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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
LUIS GUILHERME GONÇALVES DE MORAIS
METEOROLOGIA NAS OPERAÇÕES AÉREAS: UMA VISÃO ACERCA DO
“MILAGRE DOS ANDES”
Palhoça
2020
LUIS GUILHERME GONÇALVES DE MORAIS
METEOROLOGIA NAS OPERAÇÕES AÉREAS: UMA VISÃO ACERCA DO
“MILAGRE DOS ANDES”
Projeto de pesquisa apresentado ao Curso de
graduação em Ciências Aeronáuticas, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial para elaboração da
monografia.
Orientador: Prof. Angelo Damigo Tavares
Palhoça
2020
LUIS GUILHERME GONÇALVES DE MORAIS
PROF. ANGELO DAMIGO TAVARES
Esta monografia foi julgada adequada à
obtenção do título de Bacharel em Ciências
Aeronáuticas e aprovada em sua forma final
pelo Curso de Ciências Aeronáuticas, da
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Palhoça, de de 2020
__________________________________________
Orientador: Prof. Angelo Damigo Tavares
__________________________________________
Prof.
Dedico este trabalho a minha mãe, por
servir de inspiração para continuar em busca
do meu objetivo.
AGRADECIMENTOS
A música composta por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein “You’ll never
walk alone” (você nunca caminhará sozinho) serve de inspiração e me faz realmente acreditar
que nunca caminharemos sozinhos.
Assim, agradeço as bênçãos que Deus me proporciona aos meus dias. Agradeço a
minha irmã, Heloise Carla Gonçalves de Morais, que, mesmo à distância, é o meu exemplo
por sua força e garra. Agradeço a minha mãe, Maria Zelmar Pereira, por em nenhum
momento desacreditar no meu potencial.
Minha gratidão vai a todos os meus instrutores que me ajudaram na evolução da
minha jornada como piloto. Em especial, agradeço ao meu primeiro instrutor teórico de
meteorologia que me fez apaixonar ainda mais pelo assunto, com certeza suas aulas e seus
conselhos me fizeram escolher o tema para esse trabalho. Muito obrigado, Leandro Holsback
Serejo.
Por fim, agradeço ao meu Professor orientador, Angelo Damigo Tavares, que me
ajudou com a parte técnica e estrutural da monografia.
“Tive um momento de calma e clareza, e dentro dessa clareza de pensamento, descobri um
segredo e aterrador: a morte tem um oposto, mas ele não é apenas a vida. Não é a coragem, a
fé ou a vontade humana. O oposto da morte é o amor” (PARRADO, 1972, p 142).
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo de demonstrar de qual maneira a meteorologia interfere na
operação aérea na região dos Andes. A pesquisa caracterizou-se como explicativa com
procedimento bibliográfico e documental por meios de livros, manuais e regulamentos, a
abordagem utilizada foi quantitativa e qualitativa. Nessa proposta, ofereceu-se uma
abordagem sobre os fenômenos meteorológicos decorrentes as grandes formações orográficas
como - ondas de montanhas, correntes de jatos, efeito fohen e turbulência de céu claro - e as
suas consequências para operadores e pilotos que voam nessas regiões. Por meio de cartas e
boletins meteorológicos dos Aeroportos de Santiago (SCEL) e Mendoza (SAME), explicou-se
como é o funcionamento do ábaco de Harrison, importante ferramenta utilizada para a
definição de existência de turbulência no planejamento de voos na cordilheira dos Andes.
Abordaram-se aspectos operacionais como despressurização e perda de motor em uma região
com meteorologia adversa para melhor entender o estudo de caso do acidente popularmente
conhecido como “O milagre dos Andes”, onde foram levantadas hipóteses para os fatores
contribuintes desse evento. Acredita-se que os ventos fortes e meteorologia adversa foram os
motivos da desorientação espacial da tripulação naquela ocasião. Os resultados pertinentes ao
ábaco de Harrison apontaram que a diferença de pressão não pode ser considerada o único
fator para a existência de turbulências.
Palavras-chave: Cordilheras dos Andes. Ondas de montanhas. Ábaco de Harrison. Milagre
dos Andes.
ABSTRACT
This final paper demonstrates how meteorology interferes with air operations in the Andes
region. The research was characterized as explanatory with bibliographic and documentary
procedures by means of books, manuals and regulations, the approach used was quantitative
and qualitative. In this proposal, an approach was offered on meteorological phenomena
arising from large orographic formations such as - mountain waves, fohen effect and clear sky
turbulence - and their consequences for operators and pilots flying in these regions. Through
maps and weather reports from Santiago Airport (SCEL) and Mendoza (SAME), it was
explained how Harrison's abacus works, an important tool used to define the existence of
turbulence in the planning of flights in the Andes mountain range . Operational aspects such
as depressurization and engine loss in a region with adverse weather were approached to
better understand the case study of the accident popularly known as “The Miracle of the
Andes”, where hypotheses were raised for the contributing factors of this event. Strong winds
and adverse weather are believed to be the reasons for the crew's spatial disorientation at that
time. The results pertinent to Harrison's abacus pointed out that the pressure difference cannot
be considered the only factor for the existence of turbulence.
