Upload
vuongnhan
View
217
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
ALESSANDRA SILVA OLIVEIRA
A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA DE “NOVO” TIPO E O TRABALHO DOCENTE
Tubarão
2012
2
ALESSANDRA SILVA OLIVEIRA
A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA DE “NOVO” TIPO E O TRABALHO
DOCENTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina
– Unisul, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Gilvan Luiz Machado Costa
Tubarão
2012
3
A todos que contribuíram para a realização
deste estudo, sobretudo, os docentes que
participaram da pesquisa.
4
PEDAGOGIA DAS QUEDAS
Há aqueles que caem e não se levantam,
passam a fazer parte da terra
deitam-se, minerais, entre pedras e raízes
e dormem o sono dos ausentes.
Mas há aqueles que quando caem
buscam no solo fértil novas energias,
buscam as raízes, reencontram as sementes,
abraçam o planeta e bebem dos rios.
Nunca estão sós,
nem mesmo no vazio da noite e da espera,
pois lhes encontram multidões de mãos companheiras
de todos os sonhos aprisionados
de toda fome não saciada
de toda terra não repartida
de toda fúria contida
de todo futuro adiado
Há aqueles que quando caem não se levantam,
mas há aqueles que se levantam ainda mais fortes,
mais fortes que as derrotas,
mais forte que as vitórias vazias,
mais forte que toda a força
que a aurora em vão adia.
(MAURO LUIS IASI, 2011)
5
RESUMO
Este estudo tem como objeto a relação público-privada na educação, apresentada na
modalidade dos “sistemas de ensino apostilados”. Propõe-se analisar e compreender, a
partir de uma experiência local, os reflexos sobre a educação pública, e em particular
sobre o trabalho docente, da relação entre o setor público e o privado na educação.
Entendendo a necessidade de, num contexto mais amplo, pensar a crise da educação a
partir da crise do capital em esfera mundial. A perspectiva epistemológica do estudo
será baseada no materialismo histórico-dialético. Em tempos de redefinição do papel do
Estado, e como parte desse processo de alterações nas políticas educacionais, o presente
estudo parte da hipótese de que, embora os “sistemas de ensino apostilado” sejam
adotados sob a justificativa de melhorar os indicadores educacionais, eles, entre outros
aspectos, reconfiguram o trabalho docente, homogeneizando suas práticas e incidindo
sobre sua autonomia.
Palavras-chave: Municipalização do Ensino Fundamental. Relação público-privada.
Trabalho Docente.
6
ABSTRACT
This study aims to observe the relation between state – private education, presented in
hand out educational systems. It suggests analyzing and understanding from a local
experience, the reflections on state education and in particular on the teaching work and
the relation between state and private education. Understanding the need, in a broader
context, to think about the education crisis in global sphere. In times of redefinition of
the state role and as a part of this educational politics change process, this present study
goes from the hypotheses that, although the educational systems are adopted under the
justification to improve the educational indicators, they, among others aspects,
reconfigure the teaching work, blending its practices and addressing on its autonomy.
The epistemological perspective of this study will be based on a historical and
dialectical materialism.
Key words: basic education municipalisation, state-private relation, teaching work.
7
LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS
ACAPED: Agência de Capacitação Educacional
ACORDI: Associação Comunitária Rural de Imbituba
BM: Banco Mundial
CONED: Congresso nacional de Educação
CUT: Central Única dos Trabalhadores
E.C: Emenda Constitucional
EJA: Educação de Jovens e Adultos
FUNDEB: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização do Magistério
FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB: Lei de Diretrizes e Bases
MEC: Ministério da Educação
OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT: Organização Internacional do Trabalho
ONG: Organização Não-governamental
PMI: Prefeitura Municipal de Imbituba
PT: Partido dos Trabalhadores
SME: Secretaria Municipal de Educação
SOME: Sistema Objetivo Municipal de Ensino
UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Cultura e a Infância
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................9
1.1 DESENHO TEÓRICO-METODOLÓGICO.............................................................26
2. DA CRISE DO CAPITAL À MERCANTILIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO..................................................................................................................33
3. A (RE)ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IMBITUBA: A
RELAÇÃO "SOME" E PROFESSOR.......................................................................69
3.1 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE.....................................................72
3.2 INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE.................................................74
3.3 DESINTELECTUALIZAÇÃO DO PROFESSOR...................................................80
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.............................................................................86
REFERÊNCIAS.............................................................................................................89
ANEXO A.......................................................................................................................97
ANEXO B ......................................................................................................................99
ANEXO C.....................................................................................................................102
ANEXO D.....................................................................................................................105
9
1. INTRODUÇÃO
Este estudo teve suas motivações a partir de duas vertentes: a atuação
profissional e a formação acadêmica. Minha prática profissional insere-se no campo do
trabalho docente, como professora de educação física do ensino fundamental, desde
2008 na Secretaria da Educação do município de Imbituba-SC. A atuação como
professora me coloca diariamente em contato com os problemas da realidade
educacional brasileira. Nesse contexto, busco a construção do conhecimento teórico que
fundamente minha prática. Nesse sentido, as aulas no Programa de Pós-Graduação do
Mestrado em Educação, associadas à orientação na linha de Pesquisa “Educação,
História e Política no Brasil e na América Latina” e a participação em eventos da área,
proporcionaram-me reflexões que nortearam esse estudo.
Destaco também o fato de minha trajetória escolar ter ocorrido num período
significativo para a História da Educação no Brasil: a década de 1990. Um período em
que se fazia mais forte a discussão nacional a respeito de uma proposta educacional
preocupada com os interesses da maioria da população, juntamente com o processo de
elaboração de parte do arcabouço legal relacionado à política educacional brasileira.
Além disso, acredito que por ter sido aluna da rede privada de ensino durante toda a
educação básica, num primeiro momento não tinha a real noção do cotidiano que iria
enfrentar quando iniciei a lecionar na escola pública.
No início dos anos 2000 ingressei na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, onde durante a graduação tínhamos a nossa disposição, ginásios equipados e
cobertos, piscina aquecida e material suficiente para uma boa formação prática. Mesmo
sabendo que essa não seria a mesma estrutura das escolas públicas brasileiras, não
imaginava que a escola que iria encontrar quando saísse da graduação, teria condições
tão diversas da escola que estudei e da universidade que me formei.
Na ocasião, o curso de educação física (licenciatura plena), historicamente
marcado pela visão esportivizante, em seu currículo contemplava poucas disciplinas
obrigatórias relacionadas à prática docente escolar. Ocorrendo assim, uma reflexão
insuficiente a cerca do cotidiano escolar, sobre toda a estrutura que envolve o trabalho
educativo e em relação a falta de condições necessárias para o trabalho docente visando
uma formação adequada dos alunos que freqüentam a escola pública. Não é possível
negar uma forte ligação e identificação da educação física com o esporte, seja no senso
comum ou dentro da própria área. Consequentemente essa concepção reducionista da
10
educação física traz conseqüências para a formação dos alunos na graduação e para suas
práticas no contexto escolar.
Após ler os livros “A direita para o social: a educação da sociabilidade no Brasil
contemporâneo” de André Martins e “A direita para o social e a esquerda para o capital”
de Lúcia Neves, acentuou meu interesse em estudar como o setor privado apropria-se do
setor público para assegurar seu predomínio na sociedade atual, ou seja, como se
desenvolvem os movimentos do empresariado brasileiro para construir e consolidar
estratégias de dominação para um novo padrão de sociabilidade1. De acordo com
Martins, o conceito de sociabilidade ou conformismo social, inspirado nos escritos de
Gramsci, auxilia na compreensão de como os homens produzem e reproduzem as
condições objetivas e subjetivas de sua própria existência. Nesse sentido, segundo Marx
e Engels (2007, p. 78), o homem é resultado de sua conexão social, de suas condições
reais de vida, onde “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias
dominantes; [...] são, portanto, a manifestação das relações que transformam uma classe
em classe dominante; são dessa forma, as idéias de sua dominação”.
As estratégias contemporâneas de dominação são apresentadas por Lúcia Neves
(2010) e o Coletivo de Estudos de Política Educacional (CNPq/Fiocruz-EPSJV) como a
“nova” pedagogia da hegemonia2, onde a hegemonia se recompõe e se moderniza para
dar conta de regularizar e universalizar as necessidades novas da velha dominação
burguesa (NEVES, 2010). Nessa relação de dominação,
Uma das características mais marcantes de todo grupo
que se desenvolve no sentido do domínio é a sua luta
pela assimilação e pela conquista “ideológica” dos
intelectuais tradicionais3, assimilação e conquista que
são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em
questão for capaz de elaborar simultaneamente seus
1 “A sociabilidade ou conformismo social corresponde à forma com que os homens e as classes produzem
e reproduzem as condições objetivas e subjetivas de sua própria existência, sob a mediação das bases
concretas da produção, de uma dada direção política e do estágio de correlação de forças presentes num
certo contexto” (MARTINS, 2009, p.17).
2 O Coletivo definiu os eixos gerais que fundamentam a atual pedagogia da hegemonia: “uma ordem
social pós-tradicional; uma globalização intensificadora; uma sociedade civil ativa; um novo Estado
democrático; e uma radicalização da democracia” (NEVES, 2010, p.16). Como salientado para o
Coletivo, “a participação dos chamados excluídos na sociedade civil não é espontânea, dependendo das
iniciativas dos aparelhos privados de hegemonia, por meio de uma pedagogia específica que vem sendo
forjada pelo capital: a pedagogia da hegemonia” (idem, p.17).
3 [...] todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de
intelectuais [...]. Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função
intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas, sobretudo, em conexão com os
grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo
social dominante. (GRAMSCI, 2010, p.18-19)
11
próprios intelectuais orgânicos. (GRAMSCI, 2010,
p.19)
Nessa reorganização, “na concepção gramsciana de intelectuais, a escola
constitui-se no espaço e instrumento estratégicos de formação dos intelectuais
profissionais da cultura urbano-industrial” (MARTINS; NEVES, 2010, p.32). Para os
autores, essa “nova” forma de organização é composta de uma “direita” cheia de
sensibilidade e uma “esquerda” comprometida com a ordem do capital. Na execução
das estratégias de educação do consenso hegemônico está presente o “desdém” para
com a questão do conflito de classes, onde a exploração “parece” nem existir.
Os setores dominantes4 estão construindo processos hegemônicos de “novo” tipo
no Brasil, por exemplo, as grandes fusões de algumas empresas (LEHR, 2011).
Conforme o autor, esses setores estão constituindo um novo bloco de poder5 que
também opera as políticas do Estado. Nesse sentido, um dos principais investimentos
desses grupos foi na redefinição da formação escolar e política das atuais e futuras
gerações de seus novos intelectuais orgânicos6 (MARTINS e NEVES, 2010).
Formando-se assim, segundo Gramsci, ao longo da história categorias especializadas
para o exercício da função intelectual, onde,
[...] a mais refinada especialização técnico-cultural, não
pode deixar de corresponder a maior ampliação possível
da difusão da instrução primária e o maior empenho no
favorecimento do acesso aos graus intermediários do
maior número7. (GRAMSCI, 2010, p.19-20)
Partindo desses conceitos, iniciei algumas reflexões acerca de determinadas
práticas, associadas às políticas educacionais, adotadas pela Secretaria Municipal de
Educação onde realizo minhas atividades como docente.
O município de Imbituba está localizado no litoral sul de Santa Catarina, a 90
km da capital Florianópolis. Segundo dados do IBGE (2009) a unidade territorial do
4 Agronegócio, Setor Mineral, Setor bancário e Financeiro, Grandes meios de comunicação, denominado
“bloco de poder” (LEHER, 2011).
5 Bloco histórico a nível do sistema econômico, político e cultural mundial (ROSAR e SOUSA, 1997).
6 Nascem na dinâmica da sociedade capitalista (MARTINS e NEVES, 2010).
7 “Naturalmente, esta necessidade de criar a mais ampla base possível para a seleção e elaboração das
mais altas qualificações intelectuais – ou seja, de dar à alta cultura e à técnica superior uma estrutura
democrática – não deixa de ter inconvenientes: cria-se assim a possibilidade de amplas crises de
desemprego nas camadas médias intelectuais, como ocorre efetivamente em todas as sociedades
modernas. (GRAMSCI, 2010, p.19)
12
município é de 184,79 km2, com uma população considerada totalmente urbana
8 de
38.885 habitantes. Entre os anos de 2000 e 2007 a taxa de crescimento populacional
anual de Imbituba foi de 0,22% e de 0,3 entre 2006 e 2009 (IBGE, 2009).
A Secretaria Municipal de Educação é responsável por 14 Centros de Educação
Infantil e 10 Escolas de Ensino Fundamental, no entanto apenas 4 unidades contemplam
toda essa etapa, as outras 6 escolas abrangem apenas os anos iniciais do ensino
fundamental (PMI, 2009). Segundo os dados da SME (2012) houve uma diminuição no
número de alunos matriculados nas escolas municipais de ensino fundamental. Em 2010
eram 2.321 alunos e no ano de 2011 esse número passou para 2.184 alunos. No entanto,
nas matrículas da Educação Infantil houve um incremento, em 2010 eram 761 alunos e
em 2011 foram matriculados 968 alunos.
De acordo com dados da literatura, a partir da municipalização do ensino
fundamental houve um incremento das parcerias entre municípios e o setor privado,
onde o setor público adquire “sistemas de ensino” 9 de empresas com fins lucrativos
(ADRIÃO et al. 2009),
Nesse contexto, as perspectivas descentralizadoras, em
geral, para esferas subnacionais impuseram a esses
níveis de governo tarefas e atribuições que exigem, para
além do repasse de recursos, condições de elaboração e
implantação de políticas públicas. Como resposta a
essas novas demandas, complexificadas pela diminuição
dos aparatos técnicos, em virtude das reformas na
administração pública ocorridas durante os anos de
1990, apresentam-se parcerias com empresas privadas.
(ADRIÃO et al., 2009, p.800)
Para as autoras, essa parceria implementada, sobretudo, a partir da
municipalização do ensino fundamental, representa mais do que a aquisição de materiais
didáticos, tratando-se de uma estratégia onde o setor privado amplia seu mercado,
enquanto o setor público transfere parte de suas responsabilidades para com a educação
à iniciativa privada. Cury (2008, p. 22) relata que em abril de 2008 o jornal O Estado de
S. Paulo publicou a notícia que os sistemas de apostilas na rede pública cresceram desde
8 A associação Comunitária Rural de Imbituba questiona esse dado visto que, entre outros aspectos,
muitas famílias vivem da agricultura da mandioca e há 10 anos a mesma luta pelo reconhecimento do
“Território Tradicional dos Areais da Ribanceira”. (ACORDI, 2012)
9 Nome dado pelas empresas que oferecem seus produtos educacionais, e que de acordo com Adrião e
colaboradores não é uma eventualidade, as autoras afirmam que tais empresas passam a interferir na
política educacional local e na organização do trabalho tanto dos docentes quanto dos gestores. A oferta
dos produtos e serviços inclui “materiais didáticos para alunos e professores, incluindo apostilas e CD-
ROMs, formação docente em serviço e monitoramento do uso dos materiais adquiridos” (ADRIÃO et al.,
2009).
13
2005, haja vista as “empresas aumentaram o número de contratos com redes municipais
em até 2.800%”.
No município de Imbituba essa relação público privada, materializada nos
“sistemas de ensino”, se realiza desde 2009 nas escolas da Secretaria Municipal de
Educação, que contratou os serviços do SOME – Sistema Objetivo Municipal de
Ensino, que segundo os próprios dados, foi desenvolvido para atender às necessidades
da educação pública. O referido sistema de ensino, além do material didático, inclui no
“pacote” a capacitação e atualização das equipes de coordenadores, professores e
orientadores da Secretaria Municipal de Educação. De acordo com a referida
Instituição, para subsidiar o desenvolvimento da prática educativa, são realizados
encontros formativos presenciais e a distância, com temas específicos para cada público
atendido: equipes diretivas da SME, diretores, coordenadores pedagógicos e professores
de todos os segmentos de ensino (OBJETIVO, 2012).
Entre outras medidas para a manutenção do capital, o fato de empresas privadas
interferirem em ações sociais e políticas públicas, não advém da “mão invisível” do
mercado, mas antes de tudo é a partir de ações do Estado. Buscaremos ao longo desse
estudo apontar algumas destas ações que possibilitaram a relação público privada no
campo educacional, em especial nesse estudo a adoção de um “sistema de ensino
apostilado”.
Esse processo se intensifica, sobretudo, a partir da inserção das idéias e práticas
neoliberais nos campos educacionais, assim como em outros campos sociais (LAVAL,
2004). O autor destaca a necessidade de compreender em um contexto mais amplo as
mudanças na educação e suas relações com o discurso dominante. Nesse contexto “a
escola neoliberal designa um certo modelo escolar que considera a educação como um
bem essencialmente privado e cujo valor é, antes de tudo, econômico” (idem, p.11).
Nesse contexto, destaca-se que em 1990, realizou-se em Jomtien, a “Conferência
Mundial de Educação para Todos”, com a participação de 155 países, entre eles o
Brasil. Durante a conferência foi aprovada a “Declaração Mundial Sobre Educação para
Todos” (UNESCO, 1990), apresentado como um “Plano de Ação”, que serviria como
um guia para governos, organismos internacionais, organizações não-governamentais
(ONG) e todos que se comprometessem a cumprir a meta “educar todos os cidadãos de
todas as sociedades”. O documento compreende três grandes níveis de ação: ação direta
em cada país; cooperação entre grupos de países que compartilhem certas características
e interesses; cooperação multilateral e bilateral na comunidade mundial.
14
Entre as principais metas do documento destaca-se: o acesso e a conclusão
universal do ensino fundamental; redução da taxa de analfabetismo; colaboração das
famílias, dos professores, da comunidade, de empresas privadas, organizações
governamentais e não-governamentais na planificação gestão e avaliação da educação
básica; a descentralização administrativa e financeira.
A promoção dessa Conferência pelos organismos multilaterais demonstra que
“há uma contradição entre a crise da escola pública e a necessidade de uma escola que
atenda as mudanças da economia” (NETO, 2009, p.16). Vale destacar que 5 anos
depois, segundo o autor, o governo de Fernando Henrique “optou por uma política
educacional subordinada às diretrizes da Conferência Mundial de Educação para Todos”
(idem, p.17). Esse momento na história da educação é parte de um contexto onde,
[...] a sociedade brasileira, na sua maioria influenciada
pela mídia nacional, acreditava no ‘canto das sereias’ da
globalização neoliberal e quase não percebia a mudança
no Estado e que contribuía para o ‘Estado Mínimo’ –
estratégia dos organismos internacionais para garantir o
perverso plano de privatização das políticas públicas.
Refém do pensamento único forjado para garantir a
hegemonia da elite no país e no mundo, a sociedade
brasileira assistia, passivamente, as mudanças no seu
cotidiano, dessa “nova” ordem mundial. (BOLLMANN,
2006, p.76)
A década de 1990 foi marcada pela presença hegemônica do discurso e das
práticas neoliberais,
[...] as estratégias de superação da crise capitalista
mundial encontraram na redefinição do papel do Estado
e seu respectivo enxugamento, bem como na prática de
redução sistemática dos investimentos nas políticas
sociais, as respostas mais comuns e simplistas.
(ARELARO, 2008, p.51)
A partir do governo de Fernando Collor de Mello, seguidos pelo governo de
Itamar Franco, iniciam reformas no âmbito do Estado, intensificadas durante o governo
de Fernando Henrique Cardoso, caracterizadas por cortes nos gastos sociais e
redefinição das modalidades de intervenção do Estado (Mancebo 2007). De acordo com
Leher (2011), as estratégias empresariais no setor educacional brasileiro não são
oriundas da “mão invisível do mercado”, mas são resultados de ações do Estado,
orientadas pelos organismos multilaterais, “os objetivos do Plano Decenal de Educação
para Todos estão impregnados pelas orientações do Banco Mundial – avaliação
centralizada, municipalização, educação a distância, etc.” (idem, p.15). Entretanto,
para Saviani (1999), o Plano Decenal, que tomou como referência a “Declaração
15
Mundial sobre educação para Todos”, foi estabelecido para atender a condição de
obtenção de financiamento internacional para a educação, “em especial aquele de algum
modo ligado ao Banco Mundial” (SAVIANI, 1999, p.80).
Sob a orientação de Bresser Pereira à frente do Ministério da Administração e
Reforma do Estado, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-
1998), foram implementadas mudanças referenciadas no “Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado” (BRASIL, 1995), cujo objetivo central era produzir eficiência ao
desempenho do Estado. Conforme Saviani (2008) e Neto (2009), o Governo de
Fernando Henrique Cardoso deu continuidade a implementação dos planos neoliberais,
seguindo as políticas dos organismos multilaterais, tendo em vista o desenvolvimento e
a consolidação da ordem capitalista. O plano de reforma apresenta três estratégias: “a
privatização - transferência para o setor privado das atividades que podem ser
controladas pelo mercado; a terceirização - processo de transferência para o setor
privado de serviços caracterizados como auxiliares às atividades desenvolvidas pelo
Estado; e a publicização - transformação de uma organização estatal em uma
organização de direito privado, mas pública não-estatal” (PEREIRA, 1998, p.61).
Para tanto, algumas ações foram prioritárias, entre as quais se destaca a
descentralização administrativa, transferindo funções da burocracia central para estados
e municípios (SILVA, 2009), onde:
Nesse contexto, as perspectivas descentralizadoras, em
geral, para esferas subnacionais impuseram a esse níveis
de governo tarefas e atribuições que exigem, para além
do repasse de recursos, condições de elaboração e
implantação de políticas públicas. (ADRIÃO et. al,
2009, p. 801)
Conforme as autoras, as reformas na administração pública, durante a década de
1990, ocorrem em parceria com empresas privadas, sob a justificativa de ser esta a
melhor resposta para as novas demandas. Mais especificamente na educação essa
“descentralização” está materializada na municipalização da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental. Essa política de descentralização financeira, administrativa e
pedagógica tem originado a busca por alternativas próprias para a aquisição de materiais
pedagógicos e para a própria manutenção da escola. Essa relação proporciona a
ampliação de mercado do setor privado, e a desresponsabilização do setor público para
com a educação (ADRIÃO et. al 2009).
Segundo Rosar e Sousa (1997), a partir de 1995 o MEC aumenta suas ações de
descentralização a partir da municipalização da gestão educacional, sobretudo na
16
educação básica. Tal estratégia foi iniciada com recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE)10
e intensificada com a criação do Fundef,
A criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério consolida
toda a estratégia de financiamento da educação nacional
com vistas à descentralização e cumpre o duplo papel de
induzir a municipalização nas regiões onde se tem
verificado maior resistência à sua implementação e de
fomentar a idéia de que novos recursos estão sendo
alocados à educação. (ROSAR e SOUSA, 1997, p.654)
Nessa perspectiva, segundo Cury (2008) ao relatar uma matéria do jornal O
Estado de São Paulo, que traz a indicação da exigência da municipalização desde 1996
por parte de empresários do setor educacional11
, sendo esse interesse aguçado pelo
tamanho do sistema educacional público brasileiro. No estudo apresentado por Adrião
et. al (2009), o crescente número da adoção de sistemas de apostilas pelos municípios
paulistas, a maioria de pequeno porte, parece ter relação com o despreparo das
secretarias municipais de educação, por assumirem muitas responsabilidades em pouco
tempo e por possuírem as condições mais adversas.
Conforme Oliveira e Melo (2010, p.74) no sistema educacional brasileiro “a
municipalização tem sido, muitas vezes, responsável por atrasos, retrocessos,
deterioração da qualidade de ensino e da precarização das condições de trabalho”.
Também para Santos e Oliveira (2009) a implementação das reformas educacionais tem
reorganizado o trabalho docente, inclusive levado à intensificação de seu trabalho, onde
se pode observar o peso atribuído aos professores no processo de reforma.
Esse processo, ao isolar cada unidade escolar na luta pelos recursos, dificulta a
formação de coletivos para discussão sobre a política educacional de modo geral e tendo
como característica a flexibilização e fragmentação, compromete ainda mais a
possibilidade de elaboração de um Plano Nacional de Educação (ROSAR e SOUSA,
1997).
10
“Repasse de recursos para gastos de manutenção diretamente às escolas ou às Prefeituras, com base no
número de alunos matriculados, sem a exigência da elaboração de projetos”. (ROSAR e SOUSA, 1997,
p.652)
11
“O processo de reestruturação produtiva e a inclusão, pela Organização Mundial do Comércio (OMC)
da educação no ramo dos “serviços”, constitui questão imperativa na análise do seu desenvolvimento e de
suas implicações no âmbito da América Latina, especialmente, no Brasil” (Bollmann, 2006, p.9). Nesse
sentido, “a perspectiva da educação na agenda do GATS, como um serviço comercial, implica a não-
existência de barreiras para seu “livre comércio” (SIQUEIRA, 2004, p.154). De acordo com a autora,
nessa perspectiva corre-se o risco da transformação da educação apenas em um processo de
comercialização.
17
A discussão a cerca da municipalização requer atenção antes de se fazer
afirmações e cair nas armadilhas da sedução de seu discurso. Pois, ao mesmo tempo,
que se apresenta como democrática, por atribuir maior “autonomia” ao nível local, pode
representar desresponsabilização e descomprometimento do poder público para com a
garantia da educação escolar. Acredita-se que a análise dessa realidade precisa ser
compreendida à luz de categorias mais amplas, comportando a contradição intrínseca
desse processo.
Um marco importante em relação à legislação educacional é a regulamentação
da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), aprovada em 1996, pelo primeiro governo de
Fernando Henrique Cardoso. Cabe ressaltar que o Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública12
acompanhou e lutou na tramitação da LDB, inclusive
[...] elaborou um projeto de lei intensamente discutido
com os educadores brasileiros com a finalidade de ver
contemplado, nesse processo, conteúdos que
expressassem os princípios e conquistas da sociedade
civil – concepção de educação pública, gratuita, laica,
democrática e de qualidade social, como direito de
todos e dever do Estado, em cumprimento do
compromisso do resgate da imensa dívida social para
com a educação à população de baixa renda, acumulada
nos diferentes governos e divulgada pelos dados dos
órgãos oficiais como o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) e o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). (BOLLMANN,
2006, p.69)
Os debates nesse sentido foram interrompidos, após a apresentação “tardia” do
Projeto de Lei n. 73, em fevereiro de 1995, no Senado da República, após, Substitutivo
30 de 1996, do Senador Darcy Ribeiro. Em dezembro de 1996, esse projeto foi
aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da República como LDB – Lei
n. 9394, “em articulação com o MEC, esse Senador, desconheceu o trabalho coletivo
das entidades da educação e de parlamentares que apoiaram suas propostas”
(BOLLMANN, 2006, p.69).
Até dezembro de 1997 o MEC deveria ter encaminhado ao Congresso Nacional
o projeto de criação do Plano Nacional de Educação, como isso não ocorreu, o deputado
Ivan Valente (PT-SP) protocolou a proposta resultante do II Congresso Nacional de
Educação (CONED). No entanto, dois dias depois deu entrada no Congresso Nacional o
projeto de lei tendo em anexo a proposta do MEC para o Plano Nacional de Educação
(SAVIANI, 1999).
12
Criado em 1986 com o objetivo possibilitar a mobilização em defesa da escola pública e gratuita como
direito de todos e dever do Estado (BOLLMANN, 2006).
