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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE PLANO DE SAÚDE NA ESFERA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
PAULO ROBERTO VON BUETTNER RAVACHE
DECLARAÇÃO
“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PÚBLICA EXAMINADORA”.
ITAJAÍ (SC), de novembro de 2010.
___________________________________________ Professor Orientador: Esp. Eduardo Erivelton Campos
UNIVALI – Campus Itajaí-SC
ii
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE PLANO DE SAÚDE NA ESFERA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
PAULO ROBERTO VON BUETTNER RAVACHE
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientador: Professor Esp. Eduardo Erivelton Campos
Itajaí, novembro de 2010.
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus por todas as coisas boas da vida;
Aos meus pais pelo suporte financeiro, carinho,
pelos valores morais e ensinamentos da vida;
À minha irmãzinha que sempre estará no meu
coração;
À todos os amigos, colegas e conhecidos que me
incentivaram e ajudaram com seus ensinamentos e
comentários a respeito do meu tema;
Ao amigo e orientador, Eduardo Campos, que
sempre esteve sorridente e prestativo em me auxiliar
na monografia.
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia aos meus pais, Lígia e
Roberto, pelo apoio, pela ajuda e pelo amor
incondicional;
À minha irmã Cláudia (in memoriam), pelo enorme
carinho, sabedoria, incentivo e por me dar o seu
computador. Um exemplo de vida. Que Deus a
tenha;
À minha namorada/esposa/mulher/companheira
Roberta, que agüentou meu mau humor durante o
processo de construção da monografia, com a sua
paciência, carinho e amor.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, 12 de novembro de 2010
Paulo Roberto Von Buettner Ravache Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Paulo Roberto Von Buettner Ravache,
sob o título A Responsabilidade Civil das Empresas de Plano de Saúde na Esfera do
Direito do Consumidor foi submetida em 22 de novembro de 2010 à banca
examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Esp. Eduardo
Erivelton Campos Orientador e Presidente da Banca, Professor MSc. Jefferson
Custódio Próspero examinador.
Itajaí, 22 de novembro de 2010.
Esp. Eduardo Erivelton Campos Orientador e Presidente da Banca
MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu
trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Consumidor
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda
que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo1.
Contrato
O contrato pode ser tomado em várias acepções: em sentido amplo, como o negócio
jurídico com origem num concurso de vontades, que costuma também ser
confundido com a convenção, e ainda como o conjunto de normas, ou seja, o
contrato normativo (não considerado pela doutrina como contrato em sentido
técnico). Em sentido estrito, o contrato pode ser entendido como o acordo de
vontades gerador de efeitos obrigacionais. A doutrina moderna distingue o contrato –
que deve ter sempre conteúdo patrimonial – de outros negócios bilaterais, como os
referentes ao direito de família e das sucessões, denominadas de convenções
embora se pretenda que toda convenção é modernamente dotada de força
vinculante conferindo às partes ação própria2.
Contrato de Consumo
A relação jurídica de consumo é espécie de relação jurídica com características
próprias, de vez que somente se estará diante de liame jurídico, sobre o qual incide
o Código de Defesa do Consumidor, se preenchidos os requisitos subjetivos e
objetivos relativos ao vínculo em tela3.
Culpa
1 Art. 2º da Lei nª 8.078/90 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor
2 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 56-57.
3 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário e locação. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.326.
A culpa é o elemento essencial e caracterizador da responsabilidade objetiva.
Somente haverá obrigação de ressarcir se o sujeito tiver procedido com culpa. A
culpa refere-se a uma violação de um direito subjetivo ou metaindividual4.
Dano
Em sentido comum, dano significa mal que se faz a alguém; prejuízo; destruição;
inutilização ou deterioração de coisa alheia. Juridicamente, dano é qualquer ato ou
fato humano produtor de lesões a interesses alheios juridicamente protegidos5.
Direito do Consumidor
Ramo do Direito que trata das relações de consumo existente entre fornecedores e
consumidores, que visa disciplinar tal relação e de estender aos consumidores a
proteção necessária contra abusos praticados pelos fornecedores6.
Dolo
Direito Civil. Má-fé, ânimo consciente de agir de maneira ilícita, intenção de
prejudicar, de violar direito alheio, o que o diferencia da culpa, em que não existe a
intenção deliberada7.
Fornecedor
É toda pessoa que desenvolve atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços. São fornecedores as pessoas físicas ou
jurídicas de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, bem como os entes
despersonalizados que se envolvam fornecendo nas relações de consumo8.
Hipossuficiência
4 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte:
Rel Rey, 2001, p. 34.
5 MATIELO, Fabrício Zamprogna. Dano moral, dano material e reparação. 5. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001, p. 13.
6 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de defesa do consumidor. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 07–08.
7 SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Dicionário jurídico. Coordenadora Anne Joyce Angher. 6. ed. São Paulo: Rideel, 2002, p. 65.
8 GAMA, Hélio Zaghetto. Direitos do consumidor, código de defasa do consumidor referenciado e legislação correlata. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 98.
A hipossuficiência corresponde a um conceito processual e particularizado,
expressando àquela situação a dificuldade de litigar, seja no tocante à obtenção de
meios suficientes para tanto, seja no âmbito da consecução das provas necessárias
para demonstração de eventuais direitos9.
Operadoras de Serviços de Saúde Privada
As operadoras de planos e seguros são pessoas jurídicas de direito privado,
consideradas pelo ordenamento como fornecedoras ou prestadoras de serviços
típicas que desenvolvem atividade subordinada à tutela do Código de Defesa do
Consumidor (colocação no mercado de produtos e serviços de assistência privada à
saúde, em consonância com o disposto na Lei 9.656/98)10.
Produto
É qualquer bem móvel, imóvel, material ou imaterial11.
Relação de Consumo
Atividade que compreende, conjunta ou separadamente, a produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou serviços12.
Responsabilidade
O vocábulo responsabilidade, assim como responsável, exprime a idéia de
equivalência, de contraprestação, de correspondência. Responsabilidade significa a
contraprestação devida por alguém que tenha violado uma norma qualquer,
traduzida em medidas a autoridade encarregada de velar pela sua observância lhe
imponha13.
9 BONATTO, Cláudio. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor:
principiologia, conceitos, contratos. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 46.
10 SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil dos planos e seguros de saúde. Curitiba: Juruá, 2006, p. 72.
11 GAMA, Hélio Zaghetto. Direitos do consumidor, código de defasa do consumidor referenciado e legislação correlata, 1999, p. 104.
12 KRIGER FILHO, Domingos Afonso. A responsabilidade civil e penal no código de proteção e defesa do consumidor, 2000, p. 15.
13 KRIGER FILHO, Domingos Afonso. A responsabilidade civil e penal no código de proteção e defesa do consumidor, 2000, p. 16.
Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil talvez seja o instituto jurídico mais afeto ao senso de justiça
do ser humano, pois se prende ao dano provocado na seara alheia por uma ação
humana, de forma direta ou indireta. A convivência humana produz necessariamente
uma interação de condutas e interesses nos indivíduos entre si e em relação à
sociedade, que por vezes se demonstra conflituoso, implicando inevitavelmente a
ocorrência de danos. O dano é fruto da convivência e da interação humana14.
Responsabilidade Civil Objetiva
É ato que independe de apuração do grau de culpa. Desde que o acidente tenha
ocorrido com um produto ou com um serviço por falhas próprias deles ou de quem
os veicula, existe a obrigação de indenizar15.
Responsabilidade Civil Subjetiva
É a que resulta da apuração do grau de culpa do agente causador de um mal. O
dolo é a culpa no seu mais alto grau16.
Vulnerabilidade
O CDC pressupõe a vulnerabilidade do consumidor, partindo do princípio de que ele,
por ser a parte econômica, jurídica e tecnicamente mais fraca, nas relações de
consumo, encontra-se, normalmente, em posição de inferioridade, na administração
de seus interesses como o fornecedor. A Lei n. 8.078/90, ao contrário do código
Civil, parte do pressuposto de que, nas relações de consumo, existe uma
desigualdade fática, uma relação vertical e de poder, entre fornecedores e
consumidores, razão por que, ao estabelecer uma série de direitos e vantagens para
o consumidor, tenta igualar sua posição jurídica na relação contratual17.
14
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 15.
15 GAMA, Hélio Zaghetto. Direitos do consumidor, código de defasa do consumidor referenciado e legislação correlata, 1999, p. 106-107.
16 GAMA, Hélio Zaghetto. Direitos do consumidor, código de defasa do consumidor referenciado e legislação correlata, 1999, p. 107.
17 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de defesa do consumidor anotado e legislação complementar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 15.
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................... XI
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 1
CAPÍTULO 1 ........................................................................................... 4
A PROTEÇÃO JURÍDICA DO CONSUMIDOR ....................................... 4
1.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO ......................................................... 4 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR ................................ 9
1.3 CONCEITO DE CONSUMIDOR À LUZ DA LEI Nº 8.078/90 .............................. 14 1.4 CONCEITO DE FORNECEDOR À LUZ DA LEI Nº 8.078/90 ............................. 16
1.5 DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR .................................................... 19 1.6 DOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR ................................................. 20
CAPÍTULO 2 ......................................................................................... 25
DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE .................................................... 25
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS OPERADORAS DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA DE SAÚDE ............................................ 25 2.2 NOÇÕES GERAIS A RESPEITO DOS CONTRATOS ....................................... 28 2.3 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE ............................................... 29 2.4 DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE ................................................................................................. 35
CAPÍTULO 3 ......................................................................................... 45
A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE PLANO DE SAÚDE NA ESFERA DO DIREITO DO CONSUMIDOR ....................... 45
3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL 45 3.2 DO DANO, DA CULPA E DO NEXO DE CAUSALIDADE ................................. 48
3.2.1 Do Dano ........................................................................................................... 48
3.2.2 Culpa ................................................................................................................ 53
3.2.3 Nexo de Causalidade ...................................................................................... 58
3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA .................................. 61
3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NA ESFERA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ......................................................................................................... 64 3.5 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS OPERADORAS DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA DE SAÚDE ...................................................................... 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 74
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................... 78
RESUMO
O presente trabalho monográfico tem por principal objetivo fazer uma breve abordagem a respeito da responsabilidade civil das empresas operadoras de assistência à saúde privada sob a ótica da relação de consumo. A abordagem do tema proposto visa discorrer a respeito da legislação de proteção aos direitos dos consumidores (Código de Defesa do Consumidor) em especial no que diz respeito aos contratos de prestação de serviços de seguro-saúde, assim como a respeito da responsabilidade civil desta modalidade de empresa por danos causados aos consumidores decorrentes da relação contratual. A pesquisa teve por base, legislação, tanto as normas referentes aos direitos do consumidor, como a legislação civil (responsabilidade civil) e também a que regula o funcionamento das empresas prestadoras de serviços na área de seguro-saúde, bem como, a doutrina que aborda a temática, tendo, ainda alguns apontamentos jurisprudenciais que demonstram a aplicação da responsabilidade civil objetiva, prevista no Código de Defesa do Consumidor como parâmetro para a responsabilização das empresas que prestam serviços na área de assistência à saúde privada.
1
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto a responsabilidade
civil das empresas de plano de saúde na esfera do Direito do Consumidor.
O objetivo institucional desta pesquisa consiste em ser esta
monografia requisito para a colação de grau de Bacharel em Direito junto à
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
O objetivo geral é o de fazer uma investigação a respeito da
responsabilidade das empresas que prestam serviços de assistência de saúde
privada sob a ótica da legislação brasileira, em especial, do Código de Defesa do
Consumidor.
Já os objetivos específicos da pesquisa consistem em abordar
a legislação consumerista; a responsabilidade civil, os contratos em geral e
principalmente os contratos de prestação de serviços de assistência à saúde
privada.
Para tanto, principiar–se-á, no Capítulo 1, tratando da proteção
jurídica ao consumidor, apresentando-se o conceito de relação de consumo; bem
como tratando da evolução histórica da proteção aos direitos dos consumidores ao
longo dos tempos, no mundo e no Brasil; também apresentar-se os conceitos legais
do que venha a ser consumidor e fornecedor; do que venha a ser a hipossuficiência
do consumidor em face do fornecedor, para por fim, discorrer-se a respeito dos
direitos básicos dos consumidores.
No segundo capítulo tratar-se-á dos contratos de prestação de
serviços de assistência privada à saúde, no qual se faz inicialmente, uma rápida
abordagem a respeito das empresas que operam na prestação de serviços de saúde
privada; apresenta, também algumas noções gerais a respeito dos contratos, para
então, tratar dos princípios que regem os contratos de prestação de serviços
firmados entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores e tais contratos
propriamente ditos.
2
O Capítulo 3 far-se-á uma abordagem a respeito da
responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviço de assistência à saúde
privada, iniciando-se com uma rápida explanação a respeito da responsabilidade
civil, para daí, tratar do dano, da culpa e do nexo de causalidade como característica
da responsabilidade civil, bem como da responsabilidade objetiva e subjetiva (a
primeira independe da culpa e a segunda depende da culpa) e, por fim, adentrar-se
ao tema proposto para a pesquisa já delineado anteriormente.
O presente Relatório de Pesquisa encerrar-se-á com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões a respeito do
tema pesquisado.
Para a presente monografia levantar-se-ão os seguintes
problemas:
a) No que consiste a proteção jurídica do consumidor?
b) Em que espécie se enquadra o contrato de prestação de
serviços de assistência privada à saúde?
c) a responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde
é objetiva ou subjetiva?
E, as hipóteses abaixo:
a) a proteção jurídica do consumidor consiste na aplicação das
normas Constitucional e infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor) que
visam proteger os interesses dos consumidores e lhes garantir direitos no decorrer
da relação de consumo;
b) os contratos de prestação de serviços de assistência privada
à saúde são sui generis e se enquadram na modalidade de contratos de adesão;
c) a responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde
é objetiva de acordo com a legislação consumerista;
3
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação foi utilizado o Método Indutivo18 e, o Relatório dos Resultados expresso
na presente Monografia é composto também na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, acionar-se-ão as Técnicas19,
do Referente20, da Categoria21, do Conceito Operacional22 e da Pesquisa
Bibliográfica.
18
O método indutivo pesquisa e identifica as partes de um fenômeno e coleciona-os de modo a ter uma percepção ou conclusão geral. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 199.
19 Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigativas. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, 2000, p. 86.
20 Referente é a explicitação do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá, 2001, p. 51.
21 Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, 2000, p. 37.
22 Conceito operacional é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos. COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá, 2001, p. 47.
4
CAPÍTULO 1
A PROTEÇÃO JURÍDICA DO CONSUMIDOR
1.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO
Deve-se ressaltar, de antemão, que a proteção aos interesses
do consumidor é, na sua origem, uma preocupação de ordem social, visto que o
tema é de interesse não só da esfera econômica, como também, administrativa,
jurídica e, portanto, merecedora de toda atenção da sociedade, das empresas e,
principalmente do Estado. Esta necessidade de se tutelar os interesses do
consumidor origina-se e solidifica-se com o desenvolvimento do comércio, que por
sua vez fez crescer o consumo de bens e de serviços23.
Neste sentido, Filomeno24 assevera que:
Deve salientar-se que, basicamente, há preocupação fundamental de proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança, fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores, fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-lo a fazer as escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais, educar o consumidor, criar possibilidades de real ressarcimento ao consumidor, garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes.
O consumo sempre fez parte do cotidiano do ser humano,
trata-se de um hábito que vem desde os mais remotos tempos da humanidade,
mesmo entre os mais primitivos homens, visto que, para sobreviverem “consumiam”
os recursos naturais ao seu redor.
23
LIMA, Rogério Medeiros Garcia de. Aplicação do código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 31.
24 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: Atlas, 1991, p. 19.
5
Assim, o consumo é uma atividade inerente ao humano. Ao
longo da história o ato de consumir é um ato presente em todas as camadas sociais
independentemente das condições de renda que cada indivíduo pertença, visto que
o consumo pode ocorrer em razão de questões que vão da necessidade de
sobrevivência até o consumo fútil25.
A palavra consumo tem sua origem no termo latino consumir
derivada do verbo consumere, que possui o significado de gastar, comer, utilizar,
destruir, ou seja, se traduz na idéia de utilização, de uso ou de fruição de certo
objeto, coisa, bem, serviço, etc26.
Em suas etapas iniciais, as relações de consumo tinham como
traço marcante o caráter de serem relações interpessoais, ou seja, aquelas nas
quais os fornecedores faziam contatos diretamente com seus clientes
(consumidores), isto porque, nos primórdios da relação de consumo, os
fornecedores atuavam em um mercado de pequenas proporções.
Segundo Almeida27:
As relações de consumo são bilaterais, pressupondo numa ponta o fornecedor – que pode tomar a forma de fabricante, produtor, importador, comerciante e prestador de serviços -, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros, e, na outra ponta, o consumidor, aquele subordinado às condições e interesses impostos pelo titular dos bens ou serviços, no atendimento de suas necessidades de consumo.