Keywords: Andean mountains . Mountains waves. Harrison's abacus. Miracle of the Andes.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Amplitude das ondas de montanha. ........................................................................ 18
Figura 2– METAR de Mendoza e Santiago. ............................................................................ 20
Figura 3– Ábaco de Harrison com informações do dia 18/08/2020. ........................................ 20
Figura 4– SIGMET da região de Mendoza .............................................................................. 21
Figura 5– SIGMET região de Mendoza no dia 05/10/2020 ..................................................... 23
Figura 6 – Carta prognosticadas SIGWX SFC/FL250 do dia 05/10/2020 emitidas pelo CNMA
(Centro Nacional de Meteorologia Aeronáutica) de Brasília. .................................................. 23
Figura 7 – Circulação Geral da Atmosfera ............................................................................... 24
Figura 8– Rota norte. ................................................................................................................ 26
Figura 9– Rota preferencial. ..................................................................................................... 27
Figura 10– Rota sul. ................................................................................................................. 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1– Informações de pressão e vento entre Mendoza e Santiago. ................................... 22
Tabela 2– Informações de vento da estação meteorológica de Curicó – ano de 1942. ............ 32
LISTA DE SIGLAS
CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
CFIT Control Flight Into Terrain
CNMA Centro Nacional de Meteorologia Aeronáutica
DIVOP Divulgação Operacional
DMC Dirección Meteorológica de Chile
DOV Despachante Operacional de Voo
FAU Força Aérea Uruguaia
FAB Força Aérea Brasileira
FSM Flight Standard Manual
EMS Estação Meteorológica de Superfície
GNSS Global Navigation Satellite System
METAR Meteorological Aerodrome Report
NDB Non Directional Beacon
PNR Point of No Return
SIGWX Significant Weather Chart
VOR Very High Frequency Omnidirectional Range
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12
1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ....................................................................................... 13
1.2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 13
1.2.1 Objetivo geral .............................................................................................................. 13
1.2.2 Objetivos Específicos .................................................................................................. 13
1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 14
1.4 METODOLOGIA ............................................................................................................ 15
1.4.1 Natureza da pesquisa ................................................................................................. 15
1.5 ESRUTURA DO TRABALHO ...................................................................................... 15
2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 17
2.1 PROPAGAÇÃO DAS ONDAS DE MONTANHAS NAS OPERAÇÕES EM
CORDILHEIRAS .................................................................................................................. 17
2.2 ÁBACO DE HARRISON ............................................................................................... 19
2.3 O PLANEJAMENTO DE VOOS SOBRE A CORDILHEIRA DOS ANDES .............. 26
2.4 ASPECTOS OPERACIONAIS ....................................................................................... 28
2.4.1 Despressurização ........................................................................................................ 28
2.4.2 Falha de motor ............................................................................................................ 29
2.5 O MILAGRE DOS ANDES ............................................................................................ 30
3.CONCLUSÃO ................................................................................................................... 34
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 36
12
1 INTRODUÇÃO
A cordilheira dos Andes é a mais extensa cordilheira continental do globo
terrestre. Trata-se de um conjunto de montanhas que margeiam quase a totalidade da costa
ocidental da América do Sul. Sua extensão cobre mais de 7000 km, sendo que a largura da
cadeia varia de 200 a 700 km, além de alcançar uma altitude que em média atinge cerca de
4000 m. O Monte Aconcágua é o ponto mais alto das Américas, com 6.962 metros de altitude
e o mais próximo da rota Santiago/Mendoza que é a mais utilizada para a navegação aérea da
cordilheira.
Voar em regiões com altas cadeias de montanhas era considerado impossível no
surgimento dos aviões, que ainda não tinham equipamentos e tecnologias suficientes para
tamanha façanha. Porém, com os notáveis avanços na considerada “era de ouro da aviação” –
anos que se passaram entre a Primeira e Segunda Guerra Mundial – tornou a possibilidade de
realização desses voos cada vez mais próxima. As aeronaves não eram pressurizadas e eram
incapazes de atingirem altitudes suficientes para vencer os altos picos naturais. A alternativa
era contornar as montanhas ou voar bem próximas a elas, o que as deixavam mais expostas às
propagações das ondas de montanhas e às turbulências típicas da região. Enfrentando a todos
esses desafios, Ada Leda Rogato foi a primeira mulher a cruzar a Cordilheira dos Andes em
voo solitário num monomotor Cessna 140, em 1950.
Todavia, persistem preocupações que levam aos operadores a considerar, quando
dos planejamentos dos voos sobre a região andina. As frequentes turbulências, ventos fortes,
CFIT1 e possíveis despressurizações são obstáculos a serem vencidos, muito embora, com o
avanço da tecnologia tais voos se tornaram cada vez mais seguros e corriqueiros. A navegação
via satélite substituiu a antiga navegação estimada; instalaram-se radares meteorológicos a
bordo de aeronaves, assim como tornou-se fácil o acesso às imagens de satélites e aos
conhecimentos e previsão de ventos em rota, o que aumentou a segurança e a consciência
situacional de pilotos que voam para o Chile.
Apesar de todo o aparato acima citado, nada dispensa o conhecimento dos
fenômenos meteorológicos por parte dos pilotos. A própria natureza avisa do que se pode
esperar em voo; aspectos inerentes à nebulosidade como nuvens lenticulares, nuvens rotoras,
1 CFIT – (Controlled Flight Into Terrain) é um termo utilizado para descrever um acidente aéreo no qual
uma aeronave colide contra o solo, embora tivesse seus equipamentos e sistemas funcionando em perfeito
estado até o momento do acidente.
13
diferenças de pressão e ventos fortes em altitude são pistas que oferecem correta interpretação
de tais fenômenos por parte das tripulações.
A fim de entender a influência da meteorologia na operação de companhias aéreas
brasileiras que fazem essa rota, organizam-se briefings específicos para esse tipo de operação,
por meio de acompanhamento detalhado do Ábaco de Harrison durante quatro meses, de
forma a entender os fatores contribuintes para um acidente popularmente conhecido como “O
milagre dos Andes”.
1.1 PROBLEMA DA PESQUISA
De que forma a meteorologia interfere na operação aérea na região dos Andes?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 OBJETIVO GERAL
Demonstrar de qual maneira a meteorologia interfere na operação aérea na região
dos Andes.
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a- Abordar a propagação das ondas de montanhas na operação em cordilheiras;
b- Demonstrar a eficiência do Ábaco de Harrison;
c- Analisar o planejamento de voos sobre a cordilheira dos Andes;
d- Conhecer aspectos operacionais inerentes à ocorrência de situações anormais nos
voos sobre os Andes;
e- Analisar o caso do voo da Força Aérea Uruguaia 571 na Cordilheira dos Andes.
14
1.3 JUSTIFICATIVA
A Cordilheira dos Andes é uma região onde a meteorologia é ponto crucial em
relação às outras regiões geográficas do continente sulamericano e tem grande impacto na
operação aérea. A cordilheira impede a chegada de ar úmido da Amazônia, pois funciona
como uma barreira para a corrente de ar e ajuda na formação do deserto do Atacama, ao norte
do Chile. A possibilidade de ter feito esse voo em simuladores e a experiência do autor no
estudo da meteorologia, em virtude de exercer a atividade de instrutor teórico da matéria,
levaram à escolha do tema. O cenário do voo foi decisivo para a opção de estudar os desafios
e obstáculos a referida operação. Os voos em regiões montanhosas reúnem não somente
aspectos de beleza natural, mas oferecem desafios aos operadores e tal particularidade fez
com que a região andina fosse a que melhor se encaixasse no estudo.
