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UNIVERSIDADE DO MINHO INSTITUTO DE EDUCAO E PSICOLOGIA
ANTNIO CARVALHO DA SILVA
CONFIGURAES DO ENSINO DA GRAMTICA EM MANUAIS ESCOLARES DE PORTUGUS: Funes, organizao, contedos, pedagogias Outubro de 2006
UNIVERSIDADE DO MINHO INSTITUTO DE EDUCAO E PSICOLOGIA
ANTNIO CARVALHO DA SILVA
CONFIGURAES DO ENSINO DA GRAMTICA EM MANUAIS ESCOLARES DE PORTUGUS: Funes, organizao, contedos, pedagogias Tese de Doutoramento em Educao
rea de Conhecimento de Metodologia do Ensino do Portugus
Trabalho efectuado sob a orientao da
Professora Doutora Maria de Ftima das Neves Guerreiro Sequeira
Outubro de 2006
ii
DECLARAO
Nome: Antnio Carvalho da Silva
Endereo electrnico: acs i [email protected]
Telefone: 966812101 / 253003563
Bi lhete de Ident idade N. 9367144, de 29/04/2005 (Braga)
T tu lo da dissertao:
CONFIGURAES DO ENSINO DA GRAMTICA EM MANUAIS ESCOLARES DE PORTUGUS:
Funes, organizao, contedos, pedagogias
Or ientadora:
Professora Doutora Maria de Ftima das Neves Guerreiro Sequeira
Tese de Doutoramento em Educao
rea de Conhecimento de Metodologia do Ensino do Portugus
Ano de concluso: 2006
AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA
EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO
INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.
Univers idade do Minho, 31 de Outubro de 2006
iii
AGRADECIMENTOS
Agradecer, neste contexto especfico, significa reconhecer formalmente que um trabalho
desta natureza s se concretiza com o apoio efectivo de um conjunto alargado de pessoas. Assim
sendo, ao dar por terminada esta dissertao, meu ensejo prestar um tributo muito especial a
todos os que, pessoal ou institucionalmente, ontem e hoje, me ajudaram e me ajudam a
percorrer os caminhos da aprendizagem e a tornar possveis projectos de investigao.
Agradeo, genericamente, s Escolas e Universidades onde tive e tenho orgulho de
trabalhar, e aos professores e alunos com quem convivi, no s pelas experincias que fomos,
diariamente, partilhando, mas tambm pelos saberes divididos, que nos fizeram crescer.
Em termos mais especficos, agradeo Universidade do Minho e ao Instituto de
Educao e Psicologia pela concesso do estatuto de equiparao a bolseiro, o qual me
permitiu, de modo intensivo, desenvolver este projecto de doutoramento.
Agradeo, especialmente, Professora Doutora Ftima Sequeira que, enquanto
orientadora deste trabalho, com a sua experincia e saber, conseguiu sempre dar-me o incentivo,
o apoio, a confiana e a margem de autonomia necessrios concretizao da tese.
Uma palavra de reconhecimento a todos os colegas do Departamento de Metodologias
da Educao e, de forma particular, aos do subgrupo de Portugus que me ajudaram a fazer
opes (mais) certas e a resolver dvidas, por vezes, impertinentes.
Aos colegas e amigos que cordialmente me emprestaram ou ofereceram manuais
escolares, aos que pacientemente reviram e anotaram os captulos desta tese, aos que me
ajudaram a fazer as tradues dos resumos em Ingls, aos que me orientaram na formatao de
certos textos e de alguns quadros, fico profundamente grato, quer por estes trabalhos nada
fceis, quer pelas palavras oportunas de crtica e de encorajamento.
Por fim, ao meu pai aprendi que a gramtica da vida muito mais difcil de
compreender agora que ele no est presente e minha me, Ana Paula, ao nosso T
Castro Silva, aos demais familiares e amigos, no sei sequer se digo obrigado, pois prefiro que
eles saibam que a minha alegria de viver e de construir tem mais sentido s porque eles existem.
s pessoas aqui no nomeadas (como os mdicos que at hoje me deram sade ou os
frades que me ensinaram a aprender), lembro to-s que a minha memria viva e o meu silncio
aparente tm, tambm e sempre, a sua voz e o seu valor.
iv
MEMRIA DE JOO MANUEL DA SILVA,
PAI E MESTRE.
MINHA ME.
v
CONF IGURAES DO ENSINO DA GRAMT ICA EM MANUAIS ESCOLARES DE PORTUGUS:
Funes, organizao, contedos, pedagogias
RESUMO
Uma das questes que, no mbito da Didctica / Metodologia do Ensino do Portugus e
do Ensino das Lnguas, tem suscitado debates mais acesos a do estatuto e das funes do
conhecimento gramatical no ensino-aprendizagem da lngua materna, aqui avaliado num estudo
sobre as configuraes do ensino da gramtica em manuais escolares de Portugus.
No contexto de trabalhos vrios sobre manuais escolares que comearam a ser
desenvolvidos na Universidade do Minho (Castro et alii, 1999), propomo-nos descrever e analisar
criticamente, em diversas dimenses e com graus distintos de detalhe, um conjunto alargado de
manuais escolares de Portugus (livros de leitura e compndios de gramtica) utilizados no 3.
ciclo do Ensino Bsico a partir dos anos lectivos de 2002/03, 2003/04 e 2004/05.
Estabelecemos que esta dissertao se organiza em duas partes principais: uma primeira
de enquadramento e outra de definio dos estudos sobre manuais escolares de Portugus e de
apresentao dos seus resultados. Assumindo como principal finalidade desta dissertao a de
analisar (para compreender) as funes do conhecimento gramatical no ensino-aprendizagem do
Portugus, comeamos, no Captulo I, pela definio do objecto e dos objectivos de estudo, pela
caracterizao e pelo enquadramento do ensino da gramtica na escola.
No Captulo II, procede-se contextualizao do ensino da gramtica, integrando o
trabalho na Didctica do Portugus, a sua rea cientfica de referncia, discutindo as relaes
entre investigao lingustica e ensino da lngua, e determinando os sentidos (gerais e
especficos) do conceito de gramtica. O ltimo ponto deste captulo consiste no debate da
questo do ensino da gramtica na escola, em cinco momentos principais: a) referncia a
estudos anteriores; b) definio do espao da gramtica na aula de Portugus; c) avaliao do
papel do saber gramatical na promoo de competncias verbais; d) explicitao de razes para
a aprendizagem da gramtica; e) sugesto do mtodo da descoberta no ensino da gramtica.
Entretanto, aceitando-se que os manuais escolares, objecto de uma nova rea de estudo,
contribuem positivamente para a construo de imagens sobre a gramtica e para a configurao
de prticas de ensino explcito da lngua, inicia-se, no Captulo III, a descrio das perspectivas
dos textos reguladores sobre o ensino da gramtica, procurando descobrir, quer nos programas
vi
escolares, quer na nomenclatura oficial, uma imagem da representao oficial do conhecimento
gramatical. So, porm, os manuais escolares que, mais de perto, determinam a configurao
escolar do ensino da gramtica, pelo que, tambm eles, merecero reflexo terica especfica.
Tendo em conta que os manuais de Portugus constituem o recurso didctico mais
usado no ensino das lnguas e uma agncia de definio dos contedos e dos modos de ensino
da gramtica; sabendo tambm que eles tm um estatuto deveras complexo (Choppin, 1992) e
que podem ser analisados em mltiplas dimenses, definem-se, no Captulo IV, os objectivos
especficos da anlise de dois corpora distintos de manuais (o dos livros e o das gramticas de
Portugus). Enquanto as gramticas sero analisadas histrica, comparativa e descritivamente,
os livros de Portugus sero estudados quanto aos seus nveis de adopo, em termos da sua
estrutura, nos seus discursos e, sobretudo, nas prticas de ensino da lngua que apresentam.
Nos Captulos V e VI, apresentam-se, respectivamente, os resultados do estudo histrico-
descritivo das gramticas escolares de Portugus e os dados da anlise das configuraes do
ensino da gramtica nos livros de Portugus. Os estudos que tm por objecto as gramticas
escolares desenvolvem-se em anlises especficas, tais como a descrio do percurso editorial
dos 15 compndios, a anlise comparativa de duas gramticas, o estudo dos discursos
introdutrios e das funes da gramtica escolar, a caracterizao da estrutura interna das
gramticas, a identificao das fontes das gramticas portuguesas e, por fim, a avaliao de
quatro reas crticas da descrio gramatical escolar portuguesa. Em relao anlise de
contedo dos livros de Portugus, e depois de apresentados os seus nveis de adopo, avaliam-
se as formas de manifestao da presena da gramtica nesses manuais, para concluir com
estudos especficos que tm por objecto actividades de gramtica existentes nos manuais.
No Captulo VII, o das concluses, esperamos revelar, deduzidos dos manuais, dados
novos sobre as implicaes entre conhecimento gramatical explcito e aprendizagem da lngua
materna, e sobre a relao entre os discursos e as prticas de ensino escolar da gramtica.
Poder adiantar-se que, embora os discursos e as prticas do ensino escolar da
gramtica tenham, por vezes, a aparncia de um rito e de um mito (Sousa, 2000; Silva, 2006), a
verdade que reflexes recentes sobre ensino da lngua, desenvolvidas no mbito do paradigma
comunicativo da Educao Lingustica (Castro, 2000a; Lomas, 2006), atribuem ao saber
gramatical funes relevantes na estruturao da conscincia metalingustica, nos usos bem
sucedidos da lngua, na reflexo sobre a linguagem e na organizao do prprio pensamento.
vii
GRAMMAR TEACHING CONFIGURAT IONS IN PORTUGUESE LANGUAGE TEXTBOOKS:
Its functions, organization, contents, pedagogies ABSTRACT
One of the most problematic questions in the context of Portuguese Language Teaching
Methodology is that of the status and functions of grammatical knowledge in the learning of the
mother language which we discuss in this study on grammar configurations in Portuguese
Language textbooks.