Com o advento da denominada sociedade industrial, na qual se
teve um incremento dos sistemas econômicos que se tornaram mais complexos,
tendo como objetivo a massificação do consumo e o aumento da produção de bens
e de serviços, as relações entre consumidores e fornecedores também foram se
tornando mais complexas e delicadas gerando conflitos de interesses entre as
25
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 01.
26 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 362.
27 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1993, p. 01.
6
partes, cuja legislação já não mais atendia as necessidades emergentes deste novo
modelo econômico imposto pela sociedade industrial consumista28.
Diante desta evolução natural, era de se esperar que as
relações de consumo refletissem diretamente na sociedade, assim como nas
questões de ordem econômica e, por conseguinte, nas relações jurídicas. É possível
afirmar que a tutela dos interesses dos consumidores é resultado direto das
transformações e modificações ocorridas nas economias estatais, assim como
mundiais ocorridas a partir da industrialização e da produção em massa que gerou o
fenômeno da sociedade de consumo.
O pensamento de se proteger os interesses dos consumidores
não se traduz em um fato recente, visto que, em muitos países industrializados tidos
como desenvolvidos esta prática já se faz presente à longa data, cuja origem se deu
em face de vários movimentos de pressão que levaram os Estados a criarem
mecanismos legais de proteção aos consumidores e assim passaram a tutelar seus
direitos, por entender e reconhecer, o Estado, a hipossuficiência do consumidor em
face do produtor e fornecedor de bens e serviços29.
Marins30 ensina que:
As fronteiras mundiais se abrem ao comércio de todo o gênero de produtos, forçando a criação de normas de cunho supranacional destinadas a homogeneizar relações de consumo nas diversas relações de consumo nas diversas nações. A difícil evolução dos textos normativos, forjada na necessária experiência pretoriana e adequadamente contemplada nos textos de doutrina renovadora, cada vez mais busca seu escopo maior de concretizar os anseios de seus destinatários.
Deste modo deve-se ressaltar que a relação de consumo, nos
dias de hoje, merece especial atenção dos legisladores e governantes, dada a sua
importância social e, por esta razão o Estado procura tutelar os interesses dos
28
MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto: os acidentes de consumo no código de proteção do consumidor. v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 17.
29 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: aspectos práticos - perguntas e respostas. 2. ed. Bauru, SP: Edipro, 2000, p. 19.
30 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto: os acidentes de consumo no código de proteção do consumidor, v. 5., 1993, p. 17.
7
consumidores com vista a protegê-los de possíveis abusos cometidos pelos
fornecedores de produtos e serviços no decorrer da relação de consumo31.
Para Coelho32:
A preocupação em tutelar os interesses dos que adquirem e se utilizam de produtos ou serviços oferecidos em grande escala ao mercado assinala o nascimento do consumerismo. Não se pode explicá-lo, no entanto, apenas pelo aumento da consciência dos consumidores, ou por uma pretensa evolução moral das relações sociais. Na verdade, a consideração dos interesses dos consumidores, na disciplina jurídica econômica, corresponde a necessidades de desenvolvimento do capitalismo em sua fase superior (monopolística).
Vale lembrar que a caminhada evolutiva de uma legislação de
proteção aos interesses e direitos dos consumidores ocorreu de maneira bem mais
lenta do que as normas reguladoras do comércio, da indústria e da econômica, isto
porque, os Estados, principalmente os de viés liberal, pouco ou nada intervinham
nas relações de consumo atendendo aos interesses dos capitalistas e sua ideologia
liberal.
Somente com existência de conflitos decorrentes das relações
de consumo que deram origem às pressões sociais sobre o Estado é que esse
passou a interferir e a elaborar normas com a finalidade de regulamentar os conflitos
na esfera consumerista.
A par da interferência estatal, com a edição de normas
reguladoras e protetivas ao consumidor em face do fornecedor de bens e produtos
na relação de consumo, os próprios consumidores trataram de buscar alternativas
para se protegerem diante dos abusos ou ameaças de abusos por parte dos
fornecedores, assim, foram criadas diversos organismos da sociedade civil que
buscam garantir que os direitos dos consumidores sejam efetivamente respeitados e
cumpridos.
31
ROSA, Josimar Santos. Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores. São Paulo: Atlas, 1995, p.19.
32 COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor: o cálculo empresarial na interpretação do código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 27.
8
Nos dias de hoje, diante da complexidade das relações de
consumo e da evolução que a sociedade contemporânea experimentou e, com a
grande oferta de bens de consumo e serviços, cada vez mais acessíveis sob o ponto
de vista econômico a relação de consumo passou a ser um dois principais focos das
empresas, uma vez que o consumidor é o sujeito através do qual as fazes do
processo produtivo e a roda da economia se finalizam33.
Por outro lado as relações de consumo apresentam grande
dinamismo, isto porque são contingenciadas com base na existência humana, visto
que surgem, crescem, desenvolvem-se como um reflexo do momento histórico
vivenciado pelos sujeitos que a formam (consumidor e fornecedor)34.
Sob o seu aspecto econômico, tem o significado de representar
o ato final da cadeia produtiva, ou seja, é o ato de adquirir um bem ou um serviço
depois de seu fabrico ou sua prestação. Vale lembrar que por um longo período a
abordagem da relação de consumo restringia-se somente a campo das ciências da
administração e da econômica, não sendo abordadas sob o ponto de vista jurídico.
Entretanto, com o tempo e, principalmente nos dias de hoje, a
relação de consumo é entendida como uma questão de ordem social e, por esta
razão abordada pelo sistema jurídico, em especial, com legislação especial que
tutela os interesses dos consumidores35.
Diante do quadro atual, no qual as sociedades consomem a
cada dia mais e mais, incentivadas por uma gama de produtos e uma publicidade
instigante, os consumidores não aceitam mais, que empresas produtoras de bens ou
prestadoras de serviços lesem seus direitos e, nem tão pouco, os Estados deixem
de tutelar os interesses da sociedade.
Embora exista hoje uma consciência coletiva e estatal da
necessidade da proteção aos direitos existentes na relação de consumo, deve-se
33
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: aspectos práticos, perguntas e respostas, 2000, p. 19.
34 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1993, p. 01.
35 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: aspectos práticos - perguntas e respostas, 2000, p. 19.
9
lembrar que tal consciência e conquista de direitos, se deram gradativamente ao
longo do tempo e, por esta razão faz-se necessária uma abordagem histórica a
respeito do instituto consumerista.
No Brasil, antes da edição do Código de Defesa do
Consumidor a relação entre fornecedor e consumidor era vista somente no aspecto
do direito privado, ou seja, as questões relativas á relação de consumo se
desenvolviam entre o consumidor (pessoa física individual) e o fornecedor, não
abrangendo a coletividade. Entretanto, diante da complexidade em que as relações
de consumo tomaram com o decorrer dos tempos, o Estado brasileiro passou a
regular, por meio da legislação consumerista, as questões envolvendo os
consumidores (em um espectro geral) e os fornecedores36.
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
Em uma análise sob o aspecto histórico da proteção aos
direitos dos consumidores, vale lembrar que em seus primórdios da humanidade o
ser humano mantinha relações de consumo. Nas mais antigas civilizações a relação
de consumo era direta entre quem fornecia um produto, geralmente agrícola ou
artesanal e, quem os adquiria.
A respeito da evolução histórica da relação de consumo,
Saad37 leciona que:
Desde os tempos mais recuados, sempre houve alguém que vendesse algo (ou trocasse um por outro produto) e alguém que comprasse aquilo de que necessitava para alimentar-se ou para proteger-se contra as intempéries. Durante milênios, esse comércio caracterizou-se por seu individualismo, isto é, o produto era predominantemente de caráter artesanal e o comprador limitava seu interesse a poucas unidades.
36
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: aspectos práticos - perguntas e respostas, 2000, p. 19.
37 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 25–26.
10
Na Roma antiga existiam normas reguladoras das relações de
consumo, mesmo que ainda insipientes mais voltadas para as relações de comércio
do que propriamente dita as referentes aos fornecedores e consumidores, de tal
modo que essa relação era tratada na esfera do Direito Civil, cujas normas previam
que os compradores poderiam ser indenizados economicamente pelo vendedor caso
ocorressem danos provenientes de algum vício ou defeito que os produtos
apresentassem.
Já no século XVII, em razão dos avanços ocorridos na
economia que deram origem à Revolução Industrial e, por conseguinte, um
incremento na força produtiva do homem, os relacionamentos entre compradores e
vendedores passaram por significativas e intensas alterações como reflexo da
produção em larga escala. O advento de novas tecnologias que permitiram essas
mudanças na produção de bens, também causou reflexo, além da relação de
consumo, nas relações tuteladas pelos Direitos Civil e Comercial.
Sobre estas alterações na realidade social introduzidas pela
Revolução Industrial Saad38 disserta que:
Antes da civilização Industrial, entendia-se o comprador com o artesão, diretamente e isso na maioria das vezes. No direito clássico, a responsabilidade derivada de contrato ou de um ato ilícito (teoria subjetiva da culpa) ensejava o ressarcimento de eventuais danos, mas com acentuada lentidão e de forma um tanto dispendiosa. Esse direito tornou-se inadequado à medida que a Revolução Industrial progredia no tempo, mercê da produção em massa e em série que inseriu, entre o fabricante e o consumidor, extensa cadeia de intermediários. De outra parte, produtos defeituosos ou com algum vício de qualidade ou quantidade davam pequeno prejuízo ao consumidor solitário e grande lucro ao fornecedor, porque este colocava no mercado o mesmo produto em enormes quantidades. O complicado ordenamento jurídico não encorajava o consumidor a ir à liça só porque o produto adquirido por pequena quantia não funcionava nas condições prometidas pelo vendedor.
A revolução Industrial promoveu profundos avanços na forma
de produção de bens ao transferir a produção de manufaturada para fabril, gerando
com isto uma nova maneira de relação de consumo, que até então ocorria
diretamente entre o fornecedor e o cliente (consumidor), passando a existir o
38
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 27.
11
intermediário, ou seja, um produzia (a indústria) e outro vendia a um número
indefinido de consumidores. Este novo modelo econômico exigiu dos Estados uma
nova postura no que diz respeito à normatização da relação entre os novos
fornecedores e os novos consumidores.
Com a industrialização da produção de bens, as antigas idéias
a respeito da forma como a sociedade se organizava foi ganhando em diversidade e
em complexidade novos contornos comportamentais, principalmente porque
prevaleceu, logo no início deste período, o pensamento liberal que pregava que o
individualismo era a saída para a construção de uma nova sociedade e um novo
mundo, ou seja, o desenvolvimento social dependeria necessariamente da liberdade
de cada indivíduo.
A respeito deste período Saad39 discorre que:
Nesse mesmo período, velhas idéias sobre a organização social e a origem do poder cedem seu lugar ao liberalismo que se reforça no âmago da Revolução Industrial e as relações na sociedade ganham maior diversidade e não menor complexidade. Nesse quadro, consolidou-se a crença de que o desenvolvimento no todo social está na dependência da liberdade do indivíduo para realizar e construir um mundo novo. O individualismo impregnou todo o direito ao mesmo tempo que a realidade social já pedia regras jurídicas para regular fatos e situações completamente ignoradas no passado.
Gama40, por sua vez leciona que:
O industrialismo e as produções em largas escalas vieram revolucionar os negócios, tornado-os pluripessoais e difusos. Se antes os tratos primitivos para as encomendas de produtos e serviços permitiam – aos consumidores – melhor conhecer as pessoas dos seus fornecedores e melhor eleger os bens e serviços a serem consumidos, desde o final do século XIX as relações de consumo passaram a ganhar foros de universalidade.
Pode-se dizer que a Revolução Industrial foi um dos fatos
históricos mais marcantes para a sociedade com o fim da Idade Média, isto porque
instituiu um novo modelo comportamental na sociedade, até então baseado
principalmente na produção agrícola e artesanal. As principais alterações iniciaram-
39
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 26.
40 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor, 2000, p. 01.
12
se na Europa do final do século XVIII para o século XIX, cuja ideologia
predominante, a liberal, pregava a idéia de que o Estado deveria intervir o mínimo
possível nas relações sociais, entre elas a de consumo que iniciava e fundava uma
nova categoria, a chamada sociedade de consumo, na qual caberia a cada cidadão,
com total liberdade, promover o desenvolvimento social.
Com o tempo a Revolução Industrial foi se solidificando e
implementando a produção em massa e, a introdução de novos processos de
produção mais avançados sob o ponto de vista tecnológicos aliados às novas
técnicas de divulgação e vendas de produtos, resultando em uma volume maior de
produção e, por conseguinte um acúmulo da concentração de renda nas mãos dos
donos da indústrias, também chamados de os donos do capital. Estas alterações se
refletiram drasticamente na sociedade e nas relações de consumo, principalmente
porque os consumidores não tinham ao seu dispor nenhum tipo de legislação que
protegesse seus interesses e lhes garantisse direitos.
Saad41 leciona que:
No direito clássico, a responsabilidade derivada de contrato ou de um ato ilícito (teoria subjetiva da culpa) ensejava o ressarcimento de eventuais danos, mas com acentuada lentidão e de forma um tanto dispendiosa. Esse direito tornou-se inadequado à medida que a Revolução Industrial progredia no tempo, mercê da produção em massa e em série que inseriu, entre o fabricante e o consumidor, extensa cadeia de intermediários. De outra parte, produtos defeituosos ou com algum vício de qualidade ou quantidade davam pequeno prejuízo ao consumidor solitário e grande lucro ao fornecedor, porque este colocava no mercado o mesmo produto em enormes quantidades. O complicado ordenamento jurídico não encorajava o consumidor a ir à liça só porque o produto adquirido por pequena quantia não funcionava nas condições prometidas pelo vendedor.
Como bem se pode observar, a Revolução Industrial se
mostrou como um dos maiores saltos nas relações sociais e de consumo e
inaugurou uma nova era nas relações comerciais mundiais, assim como no
comportamento e no modo de vida das pessoas, que passaram a ter uma qualidade
de vida melhor, embora, que no seu início, a Revolução Industrial mais beneficiou os
41
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 27.
13
industriais do que a coletividade em sua totalidade. Entretanto, ultrapassadas as
primeiras etapas de sua implantação e solidificação, as crescentes demandas e
conflitos entre consumidores e fornecedores foram surgindo diversos movimentos
sociais visando defender os interesses dos consumidores42.
A este respeito Gama43, leciona que:
[...] o progresso dos mercados e as ofertas múltiplas de bens e serviços passaram a preocupar os consumidores e as autoridades públicas sobre os bens e serviços de largo consumo. [...] as organizações governamentais, os departamentos especializados das universidades e as associações profissionais de pessoal técnico, logo passaram a pressionar os órgãos legislativos para a elaboração de normas e regulamentos que, visavam a proteção dos interesses dos consumidores dos produtos.
Independentemente da evolução introduzida no meio de
produção industrial que causaram profundas modificações na relação entre os
consumidores e os fornecedores de produtos e serviços, a sociedade como um todo,
foi se rebelando diante dos abusos cometidos pelos fornecedores, que não
respeitavam os mais básicos direitos do consumidor como pessoa humana que
visavam unicamente e exclusivamente o lucro excessivo, não se preocupando com a
qualidade dos produtos e dos serviços colocados à disposição dos consumidores.
A defesa dos interesses dos consumidores no Brasil, somente
começou a serem discutidas nos primeiros anos da década de setenta. Nesta época
surgiram os primeiros movimentos sociais com vistas à proteção dos direitos dos
consumidores. O Primeiro órgão instituído com esta finalidade foi a Associação de
Defesa do Consumidor, que defendia os interesses dos consumidores na cidade de
Porto Alegre. Já nas décadas que se seguiram, muitas outras associações de defesa
dos consumidores foram aos poucos sendo implantadas em todo Brasil.
Com a redemocratização brasileira ocorrida na metade da
década de 80, os anseios sociais por direitos antes tolhidos, influenciou o legislador
Constituinte, que ao elaborar a Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro
de 1988 entendeu por bem, inserir em seu texto dispositivos permitindo e
42
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 27.
43 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor, 2000, p. 02.
14
autorizando a associação das pessoas a fim de defenderem seus interesses (art. 5º,
XVII e XVIII), assim como, introduziu nos Direitos Fundamentais, a proteção aos
direitos do consumidor (art. 5º, XXXII)44.
Atendendo à disposição prevista no inciso XXXII do artigo 5º da
Constituição Federal que determina que “O Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor”; foi editada em 11 de setembro de 1990, a Lei nº 8.078, que
passou a regular e disciplinar as relações de consumo no Brasil, passando a tutelar
os interesses e direitos dos consumidores em face dos fabricantes, fornecedores e
prestadores de serviços, na qual se tem a previsão de infrações penais, assim como
as sanções a serem aplicadas em face dos fornecedores que pratiquem condutas
que prejudiquem o fornecedor, seja individualmente, seja coletivamente.
1.3 CONCEITO DE CONSUMIDOR À LUZ DA LEI Nº 8.078/90
Em um primeiro momento conceituar-se o que venha a ser o
consumidor é uma das tarefas mais árduas, isto porque, o termo remete à idéia
inicial do consumidor sob o ponto vista econômico e não sob a ótica jurídica, de
modo que, para a economia o consumidor não passa de um indivíduo com
capacidade de adquirir bens e serviços colocados pelos fabricantes e fornecedores à
seu dispor45.