O adequado conhecimento teórico sobre a meteorologia é essencial para a
segurança quando da realização de qualquer voo. Por outro lado, erros de interpretação de
cartas e avisos que a própria natureza apresenta, produzem consequências catastróficas nas
operações aéreas nessa localidade. Segundo Kern (1996), existe um modelo para o aviador
completo que revela três princípios fundamentais: a habilidade, a aptidão ou proficiência e a
disciplina para aplicá-los de uma maneira segura e eficiente. Além desses princípios básicos,
áreas de atuação foram identificadas como comuns entre pilotos que se destacam em seu
profissionalismo. Aviadores dotados de adequado conhecimento acerca do funcionamento de
suas aeronaves, das características pessoais de suas equipes e do ambiente a operação – da
missão em si e do risco associado a ela – e conhecimento próprio das capacitações e
limitações. Quando todos esses elementos estão monitorados, o aviador exerce
consistentemente o julgamento adequado nas situações normais e excepcionais e mantém um
estado elevado de consciência situacional.
Durante a formação para se tornarem pilotos, os futuros aviadores voam em
aeronaves que não dispõem de tecnologias avançadas para prevenirem a entrada de situações
de meteorologia adversa, fator que pode ser considerado essencial para a melhoria da
consciência situacional em face de voos sob condições de falta de visibilidade, ventos fortes e
turbulências comuns na região andina. É necessário que escolas de aviação estimulem seus
alunos a estudarem meteorologia em virtude dos poucos recursos das aeronaves de instrução,
e pelo fato de o tema se vincular aos conceitos e práticas preconizados no âmbito dos estudos
segurança da atividade operacional.
15
A busca incessante pela expansão do conhecimento sobre a operação aérea sobre
os Andes foi um dos alicerces durante o processo de escolha do tema. Desde o piloto que faz
sua primeira hora de voo àquele de linha aérea, a base teórica da presente pesquisa intenta
aumentar o conhecimento de operadores e aviadores e disseminar informação oportuna e
embasada para toda a comunidade aeronáutica.
1.4 METODOLOGIA
1.4.1 NATUREZA E TIPO DA PESQUISA
A presente pesquisa caracterizou-se como explicativa, com procedimento
bibliográfico e documental e com abordagem tanto quantitativa, quanto qualitativa.
1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO
No capítulo um, abordaram-se aspectos relacionados às ondas de montanha, ao
efeito Fohen e turbulência de céu claro. Para isso, utilizaram-se livros que definem todos os
fenômenos meteorológicos disponíveis durante a formação de pilotos.
Em seguida, no segundo capítulo, apresentaram-se conceitos inerentes ao
funcionamento do ábaco de Harrison e de como ele é usado na operação aérea. Para a
explanação das variantes que envolvem o referido ábaco, foram empregados os sites
aviationweather.gov e redemet.aer.mil.br, como fonte de consulta às mensagens METAR2,
SIGWX3, SIGMET
4 e informações dos ventos no FL180, obtidos por meio de
radiossondagem de Santo Domingo (SCSN), pela Universidade de Wyoming.
No capitulo três, mostraram-se as consequências de uma despressurização e falha
no motor, e como efetivamente companhias aéreas se preparam para lidar com essas
emergências durante o cruzamento da Cordilheira dos Andes. Quanto às fontes documentais,
2 METAR (MeTeorological Aerodrome Report) – é um informe codificado, associado as observações
meteorológicas á superfície, e utilizado para fornecer informações sobre condições do tempo em um
determinado aeródromo. 3 SIGWX (Significant Weather Chart) – Cartas meterológicas que apresenta fenômenos meteorológicos
importantes. 4 SIGMET é uma mensagem relativa a ocorrência ou previsão de determinados fenômenos meteorológicos.
16
utilizou-se como base de consulta o FSM (Flight Standard Manual) da empresa GOL Linhas
Aéreas Inteligentes, a fim de clarificar sobre procedimentos operacionais na cordilheira dos
Andes. Um dos obstáculos na realização desse trabalho foi a dificuldade de se encontrarem
documentos que tratam da operação na região andina, visto que apenas pilotos que voam
nessa região tem acesso a tal material.
Para detalhamento da especificidade da operação na região andina, o último
tópico trouxe o estudo de caso do acidente com o Força Aérea Uruguaia 571 com bases em
livros e relatórios sobre esse acidente.
Por fim, após rever os principais tópicos do estudo, apresentaram-se as conclusões
formadas na pesquisa.
17
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 PROPAGAÇÃO DAS ONDAS DE MONTANHAS NAS OPERAÇÕES EM
CORDILHEIRAS
Ondas de montanhas definem-se como oscilações para o lado sotavento (a favor do
vento) da montanha, as quais são resultantes das mudanças periódicas de pressão atmosférica
e temperatura num fluxo laminar de ar e causadas pela própria cordilheira. A formação desse
tipo de fenômeno pode ocorrer das seguintes maneiras:
- O gradiente térmico mostra que a camada de ar em movimento é estável.
- A Velocidade do vento aumenta com altitude e a direção do vento na superfície ou
topo da perturbação orográfica.
- Forte vento de baixa altitude em uma atmosfera estável.
- Ventos altos na montanha acima de 20kt.
As correntes verticais dentro das oscilações podem atingir 2.000ft/min5. A
combinação das fortes correntes verticais e fricção de superfície pode fazer com que se
formem rotores6 sob as ondas de montanhas, causando severa turbulência.
Nas condições em que a atmosfera se apresenta úmida, formam-se nuvens lenticulares
e rotoras, as quais se localizam embaixo das ondas de montanha. Tal nebulosidade oferece
boa indicação da presença das ondas porém, em caso de atmosfera seca, não será possível ter
essa indicação meteorológica.
As ondas de montanha são associadas à turbulência severa, fortes correntes
verticais e gelo. As correntes verticais nessas ondas podem tornar difícil para uma aeronave
manter a altitude em rota e ocasiona voo descendente, o que pode gerar perda de controle da
aeronave em raros extremos. Tal risco pode ocorrer próximo ao solo, antes do pouso, após a
decolagem, o que propicia risco de contato ao solo ou pouso forçado se a resposta da
tripulação a uma descendente não for imediata.
