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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
TIAGO HARDT DE CARVALHO
GUARDA COMPARTILHADA:
A Guarda Compartilhada atende ao melhor interesse da criança?
São José/SC
2008
TIAGO HARDT DE CARVALHO
GUARDA COMPARTILHADA:
A Guarda Compartilhada atende ao melhor interesse da criança?
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito
parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna
São José/SC
2008
TIAGO HARDT DE CARVALHO
GUARDA COMPARTILHADA:
A Guarda Compartilhada atende ao melhor interesse da criança?
Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais
e Jurídicas.
Área de Concentração: Campus da UNIVALI São José
São José, 14 de novembro de 2008.
Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna
UNIVALI – Campus de São José
Orientador
Prof. MSc. Elisabete Wayne Nogueira
UNIVALI
Membro
Prof. MSc. Daniel Lena Marchiori Neto
UFSC
Membro
O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal,
mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.
Albert Einstein
AGRADECIMENTOS
Ao Prof MSc. Fabiano Pires Castagna, pelos conselhos sempre úteis e precisos com
que orientou o presente trabalho.
A minha família, berço da minha existência e a maior responsável pela definição de
quem eu sou. Família símbolo soberano de amor.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 14 novembro de 2008.
Tiago Hardt de Carvalho
RESUMO
Apresenta-se a guarda compartilhada como modelo de guarda condizente com a
evolução do Direito de Família, sobretudo quanto ao conceito de entidade familiar e de
autoridade parental. Ressalta-se sua adequação aos princípios constitucionais acerca da guarda
de menores, enfatizando-se a convivência familiar e o melhor interesse da criança. Para tal,
expõe-se suas principais características e fundamentações, bem como as vantagens e
desvantagens de sua adoção. Demonstra-se também a possibilidade de ampliação da noção de
guarda conjunta à luz dos princípios constitucionais. Para tanto utiliza-se o método dedutivo.
Para uma visão mais abrangente do tema, faz-se algumas considerações quanto a sua
aplicação nos demais ordenamentos jurídicos. Por fim, analisa-se a tendência jurisprudencial
sobre o compartilhamento da guarda.
Palavras-chave: Guarda Compartilhada; Princípios Constitucionais; Convivência
Familiar; Melhor Interesse da Criança.
ABSTRACT
This is the shared custody as a model of custody consistent with the evolution of
family law, especially regarding the concept of contracting family and parental authority. It is
their compliance with the constitutional principles regarding the care of minors, is
emphasizing the family together and the best interest of the child. To do so, exposes them if
their main characteristics and reasons as well as the advantages and disadvantages of its
adoption. It also demonstrates the possibility of extending the concept of joint custody in the
light of constitutional principles. To do so using the deductive method. For a broader view of
the subject, there is some considerations about its implementation in other jurisdictions.
Finally, analyze the trend on the share of legal custody.
Keywords: Shared Guard; Constitutional Principles; Family Living; Best Interest of the Child.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1
1 A FAMÍLIA ............................................................................................................................. 3
1.1 Aspectos gerais ..................................................................................................................... 3
1.2 Evolução histórica da família................................................................................................ 5
1.3 Poder familiar ..................................................................................................................... 12
1.3.1 O Exercício do poder familiar.......................................................................................... 15
1.3.2 Da perda e da suspensão do poder familiar ..................................................................... 17
2 A GUARDA, TUTELA E CURATELA ............................................................................... 21
2.1 Conceito de guarda ............................................................................................................. 21
2.2 Guarda, tutela e curatela ..................................................................................................... 22
2.3 Determinação da guarda segundo a legislação vigente....................................................... 24
2.3.1 A disciplina da guarda no Código Civil ........................................................................... 24
2.3.2 A disciplina da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente.................................... 26
2.4 Modalidades de guarda ....................................................................................................... 28
3 GUARDA COMPARTILHADA ........................................................................................... 31
3.1 Evolução familiar até a guarda compartilhada e o princípio do melhor interesse da criança
.................................................................................................................................................. 31
3.2 Características da guarda compartilhada ............................................................................ 34
3.3 Fundamentação legal da guarda compartilhada .................................................................. 35
3.4 Ampliação da guarda compartilhada .................................................................................. 37
3.5 Guarda compartilhada e Direito comparado ....................................................................... 40
3.6 Vantagens e desvantagens da guarda compartilhada .......................................................... 42
3.7 Análise jurisprudencial ....................................................................................................... 47
3.7.1 Comentários iniciais ........................................................................................................ 47
3.7.2 Nos Tribunais Superiores ................................................................................................. 48
3.7.3 Nos Tribunais Estaduais .................................................................................................. 49
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 55
ANEXOS .................................................................................................................................. 59
1
INTRODUÇÃO
Diversas transformações sociais ocorridas ao longo do século XX levaram o Direito de
Família a sofrer uma evolução, com vistas a acompanhar os novos anseios da sociedade.
O próprio conceito de família, antes baseado apenas no matrimônio, passou a
abranger outras possibilidades de formação, desvinculando-se do antigo modelo patriarcal.
Assim, novos valores para a constituição da família passaram a prevalecer, como as idéias de
igualdade, afetividade e, sobretudo, dignidade da pessoa humana.
Quanto às relações parentais, estas passaram a ser analisadas sob uma perspectiva que
privilegia o melhor interesse da criança ou adolescente. A noção de poder familiar não mais é
entendida como um poder absoluto que os pais exercem sobre os filhos, e sim como um
poder-dever, que deve ser realizado em benefício da criança ou adolescente. Da mesma
forma, o exercício da guarda recebeu a influência desses novos valores, que devem ser
considerados também no momento de fixação da guarda decorrente de uma separação
conjugal.
É nesse contexto, apresentado nos primeiros capítulos do presente trabalho, que surge
a idéia de guarda compartilhada, objeto central deste estudo, pela qual os pais da criança
permanecem tomando conjuntamente as decisões relativas aos filhos, mesmo após o término
da relação amorosa que os unia. Por este modelo, expressiva parcela de estudiosos do direito
de família, acreditam que os efeitos danosos de uma separação são consideravelmente
minimizados, o que torna sua adoção uma alternativa mais benéfica para todos os membros da
família.
Assim, ao tratar especificamente da guarda compartilhada, o trabalho apresenta as
principais características do instituto, bem como as vantagens e desvantagens de sua
aplicação. Sem o intuito de esgotar o tema, destaca-se também a utilização deste modelo por
outros ordenamentos jurídicos.
Como base do estudo encontra-se a estreita ligação entre a noção de guarda
compartilhada e os princípios constitucionais. Nesse sentido, procura-se demonstrar que o
modelo de guarda em exame costuma ser favorável ao bem-estar da criança, uma vez que se
enquadra plenamente aos valores contemporâneos acerca das relações familiares, dentre eles o
do melhor interesse da criança. Para tanto utiliza-se o método dedutivo.
Seguindo a tendência hodierna do pluralismo familiar, tem-se ainda que a guarda
compartilhada pode ser aplicada de forma mais ampla, abrangendo sujeitos diversos dos pais
biológicos – como os avós, por exemplo. Diante disso, a ênfase que se dá é à importância da
2
manutenção de um ambiente familiar saudável para o desenvolvimento da criança ou
adolescente.
Para melhor compreensão da matéria, são apontados também alguns aspectos
psicológicos da utilização da guarda conjunta, com o intuito de que sejam demonstradas as
conseqüências positivas que esta pode gerar a um ser em formação.
Por fim, colacionam-se algumas jurisprudências acerca da guarda conjunta, já que esta
apresenta-se como sendo uma tendência entre os Tribunais pátrios.
3
1 A FAMÍLIA
Abordam-se neste capítulo a evolução do conceito de família, cada vez mais
abrangente e receptivo às mudanças sociais, a evolução histórica do direito de família e do
poder familiar, tratando-se de seu exercício, da sua perda ou suspensão.
1.1 Aspectos gerais
Reconhecida como o núcleo fundamental da sociedade, a família exerce um papel
essencial na formação das pessoas, representando o seio de valores éticos, sociais e religiosos
a serem agregados a cada um de seus membros.
Sua conceituação já foi, e continua sendo objeto de questionamentos na doutrina
brasileira, uma vez que pode ser construída sob diferentes perspectivas.
Clóvis Beviláqua, na obra Direito de Família, afirma que esta possui como fatores
constitutivos elementos biológicos e psíquicos, destaca o amor e os cuidados para a
conservação da prole como instintos de conservação da espécie, ao lado de elementos
sociológicos, como a religião, o Direito e os costumes. Nesse sentido, coloca que a família é,
“uma criação natural, que a sociedade amolda e aperfeiçoa.1
Por sua vez, Silvio Venosa entende que a família pode ser conceituada de forma
ampla, quando se faz referência a todos os "parentes", ou restrita, que abrange apenas aqueles
que dividem o mesmo lar2.
Para Caio Mário da Silva Pereira, há, também, o conceito biológico ou genérico de
família, pelo qual a descendência de tronco ancestral comum é o fator característico. Mas
ressalta a tendência da família de se apresentar em seu sentido mais estrito, que é composto
apenas pelos pais e seus filhos3.
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da Família. 7. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1976. p. 17. 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 6. p. 20. 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14 ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5.
p. 19.
4
Outro conceito de família que merece menção é o cultural, que enfoca a função
exercida por cada indivíduo integrante da família4.
Tem-se ainda o artigo 25 da Lei 8.069/90 que dita um conceito legal de família natural
como sendo a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.
Finalmente, cabe destacar o contemporâneo conceito sócio-afetivo de família, que leva
em consideração os sentimentos que envolvem seus membros. Não se busca mais o
estabelecimento de relações que possam vir a ser consideradas como família, mas sim o
reconhecimento de que determinado grupo de indivíduos vive e sente-se como tal5.
No que diz respeito aos tipos de família juridicamente reconhecidos, há que se falar,
hoje, em três espécies: a família fundada no casamento, na união estável e a família
monoparental. Por muitos anos, apenas a primeira era reconhecida no ordenamento jurídico
brasileiro, não se admitindo outras formas de entidade familiar. O matrimônio, considerado o
pilar da família, tinha o condão de repelir qualquer ameaça a sua manutenção, mesmo quando
isso significasse o não-reconhecimento de filhos de um dos cônjuges, como ocorria no caso de
adultério, ou o sacrifício de um deles em prol da "paz doméstica".
No entanto, com a evolução da sociedade e, conseqüentemente, da produção
legislativa, foi absorvida pela Constituição da República de 1988 (art. 226, § 3º) a idéia de
união estável entre pessoas de sexos diferentes, o que, na prática, já existia.
Do mesmo modo, a Constituição de 1988 inovou ao fazer a previsão expressa da
família monoparental, em seu artigo 226, § 4º - afinal, não se pode olvidar que, nos dias
atuais, grande parte dos lares é administrada por apenas um dos pais e seus descendentes.
A ampliação das espécies de família admitidas pelo sistema constitucional brasileiro
faz parte de uma evolução que vem ocorrendo, de fato, em todo o Direito de Família, por
força das diversas transformações sociais havidas nas últimas décadas do século XX.
O enfoque deste ramo do Direito passou a ser muito mais humano do que patrimonial,
ou mesmo institucional, como no caso da família. Em outras palavras, a família perdeu seu
peso como instituição, deve-se ter em mente que parte da doutrina ainda defende a
4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 3. ed. rev, atual e aum. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003. p. 24. 5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5.
p. 39.
5
personificação da família, porém, ganhou força como organismo social, capaz de propiciar a
satisfação pessoal de cada um de seus membros6.
Nesse sentido, é oportuna a exposição das principais modificações ocorridas no
Direito de Família, no que toca à própria entidade familiar, durante o século XX.
1.2 Evolução histórica da família
A caracterização da família nos primórdios da humanidade é algo bastante
controvertido, relacionando-se, para muitos doutrinadores, com a idéia de promiscuidade
sexual7. Dentro dos moldes ocidentais, tem-se a família romana como a referência mais
corrente, embora tenham ocorrido diversas modificações nessa estrutura até que se chegasse à
forma atual.
Na Roma Antiga vigia o princípio da autoridade, pelo qual o pater familias exercia
poder sobre todos aqueles que estivessem sob a sua esfera, o que denota o caráter patriarcal da
família romana. O pater era o único que possuía patrimônio na família, podendo dispor dos
bens sem o consentimento dos filhos ou da esposa. Estes permaneciam incapazes diante do
pater, que tomava todas as decisões importantes da casa e detinha direitos absolutos sobre
eles, podendo inclusive determinar a morte ou a venda de um filho8.
A família romana era, assim, gerenciada internamente, possuindo considerável
autonomia em relação ao Estado. Era, também, calçada nos preceitos religiosos vigentes, que
direcionavam o próprio Império Romano.
No entanto, sob a influência do cristianismo esse poder foi perdendo a sua rigidez e no
século VI, embora estivesse ainda revestido de severidade, a codificação justinianéia o refletiu
sem a violência que o havia caracterizado9.
6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5.
p. 7. 7 ANGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1997. p. 36. 8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p.
15. 9 LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso Avançado de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, v. 5. p. 254.
6
Nesse sentido, com o imperador cristão Constantino houve uma maior preocupação
com os aspectos morais da família, devido ao advento do cristianismo, que pregava, entre
outras coisas, o princípio da caridade entre os homens10.
No Brasil, o século XX representou importante período no tocante à evolução da
família. Diversas modificações legislativas ocorreram, em conformidade com as constantes
transformações sociais presenciadas nessa época.
No início do século, a família brasileira possuía como base o casamento,
assemelhando-se muito com a família romana tradicional. Permanecia a idéia de que a mulher
e os filhos submetiam-se ao marido/pai, devendo-lhe obediência e por este representados,
sendo considerados relativamente incapazes pelo ordenamento jurídico à época, mais
precisamente segundo o artigo 233, I, do Código Civil de 191611. O homem, chefe de família,
detinha sozinho o pátrio poder, podendo gerir a vida de seus filhos menores de forma quase
absoluta. Além disso, era o responsável por autorizar o trabalho da mulher (artigo 233, IV, em
sua redação original), bem como por estabelecer o domicílio conjugal (artigo 233, III) e
administrar o patrimônio familiar.
Em relação aos filhos, há que se frisar a distinção que era feita entre os legítimos e os
ilegítimos. Os primeiros, oriundos do casamento, eram reconhecidos e gozavam de todos os
direitos decorrentes da filiação; por sua vez, os filhos ilegítimos, frutos de relações alheias ao
matrimônio, não recebiam qualquer amparo legal12.
Havia, nessa época, uma grande preocupação com a manutenção da chamada “paz
doméstica”, o que implicava no não-reconhecimento dos filhos ilegítimos, e também numa
certa permissividade quanto ao adultério, essencialmente masculino, entre outros aspectos13.
Nota-se, nesse contexto, a força conferida à entidade familiar, uma vez que, em prol de
sua segurança, os anseios particulares de seus membros eram, muitas vezes, reprimidos.
10 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 38. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2007, v. 2. p. 347. 11 LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso Avançado de Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, v. 5. p. 255. 12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p.
282. 13 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque
dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 24.
7
Por fim, há que se mencionar o enfoque patrimonial dado à família pelo Código Civil
de 1916, uma vez que mais da metade dos dispositivos que versavam sobre o Direito de
Família eram acerca do patrimônio14. De fato, a família brasileira era eminentemente rural, e
os detentores do poder e da riqueza (os grandes fazendeiros) tinham interesse em manter a
sociedade com a mesma distribuição da renda. Assim, buscavam impor um modelo familiar
que não permitisse a distribuição de riqueza, atrelando a sucessão do patrimônio ao próprio
núcleo restrito da família, que possuía os mesmos valores dominantes de seu chefe.