Diante desta dificuldade na abordagem conceitual de
consumidor sob o prisma jurídico, é prudente que se faça uma abordagem conceitual
sob prisma econômico e, neste sentido, o conceito mais apropriado de consumidor
induz a idéia de que o consumidor é toda pessoa física ou jurídica a quem se
destinam os bens produzidos e os serviços prestados, independentemente do seu
interesse ou não em adquiri-los.
44
GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor, 2000, p. 05.
45 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito consumidor, 1993, p. 35-36.
15
Neste sentido Filomeno46 apresenta o seguinte conceito
econômico para consumidor:
[...] sob o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens. Trata-se, como se observa, da noção asséptica e seca que vê o consumidor tão-somente o “homo economicus”, e como partícipe de uma dada relação de consumo, sem qualquer consideração de ordem política, social, ou mesmo filosófica-ideológica.
Sob o ponto de vista legal, ou seja, jurídico, o Código de
Defesa do Consumidor adotou, em seu artigo 2º a definição do que venha a ser
consumidor, ao assim dispor:
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Do dispositivo legal supracitado é possível verificar que o
legislador infraconstitucional manteve a idéia do consumidor sob o ponto de vista
econômico, isto é, como um sujeito com capacidade para consumir bens e serviços,
sem, no entanto, considerar os aspectos sociológicos e psicológicos que levam um
indivíduo a adquirir determinado produto ou serviço.
A este respeito Nunes Junior47 ensina que:
Ao tratar da delimitação jurídica da figura do consumidor, impossível a sua dissociação do aspecto econômico da mesma figura, ou seja, o conceito trazido está intimamente ligado à realidade econômica ocupada pelo consumidor. Impossível, aliás, conceber hipotético distanciamento, ainda que para o exclusivo fim conceitual, já que o termo em análise só faz sentido quando contextualmente colocado, parte estrutural que é de qualquer ordem econômica moderna.
Pode-se entender que o consumidor, a par das conotações de
ordem sociológicas, econômicas, filosóficas e psicológicas e focando-se somente na
46
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, 1991, p. 24.
47 NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Código de defesa do consumidor interpretado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 12.
16
acepção jurídica, vem a ser toda e qualquer pessoa física que, sozinha ou em grupo
venha a contratar para o consumo final, em seu próprio benefício ou de outras
pessoas determinado bem ou serviço que possa usufruir em contrapartida a um
preço acertado.
Rosa48 por sua vez assevera que:
O fato de qualificar o consumidor como pessoa física ou jurídica não cria qualquer controvérsia com a aplicação do preceito normativo, pois em ambos os enquadramentos o perfil que deve prevalecer é de natureza finalista, o que equivale a dizer para uso próprio. Qualquer alteração no procedimento do consumidor quanto à destinação dos bens e serviços contratados por certo comprometerá o processo consumista, acarretando um desvio nos objetivos propostos. Embora pareça radical, o posicionamento do consumidor deve denotar um caráter finalista, sem o qual não contará com a proteção emoldurada no Código de Defesa do Consumidor, para sua maior comodidade e segurança.
Desta maneira, pode-se concluir que o sistema jurídico
brasileiro, mais especificamente com a edição do Código de Defesa do Consumidor,
tem por objetivo tutelar e garantir que os consumidores tenham seus direitos básicos
respeitados pelos fornecedores de produtos e serviços, mesmo que o consumo seja
individual ou coletivo.
1.4 CONCEITO DE FORNECEDOR À LUZ DA LEI Nº 8.078/90
A relação de consumo enseja, além do consumidor, a
existência de outra figura, que se não se fizer presente, não há que se falar em
relação de consumo. Em sendo assim, mister se faz abordar este pólo, também
importante para o mercado de bens e serviços. Embora não exista pacificação
quanto ao termo, tanto da doutrina como a legislação, adotou o termo fornecedor,
para se referir a todas aquelas pessoas físicas ou jurídicas, que forneçam produtos
48
ROSA, Josimar Santos. Relações de consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores, 1995, p.26.
17
ou prestem serviços e, os colocam à disposição de todas as outras pessoas,
também físicas ou jurídicas que os queira adquirir49.
O Código de Defesa do Consumidor trata acerca do fornecedor
em seu artigo 3º que assim dispõe:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
De acordo com o disposto no artigo terceiro do diploma
consumerista, é possível depreender-se que o legislador infraconstitucional tomou o
cuidado de especificar claramente e de maneira ampla, quais são os sujeitos tidos
como fornecedores na relação consumerista.
O presente artigo assinala que fornecedor é toda pessoa física
ou jurídica, quer seja ela de Direito Privado ou de Direito Público; brasileira ou
estrangeira e também, aquela que não tenha personalidade determinada, que
desempenhe alguma função produtiva com objetivo de ofertá-la ao mercado
consumidor.
O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor identifica
como sendo fornecedores todas as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado ou
público, de capital nacional ou estrangeiro, que tenham como atividade a produção e
o fornecimento de bens e serviços.
Nunes Junior50 discorre que:
49
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor, 1991, p. 28.
50 NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Código de defesa do consumidor interpretado, 2003, p. 19.
18
Como se vê, serviu-se o legislador de definição amplíssima, abarcando enorme conjunto de hipóteses e enumerando atividades que culminam na colocação de bens e serviços no mercado de consumo. Usando termos de larga acepção de condutas positivas que implicassem relação materialmente envolvente dos pólos em questão.
Por sua vez Almeida51, ao tratar da temática, assevera que:
Praticamente, a definição legal esgotou todas as formas de atuação no mercado de consumo. Fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também que vende, ou comercializa produtos nos milhares e milhões de pontos-de-venda espalhados por todo o território. [...] O conceito legal de fornecedor engloba também as atividades de montagem, ou seja, a empresa que compra peças isoladamente produzidas para a montagem do produto final, as de criação, construção, transformação (matéria prima em produto acabado), bem como as de importação, exportação e distribuição.
Deve-se, no entanto, observar que a definição daqueles que
são fornecedores, a união daqueles que produzem e que prestam serviços, o que
proporciona a facilidade de entendimento e ao mesmo tempo a aplicabilidade do
disposto na legislação consumerista, já que o texto legal não deixa pairar dúvidas a
respeito do conceito, uma vez que a lei é clara quanto ao tema.
No que concerne à definição do que venha a ser produto,
pode-se verificar que o legislador foi claro ao se referir ao mesmo como sendo todo
bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, capazes de serem mensurados
economicamente52.
No tocante à prestação de serviços, o legislador consumerista,
também procurou definir de maneira clara que a mesma será todo o trabalho
especializado praticado por uma pessoa física ou jurídica que tenha como
contrapartida o pagamento a ser executado de acordo com o contratado entre as
partes.
Deve-se, no entanto, observar que a definição daqueles que
são fornecedores, a união daqueles que produzem e que prestam serviços, o que
51
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1993, p. 42.
52 GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor, 2000, p. 05.
19
proporciona a facilidade de entendimento e ao mesmo tempo a aplicabilidade do
disposto na legislação consumerista, já que o texto legal não deixa pairar dúvidas a
respeito do conceito, uma vez que a lei é clara quanto ao tema.
1.5 DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR
Sob o ponto de vista lato sensu, entende-se por hipossuficiente
todo sujeito que possua poucos recursos econômicos ou financeiros, cuja pobreza
seja constatada, que por este motivo deve receber do Estado uma ajuda de caráter
assistencial, assim como e, em sendo o caso, jurídica53.
Filomeno54 leciona que:
O traço marcante da conceituação de consumidor, no nosso entender, está na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no sentido de se o considerar como hipossuficiente ou vulnerável, não sendo aliás, por acaso, que o mencionado movimento consumerista apareceu ao mesmo tempo que o sindicalista, principalmente a partir da metade do século XIX, em que se reivindicaram melhores condições de trabalho e melhoria da qualidade de vida, e, pois, em plena sintonia com o binômio poder aquisitivo/aquisição de mais e melhores bens e serviços.
O texto constitucional pontuou e reconheceu a fragilidade do
consumidor na relação de consumo em face do fornecedor, isto porque, entendeu o
legislador que o poder econômico do fornecedor, em regra é superior ao do
consumidor e, por esta razão procurou determinar a edição de uma norma específica
objetivando tutelar e garantir os direitos dos consumidores.
Sobre o assunto Silva55 leciona que
O CDC pressupõe a vulnerabilidade do consumidor, partindo do princípio de que ele, por ser a parte econômica, jurídica e tecnicamente mais fraca, nas relações de consumo, encontra-se, normalmente, em posição de inferioridade, na administração de seus
53
SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Dicionário jurídico, 2002, p. 80.
54 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 28.
55 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de defesa do consumidor anotado e legislação complementar, 2003, p. 15.
20
interesses como o fornecedor. A Lei n. 8.078/90, ao contrário do código Civil, parte do pressuposto de que, nas relações de consumo, existe uma desigualdade fática, uma relação vertical e de poder, entre fornecedores e consumidores, razão por que, ao estabelecer uma série de direitos e vantagens para o consumidor, tenta igualar sua posição jurídica na relação contratual.
Desta maneira, a hipossuficiência do consumidor se alicerça no
fato de que ele no decorrer da relação consumerista, se coloca em um patamar de
submissão em relação ao fornecedor, isto porque se entende que o fornecedor é
economicamente superior ao consumidor.
1.6 DOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR
O legislador brasileiro ao elaborar o Código de Defesa do
Consumidor, como norma reguladora dos direitos e obrigações decorrentes da
relação de consumo, adotou como norte, para definir os direitos básicos do
consumidor brasileiro, os direitos contidos na Resolução de nº 39/248 da
Organização das Nações Unidas56.
Dentro desta ótica, procurou o legislador identificar e tipificar
um rol de direitos que considerou serem básicos. Estes direitos estão entabulados
no artigo 6º do diploma consumerista, que assim dispõe57:
Desta forma, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor
determina quais são os direitos básicos dos consumidores ao assim dispor:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
56
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1993, p. 04-05.
57 LUZ, Aramy Dornelles da. Código do consumidor anotado. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 20-21.
21
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX - (Vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Verifica-se que é dever e obrigação do Estado garantir a
segurança, a saúde e a vida de todos os seus cidadãos, trata-se de um dever
determinado pelo texto constitucional, de tal modo que este dispositivo foi transferido
pelo legislador infraconstitucional para o texto do Código de Defesa do Consumidor
como uma forma de ratificar estes direitos perante à sociedade58.
Talavera59 leciona que:
O tríplice aspecto protetivo contido na disposição normativa do art. 6º, I, do CDC, que ampara os consumidores em face de eventuais riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e
58
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 158-159.
59 TALAVERA, Glauber Moreno. Relações de consumo no direito brasileiro. São Paulo: Editora Método, 2001, p. 30.
22
serviços considerados perigosos ou nocivos à vida, saúde e segurança, corroboram uma eficácia que estabelece um invólucro imponderável em torno da incolumidade física e psíquica do consumidor ou do circunstante inserido na cadeia de consumo diante de procedimentos vis, levados a termo por fornecedores moralmente depauperados, aqueles que ainda tentam angariar a legitimação da qualidade de seus produtos e serviços muito mais por seu pretenso toque de Midas do que pela excelência e altivez de sua mercadoria.
Verifica-se que o direito à segurança de que trata a lei tem por
objetivo garantir que os produtos ou serviços não venham a representar um risco ou
causar danos à saúde do consumidor, assim como à sua integridade física.
O direito à escolha diz respeito à faculdade de optar do
consumidor entre os mais diversos bens ou serviços colocados à sua disposição no
mercado de maneira livre e sem qualquer espécie de pressão por este ou aquele
produto60.
A este respeito Nunes Junior61 disserta que:
O direito à liberdade de escolha, Tonica de qualquer sistema de defesa do consumidor, tem aqui um sentido material, vale dizer, não basta que se assegure o respeito à autonomia da vontade, mas que o consumidor seja munido de informações adequadas, de educação para o consumo e protegido de fórmulas publicitárias abusivas e enganosas, de tal modo que possa fazer a eventual opção de compra consciente de todos os seus aspectos. O Código, neste ponto, não só trouxe regras especificas quanto ao direito de informação, como veiculou proibições quanto a prática agressiva de venda e à publicidade enganosa abusiva e clandestina.
Ainda o inciso II do mesmo artigo prevê e assegura ao
consumidor o pé de igualdade para com o fornecedor e para com os demais
consumidores, no momento em que efetuar a sua contratação. Este dispositivo
consumerista inspirou-se no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 que
prevê a igualdade entre as pessoas. Deste modo ao fornecedor é vetada a distinção
entre seus consumidores, deve o mesmo tratar a todos com igualdade, salvo nos
casos em que o tratamento se justifique, como, por exemplo, a prioridade no
atendimento à gestante, aos idosos, aos portadores de necessidades especiais etc.
60
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p. 113.
61 NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Código de defesa do consumidor interpretado, 2003, p. 37.
23
No que diz respeito ao direito de informação, cabe ao
fornecedor de bens ou serviços identificar adequadamente as características básicas
e importantes do produto ou do serviço de tal maneira a permitir que o consumidor
possa fazer a sua escolha de acordo com as suas necessidades.
A respeito do direito imposto ao fornecedor de informar
adequadamente o consumidor Nunes62 assevera que:
O dever de informar é princípio fundamental na Lei n. 8.078, e, junto ao princípio da transparência estampado no caput do art. 4º, traz uma nova formatação aos produtos e serviços oferecidos no mercado. Com efeito, na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.
O inciso IV do artigo ora abordado estende ao consumidor o
direito de ser protegido contra propagandas que o engane ou que lhe seja abusiva,
contra metodologias de comércio coercitivas, assim como, contra práticas e ajustes
atentatórios ou impostos no momento do oferecimento dos bens ou serviços.
Quanto a alteração de cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais Nunes63 leciona que:
A Lei n. 8.078, com supedâneo nos princípios da boa-fé e do equilíbrio (art. 4º, III), da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I), que decorre da necessidade de aplicação concreta do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF), garante o direito de modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais, bem como estabelece o direito à revisão das cláusulas em função de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
O legislador procurou, entre outras proteções, assegurar ao
consumidor, a reparação efetiva de danos na esfera patrimonial e, também moral, na
esfera individual, coletiva e difusa, de danos causados pelos fornecedores ou
prestadores de serviços, quando do fornecimento de bens ou realização de serviços
62
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º a 54), 2000, p. 113.
63 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito
material (arts. 1º a 54), 2000, p. 117.
24
(art. 6º, VI), assim como garantiu aos consumidores o acesso à justiça e aos órgãos
administrativos do Estado para ajuizar ação de reparação dos danos patrimoniais e
morais a que esteja sujeito ou que efetivamente ocorram.
Quanto ao inciso VII do artigo em comento, que versa sobre o
ônus da prova, Saad64 disserta que:
O inciso VIII do artigo que vimos analisando só admite a inversão do ônus da prova quando for verossímil o alegado pelo consumidor ou quando este for hipossuficiente. Destarte, se o demandante for apenas hipossuficiente, não se faz mister a averiguação da prova quando for verossímil do que alega. Desnecessário ressaltar que, com maior razão, é licita a inversão do onus probandi quando presentes os dois pressupostos: fato verossímil e hipossuficiência do consumidor.
É direito do consumidor ser indenizado economicamente por
todos os danos que possa vir a sofrer em razão de vícios ou defeitos oriundos do
produto ou do serviço que venha a adquirir ou contratar. No que concerne à
educação para o consumo é direito do consumidor e dever do Estado e dos
fornecedores, a implantação de políticas e campanhas de conscientização dos
consumidores para que estes possam adquirir ou contratar adequadamente.
São ainda direitos do consumidor: a adequada e eficiente
prestação de serviços oferecidos pelos órgãos públicos de maneira geral, a proteção
contra a publicidade enganosa ou abusiva, a métodos desleais ou coercitivo de
vendas, de modificações de cláusulas que se demonstrem abusivas quando do
fornecimento de produtos ou de serviços e ainda de cláusulas contratuais cuja
contraprestações se demonstrem indevidamente proporcionais65.
O presente capítulo teve como objeto de abordagem a
proteção jurídica do consumidor no sistema jurídico brasileiro após a adoção do
Código de Defesa do Consumidor que estendeu uma gama de direitos aos
consumidores a fim de protegê-los das práticas abusivas adotadas por uma parcela
significante dos fornecedores.
64
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078, de 11.9.90, 1999, p. 178.
65 ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor, 1993, p. 44-47.
25
CAPÍTULO 2
DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS OPERADORAS DE
SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA DE SAÚDE
Num contexto geral e, em especial na esfera das relações de
consumo, as operadoras de serviços de assistência privada de saúde enquadram-se
na condição de fornecedoras, isto porque, são pessoas jurídicas de direito privado
entendidas pelo sistema jurídico brasileiro como fornecedoras ou prestadoras de
serviços típicos, ou seja, ofertam e colocam no mercado consumidor produtos e
serviços voltados à assistência privada de saúde e, por isto mesmo, estão
enquadradas e reguladas, sob o ponto de vista da relação de consumo pelo Código
de Defesa do Consumidor66.