A amplitude das ondas de montanha é diretamente proporcional com a altitude, ou
seja, quanto maior a altitude maior será a turbulência encontrada. Sendo assim, operadores
preferem que as aeronaves voem em uma altitude menor para justamente evitar o encontro de
5 Quanto de altura que se ganha por minuto. No exemplo: 2000 ft (600 metros) por minuto.
6 Um vórtice horizontal turbulento gerado em torno da crista das ondas de montanhas.
18
maiores turbulências, a prova disso é que as aeronaves para o cruzamento da cordilheira dos
Andes voam no FL240. A figura ajusta a ilustrar a explicação.
Figura 1 – Amplitude das ondas de montanha.
Fonte: Esri.
O risco nas cordilheiras não se restringe apenas as ondas de montanha, a
turbulência de céu claro é um problema que afeta a operação de todas as aeronaves. É um
fenômeno especialmente problemático, porque é inesperado e sem pistas visuais para alertar
sobre o eventual perigo. Tal turbulência súbita e severa ocorre em regiões sem nuvens, o que
causa um golpe violento nas aeronaves. Pode ser encontrada nas periferias das correntes de
jato, nas nuvens Cirrus e dentro ou nas proximidades de nuvens lenticulares, suscitando
maiores preocupações aos operadores que voam em grandes formações orográficas. Uma
aeronave pode sofrer danos na estrutura ou nos acessórios e equipamentos internos, bem
como danos físicos aos passageiros e tripulantes que não estão nos assentos.
O vento Fohen é um fenômeno existente em cordilheiras e ocorre quando as
correntes de ar são forçadas a subir as montanhas. Na camada de vento que sobe as encostas,
o ar se expande devido à diminuição de pressão atmosférica com a altitude e se resfria
adiabaticamente7, a ponto de atingir seu ponto de orvalho, condenser-se e gerar precipitação.
O processo inverso é produzido à sotavento da cordilheira, quando se aumenta a pressão
atmosférica e se aquece adiabaticamente, resultando num vento quente e seco. Segundo
7 Adibaticamente é definido como aquele que se resfria sem troca de calor com o meio ambiente.
19
(SILVA, 2004), para a formação da Zonda (nome argentino para o Fohen) é necessário que a
atmosfera esteja estavelmente estratificada, de forma que o escoamento de ar, ao passar sobre
a montanha, possa gerar ondas à sotavento.
Por meio de cálculos matemáticos é possível se prever a formação de ondas de
montanha e turbulências em áreas com grandes formações orográficas. O Ábaco de Harrison é
uma ferramenta utilizada pelo DOV (Despachante Operacional de Voo) para a escolha da
melhor configuração das aeronaves, levando-se em consideração as rotas com menor
turbulência, combustível a ser consumido e tempo menor de voo. Demonstrar-se-á a
eficiência dessa ferramenta para o planejamento do cruzamento da Cordilheira dos Andes no
próximo tópico.
2.2 ÁBACO DE HARRISON
O vento é regido por diferença entre duas localidades; quanto maior a diferença de
pressão entre essas localidades, mais forte será o vento. Na engenharia, o ábaco é um gráfico
que permite resolução de problemas, substituindo cálculos numéricos por visualizações
gráficas. O ábaco de Harrison viabiliza o diagnóstico de ondas de montanhas no cruzamento
aéreo da Cordilheira dos Andes.
Em 1957, J. Harrison publicou um método para previsão de ondas orográficas
sobre as montanhas rochosas norte americano, ao relacionar os reportes de turbulência com a
máxima velocidade do vento entre 15 mil e 20 mil pés e a diferença de pressão entre dois
pontos e o máximo da componente normal do vento (de sentido oeste para leste). Assim,
demarcaram-se regiões com ondas de montanha segundo fossem moderadas, fracas ou fortes.
(HARRISON, 1957).
Esse mesmo método é aplicado para o cruzamento dos Andes; para isso é
necessário o conhecimento da intensidade do vento a 18.000ft e da diferença de pressão entre
Mendoza e Santiago. Com ventos superiores a 50kt e diferença de pressão de 10 Hpa, pode-se
esperar ondas de montanha de moderada a forte.
Se apresenta um exemplo da efetividade do Ábaco de Harrison. No dia
18/08/2020, analisou-se a ocorrência de turbulência para o cruzamento da rota preferencial e
20
se verificou a diferença de 11 Hpa de pressão pelo METAR8 de SAME
9 (Mendoza) e SCEL
10
(Santiago). Seria o primeiro indicativo para atenção da tripulação em face à possível
existência de ondas de montanha na região.
Figura 2– METAR de Mendoza e Santiago.
Fonte: O autor, adaptado de Aviation Weather(2020).
Seguindo os estudos baseados no ábaco de Harrison, o passo seguinte foi verificar
os ventos perpendiculares à cordilheira a 18.000 ft de altitude, os quais indicavam 50 kt.
Nessa etapa, transferiram-se os dados para o gráfico Ábaco de Harrison e o resultado,
conforme ilustração, foi de turbulência severa.
Figura 3– Ábaco de Harrison com informações do dia 18/08/2020.
Fonte: O autor, adaptado por METEOTOTAL (2018).
8 Nome do código para um informe meteorológico regular de aeródromo. Tem sua confecção de hora em
hora, nas horas cheias. 9 Indicativo de localidade para o aeroporto de Mendoza.
10 Indicativo de localidade para o aeroporto de Santiago.
21
No mesmo dia, publicou-se uma mensagem SIGMET11
, que é uma mensagem
relativa à ocorrência ou previsão de determinados fenômenos meteorológicos em rota (gelo,
ciclone, trovoada e turbulência) e de outros fenômenos na atmosfera (cinzas vulcânicas,
nuvens radioativas e vulcão) que possam afetar a segurança das operações aéreas. A evolução
desses fenômenos no tempo e no espaço alertaria os pilotos que estavam voando em rota para
a presença de turbulência severa por meio do código (SEV TURB), como indicado na
imagem.
Figura 4– SIGMET da região de Mendoza
Fonte: O autor, adaptado de Aviation Weather (2020).