18
No primeiro semestre de 1997 o MEC divulgou um documento denominado
“Plano Nacional de Educação (proposta inicial dos procedimentos a serem seguidos)”
(BRASIL, 1997). Para Saviani (1999), a proposta configura a transferência de
responsabilidades da União para Estados, Municípios, iniciativa privada e associações
filantrópicas, cabendo a União o controle, a avaliação, direção e eventualmente apoio
técnico e financeiro complementar. O referido autor destaca nas metas do ensino
fundamental o incentivo à participação voluntária da comunidade na manutenção das
escolas, situação essa evidenciada na campanha publicitária “Acorda Brasil. Está na
hora da Escola”. Em relação ao ensino superior assume-se a diferença entre
“universidades de pesquisa” e “universidades de ensino”, prevendo um aumento de
200% das vagas públicas nos próximos dez anos, mas no que diz respeito ao
financiamento não se prevê nenhum investimento público adicional para o ensino
superior.
Em suma, em relação aos anseios dos educadores, que se organizaram em
movimentos, elaborando documentos, para uma educação que servisse aos interesses da
classe trabalhadora, pode-se dizer que foram desconsiderados, tanto na elaboração da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação bem como do Plano Nacional de Educação13
,
O Ministério da Educação, a par dos compromissos
internacionais do Governo FHC, mudava suas
intenções, aproximando-a, sempre mais do pensamento
único hegemônico e que traduzia a necessidade de uma
adesão crítica, com sérios problemas para o país.
(BOLLMANN, 2006, p.82)
Arelaro (2008) apresenta em seu estudo a relação entre os interesses da
burguesia e as alterações na legislação do sistema educacional brasileiro, de acordo com
a autora, o primeiro projeto de mudanças nos direitos e na organização da educação foi
a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de nº233, que gerou a Emenda
Constitucional (EC) nº14, conhecida, entre outros aspectos, por criar o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (Fundef), fato que na prática induziu a municipalização do ensino
fundamental. As mudanças na legislação promovidas pela E.C. n.14 representaram um
forte estímulo à descentralização da educação pública e em especial a municipalização
do ensino fundamental. Embasados na Constituição de 1988 e na LDB (Lei n. 9394/96),
13
Ressalta-se que “os movimentos pela educação pública e gratuita como direito de todos e dever do
Estado não se inicia, nem termina aí” (BOLLMANN, 2006, p.68).
19
muitos municípios passaram a expandir sua rede escolar buscando as verbas transferidas
através do FUNDEF, já que os recursos eram repassados com base no número de
matrículas no ensino fundamental regular, segundo os dados do censo escolar do ano
anterior. Assim, “remunerou-se pela primeira vez na história da educação brasileira, o
serviço público educacional, pelo número de atendimentos que as esferas públicas
estaduais e municipais realizavam” (ARELARO, 2007, p.909).
A segunda proposta foi a EC nº 19, aprovada em junho de 1998, que ao mesmo
tempo restringiu a atuação do Estado e introduziu o conceito de “público não-estatal”,
[...] como expressão sinônima de interesses públicos,
autorizando e incentivando propostas de contratos de
gestão público-privadas, com transferência de
responsabilidades tradicionalmente afetas ao poder
estatal para a esfera privada, com o respectivo
investimento de recursos públicos. (ARELARO, 2008,
p.53)
A terceira iniciativa está relacionada a Lei Complementar nº101, de maio de
2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), legitimando a ação
privada. Através dessa lei,
[...] a atividade de planejamento ganha destaque,
considerando-se as ações nos espaços públicos, em
especial nas cidades, atividades privilegiadamente
gerenciais e não políticas: que contrariasse a LRF não
só poderia ser preso e responder a um processo criminal,
mas arcaria com pesadas multas financeiras, com ônus
exclusivamente pessoal. (ARELARO, 2008, p.53)
Durante o processo de redefinição do papel do Estado, dez anos depois da
Conferência de Jomtien, em 2000, a UNESCO promoveu em todo o mundo um
processo de avaliação dos progressos alcançados, culminando com a realização do
Fórum Mundial de Educação, em Dakar, Senegal. Foi, então, assinado o “Marco de
Ação de Dakar” (UNESCO, 2001), em que os países presentes comprometeram-se com
alguns objetivos, dentre esses destacam-se: assegurar que todas as crianças tenham
acesso à educação primária até o ano de 2015; assegurar que as necessidades de
aprendizagem de todos sejam atendidas pelo processo equitativo à aprendizagem
apropriada e às habilidades para a vida; alcançar uma melhoria de 50% dos níveis de
alfabetização de adultos até 2015.
Para atingir tais objetivos, governos, organizações, grupos e associações
representadas no Fórum, comprometeram-se a: mobilizar a política nacional e
20
internacional em prol da Educação para Todos14
, desenvolvendo planos e
incrementando os investimentos em educação básica; assegurar a participação da
sociedade civil nas estratégias para o desenvolvimento da educação; melhorar o status, a
auto-estima e o profissionalismo dos professores; monitorar sistematicamente o
progresso no alcance dos objetivos e das estratégias nos âmbitos internacional, nacional
e regional. Conforme o Documento supracitado, todos os Estados deveriam
desenvolver planos nacionais de ação, integrado a um marco mais amplo, a redução da
pobreza, envolvendo a sociedade civil, ONGs, pais, educandos e todos os interessados e
parceiros. Em contrapartida, a comunidade internacional compromete-se a aumentar o
financiamento externo para a educação básica, a facilitar uma coordenação mais efetiva
de doadores e um monitoramento do progresso das metas.
Diante do exposto, observa-se que:
[...] os impactos dessas medidas são desiguais de um
país para outro, mas as diretrizes são semelhantes:
redução da participação do Estado e realização de
parcerias, com fundações, ONGs, empresas e sociedade
civil na área educacional. Junto com isso, procurou-se
fortalecer a perda do sentido da universalidade e
gratuidade da Educação Pública, assim como da
exclusividade do Estado como provedor. (NETO, 2009,
p.14)
Em dezembro de 2006, a EC nº53 criou o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais de Educação
(FUNDEB). É preciso reconhecer que o FUNDEB ampliou a cobertura para todas as
etapas da educação básica abrangidas, mas isso não representou o aumento proporcional
dos recursos financeiros, ao contrário, segundo Saviani (2007), em junho de 2007, o
número de estudantes atendidos pelo Fundo passa de 30 milhões para 47 milhões, um
aumento de 56,6%. Sendo que o financiamento passou de 35,2 bilhões para 48 bilhões,
um acréscimo de apenas 36,3%. Portanto o FUNDEB não chega a resolver o problema
de financiamento da educação,
[...] uma boa gestão do fundo permitirá atender a um
número maior de alunos, porém em condições não
muito menos precárias do que as atuais, isto é, com
professores em regime de hora-aula; com classes
numerosas; e sendo obrigados a ministrar grande
14
Cabe ressaltar que nos anos 2000 ocorre uma mudança no foco, onde a campanha passa a ser “Todos
pela Educação”. “O Todos Pela Educação é um movimento que mobiliza todos os setores da sociedade
para a defesa de uma Educação Básica de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros” (BRASIL,
2006-2009).
21
número de aulas semanais para compensar os baixos
salários que ainda vigoram nos estados e municípios.
(SAVIANI, 2007, p. 1249)
A ampliação do acesso à educação básica no Brasil é significativa, em 1991
eram 25.490.176 alunos matriculados em escolas públicas, já em 2009 foram
45.052.972 alunos matriculados nas escolas municipais e estaduais brasileiras
(BRASIL. Inep/MEC 2009). No entanto, essa significativa ampliação do acesso não
acaba com a exclusão que os indivíduos sofrem na educação escolar. Dados do IBGE
(2010) revelam uma média muito baixa de anos de estudos concluídos pelos brasileiros,
especialmente se comparada a outros países dos mesmos níveis de desenvolvimento
econômico e social. Em 2009, em média, o brasileiro de 15 anos ou mais de idade havia
freqüentado a escola durante 7,5 anos, ou seja, não conseguiu concluir o ensino
fundamental. Cabe ressaltar que as desigualdades regionais também são marcantes. Na
Região Sul, essa média atingiu 7,9 anos, enquanto na Região Nordeste, apenas 6,7 anos.
Outro aspecto importante a ser mencionado são os dados sobre o analfabetismo
no País. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade baixou de
13,3%, em 1999, para 9,7%, em 2009, no entanto essa porcentagem correspondendo a
um contingente de 14,1 milhões de pessoas (IBGE, 2010). Tão relevante quanto os
números acerca do analfabetismo, é a taxa de analfabetismo funcional15
das pessoas de
15 anos ou mais. De acordo com o IBGE (2010) essa taxa é de 20,3%.
As demandas da educação pública brasileira são incomensuráveis, e nesse
quadro,
[...] a educação escolar é um instrumento fundamental
para o desenvolvimento econômico, social, cultural e
político de um país, de seu povo, e para a garantia de
seus direitos básicos de cidadania e da liberdade pessoal
[...] a educação é aqui entendida como instrumento de
formação ampla, de luta pelos direitos da cidadania e da
emancipação social, preparando as pessoas e a
sociedade para a responsabilidade de construir,
coletivamente, um projeto de inclusão e de qualidade
social para o país [...] a qualidade social implica
providenciar educação escolar com padrões de
excelência e adequação aos interesses da maioria da
população. Tal objetivo exige um grande esforço da
sociedade e de cada um para ser atingido, considerando
as dificuldades impostas pela atual conjuntura. (PNE –
Proposta da Sociedade Brasileira, 1997)
15
Taxa de analfabetismo funcional: Porcentagem de pessoas de uma determinada faixa etária que tem
escolaridade de até 3 anos de estudo em relação ao total de pessoas na mesma faixa etária (IBGE, 2010).
22
Dados mundiais da UNICEF e UNESCO, apontam que há cerca de um bilhão de
analfabetos, 150 milhões de crianças estão fora da escola e o analfabetismo funcional é
um grave problema em muitos países (NETO, 2009). Portanto, a educação pública deve
ser entendida como espaço de correlação de forças, para que a mesma seja gratuita e
laica em todos os níveis, com qualidade socialmente referenciada, esta deve ser objeto
de luta de toda classe trabalhadora, e não somente de uma fração de classe representada
pelos profissionais da educação. Tal luta, com base em Marx (1999) deve objetivar a
extinção do Estado, da Igreja, do Governo e dos organismos multilaterais como
educadores do povo. Tendo em vista que:
a crise e a agonia da escola pública está sendo gerada a
partir do Estado capitalista, que de forma cada vez mais
despudorada assume a condição de instrumento de
acumulação privada de capital, principalmente o
financeiro, ratificando seu caráter privado,
transparecendo quão fictícias são suas funções de
arbitragem dos interesses públicos, da realização da
democracia e da implementação falaciosa de práticas
sociais de cidadania (COSTA, NETO e SOUZA, 2009,
p.8)
A criação de um amplo sistema de organizações internacionais de caráter
intergovernamental, como a ONU, UNESCO, BM, FMI, OCDE, produziram um
estímulo à internacionalização dos problemas educacionais (TEODORO, 2003). Essa
realidade, conforme o autor, levou a crescente dependência dos países periféricos e
semiperiféricos tanto no que diz respeito a formulação de políticas educacionais quanto
na regularização da “assistência técnica” das organizações internacionais.
Nessa perspectiva, desde os anos sessenta, ocorreu uma propagação da teoria do
capital humano16
(TCH), onde a educação se tornou um meio imprescindível da auto-
realização individual, do progresso social e da prosperidade econômica, subordinada
diretamente ao mercado de trabalho (TEODORO, 2003). Para Frigotto (1984), tal
teoria, constitui um abatimento do conceito de homem, de trabalho, de classe e de
educação. As mudanças da organização do trabalho explicam as transformações
escolares “exigidas” pelas forças econômicas e políticas dominantes, onde a educação é
considerada como um bem de capital (LAVAL, 2004). Sendo assim,
Paralelamente, e de acordo, com a doutrina do capital
humano, o trabalhador se dotaria de conhecimentos e
competências ao longo de sua vida, sem poder mais se
definir por um emprego estável ou um estatuto definido
16
“A teoria do capital humano representa a forma pela qual a visão burguesa reduz a prática educacional
a um “fator de produção”, a uma questão técnica” (FRIGOTTO, 1984, p.18).
23
[...]. O conceito norteador é o da “empregabilidade”
individual. (LAVAL, 2004, p.16)
Segundo Teodoro (2003), a TCH está presente em grande parte dos trabalhos da
OCDE, a qual, guiada pelas políticas econômicas, iniciou no final da década de
cinqüenta a prática de exames anuais para avaliação do ensino nos países membros. O
autor relata que o procedimento consistia na seguinte rotina: era enviada uma equipe de
“peritos” que se reuniam com dirigentes locais, a partir disso a tal equipe constituía um
relatório, que era estudado na chamada “reunião de confrontação”, que acontecia na
sede da OCDE, onde os responsáveis de alto nível do país em avaliação deveriam
responder às questões colocadas pelos examinadores da OCDE.
A crise da educação pública no Brasil e no mundo está inserida na crise17
do
modo de produção da sociedade capitalista. O sistema capitalista encontra-se em uma
depressão de grandes proporções, atingindo de diferentes maneiras todas as regiões do
mundo (ARRUDA SAMPAIO Jr, 2009). De acordo com Oliveira (2000), a
flexibilização18
dos direitos trabalhistas implica na precarização do emprego, ao reduzir
os custos para os empregadores juntamente com a diminuição dos benefícios sociais.
Nesse sentido, “o contrato de trabalho, sob o capitalismo, é uma legalização da
desigualdade ou uma exploração legalizada” (ANTUNES, 2005, p. 18).
Com a crise do trabalho assalariado19
a histórica dualidade dos processos
formativos escolares “aparece” mais uma vez, sendo que se têm a idéia de que crianças
de classes menos favorecidas devem preparar-se para o trabalho remunerado desde
cedo. No entanto, já não há emprego para todos, então reafirmasse a ideologia das
competências e da empregabilidade20
(FRIGOTO; CIAVATTA, 2005, p. 7) e com isso
“dilui-se a concepção de escola básica e unitária como espaço de formação humana, e
17
Arruda, Sampaio Jr., Plínio de (org). Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da crise econômica
mundial.
18
“são processos que estimulam a criação de subempregos, subcontratações, de terceirizações de serviços
essenciais, de trabalhos mal pagos, sem remuneração, sem garantias e estabilidade, realizados nas piores
condições” (OLIVEIRA, 2000, p. 66).
19
Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho.
20
“O discurso hegemônico dissemina a idéia de que o trabalhador mais escolarizado seria portador dos
conhecimentos, valores, comportamentos e atitudes esperadas do cidadão produtivo do século 21”
(CAMPOS; SHIROMA, 1999, p. 484). Complementar a esse conceito, Frigotto afirma que “a noção de
empregabilidade é uma construção violenta que passa a idéia de que o culpado do desemprego é o
trabalhador” (2005, p.23).
24
toma-se o trabalho na sua dimensão alienada ou reduzido a emprego ou subemprego
(idem, p.7).
Nesse contexto, o trabalho dos docentes é reorganizado a partir de diversas
influências, e a tendência que se observa é de desvalorização do professor (COSTA,
2009). Dias da Silva ressalta “a pauperização salarial, a precarização das condições de
trabalho (incluindo, sobretudo, a itinerância entre escolas, a rotatividade e o absteísmo)
e as dificuldades em organizar o trabalho coletivo no interior das escolas” (2008, p.428).
Além disso, o professor passa a desempenhar funções além da sua formação, como por
exemplo, psicólogo, assistente social e enfermeiro. (OLIVEIRA, 2004). Para a autora
esta realidade pode contribuir para a perda de identidade profissional e intensificação do
trabalho docente.
A comprovação de que modificações na organização escolar e a sinalização de
uma maior flexibilidade nas estruturas curriculares e nos processos avaliativos confirma
a idéia de novos modelos de organização do trabalho escolar, o que acaba por exigir um
novo perfil dos docentes (OLIVEIRA, 2004).
Nesse processo de mudanças nos sistemas de ensino, na organização da escola e
do trabalho, inúmeros professores se sentem responsáveis pelos resultados negativos no
ensino, e de acordo com a literatura, as causas estão nas políticas adotadas pelos
diversos governos (OLIVEIRA; MELO, 2010). De acordo com a literatura esse
processo é agravado junto com a desintelectualização do professor. Termo usado por
Helena Freitas (2007) para explicar a defasagem teórica que afeta a prática docente. “A
formação de professores vem se tornando cada vez mais deficiente. A má qualidade da
formação e a ausência de condições adequadas de trabalho dos educadores se
desenvolvem há décadas em nosso país e em toda a América Latina de forma
combinada, impactando na qualidade da educação pública, em decorrência da queda do
investimento público e da deteriorização das condições de trabalho dos educadores e
trabalhadores da educação” (FREITAS, 2007, p.1203).
Então, para entender as modificações que ocorrem no cotidiano destes
trabalhadores existe a necessidade de irmos também até o “chão” da escola, Buscando
compreender o contexto em que se encere essa escola, onde o Estado brasileiro,
[...] vincula-se, historicamente, aos interesses do setor
privado, caracterizando-se pela adesão, principalmente,
na última década (1990) e nos anos 2000 pelo domínio
econômico das políticas de ajuste estrutural capitaneado
pelos organismos internacionais entre eles, o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano
25
de Desenvolvimento (BID) e a Organização Mundial do
Comércio (OMC). (BOLLMANN, 2006, p.71).
Considerando que para compreender os problemas na educação não basta olhar
apenas para o sistema educacional, buscaremos ao longo deste estudo elementos em
todo o sistema vigente, o sistema capitalista. Sistema este que interessa para uma
minoria da população, e que necessita constantemente estar em transformação para que
se mantenha, para que as classes dominantes se mantenham no poder.
Afirmando que, o responsável pela crise não é o sistema capitalista, e sim o
Estado, os intelectuais do neoliberalismo e da Terceira Via, sugerem diferentes
estratégias para a superação da crise (PERONI, 2008). Os neoliberais defendem a lógica
do mercado, já a proposta da Terceira Via propõe o repasse das responsabilidades para a
sociedade civil. No entanto, “entendemos que são estratégias de superação da crise
(neoliberalismo, Terceira Via, reestruturação produtiva) que redefinem o papel do
Estado e não o contrário, como afirmam os neoliberais” (idem, p.113). Nesse processo,
de redefinição do papel do Estado21
, houve um incremento dos acordos formalmente
firmados pelo poder público e setores da iniciativa privada, onde a expressão parceria
público-privada
[...] implica também na capacidade de intervenção que o
setor privado passa a dispor junto à administração
pública, por meio da assunção total ou parcial de
responsabilidades até então atribuídas ao poder público
em sua totalidade (BEZERRA, 2008, p.62-63).
Neste estudo pretende-se observar essa relação público-privada na educação,
apresentada na modalidade dos “sistemas de ensino apostilados”22
. Entendendo a
necessidade de, numa perspectiva mais ampla, pensar a crise da educação a partir da
crise do capital em esfera mundial. A crise estrutural do capital23
nos desafia pensar a
superação da sociedade capitalista rumo a construção de uma outra sociedade, para além
21
“[...] o processo de delegação de responsabilidades do setor público para o privado, por meio do
aumento da presença deste último na consecução de políticas para a educação pública, na etapa
obrigatória, amplia-se no final do século XX, generalizando-se para muito além de modalidades
específicas, a partir da profunda reforma do Estado brasileiro, posta em curso na década de 1990”
(ADRIÃO et. al, 2009, p.800).
22
“[...] essa compra representa mais que a simples aquisição de materiais didáticos, dado se tratar de
estratégia por meio da qual o setor privado amplia seu mercado, ao incidir sobre o espaço público na
mesma medida em que o setor público transfere parcela de suas responsabilidades para com a educação à
iniciativa privada” (ADRIÃO et. al, 2009, p.801).
23
István Mészáros (2008) indica que o sistema capitalista depois de vivenciar a era de ciclos, adentra em
uma fase inédita, marcada por uma depressão contínua, onde a crise se mostra duradoura, sistêmica e
estrutural.
26
do capital. Pois de acordo com Mészáros (2008), uma outra sociedade é possível e
necessária. Assim, indica-se “a necessidade de resgatar o trabalho, a história, a ciência,
a tecnologia e os processos educacionais como mediações e práticas sociais produtoras
da emancipação humana” (FRIGOTO; CIAVATTA, 2005, p.10).
Em tempos de redefinição do papel do Estado, e como parte desse processo de
alterações nas políticas educacionais, o presente estudo parte do pressuposto que,
embora os “sistemas de ensino apostilado” sejam adotados sob a justificativa de
melhorar os indicadores educacionais, eles, entre outros aspectos, reconfiguram o
trabalho docente, homogeneizando suas práticas e incidindo sobre sua autonomia.
Nesta perspectiva a educação ganha novos contornos, redefinindo o trabalho
docente. Assim, propõe-se as seguintes questões investigativas: Como se dá a relação
público-privada no âmbito escolar, sobretudo, a partir da municipalização do
ensino fundamental? Quais os reflexos da construção/manutenção da “nova”
pedagogia da hegemonia24
sobre o trabalho docente?
Propõe-se como objetivo geral deste estudo analisar e compreender, a partir de
uma experiência local, os reflexos sobre a educação pública, e em particular sobre o
trabalho docente, da relação entre o setor público e o privado na educação. E como
objetivos específicos:
Investigar produções bibliográficas sobre a crise do capital bem como suas
propostas de “superação” (neoliberalismo, globalização, reestruturação
produtiva e terceira via) e seus impactos sobre a educação, verificando assim, a
crise da educação a partir da crise do capital;
Compreender os impactos da reestruturação produtiva sobre as relações de
trabalho, mais especificamente sobre o trabalho docente;
Analisar parte da bibliografia que trata do movimento do empresariado no
âmbito educacional, bem como dos organismos multilaterais;
Mapear e analisar documentos legais norteadores do processo de
municipalização do Ensino Fundamental e da relação público-privada;
Cotejar os dados coletados na pesquisa com a literatura revisada para
compreender a relação público-privada no campo da educação, bem como seu
24
“Nessa perspectiva, pode-se afirmar que os educadores, no decorrer do século XX, tiveram papel
estratégico na consolidação da hegemonia burguesa nas formações sociais capitalistas centrais, mas
tiveram também um peso substancial na elaboração de projetos contra-hegemônicos, em especial nas
formações sociais capitalistas dependentes” (MARTINS e NEVES, 2010, p.33).
27
impacto sobre o trabalho docente, a partir da experiência do município de
Imbituba/SC.
1.1 DESENHO METODOLÓGICO E TEÓRICO
Para alcançar os objetivos relacionados, propõe-se desenvolver de modo
articulado pesquisa documental, bibliográfica e de campo. Por meio da pesquisa
documental, averiguar as estratégias de superação da crise capitalista, que de acordo
com a literatura redefiniram o papel do Estado, buscando em especial, os documentos
legais fomentadores da relação público-privada e os norteadores da municipalização do
ensino fundamental. Destaca-se a EC 14 (conhecida por criar o Fundef); EC 19
(introduziu o conceito de “público não-estatal”); Lei complementar 101 (conhecida
como Lei de Responsabilidade Fiscal); Lei 11.274 (estabeleceu o ensino fundamental de
9 anos); Lei 11.494 (regulamentou o Fundeb); Lei das Parcerias Público Privadas
(edificadas nos marcos do Plano Diretor da Reforma do Estado); Lei 1876/98
(Regulamenta o sistema municipal de educação da Prefeitura de Imbituba). A partir da
análise de produções bibliográficas busca-se captar o processo de reestruturação
capitalista e sua relação com a educação básica, mais especificamente o movimento da
classe empresarial e suas relações na aparelhagem de Estado no processo de
determinação e de realização das estratégias da consolidação da hegemonia, em especial
as estratégias no setor educacional. Na pesquisa de campo, será realizado um estudo da
experiência de Imbituba da relação público-privada, ou seja, a adoção de um “sistema
de ensino apostilado” e seus impactos no trabalho docente.
A perspectiva epistemológica do estudo será baseada no materialismo histórico-
dialético. De acordo com Marx (1999), uma espécie de saber total, articulado sobre uma
teoria geral do ser (o materialismo dialético) e a sua especificação em face da sociedade
(o materialismo histórico). Para o autor, a sociedade burguesa é uma totalidade
concreta, inclusiva, dinâmica e macroscópica de máxima complexidade, seu movimento
resulta do caráter contraditório de todas as totalidades que compõem sua contínua
transformação.
Nesse processo, esse referencial pode contribuir para o desenvolvimento dessa
pesquisa na medida em que leva a compreender que a municipalização e a relação
público/privada na educação são elementos constitutivos de uma determinada realidade
histórico-social. Para a realização do objetivo principal desta pesquisa, é necessário
28
passar pelo conhecimento histórico das inter-relações destes elementos entre si, com o
trabalho docente e com a totalidade mais ampla na qual se inserem e com a qual se
articulam. Marx e Engels (2007) esclarecem que as suas análises têm pressupostos, mas
se trata de pressupostos reais, sujeitos reais, seus atos e suas condições materiais de
vida, sujeitos influenciados tanto pela história já produzida como pelas produções de
suas próprias relações. Na base dessas idéias está um argumento fundamental:
Os homens são produtores de suas representações, de
suas idéias e assim por diante, mas os homens reais,
ativos, tal como são condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercâmbio que a ele corresponde [...]. A consciência
não pode jamais outra coisa do que ser consciente e o
ser dos homens é o seu processo de vida real. [...] Não é
a consciência que determina a vida, mas a vida que
determina a consciência. (MARX e ENGELS, 2007,
p.86-87)
De acordo com Cury (1992), a educação e sua análise devem ter seu inicio numa
totalidade histórica e social, manifestando essa totalidade ao mesmo tempo em que
participa de sua produção. “A educação então não reproduz as relações de classe, mas
estas se fazem presentes na educação, articulando-a com a totalidade” (CURY, 1992,
p.14). Para esse autor, no elenco de categorias metodológicas existe a necessidade de
“colocá-las numa relação historicizante, isto é, toda produção social, no seu mais amplo
sentido, é determinada pelas condições sociais que caracterizam uma sociedade, no
nosso caso, a capitalista” (CURY, 1992, p.14).
Através da categoria da totalidade, a educação, sendo ela parte das relações
sociais, comprometida pela hegemonia da classe dominante, apresenta-se numa
totalidade de contradições (CURY, 1992). De acordo com o autor, a educação deve ser
compreendida em um contexto global dos fenômenos e todo o conjunto de seus
componentes. Sendo a educação referida ao econômico, “ela se subordina ao mercado
capitalista [...] seja na estrutura hierárquica de seus agentes, no preparo da mão-de-obra
necessária a divisão social do trabalho, seja no fornecimento de objetos que estimulem a
produção” (idem, p.67 e 68). Essa ligação com a organização capitalista de produção se
relaciona com a organização política, ela prepara as gerações segundo os padrões
morais estabelecidos. No entanto, “essa educação política é em si mesma contraditória
porque carrega consigo a função de reduzir os conflitos nascidos das relações sociais”
(idem, p.68). Para o autor, o momento político-ideológico na educação dissimula as
contradições de base, tendo uma eficácia incontestável e, no entanto, relativa,
29
[...] é relativa às condições históricas de cada totalidade
social [...] ela depende de como as forças sociais em
conflito conseguem redirecionar o processo educativo,
na busca de uma hegemonia política sobre a sociedade.