Este mesmo entendimento se estende às cooperativas
formadas por médicos, uma vez que “as cooperativas, em essência, também
praticam medicina de grupo, prestando serviços diretamente ao consumidor,
mediante pré-pagamento” 67.
Neste sentido Mais expressa sobre isto Loureiro68 leciona que:
No que se refere às cooperativas, cabe especial destaque às que se
organizaram em grupos com unidades afiliadas com certa autonomia
funcional, embora vinculadas, em maior ou menor grau, a um
sistema nacional. O exemplo mais fulgurante desse grupo é a
UNIMED, em razão de seu porte e volume de serviços. Há nítida
tendência dos tribunais em atenuar a autonomia das unidades
66
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil dos planos e seguros de saúde, 2006, p. 72.
67 PASQUALOTTO, Adalberto. A regulamentação dos planos de assistência à saúde: uma
interpretação construtiva. In: Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência Privada à Saúde. Cláudia Lima Marques, José Reinaldo de Lima Lopes, Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer - coordenadores, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.40.
68 LOUREIRO, Francisco Eduardo. Planos e seguros de saúde, 2007, p.296
26
regionais, tratando-as como partes de um sistema interligado, pois é
essa a face que se mostra aos consumidores e lhes desperta a
confiança na aquisição do produto. A jurisprudência é rica em casos
relativos a sistemas nacionais de cooperativas. É freqüente nos
tribunais a extensão da condenação por fato do produto ou do
serviço de uma unidade regional à outra, criando uma cadeia de
solidariedade.
Dessa forma, se faz necessário o devido entendimento de que
modalidades de empresas privadas prestam esta referida assistência suplementar
aos serviços públicos de saúde. Ressalta-se que estas empresas estão devidamente
definidas na lei nº 9.656/1998, em seu artigo 1º, incisos I e II, a saber:
Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas
de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem
prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua
atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui
estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de
serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós
estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir,
sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de
acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde,
livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada,
contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar
e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao
prestador, por conta e ordem do consumidor; (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica
constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial,
cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço
ou contrato de que trata o inciso I deste artigo; (Incluído pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Observa-se, assim, que as operadoras privadas de planos de
saúde por lei estão devidamente caracterizadas e fazem parte do sistema de
atendimento em saúde no país, é evidente que a Constituição Federal de 1988 deixa
27
claro que o modelo de saúde adotado no Brasil é um sistema misto, ou seja: ao
mesmo tempo em que determina que a saúde é um direito de todos e dever do
estado, deixa evidente que a iniciativa privada poderá atuar na área da saúde.
Neste ponto deve-se observar o que descreve o artigo 196 e o
caput, do artigo 199, da Carta Magna, ou seja:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
[...]
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Conclui-se que a atividade das operadoras privadas de planos
de saúde está inserida no contexto constitucional da assistência á saúde no Brasil.
Ressalta-se que as empresas que atuam nos serviços privados de assistência á
saúde são de diversas modalidades.
Para um maior entendimento da matéria, merece destaque os
ensinamentos de Loureiro69 para quem:
O seguro-saúde caracteriza-se pelo regime da livre escolha de
médicos e hospitais e reembolso das despesas médico-hospitalares
nos limites da apólice. As empresas de medicina de grupo, por seu
turno, são pessoas jurídicas com o objetivo de assegurar assistência
médico-hospitalar ou ambulatorial, mediante três maneiras de
atuação: (a) exploração de recursos materiais e humanos próprios
(médicos, hospitais e ambulatórios); (b) credenciamento de serviços
de terceiros; (c) por um sistema misto, que abranja serviços próprios
e rede credenciada. As cooperativas de serviço médico são
entidades organizadas por médicos, com o fim de dar amparo
econômico e social ás suas atividades, prestando serviços médicos e
hospitalares a terceiros.
69
LOUREIRO, Francisco Eduardo. Planos e seguros de saúde, 2007, p.293.
28
Por fim, vale lembrar que a autogestão é realizada pelas
próprias empresas prestadoras de serviços de assistência privada de saúde, isto
porque são, sob o ponto do sistema legal brasileiro, pessoas jurídicas de direito
privado cuja administração e gestão operacional e financeira são desempenhadas
pelas pessoas (administradores ou gestores) e devem estar de acordo com as
normas gerais previstas no ordenamento jurídico pátrio70.
2.2 NOÇÕES GERAIS A RESPEITO DOS CONTRATOS
O termo Contrato, no direito romano, tinha utilidade tão e
somente para convenções de caráter obrigacional instauradas por uma ação, sendo
que as demais eram simplesmente denominadas de convenções ou de pactos71.
Diante do rigoroso procedimento dos rituais do antigo direito, os
contratos do Direito Romano desenvolveram-se até os contratos consensuais,
formados pela concordância mútua.
Na Idade Média, os jurisconsultos bizantinos, sob a autoridade
moral da Igreja, levantaram o modelo das pessoas versadas em leis e cuja profissão
é dar pareceres a respeito de questões de direito. Quanto aos contratos neste
período, Bulgarelli72 ensina que:
Os contratos reais formavam-se por meio da solenidade simbólica de
pesar o bronze (per oes et libram), posto que implicavam não só com
a tradição da coisa, mas também o ritual da pesagem real ou
simbólica. Eram quatro os contratos reais: o mútuo, o depósito, o
penhor e o comodato, os quais ainda hoje são considerados como
reais pelo Direito positivo.
Os Contratos, por serem uma espécie de negócio jurídico
refletem um encontro de vontades, as quais são regulamentadas pelo ordenamento
jurídico.
70
PASQUALOTTO, Adalberto. A regulamentação dos planos de assistência à saúde: uma interpretação construtiva, 1999, p.43.
71 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis, 1999, p. 57.
72 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis, 1999, p. 57.
29
Esse encontro de vontades é determinado pelas partes e são
elas que convencionam o seu procedimento, constituindo, modificando ou
extinguindo obrigações.
Assim pode-se dizer que Contrato é um ajuste de
consentimento, de acordo com o ordenamento jurídico, designado a instalar regras
de conveniência entre as partes, com a finalidade de criar, modificar ou extinguir
vinculações jurídicas de origem patrimonial73.
Bulgarelli74 assim conceitua os Contratos:
O contrato pode ser tomado em várias acepções: em sentido amplo,
como o negócio jurídico com origem num concurso de vontades, que
costuma também ser confundido com a convenção, e ainda como o
conjunto de normas, ou seja, o contrato normativo (não considerado
pela doutrina como contrato em sentido técnico). Em sentido estrito,
o contrato pode ser entendido como o acordo de vontades gerador
de efeitos obrigacionais. A doutrina moderna distingue o contrato –
que deve ter sempre conteúdo patrimonial – de outros negócios
bilaterais, como os referentes ao direito de família e das sucessões,
denominadas de convenções embora se pretenda que toda
convenção é modernamente dotada de força vinculante conferindo
às partes ação própria.
Os contratos surgiram como modo de garantir o cumprimento
de uma obrigação acordada entre as partes, foi um instrumento criado objetivando
assegurar que um acordo seria efetivamente cumprido.
2.3 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE
Antes de se adentrar no assunto atinente aos princípios que
orientam e norteiam a relação de consumo entre as empresas que operam planos de
assistência à saúde, necessário se faz discorrer-se a respeito de determinados
73
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 25.
74 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis, 1999, p. 56-57.
30
deveres destas empresas, assim como dos direitos básicos que as mesmas devem
respeitar em relação aos consumidores desta modalidade de prestação de serviços.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, discorre
a respeito de alguns dos direitos básicos e fundamentais dos consumidores,
destacando-se a proteção à vida, à saúde, o direito à segurança em face de riscos
que venham a ser provocados por práticas quando do fornecimento de bens ou de
serviços tidos como perigosos ou nocivos; a proteção contra publicidade enganosa
ou abusiva; contra métodos de comercialização de produtos ou serviços que
demonstrem desleais ou coercitivos; o direito ao acesso aos órgãos de proteção ao
consumidor, bem como ao judiciário como instrumentos de facilitação da defesa dos
seus interesses75.
Desta forma, pode-se dizer perfeitamente que as empresas de
assistência à saúde estão, como prestadoras de serviços que são, enquadradas na
esfera da tutela dos interesses dos consumidores, devendo observarem as normas
contidas no Código de Defesa do Consumidor, em especial, os direitos básicos dos
mesmos.
Vale destacar que os princípios se traduzem em “um conjunto
de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a
validade”76.
Na verdade os princípios são uma espécie de proposições que
são colocadas nos alicerces das ciências, isto é, os princípios são entendidos como
sendo as bases ou os fundamentos de toda e qualquer ciência e, o direito como
ciência que é, possui diversos princípios que o solidificam77.
Desta maneira todas as empresas prestadoras de serviços de
assistência à saúde devem obedecer aos Princípios estabelecidos pela Constituição
Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor, pois os serviços de assistência
75
ALMEIDA, João Batista de. A tutela jurídica do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 47-48.
76 SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Lições de introdução ao direito. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2002, p. 148.
77 SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Lições de introdução ao direito, 2002, p. 148.
31
privada à saúde são considerados também de relevância pública. Serão nulas todas
as cláusulas que contrariem as normas constitucionais e, inconstitucionais todos os
atos normativos que afrontem a Constituição Federal de 1988.
Com base nos princípios gerais do direito e, em especial os
inerentes à relação de consumo, é possível dizer que todos os contratos oferecidos
pelas operadoras de planos de assistência à saúde devem conter os princípios
básicos da igualdade, da boa-fé, da confiança, da dignidade da pessoa humana, da
proteção do consumidor, do equilíbrio contratual, da interpretação pró-consumidor
das cláusulas contratuais, da proibição de inserção de cláusulas abusivas, do
controle judicial dos contratos e da vulnerabilidade dos consumidores78.
Com base no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que
consagra o princípio da isonomia, pode-se dizer que nas relações de consumo o
cidadão tem o direito indisponível de não sofre diferenciações por parte dos
fornecedores de produtos ou serviços, devendo o mesmo ser tratado em pé de
igualdade com todos os demais consumidores.
Já o art. 1º da Constituição Federal estabelece o princípio da
dignidade da pessoa humana, de tal modo que todo contrato, na esfera das relações
de consumo, deve considerar a amplitude da pessoa do consumidor que deve ser
tratado com a maior dignidade e, no caso dos contratos de assistência de saúde, o
contrato deve garantir a mais ampla proteção ao paciente consumidor.
Cabe ressaltar que o art. 5º, inc. XXXII da Constituição
Federal, dispõe que se houver qualquer desequilíbrio contra o consumidor, a relação
jurídica com o fornecedor será inconstitucional.
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor estabelece
princípios e regras que deverão incidir na interpretação dos contratos relativos aos
planos de saúde, assim, qualquer publicidade vinculará o fornecedor, ainda que tal
estipulação não conste do contrato ou mesmo que o contrato disponha de maneira
diferente.
78
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 709-710.
32
O princípio da boa-fé, por exemplo, norma de comportamento
positivada no artigo 4º, inciso III e artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do
Consumidor, passa a ser de observância necessária nessas espécies contratuais.
Como conseqüência, surgem os deveres do fornecedor (operadora de plano de
saúde) de lealdade e cooperação com seus consumidores79.
Mello esclarece que “mesmo o Código Civil de 1916 já
visualizava os contratos de seguro como aqueles nos quais a confiança despertada,
o objetivo básico e a função social, impunham seu cumprimento segundo a boa-
fé”80.
Exige-se a boa-fé não somente no momento da celebração do
contrato, mas também antes de sua celebração e as cláusulas deverão estar
claramente redigidas em destaque, sob pena de, deixarem de vincular o consumidor,
deste modo a boa-fé é considerada como um princípio básico e um dos pilares mais
necessários para a sustentação da teoria contratual atual81.
Neste sentido Almeida82 discorre que:
Esse princípio, inscrito no caput do art. 4º, exige que as partes da
relação de consumo atuem com estrita boa-fé, é dizer, com
sinceridade, seriedade, veracidade, lealdade e transparência, sem
objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de
prejuízo ao outro. Bem por isso é que a legislação do consumidor
contém diversas presunções legais, absolutas ou relativas, para
assegurar o equilíbrio entre as partes e conter as formas sub-
recíprocas e insidiosas de abusos e fraudes engendradas pelo poder
econômico burlar o intuito de proteção do legislador.
Assim pode-se dizer que a boa-fé significa uma atuação
“refletida”, atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual,
respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os
79
ZANELLATO, Marco Antônio. Cláusulas abusivas em contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde. In Revista Direito do Consumidor, n. 30, abril/junho de 1999, p. 12.
80 MELLO, Heloísa Carpena Vieira de. Seguro-saúde e abuso de direito. In Revista de Direito do Consumidor, n. 26, abril/junho 1998, p. 102.
81 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 133.
82 ALMEIDA, João Batista de. A tutela jurídica do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 46.
33
fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar
lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado para com a pessoa e o patrimônio do
parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações
O princípio da boa-fé tem uma função criadora de novos
deveres, que permite um nível mínimo e objetivo de cuidado e, uma função
limitadora que reduz a liberdade de atuação dos parceiros contratuais.
Marques83 define a boa–fé como:
[...] uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no
outro, no parceiro contratual, respeitando, respeitando seus
interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato,
agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar
lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o
patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim
das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a
realização dos interesses legítimos de ambos os parceiros. Trata-se
de uma boa-fé objetiva, um paradigma de conduta leal, e não apenas
da boa-fé subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo
1444 do CCB. Boa-fé objetiva é um standard de comportamento leal,
com base na confiança, despertando na outra parte co-contratante,
respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a
segurança das relações negociais.
O conceito de boa-fé pode ser analisado sob dois aspectos:
subjetivo: vontade dos contratantes de não causar prejuízos um ao outro; e objetivo:
tratamento leal e objetivo com o contratante, de acordo com o art. 4º, inc. III do
Código de Defesa do Consumidor84.
Assim pode-se dizer que o princípio da boa-fé como cláusula
geral, serve de paradigma para as relações provenientes da contratação em massa
e deve incidir na interpretação dos contratos relativos aos planos de saúde. É o
princípio máximo orientador do Código de Defesa do Consumidor e basilar de toda a
83
MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade da cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor. In Revista de Direito do Consumidor, n. 31, jul./set./99, p. 145.
84 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 187.
34
conduta contratual que traz a idéia de cooperação, respeito e fidelidade nas relações
contratuais.
Refere-se, pois, aquela conduta que se espera das partes
contratantes, com base na lealdade, de sorte que toda cláusula que infringir esse
princípio é considerada, como abusiva. Isso porque o artigo 51, XV do Código de
Defesa do Consumidor diz serem abusivas as cláusulas que “estejam em desacordo
com o sistema de proteção do consumidor”, dentro do qual se insere tal princípio por
expressa disposição do artigo 4º, caput e inciso III
O princípio da confiança, intrinsecamente ligado ao princípio da
segurança jurídica, traduz na certeza de que direitos alcançados e prescritos em leis
não podem ser desrespeitados. Tem a intenção de proteger as expectativas
legítimas que nascem do cidadão que confia nas normas prescritas no ordenamento
jurídico. A relação entre o princípio da confiança e da boa-fé é estreita.
Na prática dos planos de saúde, tais deveres de agir com boa-
fé, significam principalmente: 1) a obrigação de informar o candidato a contratante
sobre o conteúdo do contrato, esclarecendo previamente seus limites; 2) o dever de
proteção ao consumidor e à sua saúde no decorrer da execução do contrato, não
impondo obstáculos injustificados para o exercício dos direitos ali celebrados, bem
como cooperando com o consumidor na busca do restabelecimento de sua saúde.
O princípio do equilíbrio contratual se manifesta, através da
invalidação de determinadas cláusulas abusivas, como por exemplo, as que
determinam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com a equidade ou
demasiadamente desvantajosas para os consumidores; as que obrigam o
consumidor, mas abrem ao fornecedor a possibilidade de concluir ou não o negócio;
as que possibilitam somente ao fornecedor o cancelamento unilateral do contrato e,
as que obrigam apenas o consumidor a ressarcir despesas com cobrança de
obrigação contratual85.
85
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 2005, p. 873-874.
35
Sobre o princípio da vulnerabilidade Nunes86 leciona que:
O inciso I do art. 4º reconhece: o consumidor é vulnerável. Tal
reconhecimento é uma primeira medida de realização da isonomia
garantida na Constituição Federal. Significa ele que consumidor é a
parte mais fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza,
essa fragilidade é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de
ordem técnica e outro de cunho econômico.
O princípio da vulnerabilidade dos consumidores protege os
beneficiários de planos de assistência à saúde, que não possuem conhecimento
acerca dos produtos e serviços nem dos aspectos jurídicos do negócio e as suas
repercussões econômicas, contra propaganda enganosa e abusiva.