Não obstante, em meados do século XX houve um relevante avanço legislativo em
matéria de Direito de Família, o que representou uma mudança em certos paradigmas da
tradicional entidade familiar.
Primeiramente, cabe destacar a edição do Decreto-Lei nº 3.200/41, a Lei de Proteção
da Família, que, embora não tenha suprimido as principais deficiências da legislação então
vigente, significou um passo importante na proteção oficial do Estado à família.15 A Lei
trouxe medidas como a da gratuidade do casamento civil; o aumento do percentual do
imposto sobre a renda dos solteiros ou dos casais sem filhos; a ausência de menção, nas
certidões de registro civil, da circunstância de ser legítima ou não a filiação; entre outras
previsões.
Importante avanço no que diz respeito aos filhos considerados ilegítimos foi a edição
do Decreto-Lei nº 4.737/42, que admitiu o reconhecimento dos filhos adulterinos, embora
apenas após o desquite16. Até que se chegasse ao reconhecimento dos filhos ainda na vigência
do casamento, no entanto, foram necessárias diversas alterações na legislação dessa matéria.
No que diz respeito à igualdade entre os cônjuges, a Lei 4121/62, o denominado
Estatuto da Mulher Casada teve papel fundamental. A mulher, antes reconhecida como
relativamente incapaz, teve sua emancipação consagrada, passando a ser considerada como
uma “colaboradora” do marido na gerência da família. Tal situação, por certo, não
representava a igualdade plena entre o homem e a mulher, que só viria a se consagrar com a
14 LÔBO, Paulo Luiz Neto. A repersonalização das relações de família. In: BITTAR, Carlos Alberto (Org.). O
Direito de Família na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 65. 15 BARBOZA, Heloisa Helena. O direito de família brasileiro no final do século XX. In: A nova família:
problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 93. 16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.
5. p. 345.
8
Constituição de 1988, mas, sem dúvidas, foi um grande marco na busca pelo tratamento
igualitário entre os cônjuges17.
A entrada em vigor da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), além de traduzir importante
passo na equiparação de filhos legítimos e ilegítimos, significou um marco no Direito de
Família ao regulamentar a possibilidade de divórcio trazida pela Emenda Constitucional nº
09/7718. Antes dessa emenda, o casamento no Brasil era considerado indissolúvel, por força
do artigo 175, § 1º, da Constituição de 1967/69. Com essa inovação, portanto, houve uma
mitigação da idéia de se ter o casamento como único pilar da família, o que representou, sem
dúvida, um avanço social.
A Lei do Divórcio destacou-se, também, por equiparar o homem e a mulher no tocante
ao dever de prestar alimentos, no caso de filho oriundo de uma relação adulterina.
Anteriormente, apenas o pai estava sujeito a tal prestação, nos termos da Lei 883/49, em seu
artigo 4º19.
Ao final do século XX, os avanços trazidos, principalmente, pela Constituição de
1988, alteraram o conceito de família de forma global, alcançando a maneira como se
interpreta o próprio Direito de Família.
Em verdade, houve uma mudança na idéia de família sob o ponto de vista dos valores
morais, guardando relação direta com a promulgação da Constituição de 1988 (CF/88): de um
lado, observa-se que certos valores, já presentes na sociedade, foram inseridos na
Constituição, passando a receber a proteção do ordenamento jurídico; em contrapartida, a
nova Carta trouxe a previsão de normas (principalmente princípios) relativas à família que,
mesmo parecendo estar à frente do pensamento de parte da sociedade, tiveram o condão de
impulsionar a interpretação do Direito de Família no sentido de privilegiar a dignidade
humana e o bem-estar das pessoas envolvidas nas relações familiares.
O foco do Direito, no que tange à família, passou a ser cada membro que a compõe, e
não mais esta como uma instituição. Cada vez mais se busca eliminar a antiga idéia de que a
17 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.
5. p. 420. 18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p.
191 e 192. 19 BARBOZA, Heloisa Helena. O direito de família brasileiro no final do século XX. In: A nova família:
problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 87.
9
família deveria ser protegida a qualquer custo, mesmo que isso afetasse seus integrantes em
termos emocionais e psicológicos.
A chamada “família eudemonista ou afetiva”, hoje almejada, é regida pelo princípio da
afetividade, que privilegia os sentimentos das pessoas no âmbito familiar, entendendo-se que
não deve haver uma imposição estatal, ou mesmo social, de regras que protejam em demasia a
entidade familiar, em detrimento dos anseios pessoais dos indivíduos, ou seja, nas palavras de
Luiz Edson Fachin “Proclama-se a concepção eudemonista da família: não é mais o indivíduo
que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu
desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade20.
Nesse ponto, percebe-se que o Estado destacou expressamente seu papel de protetor da
família no texto constitucional (art. 226, caput): “art. 226. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado”, se deve ter em mente que tal proteção se justifica somente até
onde houver também a proteção de cada membro da família, não se tratando, pois, de uma
proteção à instituição da família por si só.
Assim, muitas características da tradicional família patriarcal vêm diminuindo em
importância, ou mesmo desaparecendo, nos dias atuais. O próprio casamento, pilar básico da
família até poucos anos atrás, vem perdendo a força diante do crescente número de famílias
constituídas por outros tipos de relação que não a matrimonial. Merecem destaque as
previsões dos §§ 3º e 4º do art. 226 da CF/88, que trazem, respectivamente, a união estável e a
família monoparental. Desse modo, têm-se hoje três tipos de família previstas no
ordenamento jurídico brasileiro: a baseada no matrimônio, a monoparental e a união estável21.
Além disso, a família possui, hoje, um caráter bem menos patrimonial do que possuía
à época da vigência do Código Civil de 1916, principalmente antes da CF/88, seguindo a idéia
de que a família deve ser constituída com o intuito de se alcançar a felicidade, a satisfação
pessoal, e não o cumprimento de uma imposição social, que atendia ao interesse das classes
dominantes quanto à distribuição das riquezas.
Outro aspecto relevante trazido pela Constituição de 1988 é a previsão de que o
planejamento familiar será livre (art. 226, § 7º), com base na dignidade humana e na
paternidade responsável. O Estado, protetor da família, não permitirá que haja intervenção
20 FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código Cívil brasileiro. 2. ed.
rev. e atual. Ricardo Pereira Lira (Coord.) Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 306. 21 O Código Civil de 2002 também reconheceu a união estável em seu art.1723 e seguintes.
10
nesta seara, pois se trata de uma escolha pessoal a ser tomada22. Não obstante tal previsão, a
tendência atual é a de que haja uma redução quantitativa dos membros das famílias, o que
ocorre, sobretudo, pela inserção da mulher no mercado de trabalho e pelo elevado custo de
criação de um filho, aliado à crescente disponibilidade de métodos contraceptivos.
Entre os princípios elencados pela Constituição de 1988, sobressalta-se o princípio da
dignidade humana (art. 1º, inciso III), que possui vasta aplicação no campo do Direito de
Família23. Como visto, foi fator determinante para que se considerasse a família como meio
de satisfação dos anseios pessoais de seus membros; também teve papel fundamental na
previsão do livre planejamento familiar; entre outros aspectos.
Outro princípio de extrema relevância é o da igualdade entre homens e mulheres,
consagrado em vários momentos pela CF/88.24 A elevação da idéia de igualdade ao status de
norma constitucional representou, sem dúvidas, um passo fundamental na luta contra a
discriminação da mulher, seja no campo profissional, seja em âmbito das relações pessoais, o
que afeta profundamente a idéia de família, uma vez que a torna mais democrática.
No que diz respeito à igualdade entre os filhos, a CF/88 também teve um papel de
destaque ao trazer a previsão de que não haverá qualquer espécie de distinção entre os filhos
oriundos do casamento e aqueles provenientes de adoção ou de uma relação extraconjugal
(art. 227 § 6º)25.
Tendo a Constituição de 1988 proibido quaisquer designações discriminatórias (art.
227 § 6º), foi editada a Lei nº 7.841, de 17 de outubro de 1989, a qual no art. 1º revogou o art.
358 do Código Civil, que proibia o reconhecimento dos filhos “adulterinos” e “incestuosos”26.
De fato, a Carta de 1988 buscou proteger a criança e o adolescente, estabelecendo que
haverá por eles uma responsabilidade conjunta entre o Estado, a família e a sociedade, que
22 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2005, v. 5. p. 37. 23 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p. 6. 24 Art. 5°, caput; art.3°, IV; art.226, § 5°. 25 Tal previsão constitucional refletiu no art. 5º da Lei 8.069/90 que estabeleceu: Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2005, v. 5. p. 347.
11
deverão assegurar-lhes desde condições básicas, como a alimentação, até mesmo a cultura e o
lazer (art. 227).27
Inovação considerável é a do princípio do melhor interesse da criança, pelo qual os
interesses desta terão prioridade em face aos demais, tal princípio tem previsão legal no artigo
3º do ECA28. Outro importante princípio, elencado entre os direitos da criança e do
adolescente, é o da convivência familiar, que prevê que toda criança tem o direito de ser
criada no seio de sua família conforme art. 19 do ECA29.
Nos dias atuais, a família brasileira, embora já tenha evoluído muito em comparação
ao início do século, permanece em contínuo processo de transformação. Os avanços trazidos
pela Constituição de 1988, cada vez mais, estão sendo absorvidos pela sociedade - algumas
questões, como a do reconhecimento de filhos concebidos fora do casamento, que outrora
eram geradoras de calorosas discussões, encontram-se inseridas na sociedade de forma
praticamente plena.
Desse modo, tem-se que a idéia de entidade familiar representa hoje um conceito
bastante amplo, marcado por diversas possibilidades de formação.
Nesse sentido, merece destaque a adoção da guarda compartilhada de menores, que
traduz o surgimento de novas formas de família possíveis, uma vez que possibilita o exercício
conjunto da guarda dos filhos pelos pais ou por outros sujeitos da relação familiar, como tios
e avós.
Assim, o estudo da guarda compartilhada, objeto central deste trabalho, insere-se nesse
contexto de defesa das novas alternativas de constituição da família, que, como visto, tem sua
27 Tal dispositivo deve ser analisado juntamente com a Lei 8.069/90 em seu art. 4º, caput, que estabelece: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 28 Art. 3º da Lei 8.069/90: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 29 Art. 19 da Lei 8.069/90: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família
e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre
da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
12
proteção justificada na medida em que promove o bem-estar de cada um de seus membros, e
não pela obediência a padrões impostos para sua formação.
A tendência é de, num futuro não muito distante, surgirem novos desafios para as
relações familiares, como as decorrentes do desenvolvimento biotecnológico, com o rápido
avanço na reprodução assistida apresentado nos últimos anos, que, muitas vezes, acaba por
gerar situações de instabilidade na família, seja por não virem acompanhados de avanços
legislativos, seja por não estarem de acordo com a cultura de grande parte da sociedade.
Sobre o tema escreve Luiz Edson Fachin:
A “tecnologia da filiação” ou a “biotecnologia aplicada às relações de descendência genética” traz um novo horizonte jurídico a desvendar. Situações como esterilidade feminina ou hipofertilidade, a impotência generandi e muitas outras hipóteses provocam novos desenvolvimentos na área. Não obstante a realidade social e econômica não seja congruente em fulgor tecnológico, centros de fertilização atuam onde o direito ainda não alcançou. Dados da realidade começam a provocar distorções diante da lacuna da lei. Mulheres de baixa renda começam a se oferecer para serem mães de aluguel, para emprestar seu útero à gestação de quem não pode procriar. Este é um dos paradoxos, uma das distorções que começam a ocorrer, exatamente, por falta de uma regulamentação específica30
Assim, pode-se dizer que o panorama atual da família brasileira é marcado por
consideráveis avanços sociais e legislativos ocorridos ao longo de todo o século XX, que
trazem consigo rumos indefinidos, porém, que fazem surgir expectativas de que o novo século
será ainda mais decisivo no caminho de novas conquistas no Direito de Família.
1.3 Poder familiar
Em consonância com a evolução familiar observada durante o século XX, a noção de
“pátrio poder” passou por uma profunda atualização, que alcançou desde sua nomenclatura
até suas características mais essenciais.
A expressão “pátrio poder” foi substituída, no Código Civil de 2002, por “poder
familiar”, de fato mais adequada, posto que traduz a participação de toda a família no
processo de formação dos filhos. Outros ordenamentos também já adotam expressões mais
30 FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código Cívil brasileiro. 2. ed.
rev. e atual. Ricardo Pereira Lira (Coord.) Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 247.
13
condizentes com a evolução do instituto, como “poder parental”, em Portugal e “autoridade
parental”, na França31.
A idéia do poder familiar, antes relacionada com a autoridade absoluta que o pai
exercia sobre seus filhos, passou a envolver um aspecto protetivo e construtivo na formação
da criança32. Restou consolidado o entendimento de que o poder familiar não mais se
apresenta como um conjunto de direitos que os pais têm sobre os filhos, e sim como um
poder-dever, que deve ser exercido no interesse da criança. Trata-se, pois, de uma situação de
poder, em que os pais interferem na esfera dos filhos em seu favor33.
Fala-se, ainda, que o poder familiar representa um conjunto de responsabilidades, uma
vez que se baseia na necessidade de proteção apresentada pelos filhos34. O Conselho da
Europa35, a seu turno, já adota a expressão “responsabilidades parentais” para referir-se ao
poder familiar36.
Ademais, tem-se que a autoridade parental é exercida pelos pais e, em outra medida,
também pelos filhos, posto que esses possuem um papel essencial na família e na sociedade
como um todo. A própria Constituição de 1988, em seu artigo 229, menciona o recíproco
amparo que deve existir entre os pais e seus filhos. Com isso, consagra-se a bilateralidade das
relações entre ambos, que impõe às duas esferas um conjunto de direitos e deveres.
31 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 32. 32 A noção de poder familiar adotada no Brasil sofreu a influência do Direito Romano, no qual o pater exercia
sobre os filhos um poder de natureza despótica, que não prestigiava a figura da mãe. Essa corrente diferenciava-
se daquela de origem germânica, que não se mostrou tão severa, prevendo a participação de ambos os pais na
formação da criança. 33 A situação de poder decorre da vulnerabilidade das crianças, que necessitam de alguém que lhes encaminhem
em sua formação, diferenciando-se da situação de direito potestativo, em que há a interferência na esfera jurídica
alheia em proveito do próprio sujeito ativo desse direito. 34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.
5. p. 423. 35 O Conselho da Europa é a mais antiga de todas as organizações de cooperação na Europa. Seu objetivo é
conseguir uma maior unidade entre os seus membros, facilitar o progresso social e econômico, e promover a
adesão aos princípios fundamentais da democracia, ao primado do direito e aos direitos humanos. 36 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 33.
14
Nesse sentido, os filhos não podem ser considerados objetos da autoridade dos pais,
nem mesmo sujeitos passivos nessa relação, uma vez que são os destinatários desse poder-
dever e atuam de forma determinante nesse cenário.
Em conformidade com o princípio constitucional da igualdade entre homens e
mulheres, outro aspecto desenvolvido foi a idéia de que ambos os pais devem exercer o poder
familiar, sem que prevaleça a vontade de apenas um deles, injustificadamente - tanto o
Código Civil (art. 1.631), como o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 21 da Lei
8069/90) trazem previsões que consagram a idéia de que o pai e a mãe são igualmente
responsáveis pelo desenvolvimento dos seus filhos.