In the context of several works on schoolbooks that started being written in Minho
University (Castro et alii, 1999), we propose to describe and analyse in different dimensions
and detail levels a wide range of Portuguese Language books (text and grammar books) used in
the third level of compulsory school from school year 2002/03 to 2004/05.
It is established that this dissertation is divided into two main parts: one of theoretical
contextualization and another one defining the studies about Portuguese Language schoolbooks
and its results. Assuming the analysis (in order to understand it) of grammar functions in the
Portuguese Language learning process as the main aim of this dissertation, we start (in Chapter I)
with the definition of its object and its aims, as well as the contextualization of grammar teaching
in schools.
In Chapter II, we contextualise grammar teaching and learning integrating this work in the
scientific area it belongs to, that of the Mother Language Teaching Methodology. We also discuss
the relationships between linguistic research and language teaching, thus determining the
different meanings (in general and specific terms) of the concept of grammar. The last section of
this chapter discusses grammar teaching in schools in five main aspects: a) reference to previous
studies; b) definition of a proper moment for grammar in Portuguese lessons; c) evaluation of the
role of grammatical knowledge in acquiring verbal competences; d) explanation of the reasons for
learning grammar; e) suggestion of the discovery method in grammar teaching.
Thus, accepting that schoolbooks, being the object of a new study area, positively
contribute to the construction of grammar images as well as to the configuration of explicit
teaching methods, we start, in Chapter III, the description of the perspectives about language
teaching in the official documents. We try to identify, either in the syllabi or in the grammatical
terminology an image of the conception of grammatical knowledge. However, the way grammar is
viii
conceived and taught at school emerges above all from textbooks. This is why they deserve
specific theoretical discussion.
Considering that textbooks are an instance of definition of the contents and the way
language and grammar are taught; taking into account that textbooks are a rather complex object
that can be analysed in several dimensions (Choppin, 1992), we define, in Chapter IV, the aims of
the analysis of the two different corpora of textbooks: the Portuguese Language textbooks and the
Grammar textbooks. Whereas the latter are analysed in a historic and descriptive perspective, the
former are analysed taking into account the levels of adoption, their structure, discourses and,
above all, the tasks involving grammar.
In Chapters V and VI, we present the results of the historic and descriptive study of
grammar textbooks along with data concerning the analysis of grammar in the Portuguese
Language textbooks. The study of the Grammar textbooks is done in specific analysis: the
description of the editorial evolution of the fifteen selected publications, the comparative analysis
of two Grammar textbooks, the study of the introductory discourses, the definition of school
grammar functions and its characterization, the identification of the sources of Portuguese
grammars and the evaluation of four critical areas of grammatical description. As far as
Portuguese Language textbooks are concerned our study is focussed on grammar contents and
tasks.
In Chapter VII, we present the conclusions of the study. We expect to reveal new data
emerging from the textbooks both about the relationships between explicit grammatical
knowledge and the learning of the Mother Language and the relationships between discourses
and practices concerning grammar teaching at school.
It could be said, in advance, that although theory and practice in grammar teaching
sometimes appear to be both a ritual and a myth (Sousa, 2000; Silva, 2006), the truth is that
recent reflections on language teaching performed in the area of the communicative paradigm
of linguistic education (Castro, 2000a; Lomas, 2006) show grammatical knowledge as playing a
relevant role in the building of metalinguistic conscience; in the correct usage(s) of the language,
in the linguistic reflection and even in thought organization.
ix
NDICE GERAL AGRADECIMENTOS.......................................................................................... iii
DEDICATRIA .................................................................................................. iv
RESUMO.......................................................................................................... v
ABSTRACT....................................................................................................... vii
NDICES GERAL E DE QUADROS...................................................................... ix
EXPLICAO DE TERMOS, SIGLAS, CDIGOS.................................................. xv
Captulo I. INTRODUO: DEFINIO DO PROBLEMA A ESTUDAR..................................... 01
1.1. Apresentao preliminar do objecto de estudo ............................................................ 04
1.2. Enquadramento e importncia de estudos sobre a(s) gramtica(s) .............................. 13
1.3. Objectivos fundamentais da presente investigao ...................................................... 18
1.4. Justificao da organizao interna da dissertao...................................................... 21
PARTE A: DEFINIO DO QUADRO TERICO E DO QUADRO REGULADOR ........... 25
Captulo II. CONTEXTUALIZAO DO ENSINO DA GRAMTICA NA ESCOLA ...................... 27
2.1. A didctica e a lingustica na caracterizao do ensino da gramtica ........................... 27
2.1.1. Para uma definio de didctica da lngua e da gramtica .................................... 28
2.1.2. Relaes entre investigao lingustica e ensino da lngua ..................................... 35
2.2. Sobre os cinco sentidos da gramtica ......................................................................... 42
2.2.1. Proposta de definio dos sentidos correntes da gramtica................................... 45
2.2.2. Fundamentao lexicogrfica do conceito de gramtica ........................................ 48
2.2.3. Categorizao dos sentidos especficos da gramtica............................................ 57
2.2.4. Para uma definio da gramtica de tipo escolar .................................................. 61
2.3. A questo do ensino da gramtica na escola............................................................... 73
2.3.1. Estudos de referncia sobre a gramtica na escola ............................................... 76
2.3.2. Do ensino da lngua materna definio de aula de Portugus ............................. 85
2.3.3. A gramtica e o desenvolvimento de competncias: o caso da escrita ................... 95
2.3.4. Fundamentos do ensino da gramtica na escola ................................................... 107
2.3.5. O mtodo da descoberta na aprendizagem da gramtica ...................................... 118
x
CAPTULO III. DIMENSES E NVEIS DE REGULAO DO ENSINO DA GRAMTICA: DOS
MANUAIS ESCOLARES AO DISCURSO REGULADOR OFICIAL ............................................. 127
3.0. Introduo: a gramtica entre os manuais e os programas.......................................... 127
3.1. O manual escolar como novo campo de estudo .......................................................... 133
3.1.1. Definio e caracterizao do manual escolar ....................................................... 136
3.1.2. O estatuto e as funes dos manuais escolares .................................................... 141
3.2. O processo de adopo de manuais escolares ............................................................ 149
3.2.1. A legislao sobre manuais escolares ................................................................... 150
3.2.2. A certificao da qualidade cientfico-pedaggica dos manuais .............................. 153
3.2.3. As fases e os critrios de apreciao dos manuais escolares................................. 156
3.2.4. A edio e as estratgias de promoo dos manuais escolares ............................. 159
3.3. A histria do manual escolar e a historiografia gramatical............................................ 163
3.4. Princpios do ensino da gramtica nos Programas de Portugus.................................. 173
3.4.1. Delimitao dos textos programticos a analisar ................................................... 176
3.4.2. Estudo dos textos programticos anteriores a 1991 .............................................. 178
3.4.3. Anlise dos programas de Lngua Portuguesa de 1991 ......................................... 187
3.4.4. Breve descrio dos documentos reguladores de 1997 e de 2001........................ 193
3.4.5. Apontamentos finais sobre os textos programticos .............................................. 201
3.5. A funo reguladora da nomenclatura gramatical ........................................................ 208
3.5.1. Perspectiva histrica sobre a nomenclatura gramatical portuguesa........................ 214
3.5.2. Debate sobre a funo pedaggica da terminologia lingustica............................... 220
3.5.3. A nomenclatura gramatical como fora reguladora................................................ 224
PARTE B: DESCRIO DO(S) ESTUDO(S), ANLISE DE DADOS E CONCLUSES 227 Captulo IV. ESTUDO(S) DAS CONFIGURAES DO ENSINO DA GRAMTICA EM MANUAIS
ESCOLARES DE PORTUGUS DO 3. CICLO DO ENSINO BSICO ...................................... 228
4.1. Apresentao do(s) estudo(s)...................................................................................... 228
4.2. A anlise de contedo como processo de descrio e de explicao............................ 230
4.3. Objectivos especficos da anlise dos manuais escolares............................................. 233
4.4. Justificao e fundamentao dos corpora G-3 e L-3 ................................................... 237
4.4.0. Apresentao dos corpora .................................................................................... 240
xi
4.4.1. Acerca dos critrios de fixao dos corpora L-7, L-8, L-9 ....................................... 243
4.4.2. Sobre os critrios de delimitao do corpus G-3 .................................................... 244
4.5. Dimenses e procedimentos de anlise das gramticas de Portugus ......................... 250
4.5.0. Introduo geral anlise dos manuais escolares................................................. 250
4.5.1. Dimenses e fases de anlise das gramticas de Portugus.................................. 251
4.5.2. Definio da perspectiva histrica de estudo das gramticas................................. 252
4.5.3. Dimenses da anlise comparativa das gramticas G11 e G15............................. 256
4.5.4. Procedimentos da anlise sincrnica das gramticas escolares............................. 257
4.5.5. Definio das funes da gramtica escolar.......................................................... 259
4.5.6. Modelo descritivo da organizao interna das gramticas...................................... 266
4.5.7. Princpios de anlise das fontes da gramtica escolar ........................................... 271
4.5.8. Domnios de estudo das reas crticas da gramtica escolar .............................. 273