Dessa forma, a relatividade histórica dessa eficácia se
liga à relatividade contraditória das relações sociais.
(idem, p.68)
Nesse movimento, conforme Moraes (2000) e Cury (1992), a contradição é a
base da metodologia dialética, para ambos os autores essa categoria exerce a função de
conceito explicativo mais amplo da realidade. “A contradição, portanto, é um motor
temporal, isto é, as relações contraditórias não existem como fatos dados no mundo,
mas são produzidas” (MORAES, 2000, p.22). De acordo com essa autora a história é o
movimento de produção e de superação das contradições. A contradição pressupõe
analisar o fenômeno e sua negação intrínseca.
Sendo a educação parte da prática social ela também é contraditória nos seus
elementos. O capitalismo necessita de processos educativos que o subsidie a encobrir os
processos de apropriação do excedente, então a burguesia busca ao longo dos tempos
diferentes formas educativas que possibilite sua manutenção. A educação pode
contribuir para a reprodução do capital, mas pode opor-se como meio de transformação
da sociedade, ela é uma expressão da luta de classes (CURY, 1992).
No movimento das múltiplas determinações, conforme Cury (1992), a categoria
de contradição, envia-nos, dialeticamente, à categoria da totalidade, onde
[...] a totalidade não é um todo já feito, determinado e
determinante das partes, não é uma harmonia simples,
pois não existe uma totalidade acabada, mas um
processo de totalização a partir das relações de produção
e de suas contradições. (idem, p.35)
É necessário considerar a totalidade juntamente com as contradições, nesse caso
“o privilegiamento da contradição revela a qualidade dialética da totalidade” (CURY,
1992, p.35). Para o autor, essa compreensão dialética em processo “implica uma
complexidade em que cada fenômeno só pode vir a ser compreendido como um
momento definido em relação a si e em relação aos outros fenômenos” (idem, p36).
Como assegura Moraes (2000), “nesta perspectiva é impossível conceber-se uma
totalidade fechada, uma síntese acabada, pois o processo nunca pode ser concluído
precisamente porque a realidade é infinita” (idem, p.23). Por ser assim, para a autora, é
nas contradições que a totalidade se realiza, num constante movimento, definindo os
30
homens e suas relações sociais. Para tanto, é imprescindível a consciência do
movimento histórico das lutas de classes entre a burguesia e o proletariado,
[...] a história das lutas de classe, que essas classes
sociais em luta entre si são, toda vez, fruto das relações
de produção e de troca, em suma das relações
econômicas de sua época; que, portanto, a estrutura
econômica da sociedade constitui, toda vez, o
fundamento real a partir do qual deve, em última
instância, ser esclarecida toda a supra-estrutura das
instituições jurídicas e políticas, bem como os modos de
concepção religiosa, filosófica, etc, de cada uma das
épocas históricas. (ENGELS, 2008, p.88)
A partir desses esclarecimentos, “as conseqüências teóricas e práticas dessa
concepção, a “concepção materialista da história”, são de enorme repercussão no
processo do conhecimento” (MORAES, 2000, p.28). Portanto, a compreensão dialética
da totalidade pressupõe a relação entre as partes e o todo e as partes entre si, assim:
O ponto de partida para o método dialético na pesquisa
é a análise crítica do objeto a ser pesquisado, o que
significa encontrar as determinações que o fazem ser o
que é. Tais determinações têm que ser tomadas pelas
suas relações, pois a compreensão do objeto deverá
contar com a totalidade do processo, na linha da
intencionalidade do estudo, que é estabelecer as bases
teóricas para sua transformação. (WACHOWICZ, 2001,
p.1)
Nesse conjunto, segundo Cury, a categoria da hegemonia ocasiona tanto a
possibilidade de análise como a indicação de uma estratégia política. A obtenção de um
consenso é importante para a reprodução das relações na sociedade de classes, “a classe
dominante busca um conformismo, ou seja, busca transformar sua concepção de mundo
em senso comum, fazendo-a penetrar nas massas e buscando assim assegurar, com o
consenso dessas, a ordem estabelecida” (CURY, 1992, p. 29). Segundo Gramsci (2000),
a hegemonia é uma relação presente nas sociedades capitalistas, que manifesta a
dominação de uma classe sobre o conjunto de sua própria classe ou das demais classes.
Isso se realiza por diversas estratégias e o objetivo é o controle material e simbólico dos
bens produzidos pela humanidade. Trata-se de um processo histórico, e:
[...] podem-se fixar dois grandes “planos”
superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade
civil” (isto é, o conjunto de organismos designados
vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade
política ou Estado”, planos que correspondem,
respectivamente, a função de “hegemonia” que o grupo
dominante exerce em toda a sociedade e àquele de
domínio direto ou de comando, que se expressa no
31
Estado e no governo “jurídico”. Essas funções são
precisamente organizativas e conectivas. (GRAMSCI,
2010, p.20-21).
Portanto, é na prática social que estão os gérmens contraditórios que podem
proporcionar a superação da sociedade capitalista, no desenvolvimento das relações
entre a sociedade e seus agentes históricos (CURY, 1992). Sendo assim, estudar o
trabalho do professor que leciona na escola pública é, antes de tudo, buscar elementos
que demonstrem as condições postas pelo Estado para que este profissional desempenhe
sua função no sistema capitalista. Sendo, portanto, necessário, ir à realidade do
professor no interior da escola pública, para compreender se as condições oferecidas
possibilitam que ele realize seu trabalho, tendo em vista a apropriação e compreensão,
por parte dos alunos, dos conteúdos historicamente produzidos pela humanidade, para
que os processos educacionais funcionem como mediadores da emancipação humana, e
para que assim as práticas sociais colaborem com o movimento de superação da
sociedade capitalista, cuja finalidade é a exploração dos indivíduos para acumular mais
riqueza e mais capital.
A pesquisa de campo desse estudo foi realizada na Escola Municipal de Ensino
Fundamental José Vanderlei Mayer. A escolha deste estabelecimento se deu pelo fato
de ser uma das escolas da rede que contempla todo o ensino fundamental, por ser uma
das escolas com maior número de alunos (288) e de docentes (24) e por possuir uma
realidade diferente das outras escolas deste mesmo município. No espaço onde se
encontra a referida escola, também funcionam dois projetos do governo federal e um do
governo municipal25
, além de ali estar localizado um dos Centros de Educação Infantil
Municipal (CEI Alceu Rochadel), todo esse ambiente é conhecido como CAIC - Centro
de Atenção e Integração da Criança26
. Assim, alguns alunos permanecem lá por tempo
integral, sendo estes vindos de diversos bairros, na lógica da chamada nucleação.
Para conhecer o cotidiano destes trabalhadores e os impactos da relação público-
privada foram aplicados questionários27
, com todos os docentes28
em exercício na
25
Sendo eles respectivamente: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e o Programa
Mais Educação, e o Espaço de Integração Infanto Juvenil – ESIIJ.
26
Cabe ressaltar que a Escola, o CEI, e os demais Projetos possuem cada um seu próprio gestor.
27
Anexo A.
28
Anexo B.
32
referida escola, durante os meses de novembro e dezembro de 2011 e posteriormente
entrevistas semi-estruturadas29
com alguns dos docentes, no caso, com os oito
professores que se dispuseram a participar dessa parte da pesquisa.
Optou-se pelo depoimento como método de organização da coleta de dados, pois
de acordo com Meksenas (2002, p. 129), o depoimento se configura em “um método de
organização da coleta de dados a respeito de determinado tema, a partir da realização de
entrevistas não-diretivas ou semi-estruturadas”. Segundo o autor, o caráter qualitativo
do depoimento conduz o pesquisador ao trato com as concepções de mundo, valores e
narrativas dos sujeitos investigados, podendo explicitar aspectos de suas práticas e de
interações sociais passadas e presentes. Ao cotejar a literatura revisada30
com os dados
da pesquisa emergiram as seguintes categorias simples ou de conteúdo: Organização do
trabalho docente, intensificação do trabalho docente e desintelectualização do professor.
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos. Neste primeiro capítulo
introdutório apresentam-se a problemática, os objetivos, a hipótese e as considerações
teórico-metodológicas da pesquisa. No segundo capítulo, destacam-se reflexões acerca
da crise do sistema capitalista e suas propostas de superação; a (re)organização da classe
empresarial, em especial no setor educacional, e sua relação com o Estado; aponta-se a
relação público-privada materializada na educação através dos “sistemas de ensino”.
Trata também da reorganização do trabalho em geral e do trabalho docente, em
particular. No terceiro capítulo apresenta-se a análise dos dados organizada em três
categorias de conteúdo, já citadas. Por fim, no quarto capítulo, apresentam-se algumas
considerações.
29
Anexo C.
30
Dias da Silva, 2008; Freitas, 2007; Frigoto, 1984; Frigoto e Ciavata, 2005; Mancebo, 2007; Marin,
2011; Neto, 2009; Neves, 2010; Oliveira, 2000; Oliveira, 2004; Oliveira e Melo, 2010; Sampaio e Marin,
2004; Santos, 2004; Saviani, 1999; Saviani, 2005; Saviani, 2007; Saviani, 2008; Shiroma e Evangelista,
2004; Silva, 2009.
33
2. DA CRISE DO CAPITAL A MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
O objetivo desse capítulo é apresentar uma reflexão sobre de que forma a crise
do capital e suas propostas de “superação” (reestruturação produtiva, globalização,
neoliberalismo, terceira via), bem como o movimento do empresariado, interferem nas
políticas educacionais. Verificando assim, a crise da educação a partir da crise do
capital. Para tanto, não podemos olhar pontualmente o sistema educacional, precisamos
e devemos entender todo o conjunto, ou pelo menos grande parte do que compõe o
sistema capitalista atual. Por procurar elementos que compõe a totalidade e intentar
visualizar as contradições desse sistema é que temos como objetivo uma transformação
qualitativa, que para Mészáros, é necessário romper com a lógica do capital.
Nesse processo, precisamos definir “Estado” no capitalismo segundo a teoria
marxista:
[...] o Estado é uma organização – ou um conjunto de
instituições – que visa garantir a dominação de uma
classe sobre a outra. Segundo Engels, as características
fundamentais (histórico-universais) de qualquer
aparelho estatal – seja ele escravista, feudal, capitalista
ou socialista – são: a) existência de aparelhos de
repressão estrito senso (exército, polícia, tribunais)
separado do povo em armas; b) de um parelho de coleta
de impostos; c) articulados por um poder político
classista. O conjunto de indivíduos responsáveis por
essas tarefas formaria a burocracia estatal.
(BUONICORE, 2004, p.125)
O Estado está relacionado com o tipo de produção, assim, a função do “Estado
Burguês” é reproduzir as relações de produção capitalistas e conseqüentemente manter a
dominação burguesa sobre a massa, sobretudo, o proletário. Desta forma, possibilita as
condições de exploração da sua força de trabalho, que no capitalismo recebe a forma de
uma mercadoria, sendo trocado por um salário que não representa o verdadeiro esforço
materializado nas suas ações (BUONICORE, 2004).
Na sociedade capitalista o poder político está nas mãos do bloco dominante, ou
seja, o conjunto das frações que compõem a burguesia. Estes tendo como objetivo
manter as relações de poder de produção capitalista e amenizar ações revolucionárias da
classe explorada estão constantemente organizando estratégias, práticas e políticas.
Nesse contexto, as novas fronteiras entre o público e o privado são construídas, como
parte da redefinição do papel do Estado. Assim,
[...] as estratégias de superação dessa crise foram,
principalmente, a reestruturação produtiva, a
34
globalização, o neoliberalismo e a Terceira Via. Todas
elas redesenham o papel do Estado. São movimentos
diferentes e complementares, muitas vezes chamados de
globalização ou neoliberalismo, mas com características
específicas, e redefinem o papel do Estado,
principalmente para com as políticas sociais. (ADRIÃO
et. al, 2008, p.112)
Decisões políticas e econômicas colocaram em risco a hegemonia da fração
monopolista do sistema industrial, juntamente com o padrão de sociabilidade vigente.
(Martins, 2009). Nos anos de 1970, a intensa redução do crescimento do sistema
demonstrou os primeiros sinais de instabilidade no mundo. O autor supracitado afirma
que, as providências tomadas não alcançaram uma das determinações nuclear da crise: a
diminuição da taxa de lucro ocorrida nos países centrais capitalistas.
Em relação à produção, “a massa salarial elevada pelas lutas sociais e que tanto
ajudou a legitimar o modelo de desenvolvimento da era de ouro, em décadas anteriores,
se projetou como um problema para a taxa de lucro” (MARTINS, 2009, p.23). Ocorreu
em conjunto a demasiada capacidade de produção do setor industrial e a falta de aptidão
do mesmo em manter elevadas as taxas de lucro. Assim, segundo o autor, houve uma
decadência na produção com impactos na diminuição dos salários, e uma tendência a
evasão de capitais do setor industrial para o mercado financeiro, aumentando a sujeição
às cobranças do capital de juros.
Nessa perspectiva se acentua a luta de classes. Com o objetivo de recuperar a
taxa de lucro houve um incremento na exploração do trabalho, o que de acordo com
Martins trouxe implicações para o padrão de sociabilidade. Nesse momento, as
organizações sindicais demonstravam dificuldades em assegurar salários e empregos, o
que provocou reações das bases operárias, como conseqüência muitos trabalhadores
afastaram-se de suas organizações e sem um projeto alternativo de sociedade e
sociabilidade (MARTINS, 2009).
Nesse momento histórico,
[...] a crise orgânica do capitalismo pode ser
interpretada como expressão do processo de mudança
de um padrão de dominação do capital, que predominou
durante anos, para uma nova forma de dominação em
que se reafirmam as relações sociais capitalistas.
(MARTINS, 2009, p.30)
Nos anos 1980, mesmo período histórico de redemocratização da sociedade no
Brasil e na América Latina, de lutas por aberturas políticas, vive-se um “momento” de
crise mundial, apresentada como uma diminuição da taxa de lucro do capitalismo
35
(ADRIÃO et. al, 2008). Os intelectuais do neoliberalismo e da terceira via defendem
que não é o capitalismo que está em crise e sim o Estado. No entanto, este estudo está
embasado em Mészáros e Antunes, entre outros autores, que defendem que a crise não é
do Estado, e sim que a crise é estrutural do capital.
De acordo com Sampaio Jr (2009, p. 8), um novo momento histórico é iniciado
com o “desenho” de uma grave crise econômica afirmando ser está uma realidade
irreversível, “o primeiro movimento de crise levou a uma brutal contração da atividade
econômica e do comércio internacional, provocando um meteórica expansão do
desemprego” (idem, p.9). No primeiro semestre de 2009 houve um processo de
“liquidação de capital fictício”, a queda das bolsas de valores alcançou 55% e a
economia mundial sofreu uma diminuição superior a 6% em relação ao mesmo período
do ano anterior (idem). Conforme o autor,
[...] a reprodução das relações sociais que fundam a
sociedade burguesa passa a depender do sucateamento
das forças produtivas redundantes, da aceleração do
processo de concentração e centralização dos capitais e
do aumento da taxa de exploração do trabalho.
Na atual fase do sistema capitalista, mais especificamente o processo de
internacionalização da produção e internacionalização financeira, conhecido como
globalização, a crise do capital compreende, de diferentes maneiras, todas as regiões do
mundo (COSTA, 2008). Os efeitos da crise sobre os trabalhadores foram arrasadores, os
ajustes da economia e do comércio em nível mundial acabaram por levar ao
desemprego. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que em 2008 o
número de desempregados aumentou em quase nove milhões (SAMPAIO Jr, 2009).
Ao analisar o cenário do emprego nos países centrais, Costa (2008) verifica que
há mais de 20 anos existe um desemprego estrutural nesses países. Com base nos dados
da OIT, o autor afirma que nos países industrializados, membros da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o desemprego está por volta de 40
milhões de trabalhadores, e globalmente afeta 800 milhões de trabalhadores.
De acordo com Costa (2008), devido ao modelo político e as novas tecnologias
de produção o capitalismo se apresenta como “uma faca de dois gumes”. Para obter
maiores taxas de lucro, acaba por intensificar o trabalho, ampliando a jornada e
reduzindo a possibilidade de ganho do trabalhador. Em contrapartida, as novas
tecnologias ao proporcionarem maior desenvolvimento da produção, reduzem a
demanda agregada, e assim reduz-se a possibilidade da utilização plena das forças
36
produtivas. Para o autor, em todo esse contexto “gera-se assim uma contradição entre os
interesses objetivos de ampliação do capital e a impossibilidade de reprodução plena
nos moldes estruturados pela política neoliberal” (COSTA, 2008, p.133).
Considerando a contradição como categoria fundamental do materialismo
histórico, torna-se essencial o conhecimento do modelo socioeconômico, para, então,
explicitar suas contradições no sentido de superá-las. Nesse sentido, Sampaio Jr conclui
que,
[...] a superação de uma situação insustentável, que
solapa gradativamente os fundamentos da civilização
humana, depende de uma práxis revolucionária,
inspirada nas ideologias libertárias que brotam do chão
de luta dos movimentos sociais que resistem ao avanço
da barbárie. (2009, p.25)
Todo esse movimento do sistema, a partir da década de 1970, gerou ao longo
dos anos impactos no papel do Estado. Estampa-se diante do mundo a crise do
capitalismo e nesse processo “surgem” suas propostas de superação, “superação” da
crise e não do sistema. Para Peroni, “as estratégias de superação – neoliberalismo,
globalização, reestruturação produtiva e Terceira Via – redefiniram o papel do Estado
para com as políticas sociais, diminuindo sua atuação como executor destas políticas”
(2009, p.111).
A década de 1980 foi marcada por intensas modificações no mundo do trabalho,
“nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação
sindical e política” (ANTUNES, 2006, p.23). Adequando-se a nova fase,
Novos processos de trabalho emergem, onde o
cronômetro e a produção em série e de massa são
substituídos pela “flexibilização” da produção, pela
“especialização flexível, por novos padrões de busca de
produtividade, por novas formas de adequação da
produção à lógica de mercado. (ANTUNES, 2006, p.24)
Partindo do pressuposto que o trabalho é uma categoria crucial para a
humanidade precisamos compreender seus significados e sentidos, buscando elementos
na prática social. Para Marx (2008), o trabalho é fundamental na vida humana porque é
uma condição para a sua existência em sociedade, sendo seu fundamento ontológico
primário. No entanto, a sociedade capitalista transforma o trabalho em trabalho
assalariado, assim, o que era uma finalidade central do ser social passa a ser meio de
subsistência, “o que deveria ser a fonte de humanidade se converte em desrealização do
ser social, alienação e estranhamento dos homens e mulheres que trabalham”
(ANTUNES, 2004, p. 8).
37
O que homens e mulheres “vendem” todos os dias não é propriamente o seu
trabalho, mas a “força de trabalho”31
. Buscando uma compreensão mais ampla é
necessária a investigação da origem desse fenômeno, para tanto Marx questiona “como
se explica que um dos grupos compre constantemente para realizar lucro e enriquecer,
enquanto o outro grupo vende constantemente para ganhar o pão de cada dia?” (MARX,
2004, p.70).
Nesse sistema o homem se deprecia numa proporção muito superior à que a
soma numérica de seu trabalho gera de lucro para quem o explora,
O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O
homem que não disponha de nenhum tempo livre, cuja
vida – afora as interrupções puramente físicas, do sono,
das refeições etc. – esteja toda ela absorvida pelo seu
trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de
carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e
brutalizada intelectualmente, para produzir riqueza para
outrem. E, no entanto, toda história da indústria
moderna revela que o capital, se não tiver um freio, tudo
fará, implacavelmente e sem contemplações, para
conduzir toda a classe operária a esse nível de extrema
degradação. (MARX, 2004, p.88)
Ao longo da história a humanidade observa as leis da natureza, conhecendo os
efeitos imediatos e as implicações mais remotas de sua intromissão no curso natural de
seu desenvolvimento,
[...] mas, se foram necessários milhares de anos para
que o homem aprendesse, em certo grau, a prever as
remotas conseqüências naturais no sentido da produção,
muito mais lhe custou aprender a calcular as remotas
conseqüências sociais desses mesmos atos. (ENGELS,
2004, p.25)
Assim, conforme Engels torna-se essencial algo além do conhecimento dessas
conseqüências, “é necessária uma revolução que transforme por completo o modo de
produção existente até hoje e, com ele, a ordem social vigente” (idem, p.26).
Na base do sistema capitalista a sua produção alterna-se em ciclos periódicos
determinados, ou seja, “passa por fases de calma, de animação crescente, de
prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação” (MARX, 2004, p.90). A luta
entre o capital e o trabalho produz resultados, levando a periódicas transformações no
modo de produção, “a classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo com todas
31
“Como o de qualquer outra mercadoria, esse valor é determinado pela quantidade de trabalho
necessária para sua produção. A força de trabalho de um homem consiste, pura e simplesmente, na sua
individualidade viva. Para poder se desenvolver e se manter, um homem precisa consumir uma
determinada quantidade de meios de subsistência” (MARX, 2004, p.70).
38
as misérias que lhe são impostas, engendra simultaneamente as condições materiais e as
formas sociais necessárias para uma reconstrução econômica da sociedade” (idem,
p.98).
Vivenciou-se no mundo da produção um grande salto tecnológico, juntamente
com novos padrões de gestão da força de trabalho. As profundas transformações no
mundo do trabalho também levaram a repercussões nas práticas sociais,
[...] a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda
crise deste século, que atingiu não só a sua
materialidade como, mas teve profundas repercussões
na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento
destes níveis, afetou a sua forma de ser (ANTUNES,
2006, p.23).
No começo da década de 1990, segundo Souza (2009), a reestruturação
produtiva alcançou o seu auge. Para o autor, a chamada reestruturação produtiva
baseou-se no aumento da exploração do trabalhador e das taxas de lucro do capital. Esse
processo fundamenta-se na intensificação do trabalho, quando um mesmo trabalhador
realiza ao mesmo tempo várias tarefas diferentes, que antes pertenciam a distintos
profissionais, é o chamado trabalhador multifuncional. Então, ocorre um incremento no
ritmo e na produtividade do trabalho, que leva ao aumento da produção, em
contrapartida ocorre a redução do número de empregos.
Neste momento, de acordo com Ricardo Antunes (2006), os direitos trabalhistas,
conquistados ao longo da história pelos trabalhadores, passam a ser desregulamentados,
“flexibilizados”, o que os capitalistas afirmam ser uma necessidade, uma adequação a
nova fase produtiva. No entanto, “a fragmentação do trabalho, adicionada ao incremento
tecnológico, pode possibilitar ao capital tanto uma maior exploração, quanto um maior
controle sobre a força de trabalho (ANTUNES, 2006, p.28).
A reestruturação produtiva é composta por complexos aspectos que compõem a
(re)organização da gestão, da produção e do trabalho assalariado. Consiste, entre outros
fatores, na coerção dos sindicatos, na flexibilização dos direitos trabalhistas e na
estimulação a competição entre os trabalhadores (em busca de metas e bonificações).
Esse processo não se limita ao domínio da produção e dos serviços privados, mas
alcança também os serviços públicos (SOUZA, 2009).
Diante dessa realidade, qual tem sido o impacto desses processos sobre o
trabalho docente? Qual é o papel da educação escolar nesse contexto?
Parte-se da premissa de que com a reestruturação
produtiva assistida de forma mais ostensiva nas duas
últimas décadas, novas demandas têm sido apresentadas
39
à educação escolar com relação aos seus objetivos,
refletindo em mudanças nas formas de gestão e
organização do trabalho na escola. (OLIVEIRA, 2004)
A precarização do trabalho escolar reproduz a precarização do trabalho de forma
geral, visto que, as condições econômicas e sociais incidem diretamente sobre o
trabalho docente. Segundo Sampaio e Marin (2004), a partir de 1980 e 1990, o
financiamento dos organismos internacionais32
incidiu diretamente sobre as decisões
políticas relacionadas à educação.
Durante o processo de reestruturação produtiva a educação, considerada um
fator estratégico no processo de desenvolvimento do capitalismo, sofre transformações
profundas, tanto na sua função como na organização, incidindo diretamente sobre o
trabalho docente (OLIVEIRA, 2004),
Trazem medidas que alteram a configuração das redes
nos seus aspectos físicos e organizacionais e que têm se
assentado nos conceitos de produtividade, eficácia,
excelência e eficiência, importando, mais uma vez, das
teorias administrativas as orientações para o campo
pedagógico. (idem, p.4)
O professor se vê obrigado a responder as exigências que estão para além de sua
formação, apresentadas pelas variadas funções que a escola assume (OLIVEIRA, 2004).
Para a autora, diante dessa realidade, pode ser gerado no professor, um sentimento de
perda de identidade, levando-o a constatação de que ensinar não é o mais importante.
Nessa direção, os professores vão assumindo toda a responsabilidade de todos os
problemas relacionados ao seu trabalho, comprometendo-se com o “bem-estar” das
instituições onde realizam suas atividades, chegando até mesmo a apresentar problemas
de saúde porque se sentem culpados pelas falhas do sistema escolar (SANTOS 2004).
Diante desse quadro, a educação pode ser uma oportunidade de negócios, de
desenvolver o capital, onde o Estado “age como um negociante estrategista modelando
o rumo da economia nacional ao investir em setores econômicos chave e no
desenvolvimento de seu capital humano” (BALL, 2004, p.1108), assim, segundo o
autor:
[...] nesta relação binária Estado/instituições privadas
estão começando a se dissolver as fronteiras entre os
32
“a elaboração de currículos sintonizados com as demandas de mercado; centralidade para a educação
básica, com a redução de gastos com o ensino superior; ênfase na avaliação do ensino em termos dos
produtos da aprendizagem e do valor custo/benefício; centralidade da formação docente em serviço em
detrimento da formação inicial; autonomia das escolas com maior envolvimento das famílias;
desenvolvimento de políticas compensatórias voltadas para os portadores de necessidades especiais e para
as minorias culturais” (SANTOS, 2004, p.1147-1148).
40
campos sociais e econômicos, as quais se tornam cada
vez mais porosas [...] existe uma multiplicação e uma
efervescência do discurso sobre o “privado” e os
“negócios” no setor público, articulado em especial por
meio de noções como a de “parceria”. (idem, p.1110)
Durante o período de reestruturação da produção observou-se um
crescimento explosivo da industrialização, que originou, por meio do desenvolvimento
tecnológico, uma nova divisão internacional do trabalho (Falleiros, Pronko e Oliveira,
2010). De acordo com as autoras, surgiram as empresas multinacionais articuladas ao
processo transnacional de produção de mercadorias.
Nesse período os Estados nacionais passaram a interferir na política
industrial. No entanto, na burguesia existiam setores críticos ao estado intervencionista,
cujo objetivo era trabalhar as bases de um capitalismo revigorado sem interferência do
Estado, surgia assim uma das mais fortes organizações em defesa do que posteriormente
foi chamado de neoliberalismo (idem).
A sociedade de Mont Pèlerin, fundada em 1947, foi uma das
organizações responsáveis por difundir os princípios do neoliberalismo, financiada por
fontes de recursos de grandes corporações econômicas dos Estados Unidos e da
Inglaterra e liderada por Friedrich August Von Hayek33
. A referida organização além de
manter o pensamento liberal, renovou seus fundamentos ao contexto da ocasião,
divulgando suas ideias através de um grande número de intelectuais em diversos países
centrais, inseridos em importantes instituições acadêmicas e assim assegurando a
formação de gerações de intelectuais a serviço do capital (MARTINS, 2009).