Nesse sentido é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves:
A igualdade completa no tocante à titularidade e exercício do poder familiar pelos cônjuges só se concretizou com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo art. 226, § 5º, dispôs: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Em harmonia com o aludido mandamento, estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 21: “O pátrio poder deve ser exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência”. O Código Civil de 2002, nessa trilha, atribui o poder familiar a ambos os pais, em igualdade de condições, dispondo, no art. 1.631: “Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”. Nesse exercício, divergindo os pais, “é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo” (parágrafo único)37.
Assim, o conceito de poder familiar apresenta hoje uma nova delimitação, mais ampla,
que, para Caio Mário da Silva Pereira, compreende um “complexo de direitos e deveres
quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estrita colaboração, e em
igualdade de condições”38.
Nas palavras de Waldyr Grisard Filho, poder parental “é o conjunto de faculdades
encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o
37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p.
370. 38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v.
5. p. 421.
15
pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja físico, mental, moral, espiritual e
social”39.
Tendo-se em mente o conceito moderno de poder familiar, cabe a exposição dos
principais aspectos de seu exercício.
1.3.1 O Exercício do poder familiar
O poder familiar, como visto no subitem anterior, deve ser exercido pelo pai e pela
mãe, em igualdade de condições, como um poder-dever, que se justifica tão somente em razão
do interesse da criança ou do adolescente.
O exercício do poder familiar envolve também o interesse público, pois representa um
elemento intrínseco da família, base da sociedade. Assim, é considerado inalienável,
irrenunciável e imprescritível.
Necessário frisar, nesse sentido, que o poder parental abrange a proteção e o
desenvolvimento tanto da pessoa do menor quanto de seus bens.
Em relação aos bens da criança, a regra geral é a de que os pais serão usufrutuários dos
bens dos filhos, possuindo a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade
(artigo 1.689, CC). Desse modo, há uma proteção do patrimônio do menor, que não possui,
ainda, capacidade para a gestão de seus bens. No entanto, o próprio Código Civil mitiga tal
regra, prevendo alguns bens que não se incluem no usufruto e administração dos pais (art.
1.693), bem como limitando sua atuação – aos pais é defeso, por exemplo, alienar os imóveis
dos filhos, em regra (art. 1.691).
Além disso, não obstante a norma geral de que os pais serão os representantes e
assistentes dos filhos menores de idade (art. 1.690, CC e art. 8°, CPC), há a previsão de
nomeação de curador especial, no caso de colisão dos interesses dos filhos com os dos pais
(art. 1.692, CC e art. 9°, I, CPC).
Por sua vez, o artigo 1.634 do Código Civil apresenta os direitos e deveres dos pais no
que diz respeito ao exercício do poder familiar quanto à criança40.
39 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 27.
16
Inicialmente, o artigo fala nos deveres de criação e educação (que também estão
previstos nos artigos 227 e 229, da CF; e nos artigos 4º, 22 e 53, do ECA). A idéia é a de que
os pais devem sempre agir de forma a proporcionar o adequado desenvolvimento dos filhos,
suprindo-lhes as necessidades morais e materiais, bem como se responsabilizando por sua
instrução e correção.
Em seguida, há a previsão de que os pais devem manter os filhos em sua guarda e
companhia (artigos 19 e 22, do ECA), o que permite que os primeiros reclamem os últimos de
quem ilegalmente os detenha (ver artigo 839 e seguintes, do Código de Processo Civil –
CPC). Além disso, os pais podem exercer vigilância e fiscalização nas atividades dos filhos,
na medida em que estiverem zelando pela sua boa formação.
Neste ponto, cabe destacar que a separação, o divórcio ou a dissolução da união
estável41 não alteram o exercício do poder familiar, salvo no tocante à companhia dos filhos
(artigo 1.632, do CC). Isso porque, mesmo havendo a determinação de que apenas um dos
pais deva ficar com a guarda da criança, o outro genitor, não-guardião, permanecerá
exercendo os demais direitos e deveres abarcados pela autoridade parental. Assim, apenas a
companhia constante do menor é que restará prejudicada com a dissolução do matrimônio ou
da união estável e a conseqüente determinação da guarda do filho para um dos genitores.
Outro atributo do poder familiar é a competência dos pais de concederem ou não o
consentimento exigido para que os filhos menores possam casar, nos termos do artigo 1.517
do Código Civil42.
Importante lembrar que tal consentimento acarretará na extinção do poder familiar, já
que se adquire a maioridade pelo matrimônio (art. 5º, parágrafo único, II, Código Civil)43.
40 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords.) Manual de direito das
famílias e das sucessões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 259. 41 De acordo com o art. 3º da Lei 6.515/77, a separação judicial põe fim aos deveres de coabitação, de fidelidade
recíproca e ao regime de bens, como se o casamento fosse dissolvido; e com o art. 24, o divórcio põe termo ao
casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. Na primeira situação nós verificamos a dissolução
somente da sociedade conjugal, permanecendo o vínculo; na segunda, o casamento se dissolve por completo,
com a extinção daquele. LOTUFO, Maria Alice Zaratin. Curso avançado de direito civil: Direito de Família. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 132. 42 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 306.
17
Além disso, o artigo 1.634 fala na representação, assistência e nomeação de tutor para
a criança, de acordo com as previsões dos artigos 8º, do CPC e 142, do ECA. A representação
da criança ou adolescente pelos seus pais ocorrerá quando este for absolutamente incapaz
(artigo 3º, I, CC), necessitando de um representante legal para que seus atos sejam válidos44.
Por sua vez, haverá a assistência na hipótese de incapacidade relativa (artigos 4º e 5º, do CC),
o que envolve aspectos morais e materiais.
Quanto à tutela, juntamente com o instituto da curatela, cabe aqui apenas o registro de
que os pais poderão nomear tutor aos filhos por testamento ou documento autêntico no caso
de impossibilidade de exercício do poder familiar pelo outro genitor.
Por fim, o artigo 1.634 trata do direito que os pais têm de exigir que os filhos lhes
prestem obediência, respeito e serviços apropriados a sua idade e condição45. Tal previsão
encontra-se em pleno acordo com a idéia de que o poder familiar é bilateral, englobando
direitos e deveres próprios dos pais e, também, dos filhos. Neste ponto, cabe frisar que esses
deveres dos filhos encontram-se dentro dos limites de uma convivência doméstica saudável,
ou seja, não devem ultrapassar um certo ponto, razoável, sob pena de que reste configurado
um abuso do poder familiar.
1.3.2 Da perda e da suspensão do poder familiar
O poder familiar, quando não exercido de forma correta, pode ocasionar a sua perda,
suspensão ou extinção, além do pagamento de multa (artigo 249, do ECA).
Quanto à perda do poder familiar, esta se encontra prevista nos artigos 1.638 do CC e
129, do ECA, sendo a penalidade mais severa para aqueles que não exercerem a autoridade
parental de maneira correta. Relaciona-se com a falta ou abuso no exercício do poder familiar,
em que os pais expõem os filhos a situações muito graves, não apresentando condições de
43 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; SILVA, Marcelo Francisco. Poder
Familiar e Tutela:À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2005. p. 33. 44 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; SILVA, Marcelo Francisco. Poder
Familiar e Tutela:À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2005. p. 34. 45 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords.) Manual de direito das
famílias e das sucessões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 260.
18
permanecerem no controle de seu desenvolvimento46. É, pois, permanente, além de abranger
todos os filhos da pessoa, mesmo que o abuso tenha se dado apenas em relação a um deles. A
perda do poder familiar, por ser uma medida muito gravosa, somente poderá ser determinada
mediante ato judicial.
Para Carlos Roberto Gonçalves:
A perda do poder familiar é permanente, mas não se pode dizer que seja definitiva, pois os pais podem recuperá-lo em procedimento judicial, de caráter contencioso, desde que comprovem a cessação das causas que a determinaram. É imperativa, e não facultativa, Abrange toda a prole, por representar um reconhecimento judicial de que o titular do poder familiar não está capacitado para o seu exercício47.
Em relação à suspensão do poder familiar, esta é uma medida mais branda que a
anterior, sendo temporária e direcionada apenas ao filho a quem o poder familiar foi exercido
de forma insatisfatória. Sua previsão está nos artigos 1.637 do CC e 129, inciso X, do ECA,
relacionando-se com uma conduta indigna adotada pelos pais, mas se deve ter em mente que,
devido ao grau abstrato dessa previsão, abre-se grande espaço para a interpretação do juiz,
que possui um papel muito importante nessas circunstâncias.
Silvio Rodrigues disserta:
A suspensão e a destituição do poder familiar constituem, assim, sanções aplicadas aos pais pela infração do dever genérico de exercerem o poder parental de acordo com as regras estabelecidas pelo legislador, e visam atender ao maior interesse do menor. A nosso ver, tais sanções têm menos um intuito punitivo aos pais do que ode preservar o interesse dos filhos, afastando-os da nociva influência daqueles. Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou à destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares”48.
No que tange as funções dos juízes e do Ministério Público nos processos que dizem
respeito ao poder familiar, apresentam-se estas muito acentuadas, auxiliadas pela atuação de
psicólogos e assistentes sociais, uma vez que envolvem não apenas a análise técnica da
situação, mas também uma busca pelo real estado em que a criança se encontra, no que se
refere aos cuidados oferecidos pelos pais.
46 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords.) Manual de direito das
famílias e das sucessões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 263. 47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 6. p.
389. 48 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 6. P. 368 e 369.
19
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, também trata dos
procedimentos de perda e suspensão do poder familiar, a partir do seu artigo 152.
Inicialmente, o artigo 155 do ECA diz que o Ministério Público ou qualquer pessoa
que possua legítimo interesse tem legitimidade para provocar tais procedimentos.
O artigo 157, por sua vez, traz a possibilidade de decretação liminar ou incidental da
suspensão do poder familiar, se houver grave motivo para tal. Nessa hipótese, o menor ficará
confiado a pessoa idônea, que firmará um termo de responsabilidade.
Sobre o tema leciona Tânia da Silva Pereira:
Comprovadas de forma irrefutável as situações de maus-tratos, negligência e abuso sexual, autoriza o art. 157, ECA a suspensão liminar ou incidental do Poder Familiar até o julgamento final da causa. O afastamento do agressor da convivência familiar prevista no art. 130, ECA pode ser requerido em procedimento cautelar, ou mesmo, em tutela antecipada49.
O direito de defesa do requerido, de acordo com o artigo 158, poderá ser exercido em
10 dias, a contar de sua citação. No artigo 159, há a previsão da nomeação de advogado
dativo, para o caso de o requerente não possuir condições de constituir um advogado
particular50. Além disso, havendo ausência de contestação, o juiz dará vista dos autos ao
Ministério Público, exceto quando este for o requerente (artigo 161, caput).
Merece destaque os parágrafos do artigo 161, que estabelecem a oitiva de testemunhas
e profissionais de outros ramos (como psicólogos e sociólogos), bem como da própria criança,
nos casos de possível modificação da guarda.
O artigo 162 trata da audiência de instrução e julgamento, a ser realizada após a
abertura de vista dos autos ao Ministério Público, que ocorrerá sempre que este não for o
requerente.
Por fim, o artigo 163 estabelece que a sentença que decretar a perda ou suspensão do
poder familiar deverá constar no registro de nascimento da criança51.
No que diz respeito à extinção do poder familiar, esta ocorre, naturalmente, quando se
tornam os filhos maiores de idade. Porém, também pode ocorrer nas hipóteses de
49 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 731. 50 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 734. 51 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 734.
20
emancipação, decisão judicial que determine a perda do poder familiar, adoção ou morte dos
pais ou filhos, nos termos do artigo 1.635, do CC.
Deve-se lembrar que, de acordo com o Código Civil brasileiro, a menoridade civil
cessa aos 18 anos (artigo 5º). No entanto, poderá haver a emancipação em algumas hipóteses,
elencadas no parágrafo único do mesmo artigo, que faz com que cesse a incapacidade para
esse adolescente, com a conseqüente extinção do poder familiar.
O artigo 1.636 do Código Civil, por sua vez, explicita que não haverá a perda dos
direitos inerentes ao poder familiar se um dos pais contrair novas núpcias ou união estável, no
que toca aos filhos oriundos do casamento ou união anterior.
Por oportuno, cabe mencionar o instituto da guarda compartilhada, que, ao determinar
que ambos os pais permanecerão com a guarda do filho após a separação, possibilita o pleno
exercício do poder familiar tanto pelo pai quanto pela mãe, mesmo após o fim do vínculo
amoroso que os unia, uma vez que o convívio com a criança será contínuo para ambos.
Nesse sentido, Ana Carolina Brochado Teixeira ressalta que:
[...] o mérito da guarda compartilhada tem sido muito mais social do que jurídico, pois vem ao encontro do novo conceito de paternidade. A discussão em torno do assunto tem feito com que os pais busquem a implantação do modelo. Quando efetivada, porém, seus efeitos abrangem a experiência do pleno exercício da autoridade parental, nos exatos moldes do art. 1632 do CCB/0252.
Isso significa que através da guarda compartilhada pode-se assegurar um maior
envolvimento emocional entre o filho e os pais, o que é extremamente benéfico, tanto para os
pais que se satisfazem em auxiliar o filho, quanto para o próprio filho que se sente seguro e
tranqüilo pelo amor recebido, ao invés de se sentir um troféu disputado por eles.
No próximo capítulo trabalharemos o instituto da guarda em si, aprofundando mais o
tema.
52 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
p. 110.
21
2 A GUARDA, TUTELA E CURATELA
Contempla-se nesse capítulo o instituto da guarda, da tutela e da curatela, sua
disposição na legislação pátria, assim como suas peculiaridades, por fim apresentam-se breves
comentários as várias modalidades de guarda previstas na doutrina.
2.1 Conceito de guarda
A guarda de menores, no conceito bastante abrangente de Flávio Lauria, pode ser
entendida como um:
[...] complexo de direitos e deveres que uma pessoa ou um casal exercem em relação a uma criança ou adolescente, consistindo na mais ampla assistência à sua formação moral, educação, diversão e cuidados para com a saúde, bem como toda e qualquer diligência que se apresente necessária ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades humanas, marcada pela necessária convivência sob o mesmo teto, implicando, inclusive, na identidade de domicílio entre a criança e o(s) respectivo(s) titular53.
Interessante o comentário de Gustavo Tapedino:
Com relação à guarda, a própria expressão semântica parece ambivalente, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca, na educação e formação da personalidade do filho54.
De fato, o instituto da guarda, embora transmita a idéia de responsabilidade de uma
pessoa (a princípio, os pais) sobre outra (a criança ou adolescente), possui uma perspectiva
bilateral, como ocorre na autoridade parental, uma vez que há entre esses dois sujeitos uma
relação de troca, pois ambos adquirem um crescimento pessoal com seu exercício.
A guarda, como visto, representa uma das atribuições do poder familiar, de acordo
com o artigo 1.634, II, do CC e com o artigo 22, do ECA. Assim, aqueles que detêm o poder
familiar possuem, em regra, a guarda dos filhos.
No entanto, a guarda não permanece vinculada ao poder familiar, podendo existir um
sem o outro. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de separação conjugal com a
determinação de que apenas um dos genitores ficará com a guarda do menor: neste caso, o
genitor não guardião permanece exercendo o poder familiar, embora não mais possua a
53 LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. 2ª
tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 62. 54 TAPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In:
Pereira, Rodrigo da Cunha. (coord.) Afeto, Ética e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 309.