4.6. Dimenses e procedimentos de anlise dos livros de Portugus .................................. 277
4.6.0. Momentos fundamentais do estudo dos corpora L-3 ............................................. 277
4.6.1. Procedimentos do estudo dos nveis de adopo dos livros de Portugus .............. 278
4.6.2. Dimenses de anlise dos textos de abertura........................................................ 280
4.6.3. Procedimentos da descrio de componentes dos manuais .................................. 282
4.6.4. Dimenses e categorias de anlise das sries L02, L10, L11................................ 287
Captulo V. ESTUDO HISTRICO-DESCRITIVO DAS GRAMTICAS ESCOLARES DE PORTUGUS
DO 3. CICLO DO ENSINO BSICO .................................................................................... 297
5.0. Definio do(s) estudo(s) da gramtica escolar............................................................ 297
5.1. Para a histria da gramtica escolar portuguesa ......................................................... 299
5.1.1. Introduo histria da gramtica........................................................................ 299
5.1.2. Descrio do percurso editorial das 15 gramticas escolares ................................ 302
5.1.3. Sntese do percurso histrico das gramticas escolares ........................................ 318
5.1.4. Anlise comparativa de trs verses das gramticas G11 e G15 ........................ 329
5.1.5. Apontamentos finais sobre a histria da gramtica escolar.................................... 349
5.2. Para uma descrio da gramtica escolar portuguesa ................................................. 352
5.2.1. Discursos sobre o conceito de gramtica escolar .................................................. 352
5.2.2. Funes da gramtica escolar portuguesa ............................................................ 363
xii
5.2.3. Organizao interna da gramtica escolar............................................................. 376
5.2.4. As fontes (annimas) da gramtica escolar ........................................................... 384
5.2.5. A questo dA Lngua Portuguesa no Mundo...................................................... 400
5.2.6. A definio das classes de palavras ...................................................................... 402
5.2.7. O caso particular das interjeies ......................................................................... 406
5.2.8. Os processos especiais de formao de palavras .................................................. 413
Captulo VI. ESTUDO ANALTICO DAS CONFIGURAES DO ENSINO DA GRAMTICA NOS
LIVROS DE PORTUGUS DO 7., 8. E 9. ANOS DE ESCOLARIDADE................................. 423
6.0. Apresentao do(s) estudo(s) dos manuais ................................................................. 423
6.1. Nveis de adopo dos livros de Portugus do 3. ciclo................................................ 425
6.2. Estatuto da gramtica segundo os textos de abertura .................................................. 430
6.3. (Omni)presena da gramtica nos livros de Portugus ................................................ 440
6.3.1. Seces especficas sobre Funcionamento da Lngua............................................ 443
6.3.2. Fichas Informativas de Gramtica integradas no manual ....................................... 445
6.3.3. Anexos de Informao Gramatical includos no manual ......................................... 451
6.3.4. Estatuto dos Livros de gramtica como livros auxiliares......................................... 461
6.4. Sobre as actividades de gramtica nos livros de Portugus.......................................... 470
6.4.1. Dos discursos introdutrios sobre os fins do ensino da gramtica.......................... 471
6.4.2. Dos espaos de gramtica na estrutura dos manuais escolares ............................ 475
6.4.3. Dos tipos de actividade de gramtica propostos pelos manuais ............................. 486
6.4.4. Da progresso no conhecimento gramatical ao longo do 3. ciclo.......................... 496
6.4.5. Da (im)possvel aplicao do saber gramatical escrita ........................................ 501
6.4.6. Da natureza da avaliao do conhecimento gramatical escolar.............................. 506
6.4.7. Sobre modelos integrados de ensino da gramtica............................................. 509
6.4.8. De como tambm (no) se ensina gramtica aos professores ............................... 513
Captulo VII. CONCLUSO OU PORQUE ENSINAR (AINDA) GRAMTICA MA ESCOLA?....... 519
7.1. Entre discursos e prticas de ensino da gramtica ...................................................... 519
7.2. Limitaes deste trabalho e projeco de estudos futuros ........................................... 541
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 547 ANEXOS ............................................................................................................................ 581
xiii
NDICE DE LISTAS E DE QUADROS1
CAPTULO IV:
LISTA A: Corpus de gramticas de Portugus do 3. ciclo (G-3), disponveis no mercado .... 240
LISTA B: Corpus de livros de Portugus do 7. ano (L-7), adoptados em 2002/03.............. 241
LISTA C: Corpus de livros de Portugus do 8. ano (L-8), adoptados em 2003/04.............. 242
LISTA D: Corpus de livros de Portugus do 9. ano (L-9), adoptados em 2004/05.............. 243
QUADRO 1: Categorias dos captulos de um modelo possvel de gramtica escolar.............. 270
QUADRO 2: Manuais seleccionados para as diferentes fases da investigao....................... 277
CAPTULO V:
QUADRO 1: Manuais de gramtica com uma nica verso .................................................. 322
QUADRO 2: Manuais de gramtica com diferentes verses / sries..................................... 322
QUADRO 3: Percurso editorial e total de edies dos manuais com uma nica verso ......... 324
QUADRO 4: Percurso editorial e nmero de edies dos manuais com diferentes verses ... 324
QUADRO 5: Dcadas do incio de publicao das gramticas escolares portuguesas ........... 325
QUADRO 6: Definies da gramtica e das suas partes nas trs verses da G11 ................. 334
QUADRO 7: Definies da gramtica e das suas partes nas trs verses da G15 ................. 344
QUADRO 8: Pblicos e ttulos das gramticas escolares portuguesas................................... 355
QUADRO 9: Informaes fornecidas pelos ttulos e subttulos das gramticas ...................... 357
QUADRO 10: Definies de gramtica apresentadas na contracapa das obras .................... 366
QUADRO 11: Exemplificao de funes nas gramticas escolares portuguesas.................. 367
QUADRO 12: Frmulas de concordncia com os programas oficiais de Portugus............... 371
QUADRO 13: Funes atribudas (ao ensino da) gramtica nos textos de abertura............ 372
QUADRO 14: Frequncia de captulos das gramticas escolares do Portugus .................... 380
QUADRO 15: Total e mdia de pginas consagradas aos diferentes captulos...................... 381
QUADRO 16: Rubricas secundrias existentes nas gramticas escolares............................. 384
QUADRO 17: Referncias abonatrias no corpo textual das gramticas escolares................ 387
QUADRO 18: Tipos de textos exemplificativos presentes nas gramticas escolares .............. 397
QUADRO 19: A interjeio entre as outras classes de palavras............................................ 405
1 Os quadros integrados no corpo textual, que s existem nos Captulos IV, V e VI, so numerados em cada um desses captulos (Quadro 1, etc.).
xiv
QUADRO 20: Exemplos de siglas e de acrnimos apresentados pelas gramticas ............... 418
QUADRO 21: Exemplos de derivao parassinttica apresentados nas gramticas .............. 422
CAPTULO VI:
QUADRO 1: Nveis de adopo dos novos livros de Portugus do 3. ciclo ........................... 426
QUADRO 2: Primeiros lugares de adopo dos livros escolares, por distrito ......................... 428
QUADRO 3: Nmero total de adopes por editora e por ano lectivo.................................... 430
QUADRO 4: Funes da gramtica nos textos de abertura das 17 sries de manuais........... 434
QUADRO 5: Presena do domnio da gramtica nos livros de Portugus do 3. ciclo ............ 442
QUADRO 6: Livros escolares com Fichas Informativas de Gramtica.................................... 446
QUADRO 7: Anexos de Informao Gramatical includos nos livros de Portugus.................. 451
QUADRO 8: Livros escolares com Anexos de Informao Gramatical ................................... 453
QUADRO 9: Categorias de Livros de gramtica nos manuais do 3. ciclo ............................. 464
QUADRO 10: Tipos de actividade de gramtica nas sries L02, L10 e L11.......................... 492
QUADRO 11: Distribuio dos contedos aplicados por reas da gramtica escolar............. 494
QUADRO 12: Tipos de actividade de gramtica das Fichas de Avaliao do L10-7 ............... 508
QUADRO 13: Tipos principais de referncia do Guia do Professor na srie L02.................... 514
SECO FINAL DE ANEXOS2:
Anexo A: Critrios de apreciao dos manuais escolares (2002/03 a 2004/05)............... 583
Anexo B: Textos de abertura dos livros de Portugus do 3. ciclo do Ensino Bsico ........... 584
Anexo C: Adopes por distrito, em 2002/03, dos livros de Portugus do 7. ano ............ 585
Anexo D: Adopes por distrito, em 2003/04, dos livros de Portugus do 8. ano ............ 586
Anexo E: Adopes por distrito, em 2004/05, dos livros de Portugus do 9. ano............. 587
Anexo F: Designao das seces de actividades de gramtica nos livros de Portugus .... 588
Anexo G: Contedos abordados nas Fichas Informativas de Gramtica da srie L12 ......... 589
Anexo H: Contedos gramaticais dos Anexos de Informao Gramatical da srie L05 ....... 591
Anexo I: Contedos gramaticais dos Anexos de Informao Gramatical da srie L14......... 593
Anexo J: Livros auxiliares associados aos livros de Portugus do 7. ano .......................... 594
Anexo K: Livros auxiliares associados aos livros de Portugus do 8. ano .......................... 595
Anexo L: Livros auxiliares associados aos livros de Portugus do 9. ano .......................... 596
2 Os quadros colocados, como anexo, aps a bibliografia final, so identificados por letras maisculas (Anexo A, Anexo B, etc.).
xv
Anexo M: Contedos gramaticais dos Livros de gramtica anexos srie L08 .................. 597
Anexo N: Contedos gramaticais das Fichas de Funcionamento da Lngua da srie L11 ... 599
Anexo O: Estrutura das sequncias didcticas dos livros de Portugus L02, L10, L11....... 601
Anexo P: Designao das unidades didcticas dos livros de Portugus L02, L10, L11....... 602
Anexo Q: Estrutura externa dos livros de Portugus das sries L02, L10, L11 ................... 603
Anexo R: Propostas de escrita identificadas nas sequncias didcticas do L11-7............... 604
EXPLICAO DE TERMOS, SIGLAS, CDIGOS, SMBOLOS E NORMAS GRFICAS
Com a inteno de definir o uso unvoco de palavras-chave desta dissertao, apresenta-
se, na seco 1., um glossrio com a explicao de alguns termos. Entretanto, ao longo da
dissertao, procede-se definio de outros, segundo o contexto em que so empregues.
Numa outra seco (2.), explicitam-se as siglas e os acrnimos que so utilizados, alguns
deles de forma muito frequente, ao longo da dissertao: a se incluem ttulos de publicaes
oficiais ou de obras de referncia na rea do ensino da lngua, nomes de instituies ou de
associaes ligadas ao ensino do Portugus e termos que traduzem conceitos frequentemente
utilizados no mbito da Didctica das Lnguas.