As observações foram feitas diariamente, das 13Z12
até as 15Z, horário com maior
probabilidade de turbulência durante 36 dias. Do dia 03/09/2020 até o dia 20/10/2020,
verificou-se que a diferença de pressão maior que 10 Hpa entre SAME13
(Mendoza) e SCEL14
(Santiago) ocorreu em cinco dias, conforme tabela.
11
Informação relativa a fenômenos meteorológicos em rota que possam afetar a segurança
operacional das aeronaves. 12
A letra “Z” identifica o meridiano 0º, também conhecido por Meridiano de Greenwich e utilizado como
referência de hora padrão nos meios aeronáuticos. Para saber o horário local no Chile, basta tirar 3 horas do
horário “zulu”. No exemplo: das 10h às 12h, horário local. 13
Indicativo de localidade para o aeroporto de Mendoza. 14
Indicativo de localidade para o aeroporto de Santiago.
22
Tabela 1– Informações de pressão e vento entre Mendoza e Santiago.
Data
pressão
SCEL
pressão
SAME
Vento
perpend
Diferença de
pressão
Prob. De
TurbulÊncia
10/09/2020 1021 hPa 1011 hPa 58 kt 10 hPa Ver gráfico
19/09/2020 1016 hPa 1030 hPa 45 kt 14 hPa Ver gráfico
26/09/2020 1023 hPa 1013 hPa 50 kt 10 hPa Ver gráfico
29/09/2020 1005 hPa 1017 hPa 53 kt 12 hPa Ver gráfico
30/09/2020 1019 hPa 1008 hPa 50 kt 11 hPa Ver gráfico
Fonte: o Autor (2020).
Para verificação da existência de turbulência nas datas coletadas, os dados foram
transferidos para o gráfico do ábaco de Harrison. A imagem indica turbulência moderada/forte
durante os dias de coletas de dados entre a rota preferencial (Mendoza/Santiago).
Gráfico 2 – Ábaco de Harrison dos dias que houve diferença de pressão maior que
10 Hpa.
Fonte: Adaptado por METEOTOTAL (2018).
Percebe-se que a existência de turbulência não incide apenas quando a diferença
de pressão entre Mendoza e Santiago é maior que 10 Hpa. O METAR das localidades no dia
05/10/2020 indicava pressão de 1016 Hpa em Santiago e 1018 Hpa em Mendoza e, segundo
os conceitos inerentes ao ábaco de Harrison, não existiria presença de turbulência. Entretanto,
um boletim SIGMET foi confeccionado, alertando pilotos de turbulência severa na região.
Abaixo, apresentam-se os boletins meteorológicos das condições de Mendoza no dia
5/10/2020, de forma a clarificar o emprego das mensagens meteorológicas.
23
Figura 5– SIGMET região de Mendoza no dia 05/10/2020
Fonte: O autor, adaptado de Aviation Weather (2020).
Comparando com as cartas prognosticadas SIGWX, verificou-se que uma corrente
de jato de grande intensidade e extensão foi a responsável pela turbulência na cordilheira dos
Andes.
Figura 6 – Carta prognosticadas SIGWX SFC/FL250 do dia 05/10/2020 emitidas pelo CNMA
(Centro Nacional de Meteorologia Aeronáutica) de Brasília.
Fonte: O autor, adaptado REDEMET (2020).
24
Correntes de jatos são formadas pela ação da força de Coriolis15
e pelos contrastes
de temperatura na superfície que produzirão maiores gradiente de pressão em altitude e
consequentemente ventos mais rápidos em ar superior. Nas latitudes médias e altas encontra-
se uma corrente de jato associado à frente polar localizada na fronteira entre a célula polar e a
célula de Ferrel. A corrente de jato subtropical ocorre no extremo da célula Hadley, em tordo
de 25º de latitude. As Células citadas desenvolvem-se através da ascensão convergente de ar
quente e úmido até chegar a tropopausa. Nesta camada da atmosfera o ar sofre divergência,
deslocando-se em direção aos Polos. O deslocamento do ar frio, em altitude, ocorre do
equador até a latitude de 23º27’ de cada hemisfério. Ao chegar nessa latitude o ar afunda,
torna-se seco e aquece por compressão numa proporção de 1ºC/100m, fenômeno conhecido
como subsidência (movimento descendente de fluxo de ar). O exemplo citado esclarece a
definição sobre correntes de jatos criada por BANCI (2012), as correntes de jatos são
causadas por variações na temperatura do ar quando o ar polar frio que se move para o
equador, encontra o ar equatorial quente, que está se movendo para os polos. A circulação
geral da atmosfera é a responsável pelo surgimento de grandes aéreas de instabilidade e de
estabilidade e, em consequência, pela formação dos diversos climas sobre a superfície da
Terra.
Figura 7 – Circulação Geral da Atmosfera
Fonte: Geografia opinativa (2020).
15
É a força desviadora do vento devido ao movimento de rotação da Terra.
25
Há outra teoria válida para a existência de turbulências na região dos Andes,
mesmo com diferença de pressão menor que 10 Hpa entre Mendoza e Santiago. Levando-se
em consideração que a EMS (Estação Meteorológica de Superfície) responsável pela
confecção do METAR das localidades mede a pressão em relação ao nível médio do mar pela
a altitude da pista, os valores de pressão na altitude das cordilheiras iriam mudar
consideravelmente. No dia 05/10/2010, as condições meteorológicas de Mendoza eram
descritas na seguinte mensagem meteorológica “SAME 051500Z 02011 CAVOK 14/M01
Q1018” fonte aviation weather.
Pela decodificação dessa mensagem a pressão barométrica ao nível do mar era de
1018 à 2310 pés, altitude oficial de Mendoza e a altitude do ponto de referência da rota
preferencial, o monte Aconcágua, é de 22841 pés. Na atmosfera padrão, perde-se 1hPa a cada
30 pés; portanto, nessa altitude a pressão seria de apenas 257hPa. A mesma matemática se
aplica para o lado Chileno da cordilheira, em Santiago, dessa forma, observa-se uma diferença
de pressão maior que 10 hPa em altitude elevada, o que caracterizaria a existência de
turbulência para a navegação aérea na cordilheira.