22
guarda de seu filho. Há outra hipótese que é o da fixação da guarda para os avós, que não
detêm o poder familiar.
Sobre o tema:
O Eca, quando cuida do poder familiar, incumbe aos pais (art. 22) “o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores” e, sempre no interesse destes, o dever de cumprir as determinações judiciais. Essa regra permanece aplicável, pois os poderes assegurados pelo novo Código somam-se os deveres fixados na legislação especial e na própria Constituição. O dever de guarda não é inerente ao poder familiar, pois pode ser atribuído a outrem55.
Importa saber é que a guarda, assim como o poder familiar, deve ser exercida segundo
o interesse da criança, posto que o Direito busca o seu adequado desenvolvimento e formação.
2.2 Guarda, tutela e curatela
O presente trabalho, como afirmado em sua Introdução, tem como objetivo, dentre
outros, o estudo da guarda em seu aspecto mais corrente, qual seja, aquela exercida pelos pais,
durante a vigência do casamento ou não, em decorrência do poder familiar. Difere-se esta
daquela exercida em razão da colocação da criança em família substituta, tratada pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente em seus artigos 33 a 35, nos denominados institutos da tutela e
da curatela.
Em relação à tutela, esta encontra respaldo nos artigos 36 a 38 e 164, do ECA, e 1.728
a 1.766, do Código Civil56. Trata-se de uma modalidade de família substituta para a criança,
em que o tutor exercerá a guarda em condições especiais, dada a ausência do poder familiar.
Para Pontes de Miranda a tutela “é o poder conferido pela lei, ou segundo princípios
seus, à pessoa capaz, para proteger a pessoa e reger os bens dos menores que estão fora do
pátrio poder”57.
A tutela, diferentemente do que ocorre na guarda comum, é unipessoal, havendo a
escolha de apenas um tutor. A nomeação do tutor pode ser testamentária, quando os pais da
criança indicam um tutor (artigos 1.729 e 1.634, IV, do CC); pode também ser legítima,
55 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de Família e o novo Código Civil. 3.
ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 186. 56 VERONESE, Josiane Rose Petry; GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem; SILVA, Marcelo Francisco. Poder
Familiar e Tutela:À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC
Editora, 2005. p. 112. 57 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1947. v. 3. p. 253 e
254.
23
quando não houver indicação válida pelos pais, hipótese em que o tutor será um parente
consangüíneo da criança (artigo 1.731); ou pode, ainda, ser dativa, quando a escolha do tutor
for feita pelo juiz (artigo 1.732). A tutela, independente do tipo, se concretiza no mundo
jurídico através de uma decisão judicial58. Além disso, a nomeação deverá também preencher
os requisitos dos artigos 28 a 32, do ECA.
As atribuições do tutor estão previstas nos artigos 1.740 e 1.747, do CC, e serão
passíveis de inspeção pelo juiz. Por sua vez, o artigo 1.748 traz algumas outras competências
do tutor, que poderão ser exercidas apenas mediante autorização judicial. Por fim, deve-se
observar o artigo 1.749, que apresenta algumas condutas defesas ao tutor, sob pena de
nulidade.
No que diz respeito à curatela, deve-se saber que esta, tal qual a guarda e a tutela, visa
à proteção de incapazes. No entanto, diferentemente daquelas, a curatela dirige-se aos
incapazes maiores de idade. O artigo 1.767, do CC, elenca os sujeitos à curatela, que passarão
a ser dirigidos por um curador somente após decisão judicial.
Para Maria Helena Diniz a curatela “é o encargo público, cometido, por lei, a alguém
para reger e defender a pessoa e administrar os bens de maiores, que, por si sós, não estão em
condições de fazê-lo, em razão de enfermidade ou deficiência mental59.
Importante previsão é a do artigo 1.778 do CC, que estende a autoridade do curador
aos filhos menores do curatelado, fazendo surgir entre eles uma relação triangular60.
A autoridade que o curador irá exercer quanto aos filhos do curatelado aproxima-se,
em certa medida, ao poder familiar, o que, pode-se dizer, acaba por caracterizar uma nova
forma de relação familiar. Assim, essa situação insere-se no atual contexto de consolidação
das novas possibilidades de entidades familiares, em consonância com a idéia de que a família
deve ser pautada em princípios e valores que persigam o melhor interesse de seus membros,
sobretudo o das crianças.
Nesse mesmo sentido, merece destaque a figura do curador especial, prevista no artigo
142, § único, do ECA, e no artigo 9º, inciso I, do Código de Processo Civil, que estabelecem
58 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 415 59 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006. v. 5. p. 623. 60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 14 ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 5.
p. 486.
24
sua nomeação em caso de falta de assistência/representação ou de colisão de interesses entre
os pais e a criança.
O Código Civil, por sua vez, trouxe a figura do curador especial em seu artigo 1.692,
inserido na parte do diploma que trata dos direitos patrimoniais no Direito de Família. Não
obstante sua localização no referido diploma legal, a nomeação do curador especial não deve
ser considerada apenas em seu aspecto patrimonial, como sugere o Código.
Ao contrário, deve-se entender que a importância maior do curador especial pode,
muitas vezes, estar em seu papel de protetor da criança ou adolescente. Quer dizer, embora a
função de administrar os bens da criança seja sempre relevante, há que se ter em mente que o
curador especial acaba por representar uma figura de amparo e proteção à própria criança.
Desse modo, a relação surgida entre ambos, dependendo do caso, pode gerar uma situação
muito próxima a de uma família, senão uma própria, o que deve ser levado em conta no
momento da nomeação e de todo o tratamento conferido ao curador especial.
Por oportuno, cabe destacar, ainda, o artigo 932, II, do CC, que prevê a
responsabilidade civil dos tutores e curadores pelos atos praticados pelos pupilos e
curatelados sob sua guarda61.
2.3 Determinação da guarda segundo a legislação vigente
2.3.1 A disciplina da guarda no Código Civil
A guarda dos filhos, decorrente do poder familiar, não apresenta muitas polêmicas
doutrinárias quando exercida durante a vigência do casamento ou da união estável (artigos
1.566, IV e 1.724, respectivamente).
Com a ruptura da relação conjugal, entretanto, a situação torna-se delicada, posto que
a determinação da guarda da criança ou adolescente produzirá efeitos marcantes na relação
entre os pais e, sobretudo, nas relações entre os pais e seus filhos.
Nada obstante, deve-se ter em mente a previsão do artigo 1.632, do CC, que fala da
não interferência da dissolução do casamento ou união estável nas relações entre pais e filhos,
salvo no tocante à guarda e companhia.
Assim, havendo a ruptura da relação amorosa que envolvia os pais, haverá a
determinação da guarda da criança ou do adolescente, que poderá ou não permanecer com
ambos os genitores, dependendo da modalidade de guarda a ser adotada. O Código Civil traz
61 O primeiro inciso do artigo 932 fala na responsabilidade civil dos pais que estiverem em companhia dos filhos.
25
algumas regras acerca da fixação da guarda, que deverão ser observadas pelo juiz à luz do
princípio do melhor interesse da criança.
Primeiramente, tem-se o artigo 1.584 do CC, alterado pela novel Lei 11.698/08, que
trata, em seus incisos, dos meios pelos quais a guarda pode ser estabelecida, seja através de
requerimento dos pais (inciso I), seja por decreto do juiz (inciso II).
O parágrafo 5º do referido artigo, por sua vez, repete o ditame do antigo parágrafo
único, ao prever que o juiz poderá atribuir a guarda da criança ou do adolescente à pessoa
diversa dos pais, se esta apresentar melhores condições de exercê-la, estando em maior
conformidade com o interesse deste.
Merece destaque, também, o artigo 1.586, que possibilita ao juiz determinar a guarda
de forma diferente, se tal medida melhor atender ao interesse da criança. Utilizava-se essa
previsão como um dos fundamentos legais para a aplicação da guarda compartilhada, antes do
advento da Lei 11698/0862.
Uma vez determinada a guarda, surgem certas atribuições não apenas a quem irá
exercê-la, mas também ao genitor não-guardião. Este, além de permanecer no exercício de
todos os outros atributos do poder familiar, terá o direito de visitar a criança ou adolescente,
nos termos do artigo 1.589, do Código Civil.
Esse direito, também tido como um dever, busca a manutenção dos laços entre a
criança e o genitor não-guardião após a ruptura da relação conjugal, diminuindo seus efeitos
danosos. O sistema de visitação a ser adotado dependerá de cada caso concreto, podendo
apresentar uma maior ou menor regulação em seu exercício – há casos em que a criança pode
ser livremente visitada por aquele que não possui a sua guarda, e outros em que se fixa a
visitação apenas em finais de semana alternados, por exemplo.
Quanto ao direito de visita, cabe destacar que a Lei 11.112/05 trouxe uma definição do
seu regime, inserida no parágrafo 2º do artigo 1.121, do Código de Processo Civil63. Tal
definição, baseando-se na busca pela permanência dos filhos na companhia de ambos os
genitores, prevê a repartição das férias escolares e dos dias festivos, bem como o
62 Lei que regulamentou o instituto da Guarda Compartilhada. 63 Parágrafo 2º do art. 1.121 do CPC: Entende-se por regime de visitas a forma pela qual os cônjuges ajustarão a
permanência dos filhos em companhia daquele que não ficar com sua guarda, compreendendo encontros
periódicos regularmente estabelecidos, repartição das férias escolares e dias festivos.
26
estabelecimento de encontros regulares entre o filho e o genitor que não permaneceu com sua
guarda.
Além disso, a referida lei incluiu, no mesmo artigo 1.121 do Código de Processo Civil,
em seu inciso II, a previsão de que o acordo acerca da guarda dos filhos e do regime de visitas
a ser adotado deverá constar da petição inicial da ação de separação consensual, conferindo
destaque à matéria.
Outro direito do genitor não-guardião é o de fiscalizar a guarda da criança, que deve
ser exercida adequadamente. Essa fiscalização, na verdade, não compete apenas ao pai ou à
mãe que não está com a guarda do filho, pois qualquer pessoa que observar uma má condução
no exercício da guarda da criança ou do adolescente deverá relatar os acontecimentos às
autoridades competentes64.
Por fim, aquele que não estiver na guarda do filho deverá prestar alimentos a este, na
proporção de suas condições, como previsto no artigo 1.703, do CC. Tal dever, na verdade,
decorre do poder familiar do genitor, que não termina, como visto, com o não exercício da
guarda. Assim, ambos os genitores permanecerão, após o término da relação conjugal,
contribuindo para o sustento dos filhos, de acordo com seus recursos e com as necessidades
apresentadas pela criança ou adolescente65.
2.3.2 A disciplina da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente
No caso da guarda disciplinada pelo Estatuto, esta decorre de uma situação de
orfandade ou abandono da criança, que necessitará de uma família substituta que o acolha. De
acordo com o artigo 34, este acolhimento deverá ser estimulado pelo Poder Público, através
de incentivos fiscais, assistência jurídica e subsídios66.
A colocação da criança em família substituta, nos termos do artigo 28, pode ocorrer
por meio de guarda, tutela ou adoção. Em regra, a guarda será concedida no curso dos
processos de adoção ou tutela, com o intuito de regularização da posse de fato da criança até
64 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque
dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 61 e 62. 65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2006. v. 5. p. 575. 66 Art. 34 do ECA: O poder público estimulará, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o
acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
27
que estes restem concluídos (artigo 33, § 1°). Excepcionalmente, porém, a guarda poderá ser
deferida em situação distinta, se houver a necessidade desta medida (§ 2º).
Sobre o tema Caio Mario ensina:
A “guarda” destina-se a regularizar a posse de fato, e pode ser concedida em caráter liminar ou incidental, nos procedimentos de adoção e tutela (§ 1º do art. 33, ECA), vedada, contudo, no de adoção por estrangeiro (art. 31, ECA). Sugere o legislador, quando possível, a oitiva daquele que vai ser acolhido e atendendo a que se lhe propicie ambiente adequado, repelindo-se toda eventual incompatibilidade ou ambiente que se revele, no momento do pedido, inconveniente. A colocação em família substituta não exclui a hipótese de se efetuar em família estrangeira, mas somente por via de adoção (art. 31, ECA). Traduz, em princípio, uma situação provisória, podendo, excepcionalmente, ter caráter permanente, como na hipótese do § 2º do art. 33 do ECA, para “atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados67.
Assim, tem-se que a guarda estabelecida nos moldes do ECA, via de regra, apresenta-
se como provisória, podendo ser revogada a qualquer tempo, observado o disposto no artigo
35 deste diploma68.
Quando se trata de processos de pedido ou de modificação de guarda é aconselhável
que o juiz determine a realização de estudo ou perícia social, para poder averiguar melhor a
situação em que de fato a criança ou adolescente esta inserida.
Sobre a importância do trabalho do assistente social Alcebir Dal Pizzol escreve:
Quanto ao trabalho do assistente social neste procedimento, em que não está presente o litígio, o juiz pode determinar a realização de estudo social para averiguar a situação dos pais ou responsável que estão cedendo a guarda, assim como daqueles que pretendem assumi-la, sempre objetivando o bem-estar da criança ou adolescente. Por outro lado, havendo litígio, isto é, instalado o contraditório, considera-se mais adequada a intervenção do assistente social por meio de perícia social. Quando chamado a atuar como perito, o assistente social deve desenvolver seu trabalho utilizando todos os métodos e técnicas profissionais, bem como, conhecer e seguir as regras legais e processuais referentes à perícia judicial. Em um processo litigioso, pode ocorrer que, mediante fatos ou situação nova, o perito venha a perceber a possibilidade das partes fazerem um acordo; nesse caso, o profissional deve informar o fato novo em seu laudo69.
67 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 15. ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v.
5. p. 472. 68 Art. 35 do ECA: A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido
o Ministério Público. 69 PIZZOL, Alcebir Dal. Estudo Social ou perícia social?Um estudo teórico – prático na justiça catarinense.
Florianópolis: Insular, 2005.
28
2.4 Modalidades de guarda
A guarda de crianças e adolescentes, como visto, é em regra exercida pelos pais, em
decorrência do poder familiar (artigo 1.634, II, do CC), bem como dos deveres oriundos do
casamento ou união estável (artigos 1.566, IV e 1.724, respectivamente). Trata-se da guarda
comum, que não gera maiores discussões, por enquadrar-se perfeitamente ao modelo de
família mais aceito socialmente, que envolve os pais convivendo com seus filhos.
A guarda dos filhos por apenas de um dos genitores, ou guarda única, era até a Lei
11.698/08 o modelo adotado, tendo-se em vista que na maioria dos casos se optava pela
guarda única70. Este modelo, entretanto, não se mostra o mais adequado, uma vez que
dificulta o relacionamento da criança com um dos genitores, o não guardião, além de tratar os
pais de forma desigual.
Outra opção é a guarda por terceiro, que ocorre nos casos em que os pais não
apresentam condições de permanecerem com a guarda dos filhos, embora possam permanecer
com o poder familiar. Nestes casos, é preferível confiar a guarda à pessoa diversa, que melhor
atenda ao interesse da criança ou adolescente.