Algumas ideias de Hayek foram fundamentais na definição do projeto
neoliberal34
, sendo que o autor contribuiu para embasar as intervenções políticas e
econômicas dos governos que seguiram os objetivos dessa proposta de reordenamento
do capitalismo contemporâneo.
De acordo com Hayek, o “mercado” deveria apresentar uma dominação sobre
qualquer tipo de regulação econômica e política, nenhuma instituição social pode
interferir na “liberdade” de escolha, seja entre indivíduos, empresas ou Estados,
Em primeiro lugar, é necessário que os agentes, no
mercado, tenham liberdade para vender e comprar a
qualquer preço que encontre um interessado na
transação, e que todos sejam livres para produzir,
33
Biografia disponível em: http://www.institutoliberal.org.br
34 Para clareza dos princípios neoliberais sugere-se a leitura do livro “O caminho da servidão” de autoria
de Friedrich August Von Hayek (1990).
41
vender e comprar qualquer coisa que possa ser
produzida ou vendida. (HAYEK, 1990, p.63)
Para o autor, o controle gera um descontrole, pondo em risco a ordem do mundo.
Para o pensamento hayekiano quanto menos racionalizadas as relações no mercado mais
perfeito e equilibrado seria essa instância. No entanto, para Martins nessa idéia é
possível encontrar alguns problemas que delimitam os fundamentos teóricos do projeto
neoliberal,
No capitalismo, a planificação centralizada das
atividades econômicas e as possíveis liberdades ou
cerceamentos ao mercado dependerão do resultado
momentâneo das relações de poder entre classes e
frações de classes, bem como do estágio de
desenvolvimento das forças produtivas e não de simples
escolhas arbitrárias, como sugere o pensamento
hayekiano. (MARTINS, 2009, p. 34)
De acordo com Martins, a defesa de Hayek contra o planejamento tem como
finalidade provar que medidas externas adotadas com o objetivo de ordenar as relações
de compra-venda entre os diferentes causariam ineficiências que ao longo do tempo
seriam ruins para todos. Entretanto, “ao contrário do que idealiza a lógica hayekiana, o
mercado deve ser visto como uma unidade contraditória organicamente vinculada às leis
gerais do modo de produção capitalista e determinada historicamente” (MARTINS,
2009, p. 36).
Outra idéia fundamental do pensamento hayekiano determinante do projeto
neoliberal é o “individualismo” como valor moral. Para o autor, as formas coletivistas35
promoveriam uma redução das potencialidades do ser e da sua liberdade. O pensamento
hayekiano argumenta que,
O individualismo tem hoje uma conotação negativa e
passou a ser associado ao egoísmo. Mas o
individualismo a que nos referimos, em oposição a
socialismo e a todas as outras formas de coletivismo,
não está necessariamente relacionado a tal acepção, tem
como características essenciais o respeito pelo indivíduo
como ser humano, isto é, o reconhecimento da
supremacia de suas preferências e opiniões na esfera
individual, por mais limitada que esta possa ser, e a
convicção de que é desejável que os indivíduos
desenvolvam dotes e inclinações pessoais. (HAYEK,
1990, p.42)
35
“Cumpre destacar que esse intelectual denomina indistintamente de “coletivismo” todos os “métodos”
políticos que têm a planificação econômica seu principal instrumento de ação, independente dos objetivos
estabelecidos (MARTINS, 2009, p.36).
42
Hayek defende que o individualismo não seria sinônimo de egoísmo, para o
autor o problema estaria ligado à dimensão limitada da razão humana, o que dificulta a
possibilidade do indivíduo absorver intelectualmente um conjunto de problemas e
necessidades presentes no mundo (MARTINS, 2009). Tal pensamento defende a
proposição de que o individualismo seria uma referência fundamental para se refletir a
cerca da organização da sociedade. Ao analisar essa idéia Martins resume a proposta de
Hayek,
[...] a organização coletiva seria uma ilusão gerada pelo
totalitarismo, pois nela o indivíduo soberano seria
diluído e aprisionado, negando sua própria existência e
seus interesses próprios em defesa de uma ideologia
muito distante de qualquer possibilidade de realização.
(2009, p.39)
Martins critica tal proposta e aponta que as evidencias indicam que Hayek não
foi bem sucedido nesse objetivo, visto que em sua formulação estão presentes
contradições e limitações, os fundamentos essenciais da existência individual hayekiana
– a propriedade privada, a igualdade jurídica e a liberdade – se configuram em
empecilhos ao exercício da autonomia, pois demarcam as possibilidades da ação
humana. Na essência, “o homem é resultante de um processo complexo, que refletem,
pela individualidade, toda a humanidade da qual o sujeito faz parte” (MARTINS, 2009,
p.40).
De acordo com Marx (1999), quanto mais se retorna na História, mais
dependente o individuo se mostra, e mais vasto é o conjunto a que pertence.
A produção do individuo isolado fora da sociedade –
uma raridade, que pode muito bem acontecer a um
homem civilizado transportado por acaso para um lugar
selvagem, mas levando consigo já, dinamicamente, as
forças da sociedade – é uma coisa tão absurda como o
desenvolvimento da linguagem sem indivíduos que
vivam juntos e falem entre si. (MARX, 1999, p. 26)
O ser humano, segundo Marx (2007), se transforma em homem pela convivência
com os outros homens nas relações que geram a produção da existência, em suas
condições reais de vida, assim não se pode aceitar a ideia do ser feito por si mesmo, “a
consciência da necessidade de estabelecer relações com os indivíduos que o cercam é o
início, para o homem, da tomada de consciência de que vive em sociedade” (idem,
p.57).
Para Marx pouco importa o que a consciência sozinha deseje,
43
[...] justamente porque os indivíduos buscam apenas o
interesse particular, que para eles não coincide com o
interesse coletivo – o geral é de fato a forma ilusória da
coletividade –, esse interesse comum é representado
como um interesse “estranho” aos indivíduos,
“independente” deles, como um interesse “geral”
especial e particular; ou então têm de se enfrentar com
esse conflito, tal como na democracia. Por outro lado, a
luta prática dos interesses particulares, que
constantemente e de modo real chocam-se com os
interesses coletivos e ilusoriamente tidos como
coletivos, torna necessário o controle e a intervenção
prática por meio do interesse “geral” ilusório sobre a
forma de Estado. (idem, p.61)
Em particular, a ideia do “individualismo como valor moral e radical” busca a
descontextualização do ser, naturalizando a condição histórica do homem e
fragmentando sua inserção em sociedade, “como se fosse possível isolar o ser da
coletividade e abstraí-lo das relações sociais, como se fosse possível naturalizar a
sociedade e justificar as desigualdades e as formas de exploração” (MARTINS, 2009, p.
40).
A noção de “liberdade” é outra ideia fundamental no pensamento de Hayek para
o projeto neoliberal. Tal fundamento é utilizado em dois sentidos, em relação a
liberdade econômica e à orientação legal para a mesma,
Em primeiro lugar, é necessário que os agentes, no
mercado, tenham liberdade para vender e comprar a
qualquer preço que encontre um interessado na
transação, e que todos sejam livres para produzir,
vender e comprar qualquer coisa que possa ser
produzida ou vendida. (HAYEK, 1990, p.63)
Segundo Martins (2009), tal ideia apresentada pelos neoliberais, aparece
centrada no âmbito do livre mercado, “ela é somente importante por ser um instrumento
de realização do capital na medida em que fornece algumas condições fundamentais
para o livre funcionamento das relações de compra e venda, bem como da exploração”
(idem, p.41). O autor referido, explica que no pensamento neoliberal, a segurança deve
ser proporcionada paralelamente ao mercado, deixando que a concorrência funcione
sem obstáculos, fato que se acredita ser indispensável à preservação da liberdade,
porque a maioria dos homens só aceita o risco inevitavelmente implícito na liberdade se
este não for excessivo e que seja respeitado o direito à vida, ao lucro e à propriedade
privada. Conforme esse pensamento,
[...] em tempos normais o povo de um país democrático
não transferirá para o governo sua liberdade de escolha.
Um governo democrático deve, portanto, conduzir o
44
planejamento econômico de modo a preservar ao
máximo a liberdade de escolha de cada cidadão.
(HAYEK, 1990, p.18)
No entanto, “no capitalismo, a liberdade significa o direito a ser explorado, para
os que vendem a força de trabalho, e a ser explorador, para os que detêm os meios de
produção” (MARTINS, 2009, p.42). Na perspectiva hayekiana, a liberdade é dada como
algo fora do sentido histórico, “esquecem” que a liberdade é uma ação histórica
condicionada pelo modo de produção da sociedade em questão, e o fato de escolher
“livremente” é determinado pelas condições materiais e culturais dos indivíduos (idem).
No modo de produção capitalista a liberdade está relacionada às relações de
compra e venda, mas para o homem ter liberdade,
[...] somos obrigados a lembrar que o primeiro
pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de
toda a história, é que todos os homens devem estar em
condições de viver para poder “fazer história”. Mas para
viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia,
vestir-se e algumas coisas mais. (MARX; ENGELS,
2007, p. 53)
A concepção de Estado é outra idéia fundamental do pensamento neoliberal.
Sobre este assunto reportam-se ao liberalismo, sugerindo que o Estado é um “ser” com
iniciativas próprias e sua função corresponde à manutenção da liberdade de escolhas,
podendo até mesmo utilizar a força para a defesa do mercado (MARTINS, 2009).
Para os neoliberais, o Estado existe para criar as condições hábeis para o sistema
capitalista, ou seja, a concorrência entre os indivíduos e a liberdade do mercado.
Afirmam que num sistema de concorrência existe a necessidade de uma estrutura legal,
segundo Hayek (1990, p.85),
Quando o setor público, em que o Estado controla todos
os meios, excede certa parte do todo, os efeitos de suas
ações dominam o sistema inteiro. Embora o Estado só
controle diretamente o uso de uma grande parte dos
recursos disponíveis, os efeitos de suas decisões sobre a
parte restante do sistema econômico se tornam tão
acentuados que, de forma indireta, ele passa a controlar
quase tudo.
Sua estrutura propõe que o mercado determine o Estado, e que suas práticas para
a educação do consenso deveriam incitar em cada indivíduo a vontade de competir,
substituindo a solidariedade pela concorrência (MARTINS, 2009). Nessa perspectiva,
[...] uma das principais justificativas da concorrência é
que ela dispensa a necessidade de um "controle social
consciente" e oferece aos indivíduos a oportunidade de
decidir se as perspectivas de determinada ocupação são
45
suficientes para compensar as desvantagens e riscos que
a acompanham. (HAYEK, 1990, p.63)
Em termos práticos, os neoliberais procuram transformar “o motor essencial da
economia burguesa” em motor do desenvolvimento social e da sociabilidade do capital.
No entanto, o Estado não pode ser definido pelo mercado e sua “livre” concorrência,
visto que essa “liberdade” do indivíduo e do mercado é uma construção histórica,
dependente da correlação de forças entre as classes e suas frações (MARTINS, 2009).
Em suma, as noções hayekianas – de mercado, individualismo, liberdade e
Estado – tem um único objetivo, a realização do capital. Essas referências buscam guiar
diferentes aspectos políticos, entre eles
[...] a forma de enfrentamento aos sujeitos políticos
ligados ao trabalho e suas reivindicações; o modelo de
reforma da aparelhagem do Estado de modo a
redimensionar sua presença estatal na economia e nas
questões sociais; a forma de conceber as relações
sociais; a disseminação de uma concepção de liberdade
e de igualdade inspirada em preceitos liberais.
(MARTINS, 2009, p.46)
Os governos de Thacher (1979) na Inglaterra, de Reagan (1980) nos Estados
Unidos e de Khol (1982) na Alemanha foram os primeiros a construir as condições da
nova sociabilidade do capitalismo, com um forte ataque a classe trabalhadora.
Posteriormente, diversos países, inclusive o Brasil, seguiram no mesmo sentido,
materializando os fundamentos políticos do projeto neoliberal (MARTINS, 2009).
De acordo com Martins, para a efetivação do projeto neoliberal diversas
reformas foram realizadas, primeiramente nos países centrais e posteriormente nos
países periféricos, reformas estas orientadas pelos organismos internacionais e dentre as
quais o referido autor destaca as privatizações36
, que foram orientadas para todas as
áreas.
Com a firmação do neoliberalismo pelo mundo e a disposição do governo Collor
de Melo, os empresários, em especial a burguesia industrial, organizaram a articulação
política para o reordenamento econômico no país entre 1990 e 1994 (MARTINS, 2009).
Seguindo o pensamento hayekiano, houve uma redefinição da função do Estado,
o qual passou a “fiscalizar e conceder contratos de exploração, sem maiores restrições,
aos interesses privados ao invés de atuar diretamente na produção e controle de
36
Transferência para o setor privado das atividades que podem ser controladas pelo mercado. “A
estratégia, portanto, seria reformar o Estado e diminuir sua atuação para superar a crise. O mercado é que
deve superar as falhas do Estado. Portanto, a lógica do mercado deve prevalecer inclusive no Estado, para
que possa ser mais eficiente e produtivo” (PERONI, 2009, p. 112).
46
mercadorias, de serviços e de transações financeiras” (MARTINS, 2009. p.49). Além de
alterar as legislações: previdenciárias, trabalhistas e sindicais.
A teoria neoliberal defende que a crise não é do sistema capitalista e sim do
Estado, por isso defende o Estado mínimo e a privatização, repassando as políticas
sociais para o mercado, visando o lucro, a mercantilização da sociedade e como
resultado o aumento da desigualdade social (PERONI, OLIVEIRA e FERNANDES,
2009).
Para essa teoria, as políticas sociais são um “calote” à propriedade privada,
O diagnóstico é que o Estado entrou em crise porque
gastou mais do que podia para se legitimar, pois tinha
que atender às demandas da população por políticas
sociais, o que provocou a crise fiscal. E também, porque
ao regulamentar a economia, restringe a livre iniciativa.
(PERONI, OLIVEIRA e FERNANDES, 2009, p. 764)
Nessa configuração, o projeto de Reforma do Estado brasileiro, que sugere a
troca da administração pública burocrática pela administração pública gerencial,
transfere a responsabilidade das políticas socias para o mercado, defendem que a
iniciativa privada irá superar as falhas do Estado (PERONI, OLIVEIRA e
FERNANDES, 2009).
A perspectiva ideológica trazida para o Brasil segue os mesmos preceitos da
Sociedade de Mont Pèlerin, onde:
[...] o individuo seria o centro das relações sociais, a
propriedade privada seria a base da vida e da liberdade
política e econômica deste – a condição da própria
felicidade –, e o mercado seria a instância de
harmonização dos interesses de cada indivíduo e de
premiação do desempenho através da obtenção do lucro.
(MARTINS, 2009, p.126-127)
Algumas etapas importantes foram realizadas durante a primeira metade da
década de 1990 pelos empresários para afirmar a unidade dessa classe, em especial na
redefinição da política e do modelo de sociabilidade (MARTINS, 2009). O autor
destaca a criação da “Associação Brasileira de Empresários para a Cidadania” (Cives),
que teve como objetivo mobilizar um grupo de empresários interessados em fortalecer o
diálogo, visando a construção política, com o Partido dos Trabalhadores (PT) e em
seguida com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), construindo assim uma
organização política de um “novo” tipo, unindo empresários, o PT e sindicatos.
47
Outra ação importante para legitimar a classe burguesa no Brasil durante esse
período foi o “Projeto para o Brasil” organizado pelo “Pensamento Nacional das Bases
Empresariais” (PNBE), esse organismo defendia a constituição:
[...] da democracia dialógica, como meio eficaz para
conciliação de interesses das classes; da nova cidadania,
como forma de realizar uma ampla mudança na cultura
política e social de nossa sociedade; do Estado
necessário e do livre mercado, como maneira de
expandir as forças econômicas sem permitir abusos do
poder econômico. (MARTINS, 2009, p.133)
Neste período particular do capitalismo outra estratégia de superação da crise,
proposta pela classe dominante, é a globalização. A globalização é um processo
complexo, sua análise varia conforme a corrente de pensamento nas ciências sociais
(COSTA, 2008). O autor, de forma didática, apresenta a globalização em quatro blocos
fundamentais: os que defendem a globalização neoliberal; os que negam a globalização
e a vêem como uma fantasia ou uma tática do capital para aumentar seu domínio; os que
afirmam que a globalização existe desde os tempos das grandes navegações e aqueles
que vêem a globalização a partir da ótica da reprodução e acumulação do capital,
buscando analisá-la não só como um dado da realidade, mas como fundamental no
processo de internacionalização da produção e das finanças.
Como o termo Globalização é utilizado em tantos contextos é difícil ter clareza
do que está ao redor dessa problemática, mais especificamente, qual a função e quais os
efeitos que a globalização apresenta para a teoria, a política e a pedagogia crítica
(KELLNER, 2004). De acordo com o autor, nas últimas décadas o mundo tem passado
pelo período mais significativo de inovação tecnológica e reestruturação global. Assim
se observa a necessidade de uma teoria crítica da globalização, que “questione a
maneira como a globalização tem afetado os movimentos sociais, a democratização e a
pedagogia crítica” (idem, p.196).
Verifica-se que a globalização em curso é um elemento da realidade,
característico do capitalismo contemporâneo, com reflexos na economia e na sociedade
(COSTA, 2008). Para o autor, esse processo começou com a internacionalização da
produção37
e assim surgiram novas seções industriais, como por exemplo, as tecnologias
37
Com base em Michalet, Costa afirma que “pela primeira vez na história do capitalismo, a burguesia dos
países centrais passou a extrair o valor, de maneira generalizada, fora de suas fronteiras nacionais” (2008,
p.24).
48
da informação e a biotecnologia, e consequentemente, um novo perfil da classe
operária.
A globalização reuniu inovações tecnológicas que ofereceram ao capitalismo um
alto grau de desenvolvimento, no entanto, o sistema global de produção não possui
condições de se desenvolver plenamente, justamente por suas próprias contradições, na
medida em que se desenvolve, maiores são as dificuldades em relação à produção e a
demanda, “o sistema se aproxima de um limite de reprodução enquanto potencialidade
material, tendo em vista que se o capitalismo desenvolvesse plenamente seu potencial
produtivo, haveria uma crise global de superprodução” (COSTA, 2008, p. 21).
Segundo Costa, é a contradição na “equação” produção-demanda que esclarece a
busca pela financeirização da riqueza, mas o capital especulativo agrega todos os outros
setores do capital para sua lógica, agravando a crise do sistema capitalista. Para o autor,
a criação desse tipo de riqueza é uma atitude sem futuro, “quanto mais aprofundam esse
modelo, mais ampliam a possibilidade de uma crise geral do sistema” (COSTA, 2009,
p.22).
A globalização das finanças tem sua origem na internacionalização da produção,
onde os bancos passaram a acompanhar as empresas na busca de extração do valor fora
de suas fronteiras nacionais. As rápidas transformações do capital na esfera financeira
ocasionaram uma onda especulativa de caráter global, transações financeiras, com as
mais variadas nomenclaturas e formas, multiplicam-se numa velocidade muito maior
que o comércio (COSTA, 2008). Para se ter uma noção,
[...] em 1979 o montante diário de transações
financeiras era de US$ 75 bilhões; em 1990 esse total já
atingia US$ 500 bilhões e, em 1998, alcançava a quantia
de US$ 1,8 trilhão. Atualmente, o capital especulativo,
após conseguir movimentar-se 24 horas por dia, impôs à
dinâmica econômica do capitalismo um conjunto de
transformações quantitativas, com repercussões em
todos os setores da vida social. (COSTA, 2008, p. 147)
O autor ressalta que o Estado também passou a se utilizar da esfera financeira,
obtendo crédito de forma mais fácil, porém, com taxas de juros mais elevadas. Essa
circunstância induziu os governos a gastarem cada vez mais recursos para pagar as
dívidas, visto que o endividamento era superior ao crescimento da economia. Essa
conjuntura deixou os Estados “amarrados” ao pólo financeiro, que passou a determinar
as políticas econômicas, as políticas sociais e o mercado de trabalho.
Nesse momento devemos considerar os escritos de Marx (2008, p.68),
49
Todo o trabalho é, de um lado, dispêndio de força
humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa
qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o
valor das mercadorias. Todo o trabalho, por outro lado,
é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma
especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade
de trabalho útil e concreto, produz valores-de-uso38
Marx (2008), nos apresenta os dois fatores da mercadoria39
, valor-de-uso e
valor-de-troca40
. Onde,
A utilidade de uma coisa faz dela um valor-de-uso. Mas
essa utilidade não é algo aéreo. Determinada pelas
propriedades materialmente inerentes à mercadoria, só
existe através delas. A própria mercadoria, como ferro,
trigo, diamante etc., é, por isso, um valor-de-uso, um
bem. Esse caráter da mercadoria não depende da
quantidade de trabalho empregado para obter suas
qualidades úteis [...] O valor-de-uso só se realiza com a
utilização e o consumo. Os valores-de-uso constituem o
conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma
social dela [...] O valor-de-troca revela-se, de início, na
relação quantitativa entre valores-de-uso de espécies
diferentes, na proporção em que se trocam, relação que
muda constantemente no tempo e no espaço. Por isso, o
valor-de-troca parece algo casual e puramente relativo,
e, portanto, uma contradição em termos, um valor de
troca inerente, imanente à mercadoria.(idem, p.58)
Segundo Marx, a história demonstra que os homens vivem na pré-história das
sociedades de classe, a classe dominante escraviza e aliena41
a outra classe. Assim, os
trabalhadores tornam-se uma mercadoria, uma mercadoria capaz de agregar valor as
mercadorias que produz. Quando não se socializa esse valor, o capitalista torna-se, nas
palavras de Gramsci, um “mamífero de luxo”, crêem ser natural viverem do trabalho e
da exploração dos outros.
Com a internacionalização da produção, foram criadas milhares de filiais em
todo o mundo, onde o grande capital pode aproveitar o que cada país tem a “oferecer”,
como por exemplo, mão-de-obra, matéria-prima, facilidades fiscais, precarização do
38
“Sabemos que o valor de qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho materializado
em seu valor-de-uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção” (MARX, 2008,
p.220). “O valor natural de qualquer coisa consiste em sua capacidade de prover as necessidades ou de
servir às comodidades da vida humana” (idem, p.58).
39
“A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em imensa acumulação de
mercadorias, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza” (MARX,
2008, p.57).
40
“O valor consiste na relação de troca que se estabelece entre uma coisa e outra, entre a quantidade de
um produto e outro”(MARX, 2008, p.58).
41
Alienar vem do latim, significa transferir a outro seu direito de propriedade (FRIGOTO, 2005).
50
trabalho, reconfigurando o sistema produtivo global. Nessa perspectiva, “o sistema
capitalista generalizou a produção internacionalizada, mediante a criação de centenas de
milhares de filiais pelo mundo afora e transformou o planeta numa esfera única de
investimento, realização e acumulação do capital” (COSTA, 2008, p.24).
Dados do Word Investment Report (2000), apresentados por Costa (2008),
demonstram que as corporações transnacionais (que somam 63 mil, com 690 mil filiais)
têm um volume de negócios maior que o Produto interno Bruto de vários países.
Perspectiva essa já tratada por Frigotto e Ciavatta, “a riqueza produzida pelos
trabalhadores nunca esteve em tão poucas mãos” (2005, p. 19). A partir do relatório de
desenvolvimento humano de 1996, estes autores relatam que a riqueza de 358
multimilionários superava a renda combinada de 45% da população mundial, e
questionam: “como explicar o acumulo inaceitável dessa minoria sem a exploração de
milhões e milhões de trabalhadores?” (idem, p.19).
O conjunto de fenômenos observados em relação à globalização e ao mundo do
trabalho leva o autor Edmilson Costa a acreditar que o capital busca regressar na
história no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, quando estes realizavam
longas jornadas diariamente, sem garantias reguladas pelo Estado. Ressaltando que
atualmente essa situação ocorre num momento de crise econômica e desemprego em
âmbito mundial,
[...] em termos práticos os novos modelos gerenciais
estão contribuindo para aumentar o desemprego,
intensificar e precarizar o trabalho, tornar variável
grande parte dos salários, desarticular o movimento
sindical, trazendo como conseqüência um maior grau de
exploração dos trabalhadores. (idem, 2009, p.138)
Nesta perspectiva, Frigotto (2005) enfatiza o quão complexo são os
determinantes que levam à crise a sociedade capitalista, no entanto, afirma que a
determinação essencial está “enraizada” no que é imprescindível ao capital:
acumulação, concentração e centralização. Assim,
“a atual globalização dos mercados ou mundialização
do capital, especialmente o especulativo-financeiro,
efetiva-se mediante a crescente privatização da ciência e
da tecnologia e o desmonte da esfera pública e dos
direitos dos trabalhadores” (FRIGOTTO, 2005, p.22).
Todo esse contexto, para Costa, traz consigo elementos sujeitos a queda, visto
que a maior parte dos recursos especulativos não tem fundos na economia real, recursos
que crescem de forma excepcional, mas que em momentos de crise “somem” ainda mais
51
rapidamente. Em 2005 os recursos na esfera financeira giravam em torno de US$ 118
trilhões, o que representava um montante de duas vezes o PIB mundial. Para o autor
quanto mais os negócios são desenvolvidos na esfera financeira, menos se pode evitar
uma crise do capital, visto que, “a massa de mais-valia criada globalmente no sistema
produtivo é insuficiente para remunerar as necessidades da rentabilidade da especulação
financeira” (COSTA, 2000, p.178).
Todo esse movimento de concentração e centralização do capital, explícito na
internacionalização da produção e do sistema financeiro, já era vislumbrado por Marx e
Engels em suas obras, a partir do princípio de que a lógica do sistema capitalista e a
dinâmica do seu desenvolvimento, exploração de uma classe sobre a outra e a
concorrência entre as frações da classe exploradora, levariam inevitavelmente ao
processo de concentração e centralização do capital e à propagação do modo de
produção capitalista em escala mundial. Nesse contexto,
A condição mais essencial para a existência e
dominação da classe burguesa é a acumulação da
riqueza nas mãos de particulares, a formação e o
aumento do capital; a condição do capital é o trabalho
assalariado. O trabalho assalariado baseia-se
exclusivamente na concorrência dos operários entre si.
O progresso da indústria, cujo agente involuntário e
passivo é a própria burguesia, substitui o isolamento dos
operários, resultante da concorrência, por sua união
revolucionária resultante da associação. Assim, o
desenvolvimento da grande indústria abala sob os pés da
burguesia a própria base sobre a qual ela produz e se
apropria dos produtos. A burguesia produz, acima de
tudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do
proletariado são igualmente inevitáveis (MARX, 2004,
p. 57)
Com a expansão mundial das esferas produtivas e financeiras o sistema
capitalista atingiu um alto grau de desenvolvimento, o modo de produção se converteu
num “sistema mundial completo”, completando seu ciclo de desenvolvimento histórico
(COSTA, 2008). Em suma,
“o sistema capitalista teve seu desenvolvimento efetivo
com a revolução industrial, passou por uma fase
superior com a segunda revolução industrial e
amadureceu completamente com a globalização
contemporânea” (idem, p.23).