As cláusulas abusivas atentam contra os interesses da
coletividade e não têm como prosperar em contratos de adesão, pois estabelecem
obrigações iníquas, abusivas ou desvantajosas para o consumidor. Portanto, nem
mesmo o princípio da autonomia da vontade irá legitimar cláusula abusiva,
atendendo ao princípio da proibição de inserção de cláusulas abusivas. Não é
permitida a inclusão de excessiva onerosidade ao consumidor para benefício
exclusivo do fornecedor, devendo ser afastadas e declaradas judicialmente nulas87.
2.4 DOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA
PRIVADA À SAÚDE
Por analogia à teoria geral dos contratos é possível afirmar-se
que os contratos de prestação de serviços de assistência de saúde privada, são
contratos aleatórios e possuem as seguintes características: são contratos bilaterais,
pois dele participam o contratante ou contratantes e o contratado (empresa
prestadora de serviços de saúde privada); onerosos (pois cada parte deve cumprir
uma obrigação recíproca); são contratos de massa (se destinam à diversos sujeitos)
86
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor, 2009, p. 129.
87 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 247-248.
36
e de adesão (pois o aderente nada ou pouco pode discutir as suas cláusulas) e, por
fim, são contratos formais ou seja, são obrigatoriamente escritos.
Gonçalves88 os define como sendo:
O bilateral e oneroso em que pelo menos um dos contraentes não
pode antever a vantagem que receberá, em troca da prestação
fornecida. Caracteriza-se, ao contrário do comutativo, pela incerteza,
para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que dele
podem advir. É que a perda ou lucro dependem de um fato futuro e
imprevisível.
O vocábulo aleatório é originário do latim álea, que significa
sorte, risco. Porém a álea não pode ser confundida com o risco. Aquela é a
probabilidade de uma vantagem, com a correspondente probabilidade de uma
perda. Este é o efeito de certos negócios jurídicos89
A contraprestação principal do fornecedor fica a depender da
ocorrência de evento futuro e incerto, que é a doença dos consumidores ou seus
dependentes. A incerteza nesses contratos é em relação à “necessidade” da
prestação e não com que qualidade, segurança e adequação, deve ela ser
prestada90.
Quando necessária a prestação nos contratos de assistência
médica, deve ser fornecida com a devida qualidade e adequação para que o
contrato atinja sua finalidade.
De acordo com Pereira "São aleatórios os contratos em que a
prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de
estimativa prévia, inexistindo equivalência com a da outra parte. Além disto, ficam
dependentes de um acontecimento incerto"91.
88
GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro. v. 3, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 73.
89 SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil dos planos e seguros de saúde, 2006, p. 56.
90 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: contratos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 38.
91 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 12. ed., vol. 3, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 68.
37
São contratos de socialização de riscos, há uma solidariedade
na divisão dos riscos e do pagamento, porque aquele que está são e ingressa no
plano por segurança, suporta aquele consumidor que não é mais jovem e necessita
de prestações específicas maiores92.
Conclui-se que a álea existe apenas para o consumidor, pois a
operadora baseia a sua prestação em cálculos atuariais por probabilidade de
eventos de saúde na dedução de percentagem certa pra custeio e lucro, não lhe
trazendo qualquer risco.
Conseqüentemente, a relação contratual do plano de saúde é
uma obrigação de resultado porque o que se espera do prestador é um serviço
médico adequado, um reembolso, fornecimento de exames, alimentação,
medicamentos. Se o consumidor irá curar-se é incerto.
Contratos de massa (ou Standard) são aqueles utilizados para
a oferta em massa de produtos e serviços. As relações de massa tendem a ser
despersonalizadas93.
Segundo leciona Marques94:
Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e
distribuição de grande quantidade, o comércio jurídico se
despersonalizou e se desmaterializou. Os métodos de contratação
de massa, ou estandardizados, predominam em quase todas as
relações contratuais entre empresas e consumidores. Dentre as
técnicas de conclusão e disciplina dos chamados contratos de
massa, destacamos, os contratos de adesão, as condições gerais
dos contratos ou clássicas gerais contratuais e o contratos de
comércio eletrônico com consumidores.
O Contrato de adesão é a forma utilizada pelos contratos de
massa, pois não se admite discussão sobre suas cláusulas, já que um dos
92
ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra, Portugal: Livraria Almedina, 1988, p. 19. 93
PASQUALOTTO, Adalberto. A Regulamentação dos Planos de Assistência à Saúde: uma interpretação construtiva, 1999, p.55.
94 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 2005, p. 65.
38
contratantes elabora o contrato em forma impressa ou datilografada e o outro, aceita
ou rejeita o documento, como restrição ao princípio da autonomia da vontade.
Diferencia-se do contrato paritário, pois a ausência de negociações implica em clara
posição de desigualdade e inferioridade para o contratante mais fraco95.
Sobre esta modalidade de contrato Miranda96 ensina que:
Por contrato de adesão poderá, assim entender-se como aquela
forma de contratar em que, emitida pelo predisponente um
declaração dirigida ao público, contendo uma promessa irrevogável
para esse efeito, mediante cláusulas uniformes, formuladas
unilateralmente, o contrato (individual, singular) se forma, com o
conteúdo assim prefixado, no momento em que uma pessoa,
aceitando essas cláusulas na sua totalidade, ainda que com
eventuais aditamentos, adere a tal conteúdo.
O art. 54 do Código de Defesa do Consumidor conceitua o
contrato de adesão da seguinte forma:
Art. 54: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.
O art. 47 do referido diploma consumerista estabelece que as
cláusulas contratuais sejam sempre interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor.
O art. 423 do Código Civil dispõe que quando houver no
contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente. Não obstante o art. 424 do mesmo
diploma proclama que nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que
estipulem a renúncia antecipada do aderente à direito resultante da natureza do
negócio.
95
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 368-369.
96 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. São Paulo: Atlas, 2002, p. 27.
39
Por conseguinte, qualquer cláusula que não obedeça a Lei
9656/98 ou aos princípios e deveres (dever de informação, dever de transparência,
dever de destaque das cláusulas limitadoras dos direitos dos consumidores, dever
de redação simples que possibilite sua compreensão pelo homem comum)
estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Constituição Federal de
1988 serão nulas, pois são leis de ordem pública cujo conteúdo não pode ser
afastado.
Contratos de execução continuada ou de trato sucessivo são
cumpridos por meio de atos reiterados. Os contratos de planos de saúde são
contratos cativos de longa duração (quanto maior o vínculo, mais cativo está o
consumidor), pois há uma estreita, cativa e contínua vinculação entre o fornecedor e
os consumidores97.
São serviços contínuos, pois o contrato não se consuma com
apenas um único ato, complexos e prestados por terceiros. A vigência dos presentes
contratos é por tempo indeterminado (longa duração), ou sujeita a termo final
renovável automaticamente pela ausência de manifestação das partes.
O legislador estabeleceu que o prazo mínimo para vigência dos
contratos é de um ano e que, decorrido esse prazo inicial, passará a viger por prazo
indeterminado, sendo a renovação automática (Art. 13 da Lei nº 9656/98)98.
No que tange ao contrato individual, Pereira99 destaca que:
Contrato individual é o que se forma pelo consentimento de pessoas,
cujas vontades são individualmente consideradas. Não é a
singularidade de parte que o identifica. Pode uma pessoa contratar
97
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 407.
98 Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1
o do art. 1
o desta Lei têm
renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: I - a recontagem de carências; II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.
99 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. 3, 2006, p. 71.
40
com várias outras ou um grupo de pessoas com outro grupo, e o
contrato ser individual, uma vez que, na sua constituição, a emissão
de vontade de cada um entra na etiologia da sua celebração.
Os contratos coletivos são denominados convenções coletivas,
constituem um acordo normativo após sua homologação, enquanto os contratos
individuais criam direitos e obrigações.
Os Contratos concluídos por escrito, no caso dos seguros, são
ainda solenes, pois devem obedecer à forma prescrita em lei para serem firmados. A
formalidade nesse caso será substância do ato e a não observância será causa de
nulidade do contrato.
O art. 13 da Lei 9656/98 impede que a operadora cancele o
contrato unilateralmente. Mas há duas exceções. Atraso no pagamento por mais de
sessenta dias por ano de vigência do contrato. A operadora pode rescindir o contrato
se o consumidor atrasar uma ou mais mensalidades de modo que esses atrasos
totalizem mais de sessenta dias no período de um ano. Decorrido esse período, os
atrasos do passado não são mais computados. A empresa pode rescindir o contrato
se, por exemplo, quando o plano for utilizado por pessoa estranha ao contrato ou se
o consumidor não declarar uma doença preexistente. No entanto, para a operadora
suspender o atendimento e resolver o contrato, deverá notificar o usuário até o 50º
dia de inadimplência, caso não seja notificado, o consumidor poderá emendar a
mora e restabelecer o contrato mesmo que o atraso seja superior a 60 (sessenta)
dias100.
A Lei 9656/98, em seu art. 13, inc.III, permite concluir que em
qualquer caso a resolução do contrato só é permitida quando o titular não estiver
internado. Mesmo se o consumidor estiver internado em unidade de terapia intensiva
(UTI), o plano deve custear a internação pelo tempo determinado pelo médico, não
podendo transferi-lo ou limitar o número de dias de internação hospitalar101.
100
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 408-409.
101 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 408.
41
Apesar do dispositivo apenas referir-se ao titular do plano, o
dependente não pode ser desinternado, se não houver outra instalação hospitalar,
porque não pode haver tratamento discriminatório dos usuários dos planos de
saúde.
Anteriormente à Lei 9656/98 eram comuns as “expulsões” dos
planos, pois existiam cláusulas nos contratos dizendo que qualquer das partes
poderia, a qualquer momento, rescindir o contrato. A operadora era sempre
favorecida, pois os usuários que adoeciam mais, ou aqueles que atingiam idade
avançada após pagar anos de plano e ter cumprido as carências exigidas, eram
informados que o contrato seria rescindido a partir do mês seguinte.
Alguns autores entendem que essa restrição à liberdade de
resolver o contrato torna tal dispositivo de constitucionalidade duvidosa, diante da
liberdade de contratar e da inexistência de contrato perpétuo nem de obrigação legal
de permanecer eternamente vinculado por contrato.
Todavia, o que a lei não permite é a denúncia imotivada pela
operadora quando houver prejuízo irreparável para a parte inocente, sendo permitido
colocar fim ao vínculo, desde que a parte que der causa ao dano responda pela
reparação102.
Como as operadoras estão proibidas de cancelar
unilateralmente os contratos, esses documentos terão renovação automática, não
sendo permitida nenhuma cobrança adicional no ato da renovação.
É vedado às operadoras reiniciarem a contagem dos prazos de
carência quando da renovação, adaptação ou pagamento de mensalidades em
atraso por período inferior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze
meses (Art. 13, inciso I, da Lei 9656/98).
O Código de Defesa do Consumidor também impede que o
fornecedor de serviços de saúde modifique ou cancele unilateralmente o conteúdo
do contrato, pois a escolha sempre deve ser do consumidor. As cláusulas previstas
102
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 409.
42
em contratos anteriores à vigência da lei 9656/98, que autorizarem estas práticas,
serão abusivas e nulas, uma vez que a lei consumerista é norma de ordem pública
(artigos 51 e 54 do Código de Defesa do Consumidor).
Já o contrato coletivo é aquele em que a empresa contratada
forma uma rede de consumidores, agrupados por um interesse comum e por um
representante legitimado coletivamente que firma um contrato com um fornecedor de
serviços. Este fornecedor indireto organiza sua rede de fornecedores diretos103.
Este modelo coletivo também está subordinado ao CDC e
permite que empregados e servidores defendam seus interesses em juízo e fora
dele quando o representante legitimado prejudicar os interesses dos consumidores.
O estipulante deve proteger e realizar os interesses legítimos e contratuais de seus
representados (beneficiários principais e dependentes). A formação de redes
contratuais ou grupos acaba por impedir ou limitar a capacidade de escolha
individual do consumidor104.
Desta forma, as operadoras de planos de assistência à saúde
preferem esses contratos não apenas pelo lucro, mas pelo estado de catividade e
grande número de consumidores, formando uma relação de massa
despersonalizada. Todavia o fornecedor deve incluir os riscos em seus cálculos e
manter as promessas feitas com os consumidores, evitando frustrar o fim do
contrato.
A denúncia unilateral e a rescisão são consideradas abusivas
também nos contratos coletivos, onde a catividade e a falta de possibilidade de
escolha do consumidor é maior, sendo a repercussão social muito intensa. O
representante dos consumidores negocia a renovação ou continuação do contrato
103
MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade da cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor, 1999, p. 136.
104 LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 124.
43
em nome de um grande número de pessoas, que não podem impedir que o
fornecedor desvincule-se105.
A jurisprudência e o Código de Defesa do Consumidor
consideram abusiva toda a denúncia unilateral, face ao desequilíbrio de forças das
partes, à boa-fé e ao interesse do consumidor na continuação do vínculo já que
todos os contratos procuram o equilíbrio.
A Resolução CONSU 14, em seu art. 6º, dispõe que no plano
ou seguro coletivo poderá também ocorrer, a denúncia unilateral por inelegibilidade,
ou perda dos direitos de titularidade ou dependência.
Bottesini106 explica que:
A inelegibilidade, para os efeitos da lei, está relacionada com a forma
de vinculação ao plano coletivo, empresarial. Portanto, se o dirigente
sindical não for reeleito, ou se tornar inelegível, ou ainda, se o
empregado for demitido, o contrato poderá ser desfeito pelo usuário.
A operadora poderá colocar fim ao vínculo, com a alienação de
carteira, nos casos legalmente previstos, mas com o imediato restabelecimento do
vínculo com a operadora adquirente, nas mesmas condições da alienante. A cessão
de carteiras ou de planos não pode ser usada em fraude à lei para forçar a
modificação do conteúdo contratual, podendo, por conseqüência, prejudicar os
consumidores, de acordo com o artigo 51, inciso XIII, do Código de Defesa do
Consumidor.
O presente capítulo teve por objetivo fazer uma breve
abordagem a respeito das empresas prestadoras de serviço de assistência privada
de saúde, bem como uma noção geral a respeito dos contratos e, em especial a
respeito dos contratos de prestação de serviços de saúde privada. Esta abordagem
se deu em razão de que o próximo capítulo discorrer-se-á a respeito da
105
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário, locação, 2007, p. 409-410.
106 BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 137.
44
responsabilidade civil desta modalidade de empresas no decorrer da relação de
consumo.
45
CAPÍTULO 3
A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE PLANO DE SAÚDE NA ESFERA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade implica em uma obrigação e, em se
tratando da esfera dos direitos privados (civil) a responsabilidade abarca justamente
a obrigação que determinado sujeito tem de ressarcir os danos causados a outrem
cujos resultados podem ser prejuízos de ordem patrimoniais ou extrapatrimoniais e,
que podem ser causados pelo próprio sujeito, ou por terceiros, coisa ou animal que
estejam sob a sua tutela.
A palavra responsabilidade tem sua origem no verbo latino
respondere (responder, afiançar, prometer, pagar) que remete ao significado ou
pensamento de reparação, recuperação, compensação, pagamento, indenização107.
Diniz108 leciona que:
O vocábulo “responsabilidade” é oriundo do verbo latino respondere,
designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo.
Tal termo contém, portanto, a raiz latina spodeo, fórmula pela qual se
vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais.
Desta feita, a idéia de responsabilidade se liga à idéia da
obrigação, segundo a qual, todo aquele, com capacidade jurídica está sujeito a ter
que cumprir um dever legal de reparar algum dano que venha a causar a direito
tutelado de outrem.
Nalin109 leciona que:
107
LEITE, Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 116.
108 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 1999, p. 33.
46
A justiça referente à responsabilidade civil é a denominada
comutativa, ao abranger as relações de trocas voluntárias, lícitas ou
ilícitas. As relações recíprocas entre partes, e dentro da concepção
de equilíbrio social, se desenrolam sob uma relação simples entre
dano, indenização e na equivalência de prestações. Sob a visão ora
sustentada, passa a ter relevância a concepção do que seja justo ou
injusto, e até mesmo de qual homem seria justo ou injusto. A justiça,
voltada para a recomposição da situação jurídica desestabilizada, em
razão de dano, estaria comprometida com a idéia de igualdade das
leis, que oportuniza, ao menos em tese, idênticas condições de
postulação a todos os proponentes possíveis.
Pode-se dizer que o instituto da responsabilidade está inserido
no âmbito do direito das obrigações, uma vez que o mesmo respalda-se justamente
na obrigação a que está sujeito todo aquele que pratique um ato tido como contrário
as normas tuteladas causando dano a outrem e, por esta razão, deve ressarcir o
lesado dos prejuízos a ele causados.
Gomes110 aponta que:
A responsabilidade civil talvez seja o instituto jurídico mais afeto ao
senso de justiça do ser humano, pois se prende ao dano provocado
na seara alheia por uma ação humana, de forma direta ou indireta. A
convivência humana produz necessariamente uma interação de
condutas e interesses nos indivíduos entre si e em relação à
sociedade, que por vezes se demonstra conflituoso, implicando
inevitavelmente a ocorrência de danos. O dano é fruto da
convivência e da interação humana.