Operadores recomendam que a cordilheira não deve ser cruzada quando a
diferença de pressão atmosférica entre Mendoza e Santiago for superior a 7 Hpa (para a rota
preferencial e rota sul e entre La Serena e San Juan para a rota norte), acrescida de
identificação da existência de turbulência pela observação dos dados no Ábaco de Harrison.
Por outro lado, o Ábaco de Harrison não garante sozinho que as condições na
cordilheira estejam sem turbulência, se for levado em consideração que a checagem nas
informações de pressão e vento ainda é feita no Brasil, e não é levado em conta o tempo em
rota para se chegar à cordilheira. Pode-se verificar uma turbulência leve, porém os valores de
pressão entre as localidades e os ventos no FL180 são passíveis de alteração, caso a condição
meteorológica se degrade por uma frente. Os referidos valores de pressão diminuem com a
aproximação de uma frente fria, o que gera maior diferença do lado Chileno e uma
consequente divergência nos valores acessados pela tripulação por ocasião do planejamento
de voo. As frentes frias tendem a ser mais fortes na primavera e no outono e são fenômenos
comuns naquela região, em face ao deslocamento das frentes no hemisfério sul ser de
sudoeste para nordeste.
Um estudo de dois anos feito por De Souza (2018) constatou que o Ábaco de
Harrison serve como ferramenta de auxílio na identificação de possíveis turbulências para o
26
cruzamento da Cordilheira, porém, segundo o autor, não se excluem outros meios para se
realizar a completa análise das condições atmosféricas.
2.3 O PLANEJAMENTO DE VOOS SOBRE A CORDILHEIRA DOS ANDES
Existem três rotas para a travessia dos Andes. A rota norte é feita por La Serena e
a intersecção “ASIMO 20MN” é a posição utilizada para determinar o prosseguimento ou
retorno do voo. A rota norte será opção quando as condições de voo forem desfavoráveis e
conhecidas no setor central e sul da cordilheira. (OPSCEL,2006)
Figura 8– Rota norte.
Fonte: O autor, adaptado de Skyvector (2020).
A rota Mendoza/ Santiago é mais curta e, por isso, é preferencial entre as
companhias. A entrada dessa rota é feira pelo fixo UMKAL e está totalmente a sotavento dos
Andes. Uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), em 15 de agosto de 2011, enfrentou
turbulência severa ao realizar a aproximação para SCEL (Aeroporto de Santiago-Chile) pela
rota preferencial e o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos), por meio do DIVOP (Divulgação Operacional) nº 003/2011, reforçou que
tripulações evitassem o cruzamento dos Andes quando a diferença de pressão entre SCEL e
SAME for superior a 7 Hpa e o Ábaco de Harrison indicar turbulência moderada/severa.
27
Figura 9– Rota preferencial.
Fonte: O autor, adaptado de Skyvector (2020)
A rota sul é feita por Curicó e foi a opção utilizada pela tripulação do
popularmente conhecido acidente “Milagre dos Andes”, ora em estudo. Para fins de
planejamento de voo por parte das tripulações, a intersecção ANKON é a posição (PNR Point
of No Return), utilizada para determinar o prosseguimento e ou retorno ao aeródromo de
origem, em caso de emergência.
Figura 10– Rota sul.
Fonte: O autor, adaptado Skyvector (2020)
28
Independente de qual rota escolhida, para fins de observações de conduta inerente
à segurança operacional, o cruzamento da cordilheira deverá ser feito com sinais de cintos
afivelados ligados desde o começo do procedimento. Isso evita que turbulências ocasionem
ferimentos em passageiros e tripulantes.
2.4 ASPECTOS OPERACIONAIS
Falhas materiais podem ocorrer em qualquer atividade em que um equipamento é
empregado como meio de suporte, ainda que o homem realize as ações preventivas
necessárias para garantir total segurança. Particularmente, a situação se agrava quando se voa
em uma região montanhosa como os Andes. Assim, definem-se procedimentos específicos
para a tripulação lidar com segurança nesse tipo de situação e rotas de fuga são desenvolvidas
para utilização, caso haja algum tipo de emergência que demande a descida da aeronave para
altitudes abaixo da MOCA16
.
2.4.1 DESPRESSURIZAÇÃO
Nas primeiras indicações de problemas na aeronave de pressurização ou quando
houver sintomas de hipóxia, segundo Kanashiro (2009), registra que a hipóxia pode ser
definida como uma deficiência de oxigênio nos tecidos orgânicos a ponto de prejudicar
funções fisiológicas. Já a hipóxia de altitude é o principal tipo para a aviação, pelo simples
fato de qualquer elevação em altitude representará diminuição na quantidade de oxigênio
disponível – neste caso a tripulação deverá usar as máscaras de oxigênio até o momento em
que o oxigênio seja garantido pela própria atmosfera, o que é conseguido por volta de 10.000
ft. Na operação nos Andes empregam-se altitudes mais baixas, para que justamente essa
descida seja menos crítica e feita em menor tempo.
Existem formas distintas de despressurização, dentre as quais mais violenta é a
despressurização explosiva, na qual o ar da cabine pode se encher de poeira e detritos e se
forma uma neblina causada por queda na temperatura e mudança na umidade relativa do ar. A
16
MOCA( Minimum Obstacle Clearence Altitude) Altitude mínima livre de obstáculos
29
tripulação pode ficar momentaneamente atordoada e, se o evento foi inesperado pode haver
maior lapso de tempo para colocação das máscaras de oxigênios. Se a despressurização for
causada por uma falha estrutural ou de uma janela, há o risco de alguns tripulantes ou
passageiros serem atingidos por ventos fortes, por detritos e temperaturas extremas, ou
mesmo ser lançado para fora da aeronave.
Por outro lado, a despressurização rápida é mais comum do que a explosiva e é
geralmente associada às aeronaves maiores. Ocorre em questão de segundos, a uma razão
superior a 7.000 pés/min, e normalmente associa-se a um “bang” e um súbito embaçamento
da cabine.
O maior perigo da despressurização é a incapacitação da tripulação devido à
ocorrência de hipóxia na qual o tempo de consciência útil será reduzido proporcionalmente à
velocidade da descompressão. A despressurização gradual se particularize por ocorrer num
longo período de tempo e, em face à mudança gradual na pressão do ar, torna-se difícil
identificá-la antes que os dispositivos de aviso de altitude de cabine sejam ativados ou
máscaras de oxigênios caiam do teto da cabine. Geralmente esse fenômeno se verifica em
decorrência de algum vazamento no duto de pressão ou uma redução no fluxo de ar da cabine
devido a um mau funcionamento de um compressor.