A globalização abriga diversas contradições, próprias da lógica do sistema
capitalista, que em seu conjunto nos aproxima de uma transformação social,
[...] para compreender o fenômeno da globalização e as
possíveis transformações de um sistema agora completo
deve-se também atentar para o fato de que uma
52
transformação qualitativamente nova só poderá ser
efetiva se for viabilizada a partir do coração do sistema,
onde potencialmente a luta de classes tem condições de
pulsar mais intensamente. (COSTA, 2008, p.23)
Duas “vias” que dominaram o pensamento político desde a Segunda Guerra
Mundial fracassaram (GIDDENS, 2007). A primeira “via”, as idéias socialistas
tradicionais por serem radicais, e a segunda “via”, o neoliberalismo por revelar quão
instável podem ser os mercados financeiros mundiais por serem desregulamentados. De
acordo com o autor “o retorno de partidos de esquerda ou de centro ao governo de
tantos países transmite a clara mensagem de que as pessoas não querem ficar
desprotegidas ante o mercado global” (idem, p.19). Acredita assim que uma “nova via”
política é necessária. Então surgem os debates sobre a terceira “via”, tendo como
principal teórico Anthony Giddens.
Para o referido autor “a expressão terceira via não tem nenhum significado
especial em e por si mesma” (GIDDENS, 1999, p.7), mas se refere “a renovação da
democracia social em condições sociais contemporâneas” (GIDDENS, 2007, p.19). A
saber, outros seis termos foram empregados para denominá-la, são eles: “centro radical,
centro-esquerda, nova esquerda, nova social-democracia, social-democracia
modernizadora, governança progressista” (MARTINS, 2009, p. 62). No entanto, de
acordo com Martins, é importante destacar que o termo “terceira via”, refere-se à
renovação da concepção de sociedade do neoliberalismo para o século XXI.
Depois de atingir todos os continentes, os fundamentos neoliberais
demonstraram suas “habilidades”, mas as relações sociais são uma construção histórica,
a contradição está presente (MARTINS, 2009). Inúmeros insucessos demonstraram os
limites desse sistema,
Com a predominância da ortodoxia neoliberalizante, o
endividamento dos países centrais e periféricos revelou
que os principais mecanismos que o capital vinha
privilegiando para sua reprodução não estavam
assentados em bases sólidas. Isso porque o aumento das
exigências do capital financeiro para garantir formas
mais seguras de maximização do lucro desencadeia
problemas políticos e sociais que atingem de formas
diferentes as frações da classe empresarial e da classe
trabalhadora. (MARTINS, 2009, p.59)
.
Nesse contexto, houve a necessidade de redefinições nos planos econômicos,
políticos e nos padrões da sociedade, levando em conta os interesses da classe
53
dominante, e tentando administrar os conflitos intra e inter classe, re-consolidando os
padrões da ordem capitalista (MARTINS, 2009).
Esse contexto gerou uma recomposição do projeto neoliberal, e os neoliberais
observaram que no movimento de participação popular havia a possibilidade de
aceitação da nova sociabilidade do capital. Houve a ressignificação de algumas práticas
e conceitos, como por exemplo, a noção de democracia (idem). A proposta do
movimento revisionista foi,
Redefinir a natureza das políticas sociais exigiria
mudanças significativas na organização da sociedade
civil e, principalmente em sua relação com a
aparelhagem estatal, de modo a preparar os cidadãos
para uma nova dinâmica de vida e de parâmetros de
proteção social [...] a reforma do aparelho de Estado,
incluindo o movimento de reeducação política das
massas – isto é, aprimoramento da sociabilidade
neoliberal –, visando a consolidação de um suposto
modelo capitalista de “face humana” e um conformismo
capaz de assegurar a coesão social em torno desse
modelo redefinido” (idem, p. 60).
Entre os principais exemplos do movimento da terceira via, se destacam,
segundo Giddens (2007), os novos democratas nos Estados Unidos, no governo de Bill
Clinton, no final da década de 1980. Em seguida, por Tony Blair e o Novo Partido
Trabalhista na Grã-Bretanha. No debate global, os proponentes desse pensamento
político, defendem a sociedade anglo-americana como modelo desejável a ser seguido
por outras nações.
A política da terceira via procura viabilizar um novo tipo de relacionamento
entre individuo e comunidade, uma redefinição de direitos e obrigações (GIDDENS,
1999). Para o autor, “o objetivo geral da política da terceira via deveria ser ajudar os
cidadãos a abrir seu caminho através das mais importantes revoluções do nosso tempo:
globalização, transformações na vida pessoal e nosso relacionamento com a natureza”
(idem, p.74).
Para Anthony Giddens, as discussões acerca da globalização não se concentram
em determinar se ela existe, mas quais são suas conseqüências. Com relação a economia
de conhecimento, acreditam ser a inovação tecnológica o principal fator envolvido no
rápido e continuo encolhimento do setor manufatureiro, juntamente com o advento da
internet nas finanças e operações bancárias. Em relação ao cotidiano, afirmam que a
grande mudança no mundo contemporâneo é a ascensão ao individualismo. Nesse
54
sentido acredita ser a terceira via a resposta para essas mudanças que afetaram todo o
mundo.
A primeira área é a Reforma do Governo e do Estado, ponto esse de alta
prioridade, “a reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador
básico da política da terceira via” (GIDDENS, 1999, p.79), propõem “redescobrir um
papel ativista para o governo, restaurando e inovando as instituições públicas” (idem,
p.80). Preocupam-se com a indiferença do povo pela política, sabendo que esse fato
também está relacionado com a corrupção.
Para a renovação da sociedade civil, este intelectual orgânico da terceira via
afirma que reformas são complexas, mas que o Estado deve reagir estruturalmente à
globalização, onde “a democratização da democracia antes de mais nada implica
descentralização” (GIDDENS, 1999, p.82), nesse contexto, “a descentralização e a
transferência de poder, por exemplo, têm uma ressonância positiva – devolvem poder às
regiões, às cidades, aos bairros!” (idem, p.88).
A segunda área está relacionada ao Estado, o mercado e a sociedade civil, onde,
“o Estado não deve dominar nem o mercado, nem a sociedade civil, embora precise
regular e intervir em ambos” (GIDDENS, 2007, p.24). Acreditam que o Estado deve
proporcionar promoção do desenvolvimento e da justiça, mas não deve se sobrepor aos
desejos e liberdades dos cidadãos. O papel do mercado deve ser controlado, ou podem
gerar inseguranças e desigualdades, gerando assim uma variedade de conseqüências.
De acordo com o autor, o neoliberalismo cultivou uma crítica constante ao papel
do governo na sociedade e na economia, com o objetivo de mudar algumas ideias a
terceira via propõe que o governo existe para “regular mercados no interesse público e
fomentar a competição de mercado onde há ameaça de monopólio” (GIDDENS, 1999,
p.57). Os neoliberais queriam diminuir o papel do Estado, já a terceira via acredita que é
importante reconstruir o Estado, expandindo o papel da esfera pública.
Nesse contexto,
Para conservar ou recuperar legitimidade, Estados sem
inimigos têm de elevar sua eficiência administrativa. O
governo, em todos os níveis, é objeto de desconfiança
em parte porque é pesado e ineficaz. Em um mundo que
as organizações empresariais reagem rapidamente à
mudança e são mais ágeis em seus movimentos, o
governo pode ficar para trás. [...] A maioria dos
governos ainda tem um bocado a aprender com a
melhor prática empresarial – por exemplo, controle de
metas, auditorias eficazes, estruturas de decisão
flexíveis e maior participação dos funcionários – o
55
último destes sendo um fator de democratização.
(GIDDENS, 1999, p. 84)
A terceira área estabelece “a compreensão do papel central da sociedade
civil” (GIDDENS, 2007, p.25). Nesse ponto os grupos como as organizações não
governamentais podem desempenhar um papel significativo, produzindo estratégias
para lidar com problemas sociais, sendo estes apoiados financeiramente pelo governo.
“Estado e sociedade civil deveriam agir em parceria, cada um para facilitar a ação do
outro, mas também para controlá-lo” (GIDDENS, 1999, p. 89).
Para os intelectuais da terceira via, parcerias entre o governo e a sociedade civil
são importantes para o desenvolvimento da comunidade, onde “a promoção de uma
sociedade civil ativa é parte básica da política da terceira via” (GIDDENS, 1999, p.88).
O autor também traz o exemplo da importância da atividade empresarial, “uma
extraordinária variedade de esquemas de empreendimento cresceram em diferentes
países desde o final da década de 1980” (GIDDENS, 1999, p. 93).
A quarta área da reforma diz respeito à necessidade da elaboração de “um novo
contrato social vinculando direitos e responsabilidades” (GIDDENS, 2007, p.26).
Acreditam que direitos sem responsabilidades podem gerar problemas no sistema. Esse
principio deve ser aplicado a todos, inclusive para as elites, aceitando suas obrigações
fiscais.
Seguindo esse preceito,
Poder-se-ia sugerir como um motor primordial para a
nova política, não há direito sem responsabilidades. O
governo tem todo um aglomerado de responsabilidades
para com seus cidadãos e outros, incluindo a proteção
aos vulneráveis. A social-democracia do velho estilo, no
entanto, era propensa a tratar direitos como exigências
incondicionais. Com o individualismo em expansão
deveria haver uma extensão das obrigações individuais.
(GIDDENS, 1999, p.75)
A quinta área aponta um dos objetivos da sociedade, “a busca da igualdade
deve estar no cerne da política da terceira via” (GIDDENS, 2007, p.27). Para tanto
se faz necessário entender o significado de igualdade para a terceira via, a qual afirma
que a questão da igualdade precisa ser pensada com cuidado, pois a desigualdade em
expansão não é fácil controlar (GIDDENS, 1999). De acordo com o autor,
A nova política define a igualdade como inclusão e a
desigualdade como exclusão, embora estes termos
requeiram alguma explicação. Inclusão refere-se, em
seu sentido mais amplo, a cidadania, direitos e
obrigações civis e políticos que todos os membros de
uma sociedade deveriam ter, não apenas formalmente,
56
mas como uma realidade de suas vidas. (GIDDENS,
1999, p.112)
Em relação a esse tema reconhecem que as desigualdades estão crescendo, que
os Estados Unidos têm um nível de desigualdade econômica maior que qualquer outro
país industrializado e que a educação é de suma importância para o governo. Afirmam
que,
[...] programas convencionais de socorro à pobreza
devem ser substituídos por abordagens centradas na
comunidade, que permitem uma participação mais
democrática além de serem mais eficazes. A formação
de comunidades enfatiza as redes de apoio, o espírito de
iniciativa e o cultivo do capital social como meio de
gerar renovação econômica em bairros de baixa renda.
(GIDDENS, 1999, p. 120)
Entre as estratégias contemporâneas de dominação, temas como “participação”,
“diálogo”, “parcerias” passaram a ser referência nos discursos e práticas dos organismos
internacionais. O Banco Mundial instituiu que os empréstimos só seriam concedidos se
os governos se comprometessem a realizar parcerias entre os aparelhos de Estado e
organizações da sociedade civil, tendo como objetivo estimular a mobilização social
bem como sua conformação (MARTINS, 2009).
Com mudanças nos quadros políticos do países centrais,
[...] com a redefinição da estrutura política e com o
estabelecimento de novas metas e procedimentos, o
Banco Mundial passou a divulgar os princípios que
viriam mais tarde a ser sistematizados no programa
neoliberal da Terceira Via. (idem, p.61)
O programa da terceira via defende o que denominaram de nova economia
mista, a qual visa “uma nova sinergia entre os setores público e privado, utilizando o
dinamismo dos mercados, mas tendo em mente o interesse público” (GIDDENS, 1999,
p.109). Com o discurso do “Estado do investimento social” afirmam que, “o governo
tem um papel essencial a desempenhar investindo nos recursos humanos e na
infraestrutura necessária para o desenvolvimento de uma cultura empresarial” (idem).
Assim,
Por suas características, objetivos e perspectiva histórica
esse programa destinado a orientar a chamada “política
radical de centro” vem conseguindo a adesão de
governos, partidos, e muitas organizações da sociedade
civil, principalmente os ligados ao mundo empresarial,
que se mostram preocupados com a viabilização de um
projeto hegemônico de sociedade menos vulnerável às
variações políticas decorrentes das desigualdades
econômicas e sociais. (MARTINS, 2009, p.65)
57
Segundo Martins, a Terceira Via apresenta-se como um programa político que
tem como objetivo construir uma sociedade que proporcione a realização dos anseios da
burguesia, partindo de orientações teóricas e intervenções práticas afinadas com o
capital, visam a consolidação da hegemonia burguesa.
As noções apresentadas pela Terceira Via apontam que,
os homens perdem a condição humana de sujeito
histórico para se tornarem simples objetos de dinâmicas
sob as quais não têm a mínima capacidade de intervir
coletivamente no sentido de mudança, restando apenas
buscar táticas para adaptações à ordem natural das
coisas. (MARTINS, 2009, p.68)
Atualmente pode-se observar mudanças na cultura da sociedade, fato que não
pode ser considerado como algo natural, um número considerável de intelectuais e
políticos do sistema capitalista tem essa função, utilizando-se das artes, da moda e da
mídia (MARTINS, 2009).
Nesse contexto,
A terceira Via desconsidera que a realidade é composta
por vária manifestações e relações que estabelecem
dialeticamente a totalidade concreta. Considerar
simplesmente o fenômeno como algo naturalmente
constituído e isolado de sua materialidade histórica,
como defendido, isto é, sem as relações econômicas e
políticas que a determinam, significa negá-lo como
constitutivo da totalidade, e portanto, como
manifestações concretas do real. (MARTINS, 2009,
p.69)
No Brasil, segundo Martins (2009), o setor empresarial utilizou-se dos preceitos
do neoliberalismo e em seguida o programa neoliberal da Terceira Via passou a tornar-
se a referência a ser seguida.
O movimento dessa fração da classe burguesa no Brasil, desde o final do século
XX e início do século XXI produz metas socioeconômicas para a sociedade, onde, “as
regras de convivência burguesa deveriam ser tomadas como padrão” (MARTINS, 2009,
p.19). Com base no autor, assevera-se que essa classe utiliza-se de estratégias para a
construção dessa “nova sociabilidade” inspirada no programa neoliberal da Terceira
Via42
juntamente com as mudanças que produz na dinâmica do Estado Brasileiro, em
especial a partir do final da década de 1990.
42
“Versão renovada da concepção neoliberal de sociedade para o século XXI do qual o movimento da
Terceira Via ou governança Progressista é a principal expressão” (MARTINS, 2009, p.10).
58
Entre as estratégias utilizadas para a formação e consolidação do ideário
burguês43
pode se observar ações especificas no campo educacional. A produção
acadêmica e jornalística na década de 1990 demonstra a participação dos empresários
brasileiros nas discussões em torno da educação (RODRIGUES, 2005).
No entanto, “a participação organizada do empresariado no debate educacional
não é recente, remontando, pelo menos, à década de 1930” (RODRIGUES, 2005,
p.104). Nesse sentido, Souza (1981) apresenta no livro “Empresários e a Educação: O
IPES e a política educacional”, a lógica das políticas educacionais pós-64 e sua relação
com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), sendo esse Instituto
caracterizado no livro como agência pensante de um amplo projeto econômico, político
e social capaz de reunir os interesses dos empresários do setor industrial, dos
banqueiros, dos militares e dos burocratas em torno de uma proposta de reformulação
do ensino no país.
Desde a criação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 1938, algumas
ações foram prioritárias, como a criação da “tríade pedagógica”: o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Instituto
Euvaldo Lodi (IEL), criados, respectivamente, em 1942, 1946 e 1969 (RODRIGUES,
2005). Conforme o autor, a CNI vem organizando “recomendações” para sociedade
brasileira, denominadas télos44
. De acordo com o autor, ao longo desses anos, a referida
instituição determinou três télos fundamentais: “nação industrializada, país
desenvolvido e economia competitiva”, e todas essas metas relacionaram-se em algum
momento com a educação.
Historicamente, na mesma perspectiva da CNI, visando a manutenção da
burguesia no poder, em 1961 um grupo de empresários de São Paulo e do Rio de
Janeiro organizou o IPES, que permaneceu em atividade até 1971, contando também
com a participação de representantes das Forças Armadas (SOUZA, 1981). Houve uma
preocupação em estender o Instituto para todo o País, após dois anos de sua criação
passou a possuir congêneres no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.
Segundo a autora, os fundadores desta Instituição estavam preocupados com a
necessidade de um movimento em favor da empresa privada que, de acordo com eles
estava desprestigiada no País. Com essa constatação, “um grupo de homens de negócio
43
Conjunto de idéias para a manutenção da sociedade capitalista.
44 Metas societárias construídas pelo discurso hegemônico (RODRIGUES, 2005).
59
saiu em campo para propor a união e a conscientização do setor, a fim de se
salvaguardarem as estruturas e o regime capitalista privado no Brasil” (SOUZA, 1981,
p.20).
Buscando revelar como se estrutura o poder empresarial em torno das questões
do ensino, Souza (1981) relata em seu estudo as preocupações e “soluções” dos
intelectuais (professores universitários, técnicos e especialistas) à serviço dos
empresários e sua relação na formulação de políticas educacionais. Nesse sentido, de
acordo com a autora, o IPES apresenta uma concepção de ensino reduzida ao capital
humano45
, a insumo para crescimento industrial e a instrumento de ampliação da
capacidade produtiva da força de trabalho, enfim uma educação funcional para o poder
empresarial.
O IPES chegou a “ceder” pessoas do seu quadro de dirigentes para integrarem o
quadro de funcionários do então presidente Castelo Branco. Na trajetória do IPES foram
criados Grupos de Estudos e Pesquisas (chamados Grupos de Trabalho) que, entre
outras atividades, realizaram o Fórum de Educação46
. A partir das pesquisas desses
Grupos, foram elaborados documentos e planos, que influenciaram o planejamento do
governo47
(SOUZA, 1981).
A referida autora elucida a correlação entre projetos político-empresarial e
políticas públicas de ensino, revelando a estreita relação do bloco de poder do IPES com
o Estado, como por exemplo, a Reforma Educacional do Ensino Superior (1968) e a
Reforma de 1º e 2º Graus (1971). Para a autora “as duas reformas realizadas vieram a
corporificar as diretrizes da política educacional dos planos, reformulando assim as
estruturas de todo o sistema de ensino no Brasil” (SOUZA, 1981, p.153), ou seja, “os
documentos que contêm a doutrina básica que informou a reformulação do sistema de
ensino no Brasil são os Relatórios dos Grupos de Trabalho” (idem).
Nesse processo, além da ação educacional a CNI apresenta uma atuação na área
da assistência social, especialmente após a criação do SESI,
[...] inspirado no ideário de cooperação das classes e de
paz social, o SESI, assim como seu congênere Serviço
Social do Comércio (SESC), criado no mesmo ano,
45
“A teoria do capital humano representa a forma pela qual a visão burguesa reduz a prática educacional
a um “fator de produção”, a uma questão técnica” (FRIGOTTO, 1984, p.18).
46
Os temas e seus responsáveis estão apresentados na página 82 (SOUZA, 1981).
47
Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966); Plano Decenal de Desenvolvimento
Econômico e Social (1967-1976); Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1972); I Plano Nacional
de Desenvolvimento (1972-1974).
60
tornaram-se valiosos instrumentos de combate ao
comunismo. (FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA,
2010, p. 59)
No período de 1930 até 1950 a CNI direcionou seus atos ao télos “nação
industrializada”, buscando persuadir a sociedade política e a sociedade civil a acreditar
que todos os problemas do país estariam relacionados ao seu passado agrário. Para tanto
era necessário a participação de todas as frações da sociedade, da agricultura, do
comércio, dos trabalhadores e do Estado. Assim, a educação, em especial a formação
profissional, deveria ser modificada, visto que no discurso esse era o meio de ação para
a industrialização48
.
A partir de 1950 o SENAI passou a oferecer a formação de técnicos de nível
médio, o que, entre outras medidas, facilitou a extensão progressiva de modalidades
específicas da educação escolar, ampliando assim a ação educacional do empresariado
industrial (FALLEIROS, PRONKO e OLIVEIRA, 2010). De acordo com esses autores,
as instituições da CNI (SENAI, SESI, SENAC e SESC) auxiliaram no projeto de
“(con)formação da classe trabalhadora”, ou seja, “organismos inseridos no sistema
sindical patronal, destinado a educar a força de trabalho e os familiares de cada setor da
economia (industrial e comercial)” (MARTINS, 2009, p. 154).
Na década de 1960 a meta da nação industrializada foi atingida, no entanto não
houve a superação dos problemas sociais, fato admitido nos discursos dos dirigentes da
CNI, naquele momento (RODRIGUES, 2005). Assim, conforme cita o autor, a CNI
criou uma nova meta para a sociedade: “o télos país desenvolvido”, com o discurso da
“modernização industrial”. Um dado importante, destacado pelo autor, é que neste
momento o país vive a ditadura militar. Ao término desse regime, mesmo com um
desenvolvimento produtivo, o país encontrou-se em uma grave crise econômica .
Na década de 1980, o sistema capitalista instaura uma nova fase, o padrão de
acumulação flexível49
. Nessa perspectiva, a CNI lança novamente um “novo télos” para
48
“A constituição de instituições como SENAI e SESI, de seus congêneres SENAC e SESC, e das “Leis”
Orgânicas do Ensino (Reforma Gustavo Capanema) demonstram a subordinação da política educacional
ao télos nação industrializada” (RODRIGUES, 2005, p.107).
49
“Novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são
“substituídos” pela flexibilização da produção, pela “especialização flexível”, por novos padrões de busca
de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado” (ANTUNES, 2006,
p. 24). Nesse processo, é importante ressaltar a tese de Harvey, onde a acumulação flexível, sendo uma
forma própria do capitalismo, mantém a essência deste sistema em três pontos: é voltado para o
crescimento, este crescimento se apóia na exploração do trabalho humano no meio de produção e o fato
de o capitalismo ter uma intrínseca dinâmica tecnológica e organizacional (HARVEY, 1992).
61
a sociedade brasileira, “a economia competitiva”. Associado a estratégia industrial,
ocorre a reestruturação produtiva, a flexibilização das relações de trabalho, a integração
ao mercado internacional, e a redefinição do sistema educacional brasileiro
(RODRIGUES, 2005).
Nesse panorama que a classe dominante reorganiza seu discurso, rumo a
“economia competitiva”, onde principalmente o Estado precisa ser reformado, e a
Educação representa a mola propulsora rumo a um país que seja “modelo” nesse
sistema (RODRIGUES, 2005). O autor relata que, com o objetivo de “responder”
algumas questões a CNI publica, em especial, dois documentos: “Competitividade
industrial: uma visão estratégica para o Brasil” (CNI, 1988); “Competitividade
industrial: uma visão dos empresários” (CNI, 1993), entre outros documentos que
propõem ações específicas tanto para a educação básica quanto para o ensino superior.
Rodrigues (2005) demonstra que ao longo dos anos e dos sucessivos “télos”,
apesar de a classe dominante modificar o conteúdo de suas propostas, o objetivo da
classe burguesa nunca foi alterado, ou seja, a formação humana a serviço das exigências
do capital. Para o autor, “na verdade, é justamente a contradição entre a consecução dos
télos e a manutenção dos problemas sociais que constitui a razão da construção e
reconstrução permanente do télos industrial, ou seja, de seu processo de metamorfose”
(RODRIGUES, 2005, p.108).
Os representantes da burguesia “apóiam” a valorização da educação, no entanto
para a burguesia a educação deve atender aos seus interesses, no caso, que cumpra as
exigências do setor produtivo. No entanto, “enquanto estivermos buscando respostas
para adequar a formação humana aos sucessivos “télos” construídos pelo pensamento
empresarial, a educação estará inelutavelmente limitada ao horizonte pedagógico do
capital” (RODRIGUES, 2005, p.115).
O fato é que a contradição entre as propostas constituídas pelo discurso
hegemônico e os problemas sociais reside no “pressuposto de toda a existência
humana”, que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer
história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo suprir as necessidades básicas dos
indivíduos (MARX e ENGELS, 2007).
De acordo com os autores para “fazer a história” são necessários alguns
pressupostos, e deixam claro que não podemos “esquecer” toda a história que antecede
esse momento. Partindo deste pressuposto torna-se imprescindível a busca por sua
superação, tendo claro que “não é a crítica, mas a revolução, a força motriz da história,
62
assim como da religião, da filosofia e de qualquer outro tipo de teoria” (MARX e
ENGELS, 2007, p. 53).
Tendo como objetivo a superação desta sociedade, capitalista, e como princípio
a revolução, MARX e ENGELS, esclarecem que os indivíduos são uma construção
histórica e social, no entanto essa construção não ocorre nas condições que gostariam, e
explicam que:
[...] cada geração transmite à geração seguinte, uma
massa de forças produtivas, de capitais e de condições
que, embora sendo em parte modificada pela nova
geração, preserve a esta suas próprias condições de
existência e lhe imprime um determinado
desenvolvimento, um caráter particular. Demonstra
assim que as circunstâncias que fazem os homens, assim
como eles fazem as circunstâncias. (MARX e ENGELS,
2007, p. 53)
Outra ação dos empresários no Brasil que merece destaque é a organização do
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE50
, criado em 1995 com o objetivo de
incentivar a intervenção de determinados setores nas “questões sociais”, o que
denominaram de “investimento social privado”51
(MARTINS, 2009). Segundo o autor,
a ampliação de organizações como o GIFE na sociedade civil, foi fato fundamental para
a afirmação da nova sociabilidade do capital. Acredita-se que, “foi a conquista de
corações e mentes que produziu os melhores resultados na construção da coesão social”
(idem, p.13).
Segundo dados do próprio Grupo, a partir da década de 1990 observa-se no País,
a difusão dos conceitos de “terceiro setor” e “responsabilidade social empresarial”,
50
Segundo os responsáveis pela Organização, “o GIFE é uma rede sem fins lucrativos que reúne
organizações de origem empresarial, familiar, independente e comunitária, que investem em projetos com
finalidade pública. Sua missão é aperfeiçoar e difundir conceitos e práticas do uso de recursos privados
para o desenvolvimento do bem comum, contribuindo assim para a promoção do desenvolvimento
sustentável do Brasil, por meio do fortalecimento político-institucional e do apoio à atuação estratégica
dos investidores sociais privados. Além disso, o GIFE também organiza cursos, publicações,
pesquisas, congressos, Grupos de Afinidade, Painéis Temáticos, Debates e outros eventos” (GIFE).
Observando o histórico dessa instituição a partir de uma visão crítica, observa-se que “originado pela
articulação inicial de vinte e cinco grandes empresas com sede no Brasil, incentivadas pela Fundação
Ford e Fundação Kellongs dos Estados Unidos, o GIFE foi criado com o intuito de oferecer um novo
horizonte político às intervenções empresariais descontínuas, voluntariosas, fragmentadas, pontuais,
desconectadas e restritas ao universo da filantropia empresarial, dando a elas um novo formato e uma
perspectiva de classe” (MARTINS, 2009, p.142).
51
“Investimento social privado é o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada,
monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público”, completando
essa idéia afirmam que, “o Investimento Social Privado pode ser alavancado por meio de incentivos
fiscais concedidos pelo poder público e também pela alocação de recursos não-financeiros e intangíveis. (GIFE).
63
juntamente como a intensificação do debate internacional a cerca da incapacidade do
Estado cumprir sozinho com suas obrigações para com a sua população (GIFE, 2011).