Por maiores que sejam as discussões a respeito da
responsabilidade civil, não há como negar que esta deriva das ações dos homens
quando do seu convívio social.
A responsabilização dos atos praticados por um sujeito pode
interferir na esfera dos direitos de outrem a ponto de provocar neste último, lesões
de ordem patrimonial (material) ou psíquica (moral), sujeitando o lesante a ter que
reparar economicamente o lesado e, desta maneira, “a responsabilidade não é
109
NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Responsabilidade civil: descumprimento do contrato e dano extrapatrimonial. Curitiba: Juruá, 1996, p. 34.
110 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 15.
47
fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos os domínios da vida
social”111.
O objetivo de reconstituir a harmonia transgredida pelo dano é
a origem da responsabilidade civil, na qual se tem por base, a depreciação ou a
desvalorização identificadas nos bens daquele contra quem a ação do sujeito lesivo
gerou o dano, que à luz do ordenamento, é tida como um ato ilícito, que por sua vez
quando praticado, gera a obrigação indenizatória a ser suportada pelo lesante.
A responsabilidade civil não tem lugar tão somente na esfera
da ação lesiva propriamente dita, mas também, no potencial risco que a atividade
exercida pelo sujeito possa representar em dano a outrem112.
Dias113 leciona que:
A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem
expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação.
Se atua na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque
supérfluo em indagar da responsabilidade daí decorrente. Sem
dúvida, continua o agente responsável pelo procedimento. Mas a
verificação desse fato não lhe acarreta obrigação nenhuma, isto é,
nenhum dever, traduzido em sanção ou reposição, como substitutivo
do dever de obrigação prévia, precisamente porque a cumpriu. O que
interessa, quando se fala de responsabilidade, é aprofundar o
problema na face assinalada, de violação da norma ou obrigação
diante da qual se encontrava o agente.
Deste modo, a responsabilidade civil é o resultado de um ato
comissivo ou omissivo de determinada pessoa que de acordo com o entendimento
do ordenamento jurídico vier a causar algum dano aos direitos de outrem, obriga o
agente a repará-lo em sua integralidade, uma vez, que a responsabilidade figura na
esfera do Direito Obrigacional.
111
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 03.
112 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 1999, p. 05.
113 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 03.
48
3.2 DO DANO, DA CULPA E DO NEXO DE CAUSALIDADE
3.2.1 Do Dano
A abordagem do tema responsabilidade, necessariamente
requer que se discorra a respeito do dano, isto porque, modernamente não se
concebe a idéia de responsabilizar-se uma pessoa (física ou jurídica) sem que
necessariamente tenha ocorrido um dano à vítima causado pelo agente.
O dano em seu significado mais abrangente se traduz em uma
lesão ou mesmo uma ameaça que atinge certo bem tutelado pelo sistema jurídico, é,
por assim dizer, uma agressão direcionada a determinada pessoa ou ao seu
patrimônio que tem como resultado um prejuízo (moral ou econômico) e, que por
esta razão merece a proteção jurídica do Estado114.
Gonçalves115 abordando a matéria leciona que:
Dano em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico,
e ai se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós,
a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações
jurídicas e uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Aprecia-se o dano
tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio.
Para Diniz116:
O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual
ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização
sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se
houver um dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade
resulta em obrigação de ressarcir, que logicamente, não poderá
concretizar-se onde nada há que reparar.
Pode-se dizer que o dano sempre representa um prejuízo
experimentado pela vítima e que pode ser individual ou coletivo, podendo ser de
natureza patrimonial que atingem determinados bens móveis, imóveis ou morais
114 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 27.
115 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 390.
116 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 55.
49
(lesão psicológica e emocional) que enseja necessariamente uma responsabilização
e, por conseguinte, uma reparação117.
No entanto, nem sempre toda violência ou lesão a um bem
protegido juridicamente pode resultar em um dano em seu significado mais restrito,
isto porque somente condutas (omissivas ou comissivas) que venha a resultar em
um prejuízo à vitima pode ser considerada como um dano118.
Neste sentido, Venosa119 disserta que:
Nem sempre a transgressão de uma norma ocasiona dano. Somente
haverá possibilidade de indenização, como regra, se o ato ilícito
ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto, aplicação do
princípio pelo o qual a ninguém é dado a prejudicar outrem (neminem
laedere).
Sob o ponto de vista mais atual, pode-se compreender o termo
dano injusto como correspondente à idéia de lesão a certo interesse, em face do
peso da responsabilidade civil. Esta lesão ao interesse deve ser presente e certeiro,
já que não se pode, pelo menos a priori, indenizar um dano irreal ou imaginário. Sem
que exista uma lesão a um determinado interesse, material ou moral, não se
solidifica a idéia de reparação. A materialidade da lesão danosa se consubstancia na
medida do prejuízo sofrido pelo lesado.
A configuração do dano como lesão a determinado direito deve
necessariamente ser real e eminente, de tal modo que a sua comprovação preencha
um dos requisitos obrigatórios frente aos fatos e resultados que decorrem de uma
conduta comissiva ou omissa que terá como resultado um prejuízo à vitima. Vale
lembrar que não há a necessidade da exigência da efetividade do dano quando se
tiver a eminência da ocorrência do dano eminente, isto é, aquele que está na
eminência de se concretizar ou que diante dos fatos se tem a certeza da sua
realização.
117
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 33.
118 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 27.
119 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 33-34.
50
Na busca de indenização em decorrência de ato danoso ilícito
o lesado visa a reparação do seu prejuízo e não a mera aferição de lucro. A
mensuração do dano sempre se apresentou como uma das dificuldades no campo
da responsabilidade civil quer seja no tocante ao dano contratual quer seja na esfera
do dano extracontratual.
Diniz120 leciona que o dano patrimonial:
Vem a ser lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao
patrimônio da vítima, consiste na perda ou deteriorização, total ou
parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de
avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. O dano
patrimonial mede-se pela diferença entre o valor atual do patrimônio
da vítima e aquele que teria, no mesmo momento, se não houvesse
a lesão. Dano, portanto, estabelece-se pelo confronto entre o
patrimônio realmente existente após o prejuízo e o que
provavelmente existiria se a lesão não se tivesse produzido. O dano
patrimônio é avaliado em dinheiro e aferido pelo critério diferencial.
Mas às vezes, não se faz necessário tal cálculo, se for possível a
restituição ao estatu quo ante por meio de uma reconstituição
natural.
O dano extrapatrimonial, também denominado de dano moral é
aquele que não lesa um determinado bem físico (móvel ou imóvel), porém, um bem
de ordem íntima da pessoa, ou seja, a sua psique, sua honra, sua moral perante as
outras pessoas do grupo social (família, amigos, colegas de trabalho etc.). Deste
modo a lesão atinge um bem impalpável de foro íntimo da vítima cuja mensuração é
difícil de ser estipulada, mas que, no entanto, não deve merecer a proteção jurídica.
Visto que atinge a personalidade da pessoa e, que, portanto, merecedora de ser
reparada.
Venosa121 a respeito do dano moral ressalta que:
O dano moral abrange também e principalmente os direitos de
personalidade em gera, direito à imagem, ao nome, à privacidade, ao
próprio corpo etc. Por essas premissas, não há que se identificar o
dano moral exclusivamente com a dor física ou psíquica. Será moral
120
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 61-62.
121 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 39-40.
51
o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma
inconveniência de comportamento ou, como definimos, um
desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se
analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do
sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro, deve, no
caso, ser quantificada economicamente.
Diante destas particularidades que ligam o dano a critérios
meramente de ordem íntima é que o dano moral merece uma atenção e cuidados
maiores no que diz respeito à sua mensuração e mesmo ao valor da sua reparação
ou indenização, de tal modo que essa reparação deve mensurar o nível do mal-estar
causado à vitima ou o quanto de sofrimento a mesma experimentou com o dano
sofrido122.
O dano moral não está suscetível de reparação através da
reconstituição ao estado anterior das coisas, ou seja, não há como recompor o que
foi perdido de maneira natural, como se constrói um muro que foi derrubado. A
condenação e, conseqüentemente a sua reparação é, em via de regre, pecuniária, já
que o dinheiro é um simples consolo ao estado de dor experimentado pela vitimo, se
enquadrando mais na esfera da satisfação emocional, do que na esfera da
reparabilidade propriamente dita.
A demonstração e comprovação do dano moral se fazem de
forma diferente em relação ao dano material ou patrimonial. Há que se ressaltar que
não existe um modelo, uma fórmula pré determinada que sirva de parâmetro para se
mensurar o alcance e a proporção do dano sofrido pela vítima. Nos casos de danos
morais é de responsabilidade do magistrado fazer uma avaliação concreta de todos
os aspectos sociais e econômicos da vítima e do autor do dano com base nos
fatores de ordem psicológicas e do nível de dor experimentados pela vítima
buscando uma equidade e equilíbrio no momento de mensurar o quantum da
reparação o autor será condenado a pagar à vítima.
Vale lembrar que em ocorrendo um dano, seja ele material ou
moral, ofendendo um bem juridicamente protegido a responsabilidade pela sua
reparação ou indenização recairá sobre aquele sujeito que tenha dado causa ao
122
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 40.
52
dano, ou seja, tenha praticado uma ação omissiva ou comissiva cujo resultado fora a
lesão a um bem protegido pela norma jurídica da vítima123.
Por outro lado, vale ressaltar que o sujeito ativo sob o qual
recairá a obrigação de reparar ou indenizar determinado dano sofrido pela vítima,
poderá ser responsabilizado não por uma conduta comissiva ou omissiva própria
(sua), mas sim por conduta de terceiros, ou ainda, por fatos das coisas ou animais.
Esta modalidade de responsabilização tem lugar quando o sujeito, por força da lei é
responsável por outras pessoas (pais pelos filhos, empregador pelo empregado etc.)
e nos casos quando o sujeito ativo é proprietário de determinada coisa (uma
máquina, por exemplo) ou um animal (um cão raivoso) que venha a causar dano a
terceiros.
A obrigação ou responsabilidade pela reparação do dano
causado à vítima pode ser conjunta, isto é, a ação comissiva ou omissiva pode ter
sido praticada por mais de um agente (sujeito ativo) de tal modo que, em casos
como este, ocorre o chamado concurso de pessoas, onde todos responderão
solidariamente de acordo com o grau de culpabilidade de cada um dos sujeitos pela
conduta lesiva124.
Esta obrigatoriedade pela reparação dos danos causados à
vítima poderá, ainda, ultrapassar a pessoa do sujeito que o tenha causado, ou seja,
pode vir a recair sobre seus herdeiros, entretanto, sem ultrapassar os limites da
herança. Por outro lado, em se tratando de sucessor particular (aquele que adquire
uma empresa (título oneroso) ou que recebe uma doação (título gratuito) somente
será responsabilizado se ficar comprovado que o negócio jurídico do ato sucessório
ocorreu mediante fraude a credores.
Em havendo um determinado dano, cabe à vítima o direito
subjetivo de buscar junto ao Estado-juiz a sua prestação jurisdicional visando obter
uma reparação ou indenização, tanto quando se tratar de dano material como moral,
ou seja, o lesado deverá provocar a Justiça para que esta lhe garanta o direito à
reparação.
123
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 394.
124 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 394.
53
Entretanto, existem casos nos quais a vítima não tem
condições de exercer o seu direito subjetivo de exigir a reparação do dano sofrido,
como quando a vítima venha a morrer não em virtude do dano, mas por outras
causas após a ocorrência do fato danoso, sendo que nestes casos, caberá à viúva
ou aos herdeiros o direito de reivindicar, junto ao Estado-juiz, a devida reparação ou
indenização, vale lembrar que nestes casos este direito de requerer não se opera na
condição de herdeiros, mas sim, em razão da ausência da vítima. Já quando o
falecido já era, ao tempo de sua morte, credor de indenização originária de um dano
sofrido em vida, este direito se estenderá para o espólio. Quando o dano acarretar
na morte da vítima, serão legítimos para exigirem a indenização o cônjuge ou
companheiro sobrevivente, dos seus herdeiros e de seus pais125.
Por fim vale lembrar que um determinado dano pode acarretar
tanto prejuízo material como moral à vítima, de sorte que, em se constatando as
duas modalidades de dano, ao sujeito passivo (lesionado) ou a quem por ele ou em
seu lugar exerça o direito subjetivo, pleitear a reparação e indenização do dano tanto
sob seu aspecto patrimonial como moral.
3.2.2 Culpa
Outro aspecto ou elemento formador da responsabilidade civil,
diz respeito à culpa do agente no momento da prática da ação lesiva. Nesta seara, a
conduta do sujeito estará passiva de ser reprovada ou censurada em se verificando
que, no caso real, o sujeito teria que agir de maneira diversa da que procedeu, desta
maneira, o ato tido como ilícito se traduz e quantifica através da culpa do sujeito
causador do dano.
A legislação civilista brasileira, determina que são atos ilícitos
quando a ação praticada pelo sujeito lesante se dá de maneira comissiva ou
omissiva voluntariamente (dolosamente); negligenciosa ou imprudente (culpa)
125
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 398.
54
produzindo a violação de um direito ou dano a outra pessoa, de modo a ficar
obrigado o agente que praticou esta ação ilícita, a reparar os prejuízos causados126.
Rodrigues127 a respeito da culpa do agente leciona que:
O segundo elemento, diria, o segundo pressuposto para caracterizar
a responsabilidade pela reparação do dano é a culpa ou dolo do
agente que causou o prejuízo. A lei declara que, se alguém causou
prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, fica obrigado a reparar. De modo que,
nos termos da lei, para que a responsabilidade se caracterize, mister
se faz a prova de que o comportamento do agente causador do dano
tenha sido doloso ou pelo menos culposo. O dolo ou resultado
danoso, afinal alcançado, foi deliberadamente procurado pelo
agente. Ele desejava causar dano e seu comportamento realmente o
causou. Em caso de culpa, por outro lado, o gesto do agente não
visava causar prejuízo à vítima, mas de sua atitude negligente, de
sua imprudência ou imperícia resultou um dano para ela.
Diz-se que o comportamento da pessoa é censurado ou
reprovável quando frente a determinadas circunstâncias do caso concreto, de tal
modo que diante destes fatos o agente poderia ter agido de maneira adequada ou
em conformidade com os costumes da sociedade e de acordo com os preceitos
legais, assim, pode-se dizer que um ato ilícito é mensurado diante da apuração da
culpa do sujeito e, não se demonstrando e comprovando a culpa, não há que se
falar em responsabilidade.
Venosa128 ao abordar o assunto leciona que:
A doutrina concorda que não é fácil estabelecer o conceito de culpa,
embora não haja dificuldade de compreendê-la nas relações sociais
e no caso concreto. Em sentido amplo, culpa é a inobservância de
um dever que o agente devia conhecer e observar. Não podemos
afastar a noção de culpa do conceito de dever.
126
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 1999, p. 38.
127 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 16.
128 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 27.
55
De uma forma geral a culpa é entendida como sendo a
ausência de uma conduta sem a devida diligência ou descuidada em relação à
observação da norma jurídica, isto implica dizer que o agente age com descaso ao
praticar determinado ato, que por sua vez acaba por contrariar a legislação cujo
resultado pode ser uma lesão a um bem material ou moral de outra pessoa tutelado
pela lei. Vale lembrar que ao praticar a conduta tida como culposa necessariamente
o agente buscava o resultado danoso, entretanto, o mesmo somente se deu em face
da falta dos cuidados necessários do sujeito.
O Código Civil Brasileiro discorre que todo ato tido como ilícito
se traduz em toda ação que é praticada pelo agente de forma omissiva ou
comissiva, que pode ser voluntária, também denominada de dolosa; ou, ou
involuntária, também denominada de culposa (negligência, imperícia ou
imprudência) que tem como um resultado certo, a lesão a determinado direito ou um
dano a uma pessoa, ficando o agente que cometeu tal conduta, obrigado a reparar
ou indenizar os danos causados à vítima129.
Outro ponto importante que se deve levar em consideração, no
que diz respeito à comprovação da culpa do agente e diz respeito à previsibilidade
do resultado danoso da conduta omissiva ou comissiva, isto é, somente será
considerada culpável a ação quando se puder delimitar que o resultado danos do
mesmo poderia ser previsível e que tal previsibilidade está ao alcance de um
cidadão normal, com capacidade de discernimento normal.
Gonçalves130 disserta que:
Para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato
danoso tenha procedido ilicitamente, violando um direito (subjetivo)
de outrem ou infringindo uma norma jurídica tuteladora de interesses
particulares. A obrigação de indenizar não existe, em regra, só
porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É
essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão
voluntária, por negligência ou imprudência.
129
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 1999, p. 38.
130 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 344.
56
Não há maiores discussões entre os operadores do direito de
que a culpa é o mais importante elemento que configura a responsabilidade civil e
que fundamenta a denominada responsabilidade subjetiva. Nesta modalidade de
responsabilização o direito de receber uma indenização ou reparação por danos
materiais ou morais somente se concretizará mediante a demonstração ou
comprovação de que a conduta do agente causador do dano se deu de forma
culposa131.