Quanto ao tema Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto comentam:
[...] Porém, importa ressaltar que os pais, mesmo não detentores da guarda de seus filhos, não se encontram dispensados dos seus deveres, especialmente aqueles inerentes ao poder familiar, dentre os quais pode-se referir a obrigação de prestar alimentos, o que, em sendo permitido, poderia tornar-se um bônus aos pais irresponsáveis, que deixariam de ter qualquer obrigação para com seus rebentos. Assim, primordialmente, a criança ficará com parentes próximos, sempre resguardando o grau de afetividade e de afinidade entre ambos71.
Merece menção, também, a guarda de fato, que ocorre quando uma pessoa assiste a
outra por vontade própria, sem que haja determinação legal ou judicial. Note-se que, nesta
hipótese, não há relação de autoridade parental entre a pessoa guardiã e a criança, mas haverá
a necessidade de decisão judicial para que o vínculo estabelecido seja desfeito.
Para Waldyr Grisard Filho guarda de fato:
É aquela que se estabelece por decisão própria de uma pessoa que toma o menor a seu cargo, sem qualquer atribuição legal (reconhecida aos pais ou
70 Com o advento da Lei 11.698/08, a guarda compartilhada passa a ser o modelo recomendado pela legislação,
conforme parágrafo 2º do art. 1584 do CC: Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. 71 SPENGLER, Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler. Inovações em direito e processo de família. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 86.
29
tutores) ou judicial, não tendo sobre ele nenhum direito de autoridade, porém todas as obrigações inerentes à guarda desmembrada, como assistência e educação. Desmembrada mas não delegada, uma vez que inexiste controle nem avaliação tanto sobre o guardião como sobre o menor. O vínculo jurídico que assim se estabelece, entretanto, só será desfeito por decisão judicial em benefício do menor72.
A guarda alternada, em seu turno, representa um modelo pelo qual a criança
permanece na guarda de um dos genitores por um período, pré-fixado, que pode ser de uma
semana, um mês, um ano ou qualquer outro lapso temporal previamente ajustado, durante o
qual o outro genitor terá, em contrapartida, o direito de visita. Transcorrido o período
combinado, a situação inverte-se: aquele que possuía a guarda da criança passa a ter apenas o
direito de visita e aquele que este possuía passa a exercer a guarda.
Tal modelo, embora apresente muitas vantagens, como o tratamento igualitário
conferido aos pais, não se mostra o melhor, pois fere o importante princípio da continuidade,
pelo qual se devem evitar ao máximo as mudanças no cotidiano da criança, bem como em
suas relações com os pais.
Para Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto:
[...] Na verdade, é na guarda alternada que o menor passa determinado período de tempo na casa de um e depois de outro genitor, sucessivamente e, justamente essa inexistência de rotina é que dá vazão aos ataques que esse modelo de responsabilidade parental vem sofrendo porque, a princípio, traria malefícios à prole ante a inexistência de um padrão de comportamento único para com a criança e ao mesmo tempo exigido dela73.
Surge, então, o modelo da guarda conjunta ou compartilhada, objeto central deste
estudo, que busca minimizar os efeitos da ruptura conjugal no tocante às relações entre pais e
filhos. Neste modelo, ambos os genitores permanecem exercendo plenamente a autoridade
parental, tomando conjuntamente as decisões que se referem à criança ou adolescente.
Waldyr Grisard Filho comenta:
A guarda compartilhada, ou conjunta, é um dos meios de exercício da autoridade parental, que os pais desejam continuar exercendo em comum quando fragmentada a família. De outro modo, é um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental,
72 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 71. 73 SPENGLER, Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler. Inovações em direito e processo de família. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 91.
30
como faziam na constância da união conjugal74. A guarda compartilhada, atendendo aos princípios da igualdade e da continuidade,
apresenta características muito vantajosas ao adequado desenvolvimento da criança, o que
será a seguir analisado.
74 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 111.
31
3 GUARDA COMPARTILHADA
Como último capítulo do trabalho, este se encontra voltado para a guarda
compartilhada em si, nele estuda-se a evolução histórica da guarda compartilhda, as
características dessa modalidade de guarda, assim como a fundamentação legal para sua
aplicação. Faz-se uma ampliação das possibilidades de aplicação desse instituto, observa-se
como a guarda compartilhada é tratada em outros ordenamentos jurídicos, trata-se de suas
vantagens e desvantagens apontas pela doutrina e por último tem-se a análise jurisprudencial
da guarda compartilhada nos tribunais superiores e de alguns estados brasileiros.
3.1 Evolução familiar até a guarda compartilhada e o princípio do melhor interesse da
criança
A evolução da família ocorrida ao longo do século XX, como visto, permitiu o
surgimento e fortalecimento de novas modalidades familiares, que vêm ganhando espaço no
cenário social brasileiro.
A chamada família eudemonista ou afetiva, baseada nos princípios constitucionais da
igualdade e da dignidade da pessoa humana, ao privilegiar o bem-estar de cada um dos seus
membros evidencia, também, a consagração do princípio da afetividade, de suma importância
na análise das relações que envolvem crianças e adolescentes.
Por este princípio, as relações familiares devem sempre ser calçadas no afeto, o que
vai ao encontro da atual tendência de despatrimonialização do Direito de Família. Não há
mais que se falar em um modelo familiar clássico, prevalecendo a idéia de que é livre a
constituição de cada família, desde que respeitados os princípios de ordem pública e os
direitos de terceiros.
Sobre o tema, expõe Luiz Edson Fachin que:
[...] o Direito não imune à família como refúgio afetivo, centro de intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível, família como sendo o mosaico da diversidade, ninho da comunhão no espaço plural da tolerância, valoriza o afeto, afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias de um renovado parentesco, informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou consangüíneos. Tolerância que compreende o convívio de identidades, espectro plural, sem supremacia desmedida, sem diferenças discriminatórias, sem aniquilamentos. Tolerância que supõe possibilidade e limites. Um tripé que, feito desenho, pode se mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões. Eis então o direito ao refúgio afetivo75.
75 FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código Cívil brasileiro. 2 ed. rev.
e atual. Ricardo Pereira Lira (Coord.) Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 318.
32
Nesse sentido, observa-se uma crescente diversidade familiar na sociedade brasileira,
caracterizada por relações mais democráticas, pautadas na afetividade de seus membros.
Como expressão desse pluralismo familiar, há o reconhecimento constitucional das
famílias monoparentais e das uniões estáveis, que tiveram o condão de afastar a idéia do
matrimônio como modelo único de família.
Nesse contexto de famílias possíveis, merece destaque a adoção da guarda
compartilhada de crianças e adolescentes, pela qual os genitores permanecem tomando as
decisões acerca dos filhos conjuntamente, mesmo após o término do casamento ou da união
estável.
Essa nova opção de guarda vem ganhando força na doutrina e na jurisprudência
brasileiras, uma vez que se traduz em verdadeira concretização dos princípios constitucionais
norteadores da família contemporânea.
Na medida em que é expressão de um crescente pluralismo familiar, o
compartilhamento da guarda se faz possível não apenas entre os genitores, abrindo espaço,
também, para a formação de famílias compostas pela criança e seus avós ou tios, por
exemplo. A idéia é a de que sejam atendidos os anseios da criança quanto a uma boa
formação, mesmo que isto implique na concessão da guarda para figuras diversas das dos
genitores.
Entre os pilares da guarda compartilhada, assim, encontra-se o princípio do melhor
interesse da criança, que busca privilegiar os interesses das crianças e adolescentes em face
aos demais.
Este princípio, no ordenamento brasileiro, possui natureza de direito fundamental, o
que ocorre através de duas maneiras, uma vez que, além de estar previsto de forma dispersa
ao longo da Carta de 1988 (por exemplo, no artigo 227, caput e §6º; e no artigo 7º, inciso
XXXIII), encontra previsão na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de
1989, ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/9076.
76 PEREIRA, Tânia da Silva; MELO, Carolina de Campos. Infância e juventude: os direitos fundamentais e os
princípios constitucionais consolidados na Constituição de 1988. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de
Janeiro, v. 3, jul./set. 2000. p. 95.
33
Art. 3.1 do Decreto 99.710/90: Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito
por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o
interesse maior da criança.
Quanto ao segundo aspecto, deve-se ter em mente a previsão do artigo 5º, § 2º, da
CF/88, que confere status de direito fundamental aos tratados dos quais fazem parte a
República Federativa do Brasil.
Em decorrência de seu caráter de direito fundamental, o princípio do melhor interesse
da criança é revestido de proteção constitucional estabelecida no artigo 60, § 4, inciso IV, da
CF/88, que impede que o poder constituinte reformador alcance certas matérias. Ademais, os
direitos fundamentais são normas de aplicação imediata, não necessitando de legislação infra-
constitucional regulamentadora para que atinjam sua efetividade77.
Desse modo, o princípio do melhor interesse da criança deve ser obedecido de forma
autônoma, dado o seu caráter normativo. Porém, também deve ser observado na interpretação
e aplicação das demais normas jurídicas, o que enseja um elevado poder discricionário dos
juízes.
De acordo com Flávio Guimarães Lauria, o princípio do melhor interesse da criança
possui, ainda, um aspecto “adjetivo”, uma vez que implica a busca de mecanismos eficazes
para fazer valer as soluções por ele encontradas78.
No Código Civil, o artigo 1.583, parágrafo 2º, traz o princípio do melhor interesse da
criança ao estabelecer que a guarda unilateral ficará com o genitor que apresentar melhores
condições de exercê-la, observados para tal decisão, os critérios previstos nos incisos do
referido parágrafo.
Ressalte-se, por oportuno, que o princípio do melhor interesse da criança, ao ser
inserido no ordenamento brasileiro (artigo 2º, do ECA e artigo 3º, da Convenção), o foi com a
nomenclatura de “maior interesse da criança”; no entanto, a expressão “melhor interesse da
criança” parece ser a mais adequada, pois privilegia o aspecto qualitativo da norma79.
77 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 95 e 96. 78 LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. 2ª
tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 37. 79 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 46.
34
A Doutrina Jurídica da Proteção Integral, por sua vez, representa uma proteção ainda
mais ampla às crianças e aos adolescentes, que deverão ser tratados com prioridade absoluta.
O Estatuto da Criança e do Adolescente traz a proteção integral em seu artigo 1º. Por sua vez,
ao adotar essa doutrina, a Constituição de 1988 estendeu a todos a responsabilidade por sua
observância (artigo 227), o que a torna, segundo Tânia da Silva Pereira, “um dever social”80.
Diante desse novo cenário social, portanto, o estudo acerca da guarda compartilhada é
dotado de grande relevância, posto que reflete a busca por institutos que estejam em
conformidade com a proteção dirigida à criança e ao adolescente estabelecida pelo
ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 Características da guarda compartilhada
O término de uma união conjugal, por certo, acaba por gerar conseqüências danosas
aos filhos oriundos dessa relação. Entre esses efeitos, destaca-se o afastamento de um dos
genitores da vida cotidiana do filho, decorrente da determinação da guarda única. Por esse
modelo, o genitor não-guardião, que teoricamente ainda possui a autoridade parental, fica
limitado, em regra, a visitas periódicas e pré-fixadas, o que de fato dificulta a permanência do
convívio entre ambos.
Diante dessa necessidade de manutenção da convivência dos filhos com ambos os
pais, mesmo após a ruptura, surge a noção de guarda compartilhada. Baseada na tomada
conjunta das decisões relativas aos filhos pelos genitores, a guarda compartilhada permite que
estes exerçam plenamente o poder familiar e mantenham a convivência com seus filhos,
diminuindo os efeitos nocivos de uma separação.
Na guarda compartilhada, a criança ou adolescente possuirá um domicílio principal,
que será, preferencialmente, aquele em que residia antes da separação dos pais. A manutenção
de uma residência única e contínua é importante para que não haja mais um fator de mudança
na vida da criança, em um momento que já apresenta muitas transformações. No entanto, a
casa do outro genitor também deve estar preparada para acolher a criança freqüentemente,
dada a idéia de compartilhamento da guarda. Assim, tem-se que o casal poderá determinar de
que forma será exercida a guarda conjunta, de acordo com as peculiaridades do caso.
80 PEREIRA, Tânia da Silva. O Melhor Interesse da Criança. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Org.). O melhor
interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 14.
35
Desse modo, uma vez adotado o modelo da guarda compartilhada, a educação dos
filhos permanece prestada conjuntamente pelos pais, que têm o dever de lhes assistir moral e
materialmente (artigos 6º, 205 e 229, da CF; e artigo 33, do ECA).
Por sua vez, a prestação de alimentos poderá ser acordada entre os pais – cada um dos
pais pode assumir parte das despesas a serem efetuadas, pagando-as diretamente; mas o
sistema de pagamento de pensão a um dos genitores também pode ser utilizado, efetuadas as
devidas compensações, decorrentes do convívio direto que o outro genitor possui com a
criança.
Importante ressaltar é que a expressão “alimentos” não diz respeito somente às
despesas a serem feitas com a alimentação do menor, englobando, também, aquelas
direcionadas à saúde, vestuário, lazer, etc. (artigo 227, da CF; e artigo 22, do ECA)81.
Quanto ao dever de fiscalização, este ocorrerá naturalmente na guarda compartilhada,
devido à participação diária e ativa de ambos os genitores na vida do menor.
Além disso, tem-se que o modelo da guarda compartilhada mantém os pais
solidariamente responsáveis pelos atos praticados por seus filhos, em conformidade com o
artigo 932, inciso I, do Código Civil, uma vez que ambos permanecem com sua guarda.
Por fim, cabe destacar que a adoção da guarda compartilhada mostra-se mais benéfica
na medida em que, além de obedecer ao princípio do melhor interesse da criança, promove
um reequilibro dos papéis parentais, posto que evita a sobrecarga de um dos genitores e o
isolamento de outro, comuns na adoção da guarda única; desta forma, promove tratamento
mais adequado a todos os membros da família82.
3.3 Fundamentação legal da guarda compartilhada
O principal fundamento para a adoção da guarda compartilhada encontra-se no
princípio constitucional da convivência familiar (artigo 227), segundo o qual a criança tem o
direito de ser criada no âmbito familiar83. O ECA também estabelece a convivência familiar
ao longo de seu texto, como nos artigos 4º; 16, V e 19. Além disso, a Lei 11.698/08, que trata
81 FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: Elementos críticos à luz do Novo Código Cívil brasileiro. 2 ed. rev.
e atual. Ricardo Pereira Lira (Coord.) Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 285. 82 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 113. 83 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque
dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 78 e 79.
36
especificamente da guarda compartilhada, trouxe a preferência à guarda compartilhada, ao
estabelecer no parágrafo 2º do artigo 1.584 do CC que esta será aplicada, sempre que
possível.
De fato, para que se alcance a manutenção da convivência entre pais e filhos após a
separação do casal, é necessário que se adote um modelo de guarda que não permita o
afastamento de um dos genitores, o que é comum nas demais modalidades de guarda. A
guarda conjunta, nesse ponto, é mais vantajosa, pois busca manter o convívio familiar o mais
próximo possível da situação anterior à ruptura.
A noção de convivência familiar envolve, também, o direito que ambos os pais
possuem de estar em contato com seus filhos. Ou seja, o princípio da isonomia (artigos 5°, I e
226, § 5°, da CF, e artigo 21, do ECA) representa outro fundamento da guarda compartilhada,
uma vez que não deve haver restrições à convivência familiar para nenhum dos genitores.
Outra previsão constitucional que se deve ter em mente para a aplicação do modelo da
guarda compartilhada é o artigo 229, que estabelece o dever de assistência dos pais quanto a
seus filhos, o que deve ser feito tanto pelo pai quanto pela mãe, e mesmo após o fim do
casamento ou união estável.