Sendo assim, o GIFE foi elaborado para divulgar o modelo de gestão que tem
como base os preceitos da “cultura empresarial”, criado no bojo do programa neoliberal
da Terceira Via, passando a ser um dispositivo privado de hegemonia, sendo que suas
ações não estão voltadas para um único campo, atuam em diversos temas com diferentes
ações. Para se ter idéia da atuação da “pedagogia da hegemonia” na área social é só
observar os números, a rede reúne 130 associados que, somados, investem por volta de
R$2 bilhões por ano na área social52
(GIFE, 2011).
Entre outras medidas para a manutenção do capital, o fato de empresas privadas
interferirem em ações e políticas sociais é a partir de ações do Estado. A
regulamentação, pelo Estado, das ações da classe dominante é um dos fatores essenciais
para atuação dessas organizações no cotidiano da sociedade (MARTINS, 2009). Nessa
perspectiva, “a existência de um ambiente regulatório moderno, claro e estável é fator
fundamental para promover a expansão e qualificação do investimento social privado
em qualquer país” (GIFE, 2011). Nesse sentido, o GIFE desenvolve, desde o início de
2003, uma iniciativa destinada a “contribuir” para o aperfeiçoamento da legislação
brasileira relativa ao terceiro setor: o Programa Marco Legal e Políticas Públicas53
(idem).
Construindo e consolidando a “pedagogia da hegemonia”, uma das formas do
GIFE cumprir sua missão de disseminar e aperfeiçoar conceitos e práticas de
investimento social privado é editar com regularidade livros e guias que oferecem
informações para o desenvolvimento das ações sociais, dentre os quais destacamos o
52
Para conhecer detalhadamente o investimento social privado realizado pelos associados GIFE acesse o
site www.gife.org.br
53
Em maio de 2006, a atuação do Programa foi intensificada com a aprovação da “Carta de Curitiba –
Visão GIFE do Marco Legal do Terceiro Setor”, um documento que estabelece os cinco temas que a Rede
entende como prioritários: liberdade de organização e funcionamento para as organizações da sociedade
civil; transparência e controle social (accountability); imunidades e isenções tributárias;
incentivos fiscais para iniciativas de interesse público; e segurança jurídica, na qualidade de tema
transversal. Em 2009, o GIFE elaborou uma nova versão da publicação original, o livro “Perspectivas
para o Marco Legal do Terceiro Setor”, com o apoio da Ford Foundation e da W.K. Kellogg Foundation .
Trata-se de um documento mais aprofundado que, em relação a cada um dos temas indicados na Carta de
Curitiba, contém: uma descrição concisa de como a legislação brasileira aborda a matéria; a identificação
e análise dos principais entraves e oportunidades; e um conjunto de propostas concretas de
aperfeiçoamento do respectivo ambiente regulatório, incluindo medidas legislativas, administrativas e/ou
de autorregulação (GIFE).
64
“Guia GIFE: Investimento Social Privado em Educação” (disponível em
www.gife.org.br).
No estudo apresentado por Lopes (2010), “Educação Pública como Nicho de
Investimento Social Privado”, pode-se identificar a relação entre documentos da rede
GIFE e da UNESCO diretrizes de constituição de redes e respectivas formas de atuação,
em especial a ação na produção políticas públicas para a educação. Ambos adotam o
discurso de que a atuação social privada visa atender a uma demanda social
insuficientemente atendida pelo Estado. Mas, no entanto, entende-se que essas ações
constituem uma estratégia da burguesia para influir em políticas públicas e manter sua
hegemonia,
Na tentativa de construir uma nova pedagogia da
hegemonia, empresas e organizações privadas sem fins
lucrativos se reúnem ao redor de questões sociais com
fins claramente econômicos, políticos e ideológicos.
Valendo-se do marketing social e das isenções fiscais,
buscam reforçar um tipo de sociabilidade necessário ao
capital. (LOPES, 2010, p.9)
A educação subordinada a lógica burguesa, tem dentre outros intuitos, dificultar
a luta da classe trabalhadora, incluso os docentes, por uma educação que carregue em
seu seio uma transformação social ampla e emancipatória (Mészáros 2008). Lutar por
uma educação que caminhe par e passo com uma transformação social é a luta de todos
os trabalhadores, é a luta por uma educação “para além do capital”, sendo assim:
Limitar uma mudança educacional radical às margens
corretivas interesseiras do capital significa abandonar de
uma vez só, conscientemente ou não, o objetivo de uma
transformação social qualitativa. Do mesmo modo,
contudo, procurar margens de reforma sistêmica na
própria estrutura do sistema do capital é uma
contradição em termos. É por isso que é necessário
romper com a lógica do capital se quisermos
contemplar a criação de uma alternativa educacional
significativamente diferente. (idem, p.27)
Nesse sentido a função da educação na transformação social é fundamental,
[...] pois, por um lado, é necessário expor – por meio do
papel da educação socialista54
– o caráter apologético da
cultura há muito estabelecida da desigualdade
substantiva, em todas as suas formas, para aproximar a
realização da única relação humana permanentemente
54
“a concepção de educação aqui referida – considerada não como um período estritamente limitado da
vida dos indivíduos, mas como o desenvolvimento continuo da consciência socialista na sociedade como
um todo – assinala um afastamento radical das práticas educacionais dominates sob o capitalismo
avançado” (Mészáros, 2008, p.79).
65
sustentável de igualdade substantiva na ordem global
historicamente em transformação. (Mészáros 2008,
p.123 e 124)
A facilidade do acesso as publicações relacionadas aos interesses da classe
dominante, tanto pela quantidade, amplamente vasta, como pelo seu “sedutor” conteúdo
(publicações como, por exemplo, da CNI55
e do Banco Mundial56
) e a dificuldade do
acesso a uma literatura emancipatória57
, são empecilhos que a classe explorada
compreenda a necessidade de superar o horizonte pedagógico do capital.
Para que se identifique o contexto em que se insere a luta por uma educação, de
qualidade socialmente referenciada, é necessário um estudo além do “chão da escola”,
procurando identificar, por exemplo, possíveis relações entre a educação pública
brasileira e as recomendações dos Organismos Internacionais58
, considerando que “o
Banco Mundial (BM), transformou-se, nos últimos anos, no organizador com maior
visibilidade no panorama educativo global, ocupando, em grande parte, o espaço
tradicionalmente conferido à UNESCO59
” (TORRES, 2000, p. 14).
Nesta perspectiva, destaca-se a participação do Estado como mediador,
procurando assimilar tais recomendações e aplicá-las da forma mais “harmoniosa”
possível. O Estado capitalista tem por função zelar pelos interesses da burguesia e
gerenciar o potencial de oposição do povo, controlando assim a massa, ou seja, “toda
superestrutura dominante ‘trabalha’ para a inexistência de especifica e autônoma
situação superestrutural da(s) classe(s) dominante(s)” (DONNANGELO; PEREIRA,
1976, p. 100). O Estado, para além de uma organização burocrática de poder, apresenta-
se como uma estrutura reguladora do sistema capitalista e servindo as finalidades das
classes sociais que dele se apossam e através dele exercem a hegemonia legitimadora da
dominação (CURY, 1992).
55
Exemplos: Retratos da Sociedade Brasileira: Educação (CNI, 2008); Engenharia para o
desenvolvimento: Inovação, Sustentabilidade e Responsabilidade Social como Novos Paradigmas (CNI,
2010); Proposta do MEC Põe em Risco a Competitividade da Indústria: Posicionamento do Sistema
Indústria sobre proposta do MEC de criação do FUNTEP – Fundo Nacional de Formação Técnica e
Profissional (CNI, SESI, SENAI, 2010).
56
Exemplos: Educação Municipal no Brasil: Recursos, Incentivos e Resultados/vol I e II (BM, 2002 e
2003); Atingindo uma Educação de nível mundial no Brasil: Próximos passos (BM, 2004).
57
Alguns livros clássicos (como, por exemplo, dos autores Marx, Gramsci e Lenin) já não são mais
publicados por algumas editoras, ou tem um alto custo.
58
Destacam-se Banco Mundial, Unesco, OCDE, OMC, FMI.
59
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (Unesco).
66
A nova ordem comercial mundial apresenta a educação como um “serviço”,
ocorrendo à abertura do setor educacional como opção de investimento de grupos
privados,
O elemento de continuidade é garantido pelo reforço à
concepção de educação como instrumento de
preparação da mão-de-obra para o mercado e também
de dominação ideológica através da visão de mundo
empresarial. (LIMA, 2002, p.54-55)
No Brasil essa relação público/privada no setor educacional60
encontra amparo
na Constituição Federal de 1988. Afinal, a legalização de tal relação foi com a
afirmação de que a educação deve receber a colaboração da sociedade (BRASIL, 1988,
art. 205), assim “permitiram novos passos de presença do setor privado na educação
básica” (CURY, 2008, p. 20).
Na materialização da relação público-privada no âmbito educacional, uma das
formas de exploração das instituições educacionais, é a oferta de um “produto de
mercado” pela iniciativa privada às prefeituras, denominados de “sistemas de ensino”.
Tais empresas passam a interferir na política educacional local e na organização do
trabalho tanto dos docentes quanto dos gestores. A oferta dos produtos e serviços inclui
“materiais didáticos para alunos e professores, incluindo apostilas e CD-ROMs,
formação docente em serviço e monitoramento do uso dos materiais adquiridos”
(ADRIÃO et al., 2009).
O número de contratos entre empresas privadas fornecedoras de sistemas
apostilados para as prefeituras, segundo Cury (2008), a partir de 2005 cresceu 2800%,
tendo como precursora o Grupo COC, que firmou os primeiros contratos em 1999, mas
a grande expansão se deu a partir de 2005. O valor anual aproximado cobrado pelas
empresas para oferecer material apostilado por aluno é de R$ 200,00. Dado o tamanho
do sistema público brasileiro de ensino, este é um mercado promissor, e uma ótima
oportunidade de expansão do capital (CURY, 2008).
Com o argumento de que o material oferecido por empresas privadas possui
maior qualidade, conforme argumenta (CASTRO, 2007, p. 20) “há claros indícios de
que os apostiladores criaram uma solução brasileira de grandes méritos e originalidade.
Inovação única no mundo, já se cogita a sua exportação”. E o autor prossegue,
60
A relação público-privada na educação é parte da “nova” sociabilidade do capital, na tentativa de dar
sentido a um projeto social hegemônico em todo mundo, sendo parte do processo das estratégias
contemporâneas de dominação (NEVES, 2002).
67
“enquanto as redes das escolas públicas que não adotaram as apostilas tratam de temas
transversais, habilidades e competências, as que as adotaram tiram melhores notas, são
conteudistas e se voltam para o vestibular”. Entretanto, de acordo com (CURY, 2008, p.
22), a “confirmação desse transito merece ser objeto de pesquisas mais sistemáticas e
rigorosas seja no pólo privado, seja no público. Há rumores de que o material
pedagógico disponível para o pólo privado seria mais aligeirado quando vendido para o
pólo público”. Neste sentido, Adrião et al., 2009, p. 808) afirmam:
As empresas oferecem aos municípios materiais
distintos daqueles que elaboram para suas próprias
escolas ou para as escolas privadas que franqueiam seu
material. Trata-se de ofertar as escolas públicas um
material de menor custo e que não faça frente àqueles
existentes nas escolas privadas do município, uma vez
que, se assim fosse, poderia haver um relativo êxodo
das matrículas para o setor público, estabelecendo-se,
ineditamente, uma concorrência intra-serviços
oferecidos pela mesma empresa.
O material oferecido à população com menor poder aquisitivo parece se
distinguir daquele oferecido a fração da população com maior poder aquisitivo. Mesmo
havendo esta possibilidade, no estado de São Paulo, dos 645 municípios existentes, 161
declararam adotar sistemas apostilados, destes 150 são municípios com até 50.000
habitantes. Os municípios de pequeno porte, que na década de 1990, assumiram muitas
responsabilidades em pouco tempo para com a oferta do nível obrigatório de ensino,
para as quais, provavelmente, não estavam preparados (ADRIÃO, GARCIA, BORGHI
e ARELARO, 2008), o que os levam a formar parcerias. Nessas circunstâncias, de
acordo com as autoras, “tendem a ser mais permeáveis à pressão das empresas privadas,
tendo em vista que a constituição da esfera pública em tais situações tende a ser mais
frágil, aproximando-se o privado do público de maneira mais cotidiana e informal”
(Adrião et. al, 2009, p.805).
Os sistemas apostilados de ensino vêm apresentados com o “objetivo” de suprir
as demandas educacionais assumidas pelos municípios após a Emenda Constitucional nº
14/96, as prefeituras recebem esta incumbência, mas na maioria das vezes, a
precariedade técnico-operacional encontrada, sobretudo, naquelas de pequeno porte, as
levam a formarem parcerias com a iniciativa privada (ARELARO, 2008).
Acompanhado do argumento de que o responsável pela crise é o Estado, se
propõem substituir a administração burocrática pela administração gerencial. Nesta
lógica o modelo de eficiência e eficácia é o privado e se prolifera um fértil terreno para
68
as redes privadas de ensino aumentar sua lucratividade, ou seja, mais um cliente e mais
uma possibilidade de expansão do capital.
Nessa perspectiva, o sistema apostilado é visto como aliado do capital,
contribuindo com a padronização dos serviços oferecidos pelas escolas (ADRIÃO,
GARCIA, BORGHI, ARELARO, 2009) e, sobretudo, com a criação de uma nova
identidade docente (HYPOLITO, 2010), alinhada a consolidação da nova pedagogia da
hegemonia (NEVES, 2010).
69
3. A (RE)ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE EM IMBITUBA: A
RELAÇÃO “SOME” E PROFESSOR
Buscando compreender a parceria público privada se materializa no interior da
escola, mais especificamente no cotidiano do trabalho docente, o principal
procedimento metodológico utilizado, como já referido, foi a realização de entrevistas
semi-estruturadas com oito professores61
da rede pública de ensino, no segundo
semestre de 2011. Nestes relatos os professores, identificados através de nomes
fictícios, foram questionados acerca de vários aspectos que compõem seu cotidiano no
âmbito escolar, e em especial em relação ao material didático e a formação continuada
disponibilizada pela empresa contratada pela rede municipal.
Após a transcrição das entrevistas, identificamos três categorias de conteúdo62
:
Organização do trabalho docente, intensificação do trabalho docente e
desintelectualização do professor. Vale destacar que tais categorias não são estanques.
Pelo contrario, se relacionam e se complementam.
3.1 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
Segundo os dados publicados pela OCDE (2010) no relatório “Avaliações de
Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina”, em 2009 a rede estadual
contava com mais escolas e menos alunos que em 2005, já na rede municipal ocorreu o
contrário, mais alunos e menos escolas. Como parte da reforma administrativa, iniciada
em Santa Catarina em 2009, todas as escolas de educação infantil e ensino fundamental
estão sendo gradualmente transferidas para as prefeituras.
Para tanto, de acordo com o referido Relatório, “Santa Catarina precisa ser capaz
de mobilizar os seus recursos e estruturas de suporte a fim de remodelar a formação do
capital humano para sua economia do conhecimento” (OCDE, 2010, p.45). Para os
avaliadores da OCDE essa é uma questão fundamental,
O maior produtor de capital humano é o sistema de
educação pública, que funciona como um canal que
transfere os recursos do setor privado para os
consumidores da educação, que, por sua vez, serão os
61
Anexo D.
62 Categorias que emergiram das entrevistas tendo como base a literatura revisada.
70
futuros produtores do Estado. O capital humano gerado
nas escolas é primordial para garantir uma economia
dinâmica, fornecer um padrão de vida adequado,
reforçar a segurança interna, assim como para manter a
posição de destaque de Santa Catarina no País e a sua
competitividade no mundo. (OCDE, 2010, p.61)
Ao longo do Relatório percebe-se a presença do pensamento hegemônico da
elite intelectual próxima aos poderes governamentais constituídos do Estado, por
exemplo, no prefácio escrito pela então “Diretora Para a Educação”: “O governo
Estadual solicitou à OCDE que empreendesse uma análise independente sobre o sistema
educacional e que formulasse opções com vista à elaboração de políticas, a curto e
médio prazo, com o objetivo de desenvolver o seu capital humano” (ISCHINGER,
2010, p.3), ou no trecho citado pela equipe da OCDE: “A educação não é considerada
uma mera oferta social, mas sim um investimento essencial no capital humano que
produz dividendos significativos para a sociedade e os indivíduos” (OCDE, 2010, p.28).
Nesse sentido a prefeitura do município de Imbituba contratou em 2009 os
serviços do SOME – Sistema Objetivo Municipal de Ensino com o discurso que tal
parceria tina como objetivo melhorar seus indicadores educacionais.
O Centro Educacional Objetivo, fundado em 1965, figura entre as maiores
instituições de ensino do país, atuando junto à iniciativa privada e pública no âmbito da
Educação Infantil à preparação para os vestibulares. O Sistema Objetivo oferece, desde
2000, o Sistema Objetivo Municipal de Ensino – SOME –, que compreende o
fornecimento de material didático e o atendimento pedagógico, hoje para mais de
100.000 alunos em vários municípios do país (OBJETIVO, 2012).
O SOME possui, desde 2005, uma equipe de especialistas e pedagogas para
organizar os atendimentos presenciais previstos no “Projeto Personalizado de
Formação”, para cada um dos municípios “parceiros”, tendo como principal apoio o
material didático. Além dos encontros de formação, mais duas propostas estão em
desenvolvimento: atendimento à distância e avaliação institucional (OBJETIVO, 2012).
Estando a serviço, administrativa e pedagogicamente, atendendo professores,
coordenadores pedagógicos e diretores, disseminam a ideia que a Educação é estratégia
de transformação social63
, para tanto definem sua função como “formadoras de
formadores”, assessorando e mediando processos de mudança na prática educativa das
63
“Concebemos o nosso trabalho e seus resultados como parte de uma grande estratégia de transformação
social, por ter a consciência legítima de que mesmo distantes, estamos atendendo às crianças, nossa
principal razão de ser e estar atuando no mercado educacional brasileiro”. (OBJETIVO, 2012)
71
escolas (OBJETIVO, 2012). No entanto, não definem o que entendem por
transformação social, tampouco quais são os objetivos das mudanças na prática escolar.
As propostas para o desenvolvimento de cada conteúdo por área de
conhecimento, segundo a Instituição estimulam desde a infância a capacidade de
liderança e perseverança, preparando os alunos para que eles possam acompanhar as
mudanças que ocorrem rapidamente em nossa sociedade (OBJETIVO, 2012). Como
citado anteriormente, de acordo com a literatura pesquisada (TURMINA, 2010), o
estímulo da capacidade do “poder do indivíduo” na resolução dos problemas está
relacionado aos padrões necessários à sociabilidade burguesa, processo que ocorre por
fora e dentro da escola.
Os alunos recebem, para acompanhar as aulas, apostilas bimestrais, as quais
além do conteúdo contêm tarefas complementares. Os professores recebem, também
bimestralmente, um “manual” juntamente com a apostila. Em cada escola um
coordenador organiza a distribuição do material, o planejamento na unidade, acompanha
as aulas e participa de cursos na sede em São Paulo (OBJETIVO, 2012).
A equipe do SOME realiza ao longo do ano cursos de formação com os
professores e coordenadores nos municípios conveniados. Os temas abordados no
evento enfatizam novas propostas educacionais, as práticas cotidianas em sala de aula,
questões que envolvem a avaliação em diferentes dimensões, as metodologias do
material didático do Objetivo, sua organização e filosofia bem como o papel
coordenador no universo da escola. Para tanto, afirmam valorizar “as pessoas e o
conhecimento prévio” (OBJETIVO, 2012).
Segundo a perspectiva da Empresa, a aquisição de um sistema de ensino
apostilado por um município requer, por parte da equipe técnica responsável pelo
trabalho educacional nas escolas, um olhar minucioso acerca de como o material está
organizado,
O resultado de uma boa aula planejada nos seus mais
íntimos detalhes oferece as condições para a progressão
continuada do processo de aprendizagem com mais
eficácia64
, ou ainda, propostas bem elaboradas podem
dar asas à imaginação, o que naturalmente toma o lugar
da memorização, vista hoje com várias restrições.
Pesquisas65
indicam claramente que nos municípios em
que foi adotado um sistema de ensino, os alunos estão
64
Percebe-se a ênfase dada pela empresa aos temas relacionados a Teoria do Capital Humano.
65 Não foi localizado no site dados específicos da pesquisa mencionada.
72
meio ano à frente dos que não adotaram. (OBJETIVO,
2012)
Com a realização das entrevistas, foi possível verificar que a adoção do SOME
incidiu diretamente sobre o trabalho do professor, alterando sua organização e sua
rotina, como demonstra a fala de Júlia:
A apostila é muito repetitiva, a apresentação dos
conteúdos poderia ser bem melhor, volta muito num
assunto e deixa a desejar alguns, mas fazer o que...
Antes existia um planejamento de toda escola porque
tínhamos que trabalhar “projetos”, acho que na prática
nem todos trabalhavam, mas éramos nós que
escolhíamos o assunto e cada professor trabalhava da
sua forma. Agora não, até a organização da rotina da
aula é dita pela coordenação como deve ser.
Ao serem questionados acerca das escolhas dos materiais didáticos percebe-se a
falta de autonomia do professor que não optou pelos materiais (apostilas e livros), mas
que se vê obrigado a usar na sua prática, gerando assim um desconforto na organização
do seu trabalho, como aponta as falas de Francisca e Helena:
Nós não podemos mudar muita coisa porque a apostila
já vem pronta, a gente até deu umas idéias nas reuniões,
mas não mudaram nada, a apostila vem sempre igual
todo ano. Mas o uso da apostila é cobrado, a
coordenação quer saber como está, tem dias que agente
se reúne na SME para saber como está trabalhando, para
trocar idéias.
Nós não temos participação, porque os livros que a
gente escolhe não mandam, mandam outros, só para
dizer que o professor escolheu, mas geralmente não vem
o livro que a gente escolhe. Mas no município quase
não se usa o livro, a gente usa a apostila. A apostila veio
para nós, e agente nem sabia dessa apostila, foi enfiado
goela abaixo. Falta material didático, esse ano a
secretaria não mandou material, a escola comprou com
o dinheiro que vem para a escola, mas foi pouco, a
escola é muito grande, muitos alunos e tem pouco
material. Trabalhamos mais com papel pardo... Outros
anos vinha mais material, cada ano está reduzindo.
Percebe-se, com a realização desse estudo, que a adoção de um “sistema de
ensino” permite certo controle sobre o trabalho desses docentes, visto que além da
“imposição” do material, existe na escola um “coordenador” do some66
,
A Coordenadora distribui as apostilas, organiza as
reuniões de planejamento e tem dias que assiste as aulas
[...] O planejamento é por ano/série, em cima da
apostila, quer dizer, é como devemos abordar os
conteúdos da apostila, estratégias para os conteúdos de
66
A escolha desse coordenador é a critério da SME, sendo esse mais um cargo político.
73
cada bimestre. Vai do professor seguir ou não, mas
quando ela vem na minha sala eu sigo a “receita”
(Antônia)
Nesse sentido, ao seguirem as recomendações da empresa, não seguem as
necessidades dos seus alunos, com cita Helena e Antônia:
O ponto positivo é porque não temos muito acesso ao
Xerox, e ali tem bastante figuras, e já vem os conteúdos
prontos. Não traz nada da região, a apostila vem de São
Paulo, até os exemplos são de SP, aí eu é que trago para
a sala de aula a nossa realidade, os exemplos daqui.
Existe uma cobrança para trabalhar toda a apostila, e em
seqüência, eles querem que a gente trabalhe em
seqüência porque somos uma rede, a municipal, se um
aluno sai daqui e naquele bimestre vai para outra escola,
chega lá eles estão trabalhando o mesmo conteúdo, tem
um sentido, mas às vezes não vem ao encontro com a
necessidade dos meus alunos.
A apostila até facilita o trabalho do professor, mas ela
não está de acordo com a realidade do aluno, ela é para
o aluno que tem o hábito de estudar em casa, é para
aquele aluno que tem no seu quarto o seu computador
para pesquisar, o nosso aluno não tem isso. A apostila
deixa muito a desejar para o aluno, ela é muito
resumida, o conteúdo às vezes está bem longe da
realidade do nosso aluno. Eu prefiro o livro didático.
Existe uma cobrança para o uso da apostila, existe uma
cobrança para cada final de bimestre ter fechado a
apostila, mas às vezes não dá tempo, o aluno não faz a
tarefa, então tem que ser tudo na escola, é muita coisa
na apostila e o tempo é curto, por conta da nucleação
nossa escola tem um período a menos de aula por dia.
Através das falas não foi possível identificar uma resistência coletiva ao material
adotado pela SME, demonstram que seu trabalho foi intensificado, querem dar conta de
todo o conteúdo apresentado na apostila somado ao conteúdo que cada professor
acredita ser essencial. Os professores são iludidos em diversos momentos, pela falsa
idéia do “já vem pronto é só aplicar”, não precisa “perder tempo” para copiar do quadro,
é colorido e atrativo para os alunos, etc. Demonstram uma contradição, pois ao mesmo
tempo em que criticam o material também o utilizam, observa-se que o fato de ter uma
pessoa responsável pelo material diretamente na escola incide sobre a prática desses
docentes.
Essas ações levam a determinar as condições em que o professor realiza suas
atividades juntamente com o controle do trabalho dos docentes (MARIN, 2011). As
normas de organização do ensino que tendem à padronização de importantes processos,
justificada pela necessária expansão da escolarização, na sua essência tendem a uma
74
massificação do ensino (OLIVEIRA, 2004). Ações que levam professores a não exercer
o controle sobre seu trabalho estão relacionadas a ações fora do âmbito escolar, de
modo geral, são ações que levam a alienação dos indivíduos, “o trabalhador que perde o
controle sobre o processo de trabalho perde a noção de integridade do processo,
passando a executar apenas uma parte, alienando-se da concepção” (idem, p.8).
3.2 INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
Inúmeros fatores vêm contribuindo com a intensificação do trabalho docente.
Com base, sobretudo nas entrevistas, a adoção do sistema de apostila no município
parece ser um dos fatores. Conforme os entrevistados, esse material não contempla as
necessidades locais67
nem as necessidades individuais, então o professor se esforça para
transmitir os conteúdos expostos na apostila, complementar com as especificidades da
região e adaptar para os diferentes alunos das diferentes turmas. Os professores afirmam
que é uma corrida contra o tempo, como citado anteriormente, devem abordar todos os
conteúdos, na ordem da apostila e incluir questões específicas da região com uma
preocupação em atingir todos os alunos, incluso os que se encontram em níveis distintos
de aprendizagem em relação a maioria da turma. A adoção desse “sistema de ensino” de
certa forma pode intensificar o trabalho do professor, como podemos observar nas falas
de Francisca e Júlia:
Tem que adaptar para nossa realidade, que tem bem
pouco. Alguns conteúdos a gente usa mais, mas tem
outros que os exemplos são bem fora da nossa realidade,
até faz parte da matéria, mas tem que complementar.
Além da apostila tem que usar outros materiais, só ela
não é suficiente.
Quando tu pegas a apostila do segundo ano, no caso, a
apostila é para o aluno que já sabe ler, só que agente
pega muita criança que não sabe nem pegar no lápis, é
difícil porque aí tu tens que correr atrás de outras
atividades para suprir e encaixar na apostila. Eu não
quero crucificar aqueles que já estão mais na frente,
então eu faço assim, eu divido a turma em dois os que
estão alfabetizados e os que não estão. Num primeiro
momento dou uma atividade de acordo com cada nível e
vou tentando alfabetizar aos poucos, num segundo
momento dou uma atividade igual para todos. No
começo do ano tem aluno que consegue ler um livro de
literatura todo e aluno que não reconhece as letras e nem
sabe o próprio nome e eu tenho que me desdobrar.