2.4.2 FALHA DE MOTOR
Vários fatores estão envolvidos numa falha de motor, desde um eventual
vazamento de óleo até uma falha na manutenção. Tripulantes são treinados para identificar e
solucionar a emergência o mais breve possível e, para isso, pilotos seguem procedimentos
específicos.
No que tange à operação andina, uma falha no motor combinada com uma
meteorologia adversa também pode afetar os procedimentos de chegada em Santiago e, por
vezes inviabiliza o pouso na localidade planejada. Por conta de grandes linhas de instabilidade
formadas por uma frente fria, presença de nevoeiro, ou em situações em que o aeroporto se
encontre em condições mínimas para a operação por voo por instrumentos, pilotos
encontrarão falta de visibilidade durante a aproximação. Para aumentar a precisão nessas
30
condições, emprega-se o pouso precisão por meio de auxílios de navegação, como o ILS CAT
II (Instrument LAnding System)17
.
Nesse tipo de categoria de ILS o pouso é chamado de auto landing, onde a tripulação
é responsável por monitorar as ações do piloto automático que efetivamente fará o toque da
aeronave com o solo. Para que o piloto automático possa cumprir todas as restrições de
altitude e velocidade contidas na carta de pouso, fazem-se necessários dois canais do piloto
automático18
, o que só é possível com os dois motores operantes. Caso durante as fases da
aproximação uma falha no motor aconteça, não se terá mais os dois canais de piloto
automático, ou seja, não será possível continuar com o procedimento automatizado, restando
para a tripulação voar para o aeroporto escolhido como alternativa.
2.5 O MILAGRE DOS ANDES
Esse acidente ganhou uma maior visibilidade pela história dos sobreviventes que
ficaram por 72 dias na cordilheira subsistindo em condições desumanas. Na aviação,
acidentes contribuem para que o nível de segurança seja sempre levado ao mais alto nível de
percepção dos envolvidos direta ou indiretamente nos eventos.
A trágica história do “milagre dos Andes” salienta aos operadores que os
fenômenos meteorológicos para a travessia da cordilheira são fatores contribuintes para que
os acidentes aconteçam. A cordilheira atua como um divisor entre as massas continentais a
leste e as massas marítimas a oeste; a dinâmica dessas massas de ar é responsável pelo clima e
tem total influência para operadores que voam na região.
Na década de setenta, um time de rúgbi do Uruguai jogaria uma partida no Chile
e, para isso foi alugado o Fairchild FH-227, avião bimotor fabricado nos Estados Unidos e
comprado pela Força Aérea Uruguaia apenas dois anos antes. A jornada do voo começou no
dia anterior, na qual o plano inicial era voar diretamente de Montevidéu a Santiago, via
Buenos Aires e Mendoza. Porém, as condições meteorológicas tornaram impossível a
travessia da cordilheira, o que obrigou a aterrissagem em Mendoza e uma espera até posterior
melhoria nas condições meteorológicas. No dia seguinte, os dados levantados indicavam que
as condições haviam melhorado e que, no final da tarde, seria possível atravessar a cordilheira
17
É um dispositivo que fornece ao piloto o eixo da pista e a trajetória ideal de planeio. O sistema auxilia o
piloto no pouso sob condições de teto e visibilidades restritas. 18
Piloto automático do Comandante como do Copiloto tem que estar em funcionamento.
31
pela a rota sul, por Curicó. Verificou-se no planejamento que o máximo de altura que o
Fairchild podia alcançar era de seis mil e oitocentos metros, o que não permitiria que a rota
preferencial que tem o Aconcágua como referência fosse navegada. Como fator adicional, o
regulamento não previa um avião militar permanecer por mais de vinte e quatro horas em solo
Argentino; sendo assim, no dia 13 de outubro de 1972, o Fairchild FH-227 decolava de
Mendoza com destino à Santiago.
A navegação seria balizada pelo NDB19
de Malargue e VOR20
de Curicó, e, após
passagem na vertical dos auxílios, a tripulação dirigir-se-ia para proa norte para a chegada em
Santiago. Por motivo ainda desconhecido, o voo não seguiu as indicações dos rádios de
navegação e acredita-se que a tripulação passou a usar a navegação estimada, conforme
instruído pelo professor Titus Ross (2009), trata-se de uma modalidade de navegação onde o
piloto utiliza cálculos baseados no tempo de deslocamento, proa voada (direção do eixo
longitudinal de uma aeronave em voo), curso, direção e intensidade do vento, velocidade do
solo para determinar sua posição geográfica. Há, ainda, indícios de que os ventos fortes
encontrados na região prejudicaram os cálculos estimados e inabilitaram a tripulação não
seguiu pela rota planejada.
Um questionamento foi levantado durante o estudo de caso desse acidente. Será
que realmente foi o vento que levou a desorientação espacial dos pilotos? Para responder essa
pergunta foram necessários relatórios meteorológicos da estação climatológica de Curicó –
estação mais próxima onde o Farchild foi encontrado – do ano de 1972, extraídos da base de
dados da DMC (Dirección Meteorológica de Chile). Tais informações expuseram que o vento
máximo no mês de outubro foi da direção norte, com intensidade de 19 nós. Todavia, foi
impossível afirmar com exatidão que esse foi o vento encontrado naquele voo.
19
NDB (Non Directional Beacon) é um radiotransmissor instalado em uma posição geográfica fixa e
conhecido que emite sinais de radiofrequência que ajudam na navegação aérea.
20
VOR, (Very High Frequency Omnidirectional Range) Um receptor a bordo da aeronave mede a diferença
de fase entre os dois sinais e a converte em graus magnéticos chamados Radiais - estes indicam ao piloto
sua localização.
32
Tabela 2– Informações de vento da estação meteorológica de Curicó de 1942.
Fonte: Autor, adaptado de anuário meteorológico (1972).
A falta de visibilidade e as ondas de montanha foram fenômenos meteorológicos
adicionais que ajudaram na desorientação espacial dos pilotos e, como resultado, a curva e a
descida se iniciaram muito cedo, antes que o avião tivesse superado a cadeia de montanhas, o
que contribui para a perda de controle e impacto no terreno.