Na terceira seco, indica-se o valor especfico dos cdigos utilizados para referir os
quatro corpora de livros e de gramticas escolares de Portugus, para indicar as sries
completas de manuais existentes no 3. ciclo e para identificar cada um dos livros de Portugus
ou das gramticas escolares portuguesas, individualmente considerados.
Por fim, na ltima seco (4.), introduzimos, ainda, a explicao e a descrio do uso de
outros smbolos e de normas grficas, utilizadas ao longo do texto desta dissertao,
particularmente na citao fidedigna de textos gramaticais mais antigos, em referncias
bibliogrficas das mais diversas e no confronto entre verses de textos gramaticais.
1. TERMOS
Aprendizagem da lngua (materna) Processo de desenvolvimento lingustico em que se
distingue, normalmente, a aquisio de linguagem da aprendizagem formal de uma lngua,
diferenciando-se, assim, uma fase de apropriao natural das estruturas lingusticas de uma
outra de desenvolvimento efectivo, em contexto escolar, de saberes explcitos sobre a lngua.
xvi
Funcionamento da lngua Designao adoptada pelos programas de Portugus de 1991
para designar o domnio especfico do saber explcito da lngua materna, ou seja, da gramtica.
Livros auxiliares So todos os cadernos de apoio que aparecem como complementos dos
manuais, tais como livros do professor, guies de leitura, cadernos de actividades, cadernos do
aluno, cadernos com fichas informativas, livros de exposio ou de aplicao gramatical, obras
de leitura integral, porteflios com actividades de expresso escrita, livros de jogos lingusticos.
Manuais escolares Designao que abarca uma gama muito alargada de livros escolares
(Choppin, 1992), no apenas os que j o so pela sua prpria natureza, mas tambm os que se
tornam pelo seu uso escolar; no caso especfico do ensino do Portugus, tal termo designa quer
os livros principais ou livros de textos que so adoptados oficialmente para uso da disciplina (os
livros de Portugus), quer os livros auxiliares aconselhados pelo professor ou adquiridos pelos
alunos como obras de referncia e de consulta (neste caso, as gramticas de Portugus).
Portugus/Lngua Portuguesa Designaes que identificam a disciplina curricular dos
Ensinos Bsico e Secundrio que tem por objecto e como objectivo o ensino da lngua materna.
2. SIGLAS E ACRNIMOS UTILIZADOS
AOLP (1990) Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa
APEL Associao Portuguesa de Editores e Livreiros
APL Associao Portuguesa de Lingustica
APP Associao de Professores de Portugus
CEL (1997/2001) Conhecimento explcito da lngua
CNEB (2001) Currculo Nacional do Ensino Bsico
DL(M) Didctica da lngua (materna)
DLE Didctica das lnguas estrangeiras
DTL (1990/1992) Dicionrio de Termos Lingusticos
EL Educao lingustica
EG Ensino da gramtica
FL (1991) Funcionamento da lngua
xvii
GE Gramtica escolar
LBSE (1986) Lei de Bases do Sistema Educativo
LE/L2 Lngua estrangeira
LM/L1 Lngua materna
LMEB (1997) A Lngua Materna na Educao Bsica
ME(N) Ministrio da Educao (Nacional)
NGP (1967) Nomenclatura Gramatical Portuguesa
NGPC (1984) Nova Gramtica do Portugus Contemporneo
PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa
PISA (2000) Programme for International Student Assessment
PLE Portugus Lngua Estrangeira
PP/PLP (1991) Programas de Portugus/Programas de Lngua Portuguesa
PNG (1991) Proposta de Nomenclatura Gramatical
PNLD Programa Nacional do Livro Didtico (Brasil)
PNLEM Programa Nacional para o Livro do Ensino Mdio (Brasil)
QECR(L) (2001) Quadro Europeu Comum de Referncia (para as Lnguas)
SPDLL Sociedade Portuguesa de Didcticas das Lnguas e Literaturas
TLEBS (2004) Terminologia Lingustica para os Ensinos Bsico e Secundrio
3. CDIGOS ESPECFICOS DOS CORPORA E DOS MANUAIS ESCOLARES3
L-3 Corpus dos 38 livros escolares de Portugus do 3. ciclo
L-7 Corpus dos 16 livros escolares de Portugus do 7. ano
L-8 Corpus dos 12 livros escolares de Portugus do 8. ano
L-9 Corpus dos 10 livros escolares de Portugus do 9. ano
G-3 Corpus das 15 gramticas de Portugus do 3. ciclo
L01 Livros de Portugus da srie N. 1 (7., 8. e 9. anos)
L10 Livros de Portugus da srie N. 10 (7., 8. e 9. anos)
L01-7 Livro de Portugus N. 1 do 7. ano
L16-8 Livro de Portugus N. 16 do 8. ano
3 Os livros de Portugus mantm, ao longo do 3. ciclo, o mesmo nmero de srie (L01-7, L01-8, L01-9) e quando deixam de ser publicados do origem a uma srie incompleta: L15-7 e L15-8; L04-7, L13-7.
xviii
L02-9 Livro de Portugus N. 2 do 9. ano
G01 Gramtica de Portugus N. 1
G15 Gramtica de Portugus N. 15
G03-3/S Gramtica de Portugus N. 3, destinada ao 3. ciclo e ao Ensino Secundrio4
4. OUTROS SMBOLOS E NORMAS GRFICAS
a) Seguem-se aqui todas as normas de formatao de teses do despacho RT-32/2005,
salvo na utilizao generalizada do tipo oficial de letra da Universidade do Minho5;
b) Particularmente nas citaes de textos, o sinal [] indica cortes textuais; os textos
acrescentados em verses posteriores, pelo autor da tese ou pelos autores citados, so tambm
inseridos entre parntesis rectos [texto acrescentado]; os textos suprimidos em verses mais
recentes so assinalados por outro tipo de parntesis simples - ;
c) O ponto de interrogao (?) indica informaes no totalmente confirmadas ou,
sobretudo no Captulo V, incertezas ou faltas na datao de determinadas publicaes;
d) Todos os textos antigos citados e todos os excertos dos compndios de gramtica
escolar so integralmente fiis ao documento original, mantendo-se as gralhas, as maisculas, os
itlicos, os negritos, os sublinhados, assim como as normas ortogrficas ento vigentes;
e) Nos manuais escolares (ou nos livros auxiliares), sempre que as suas pginas iniciais
no eram numeradas, convencionou-se, para efeitos de citao, atribuir uma numerao (I, II, III,
IV, etc.) a contar da folha de rosto ou da folha de guarda (no caso de existir).
4 Os sufixos convencionados, que podem combinar-se entre si e que indicam o(s) pblico(s) das gramticas escolares, so os seguintes: -3 (3. ciclo), -B (Ensino Bsico), -S (Ensino Secundrio), -? (pblico no definido explicitamente). 5 Porque os quadros (quer os includos na Parte B do texto da dissertao, quer os apresentados no final da tese, como anexos) foram sendo construdos em letra Times New Roman, a sua alterao para o tipo NewsGotT provocaria danos irremediveis na apresentao dos mesmos, pelo que se optou, para manter uma certa coeso grfica, por usar aquele tipo de letra ao longo de todo o corpo da dissertao, excepto nestas 22 pginas iniciais, na capa, na lombada e, evidentemente, na folha de rosto da tese, como alis est determinado no referido despacho reitoral.
I. INTRODUO: DEFINIO DO PROBLEMA A ESTUDAR
Este captulo tem como finalidade proceder definio prvia do problema a
explorar ao longo do trabalho. Se o mbito genrico da investigao se cruza com o
ensino do Portugus, o problema especfico eleito objecto de estudo o do estatuto, das
funes e da organizao do domnio da gramtica no ensino-aprendizagem da lngua.
Assim, a hiptese de investigao levantada traduz-se no princpio de que o
conhecimento gramatical explcito ter um papel, desempenhar funes especficas e
estar organizado de modo a agilizar a aprendizagem escolar da lngua.
De entre mltiplas opes que poderiam ser feitas, decidimos analisar as
Configuraes do ensino da gramtica nos manuais de Portugus que foram adoptados
na sequncia do CNEB de 2001. A escolha dos manuais justifica-se, no s porque eles
constituem um campo especfico de estudo, mas porque temos a oportunidade de avaliar
aqueles livros escolares que foram publicados e seguidos nas escolas nos tempos mais
recentes (de 2002/03 a 2004/05) e na sequncia do referido texto regulador.
Dada a escassez de trabalhos sobre o ensino da gramtica, uma investigao
desta natureza poder constituir contributo relevante para a rea de conhecimento da
Didctica / Metodologia do Ensino do Portugus. Partindo deste pressuposto, iniciamos,
no primeiro ponto, a apresentao do nosso objecto de estudo, o ensino da gramtica,
historiando a origem do ensino escolar do Portugus e distinguindo, desde logo, a
aquisio e a aprendizagem de uma lngua. No ponto 1.2., enquadramos e justificamos
este estudo, no mbito acadmico e no quadro de pesquisas que vimos realizando e cujo
centro de interesse a anlise de gramticas escolares. Entretanto, definimos os
objectivos gerais orientadores dos estudos em que se analisam os livros e as gramticas
de Portugus. A terminar este captulo, no ponto 1.4., justifica-se a organizao da
dissertao, dividida em sete captulos distintos e duas partes: uma de enquadramento
terico; outra de apresentao dos estudos e dos seus resultados.
Porque a questo do ensino escolar da gramtica e a do estatuto do
conhecimento gramatical no ensino-aprendizagem da lngua materna alvo de acesos
debates no quadro da Didctica / Metodologia do Ensino do Portugus, cremos ser
pertinente referir, j de seguida, um conjunto de textos seleccionados que representam:
a) teses de gramticos sobre o valor instrumental e normativo da gramtica; b) antteses
enunciadas por linguistas que questionam as funes do saber gramatical; c) snteses em
que se procura conciliar posies e justificar um regresso da gramtica escola.