67
O mesmo material é utilizado em todo país, um material produzido para cada região seria muito
dispendioso.
75
Acredita-se que a inclusão na escola pública de alunos com necessidades
educativas especiais possa estar contribuindo também com o processo de intensificação
do trabalho docente, visto que as condições estruturais e pedagógicas estão longe de
serem as ideais. Percebe-se que o “SOME” não trata dessa questão e a SME não
disponibiliza as condições objetivas para o seu enfrentamento e a efetivação da
inclusão. Algo que aparece na fala de Antônia e José:
Em relação aos alunos com necessidades especiais eles
deveriam ter o professor II, mas eles têm um estagiário,
que não tem uma formação, não estão preparados para
ajudar, são alunos que também estão estudando, alguns
até de ensino médio.
Nós não temos uma formação adequada para trabalhar
com os alunos com necessidades especiais, com as
diferentes necessidades que apresentam. A escola não
tem uma estrutura física adequada para algumas
necessidades. A pessoa que acompanha esses alunos
nem é um professor. Eu trabalho com uma menina que
não tem o que fazer, ainda mais nas atividades práticas,
ela não tem controle dos movimentos, nem consegue
permanecer sentada sozinha, mas está ali, junto com a
turma e aí?
A SME sobrecarrega os docentes atribuindo-lhe mais esta tarefa. No conteúdo
das entrevistas é notória a falta de estrutura oferecida para que o docente possa trabalhar
com esses sujeitos. Os professores se encontram em uma encruzilhada sem saber se
propiciam atenção aos demais alunos ou focam sua atenção nos alunos com
necessidades especiais. Considerando as condições que estão postas, atender aos anseios
de todos torna-se praticamente impossível.
Com a necessária universalização da educação básica o Estado teria que investir
muito mais em educação, ou seja, aumentar a parcela do PIB a ela destinada. De acordo
com Saviani (2006), para que possamos pensar em qualidade social não pode ser
inferior a 8%, no entanto, atualmente o Brasil aplica entre 4,9 % e 5% do PIB (INEP,
2010).
Com o aumento de mais um ano nas series iniciais, os alunos deveriam chegar
ao “sexto ano” mais preparados. Entretanto, segundo os docentes entrevistados muitos
parecem não ter se apropriado dos conhecimentos necessários para freqüentar a
série/ano em que estão matriculados, intensificando ainda mais o trabalho do professor,
como sugerem as falas de Helena e Fernanda:
76
Tem aluno que desenvolve bem, depende de aluno para
aluno, tem aluno que vem desde o primeiro ano sem
saber ler e sai do quinto ano sem saber [...]. Alguns
chegam no quinto ano sem conhecer os números daí
como trabalhar as quatro operações [...]. Eles não
aprendem no começo, depois é mais difícil, porque o
professor do sexto ano em diante não vai parar para
ensinar isso, aí é complicado, reprovam, mas depois de
um tempo tem que aprovar mesmo sem aprender, está
meio confuso. Tem muito conteúdo nos anos iniciais e
não se trabalha mais a alfabetização.
Os alunos já sabem que passam por lei, então ele cruza
o braço, o nível de conhecimento está muito baixo, olha
está complicado trabalhar hoje em dia, os pais também
não acompanham os filhos, o aluno quer passar de ano o
conhecimento não estão nem aí.
As falas remetem aos reflexos da reforma educacional pós Jomtien implantadas
no Brasil e as novas regulações das políticas educacionais por elas trazidas. A busca da
ampliação da matrícula na educação básica fez parte do plano do Estado articulado com
a “promoção da equidade social, buscando a redução das desigualdades sociais, por
meio da oferta educativa às populações em situação vulnerável” (Assunção & Oliveira,
2009, p. 350). Além de outras questões, como a contenção da pobreza visando
minimizar os conflitos sociais, o interesse pela qualificação mínima da mão-de-obra,
entre outros fatores. Entretanto, tal empreendimento se fez sem os investimentos
necessários a uma educação de qualidade social. Fatos que dificultam o incentivo dos
alunos por parte dos docentes, como apontam as falas de Antônia e Júlia:
Está tudo precário, até o material didático básico é
precário. Eu trabalho com ciências, aqui não tem
laboratório, ou eu trago de casa ou não tem. Vontade a
gente até tem, mas sem material é difícil. Tem a sala de
vídeo, mas não tem DVD de ciências na escola, eu
tenho que trazer. A sala de informática está sempre
ocupada, tu tens que estar planejando bem antes, são
muitos alunos e agora com esse “projeto” que veio
piorou mais ainda. Na biblioteca não tem material para
pesquisa.
Quanto a estrutura física tudo poderia ser melhor, até o
banheiro, as salas, mas o que a gente vai fazer, a gente
cobra da direção, mas sabe que não depende só dela,
tem licitação e passa o ano nada muda. O ginásio está
em condições ruins, não tem bebedor. Na sala de
informática poderia ter mais computadores, chega a ter
dia que tem 5 alunos em cada computador. A nossa
escola tem um problema sério, ela é toda aberta, como é
um lugar que tem CEI, Ensino Fundamental e mais o
Projeto tem um espaço grande, mas não é fechado, as
crianças não usam uniforme.
77
As tarefas/funções se ampliam. É explícita a ampliação das responsabilidades,
sobretudo, para com o aluno. Muitas são as exigências
[...] apresentadas aos profissionais da educação nesse
contexto de nova regulação educativa parecem
pressupor maior responsabilização dos trabalhadores,
demandando maior autonomia (ou heteronomia) destes,
capacidade de resolver localmente os problemas
encontrados, refletir sobre a sua realidade e trabalhar de
forma coletiva e cooperativa. (Assunção & Oliveira,
2009, p. 351)
Observa-se no estudo que os professores aceitam essa ampliação das tarefas
como sua responsabilidade, fato que podemos observar, por exemplo, na fala de Helena:
Essa semana eu ainda fui na casa de uma aluna, que não
tem que ser eu que tem que fazer isso, mas já que
ninguém faz a gente tem que fazer, era uma aluna boa,
já fazia uns 20 dias que ela não vinha, não sabia porque,
não tem telefone nem nada, era uns problemas na
família, se eu não vou em busca a gente não sabia nada
até hoje, a gente perde tempo, tive que deixar uma
pessoa na minha sala, tive que deixar de fazer o meu
papel de professora na sala de aula, para resolver um
problema social que não era meu. O que prejudica é a
falta de apoio pedagógico que nós não temos, até tem a
pessoa, mas a gente sente que ela não está próxima, a
gente trabalha muito sozinha.
Destaca-se, também, nas falas dos sujeitos o contexto familiar como uma
variável no processo de intensificação do trabalho do professor. Com a ampliação da
matrícula e a escola abrindo suas portas a “todos”, sobretudo aos que vivem em situação
vulnerável, muitos chegam à escola sem o acompanhamento diário dos pais no
cotidiano de seus filhos. Segundo os relatos existem muitos casos de agressões entre os
alunos e entre os alunos e professores, quando os pais são chamados na escola
dificilmente comparecem. Considerando esses elementos e as falas dos sujeitos, pode-se
inferir que a ausência da família também esteja contribuindo com a intensificação do
trabalho do professor, como apontam a fala de Francisca:
Os pais pouco participam, aqui tem alunos de várias
comunidades, a maioria dos pais trabalha e pouco vem
aqui, os alunos vêm de ônibus por conta da nucleação.
O docente vê seu trabalho ser intensificado ao máximo e, cada vez mais distante
está de chegar a seu principal objetivo, que é oportunizar a apropriação dos
conhecimentos historicamente produzidos. Pois:
Não se deve exigir da escola o que não é dela,
superando a concepção de uma educação salvífica e
78
redentora. Ou seja, a instituição escolar e os docentes
não vão solucionar aquilo, que as sociedades e as
famílias não possibilitam às crianças e aos jovens.
(Duarte, 2008, p. 7)
As reformas educacionais foram exitosas ao proporcionar a universalização do
ensino fundamental e ampliar consideravelmente as demais etapas da educação básica.
No entanto, nesse contexto, a escola pública assume distintas funções. Além disso, falta
clareza na definição do que é curricular e o que é extracurricular. Ao considerar que
tudo o que é trabalhado na escola é currículo “se apaga a diferença entre curricular e
extracurricular, então tudo acaba adquirindo o mesmo peso; e abre-se caminho para toda
sorte de tergiversações, invenções e confusões que terminam por descaracterizar o
trabalho escolar” (Saviani, 2005, p. 16). A escola pode estar facilmente sendo
“contaminada” com inúmeras atribuições que não condizem com sua função, e desta
forma o principal pode facilmente ceder lugar ao secundário, ou seja, a razão de ser da
escola é deslocada para âmbito dos acessórios.
Não é demais lembrar que este fenômeno pode ser
facilmente observado no dia-a-dia das escolas. Dou
apenas um exemplo: o ano letivo começa na segunda
quinzena de fevereiro e já em março temos a Semana da
Revolução; em seguida, a Semana Santa; depois, a
Semana das Mães, as Festas Juninas, A Semana dos
Soldados, Semana do Folclore, Semana da Pátria, Jogos
da Primavera, Semana da Criança, Semana do Índio,
Semana da Asa etc., e neste momento já estamos em
Novembro. O ano letivo encerra-se e estamos diante da
seguinte constatação: Fez-se de tudo na escola;
encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração,
mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de
transmissão-assimilação de conhecimentos
sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a
atividade nuclear da escola, isto é, a transmissão dos
instrumentos de acesso ao saber elaborado. (Saviani,
2005, p. 16)
O professor que tem o ensino como atividade principal, se empenha ao máximo
para oferecer a seus alunos o acesso ao conhecimento. Entretanto, pela acumulação de
tarefas, tal intento dificilmente terá sucesso. Sendo assim, o insucesso é por ele
assumido e gera mais e mais responsabilidades, pois “os acertos e fracassos da profissão
passam a ser vistos como produto do desempenho do professor” (Duarte, 2008, p. 7).
Uma das condições necessárias, ainda que não suficiente, para que o trabalho
docente se realize são as condições que toda a estrutura da escola deve proporcionar ao
professor, independente de que disciplina este lecione. São indispensáveis que sejam
79
oferecidas condições adequadas para que o professor realize seu trabalho na direção de
sua humanização e que não seja explorado. A falta de condições também pode levar a
uma intensificação do trabalho docente.
Pode-se perceber que os professores destacam as precárias condições de trabalho
relacionadas, por exemplo, a estrutura física da escola e a organização do trabalho no
cotidiano, como aponta a fala de Francisca:
Com relação a estrutura física precisa melhorar bastante
coisa, as salas precisam de armário, quadro branco e
canetão. A sala de informática agente pouco usa, ela
está sempre ocupada com o projeto (Programa Mais
Educação do Governo Federal). O ginásio é bem ruim, é
como se não tivesse. A escola não é fechada, todos
entram, é muito aluno, tem mais os projetos68
junto. Na
sala tem problemas de violência verbal.
Somam-se os diversos problemas estruturais, entre eles a falta de materiais, que
afetam também a realização da docência, como sugere Júlia:
Tem a apostila e livro didático. Outros materiais quando
vem tu tem que ser rápida, tem que garantir o teu lado e
dos teus alunos, se não for rápido não pega mais, não
tem material para o ano todo. Agente não participou da
escolha da apostila e já faz uns anos que tá aqui.
Ao considerar a importância de estudar, os professores assim como os alunos
precisam de um “refugio” para pesquisarem e aprofundarem seus estudos, e acredita-se
que a biblioteca possa ser utilizada para este fim, mas de acordo com a fala de Marieta:
A biblioteca tinha que ter os clássicos, tem muito
livrinho pequenino, daquelas maletinhas que compram
por 9 reais, os clássicos eu tive que comprar para
trabalhar.
A partir das entrevistas, percebe-se o quanto o professor é mantido em condições
pouco favoráveis de trabalho, e que, mesmo desejando, pouco tem a contribuir com a
camada menos favorecida da sociedade, pois se vê de mãos atadas, vendo a
possibilidade de posicionar-se como contraponto, ao que está estabelecido, cada vez
mais reduzida. Tendo em vista que:
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem
segundo sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que
se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado. (Marx, 2006, p. 15)
68
São eles: PETI, o Programa Mais Educação e o ESIIJ, conforme citados na introdução deste estudo.
80
Para tanto, é necessário viabilizar as condições da transmissão e assimilação dos
conteúdos (Saviani 2005, p. 18). Entretanto, as falas dos sujeitos sugerem que as
condições adequadas de trabalho estão cada vez mais distantes, como podemos
observar, por exemplo, no depoimento de José:
Tenho experiência de diversas realidades, existem
problemas comuns em todas as escolas, mas aqui em
Imbituba, talvez em função das diretoras serem um
cargo político, elas acabam querendo esconder os
problemas, tapando o sol com a peneira dentro da
própria escola não levando a diante para não aparecer.
Antes trabalhava mais atividades e hoje, em função da
indisciplina não resolvida, é complicado.
O descompasso dentro do aparelho estatal é enorme, e o discente, entende-se, ser
quem acaba sendo o grande prejudicado neste processo, pois, se o docente não encontra
condições adequadas para trabalhar, logo o fruto do seu trabalho não poderá apresentar
qualidade visando uma transformação social, e assim o trabalho escolar pode ser
funcional ao capital.
3.3 DESINTELECTUALIZAÇÃO DO PROFESSOR
As condições que ao longo da história vêm desvalorizando a educação e o
trabalho docente, próprias do capitalismo, se mantêm em graus elevados (FREITAS,
2007). Nesse contexto, observa-se que a partir do contrato com o SOME, intensifica-se
um processo de controle e alienação dos professores. Os relatos dos docentes apontam a
realização sistemática de cursos de formação continuada fornecidos pela empresa, que
segundo os relatos interfere na prática de alguns docentes, como se percebe na fala de
Fernanda
[...] alguma coisa agente sempre se questiona e acaba
levando para a prática.
No entanto, de acordo com alguns professores nunca foram questionados sobre
os temas de interesse para a organização de cursos. A parte os cursos do SOME, alguns
professores também participam de cursos pagos por eles mesmos,
Sempre faço cursos, eu que vou em busca e eu que
pago. Os cursos que eu faço são à distância, vem as
apostilas pelo correio, agente resolve as atividades em
grupo e envia para eles (ACAPED69
). Os cursos da
prefeitura são poucas horas, ela dá muito pouco, são
69
A Agência de Capacitação Educacional (ACAPED) oferece cursos de extensão a distância, válidos para
processos seletivos e progressão salarial.
81
relacionados com as apostilas do SOME, vem gente de
lá, dão aula, mas eu acho muito fraco, trazem o que
agente já trabalha, não trazem nada de novo, além disso
nós é que damos aula, explicamos como trabalhamos
em sala. A gente fala mais no curso que elas”
(HELENA).
Com uma formação continuada desconectada das necessidades daqueles
docentes e a falta de uma contraposição dos mesmos, percebe-se a possibilidade de
produção e reprodução do capital nessas vias, sendo esse mais um dos fatos que pode
corroborar com a política educacional em curso,
[...] as iniciativas atuais de massificação, [...], cumprem
as metas estatísticas e conformam os professores a
concepção de caráter subordinado, meramente
instrumental, em contraposição à concepção de
educador de caráter sócio-histórico, dos professores
como profissionais da educação, intelectuais essenciais
para a construção de um projeto social emancipador que
ofereça novas possibilidades à educação da infância e da
juventude. (FREITAS, 2007, p. 1214)
Destaca-se uma outra experiência relacionada aos interesses do capital
organizada e adotada como prática nos últimos anos pela SME. Trata-se da realização
em datas comemorativas de um jantar para os professores e “gestores” “acompanhado”
de um palestrante cujo tema é sempre o mesmo, motivacional, ou seja, “auto-ajuda”.
Ultimamente os cursos oferecidos pela prefeitura são do
SOME, vem o pessoal do Objetivo lá de São Paulo.
Algumas datas especiais têm essas palestras de
motivação, mas mais para o lado pessoal (JÚLIA).
Conforme a tese de doutorado de Adriana Turmina (2010), existe uma relação
no discurso da “auto-ajuda” e a “(con)formação” do trabalhador de um novo tipo, um
tipo funcional ao capital. Discurso que difunde a idéia do poder do individuo na
resolução dos problemas, fato que contribui para a consolidação da hegemonia
burguesa. Práticas disseminadas por esse tipo de discurso fazem parte de um projeto
social hegemônico, onde o empresariado está constantemente organizando suas práticas
na sociedade civil e na aparelhagem Estatal.
Professores funcionais ao capital “produzem” alunos que também serão
funcionais ao capital, na medida em que são os responsáveis por transmitir à futura
geração a cultura historicamente elaborada pela humanidade (apenas se luta por aquilo
que se conhece). As demandas do capital primam por outro tipo de professor, mais
prático e desintelectualizado, pois
82
o professor faz a formação e também a conformação da
próxima geração de trabalhadores e, por esta razão, é
considerado, a nosso ver, estratégico para o projeto do
capital, não para promover as alardeadas habilidades e
competências nos educandos, mas efetivamente para
monitorá-las, transformando-se em tecnologia de baixo
custo na execução do que vêm sendo considerado
“governo à distância”. Embora o discurso apologético
dos burocratas educacionais justifique a ênfase na
gestão pelo argumento da busca de eficácia para a
melhoria da educação, lidamos com a hipótese de que o
objetivo primordial desta política não é o
aprimoramento do professor ou da educação. Seu alvo é
a gestão da pobreza. (SHIROMA; EVANGELISTA,
2004, p. 11)
As autoras consideram que o professor é um elemento estratégico para o capital
na medida em que controla aquilo que os futuros trabalhadores aprenderão, mesmo que
esse aprendizado se restrinja a aprender a aprender. Na visão das autoras,
O que se ambiciona é administrar os profissionais da
educação, transformando a escola num espaço capaz de
acondicionar segmentos sociais que, supostamente,
poriam em risco os interesses dominantes na divisão
internacional do trabalho [...]. A classe dominante
orienta que se gerencie o professor e que este monitore
os segmentos sociais capazes de subverter o sistema
capitalista (SHIROMA; EVANGELISTA, 2004, p. 11).
Concomitantemente ao fato de encontramos os professores em um processo de
desintelectualização, segundo os relatos, os alunos enfrentam um processo de
“desescolarização”70
, onde não se apropriam do que a humanidade produziu, ou seja,
não obtêm os conhecimentos essenciais de cada série/ano. Os dados do IBGE mostram
“que oito entre dez crianças que não sabem ler e escrever estão na escola” (NETO,
2009, p.24).
Os professores, ao serem entrevistados, foram unanimes ao afirmar que a
maioria dos alunos não se apropria dos conteúdos da série/ano em estão freqüentando e
não dispõem de muitos conteúdos anteriores. Essa realidade se agrava a cada ano e, no
entanto não existe um espaço para discutir esse assunto na escola, entre os docentes de
diferentes anos e disciplinas, ou seja, não existe um planejamento em conjunto, não há
um momento de discussão coletiva. Fato que podemos observar nas falas de Júlia e
Francisca:
70
Termo usado por Dias-da-Silva (2008), para explicar o atual caos enfrentado pelos alunos das escolas
públicas.
83
Cada ano está mais difícil, sempre têm aqueles alunos
que são bons, ou porque já são assim, outros porque tem
o auxilio do pai da mãe a família sempre cobrando. E
tem aqueles que não têm o auxilio de ninguém, o que
deu para ele na sala é ele sozinho. A nossa clientela é
pobre, as crianças vivem praticamente sozinhas no
mundo, tem criança que passa a semana toda com a
mesma roupa.
Tem que estar sempre voltando nos conteúdos,
lembrando que já estudaram. Poucos alunos
acompanham os conteúdos, acho que 1% e o resto tem
que estar sempre relembrando. Têm dias que eu consigo
falar e o aluno entender, tem dia que a gente fala e eles
não estão nem aí, parece que não assimilaram nada, nem
a atividade eles conseguem fazer, é um caso ou outro,
numa sala com 30, 2 ou 3 entenderam o resto não
entendeu nada, esse dia não é produtivo.
De acordo com os relatos, o planejamento é prioritariamente sobre a apostila e
não ocorre em conjunto de toda a unidade escolar, fatos que podem estar contribuindo
para a desintelectualização dos professores e desescolarização dos alunos.
Não me lembro de um dia planejarmos juntos, é só entre
os professores de cada ano e a coordenadora do SOME71
(Cristiane).
Bom, os professores das disciplinas específicas
participam de reuniões junto com os professores da
mesma disciplina na SME. (JOSÉ)
A gente até conversa na hora do recreio, mas se reunir
para planejar não. (FERNANDA)
Nos anos iniciais do ensino fundamental têm professoras que trabalham nos dois
turnos com a mesma série, sendo assim o planejamento ocorre apenas entre o professor
e a coordenadora. Nos anos finais do ensino fundamental o planejamento ocorre entre os
professores das diferentes escolas municipais de uma determinada disciplina e os
coordenadores. Percebe-se que com essa organização, além de não haver um
planejamento coletivo, existe um incentivo a individualidade, fator de suma importância
na política neoliberal. Segundo Martins (2009), a falta de um trabalho coletivo pode
levar os indivíduos a não perceberem um conjunto de problemas e necessidades no
mundo.
Juntamente com todo esse contexto funcional ao capital, outro fator que pode
estar contribuindo com o processo de desintelectualização dos docentes é a falta de
tempo, visto que, “os professores precisam se aprimorar de muito mais conhecimentos
71
Para cada escola do município foi contratada uma coordenadora do SOME, que realiza a distribuição
do material na escola, além de organizar o planejamento pedagógico na unidade escolar. Também existe
uma coordenadora geral na secretaria de educação.
84
sobre a realidade social e escolar para interpretarem sua prática” (DIAS-DA-SILVA,
2004, p.434). Os professores afirmam não terem um momento adequado para
dedicarem-se as leituras e estudos para enfrentar a realidade do trabalho escolar, como
podemos observar nas falas de Cristiane e Fernanda:
Não tenho hora atividade, sempre levo trabalho para
casa, tenho trabalho todos os dias para não acumular,
umas duas horas por dia, com descrições, avaliações,
prova, planejamento de aula... A gente tem que dar
conta, não importa quanto tempo leve, esquece até de ti
e do teu lazer, em função do trabalho.
Tenho trabalho em casa todo sábado, eu trabalho 40
horas cheias, em duas etapas com diferentes disciplinas,
é muita coisa. Pra receber um salário melhor tem que ter
a carga cheia. Tenho dor de cabeça constante, dores no
ombro, fui ao médico, precisei me afastar.
Quando questionados em relação ao quanto o trabalho educativo pode estar
contribuindo com a transformação social, ampla e emancipatória referenciada por
Mészáros, houve um estranhamento na reação dos professores, alguns não
compreenderam a pergunta, foi possível identificar nos depoimentos a dificuldade dessa
relação,
Poucos alunos vão levar alguma coisa da escola para a
vida futura. Quase não tem tempo para um debate.
(FERNANDA)
Dentro do conteúdo até trabalho questões políticas, mas
fora isso não, só quando o conteúdo leva para um
assunto desses. Até trabalho levando eles a pensar lá na
frente, vai do aluno entender isso ou não.
(FRANCISCA)
Eles são muito pequenos, agente até trabalha valores,
ser educado, ser honesto, procuro trabalhar contra a
violência, conforma as necessidades do dia a dia.
(CRISTIANE)
Nas falas observa-se a falta da relação entre o trabalho educativo e uma
transformação social, com um professor desintelectualizado, a educação torna-se
instrumento funcional ao capital. Buscando um contraponto a essa realidade
[...] a formação docente é um processo de formação
intelectual e cultural que envolve aspectos de natureza
ética e política [...] Professores não são práticos,
professores são intelectuais! Professores não são apenas
indivíduos que reproduzem o senso comum partilhado
por saberes oriundos de seu agir cotidiano alienado.
(DIAS-DA SILVA, 2004, p.436)
Também é necessário ter a clareza que a formação intelectual dos professores
que irão formar alunos, na luta pela transformação social, não é fator único e decisivo,
85
pois “não podemos continuar hiper-responsabilizando os professores e sua formação
pelos equívocos das recentes reformas educacionais brasileiras” (DIAS-DA-SILVA,
2004, p.443). Em suma, a adoção desse “sistema de ensino” reafirma o sistema
capitalista e apresentam como público o que não pertence aos trabalhadores.
4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A pesquisa apresentada teve como horizonte apontar “mais uma” das estratégias
contemporâneas de dominação da “nova” pedagogia da hegemonia, a relação público-
privada na educação, através de um “sistema apostilado de ensino”. Para tanto, o
presente estudo buscou compreender o contexto em que se deu a mercantilização da
educação.
Neste trabalho indicou-se que o processo de reestruturação produtiva impactou o
trabalho docente, onde a precarização do trabalho escolar reproduz a precarização do
trabalho de forma geral. Sendo a produção material o pressuposto determinante, mas
86
não único, da vida em sociedade, as transformações ocorridas nesse âmbito trazem
rebatimentos para as relações sociais. Nesse contexto, o trabalho docente foi
reconfigurado, com o objetivo de formar o “cidadão de novo tipo”, através do
“professor de novo tipo”, figura essencial para a nova pedagogia da hegemonia.
O presente estudo também apresenta o projeto neoliberal de sociedade, pensado
como “alternativa” em resposta a crise do capital. Os princípios neoliberais são
apresentados por Hayek, que traz ideias fundamentais de mercado, individualismo e
liberdade. A teoria neoliberal defende que a crise não é do sistema capitalista e sim do
Estado. Nessa configuração, houve uma redefinição da função do Estado, em especial a
partir da Reforma do Estado brasileiro, em conjunto com ações específicas por parte do
empresariado.
Com a expansão mundial das esferas produtivas e financeiras – inovação
tecnológica, internacionalização da produção e das finanças – apresentada por alguns
autores como Globalização, entendida com estratégia política e cultural, o sistema
capitalista atingiu um alto grau de desenvolvimento, abrigando diversas contradições,
próprias da lógica do sistema capitalista.
Nesse contexto, depois de atingir todos os continentes, os fundamentos
neoliberais apresentaram inúmeros insucessos, demonstrando os limites do sistema
capitalista. Assim, houve a necessidade de redefinições nos planos econômicos,
políticos e nos padrões da sociedade. Surgindo os debates sobre a Terceira Via, tendo
como principal teórico Anthony Giddens, levando em conta os interesses da classe
dominante e tentando administrar os conflitos intra e inter classe. O autor apresenta as
principais áreas de reforma estrutural que essa via sugere, a Reforma do Governo e do
Estado e a compreensão do papel central da sociedade civil. A política da Terceira Via
procura viabilizar um novo tipo de relacionamento entre individuo e comunidade,
defende o que denominaram de nova economia mista entre o setor público e privado.
Entre outras medidas para a manutenção do capital, o fato de empresas privadas
interferirem em ações e políticas sociais é a partir de ações do Estado, sendo esse um
dos fatores essenciais para atuação dessas organizações no cotidiano da sociedade, onde
a pedagogia da hegemonia utiliza-se de diversas estratégias para sua manutenção.
