que:
( ) os recursos textuais utilizados são muito adequados aos objetivos do material.
( ) os recursos textuais utilizados são razoavelmente adequados aos objetivos do material.
( ) os recursos textuais utilizados não são adequados aos objetivos do material.
5) Sobre o uso de imagens e esquemas, pode-se dizer que:
( ) os recursos visuais utilizados são muito adequados aos objetivos do material.
( ) os recursos visuais utilizados são razoavelmente adequados aos objetivos do material.
( ) os recursos visuais utilizados não são adequados aos objetivos do material.
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6) Quais das potencialidades abaixo você atribuiria ao material avaliado:(marque quantas quiser)
( ) O material é capaz de atrair a atenção do leitor;
( ) O material aborda conceitos científicos de forma acessível;
( ) O material dialoga com a experiência de vida do leitor;
( ) O material contribui para a valorização do conhecimento popular;
( ) O material contribui para a valorização da biodiversidade vegetal;
( ) O material ajuda a dimensionar o impacto causado pelo uso de recursos vegetais;
( ) O material contribui para o debate sobre conservação ambiental;
( ) O material proporciona diferentes visões sobre a relação entre sociedade, ciência,
tecnologia e meio ambiente.
7) Quais das fragilidades abaixo você atribuiria ao material avaliado: (marque quantas quiser)
( ) O material ignora aspectos atuais sobre os temas abordados;
( ) O material não promove contextualização histórica sobre os temas abordados;
( ) O material desperta o interesse do leitor em explorar recursos naturais;
( ) O material usa afirmações sensacionalistas, passando uma visão irreal sobre ciência;
( ) O material contribui para o mito de que a ciência, através da tecnologia, é fonte de
soluções para todas as mazelas da sociedade;
( ) O material transparece que a ciência não influencia e nem é influenciada por aspectos
sociais, políticos e econômicos.
8) Você acredita que o material é capaz de contribuir para a popularização e democratização
da Ciência através da disseminação de conhecimento?
( ) o material é plenamente capaz de alcançar esse objetivo.
( ) o material é parcialmente capaz de alcançar esse objetivo.
( ) o material é pouco capaz de alcançar esse objetivo.
( ) o material não é capaz de alcançar esse objetivo.
9) Você teria interesse em utilizar este livro em sua atividade docente?
( ) Sim.
( ) Não.
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10) Por fim, caso ache necessário, utilize o espaço abaixo para críticas, sugestões e
comentários que não tenham sido contemplados pelas questões anteriores.
R:_________________________________________________________________________
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