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- 2 -
E no desconfiemos da nossa lngua porque os homens fazem a lngua, e no a lngua
os homens. [] E, pois, gramtica arte que ensina a bem ler e falar []. (Buescu,
1975: 43)
A Gramtica Portuguesa o conjunto de normas e regras que ensinam a falar e a
escrever correctamente a nossa lngua. (Ferreira e Amaral, 1965: 5)
Na segunda parte, constituda por sete captulos, tentamos levar o aluno a reflectir
sobre o funcionamento da lngua, a fim de compreender que s a partir dessa reflexo
poder encarar a aprendizagem da gramtica, no como um objectivo a atingir, mas
como meio de melhorar a sua expresso oral e escrita. (G04, 2001: 2)
* * *
No ensinando gramtica, no lendo gramticas que se adquire o conhecimento da
lngua, quer em termos de leitura, quer em termos de escrita. lendo e escrevendo. E
portanto, o ensino da literatura, o ensino do texto literrio tem que ter sempre como
objectivo primordial esta articulao da literatura com a competncia lingustica e no
apenas em termos de preservao da lngua. (Aguiar e Silva, 1999: 181)
Quando justificamos o ensino de gramtica dizendo que para que os alunos venham a
escrever (ou ler, ou falar) melhor, estamos prometendo uma mercadoria que no
podemos entregar. Os alunos percebem isso com bastante clareza, []. (Perini, 2002b:
50-51)
Ocasionalmente, adorna-se o tema ou a lio com alguns conceitos sociolingusticos
ou textuais, com a presena de textos de natureza e inteno diversas (argumentativos,
narrativos, descritivos) e com actividades referidas ao uso oral ou coerncia dos
textos escritos. No obstante, o enfoque didctico continua fiel ideia de que o
conhecimento gramatical em si mesmo e o estudo das obras e dos autores da literatura
consagrados pela historiografia e pela crtica literrias so a nica via atravs da qual
possvel transitar em direco aquisio escolar da competncia comunicativa pelos
alunos. (Lomas, 2003: 281)
CO N F I G U R A E S D O E N S I N O D A G R A M T I C A E M M A N U A I S ESC O L A R E S D E PO R T U G U S
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* * *
Nas ltimas duas dcadas, a intensificao das crticas gramtica tradicional,
acompanhada de um crescimento exponencial das pesquisas sobre textualidade, discurso
ou interao resultou em atos de rebeldia contra o ensino da gramtica. preciso
entender que boa parte daqueles que se declaram contra o ensino da gramtica o fazem
baseados, principalmente, em dois argumentos. O primeiro o de que a gramtica
incompetente na implementao de sua tarefa, qual seja, apresentar ao aluno um
conhecimento teoricamente consistente sobre a lngua, tendo em vista as suas
modalidades e os seus registros. O segundo o de que o papel do conhecimento
gramatical na competncia de leitura e de produo de textos mnimo. Ora, quando se
fala em gramtica, preciso termos em mente que o conhecimento sobre a lngua no se
resume quele saber consagrado nas gramticas normativas []. (Dias, 2001: 128)
Saber falar significa saber uma lngua. Saber uma lngua significa saber uma
gramtica. (Oportunamente, esclareceremos melhor alguns conceitos de gramtica).
Saber uma gramtica no significa saber de cor algumas regras que se aprendem na
escola, ou saber fazer algumas anlises morfolgicas e sintcticas. Mais profundo do
que esse conhecimento o conhecimento (intuitivo ou inconsciente) necessrio para
falar efetivamente a lngua. (Possenti, 2002: 30)
neste ponto que deve referir-se uma outra competncia a desenvolver no ensino da
lngua: o conhecimento explcito das suas caractersticas, propriedades e
funcionamento, ou seja, o ensino da gramtica (ensino que foi ostracizado nos anos
60, com a entrada do oral na escola, e que retornou, nas dcadas de 70 e 80, em
completa confuso entre transmisso directa de conceitos lingusticos e pedagogia do
conhecimento explcito da lngua). No pretendo defender aqui o conceito tradicional de
gramtica pedaggica que apela memria e acompanhado por algumas estratgias
melhor diria, estratagemas que permitem reconhecer, quase automaticamente, as
categorias verbais e frsicas do enunciado. O conhecimento que hoje possumos dos
princpios presentes na gramtica universal, decorrentes das propriedades que
caracterizam as lnguas e dos parmetros em que se situa cada lngua particular,
permitem-nos desenhar outros contornos para a introduo do conhecimento explcito
da lngua no ensino da lngua materna. (Mateus, 2003: 540)
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1.1. APRESENTAO PRELIMINAR DO OBJECTO DE ESTUDO
Todas estas consideraes mostram a necessidade de transformar a sala de aula em um tempo de reflexo sobre o j-conhecido para aprender o desconhecido e produzir o novo. [] Aquele que aprendeu a refletir sobre a linguagem capaz de compreender uma gramtica que nada mais do que o resultado de uma (longa) reflexo sobre a lngua; aquele que nunca refletiu sobre a linguagem pode decorar uma gramtica, mas jamais compreender seu sentido. (Geraldi, 2002: 63-64)
Este captulo introdutrio, em que se tencionam definir os contornos do
problema de investigao, est organizado em quatro momentos fundamentais: neste
primeiro, faz-se a apresentao preliminar do objecto de estudo; no segundo, enquadra-
se a investigao e justifica-se a importncia deste tipo de trabalhos; no terceiro,
definem-se os objectivos gerais da investigao; no ltimo, explica-se a estrutura interna
desta dissertao.
Como aponta o subttulo da tese, o que este estudo pretende avaliar do estatuto
e das funes do conhecimento gramatical (explcito) no ensino-aprendizagem de uma
lngua, em particular atravs do estudo das Configuraes do ensino da gramtica em
manuais de Portugus e pela anlise dos contedos seleccionados e dos modos de
operacionalizao das actividades. Se o saber gramatical constitui, pois, o cerne do
objecto de estudo, a perspectiva da sua anlise aproxima-o tambm de uma outra
questo: aquela que diz respeito ao desenvolvimento das competncias verbais.
Nesse sentido, definindo como hiptese de investigao a de que o
conhecimento explcito da gramtica proporcionar ou potenciar uma aprendizagem
mais produtiva da lngua e um desenvolvimento mais completo das competncias
lingusticas, esperamos, quer na discusso terica, quer nas anlises empricas de
manuais escolares, coligir alguns dados que confirmem (ou questionem) o princpio que
aqui estamos a enunciar, debatendo ideias e procurando responder a questes como
estas que se enunciam: a) Que discursos revelam a afirmao de influncias positivas
entre saber lingustico e a aprendizagem escolar do Portugus ?; b) Que prticas
propostas pelos manuais escolares contribuem, de facto, para a promoo de
capacidades de escrita e/ou de leitura ?
O tipo de material a analisar exerceu bastante influncia na seleco e na
problematizao do objecto. De facto, tendo optado por um domnio especfico do
ensino-aprendizagem do Portugus (a gramtica), e porque o objectivo seria verificar
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prticas pedaggicas correntes na escola actual, os manuais escolares apresentaram-se-
nos, desde logo, como documentos em que possvel analisar as configuraes do
ensino da gramtica, sobretudo porque os estudos de livros escolares se assumem como
nova rea de conhecimento. Por outro lado, a oportunidade de analisar manuais
escolares do 3. ciclo que iam sendo publicados na sequncia do CNEB pesou
fortemente na delimitao do corpus de anlise.
Mesmo sem ser absolutamente determinante, houve um outro factor que tambm
fundamentou a opo pelo estudo da gramtica escolar: o facto de, nos tempos mais
recentes, serem muito raros os trabalhos de investigao sobre esta temtica especfica.
Depois do trabalho inaugural de Castro (1995a), apenas conhecemos quatro outras
investigaes (teses de mestrado e de doutoramento) que se referem (directa ou
indirectamente) ao domnio da gramtica: a de Pinto (2001), que analisa o discurso
gramatical escolar em manuais escolares do 2. ciclo; a de Rodrigues (2003), que
tambm se dedica questo do ensino da gramtica, mas sem fazer anlise de manuais;
a de Lopes (2004), na qual includa uma breve anlise de um tpico gramatical em
gramticas escolares; e a de Maralo (2004), intitulada precisamente Fundamentos para
uma Gramtica de Funes Aplicada ao Portugus, e onde, no quadro da sintaxe
funcional, a autora define as funes sintcticas, semnticas e informativas, estudando
particularmente os complementos perifricos da orao e a sintaxe dos enunciados.
Perante a multiplicidade de questes que se levantam e dada a escassez de
trabalhos especficos nesta rea, decidiu-se, portanto, estudar as gramticas e os livros
de Portugus, descrever a histria daquelas e as formas de adopo escolar destes,
analisar os contedos e as actividades gramaticais apresentados em todos eles.
Estaremos, desta forma, a descrever e as representaes do ensino da gramtica e, por
essa via, a estudar criticamente propostas de ensino escolar da lngua. Alm disso,
porque estudamos o discurso regulador do ensino da gramtica, tambm poderemos
confrontar tal discurso com as propostas dos manuais escolares.
Aplicando aos estudos de todos os manuais escolares o mtodo da anlise de
contedo, temos ainda de especificar que esta investigao aceita como orientadora a
perspectiva enunciada por Soares (2001), segundo a qual a reflexo sobre o ensino da
lngua materna ganha todo o sentido quando a finalidade compreender tal realidade.
Na verdade, se, do ponto de vista da aprendizagem escolar da lngua e da
gramtica, defensvel o princpio didctico de que os alunos, mais do que conhecer e
repetir, devam ser capazes de compreender e reflectir (Cf. Bagno, 1999: 82), tambm
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fundamental que as investigaes sobre o ensino escolar da gramtica sigam
perspectivas similares s atrs enunciadas por Soares (2001) e por Geraldi (2002), as
quais se podem aplicar tanto aos aprendentes da lngua materna, como aos
investigadores da linguagem e das lnguas.