A culpabilidade, no âmbito do Direito Civil brasileiro, engloba
tanto a culpa como o dolo, entretanto, estes dois institutos não são semelhantes, isto
porque há uma diferença significativa entre ambos, uma vez que o dolo se traduz em
uma ação (comissiva ou omissiva) através da qual o agente externa sua vontade ou
o seu desejo em obter o resultado danoso; já a culpa, que também se traduz em
uma ação (comissiva ou omissiva) não o traço marcante da expressão da vontade
do agente em obter o resultado danoso, isto é, a ação provoca o dano, entretanto o
mesmo é resultado da inconsciência do agente, pois o mesmo agiu com negligência,
imprudência ou imperícia. Mas para os efeitos de reparação ou indenização tanto o
dolo como a culpa deverão ser comprovados132.
Esta distinção se faz necessária uma vez que esta idéia de
culpabilidade nada mais é do que a culpa em sentido amplo que abrange tanto a
ação dolosa, como também ação culposa em sentido estrito.
Gonçalves133 disserta que:
Se a atuação desastrosa do agente é deliberadamente procurada,
voluntariamente alcançada, diz-se que houve culpa lato sensu (dolo).
Se, entretanto, o prejuízo da vítima é decorrente de comportamento
negligente e imprudente do autor do dano, diz-se que houve culpa
stricto sensu. O prejuízo de reprovação próprio da culpa pode, pois,
revestir-se de intensidade variável, correspondendo à clássica
divisão da culpa em dolo e negligência, abrangendo esta última, hoje,
a imprudência e a imperícia. Em qualquer das modalidades,
entretanto, a culpa implica a violação de um dever de diligência, ou,
131
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 34.
132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 27.
133 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 344-345.
57
em outras palavras, a violação do dever de previsão de certos fatos
ilícitos e de adoção das medidas capazes de evitá-los.
Os autores que abordam a matéria pacificaram a classificação
da culpa em três modalidades ou graduação que dependem do grau da ação ou do
dano sofrido pela vítima e, conforme esta classificação a culpa pode ser grave, leve
e levíssima.
A culpa classificada como grave tem lugar quando se verifica
que a conduta do agente ocorre com traços de dolo, ou seja, é aquela conduta na
qual o sujeito ativo age com negligência altíssima, cujo resultado danoso decorre da
falta de atenção, da falta de cuidado ou preocupação com que o agente praticou
determinados atos134.
A respeito da culpa grave Gonçalves135 leciona que:
Na realidade, a culpa grave é a decorrente de uma violação mais
séria do dever de diligência que se exige do homem mediano.
Costuma-se dizer que a culpa grave ao dolo se equipara. Ocorre, na
responsabilidade civil automobilística, em casos de excesso de
velocidade, de ingresso em cruzamentos com o semáforo fechado,
de direção em estado de embriaguez etc.
Já Silva136 assim define a culpa grave:
A culpa lata, também dita de grave ou grosseira, consiste em não se
obrar em relação a outrem com a mesma atenção eu o homem mais
inteligente ou descuidado, poderia ter com os seus próprios
negócios. Resulta, desse modo, da falta que o homem mais
desleixado ou medíocre não poderia cometer, tendo por dever evitá-
la, como a evitaria em negócios, tão positiva ela se mostrasse. Nessa
razão, aproxima-se do dolo, quer, por vezes, com ela se confunde,
quando tomado este na acepção vulgar, pois para sua evidência,
como é princípio firmado, é indispensável a positivação do ato
intencional de má-fé. E, mesmo, grosseira e grave, a falta sem má-fé
será sempre culpa.
134
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 41.
135 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 345.
136 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 2004, p. 402.
58
A classificação da culpa em leve, leva em consideração o fato
de que a conduta dolosa do agente se deu em razão da falta da devida atenção tida
como ordinária, ou seja, faltou ao agente certa dose de diligência. Por sua vez a
culpa classificada como sendo levíssima é aquela cujo resultado danoso seria
evitado se o agente tivesse tomado os cuidados mais básicos ou prestado um
mínimo de atenção necessários à sua conduta.
Vale lembrar que esta diferenciação da culpa (grave, leve e
levíssima), assim do dolo somente tem por objetivo determinar que a conduta do
agente provocou um determinado dano (moral ou material) à vítima, uma vez que a
reparação ou a indenização será mesurada tendo com parâmetro a extensão do
dano propriamente dito e não se a conduta foi culposa ou dolosa137.
3.2.3 Nexo de Causalidade
Não há como se abordar o tema responsabilidade civil do
agente que tenha praticado uma conduta, cujo resultado tenho provocado um efeito
danoso à vitima, sem que se demonstre cabalmente a existência do nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado danoso.
Neste sentido Sampaio138 lecionando sobre o nexo de
causalidade assevera que esta como:
[...] pressuposto da responsabilidade civil – quer subjetiva quer
objetiva -, faz-se necessária a existência de uma relação de causa e
efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela
vítima. Vale como princípio, a assertiva de que ninguém pode ser
responsabilizado por dano a que não tenha dado causa. Essa
exigência decorre de expressa disposição legal, bastando para tal a
leitura do art. 186 do Código Civil de 2002 (antigo art. 159 do
CC/1916).
Gomes139 a respeito do nexo de causalidade disserta que:
137
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 345.
138 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 87.
59
O nexo de causalidade é o elo entre o dano e a ação ou omissão que
o originou. Além do dano e da culpa do agente, a vítima deverá
provar que foi esta que produziu aquele. Assim, a seqüência da
formação da responsabilidade subjetiva é a existência de dano que
foi provocado pela conduta culposa de alguém. O nexo de
causalidade revela a causa do dano, identificando o fato que o
produziu.
Por outro lado o dano poderá não ser imediato, ou seja, o
resultado lesivo poderá se dar em certo tempo após a conduta do agente.
Entretanto, esta posterioridade dos efeitos danosos não eximem o agente da culpa
ou do dolo, visto que o resultado não teria conseqüências negativas para a vítima,
de modo tal que, mesmo que o resultado seja futuro haverá a necessidade de ligar-
se o resultado à conduta para ai então se demonstrar a culpabilidade.
Assim sendo, somente ocorrerá a necessidade obrigacional da
reparação nos casos em que se restar efetivamente comprovado que a lesão e dano
arcados pelo lesado realmente resultou de um ato, positivo ou não, do sujeito
praticante do mesmo ou de terceiros, coisa ou animal sobre os quais detinha a
guarda ou a tutela.
Não obstante a abordagem do nexo de causalidade como
requisito para se apurar a responsabilidade por ato danoso, há que se levar em
consideração, também, os casos que a excluem. Na mesma seara, não há como
responsabilizar o agente cuja ação ocorreu em razão do caso fortuito ou por força
maior, uma vez que em ambas as situações, o dano decorrente de um fenômeno
natural que foge à vontade e ao controle do ser humano140.
Em se identificando que o ato danoso decorreu por culpa única
e exclusiva do lesado, não há que se falar em reparação ou indenização, uma vez
que a ação omissiva ou comissiva da vítima interrompe o nexo de causalidade, tem-
se aqui uma excludente de causalidade141.
139
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 30.
140 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: responsabilidade civil, 2002, p. 17-18.
141 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil, 2004, p. 45.
60
Diniz142 chama atenção para o fato que:
Não há como confundir a imputabilidade com o nexo de causalidade.
A imputabilidade diz respeito a elementos subjetivos e o nexo causal
a elementos objetivos, consistentes na ação ou omissão do sujeito,
atentatória do direito alheio, produzindo dano material ou moral.
O nexo de causalidade pode ainda ser excluído quando ocorrer
a culpa concorrente da lesado e do lesante, ou seja, se ficar demonstrado que tanto
a vítima como o autor contribuíram para que o resultado danoso ocorresse cada qual
responde na medida do ato. Ressalta-se que não desaparece por completo o nexo
causal, simplesmente existe um abrandamento da responsabilidade, de modo que a
reparação será, em regra, aplicada pela metade. Neste caso ocorrerá uma divisão
dos prejuízos na proporção da culpabilidade da vítima e do autor. Deste modo, a
culpa concorrente se faz presente quando, tanto a vítima como o autor, praticam o
ato danoso com qualquer uma das três modalidades de culpa (negligência,
imprudência ou imperícia).
Haverá a exclusão da causalidade no caso da culpa comum,
na qual tanto o lesado como o lesante, causam de forma culposa e juntos a mesma
espécie de dano e, nesta situação haverá a compensação da reparação, uma vez
que cada uma das responsabilidades neutraliza a outra, havendo a compensação
entre as partes, de modo que nenhuma das partes indenizará a outra se as duas
partes estiverem igual patamar. Por outro lado, se o grau de culpa de um for inferior
ao do outro, o segundo deverá indenizar o primeiro na medida da culpa que lhe for
imputada143.
Na apuração do nexo de causalidade pode ocorrer que a culpa
pelo fato danoso não seja do pretenso autor, mas sim de terceiros, ou seja,
aparentemente que causou o dano foi uma determinada pessoa, mas que após
apuração dos fatos reais, verifica-se que o nexo de causalidade remete a uma outra
pessoa que foi quem realmente deu causa ao evento danoso e, nestes casos,
exclui-se a culpabilidade do primeiro agente e culpa-se o terceiro pelo dano causado
à vitima.
142
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 94.
143 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 95-96.
61
Também excluem a causalidade entre a ação do agente, as
excludentes prescritas em lei, ou seja, nos casos onde o ato não é tido como ilícito,
denominados de legítima defesa144, exercício regular de um direito145 e no estado de
necessidade146.
Todas as causas que excluem a responsabilidade civil pela
reparação ou indenização dos danos causados a outrem, necessariamente
dependem de prova cabal e devem ser analisadas com acuidade pelo magistrado já
que implicam na possibilidade de isentar um pretenso ofensor a direito de outrem,
que se indevidamente aplicadas, aleijam o ofendido de uma possível reparação.
3.3 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA
A responsabilidade na esfera jurídica age de duas formas, uma
no sentido de proteger as relações de caráter negocial oriunda das relações dos
seres humanos entre si e a outra, a regular as relações dos homens com os demais
membros formadores da sociedade. A primeira forma diz respeito as relações
interpessoais que orbitam na esfera do direito privado e, que, portanto estão
reguladas pela responsabilidade civil; e a segunda, que regula a conduta humana no
meio social esta regulada na esfera da responsabilidade penal147.
Tendo por base os aspectos de união social, pode-se se
visualizar a responsabilidade civil sob duas óticas, ou seja, ela subdivide-se em
responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva, cada uma com suas
características próprias.
144
“Na linguagem do Direito, em sentido amplo, assim se entende toda ação de repulsa levada a efeito pela pessoa ao ataque injusto de seu corpo ou a seus bens” SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 825.
145“Exercício normal de um direito subjetivo, sem abuso que afronte, desnecessariamente, direito alheio”. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2001, p. 348.
146 “Estado de constrangimento, em que se vê a pessoa, de modo a levá-lo a fazer o que não era para fazer, ou não fazer o que era o seu dever. O estado de necessidade, imposto por circunstâncias exteriores, dá autoridade para que possa a pessoa determinar a prática de certo ato, o que não se autorizaria não fora ele”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 556-557.
147 KRIGER FILHO, Domingos Afonso. A responsabilidade civil e penal no código de proteção e defesa do consumidor, 2000, p. 43.
62
Dependendo da fundamentação na qual a responsabilidade é
abordada, a culpa será ou não preponderante para quantificar e direcionar a
obrigação reparativa do dano causado por alguém a outrem. Diante desta linha de
pensamento conservadora a culpa sempre se apresentava como o critério
indispensável para a apuração da responsabilidade civil. Esta linha de pensamento
tem a culpa como fundamento da responsabilidade civil e é denominada de
responsabilidade civil subjetiva. Se não for apurada a culpa do agente com base
nesta teoria subjetiva, não se falará em responsabilidade de indenizar.
Assim, a responsabilidade subjetiva liga-se necessariamente à
idéia da comprovação inequívoca da culpa do agente causador do dano,
requerendo, ainda, a existência do nexo entre a ação e o resultado danoso, como
requisitos para que surja a obrigação indenizatória.
Gomes148, por sua vez leciona que:
O traço caracterizador da responsabilidade subjetiva é a culpa, sem
ela não dever de reparação. Os elementos da responsabilidade civil
subjetiva são o dano, o nexo de causalidade e a culpa. [...] a
gravidade da culpa não altera a indenização, devendo esta
corresponder ao necessário para a reparação do dano. Responsável
pelo pagamento é todo aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, haja causado prejuízo a outrem.
Esta modalidade de responsabilidade não se baseia tão
somente na culpa do agente, mas no conjunto que agregam a culpa, a ação ou
omissão, o nexo de causalidade e o dano ocorrido. Entretanto a culpa, tem por
finalidade na responsabilidade civil subjetiva, identificar o agente causado do dano,
não admitindo a possibilidade do risco. Sem a comprovação da culpa não se
vislumbra a obrigação de reparação149.
Os primeiros pensadores a abordarem a idéia da
responsabilidade civil objetiva, foram os franceses Salleiles e Josserand. Estes dois
precursores desta teoria tiveram como ponto de partida princípio de que a evolução
das relações humanas em todos os seus aspectos acarreta um grande conflito de
148
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 25-26.
149 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 1995, p. 17-18.
63
interesses. Tal conflito não se consegue retirar da dinâmica social, vindo a ser o
alicerce das normas reguladoras das relações sociais, que primam por limitar e
conciliar as ações humanas enquanto membro do grupo social.
Kriger Filho150 leciona que:
[...] apesar do direito traçar objetivamente os limites dentro dos quais
podem os homens exercer suas prerrogativas, muitas vezes o
progresso inerente à evolução ultrapassa a capacidade de previsão
do legislador, no sentido de se tornar inaplicável a solução dos
conflitos por ele vislumbrada num caso específico.
A responsabilidade objetiva, de acordo com os preceitos
modernos, diz respeito à teoria do risco, ou seja, independe da comprovação da
culpa do agente para com o resultado da ação danosa, basta que o mesmo exerça
uma determinada atividade que por si só, implique em risco de dano para terceiro e
para a coletividade, ficando o mesmo, obrigado de imediato, a reparar o dano. Não
obstante, na responsabilidade objetiva, basta que a vítima comprove o nexo de
causalidade e o efetivo dano sofrido para que o agente seja obrigado a repará-lo.
Neste sentido Gomes151 disserta que:
A responsabilidade civil objetiva, por sua vez, tem como
característica determinante o fato de que o elemento culpa não é
essencial para o surgimento do dever de indenizar. [...] Prevalecendo
a idéia de que todo dano, na medida do possível, deve ser
indenizado, ganhou espaço no mundo jurídico a tese de que a
obrigação de reparar o dano nem sempre está vinculada a um
comportamento culposo do agente. E, como fator justificador do
surgimento da obrigação de indenizar, socorre-se, nesse caso, da
denominada teoria do risco). Assim, em determinadas situações,
aquele que, por meio de sua atividade, expõe a risco de dano
terceiros, fica obrigado a repará-lo caso ele venha a ocorrer
efetivamente, ainda que seu comportamento seja isento de culpa.
O alicerce da responsabilidade civil objetiva é justamente o
risco que a ação representa à sociedade e nas lesões que esta ação pode
150
KRIGER FILHO, Domingos Afonso. A responsabilidade civil e penal no código de proteção e defesa do consumidor, 2000, p. 50.
151 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 26-27.
64
representar a coletividade em seu tudo. Isto implica na idéia de que basta o agente
assumir o risco de praticar uma determinada ação, que sua responsabilidade já está
configurada.
A apuração da responsabilidade civil objetiva independe a da
aferição da culpa do agente justamente em função da teoria do risco. Configura-se a
responsabilidade civil objetiva com a presença dos elementos dano e nexo causal,
ou seja, basta que ocorra um dano e que se verifica o nexo causal entre este
resultado danoso e a ação ou omissão do agente para que se configure a sua culpa
e, por conseguinte, a sua obrigação de reparar ou indenizar o dano.
3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NA ESFERA DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Como bem se pode observar a idéia da responsabilização no
âmbito civil esta diretamente ligada ao iderário de justiça que de longa data
demonstra um sentimento inerente ao ser humano, bem como ao senso comum da
sociedade e, este fenômeno pode ser verificado desde as mais antigas civilizações,
de modo tal, que a idéia de se unir a reparação à existência de um dano
permaneceu até os dias de hoje.
A responsabilidade civil origina-se das relações privadas como
uma forma da garantia de que todo aquele que venha a ter um direito seu lesado
possa pleitear junto ao Estado-juiz uma reparação ou indenização, deste modo, a
função da responsabilidade civil é o de restabelecer a harmonia jurídica deteriorada
pelo dano cuja reparação visa a reconstituição do status quo ante, seja pela
reparação in natura ou pecuniária152.
A este respeito Gomes153 discorre que:
A proteção ao consumidor depende de uma atuação ativa do Estado,
sendo de todo inviável o Estado abstencionista para a estrutura
152
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil, 1999, p. 19-20.
153GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 19.