No âmbito educacional, a relação público-privada apresenta-se de diferentes
formas, entre elas a oferta de um produto de mercado pela iniciativa privada às
prefeituras, denominados “sistemas de ensino”, incluindo material didático e formação
continuada.
87
Com o objetivo de compreender como tal parceria se materializa no interior da
escola, em especial no cotidiano do trabalho docente, foram realizadas entrevistas com
professores da rede municipal de Imbituba, que contratou em 2009 o SOME. A análise
realizada considerou as seguintes categorias de conteúdo: organização do trabalho
docente, intensificação do trabalho docente e desintelectualização do professor.
A adoção do SOME incidiu diretamente sobre o trabalho daqueles docentes,
alterando sua organização e sua prática pedagógica. Segundo dados da literatura, ações
padronizadas levam a determinar as condições em que o professor realiza suas
atividades juntamente com um controle de seu trabalho.
Inúmeros fatores vêm contribuindo com a intensificação do trabalho docente, e a
partir do estudo foi possível verificar que a adoção do “sistema apostilado” é mais um
desses fatores. Os professores entrevistados afirmam terem que abordar todo conteúdo
do material adotado pela SME e adaptar para sua realidade. No entanto, o tempo
disponível não é suficiente, as condições materiais são precárias e a desescolarização
dos alunos é cada vez maior.
O estudo aponta que a partir do contrato com o SOME, intensifica-se um
processo de controle e alienação dos professores, em especial a partir dos cursos de
formação organizados pela empresa. Onde se dissemina, entre outras idéias, o poder do
indivíduo na resolução dos problemas, fato que, de acordo com a literatura, contribui
para a consolidação da hegemonia burguesa. Juntamente com esse contexto funcional ao
capital, os professores afirmam não terem um momento remunerado para dedicarem aos
estudos.
Cabe ressaltar que a partir da análise das entrevistas não foi possível identificar
uma relação entre o trabalho educativo e uma transformação social, ampla e
emancipatória referenciada por Mészáros. A adoção desse sistema reafirma o sistema
capitalista.
Aponta-se a necessidade constante de investigação crítica, visto que as
condições materiais postas dificultam a realização de um trabalho pedagógico
socialmente amplo e emancipatório para além do capital. É por isso que é necessário
romper com a lógica do capital, uma prática revolucionária necessita de uma teoria
revolucionária, mas a revolução se faz na prática, nas ações, ela é práxis social
(MARX). Pensar a educação para além do capital é “pensar a sociedade tendo como
parâmetro o ser humano exige a superação da lógica desumanizadora do capital, que
89
REFERÊNCIAS
ACORDI. 10 anos de luta pela manutenção e reconhecimento do território
tradicional dos areais da ribanceira. IX Feira da Mandioca de Imbituba: Imbituba,
2012.
ADRIÃO, Theresa; GARCIA, Teise; BORGHI, Raquel; ARELARO, Lisete. Uma
modalidade peculiar de privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas
de ensino” por municípios paulistas. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 30, n.
108, p. 779-798, out. 2009.
ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels. 1. ed.
Editora Expressão Popular. São Paulo, 2004.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 11. ed. Cortez. Campinas, 2006.
ARELARO, Liste R. G. Formulação e implementação das políticas públicas em
educação e as parcerias público-privadas: impasse democrático ou mistificação
política. Educação e Sociedade, vol. 28, n. 100 – Especial, p.899-919, 2007.
ARRUDA SAMPAIO Jr., Plínio de. Capitalismo do século XXI: crise e barbárie. In:
Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da crise econômica mundial. São Paulo:
Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2009.
ASSUNÇÃO, Ada Ávila; OLIVEIRA, Dalila Andrade. Intensificação do trabalho e
saúde dos professores. Educação e Sociedade. Campinas v.107, p. 77-99, 2009.
BALL, Stephen J. Performatividade, privatização e o pós-Estado do bem-estar.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1105-1126, set. dez. 2004.
BARBOSA, Sandra Jaqueline; Da SILVA, Maria Abádia. A intensificação do
trabalho docente na escola pública. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade
de Educação da Universidade de Brasília. Brasília, 2009.
BEZERRA, Egle Pessoa. Parceria público-privada nos municípios de Brotas e
Pirassununga: estratégias para a oferta do ensino? 181 f. 2008. Dissertação
(Mestrado em Políticas e Gestão de Organizações Educacionais) – Universidade
Estadual Paulista (Unesp), Rio Claro, 2008.
BRASIL. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1992.
______. Ministério de Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, 1995.
______.Emenda Constitucional n. 14. Brasília, 1996.
______. Plano Nacional de Educação (proposta Inicial dos Procedimentos a serem
seguidos). Brasília: MEC/INEP, 1997.
90
______. Lei 9.394 (Estabelece as diretrizes e Bases da Educação Nacional). Diário
Oficial da União, 1996.
______. Lei 11.114. Brasília, 2005.
______.Lei 11.274. Brasília, 2006.
______.Emenda Constitucional n.53. Brasília, 2006.
______. Movimento Todos pela Educação 2006-2009. www.todospelaeducacao.org.br
(acesso em 08 de maio de 2012).
______. Censo escolar da educação básica. Brasília: MEC/Inep, 2009a.
______. Sinopse do professor da educação básica. Brasília: MEC/Inep, 2009b.
BOLLMANN, Maria da Graça Nóbrega. Sociedade civil e educação no Brasil:
desafios dos Congressos Nacionais de Educação (CONED). In: Eduardo Búrigo de
Carvalho e Gilvan Luiz Machado Costa (orgs). Educação: questões contemporâneas.
Florianópolis: Insular, 2006.
BUONICORE, Augusto César. A formação do Estado Burguês no Brasil. In: Silvio
Costa e org. Concepções e Formação do Estado Brasileiro. São Paulo: A. Garibaldi –
UCG, 2º edição, 2004.
BURBULES, Nicholas; TORRES, Carlos Alberto. Globalização e Educação: uma
introdução. In: Nicholas Burbules e Carlos Alberto Torres (orgs.). Globalização e
Educação – Perspectivas Críticas. Artmed Editora, Porto Alegre, 2004.
CAMPOS, Roselane Fátima; SHIROMA, Eneida Oto. O resgate da escola nova pelas
reformas educacionais contemporâneas. R. bras. Est. pedag., Brasília, v.80, n. 196, p.
483-493, set/dez. 1999.
COSTA, Áurea. Entre a dilapidação moral e a missão redentorista: o processo de
alienação no trbalho dos professores do ensino básico brasileiro. In: COSTA, Áurea;
NETO, Edgar Fernandes; SOUZA, Gilberto. A proletarização do professor:
neoliberalismo na educação. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann,
2009.
COSTA, Edmilson. A globalização e o capitalismo contemporâneo. 1. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: elementos metodológicos
para uma teoria crítica do fenômeno educativo. 5. ed. São Paulo: Cortez: Autores
Associados. 1992.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Um novo movimento da Educação Privada. In Thereza
Adrião e Vera Peroni (organizadoras). Público e Privado na Educação: novos elementos
para o debate. São Paulo: Xamã, 2008.
91
Da SILVA, Maria Abádia. Qualidade social da educação pública: algumas
aproximações. Cad. Cedes, Campinas, vol.29, n.78, p.216-226, mai/ago. 2009
DIAS DA SILVA, Maria Helena Galvão Frem. A fragilização da escola pública, a
glorificação dos saberes docentes e a minimização do conhecimento educacional.
Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas – XIV ENDIPE, Porto
Alegre, 2008.
DONNANGELO, M. Cecilia F. e PEREIRA, Luiz. Saúde e sociedade. São Paulo:
Duas cidades, 1976.
ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em
homem. In: Ricardo Antunes (org.). A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels.
1. ed. Editora Expressão Popular. São Paulo, 2004.
______. Do socialismo utópico ao socialismo científico. 2º ed. São Paulo: Editora
Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.
FALLEIROS, Ialê; PRONKO, Marcela Alejandra; OLIVEIRA, Maria Teresa
Cavalcanti. Fundamentos históricos da formação/atuação dos intelectuais da nova
pedagogia da hegemonia. In: Lúcia Maria Wanderley Neves (organizadora). A direita
para o social e a esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia
no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.
FREITAS, Helena Costa Lopes de. A (nova) política de formação de professores: a
prioridade postergada. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n.100 – Especial, p.
1203-1230, out. 2007.
FRIGOTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re)exame das
relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. São Paulo: Cortez:
Autores associados, 1984.
FRIGOTO, Gaudêncio; CIAVATA, Maria. In: FRIGOTO, Gaudêncio; CIAVATTA,
Maria (org.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro : DP&A,
2005, 2. Ed.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 2. Os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o
futuro da social-democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de
Janeiro: Record, 1999.
GIDDENS, Anthony (org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger
Maoli dos Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
GIFE. www.gife.org.br (acesso em 05 de dezembro de 2011).
92
HARVEY, David. A condição Pós-Moderna. Editora Loyola, 1992.
HAYEK, Friedrich August. O caminho da servidão. Tradução e revisão Anna Maria
Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane Morais Ribeiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Expressão e
Cultura; Instituto Liberal, 1990.
IASI, Mauro Luis. Meta amor fases: coletânea de poemas. 2. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
ISCHINGER, Barbara. In: Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de
Santa Catarina, Brasil. OCDE, 2010.
KELLNER, Douglas. A globalização e os novos movimentos sociais: lições para a
Teoria e a Pedagogia Crítica. In: Nicholas Burbules e Carlos Alberto Torres (orgs.).
Globalização e Educação – Perspectivas Críticas. Artmed Editora, Porto Alegre, 2004.
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa. O neo-liberalismo em ataque ao
ensino público. Tradução Maria Luiza M. de Carvalho e Silva. Londrina: Editora
Planta, 2004.
LEHER, Roberto. Estado e educação na perspectiva da classe trabalhadora. V
EBEM, USFC: Florianópolis, 2011.
LIMA, KÁTIA Regina de Souza. Organismos internacionais: o capital em busca de
novos campos de exploração. In: Lúcia Maria W. Neves (organizadora). O
empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos
1990. São Paulo: Xamã, 2002.
LOPES, Kátia de Carvalho. Educação Pública como Nicho de Investimento Social
Privado. Dissertação de Mestrado em Educação do Centro de Ciências da Educação da
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010.
MANCEBO, Deise. Agenda de pesquisa e opções teórico-metodológicas nas
investigações sobre o trabalho docente. Educação e Sociedade. Campinas v.28, p.
466-482, 2007.
MARIN, Alda Junqueira. Contribuição teórico-conceitual sobre trabalho docente.
Trabalho docente na educação básica em Santa Catarina, UFSC: Florianópolis, 2011.
MARTINS, André Silva. A direita para o social: a educação da sociabilidade no
Brasil contemporâneo. Juiz de Fora: UFJF, 2009.
MARTINS, André Silva; NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A nova pedagogia da
hegemonia e a formação/atuação de seus intelectuais orgânicos. In: Lúcia Maria
Wanderley Neves (organizadora). A direita para o social e a esquerda para o capital:
intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.
MARX, K. Introdução à crítica da economia política. In: Os pensadores. Editora
Nova Cultural, São Paulo, 1999.
93
______. Salário, preço e lucro. In: Ricardo Antunes (org.). A dialética do trabalho:
Escritos de Marx e Engels. 1. ed. Editora Expressão Popular. São Paulo, 2004.
______. O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo
Sant’Anna. 25º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. Editora Martin Claret,
2004.
______. A ideologia Alemã. Editora Martin Claret, 2007.
MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. Tradução Isa Tavares. 2. ed.
São Paulo: Boitempo, 2008. (Mundo do trabalho).
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Reformas de ensino, modernização
administrada: a experiência de Francisco Campos – anos vinte e trinta. Florianópolis: UFSC, Centro de Ciências da Educação, Núcleo de Publicações, 2000.
NETO, Edgar Fernandes. O fracasso dos planos neoliberais na educação brasileira.
In: COSTA, Áurea; NETO, Edgar Fernandes; SOUZA, Gilberto. A proletarização do
professor: neoliberalismo na educação. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa
Sundermann, 2009.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O neoliberalismo e a redefinição das relações
Estado-sociedade. In: Lúcia Maria W. Neves (organizadora). O empresariamento da
educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo:
Xamã, 2002.
______.A direita para o social e a esquerda para o capital: intelectuais da nova
pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.
OBJETIVO. www.objetivo.br/some (acesso em 09 de julho de 2012).
OCDE. Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina,
Brasil. 2010.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza.
Editora Vozes: Petrópolis, 2000.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. A reestruturação do trabalho docente: precarização e
flexibilização. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1127 – 1144, set.
dez. 2004.
OLIVEIRA, Dalila Andrade; MELO, Savana Diniz Gomes. Mudanças no trabalho e
na luta docente na Argentina e no Brasil. Revista Adusp, janeiro de 2010.
PAULO NETTO, José. Introdução ao estudo do método de Marx. 1 ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
94
PNE: Plano Nacional de Educação – Proposta da sociedade brasileira. Universidade
e Sociedade, ano VIII, n. 15, fevereiro, 1998.
PEREIRA, Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de
controle. Lua Nova, São Paulo, n.45, p.49-95, 1998.
PERONI, Vera. A relação público/privado e a gestão da educação em tempos de
redefinição do papel do Estado. In: Theresa Adrião e Vera Peroni (organizadoras).
Público e Privado na Educação: Novos elementos para o debate. São Paulo: Xamã,
2008.
PERONI, Vera Maria Vidal; OLIVEIRA, Regina Tereza Cestari; FERNANDES, Maria
Dilnéia Espíndola. Estado e Terceiro Setor: As novas regulações entre o público e o
privado na gestão da educação básica brasileira. Educação e Sociedade. Campinas,
vol. 30, n. 108, p. 761-778, out. 2009.
PONTE, Fernando. Estado e educação na perspectiva da classe trabalhadora. V
EBEM, USFC: Florianópolis, 2011.
RODRIGUES, José. In: FRIGOTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (org.). A
experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro : DP&A, 2005, 2. Ed.
ROSAR, Maria de Fátima Félix; SOUSA, Miriam Santos de. A Municipalização do
ensino em questão: recosntrução histórica de políticas educacionais no Brasil. In:
Anais do IV Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e
Educação no Brasil”. Unicamp, Campinas: 1997.
SAMPAIO, Maria das Mercês Ferreira; MARIN, Alda Junqueira. Precarização do
trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares. Educação e
Sociedade, vol. 25, n. 89, p.1203 – 1225. Campinas, set./dez. 2004.
SANTOS, Lucíola Licineo de C. P. Formação de professores na cultura de
desempenho. Educação e Sociedade, vol. 25, n. 89, p.1145-1157. Campinas, set./dez.
2004.
SAVIANI, Dermeval. Da Nova LDB ao Plano Nacional de Educação: Por uma
outra política educacional. 2. Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
______. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. 9. ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2005.
______. O plano de desenvolvimento da educação: análise do projeto do MEC.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100 – Especial, p. 1231-1255, out. 2007.
______. Da nova LDB ao FUNDEB. 3. Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.
SANTOS, Lúciola. Licínio de C. P.; OLIVEIRA, Dalila Andrade. A intensificação do
trabalho docente e a emergência de nova divisão técnica do trabalho na escola. InterMeio: revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, Campo Grande, MS,
v. 15, n. 29, p. 32-45, jan/jun. 2009.
95
SHIROMA, Eneida O.; EVANGELISTA, Olinda. A colonização da utopia nos
discursos sobre profissionalização docente. Perspectiva, Florianópolis, v.22, n.2,
p.525-545, jul./dez.2004.
SILVA, Maria Abádia da. Qualidade social da educação pública: algumas
aproximações. Cad. Cedes, Campinas, vol. 29, n. 78, p. 216-226, maio/ago.2009.
SOUZA, Gilberto P. de. Das luzes da razão à ignorância universal. In: COSTA,
Áurea; NETO, Edgar Fernandes; SOUZA, Gilberto. A proletarização do professor:
neoliberalismo na educação. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann,
2009.
SOUZA, Maria Inêz Salgado de. Os empresários e a educação. O IPES e a política
educacional após 1964. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
SOUZA, Fernando Ponte de. Estado e educação na perspectiva da classe
trabalhadora. V EBEM, USFC: Florianópolis, 2011.
TEODORO, António. Globalização e educação: políticas educacionais e novos
modos de governação. Porto – Portugal: edições afronatmento, 2003.
TORRES, Regina. M. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do
Banco Mundial, In TOMMASI, L. (org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais.
3 ed. São Paulo. Editora Cortez, 2000.
TURMINA, Adriana Cláudia. Auto-ajuda nas relações de trabalho: a
(com)formação de um trabalhador de novo tipo. Tese de Doutorado em Educação do
Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2010.
UNESCO. Declaração Mundial de Educação para Todos. Jomtiem, Tailândia, 1990.
UNESCO. O Marco de ação de Dakar. Brasília: Unesco, CONSED, Ação Educativa,
2001.
WACHOWICZ, Lílian Anna. A dialética na pesquisa em educação. Revista Diálogo
Educacional – v. 2 – n. 3 – p. 171-181 – jan/jun. 2001.
97
ANEXO A – Questionário
1) NOME:
2) SEXO:
( ) Feminino ( ) Masculino
3) QUAL SEU ANO DE NASCIMENTO?
R:
4) QUAL É A SUA FORMAÇÃO? INSTITUIÇÃO?
R:
5) HÁ QUANTO TEMPO VOCE TRABALHA COM EDUCAÇÃO? E NA ESCOLA
MUNICIPAL JOSÉ VANDERLEI MAYER?
R:
6) VOCÊ É CONCURSADO OU ADMITIDO EM CARATER TEMPORÁRIO
(ACT)?
R:
7) TRABALHA EM OUTRA ÁREA FORA DA EDUCAÇÃO?
8) QUAL SUA CARGA HORÁRIA TOTAL DE TRABALHO POR SEMANA?
QUANTAS HORAS/AULA LECIONA EFETIVAMENTE?
R:
9) EM QUANTAS REDES DE ENSINO? ESCOLA PARTICULAR? EM QUANTAS
ESCOLAS? QUAIS OS TURNOS? EM QUANTAS TURMAS? COM QUANTOS
ALUNOS EM MÉDIA POR TURMA?
R:
10) QUAIS DISCIPLINAS LECIONA E PARA QUAL ANO?
R:
98
11) VOCE ACEITA PARTICIPAR COMO DEPOENTE NA PESQUISA QUE
ESTOU REALIZANDO COM PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL,
COM O OBJETIVO DE ANALISAR AS CONDIÇÕES EM QUE ESTES
PROFISSIONAIS REALIZAM SEU TRABALHO DOCENTE? (EM CASO
AFIRMATIVO INFORMAR O NÚMERO DO TELEFONE PARA ESTARMOS NOS
ENCONTRANDO PARA REALIZARMOS UMA ENTREVISTA).
99
ANEXO B – Caracterização dos docentes
SEXO MASCULINO FEMININO
5 19
ANO DE
NASCIMENTO
DE 1960 ATÉ 1969 DE 1970 ATÉ 1979 DE 1980 ATÉ 1989
9 10 5
TEMPO DE
TRABALHO
DOCENTE
MENOS DE
5 ANOS
ENTRE 5 E 9
ANOS
ENTRE 10 E
20 ANOS
ACIMA DE
20 ANOS
3 6 11 3
FORMAÇÃO
EM NÍVEL
SUPERIOR
GRAD. EM
CURSO
GRAD. ESP. MES. DOU.
1 23 5 1 0
ADMISSÃO CONCURSADO ACT CONCURSADO E ACT
10 11 3
100
CARGA
HORÁRIA
SEMANAL
20 HORAS 40 HORAS 50 HORAS 60
HORAS
8 12 2 2
CARGA
HORÁRIA
SEMANAL EM
SALA
16 HORAS 20 HORAS 32 HORAS 40
HORAS
MAIS
DE 40
HORAS
3 6 7 6 2
REDE MUNICIPAL MUNICIPAL
E PRIVADA
MUNICIPAL E
ESTADUAL
2 MUNICÍPIOS
14 2 7 1
NÚMERO DE
ESCOLAS
1 2 3 4
10 13 0 1
TURNOS 1 2 3
6 11 7
NÚMERO DE
TURMAS
1 2 4 ENTRE
10 E 20
MAIS
DE 20
4 5 3 10 2
101
TRABALHA EM SALA
DE AULA
APOIO
PEDAGÓGICO
SALA DE AULA E
APOIO
PEDAGÓGICO
APOIO
PEDAGÓGICO E
SECRETARIA
20 2 1 1
LECIONA SÉRIES
INICIAIS
SÉRIES
FINAIS
TODAS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
SÉRIES
FINAIS E
ENSINO
MÉDIO
SÉIRES
FINAIS E
TUTORIA
EAD
SÉRIES
INICIAIS
E CEI
8 4 6 4 1 1
NÚMERO DE
DISCIPLINAS
1 2 MAIS DE 3
6 5 13
TRABALHA
EM OUTRA
ÁREA
SIM NÃO
1 23
102
ANEXO C – Roteiro da Entrevista
1ª Parte: Quem é o professor:
Estado civil
Número de filhos
Idade dos filhos
Onde mora (se é na mesma comunidade onde dá aulas)
2ª parte: Formação
Qual foi a instituição onde fez sua formação inicial (nome, local e se é pública/privada)
Se tem cursos de pós-graduação (saber qual o nível, se é na mesma área, qual
instituição, ou se está cursando, ou se pretende cursar e qual é o local)
Quais diferenças observou do que foi ensinado no curso de formação inicial e o início
da docência/ Iniciou iludido/ Sentia-se preparado/
Há momentos de formação na própria escola ou fora dela?
Se participa de cursos de formação continuada/Se a secretaria municipal de educação
(SME) promove cursos/ quais os temas em geral/ quem são os responsáveis pelo
conteúdo dos cursos/ Há relação entre os responsáveis e a organização da educação
municipal/ se participa/ se estão de acordo com as necessidades/ se influencia no seu
trabalho/ se participa de outros cursos que não tem relação com o SME
Ao longo do ano a SME oferece alguma “palestra especial”/quais os temas
Gostaria de acrescentar mais elementos sobre sua formação?
3ª parte: Condições de trabalho
Como são as condições de trabalho na escola: estrutura física (condição e preservação
do prédio), número de alunos por sala; recursos materiais (se tem sala de informática,
auditório, sala de audiovisuais, se tem biblioteca); se tem local para
recreação/esportes/lazer; como é a segurança na escola;
Se tem alunos com necessidades especiais, como é o trabalho com eles, se tem ajuda
para este tipo de trabalho/ qual é a formação de quem acompanha esse aluno
Quais recursos didáticos estão disponíveis na escola? Participou da escolha? Como vê o
seu uso/ se tem conhecimento da história da empresa que oferece esse “sistema de
103
ensino” /se tem conhecimento sobre apostilas em outras redes? Quais os limites do
material? Vê possibilidades?
Como são as relações com os professores, alunos, direção/ secretaria de educação/
sindicato/ associação de pais
Participação no projeto político-pedagógico da escola/ na escolha do material didático
Em relação aos conteúdos da apostila, se concorda com a apresentação dos mesmos/ se
os conteúdos contemplam as necessidades locais/ se existe uma cobrança para seu uso/
se preferia o livro didático.
Como se dá a avaliação dos alunos/ como avalia a gestão da escola/ se existe alguma
avaliação docente/ se existe algum tipo de bonificação para os docentes
Se existe um planejamento coletivo/ com professores de diferentes anos e disciplinas
Se de alguma forma o uso das apostilas interfere na sua autonomia/se prefere organizar
seu próprio material
Como avalia o desempenho dos alunos no decorrer de sua carreira e os reflexos no
ensinar/ se no inicio do ano apropriaram-se dos conteúdos do ano anterior
Com o uso das apostilas a maioria dos alunos acompanha o desenvolvimento dos
conteúdos/ se os exercícios estão de acordo/ de modo geral ajuda ou atrapalha
Se prepara os alunos para uma “transformação” social/ o que entende por isso/ o que
dificulta isso
Como avalia a participação dos pais no desenvolvimento dos filhos
Você se sente cobrado? Por quem?
Como se sente em relação ao salário recebido e como isso influencia seu trabalho. Você
vê relação do uso de apostilas com a formação do professor e com sua remuneração?
Tem reflexos sobre a valorização do professor?
Se tem hora/atividade remunerada, se é suficiente para realizar o trabalho, se precisa
levar trabalho para casa e o quanto tempo leva para elaborar as aulas e corrigir provas e
trabalhos
E sua jornada de trabalho? Ela é extensa? Intensa? Tem relação com o salário? O uso de
apostilas influencia no tempo dedicado as aulas? Diminui suas tarefas/funções?
Como é a sua qualidade de vida? (se tem tempo para praticar exercícios, se tem tempo
para atividades de lazer e quais são elas, se esteve doente recentemente, se tem alguma
doença crônica, se isso tem relação com a profissão, se precisou se afastar da sala de
aula).
104
4ª parte: Identidade Docente
Para você, o que é educação?
Por que escolheu o magistério?
Segue uma tendência pedagógica?
Como avalia a atual situação da Educação?
Como analisa a carreira docente?
Como é a atuação do sindicato?
O que prejudica o seu trabalho?
O que precisa ser feito para melhorá-lo?
Você consegue efetivamente ensinar? E cuidar? E politizar? As apostilas ajudam nesse
movimento? Elas favorecem um dos aspectos?
Nos próximos anos, pretende continuar como professor? Por quê?
Porque permanece na carreira docente?
105
ANEXO D – Descrição dos sujeitos
Helena: 48 anos, casada, 3 filhos, professora dos anos iniciais do ensino fundamental,
efetiva num turno e admitida em caráter temporário (ACT) no outro, ambos contratos
pela prefeitura, com 20 anos de experiência na docência, tem uma carga horária semanal
de 40 horas. Graduada em pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), com especialização pela Faculdade de Capivari (FUCAP).
Cristiana: 39 anos, casada, 3 filhos, professora dos anos iniciais, ACT, com 5 anos de
experiência, trabalha 40 horas por semana. Graduada em pedagogia pela
(UNIASSELVI), com especialização pela mesma instituição.
Francisca: 40 anos, solteira, 1 filha, professora de geografia dos anos finais e do ensino
médio na rede estadual, efetiva nas duas redes de ensino, com 16 anos de experiência,
trabalha 40 horas por semana. Licenciatura pela Universidade Federal de santa Catarina
(UFSC) e especialização pela FUCAP.
José: 32 anos, casado, professor de educação física de todos os anos do ensino
fundamental, efetivo, com 10 anos de experiência, trabalha 40 horas por semana.
Licenciatura pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e especialização pela
Gama Filho.
Júlia: 34 anos, casada, 2 filhos, professora dos anos iniciais, efetiva, com 13 anos de
experiência, trabalha 20 horas por semana. Pedagogia pela Universidade do Sul de
Santa Catarina (UNISUL) e especialização pela UNIASSELVI.
Fernanda: 47 anos, casada, 3 filhos, professora de matemática e ciências dos anos
finais do ensino fundamental e de biologia do ensino médio na rede estadual, efetiva em
ambas as redes, com 29 anos de experiência, trabalha 60 horas por semana. Licenciatura
em ciências e matemática pela UNISUL e especialização pela mesma instituição.
Marieta: 29 anos, solteira, professora dos anos iniciais, ACT nas duas redes de ensino,
1 ano de experiência, trabalha 40 horas por semana. Pedagogia pela UNISUL e
especialização pela FUCAP.