Sublinhe-se, igualmente, que quer a escolha do material a analisar, quer a opo
por estas perspectivas de abordagem procuraram adequar-se aos objectivos desta
investigao, no sentido de analisar o papel do conhecimento gramatical explcito no
ensino-aprendizagem da lngua materna. Devido, porm, complexa questo do ensino
escolar da gramtica, no ser possvel dar respostas definitivas a este problema. Deve,
de facto, reconhecer-se que investigar o ensino da gramtica na escola um desafio, a
vrios ttulos, estimulante, mas deveras problemtico, pois nele se cruzam mltiplas
dimenses. Em todo o caso, o que qualquer estudo sobre esta questo no deixar de
comprovar a actualidade e a pertinncia de uma reflexo sobre o estatuto da gramtica
na rea do Portugus, ultrapassando-se, por exemplo, um clssico dilema: explicar se o
ensino da gramtica um problema j (ultra)passado ou se se traduz num debate
realmente com futuro.
Perspectivada, assim, esta reflexo do ensino da gramtica na escola, h alguns
pontos fundamentais que, nesta aproximao preliminar, cremos devam ser abordados.
Referimo-nos, em particular, discusso da pluralidade semntica do termo gramtica,
definio do que ensinar Portugus, ao contributo da anlise de manuais no acesso a
essa definio, constituio histrica da gramtica escolar e, sobretudo, distino
entre aquisio e aprendizagem da gramtica de uma lngua, procurando encontrar uma
resposta para as questes que nos levantam os textos apresentados nas pginas
anteriores (pp. 2 e 3). Na verdade, ao seleccionar como objecto de estudo a gramtica
em contexto escolar, devemos explicar, mesmo que introdutoriamente, o que se entende
por gramtica e pelo seu ensino, como se circunscreveu histrica e sincronicamente a
rea do Portugus e que funes desempenham os manuais escolares na construo e na
organizao de uma Configurao escolar do ensino da gramtica.
Importa, entretanto, apresentar uma perspectiva didctica do que afinal ensinar
lngua materna. Como proposta e sntese pessoal, diremos que ensinar Portugus ,
cumulativamente, desenvolver conhecimentos e competncias, e promover atitudes e
valores. Em todas estas dimenses, pode o saber gramatical desempenhar um papel
especfico, no apenas como contedo declarativo, mas tambm como saber processual,
que apoia o desenvolvimento das capacidades de uso da lngua. Com efeito, o
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conhecimento explcito da gramtica, o domnio instrumental da lngua e o uso da
linguagem ensinam, como esperamos demonstrar, a dizer, a pensar, a sentir, a fazer nas
diferentes dimenses de realizao humana.
Numa outra perspectiva, se lanarmos um olhar sobre a histria do ensino da
lngua materna, verificamos que, durante muito tempo, ensinar Portugus equivalia,
quase exclusivamente, a ensinar gramtica e literatura, da estes dois domnios
constiturem, ainda, referncias nas representaes dos professores e na organizao dos
prprios manuais escolares. Com o passar dos tempos e depois de uma fase em que
predominou um entendimento normativo que se prolongou at aos nossos dias, o ensino
das lnguas, numa contnua especializao, apostou, primeiro, no desenvolvimento das
competncias de comunicao (aos nveis da produo e da recepo; no mbito da
escrita e da oralidade), tendo como base de tais capacidades a anlise e a reflexo sobre
o funcionamento da lngua. Por fim, na passagem do milnio, assumiu cada vez maior
visibilidade a promoo da Educao Lingustica, como projecto global de ensino da
lngua, nas vertentes do seu conhecimento, da construo das competncias lingusticas,
do desenvolvimento de aptides de produo e de interpretao textual, da implantao
de atitudes como a tolerncia e a criatividade lingusticas.
Neste quadro, tambm o conhecimento gramatical deixou de ser meramente um
contedo formal para desempenhar a condio de saber instrumental e de fundamento
das competncias verbais, nunca se descurando que, por exemplo, o domnio de uma
metalinguagem gramatical e a aquisio efectiva de conhecimentos sobre a estrutura da
lngua contribuiro, primeiro, para o acesso a uma certa cultura lingustica e literria, e a
uma determinada viso do mundo; depois, tambm para a construo da personalidade
humana nas suas dimenses cognitiva e afectiva, entendendo-se, assim, o ensino do
Portugus como o:
[] processo de transmisso e aquisio de um instrumento de modelizao fundamental do mundo, se se aceitar que conhecer melhor a lngua e saber como us-la com eficcia conhecer melhor o mundo e nele ser capaz de produzir uma interveno criticamente dimensionada. (Sequeira et alii, 1989: 604)
Em termos mais especificamente escolares, sabido que o domnio de um
instrumento como a linguagem fundamental no apenas para que o aluno atinja os
objectivos formativos da disciplina de Portugus, mas tambm em todas as outras
matrias curriculares, acreditando-se, inclusive, que o facto de os alunos apresentarem
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dificuldades na escrita e/ou na leitura pode estar associado a problemas de construo,
de organizao e de expresso dos saberes acadmicos (Carvalho, 2003).
Pensando, finalmente, nos sujeitos constitutivos da aula de Portugus (os
professores e os alunos) e nos documentos que efectivam a sua regulao (os programas
oficiais e a nomenclatura gramatical pelo menos, mas tambm os manuais escolares),
podemos defender que o grau de influncia das teorias lingusticas, das correntes
didcticas e dos textos reguladores nas prticas do ensino da lngua e da gramtica
bastante menos marcante do que aquele que est subjacente aos discursos e s prticas
escolares dos livros de Portugus e das gramticas escolares, que constituem, pela sua
natureza, instrumentos de seleco, de transmisso e de avaliao dos saberes. Tal
significa que analisar os discursos e as prticas dos manuais escolares, sobretudo ao
nvel do ensino explcito da lngua , de certa forma, definir uma representao escolar
do ensino da lngua e da gramtica.
Na sequncia desta referncia viso actual do ensino do Portugus, outro
aspecto que, nesta apresentao inicial, consideramos oportuno abordar tem a ver,
precisamente, com a construo histrica de uma certa viso do ensino formal da lngua,
normalmente associada quilo que si designar-se tradio gramatical. Especificamente
em Portugal, desde o sculo XVI, vo surgindo as gramticas da lngua portuguesa, que
constituem, imagem do que sucedia na Europa renascentista, as primeiras descries
da lngua verncula. Todavia, a aprendizagem escolar da lngua tinha ento como
objecto o latim: lngua culta e do culto, lngua de escolarizao e lngua literria. Na
verdade, a publicao da Gramtica da Linguagem Portuguesa de Ferno de Oliveira
(em 1536) e da Gramtica da Lngua Portuguesa de Joo de Barros (em 1540) marcam,
efectivamente, o incio da histria da gramtica portuguesa, num interesse especfico,
no s em estabelecer uma norma para o uso do Portugus padro, mas tambm em
relevar as qualidades do nossa lngua relativamente s das outras filhas do latim.
Mesmo que a gramaticalizao da lngua nacional que se afirmava fosse j um
primeiro sinal de maturidade, era ainda remota a possibilidade da sua escolarizao,
em consequncia da forte implantao do latim. Na verdade, entre os sculos XVI e
XVIII, ensinar lngua ou gramtica significava apenas estudar e conhecer a estrutura da
lngua latina. Ao longo deste tempo, o manual usado nas escolas era a Gramtica Latina
do jesuta madeirense Manuel lvares, cuja primeira edio de 1572, sendo esta a
obra gramatical portuguesa melhor sucedida de todos os tempos: teve 530 edies em
22 pases distintos. (Cf. Costa, 1974: XV)
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Foi, de facto, s no sculo XVIII que se instituiu o ensino oficial do Portugus,
com um Alvar de D. Jos I1. Em 30 de Setembro de 1770, o Rei D. Jos I determinava
o uso do manual de Antnio Jos dos Reis Lobato, a Arte da Gramtica da Lngua
Portuguesa, nas aulas de Latim e pelo perodo mximo de seis meses, para o ensino
inicial da gramtica portuguesa.
Apesar desta iniciativa histrica de D. Jos I2, num texto programtico e
estruturado que at j define os fundamentos e as funes do ensino da gramtica
escolar, teramos de esperar ainda pelo incio dos estudos da filologia cientfica em
Portugal, o que aconteceu em 1868, com a publicao da obra A Lngua Portuguesa de
Francisco Adolfo Coelho (1847-1919), para que se iniciassem os estudos cientficos da
lngua portuguesa e a gramtica escolar passasse a beneficiar e a ancorar-se na
investigao lingustica cientfica (Silva, 1997).
No entanto, segundo Castro (1995a: 20), na histria do ensino do Portugus3,
particularmente ao nvel do Ensino Secundrio, a reforma da instruo secundria de
Passos Manuel (realizada em 1836) que marca a institucionalizao da lngua
portuguesa como objecto curricular. Apesar das vrias modificaes ao nvel do ensino
liceal (que culminam na reforma de Jaime Moniz de 1895), das concluses que Castro
(1995a: 51-52) apresenta, na sua histria do ensino do Portugus, devemos destacar
sobretudo duas:
[] no processo de emergncia e institucionalizao do Portugus, a informao gramatical constitui uma componente fundamental na definio do seu objecto; [] a posio do Portugus mantm-se relativamente estvel, apesar das profundas alteraes que o currculo vai sofrendo [].