A legislação infra-constitucional, por sua vez, também abre espaço para a adoção da
guarda compartilhada. O Código Civil, recentemente alterado pela Lei 11.698/08, em seu
artigo 1.583, parágrafo 1º, segunda parte, veio trazer um conceito legal de guarda
compartilhada84. Com tal previsão legal a guarda compartilhada passa a fazer, efetivamente
parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Salienta-se que a Lei nº 11.698/08, apesar de sua importância, por inserir a guarda
compartilhada na legislação, veio apenas para consolidar o entendimento doutrinário e
jurisprudencial já existente acerca do tema, não trazendo, até o momento, nenhuma mudança
na forma como a matéria é tratada.
Cabe lembrar a previsão do artigo 1.579, do CC, que determina a não alteração das
relações entre pais e filhos após a separação conjugal.
84 Art. 1.583, § 1º, segunda parte do CC.: Compreende-se [...] por guarda compartilhada a responsabilização
conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao
poder familiar dos filhos comuns.
37
Especificamente sobre a guarda, o artigo 1.584, I, do CC, permite que os pais
requeiram a modalidade de guarda que gostariam que fosse estabelecida, o que possibilita,
portanto, a escolha pelo modelo da guarda compartilhada.
Há que se considerar, ainda, a previsão do artigo 1.690, parágrafo único, que
estabelece a tomada conjunta das decisões acerca dos filhos e seus bens pelos pais.
Diante do exposto, tem-se que a guarda compartilhada encontra-se em perfeita
harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, sendo uma opção de guarda dos filhos que,
na prática, concretiza uma série de normas jurídicas relativas à proteção de crianças e
adolescentes.
3.4 Ampliação da guarda compartilhada
A guarda compartilhada, uma vez que inserida no atual contexto de novas famílias
possíveis, não pode ser recebida pela sociedade somente em seu aspecto mais corrente, qual
seja, o que envolve apenas os pais da criança ou adolescente no exercício conjunto da guarda.
O compartilhamento, reflexo de uma nova opção de guarda, que almeja o melhor
interesse da criança, muitas vezes mostra-se mais adequado quando exercido por figuras
distintas dos pais da criança, situação esta que se apresenta, na prática, como eficaz na
solução de conflitos acerca do tema.
A idéia de ampliação da guarda conjunta é, portanto, a de buscar a efetividade do
princípio do melhor interesse da criança, que nem sempre é possível por meio do convívio
diário com os pais. Muitas vezes, o desenvolvimento da criança mostra-se mais adequado
quando dirigido, por exemplo, por seus tios ou avós. Trata-se, pois, de uma determinação
acerca de quais os sujeitos melhor se apresentam como titulares da guarda, a ser feita de
acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.
Para tal, deve-se levar em consideração, além da vontade da criança, a presença de
certos elementos necessários ao satisfatório exercício da guarda, como, por exemplo, o
ambiente familiar e a situação financeira em que será posta a criança ou adolescente85.
Além disso, o adequado exercício da guarda pressupõe a existência de certos valores
no âmbito da relação entre a criança e aquele que será seu guardião. Destaca-se, nesse ponto,
85 BARRETO, Marilza Fernandes. Direito de visita dos avós: uma evolução no Direito de Família. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1989. p. 6 e 7.
38
aspectos como a responsabilidade, a afetividade, a dedicação e a proteção conferidas pelo
sujeito à criança.
Tais fatores, analisados sob a ótica da proteção que o ordenamento jurídico estabelece
à criança, podem ser sintetizados na expressão “cuidado”. Ou seja, a guarda deve ser atribuída
àquele que possuir melhores condições de cuidar do infante, proporcionando-lhe um melhor
desenvolvimento. Para Leonardo Boff, “cuidar do outro é zelar para que esta dialogação, esta
ação de diálogo eu-tu, seja libertadora, sinergética e construtora de aliança perene de paz e
amorização”86.
A guarda conjunta a ser exercida por sujeitos diversos dos genitores da criança
encontra respaldo não apenas nos já referidos dispositivos que permitem a adoção da guarda
compartilhada pelos pais, mas também pela redação do artigo 1.584, § 5º, do Código Civil,
que assim dispõe:
Art. 1.584 [...] [...]§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
De acordo com esse dispositivo, a guarda poderá ser conferida a terceiros, se tal ação
mostrar-se a mais adequada ao caso concreto. Tal entendimento, segundo a doutrina e a
jurisprudência, permite a conclusão de que também é possível o compartilhamento da guarda
entre os pais da criança e tais sujeitos, o que, de fato, representa uma medida menos radical,
posto que não retira por completo a guarda exercida pelos pais.
Assim, tem-se defendido uma concepção mais ampla da guarda compartilhada, que
envolve, além dos genitores, figuras como tios e tutores, mas, sobretudo, os avós da criança.
A adoção desse modelo de guarda, em regra, costuma ocorrer em casos nos quais os
pais, ou ao menos um deles, convivem com a criança na mesma residência que os avós, ou
tios, por exemplo. Nessas hipóteses, quando tais sujeitos já exercem, na prática, o papel de
guardiões, assistindo-lhe moral e materialmente, é oportuno que a eles seja concedida a
guarda formal, o que pode ser feito através do compartilhamento da guarda.
Note-se que tal situação decorre daquela prevista no artigo 33, do Estatuto da Criança
e do Adolescente, que se baseia no exercício da guarda de fato. Difere-se esta daquela guarda
decorrente do poder familiar, própria dos pais, que permanecerá efetiva com a adoção do
86 BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p.
139.
39
compartilhamento. Em outras palavras, a guarda compartilhada entre os pais e outros
familiares comporta dois fundamentos distintos: para os primeiros, há a guarda oriunda da
autoridade parental; quanto aos segundos, tem-se a guarda com base na posse de fato. Logo,
não há que se falar em perda do poder familiar pela adoção de tal modelo.
No que diz respeito aos avós, não é incomum que estes possuam a guarda dos netos,
em casos de perda do poder familiar pelos pais (muitas vezes, há uma transferência desse
poder aos avós). Além disso, há os casos em que, mesmo com a permanência do exercício do
poder familiar pelos pais, a guarda é concedida aos avós, dadas suas melhores condições de
exercê-la.
Outro aspecto a ser considerado é o de que, mesmo quando não possuem a guarda dos
netos, aos avós é garantido o direito de visita, decorrente não do ordenamento positivado, mas
do próprio Direito Natural, segundo Marilza Fernandes Barreto87.
Quanto a isso, deve-se ter em mente que a manutenção desse vínculo familiar mostra-
se saudável para a criança, na medida em que a figura dos avós representa uma segunda opção
de amparo, capaz até mesmo de limitar possíveis abusos praticados no exercício do poder
familiar.
Para a autora, o direito de visita dos avós representa, ainda, uma contrapartida a certos
direitos e obrigações decorrentes desse laço de parentesco, como a previsão de que é devida a
prestação alimentícia entre ambos (artigo 4º, do ECA; artigo 227, da CF; e artigo 1.696, do
CC), o que se coaduna, também, com a idéia de solidariedade familiar88.
Portanto, tem-se que a guarda compartilhada entre pais e avós não implica em medida
alheia a práticas já adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, como a concessão da
guarda exclusiva aos avós ou a proteção de sua relação com a criança ou adolescente. Desse
modo, sua adoção deve ser facilitada, sempre que tal medida refletir uma opção mais
adequada ao interesse da criança.
Diante do exposto, há que se pensar a guarda compartilhada como um modelo mais
amplo de constituição familiar, que busca compatibilizar os interesses dos que a integram,
privilegiando, sempre, os interesses e o bem-estar da criança.
87 BARRETO, Marilza Fernandes. Direito de visita dos avós: uma evolução no Direito de Família. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1989. p. 31. 88 BARRETO, Marilza Fernandes. Direito de visita dos avós: uma evolução no Direito de Família. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1989. p. 35.
40
3.5 Guarda compartilhada e Direito comparado
No plano internacional, a guarda compartilhada representa uma tendência do Direito
de Família, notadamente na Europa e na América do Norte. Surgida na Inglaterra em meados
da década de 60, propagou-se pelos países europeus, principalmente na França, que a
desenvolveu, até alcançar a América, onde encontrou respaldo no Canadá e nos Estados
Unidos. Na América do Sul, merecem destaque a Argentina e o Uruguai, que também
perseguem o exercício conjunto dos atributos do poder familiar. Entre os ordenamentos
europeus, o inglês foi aquele que iniciou o estudo sobre a guarda compartilhada, por meio de
decisões que privilegiavam o interesse da criança e a igualdade entre homens e mulheres89.
Por sua vez, a Itália adotou a guarda compartilhada com a reforma do Direito de
Família de 1975, que alterou seu Código Civil – pelo artigo 159, o juiz do divórcio poderá
determinar que todos os atos do poder familiar sejam exercidos por ambos os genitores90.
Na Alemanha, não há necessidade de decisão sobre a guarda no momento da ruptura
da relação conjugal, pois se defende a não interferência do Estado quanto a tais questões.
Porém, quando faz-se mister um pronunciamento judicial, têm os juízes decidido pelo
compartilhamento91.
Na península ibérica, Portugal recebeu a guarda conjunta por meio da Lei nº 84/95,
que traz a possibilidade de acordo dos pais quanto ao exercício comum da autoridade
parental92. Em 1999, a Lei nº 59/99 reforçou tal previsão, estabelecendo que o juiz deve tentar
obter o acordo dos pais que resulte na adoção da guarda compartilhada93. A Espanha, a seu
turno, possui dois dispositivos importantes em seu Código Civil em matéria de guarda: o
artigo 154, que diz serem os pais co-titulares do exercício do poder familiar; e o artigo 156, §
89 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 118. 90 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 117. 91 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.116. 92 GONCALVES, Denise Wilhelm. Guarda compartilhada. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina,
Legislação e Critica Judiciária, São Paulo, v. 50, n. 299, set. 2002. p. 49. 93 SOTTOMAYOR, Maria Clara. A introdução e o impacto em Portugal da guarda conjunta após o divorcio.
Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 2, n. 8, jan./mar. 2001. p. 58.
41
5°, que permite ao juiz a determinação da guarda compartilhada, se for esta solicitada por um
dos genitores e atender ao melhor interesse da criança94.
No que diz respeito à América do Norte, a guarda compartilhada encontrou respaldo
no Canadá e nos Estados Unidos, como dito. No primeiro, limita-se aos casos em que um dos
pais manifesta o desejo pelo compartilhamento95. Já nos EUA, teve origem na mudança de
papéis entre homens e mulheres, que ensejou uma alteração concomitante no exercício da
guarda96. Fez-se uma distinção entre “joint legal custody”, que representa a tomada conjunta
de decisões acerca dos filhos, e “joint physical custody”, que traduz a situação em que ambos
os pais buscam estar o maior tempo possível em contato com seus filhos97.
Na América Latina, destaca-se a Argentina, onde o exercício compartilhado do poder
familiar é adotado como regime básico, de acordo com o artigo 264, § 1°, do seu Código
Civil, alterado pela Lei n° 23.264/8598.
Por fim, cabe mencionar a Convenção sobre Direitos da Criança de 1990, promulgada
pelo Brasil através do Decreto n° 99.710/90, que, em seu artigo 9º, parágrafo 3, protege a
relação pessoal e o convívio diário da criança com ambos os pais99. Além disso, o artigo 18,
parágrafo 1, reforça o princípio da igualdade, prevendo que os pais são igualmente
responsáveis pelo desenvolvimento da criança100.
Diante desse panorama internacional, percebe-se que a guarda compartilhada
representa uma tendência mundial, embora ainda encontre restrições em algumas regiões,
como na África. Quanto a isso, deve-se ter em mente que cada país possui suas características
94 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 115 e 116. 95 GONCALVES, Denise Wilhelm. Guarda compartilhada. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina,
Legislação e Critica Judiciária, São Paulo, v. 50, n. 299, set. 2002. p. 49. 96 SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda Compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 93. 97 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque
dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 64. 98 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 117. 99 Artigo 9º, § 3º do Decreto n° 99.710/90: Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada
de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que
isso seja contrário ao interesse maior da criança. 100 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 114.
42
culturais próprias, fazendo com que seus costumes evoluam em velocidades distintas. Afinal,
mesmo dentro de um país (e tome-se o Brasil como exemplo), encontram-se áreas muito
diferentes, podendo ser mais ou menos receptivas a esse novo modelo de guarda dos filhos.
Nesse sentido, a conclusão a que se chega é a de que o mais relevante para a escolha do
modelo de guarda não é o país em que a questão será decidida, mas sim as peculiaridades da
família envolvida.
3.6 Vantagens e desvantagens da guarda compartilhada
O modelo da guarda compartilhada apresenta uma série de vantagens em sua adoção,
embora algumas críticas ainda sejam levantadas pela doutrina, dentre elas a de que a guarda
compartilhada feriria a autonomia dos pais e o melhor interesse do menor, fato que será
discutido mais adiante.
Inicialmente, fala-se que a guarda compartilhada pode gerar para a criança uma
sensação de instabilidade, uma vez que haverá a convivência ora com um, ora com outro
genitor.
Todavia, tal crítica parece dizer respeito, na verdade, à noção de guarda alternada, na
qual a criança passa períodos alternados de convivência com cada genitor. Essa situação, de
fato, não tem se mostrado a mais adequada para uma pessoa em fase de formação, pois vai de
encontro à idéia de continuidade que a criança necessita.
O que ocorre na guarda conjunta, diferentemente, é que a criança permanece
envolvida, diariamente, com ambos os pais, mas não deixa de ter uma residência fixa. Ou
seja, há a determinação de um lar principal, embora a convivência com o outro genitor seja
mantida101.
Outro comentário que se faz é que a guarda compartilhada poderia gerar na criança
uma falsa expectativa de reconciliação dos pais. Porém, como bem ressalta Eduardo de
Oliveira Leite, a crítica não procede, por duas razões:
A primeira, porque o objetivo da guarda é tão-somente manter os laços paterno-filiais aos quais a criança tem direito. A segunda razão, e esta é mais difícil de se compreender já que independe do mundo jurídico, porque a ocorrência de expectativa ou não de reconciliação não depende da guarda (matéria jurídica), mas sim do diálogo franco e objetivo (matéria
101 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 175.
43
psicológica) que os pais mantiveram e mantêm com os filhos102. Há, também, a crítica de que a guarda conjunta poderia significar uma forma de
exposição da criança a conflitos contínuos entre os pais, que, por este modelo, permanecem
tendo um contato freqüente. Nesse ponto, cabe destacar que a doutrina e a jurisprudência
brasileiras vêm alertando para o fato de que a guarda compartilhada apenas é viável no caso
de haver uma boa relação entre os pais103. De fato, o exercício da guarda compartilhada requer
uma harmonia entre seus titulares, na medida em que há a necessidade do acordo entre ambos
para a solução de diversas questões cotidianas, ou seja, havendo uma boa relação entre os
pais, não há que se falar em não observação ao melhor interesse da criança.