No livro “Milagre dos Andes”, o autor e sobrevivente Nando Parrado informa
com detalhes tudo o que percebeu momentos antes do acidente. Segundo ele, “a fuselagem
começou a vibrar com tanta violência que tive medo que ela se despedaçasse” (PARRADO,
1972, p32). Numa visão técnica desse depoimento, pode-se deduzir que os pilotos, ao
avistarem uma cadeia de montanhas à frente, puxaram o manche do avião para ultrapassarem
tal obstáculo; como consequência, entraram em um estol – situação que o avião perde
sustentação – o que fez com que a fuselagem começasse a tremer. A baixa velocidade
resultante do estol pode ser a explicação de haverem sobreviventes após o impacto contra o
solo.
Em face às inovações advindas dos avanços tecnológicos, a aviação fica cada vez
menos dependente de navegação por rádios instalados nos solos - como os auxílios NDB,
VOR e ILS. A navegação aérea via satélite já é uma realidade e o futuro sinaliza uma aviação
ainda mais segura e precisa. Sistemas de navegação inerciais e eletrônicos como GNSS21
diminuiriam os riscos de os pilotos entrarem em situação de desorientação espacial observada
21
GNSS(Global Navigation Satellite System) é o nome dado para os sistemas de satélites que permite que
equipamentos forneçam, através da indicação de coordenadas, a localização de determinado ponto na
superfície terrestre.
33
no acidente. Cabe ressaltar que a falta de precisão acerca da localização foi um dos motivos
da dificuldade de se encontrar sobreviventes por parte dos grupos de busca e salvamento.
34
3.CONCLUSÃO
Este trabalho teve como objetivo geral de apresentar de que formar a meteorologia
interfere na operação aérea na região dos Andes.
Na primeira parte do estudo definiram-se as características da propagação das
ondas de montanha na região andina, considerado o principal fenômeno meteorológico em
regiões de cadeias montanhosas e capaz de produzir as nuvens rotoras e lenticulares que
alertam de maneira visual às tripulações para a existência das ondas de montanha. Nessa
abordagem registrou-se o risco de perda de controle da aeronave após decolagens ou pousos -
em raros casos um CFIT (voo controlado contra o terreno) - por consequência das ondas de
montanha.
A turbulência de céu claro tem como principais desvantagens a invisibilidade e
impossibilidade de detecção por radares meteorológicos. Os indicativos de sua existência são
correntes de jatos, nuvens lenticulares e rotoras. O vento Fohen é outro fenômeno
meteorológico que interfere a navegação na cordilheira e ocorre quando as correntes de ar
sobem as montanhas (barlavento) e se resfriam adiabaticamente; o mesmo processo acontece
quando as correntes de ar descem as montanhas (sotavento) e se aquecem adiabaticamente,
provocando num vento quente e seco.
Em seguida, explanou-se que o ábaco de Harrison é uma ferramenta utilizada para
voos em grandes formações orográficas e é utilizado na escolha das melhores rotas para a
navegação aérea na cordilheira dos Andes. O estudo levou em consideração a diferença de
pressão maior que 10 Hpa entre dois pontos sob a cordilheira e ventos a 18.000ft. A partir
dessas informações foi possível verificar a existência de turbulência na região montanhosa.
Como referencia no trabalho, escolheram-se para observação as diferenças de pressão
verificadas na rota preferencial (Mendoza/Santiago). Além dessa rota, o planejamento de voo
sobre as cordilheiras pode ser feitas pelas rotas norte e sul.
Além dos aspectos naturais, eventuais destacou-se a relevância dos fatores
operacionais – como despressurização e falha no motor – no planejamento desse tipo de voo,
em face à proximidade da aeronave com o terreno, portanto, é essencial total ciência das
altitudes dos morros e das altitudes mínimas de livres obstáculos.
No estudo do acidente conhecido como “Milagre dos Andes”, abordaram-se os
fatos históricos vivenciados pelo time de rúgbi uruguaio a bordo do Fairchild FH-227, avião
bimotor fabricado nos Estados Unidos, com destino à cidade de Santiago. O voo seguiria sem
35
escalas de Montevidéu até Santiago, porém, as condições meteorológicas fizeram com que os
pilotos pousassem em Mendoza. No dia seguinte, a aeronave decolou para o que seria o seu
destino final, até que as condições meteorológicas induziram os pilotos ao erro, fazendo com
que a aeronave se chocasse contra as cordilheiras.
Concluiu-se que a interpretação do ábaco de Harrison durante as análises
coletadas sinalizou que as ondas de montanhas e turbulências nem sempre são causadas pela
diferença de pressão entre Mendoza e Santiago, como preconiza a ferramenta. Por diversos
dias foi possível observar a diferença de pressão menor que 10 hPa e a existência de um
boletim SIGMET, alertando os pilotos para turbulência severa na região. De forma a garantir
a adequada consciência situacional e prover a devida análise dos riscos envolvidos no voo
sobre os Andes, é de vital importância a interpretação das informações meteorológicas por
parte dos pilotos – METAR, SIGWX, SIGMET, AIRMET, imagens de satélites e ábaco de
Harrison detalhadamente - a fim de se elaborar planejamentos de voos precisos para navegar
na região. A meteorologia local tem total influência da rota a ser voada.
O estudo de caso com a FAU (Força Aérea Uruguaia) esclareceu que avanços
tecnológicos tornaram a passagem pela cordilheira muito mais segura, posto que os antigos
NDB caíram em desuso e VOR são cada vez menos utilizados. O profissional da aviação que
atua na região andina deve considerar as particularidades dos fenômenos meteorológicos e
consultar as previsões nesse tipo de operação bem como utilizar a plenitude dos recursos de
navegação modernos. O acesso amplo às informações acerca das condições meteorológica na
Cordilheira dos Andes é obtido por meios das previsões e boletins disponíveis no meio
aeronáutico.
As lições aprendidas com antigos acidentes visam aumentar a segurança de voo;
mesmo assim, é imprescindível que o conhecimento dos aeronautas seja a principal
ferramenta para a execução do planejamento. Portanto, o objetivo do trabalho foi atingido e
há possibilidade de que novas pesquisas se valham do estudo realizado para oferecer outra
visão, à luz de novas abordagens sobre o fenômeno.
36
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