1 Verdelho (1995: 25) defende que Aparentemente no se pode falar de estudo e aprendizagem do portugus, at ao sc. XVI. Em rigor, no se pode mesmo falar do ensino da lngua portuguesa, ou pelo menos da escolarizao da sua gramtica, antes do sculo XVIII. 2 Pela importncia deste documento que assinala a institucionalizao do ensino do Portugus nas escolas, transcrevem-se aqui alguns excertos: Eu El-Rei: Fao saber aos que este Alvar virem [] que sendo a correco das lnguas Nacionais um dos objectos mais atendveis para a cultura dos Povos civilizados, []: Sendo pelo contrrio a barbaridade das lnguas a que manifesta a ignorncia das Naes; e no havendo meio, que mais possa contribuir para polir, e aperfeioar qualquer Idioma, e desterrar dele esta rudez, do que a aplicao da Mocidade ao estudo da Gramtica da sua prpria lngua; porque sabendo-a por princpios, e no por mero instinto, e hbito, se costuma a falar, e escrever com pureza, evitando aqueles erros, que tanto desfiguram a nobreza dos pensamentos, e vem a adquirir-se com maior facilidade, e sem perda de tempo a perfeita inteligncia de outras diferentes lnguas; []: Sou servido ordenar que os Mestres da lngua Latina, quando receberem nas suas Classes os Discpulos para lha ensinarem, os instruam previamente por tempo de seis meses, se tantos forem necessrios para a instruo dos Alunos, na Gramtica Portuguesa, composta por Antnio Jos dos Reis Lobato, e por Mim aprovada para uso das ditas Classes, pelo mtodo, clareza, e boa ordem, com que feita. 3 Para uma viso completa da histria do ensino do Portugus, ver o trabalho de Castro (1995a: 20-52).
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Nesta apresentao do ensino do Portugus ao longo dos tempos, temos de
sublinhar uma constatao: a de que a gramtica um domnio fundamental do ensino
da lngua materna, que tal disciplina sempre teve (e tem) um peso significativo no
currculo, sendo que a histria ajudou a definir o espao de relevo que, hoje em dia, a
gramtica ocupa na escola portuguesa.
Se, historicamente, a gramtica quase se justifica a si prpria, interessa discutir,
agora, o facto de se questionar o ensino duma gramtica explcita a falantes que j a
dominam, nos seus usos, como lngua materna. Normalmente, neste mbito, levantam-
se questes desta natureza: a) Deve (ou no) ensinar-se gramtica de forma explcita na
escola ?; b) Com que fundamentos se ensina essa gramtica ?; c) Quais as funes e os
objectivos do ensino explcito da lngua ?; d) Como deve relacionar-se a gramtica com
os outros domnios do ensino-aprendizagem da lngua materna ?; e) De que forma
contribui a gramtica para a promoo do bom desempenho comunicativo dos alunos
que so falantes nativos dessa mesma lngua ?
Sabendo que algumas destas questes foram j levantadas e que sero
aprofundadas particularmente no Captulo II (o do enquadramento terico), convm,
nesta fase, discutir especificamente o grande dilema do ensino escolar da gramtica,
segundo a qual no ser justificvel o ensino explcito da gramtica na aprendizagem
efectiva de uma lngua.
Na verdade, admite-se que existe, sem dvida, uma gramtica que o falante
domina naturalmente e outra que s a escola permite desenvolver. Por isso, como
esclarece Carvalho (1984: 577), h que distinguir a gramtica do falante (o
conhecimento implcito da lngua) da gramtica do linguista (a descrio da estrutura
lingustica), ou seja, precisamente entre o conhecimento inato que o falante domina e a
aquisio de conhecimentos explcitos sobre a lngua que se situa e que se justifica a
aprendizagem escolar da gramtica. Entre mltiplas outras questes que o ensino da
gramtica nos sugere, a primeira delas tem, efectivamente, a ver com a distino entre
uma aquisio (natural) e a aprendizagem (escolar) da lngua, porque s assim se
justificaro as funes da gramtica no ensino-aprendizagem da lngua materna.
Nessa linha, ao afirmar que A criana aprende a falar sem que seja necessrio o
ensino explcito da lngua (Lopes, 2000: 67), no se pretende, de modo algum,
sustentar que a aprendizagem da lngua materna se faa totalmente por uma aquisio
natural, mas to-s que o domnio do cdigo oral (nos usos primrios da lngua) no
necessita de uma aprendizagem formal de iniciao, ao passo que o domnio da leitura e
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da escrita (como usos secundrios) so saberes escolarmente adquiridos e
desenvolvidos. precisamente este problema que se coloca ao nvel do ensino escolar
da gramtica, j que o falante domina, entrada para a escola, uma gramtica implcita
que lhe permite utilizar a lngua oral, pois, como sustenta Lopes (2000: 68), uma criana
possui uma gramtica interiorizada, que inata. Assim sendo, a funo primordial do
ensino de uma lngua no s explicitar e sistematizar os conhecimentos gramaticais,
mas tambm fazer com que eles estejam ao servio do desenvolvimento integrado das
capacidades de leitura e de escrita, podendo, em todo o caso, questionar-se a
necessidade do ensino de uma gramtica explcita. (Ibidem: 68)
Afinal, um dilema complexo do ensino formal da lngua (materna) consiste em
saber se se deve ensinar uma lngua a quem, por natureza, j a domina. Ao mesmo
tempo, em consequncia de certos efeitos negativos do modelo da gramtica tradicional,
defendeu-se mesmo a excluso, pura e simples, do ensino de conhecimento explcito da
lngua. Em todo o caso, tal como estabelece Sim-Sim (1995), o essencial que se
distinga, na aprendizagem de uma lngua, os processos de aquisio (natural) e de
aprendizagem (formal) da lngua, sendo que, ao contrrio da aquisio socialmente
realizada, a aprendizagem envolve um conhecimento consciente, obtido atravs do
ensino (p. 201)4.
Por seu turno, Duarte (1993, 1998), na sua definio do ensino da gramtica e ao
discutir as razes que justificam o ensino formal, procura salvaguardar a distino entre
os conceitos de aquisio e de aprendizagem. A autora esclarece, inclusive, que,
nos anos [19]70, se admitiu como pressuposto (errado) que os alunos chegam escola
e j sabem a sua lngua (Duarte, 1993: 50). Da o esvaziamento funcional a que o
ensino da gramtica foi sujeito, o qual no , de modo algum, compreensvel se
destacarmos o facto de um dos seus objectivos fundamentais ser, precisamente, o
aprofundamento do conhecimento da lngua, materializado na tarefa essencial de
transformar aspectos do nosso conhecimento intuitivo num conhecimento reflexivo,
objectivo, estruturado. (Duarte, 1998: 118)
4 Numa publicao que no se pretende afirmar como documento regulador, mas que tambm no pode considerar-se um texto terico de referncia, Sim-Sim et alii (1997: 12), ao definirem uma proposta para o ensino da lngua materna e ao diferenciarem os usos primrios (aqueles que envolvem a oralidade) dos usos secundrios (os que implicam a escrita), sublinham mesmo que, nas cinco competncias a desenvolver na aula de lngua materna (compreenso do oral, leitura, expresso oral, expresso escrita, conhecimento explcito), fundamental diferenciar aquilo que resulta do processo de aquisio daquilo que precisa de ser aprendido (e, por isso, ensinado).
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Costa (1996: 65) tambm define a aquisio5 como um processo inconsciente,
feito de tentativas e erros, e a aprendizagem como um processo que envolve
conhecimento consciente ganho atravs do ensino formal, que implica a utilizao de
metalinguagens para descrever e analisar os saberes a adquirir, sublinhando mesmo
que A escola , por definio, o lugar da aprendizagem. Segundo Amor (1999: 8), a
grande questo do ensino-aprendizagem da lngua materna pode mesmo traduzir-se
neste princpio: [] como instituir a lngua que o aluno funcionalmente conhece, ainda
que de modo instvel, em objecto de estudo?
Em nosso entender, a sada possvel para esta problemtica do ensino da
gramtica estar na diferenciao prvia entre aquisio e aprendizagem e na definio
de um percurso escolar em que se proceda explicitao do conhecimento lingustico
dos alunos e ao desenvolvimento das suas competncias verbais, com base naqueles
saberes prvios. exactamente essa ideia que muitos autores citados destacam, para que
se faa uma distino necessria entre os dois processos de domnio da lngua: a
aquisio natural ou informal e o desenvolvimento escolar, que conduz ao saber
explcito e constitui a verdadeira aprendizagem.
No caso da lngua materna, precisamente esse (re)conhecimento de segundo
nvel (materializado no domnio de uma metalinguagem prpria) que est em causa,
quando se discute o ensino escolar da gramtica. Aprender gramtica na escola , pois,
tornar explcitos os conhecimentos que o falante j domina implicitamente. Assim
entendido, dificilmente se poder questionar o ensino da gramtica, independentemente
das vrias funes que se lhe atribuam, mas sabendo-se, garantidamente, que pela
reflexo sobre a lngua e sobre a linguagem que se chegar compreenso da gramtica,
tal como se defende no texto citado de Geraldi (2002).
Discutindo que gramtica se ensina na escola, vamos j levantando o problema
da polissemia do conceito de gramtica, que ser retomado no captulo seguinte. H que
distinguir, desde j, a gramtica implcita da gramtica explcita, para que se diferencie
o conhecimento intuitivo da lngua, da sua explicitao ou descrio. Alm disso,
mesmo quando se entende a gramtica como descrio de uma lngua, verifica-se a
existncia de vrios tipos de gramtica, tais como gramticas descritivas, pedaggicas e
da aprendizagem. (Besse e Porquier, 1991) 5 Costa (1996: 64), para distinguir a aquisio da aprendizagem em lngua materna, apresentou o caso da aprendizagem da linguagem escrita, afirmando que Escrever, por exemplo, antes de ser uma arte uma tcnica que preciso aprender. Em torno do domnio que nos interessa, tambm j foi aberto este debate, procurando saber se a gramtica seria uma arte ou uma tcnica e uma cincia.
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So inmeras, por conseguinte, as questes a explicitar neste percurso em que se
ambiciona chegar a uma descrio completa do que seja a configurao escolar do
ensino da gramtica. O essencial, em todo o caso, que se cumpra a finalidade de
descobrir a relao entre a investigao lingustica ou o conhecimento cientfico da
lngua e a sua aprendizagem escolar ou o domnio prtico de saberes gramaticais;
importante ainda, ao nvel do estudo emprico, que se compreenda como os contedos
gramaticais esto articulados entre si ao longo do 3. ciclo, de modo a comprovar se o
saber gramatical aparece associado aos usos formais da lngua e s capacidades verbais
de leitura e de escrita.