Há posições adversas, que se posicionam de forma crítica, como por exemplo, o faz a
Juíza de Direito da Vara da Família e Sucessões da Comarca de Goiânia: Maria Luiza Póvoa
Cruz:
Obviamente, compartilhar a educação dos filhos, seria o ideal. Pais presentes, participativos. Porém, essa premissa não é a realidade das Varas de Família. Nas relações judiciais, às vezes, o elo determinante da família, o amor, o afeto, o respeito, perdem espaço para conflitos, desentendimentos. E os filhos? Se encontram no meio da história da degradação pessoal dos pais. Poupar os filhos, como o casal é tarefa preciosa do juiz e advogado, auxiliados por estudiosos da psicologia da, psicanálise. [...] É interessante o(s) filho(s), serem educados, acompanhados por pais que se odeiam? Onde anda o melhor interesse do menor? O princípio da autonomia do casal, (não observado pela novel Legislação), estabelecido no artigo 226, parágrafo 7º, da CF: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedado qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas104.
A nosso ver, a MM. Juíza se equivocou ao interpretar a Lei da guarda compartilhada,
entendendo que esta passaria a ser a única modalidade de guarda possível, quando na verdade
permanece o art. 1.586 do CC, podendo o juiz regular de maneira diversa das previstas,
dependo dos fatos. Posto isso, o juiz levará em conta a relação entre os pais e decidirá o
modelo de guarda a ser adotado, sempre levando em conta o melhor interesse da criança.
102 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e
mães separados e dos filhos na ruptura do vínculo conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 288. 103 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 167 e 168. 104 CRUZ,Maria Luiza Póvoa. Guarda Compartilhada ou Conjunta: Fere a autonomia dos pais e relega o
interesse do menor. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=426>. Acesso em: 26/08/2008.
44
Assim, não há como pensar na guarda conjunta sem que haja uma relação saudável
entre os pais, nem tampouco no caso de um deles não manifestar interesse pela adoção do
modelo. Afinal, não se pode compelir um dos genitores a cooperar com o outro no exercício
da guarda, o que é fundamental para a caracterização do compartilhamento105.
Há que se entender a guarda compartilhada como forma de minimizarem-se os efeitos
da ruptura conjugal para a criança, através da manutenção do exercício pleno do poder
familiar por ambos os cônjuges. Uma vez que por este modelo a guarda é conferida aos dois
genitores conjuntamente, a relação entre eles não sofre modificações tão severas, o que é de
extrema importância para a formação da criança.
De fato, o convívio com os pais mostra-se muito relevante para uma criança, de modo
que o término da relação conjugal não deve ser motivo de prejuízo para a relação entre pais e
filhos. Segundo Flávio Lauria:
[...] durante a infância e a adolescência, o ser humano se encontra em uma fase peculiar da sua existência e as experiências que vai vivenciar ao longo desta etapa da vida terão repercussão na formação de sua estrutura psíquica. Dentre os fatos mais importantes deste momento tão peculiar estão aqueles que dizem respeito ao relacionamento da criança com seu pai e sua mãe e que terão ligação direta com o exercício das respectivas funções materna e paterna106.
Assim, a possibilidade de manutenção da convivência familiar, apontada como um dos
fundamentos da guarda compartilhada, representa uma situação muito benéfica ao
desenvolvimento da criança, que não se afasta de um dos genitores em decorrência da ruptura
conjugal. Dessa forma, a criança permanece recebendo a influência tanto do pai quanto da
mãe, o que amplia suas possibilidades de aprendizado107.
Nesse contexto, a guarda conjunta privilegia, também, o princípio da continuidade,
uma vez que a criança, além de não sofrer o afastamento de um dos genitores (o que é comum
nos casos em que é atribuída a guarda única), permanece com seus hábitos costumeiros, na
medida do possível.
105 SALLES, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
p. 101. 106 LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. 2ª
tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 57. 107 Ressalta-se que a convivência familiar é considerada no ordenamento jurídico brasileiro como um princípio
constitucional (artigo 227, CF), além de ter sido consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 19).
45
Ademais, esse modelo encontra-se em consonância com o princípio da afetividade, ao
estimular o convívio da criança com os dois genitores. Tal situação insere-se no atual conceito
de família eudemonista ou afetiva, pelo qual as relações familiares devem privilegiar o bem-
estar e o afeto de seus membros.
Não se pode esquecer, ainda, que a visão moderna da família faz-se bastante
abrangente, permitindo novas formas de sua constituição, o que, como visto, também é
abarcado pela guarda conjunta, dada a possibilidade de um compartilhamento mais amplo
(entre tios, avós etc).
Quanto ao conceito contemporâneo de família, considere-se também que a guarda
compartilhada obedece aos princípios constitucionais da igualdade e da paternidade
responsável, posto que confere aos pais a criação dos filhos de forma igualitária. Assim,
permite que o pai participe de forma mais efetiva no desenvolvimento do filho, não se
tornando um mero provedor, isolado das decisões a seu respeito, o que comumente ocorre
com a imposição da guarda única. Em contrapartida, o compartilhamento da guarda evita a
sobrecarga de tarefas destinadas à mulher, que normalmente fica obrigada a cumular suas
funções profissionais com as de criação dos filhos. Desse modo, a guarda conjunta, além de
mostrar-se como opção adequada à boa formação dos filhos, oferece também aos pais uma
série de benefícios, que permitem a estes um melhor cumprimento de suas funções
parentais108.
Outro aspecto positivo é que a guarda compartilhada evita que se realize uma busca
desenfreada pelo melhor guardião entre os pais da criança, no momento da determinação da
guarda, o que poderia gerar muita angústia para todos. Deve-se ter em mente que a previsão
do Código Civil de que será detentor da guarda o genitor que apresentar melhores condições
para tal apenas justifica-se enquanto preservado o interesse da criança109.
Além disso, a determinação da guarda única é propícia para o surgimento de uma
espécie de disputa entre os ex-cônjuges, que, muitas vezes, não conseguem separar a questão
da guarda dos filhos de eventuais questões afetivas ainda pendentes. Tal situação pode chegar
ao ponto em que um genitor busca influenciar negativamente na construção da opinião da
108 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 172. 109 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque
dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 108.
46
criança quanto ao outro genitor, por exemplo. Certamente, essa disputa pode gerar problemas
para a formação da criança, que já se encontra naturalmente abalada por conta da separação
dos pais. Uma vez que a criança permanecerá períodos semelhantes com os dois genitores, na
guarda compartilhada, tal incidência torna-se sensivelmente reduzida, o que auxilia na
constituição de uma relação mais saudável entre todos.
Ou seja, muitas vezes, esse momento de fixação da guarda por si só já é gerador de
conflitos familiares, sendo a adoção da guarda conjunta um meio de se afastar tal situação.
Além disso, a guarda compartilhada evita que a própria criança deva manifestar sua
preferência por um ou outro genitor (artigo 168, do ECA), situação esta que gera graves
conflitos para a criança. Nas palavras de Edward Teyber, “os filhos querem estar ligados aos
dois genitores e ficam profundamente aflitos quando precisam escolher um ou outro”110.
Cabe mencionar, também, que a adoção da guarda conjunta facilita o pagamento dos
alimentos da criança ou adolescente, tanto na hipótese de haver uma divisão das despesas a
serem pagas por cada genitor, como no caso de haver o pagamento de “pensão”. Isso porque o
estreitamento da relação entre os pais e a criança estimula essa prestação de alimentos, explica
Eduardo de Oliveira Leite111.
De antemão, pode-se afirmar que, nesse aspecto, a adoção de tal modelo mostra-se
muito adequada, posto que minimiza a possibilidade de a criança desenvolver problemas
psicológicos e emocionais112. Nesse ponto, é válido destacar a importância que deve ser
conferida a essa questão, uma vez que sua influência engloba uma seara muito vasta de
fatores, podendo atingir, por exemplo, a saúde da criança ou seu desempenho escolar.
Diante dessas considerações, a guarda compartilhada apresenta-se como uma
pertinente opção de guarda, uma vez que está em conformidade com o princípio do melhor
interesse da criança e demais princípios norteadores do Direito de Família contemporâneo,
realizando, assim, os valores constitucionais.
Diante dessas considerações, pode-se afirmar, em suma, que a adoção da guarda
conjunta apenas justifica-se na medida em que é observado o melhor interesse da criança.
110 TEYBER, Edward. Ajudando as crianças a conviver com o divórcio. São Paulo: Nobel, 1995. p. 147. 111 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e
mães separados e dos filhos na ruptura do vínculo conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 283. 112 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 168.
47
Quer dizer, uma vez que a idéia desse modelo é a de evitar certas inadequações das
modalidades de guarda tradicionais, não se poderia impor sua adoção em hipóteses nas quais
tal medida representasse um prejuízo ao bem-estar da criança. Essa análise de conveniência,
por certo, deverá ser feita em cada caso concreto, que apresenta suas peculiaridades.
No entanto, de modo geral, pode-se afirmar que a guarda compartilhada significa uma
inovação muito positiva do Direito de Família, apresentando-se como um modelo vantajoso
de guarda.
Sua inserção plena na sociedade brasileira, mostra-se em conformidade com os anseios
da família contemporânea, além de propiciar, em regra, um melhor desenvolvimento da
criança. Por esses motivos, faz-se mister o estudo e desenvolvimento do instituto da guarda
compartilhada, que, nas palavras de Gustavo Tepedino, “merece aplauso”113.
3.7 Análise jurisprudencial
3.7.1 Comentários iniciais
Os Tribunais brasileiros vêm apresentando muitas decisões que privilegiam o melhor
interesse da criança e sua convivência com a família. No entanto, no que diz respeito à guarda
compartilhada, especificamente, a jurisprudência brasileira mostra-se ainda pouco
consolidada.
A inserção desse novo modelo de guarda no mundo jurídico, não obstante suas
vantagens, faz-se lenta e cautelosamente. Percebe-se que sua evolução jurisprudencial não
acompanha os avanços já trazidos pela doutrina moderna. Quer dizer, para o estudo da guarda
conjunta, a jurisprudência apresenta-se como uma fonte menos sólida, diante da grande
produção doutrinária já publicada acerca do tema.
Além disso, deve-se ter em mente o fato de que a guarda conjunta, por pressupor um
acordo entre os seus titulares, não encontra em conflitos judiciais sua melhor forma de
determinação. Em outras palavras, ainda que a guarda conjunta seja plenamente reconhecida
pelos Tribunais brasileiros, não se encontrará um volume muito grande de decisões
determinando sua aplicação, posto que, nos casos em que será realmente cabível, haverá em
regra um ajuste prévio entre as partes, não havendo a necessidade de um contraditório muito
113 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In:
Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, ano 5, n. 17, p. 33 a 49, jan./mar. 2004. p. 37.
48
extenso. Por esse motivo, tem-se um volume muito maior de decisões em favor da guarda
compartilhada em 1ª instância.
Apesar de tais ressalvas, percebe-se que a guarda compartilhada vem ganhando espaço
nas decisões dos Tribunais, representando, pode-se dizer, uma tendência na jurisprudência
brasileira.
3.7.2 Nos Tribunais Superiores
O Supremo Tribunal Federal, embora ainda não possua decisões relativas à guarda
compartilhada, apresenta alguns julgados que destacam a importância de se preservar o
melhor interesse da criança.
Como exemplo, pode-se citar o Recurso Extraordinário nº 60.265A-RE 60.265/RJ, que teve
decisão no sentido de se buscar a proteção das relações entre os filhos e ambos os pais após a
ruptura da relação conjugal.
Mencione-se, também, a decisão do Habeas Corpus nº 69.303B-HC 69.303/MG, que
priorizou valores constitucionais como a convivência familiar em questão de guarda.
Desse modo, ao destacar a importância da convivência familiar e da presença de
ambos os genitores para a criança, o STF demonstra possuir entendimento favorável à idéia de
guarda compartilhada, que, como visto, apresenta tais fatores entre seus fundamentos.
O Superior Tribunal de Justiça, do mesmo modo, possui interessantes decisões que
demonstram uma preocupação com o bem-estar da criança ou adolescente, apesar de também
não ter ainda analisado casos diretamente relativos à guarda conjunta.
Merece destaque a decisão proferida no Recurso Especial nº 37.051C-REsp 37051/SP, em
que a guarda da criança foi conferida ao cônjuge considerado culpado na separação judicial.
Outra importante decisão foi proferida no Recurso Especial nº 280.228D-REsp 280228/PB,
em que a guarda da criança foi concedida aos avós, não obstante o pedido de guarda feito pelo
genitor. Entre os fundamentos, foi destacada a busca pelo melhor interesse da criança, que já
convivia com seus avós desde tenra idade.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça também se mostra favorável às inovações
ocorridas em matéria de guarda, permitindo o entendimento de que não será resistente à
aplicação da guarda compartilhada.
Nesse contexto, tem-se como tendência a noção de guarda conjunta, uma vez que os
Tribunais Superiores vêm evoluindo em sua jurisprudência relativa à guarda, através de
decisões que privilegiam os modernos princípios do Direito de Família.
49
3.7.3 Nos Tribunais Estaduais
Parte dos Tribunais de Justiça dos Estados já apresenta diversas decisões relativas à
guarda compartilhada, merecendo destaque os Tribunais de Justiça dos Estados de Santa
Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, encontram-se decisões em que a guarda
compartilhada foi deferida, ou mantida, como nos Acordãos nos 2001.012993-0114 e
2002.009848-0115 Em contrapartida, há decisões que indeferem o pedido de guarda
compartilhada, sobretudo sob o fundamento de que os pais não demonstram possuir entre si a
harmonia ou porque suas residências se encontram em cidades distantes. Exemplos de tal
situação são as decisões proferidas nos Acórdãos no 2002.011305-6116, 2005.025100-4117
114 GUARDA DE FILHO. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DO MENOR. CONDIÇÕES DE AMBOS OS
GENITORES. PRESERVAÇÃO DOS LAÇOS PATERNOS E MATERNOS. GUARDA COMPARTILHADA.
"Nas ações de família, em que se discute a guarda da prole, deve-se atender os interesses dos menores, pois a
convivência com os pais é mais um direito dos filhos do que dos pais." (Rel. Des. José Volpato de Souza)
Sendo um direito primordial da criança conviver pacificamente tanto com o pai quanto com a mãe, ainda
quando sobrevem a separação do casal, tem-se a guarda compartilhada como um instrumento para garantir
esta convivência familiar. É fundamental para um bom desenvolvimento social e psicológico que a criança
possa conviver sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito da guarda de menores ficar
atenta ao que melhor atenderá ao bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. Assim, tendo as provas
até o momento produzidas indicado que ambos os genitores possuem condições de ficar com o filho menor, tem-
se que a melhor solução para o caso concreto é a aplicação da guarda compartilhada sem restrições.
Nos termos do voto do relator, dá-se provimento ao agravo para autorizar que o menor permaneça em guarda
compartilhada entre os genitores, sem qualquer restrição. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Primeira Câmara Civil. Agravo de instrumento n. 2001.012993-0. Des. Carlos Prudêncio. Julgado em:
25/03/2003). 115 GUARDA COMPARTILHADA DEFERIDA - POSSIBILIDADE - PAIS EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES -
INTERESSE DOS MENORES QUE PREVALECE SOBRE QUALQUER OUTRO.
2. Em se tratando de guarda, a escolha dos filhos é suprema em relação a outros fatores. Deste modo,
possuindo ambos os pais condições de permanecer com a prole, a solução mais acertada é o deferimento da
guarda compartilhada, ainda mais quando esta é a vontade das crianças e os genitores não se opõem ao
compartilhamento. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Segunda Câmara de Direito Civil. Agravo
de Instrumento n. 2002.009848-. Des. Mazoni Ferreira. Julgado em: 03/10/2002). 116 A guarda compartilhada não será possível, pelo menos por enquanto, tendo em vista que o casal não possui
uma relação amigável, o que é imprescindível para esta modalidade de guarda. (Tribunal de Justiça do Estado
50
No Tribunal de Minas Gerais, há também diversas decisões acerca da guarda
compartilhada, podendo-se citar os processos nos 1.0145.01.008311-4/001 e
1.0024.03.887697-5/001, nos quais houve seu deferimento, e os processos nos
1.0775.05.004678-5/001(1)118 e 1.0056.01.000745-0/001, nos quais foi indeferida, por não
haver harmonia entre os genitores da criança. Destaca-se, ainda, as decisões proferidas nos
processos nos 1.0024.03.101843-5/001 e 1.0000.00.300938-8/000, que são exemplos de
determinação de guarda compartilhada com os avós.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, apresenta um vasto número
de decisões referentes ao compartilhamento da guarda, demonstrando possuir o mesmo
entendimento de que este somente é possível no caso de haver boa relação entre os pais e que
estes morem em localidades próximas – nesse sentido, há os acórdãos nos 70025683426119,
70025244955 e 70022656870 , por exemplo.
de Santa Catarina. Primeira Câmara Civil. Apelação Cível nº 2002.011305-6. Des. Carlos Prudêncio. Julgado
em: 29/10/2002). 117 INVIABILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA, EM FACE DA RESIDÊNCIA
DOS PAIS EM MUNICÍPIOS DIVERSOS E DISTANTES ENTRE SI. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, ANTE
AS PARTICULARIDADES, COM NOVA DEFINIÇÃO QUANTO AO DIREITO DE VISITAS DETERMINADO
DE OFÍCIO. (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Segunda Câmara de Direito Civil. Apelação
Cível n. 2005.025100-4. Des. Substituto Jorge Schaefer Martins. Julgado em: 22/03/2007). 118 EMENTA: CONSTITUCIONAL E CIVIL - AÇÃO DE GUARDA DE MENOR - GUARDA
COMPARTILHADA - RELAÇÃO CONFLITUOSA ENTRE OS GENITORES - IMPOSSIBILIDADE - RISCO DE
OFENSA AO PRINCÍPIO QUE TUTELA O MELHOR INTERESSE DO INFANTE - PROCEDÊNCIA DO
PEDIDO - PROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA E ARTS. 1.583 E 1.584 DO CÓDIGO CIVIL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.698/2008.
A guarda compartilhada não pode ser exercida quando os guardiões possuem uma relação conflituosa, sob o
risco de se comprometer o bem-estar dos menores e perpetuar o litígio parental. Na definição de guarda de
filhos menores, é preciso atender, antes de tudo, aos interesses deles, retratado pelos elementos informativos
constantes dos autos. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Quinta Câmara Cível. Apelação Cível nº
1.0775.05.004678-5/001. Des. Dorival Guimarães Pereira. Julgado em: 07/08/2008). 119 PEDIDO ALTERNATIVO DE GUARDA COMPARTILHADA. Não vinga o pleito alternativo de guarda
compartilhada se não há harmonia entre os genitores para o exercício de tal hipótese legal. NEGADO
PROVIMENTO AO APELO. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Oitava Câmara Cível
Apelação Cível nº 70025683426. Des. Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 09/10/2008).
51
No entanto, o Tribunal foi além, ao afirmar, nos autos da Apelação Cível nº
70007455926120, proferida pela Oitava Câmara Cível, ser a guarda compartilhada um pedido
impossível de ser feito pela via judicial.
Quanto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, este apresenta decisões concernentes à
guarda compartilhada, entendem que um bom relacionamento entre os pais é primordial para
a sua concessão, como é o exemplo dos acórdãos nos 561.965.4/0-00121, 571.710.4/5-00 e
537.153-4/3-00.
Além desses Tribunais, cabe destacar a importante decisão proferida pelo Tribunal de
Justiça do Estado de Goiás na Apelação nº 82036-0/188122. Nesta, o Tribunal privilegiou a
modalidade da guarda compartilhada, afirmando que a guarda deveria ser conferida à mãe
apenas no caso não ser possível a adoção da guarda compartilhada.
Diante dessa análise, percebe-se que a guarda conjunta vem ganhando força entre os
Tribunais de Justiça, sobretudo na região centro-sul do País.
Seu deferimento, em regra, costuma ser condicionado à existência de harmonia entre
os genitores, bem como de mútuo interesse pela adoção do modelo. Há, portanto, uma
resistência à imposição da guarda conjunta por meio de decisão judicial.
120 APELAÇÃO. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA CUMULADA COM REGULAMENTAÇÃO DE
VISITAS. FIXAÇÃO JUDICIAL DE GUARDA COMPARTILHADA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. Embora
não exista previsão legal, é possível às partes estabelecer a guarda compartilhada. É um modelo ideal, que
pressupõe a harmonia e o consenso entre os pais da criança. Não há possibilidade de impô-la por via judicial.
Ela não se coaduna com o litígio. O pedido de fixação judicial de guarda compartilhada é juridicamente
impossível. NEGARAM PROVIMENTO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul. Oitava Câmara Cível, Apelação Cível nº 70007455926. Des. Rui Portanova, Julgado em
18/12/2003). 121 Guarda dos filhos do casal. Apelada que reúne condições para o seu exercício, consoante prova técnica
produzida nos autos. Guarda compartilhada. Providência que exige consenso entre as partes. Sentença mantida.
Apelo não provido. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Terceira Câmara de Direito Privado,
Apelação Cível n. 561.965.4/0-00. Desª. Donegá Morandini, Julgado em 21/10/2008). 122 Apelação Cível. Medida cautelar de busca e apreensão de menor de 2 (dois) anos. Guarda da mãe. 1-Não
sendo possível a guarda compartilhada, a criança de tenra idade deve ficar sob os cuidados da mãe, sua
referência de mundo, sob pena de ocorrer abalo emocional ou trauma psicológico em razão de eventual
mudança de ambiente ao qual não está acostumada. 2-Apelo conhecido e provido. (Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás. Quarta Câmara Cível. Apelação Cível nº 82036-0/188. Des. Almeida Branco. Julgado em:
26/12/2004).
52
Nota-se, também, um crescente número de decisões conferindo o compartilhamento
da guarda entre os pais e os avós da criança, se tal medida for mais conveniente aos seus
interesses.
Certo é que a aplicação da guarda compartilhada sempre há de ser analisada em razão
das peculiaridades de cada caso concreto. Além disso, seus fundamentos devem sempre ser
pautados nos princípios relativos à guarda atualmente defendidos pela doutrina.
O que se espera, certamente, é que entre os Tribunais haja uma maior difusão da
adoção da guarda conjunta, uma vez que esta, como visto, apresenta uma série de vantagens
para o adequado desenvolvimento da criança ou adolescente.
53
CONCLUSÃO
Decorrência das diversas transformações sociais ocorridas ao longo do século XX, a
guarda compartilhada destaca-se como modalidade de guarda que melhor se enquadra nas
atuais concepções acerca das relações familiares.
Tendo como base o princípio do melhor interesse da criança, a guarda conjunta
permite que o desenvolvimento da criança ocorra de forma mais satisfatória se comparada ao
modelo tradicional de guarda única, que acaba por gerar uma série de conflitos emocionais e
psicológicos para os sujeitos envolvidos - seja pelo corrente abandono do filho pelo genitor
não guardião, seja pelo clima de disputa que muitas vezes instaura-se entre os pais.
Para estes, a adoção da guarda conjunta também representa uma boa solução para
problemas que ocorrem com freqüência em casos de fixação da guarda única. De um lado, é
afastada a figura do genitor não guardião (normalmente, o pai) como mero provedor de
recursos, com pouca ou nenhuma participação afetiva na vida do filho. De outro, evita-se que
haja uma sobrecarga de tarefas para aquele que permanece com a guarda do filho (em regra, a
mãe). Desse modo, privilegia o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres
em âmbito familiar.
Todavia, a guarda compartilhada não se restringe apenas ao exercício conjunto da
guarda entre os pais da criança, podendo ser estendida a outros sujeitos, de acordo com a
necessidade apresentada em cada caso concreto.
Como visto, a evolução do Direito de Família em muito contribuiu para a
desvinculação da entidade familiar ao matrimônio. No entanto, não foi suficiente para garantir
a proteção das diversas formas de famílias hoje existentes.
Assim, a idéia de ampliação da guarda compartilhada surge com vistas a assegurar que
o amparo à criança e ao adolescente alcance também esses novos tipos familiares.
Entre os princípios que fundamentam a guarda conjunta, destaca-se o direito
fundamental da criança à convivência familiar. Logo, ainda que não se tratem dos pais, é
legítima a determinação do compartilhamento da guarda àqueles que se mostrem capazes de
propiciar a criança um ambiente de afeto e cuidados.
Como principal exemplo de ampliação da guarda compartilhada está o exercício
conjunto da guarda entre pais e avós, que já vem sendo reconhecida em diversas decisões
judiciais. Realmente, não se poderia desconsiderar a participação que têm os avós na criação
dos netos, muitas vezes superando a atenção conferida pelos próprios pais.
54
Enfim, o que se busca é o privilégio do efetivo exercício da guarda, que possibilita a
criança à convivência familiar, sobre os tradicionais conceitos de família. Em outras palavras,
considera-se que o estado de fato, ou seja, o exercício da guarda de fato pelos avós, por
exemplo, deve ser sobreposto à parentalidade biológica.
Nesse sentido, entende-se que a guarda compartilhada pode ser estendida na medida
em que esta “nova” entidade familiar apresentar condições favoráveis à boa formação da
criança.
Na convivência familiar estão inseridos alguns valores essenciais para a determinação
da guarda compartilhada, seja entre os pais ou envolvendo outros sujeitos. Nesse ponto, Tânia
da Silva Pereira123 destaca não apenas o afeto, mas também o respeito, a lealdade, a
tolerância, a solicitude, a solidariedade, e, sobretudo, o amor. Pode-se falar ainda na
responsabilidade, dedicação e proteção conferidas à criança ou ao adolescente.
Diante disso, a guarda compartilhada mostra-se perfeitamente inserida na noção
contemporânea de família eudemonista, que privilegia a afetividade e o princípio da dignidade
da pessoa humana através da valorização de cada membro que a compõe.
Com a criação de uma lei específica sobre o assunto, sua adoção passa a ocorrer em
um número crescente de famílias. O compartilhamento da guarda, já aplicado em diversos
outros países, cada vez mais ganha força na doutrina e jurisprudência brasileiras.
Desse modo, tem-se que o estudo acerca da guarda conjunta mostra-se não apenas
relevante, mas também necessário para que se alcance uma visão mais abrangente da idéia de
família. E este parece ser o melhor caminho para a defesa do bem-estar da criança, ou
adolescente, posto que permite a concretização dos princípios norteadores das relações
familiares contemporâneas.
123 PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas na convivência familiar. In: Anais do IV
Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 653.
55
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59
ANEXOS
RE 60.265/RJ – Rio de Janeiro
Recurso Extraordinário
Relator(a): Min. ELOY DA ROCHA
Julgamento: 12/05/1967
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - DESQUITE E MANUTENÇÃO DE
RELAÇÕES COM O FILHO DO CASAL - O JUIZ, AO DIRIMIR DIVERGENCIA ENTRE
PAI E MÃE, NÃO SE DEVE RESTRINGIR A REGULAR AS VISITAS,
ESTABELECENDO LIMITADOS HORARIOS EM DIA DETERMINADO DA SEMANA,
O QUE REPRESENTA MEDIDA MINIMA. PREOCUPAÇÃO DO JUIZ, NESTA
ORDENAÇÃO, SERÁ PROPICIAR A MANUTENÇÃO DAS RELAÇÕES DOS PAIS
COM OS FILHOS. E PRECISO FIXAR REGRAS QUE NÃO PERMITAM QUE SE
DESFACA A RELAÇÃO AFETVA ENTRE PAI E FILHO, ENTRE MÃE E FILHO. - EM
RELAÇÃO A GUARDA DOS FILHOS, EM QUALQUER MOMENTO, O JUIZ PODE
SER CHAMADO A REVISAR A DECISÃO, ATENTO AO SISTEMA LEGAL. - O QUE
PREPONDERA E O INTERESSE DOS FILHOS, E NÃO A PRETENSAO DO PAI OU DA
MÃE. - RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
HC 69.303/MG – Minas Gerais
Habeas Corpus
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 30/06/1992
Parte(s)
IMPETRANTE : STELIO BASTOS BELCHIOR E OUTRO COATOR : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COATOR : JUIZ DE DIREITO DA VARA DE MENORES DE BELO HORIZONTE PACIENTE : JULIO VITO PENTAGNA GUIMARAES E OUTROS Ementa: HABEAS-CORPUS - A CRIANCA E O ADOLESCENTE - PERTINENCIA. A
familia, a sociedade e ao Estado, a Carta de 1988 impõe o dever de assegurar, com prioridade,
a crianca e ao adolescente, o direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao lazer, a
profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivencia familiar e
comunitaria, e de coloca-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração,
60
violência, crueldade e opressão - artigo 227. As paixoes condenaveis dos genitores,
decorrentes do termino litigioso da sociedade conjugal, não podem envolver os filhos
menores, com prejuizo dos valores que lhes são assegurados constitucionalmente. Em idade
viabilizadora de razoável compreensão dos conturbados caminhos da vida, assiste-lhes o
direito de serem ouvidos e de terem as opinioes consideradas quanto a permanencia nesta ou
naquela localidade, neste ou naquele meio familiar, alfim e, por consequencia, de
permanecerem na companhia deste ou daquele ascendente, uma vez inexistam motivos morais
que afastem a razoabilidade da definição. Configura constrangimento ilegal a determinação
no sentido de, peremptoriamente, como se coisas fossem, voltarem a determinada localidade,
objetivando a permanencia sob a guarda de um dos pais. O direito a esta não se sobrepoe ao
dever que o próprio titular tem de preservar a formação do menor, que a letra do artigo 227 da
Constituição Federal tem como alvo prioritario. Concede-se a ordem para emprestar a
manifestação de vontade dos menores - de permanecerem na residência dos avós maternos e
na companhia destes e da propria mãe - eficacia maior, sobrepujando a definição da guarda
que sempre tem color relativo e, por isso mesmo, possivel de ser modificada tão logo as
circunstancias reinantes reclamem.
REsp 37051/SP – São Paulo
Recurso Especial
Relator(a): Ministro NILSON NAVES
Julgamento: 17/04/2001
Ementa: Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guarda e interesse). Danos morais
(reparação). Cabimento. 1. O cônjuge responsável pela separação pode ficar com a guarda do
filho menor, em se tratando de solução que melhor atenda ao interesse da criança. Há
permissão legal para que se regule por maneira diferente a situação do menor com os pais. Em
casos tais, justifica-se e se recomenda que prevaleça o interesse do menor. 2. O sistema
jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral.
Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge
responsável exclusivo pela separação. 3. Caso em que, diante do comportamento injurioso do
cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por
ofensa ao art. 159 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais.
61
REsp 280228/PB – Pernambuco
Recurso Especial
Relator(a): Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR
Julgamento: 28/11/2000
Ementa: GUARDA DE MENOR. Criança criada pelos avós maternos. Reconhecido pelas
instâncias ordinárias ser melhor para o menor permanecer na companhia dos avós maternos,
com quem sempre viveu e a quem foi concedida a guarda depois da morte prematura da mãe,
não cabe rever a matéria em recurso especial, seja porque se trata de matéria de fato, seja
porque estão preservados os interesses da criança. Recurso não conhecido.