De facto, se muitos tericos, mesmo de diferentes tempos, sublinham a
necessidade do desenvolvimento de saberes gramaticais, embora com crticas viso
tradicional do seu ensino, importa ento circunscrever o papel da gramtica na aula de
Portugus e na Escola. Assim se poder contribuir para uma possvel redefinio do
ensino da lngua e da gramtica portuguesas, e determinar um espao de reflexo sobre
a gramtica no mbito da Didctica / Metodologia do Ensino do Portugus.
Entretanto, essencial apresentar, como premissa e como uma proposta inicial
que contribua para a discusso do problema em debate, a seguinte ideia: a gramtica e o
seu ensino em contexto escolar devem a constituir um factor essencial e decisivo no
ensino formal da lngua materna, no apenas na sua funo instrumental e, porventura,
normativa, mas tambm enquanto conhecimento declarativo, de valor cultural, cognitivo
e formativo, que est implicado na formao integral da pessoa humana.
1.2. ENQUADRAMENTO E IMPORTNCIA DE ESTUDOS SOBRE A(S) GRAMTICA(S)
Tendo apresentado a questo do ensino da gramtica, inicia-se aqui o seu
enquadramento nos estudos da rea de Didctica / Metodologia do Ensino do Portugus
e sublinha-se o seu valor no campo dos estudos sobre manuais escolares. Em
simultneo, de forma a justificar um percurso individual de investigao, apresentam-se
trabalhos que, antes deste, foram desenhando um projecto e uma reflexo cuja linha de
coerncia a gramtica, enquanto objecto histrico e enquanto domnio do ensino das
lnguas. Discutem-se, portanto, as razes institucionais e pessoais que motivaram e que,
de certo modo, fundamentam esta investigao.
Em termos do percurso acadmico, tambm a experincia acumulada, tanto na
leccionao de disciplinas da rea dos Estudos Lingusticos e da cadeira de Metodologia
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do Ensino do Portugus, como no mbito da orientao pedaggica de professores de
Portugus, foi, paulatinamente, permitindo compreender que o ensino escolar da
gramtica constitua uma questo multifacetada, tanto como rea de formao docente
como ao nvel da sua aprendizagem em contexto escolar. Por isso, analisar a questo da
gramtica na escola , por um lado, desenvolver uma autoformao acadmica no
mbito da Didctica e, por outro, tentar determinar, no vasto territrio da Metodologia
do Ensino do Portugus, um espao para uma Didctica da Gramtica, comeando,
desde logo, por analisar o instrumento didctico mais utilizado por professores e alunos
o manual e que influencia fortemente as suas prticas.
Alm disso, no subgrupo de Portugus do Departamento de Metodologias do
Ensino do Instituto de Educao e Psicologia da Universidade do Minho, foram
desenvolvidos trabalhos que se situam, uma grande parte deles, no novo campo de
estudos sobre manuais escolares. De facto, alguns estudos na rea do ensino da
literatura, da leitura, da escrita e da gramtica vm seleccionando como objecto de
anlise os manuais escolares de Portugus. Neste contexto, entendemos oportuno o
desenvolvimento de um projecto que contemplasse exactamente a vertente do ensino
formal da lngua ou ensino escolar da gramtica, e que tivesse como objecto de estudo,
no s livros de textos (ou os manuais tout court), mas tambm os compndios de
gramtica do 3. ciclo do Ensino Bsico.
Assim, na presente investigao, tentando determinar o espao do ensino da
gramtica no currculo do ensino da lngua materna do 3. ciclo, pretendemos descrever
e discutir os princpios que sustentam a Didctica da Gramtica, especificamente ao
nvel das representaes do ensino da gramtica visveis num corpus de manuais
escolares do Ensino Bsico.
Este tipo de trabalho permitir abordar e discutir algumas das dimenses da
investigao em ensino das lnguas, da se extraindo dados para a definio dos
conceitos de gramtica e de gramtica escolar, contributos para a descrio da histria
da gramtica escolar portuguesa do sculo XXI, elementos de caracterizao da
estrutura e das formas de constituio do conhecimento gramatical escolar, dados
especficos sobre o processo de adopo de novos manuais escolares, descries dos
discursos e da organizao interna dos livros de Portugus, caracterizao dos
contedos e das actividades de gramtica, e, por fim, a definio terica do papel dos
conhecimentos gramaticais na aprendizagem integrada da lngua materna.
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Mesmo que, por tradio, o domnio da gramtica seja visto como uma das reas
emblemticas do ensino do Portugus, no deixa tambm de constituir um dos domnios
mais problemticos do ensino da lngua materna. Porque reconhecemos, em teoria, um
papel especfico ao conhecimento gramatical na aprendizagem de uma lngua, cremos
pertinente avaliar o estatuto e as funes que os discursos introdutrios dos manuais
escolares atribuem gramtica e analisar as configuraes especficas que a
apresentam os contedos e as actividades de explicitao gramatical. Sendo assim, ao
mesmo tempo que se analisam criticamente os manuais escolares ultimamente em uso
nas escolas portuguesas, procuramos compreender se os modos de apresentao e de
avaliao dos contedos gramaticais tm influncia na sua aprendizagem.
A escolha da questo do ensino da gramtica justifica-se, pois, tanto pela
actualidade do estudo de manuais escolares, como pelo contexto institucional presente e
por um percurso de investigaes anteriores, mas sobretudo por um conjunto de razes
culturais e sociais que fazem da gramtica (no seu sentido mais lato) um tema sempre
discutido e continuadamente polmico.
Como que simbolicamente, os trabalhos de investigao conducentes
realizao desta dissertao tiveram o seu incio efectivo com a apresentao de um
texto intitulado A formao lingustica do professor de Portugus e o ensino da
gramtica (Silva, 2001). A inteno desse texto era discutir algumas ideias que
pudessem contribuir para a definio, na rea do ensino formal da lngua, do perfil
desejvel do professor de Portugus. De facto, a formao cientfica, lingustica,
literria e didctica dos professores de lngua materna ser a essncia de um ensino
sustentado dos domnios da leitura, da escrita, da expresso e compreenso orais, tal
como, evidentemente, do conhecimento explcito da lngua. Alm disso, s uma
formao lingustica renovada e crtica permite um eficiente ensino da gramtica da
lngua materna que conduza, como sustenta a nossa hiptese de investigao, os alunos
ao conhecimento da gramtica como cdigo e instrumento para o domnio das
competncias lingusticas de uso da lngua materna.
A verdade que as investigaes sobre a gramtica escolar (aos nveis
sincrnico e diacrnico) e sobre o ensino da lngua sempre estiveram presentes nos
nossos estudos. Esta tendncia para as questes didcticas, lingusticas e gramaticais
tambm se explica pelo nosso percurso acadmico. Tendo comeado, na Universidade
da Madeira, a docncia e a investigao na rea da Lingustica Portuguesa, realizmos
a (em 1994) um trabalho de sntese intitulado F. Adolfo Coelho e a Gramtica
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Portuguesa6, que constituiu um estudo histrico e contrastivo de uma gramtica escolar
publicada por esse fillogo em 1891. (Coelho, 1891)
Entretanto, tendo como objecto de estudo as gramticas de autores madeirenses
dos sculos XIX e XX, elabormos (entre 1996 e 2002)7 artigos que as descreviam e
analisavam. Alm disso, sobre a participao de Francisco Adolfo Coelho na introduo
da filologia cientfica em Portugal, publicmos um texto especfico (Silva, 1997) em
que se lhe atribua esse importante papel, e um outro em que se descrevia a sua viso
particular sobre o ensino da(s) lngua(s) (Silva, 2000).
J na fase das investigaes preparatrias para esta dissertao, elabormos trs
estudos especficos, acerca das relaes entre lingustica e ensino da lngua, sobre os
novos princpios orientadores do ensino da lngua resultantes, em especial, do CNEB, e
ainda sobre a questo das nomenclaturas gramaticais (Silva, 2003a, 2003b, 2003c).
Todos estes textos, em termos genricos, tinham j por objecto a gramtica e visavam
compreender como se enquadra o ensino da gramtica no campo da Didctica /
Metodologia do Ensino do Portugus.
Finalmente, na sequncia de comunicaes diversas, fomos levantando uma
hiptese explicativa do estatuto da gramtica no ensino da lngua o mito da gramtica
em quatro textos entretanto publicados (Silva, 2005a, 2005b, 2005c, 2006).
Por conseguinte, para alm de razes institucionais e de um percurso pessoal de
investigao, h outros argumentos contextuais que podem igualmente convocar-se para
justificar a opo pelo estudo da gramtica escolar. Levantamos, por isso, uma srie de
questes, relacionados com a imagem social do ensino da lngua e da gramtica, que
tambm foram motivao extrnseca para a realizao deste trabalho de investigao.
Referimo-nos a uma srie de polmicas que foram sendo levantadas, em
particular pela comunicao social, a partir de 1990. O primeiro embate surgiu na
sequncia da proposta de alterao da ortografia oficial, com o AOLP que, assinado em
16/12/90 por Portugal, pelo Brasil e pelos PALOP, foi caindo num completo
esquecimento8. Idntica reaco surgiria quando, em 26/04/01, se fez a apresentao do
Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea da Academia das Cincias.
6 Tambm na Universidade da Beira Interior, definimos um projecto de investigao (para a realizao da dissertao de doutoramento) intitulado O Iderio Lingustico de F. Adolfo Coelho (Covilh, 1999). 7 Trata-se de uma srie de Apontamentos sobre gramticas madeirenses, publicada, no Funchal, na revista Islenha, nos nmeros 18, 19, 20, 26 e 31. 8 Segundo informao do Jornal de Notcias (de 4/01/06), o Acordo Ortogrfico [estaria] a um passo de entrar em vigor, facto que vem na sequncia de notcias (Pblico de 16/12/05 e Expresso de 17/12/05), segundo as quais o Ministrio da Cultura retomaria o Acordo de 1990.
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