65
econômica atual. A história provou que a defesa do consumidor não
pode ser atingida com o livre atuar dos agentes do mercado, ou seja,
o mercado por si só é insuficiente para alcançar o respeito ao
consumidor e a garantir aos seus direitos, pois existe um
desequilíbrio fático e jurídico de entre consumidores e fornecedores.
No caso das relações de consumo, que não deixam de ser
relações privadas, o legislador pátrio também inseriu na legislação de proteção aos
direitos do consumidor, a possibilidade da responsabilização do fornecedor por
danos ou por inadimplemento de suas obrigações em relação aos consumidores,
dotando como base de referência a idéia do erga omnes, ou seja, a proteção e a
possibilidade de reparação de danos estende-se a todos os consumidores.
Ao elaborar o diploma consumerista, o legislador brasileiro,
levou em consideração a hipossuficiência do consumidor em relação ao poder
econômico na relação de consumo e, para tanto, adotou como parâmetro para a
reparação dos danos causados ao consumidor o critério da responsabilidade civil
objetiva tendo como base a teoria do risco, ou seja, bastará que exista um dano ao
consumidor ou à coletividade de consumo, não se necessitará demonstrar a culpa
do fornecedor, ficando o mesmo obrigado a reparar o dano em sua integralidade,
isto porque, entendeu o legislador que a atividade em si do fornecedor já lhe coloca
na condição de culpado pelo fornecimento de bens e serviços154.
Daí infere-se que na esfera do direito consumerista, a
reparação do dano causado ao consumidor que fazendo uso adequado do produto
do serviço, venha a sofrer alguma lesão ao seu patrimônio ou à sua moral, poderá
requerer ao Estado juiz a reparação ou indenização pecuniária dos danos sofridos.
Por seu turno a legislação consumerista pretendeu regular as
relações de consumo e apaziguar o mercado consumidor. A implantação de medidas
protetivas aos consumidores, fez surgir uma responsabilidade maior dos
fornecedores para com a qualidade dos produtos ou dos serviços que colocam no
mercado consumidor, que se, vierem a causar dano aos destinatários estarão
obrigados a responder civilmente sem que sua culpa tenha sido apurada.
154
GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade civil: dano e defesa do consumidor, 2001, p. 61.
66
3.5 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS OPERADORAS DE SERVIÇOS DE
ASSISTÊNCIA PRIVADA DE SAÚDE
Não somente o Código de Defesa do Consumidor, mas
também o artigo 927 do Código Civil determina que todos aqueles que causarem
danos a outrem são obrigados a repararem. Neste contexto, as operadoras de
serviço de assistência privada de saúde, como pessoas jurídicas de direito privado
que o são, também estão sujeitas a responderem por danos no fornecimento de
produtos ou de serviços. Entretanto, prevalece o entendimento entre os operadores
do direito de que a responsabilidade destas empresas orbitam e são melhor
reguladas pela legislação consumerista.
Neste sentido Schaefer: assevera que “A responsabilidade civil
das operadoras, há muito, deixou de ser regida por normas privadas, estando hoje
subordinada às normas de ordem pública, inderrogáveis, pela vontade das
partes”155.
Observa-se que prevalece o entendimento na doutrina de que
a prestação de serviços privados em saúde como um serviço público. Serviço
público este delegado pelo Estado, mas serviço público. Isto incluiria clínicas,
hospitais e planos de saúde, ou seja, as instituições privadas de saúde.
A respeito do que venham a ser os serviços públicos
Meirelles156 discorre que:
SERVIÇOS PÚBLICOS PRÓPRIOS “são aqueles que se relacionam
intimamente com as atribuições do poder público”, e SERVIÇOS
PÚBLICOS IMPRÓPRIOS são aqueles que “a Administração os
presta remuneradamente, por seus órgãos ou entidades
descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de
economia mista, fundações governamentais), ou delega sua
prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários.
Esses serviços, normalmente são rentáveis e podem ser realizados
com ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre
sob regulamentação e controle do poder público competente”. Nos
155
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil dos planos e seguros de saúde, 2006, p. 79.
156 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998,
p. 287.
67
serviços públicos impróprios se inclui a prestação de serviços
privados em saúde pelos planos de saúde, tudo isto com a
permissão da nossa Constituição Federal brasileira que reza em seu
artigo 196, in limine: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”,
e no que se refere aos planos de saúde se estende também ao
caput, do artigo 199, da nossa Carta Magna: “A assistência à saúde
é livre à iniciativa privada”.
Não fica difícil, assim, deduzir-se que as prestadoras se
enquadram na esfera dos serviços públicos impróprios e, que, portanto, estão
sujeitas à aplicação de normas de ordem pública inseridas no sistema jurídico
brasileiro, entre eles as previstas no Código de Defesa do Consumidor, de tal modo
que a responsabilidade civil das empresas que operam no segmento de assistência
privada à saúde (serviço público delegado pela Administração Pública) será apurada
conforme as normas de caráter público quando da ocorrência de danos aos
consumidores.
Neste sentido ensina Carlos Alberto Menezes Direito157 para
quem:
Dúvida não pode haver quanto à aplicação do Código do Consumidor
sobre os serviços prestados pelas empresas de medicina de grupo,
de prestação especializada em seguro-saúde. A forma jurídica que
pode revestir esta categoria de serviço ao consumidor, portanto, não
desqualifica a incidência do Código do Consumidor, alertando tratar-
se de um contrato de adesão, isto é, aquele cujas cláusulas tenham
sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo, obrigando, em qualquer caso, que as cláusulas que
impliquem limitação de direito do consumidor sejam redigidas com
destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Nos dias de hoje pode-se dizer que os contratos de seguro-
saúde, tanto os que se referem ao fornecimento de assistência médica, como o de
reemposso de despesas, são entendidos como sendo contratos cativos de longa
duração, uma vez que são de serviços contínuos que se realizam com o
157
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. O consumidor e os planos privados de saúde. Rio de Janeiro, Revista Forense, v. 90, n. 328, p. 312-316, out./dez. 1994.
68
envolvimento de riscos futuros no que diz à saúde do contratante (consumidor), de
tal modo que o entendimento geral da doutrina é de que aplicam-se as regras do
Código de Defesa do Consumidor para os serviços de assistência de saúde privada
em todas as suas modalidades, uma vez que os contratos por elas firmados não são
considerados como sendo de trato sucessivo158.
Desta forma, pode-se concluir que a responsabilidade da
operadora, que é a fornecedora de serviços, independe de culpa, ou seja, é
responsabilidade objetiva.
Isto ocorre porque as empresas de planos de saúde privada
são responsáveis por coordenar e fiscalizar a atuação dos seus administrados,
inclua-se ai, os médicos e os profissionais que lidam diretamente com o atendimento
clínico e hospitalar, tanto sob o ponto de vista técnico como moral, pois da relação
contratual decorre a obrigação ao contratado (empresa) do dever de vigilância, de
dispor de quadro funcional qualificado aos atendimentos contratados; de zelo pelo
atendimento dispensado e de cuidados na formação técnica do seu corpo clínico. De
tal modo que “é a principal obrigação da empresa prestar o atendimento
pessoalmente ou através de terceiros, na forma, local e qualidade prévia e
contratualmente combinados”159.
Deste modo, mesmo não se tendo a colisão direta com certa
norma jurídica, qualquer conduta danosa das empresas de saúde privada ou de
seus prepostos (funcionários, atendentes, enfermeiros, médicos etc) ofendem a
finalidade social a que se destinam e que foram delegadas pela Administração
Pública, de tal forma que, em ocorrendo determinado comportamento que gere dano
a outrem, caberá a reparação dos mesmos, uma vez que trata-se de
responsabilidade indireta da empresa (in eligendo e in vigilando), podendo, ainda
sem mais ampla, caracterizando-se também como uma obrigação assessória da
empresa em supervisionar tanto a atuação de seus funcionários como os materiais e
158
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais, 2005, p. 41.
159 BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 34.
69
equipamentos utilizados e necessários para a boa prestação dos serviços
médicos160.
Neste sentido, Baú161 assevera que:
Embora o médico exerça uma atividade altamente técnica e
qualificada, possuindo certo grau de independência, parece inegável
que havendo dano ao paciente por uma falha no equipamento por
manutenção imperfeita, por exemplo, a empresa é solidariamente,
responsável. Assim, deverá zelar pela qualidade do trabalho a que
responde. Podendo, na visão da mesma autora, indo ao encontro da
jurisprudência, trazer outras repercussões: A empresa prestadora de
saúde é o principal sujeito passivo dessa relação contratual, por ser
responsável pelo serviço que oferece. [...] Mas no caso das
empresas prestadoras de saúde, também elas poderão figurar neste
pólo da relação. Sempre a empresa responde objetivamente, porém
tendo os direitos regressivos contra o médico, quando conseguir
provar a culpa pessoal do mesmo. [...] Respondendo, então,
objetivamente a empresa, e o médico pela teoria da culpa, ao
paciente fica conveniente acionar a empresa, como o já enfocado,
que terá direitos regressivos contra o médico, provada a culpa direta
deste.
Kfouri Neto162, compartilha deste entendimento ao lecionar que:
Os Planos de Saúde têm grave compromisso com a qualidade do
serviço que colocam à disposição de seus associados. E,
indubitavelmente, a melhor forma de fazê-los jamais descurar desse
controle é a responsabilização solidária em caso de danos infligidos
aos pacientes pelos médicos e hospitais credenciados.
Em se tratando de plano de saúde, a responsabilidade deve
ser objetiva, pois deve responder pela escolha de seus profissionais, independente
da constatação de culpa. A operadora de plano de saúde é assim responsável pela
qualidade dos serviços, do atendimento e dos profissionais que põe à disposição de
seus consumidores. Isto porque, a obrigação dessas operadoras é de resultado, ou 160
BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e responsabilidade civil, 1999, p. 32.
161 BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e responsabilidade civil, 1999, p. 35-38.
162 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 380-381.
70
seja, assumem o compromisso de prestar um serviço médico de alto padrão e
confiabilidade.
A responsabilidade será compartilhada pelo médico, pelo
hospital, pelos integrantes das “equipes médicas”, inclusive os paramédicos e pelas
operadoras de planos de saúde, permitindo-se o direito de regresso daquele que
ressarcir o dano contra aquele que o provocou. Nesse sentido segue o seguinte
julgado163:
Direito Civil. Erro médico. Operação de períneo. Morte da paciente
por hipersensibilidade a penicilina constatada no pré-operatório e
descuidada na cirurgia. Responsabilidade da equipe médica, do
hospital e do plano de saúde. Evidenciado o erro médico que causou
a morte da vítima, impõe-se solidariamente o dever de indenizar
entre a equipe médica que realizou a cirurgia, o hospital e a empresa
responsável pelo plano de saúde. Assim, podem os familiares da
vítima fatal optar por demandar todos ou apenas um dos
responsáveis pela defeituosa prestação de serviço (Apelação Cível
APC 4824898/DF, 110616, 24.08.1998. 1ª Turma Cível, Waldir
Leôncio Júnior, 16.12.1998)
Desta forma e, por conseguinte, observa-se que qualquer falha
na prestação de serviço médico-hospitalar é suficiente para gerar a responsabilidade
solidária do plano de saúde, em função do risco-proveito por ele assumido. Se não
for provada a culpa do profissional liberal, as operadoras respondem pela reparação
sem a co-responsabilidade dos médicos.
Portanto, no que concerne à responsabilidade civil das
empresas que ofertam e fornecem planos de assistência privada de saúde, cabe
salientar que as mesmas são obrigadas a ressarcirem todo e qualquer dano causado
ao consumidor decorrentes do mal ou da ausência de atendimento, seja ele material
ou moral, de modo que toda pessoa que se sentir lesada em razão de ter recebido
atendimento não compatível ou inferior ao veiculado pela empresa de planos de
163
Disponível em HTTP://www.tj.df.gov.br> Acesso em 03 nov 2010.
71
saúde ou mesmo contrato junto a ela, poderá pleitear uma indenização por danos
morais e materiais164.
Assim, a operadora não pode exonerar-se contratualmente,
pois tem o dever de garantia legal não apenas pelos serviços prestados mas,
também, pela mensagem publicitária vinculadora. Qualquer cláusula que restrinja,
impossibilite, ou atenue a obrigação de indenizar será nula, conforme art. 25 do
Código de Defesa Consumidor.
Neste sentido entende o Superior Tribunal de Justiça165 que:
Civil. Responsabilidade civil. Prestação de serviços médicos. Quem
se compromete a prestar assistência médica por meio de
profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes
prestam. Legitimidade passiva. Empresa prestadora de serviço,
plano de saúde, ação de indenização, hipótese, erro médico,
decorrência, caracterização, responsabilidade concorrente, médico,
hospital credenciado. Recurso Especial não conhecido (Recurso
Especial 138.059 - Minas Gerais. Relator Ministro Ari Pargendler -
Terceira Turma)
Observa-se que na decisão acima que a jurisprudência
entende que a empresa prestadora dos serviços de saúde privada é responsável
pelas condutas de seus prepostos (médicos no caso) que venham a causar
determinado dano ao consumidor.
Civil e processual. Ação indenizatória. Ressarcimento de despesas
médico-hospitalares. Plano de saúde. Alegação. de erro de
diagnóstico no atendimento pela rede credenciada. Cirurgia de
urgência realizada em nosocômio diverso. Cobertura negada.
Extinção do processo por ilegitimidade passiva ad causam.
Incorreção. Procedimento da lide. 1. A prestadora de serviços de
plano de saúde é responsável, concorrentemente, pela qualidade do
atendimento oferecido ao contratante em hospitais e por médicos por
ela credenciados, aos quais aquele teve de obrigatoriamente se
socorrer sob pena de não fruir da cobertura respectiva. 2.Recurso
conhecido e provido, para conhecer a legitimidade passiva da ré e
164
BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e responsabilidade civil, 1999, p. 43.
165 Disponíveis em HTTP://<www.stj.gov.br> Acesso em 03 nov 2010.
72
determinar o prosseguimento do feito. (Relator Ministro Aldir
passarinho Junior - Quarta Turma. Recurso Especial 164.084 - São
Paulo)
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina aplica a
responsabilidade civil objetiva contida no Código de Defesa do Consumidor em favor
do consumidor em se tratando de ações envolvendo indenizações relativas as
empresas operadoras de serviços de assistência de saúde privada, como bem se
pode observar a seguir166:
Apelação Cível n. 2007.003966-2, de Capital
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Juiz Prolator: Denise de Souza Luiz Francoski
Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Data: 15/07/2008 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. PLANO DE
SAÚDE. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO
COMPLEMENTAR À QUIMIOTERAPIA. CERCEAMENTO DE
DEFESA FACE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
INOCORRÊNCIA. QUESTÃO EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO.
DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. MEDICAÇÃO DE
USO DOMICILIAR. ASSERTIVA NÃO COMPROVADA.
INAPLICABILIDADE DA RESTRIÇÃO PREVISTA NO ART. 10, VI,
DA LEI N. 9.656/98. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO
CONSUMIDOR. EXCLUSÃO SECURITÁRIA QUE ACARRETOU
INSEGURANÇA E AFLIÇÃO EM MOMENTO DE EVIDENTE
FRAGILIDADE FÍSICA E PSICOLÓGICA DA AUTORA. ABALO
MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO
DESPROVIDO. "Conquanto geralmente nos contratos o mero
inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a
jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao
ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de
cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição
psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao
pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de
dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada" (STJ, REsp
986947/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi).
Apelação Cível n. 2001.000644-3, de Itajaí
Relator: Ruy Pedro Schneider
Juiz Prolator: Daniela Vieira Soares
Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
166
Disponível em HTTP://www.tj.sc.gov.br> Acesso em 03 nov 2010.
73
Data: 15/05/2001 Ementa: CONTRATO DE SEGURO - PLANO DE
SAÚDE - EXCLUSÃO DE COBERTURA DAS DESPESAS COM
TRATAMENTO DA AIDS - CLÁUSULA ABUSIVA - VIOLAÇÃO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE
DA SEGURADORA AO CUSTEIO DO TRATAMENTO - APELO
PROVIDO. As cláusulas que excluem dos PLANOS de saúde a
responsabilidade da seguradora de cobrir o tratamento de doenças
infecto-contagiosas, são nulas de pleno direito, posto que colocam o
consumidor em visível desvantagem.
Como bem se pode observar que com a entrada em vigor do
Código de Defesa do Consumidor, os serviços de saúde prestados por convênios ou
seguros de saúde transferem o tema do direito social à saúde para a esfera do
direito do consumidor. O direito do consumidor assumiu uma tarefa supletiva de
políticas públicas na área, refletindo na qualidade de distribuição de assistência
médica.
Verifica-se, também, que os julgados protegem a parte mais
fraca e procuram garantir a preponderância dos princípios da boa-fé, da confiança e
da equidade, pois existe uma presunção de que o consumidor desconhece o
verdadeiro sentido das cláusulas contratuais. A jurisprudência pátria tem se
manifestado favoravelmente à indenização pelo abalo moral causado aos
consumidores de planos de saúde que ilegalmente têm visto frustradas suas
expectativas quanto ao atendimento médico-hospitalar que não é coberto.
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A saúde é um direito público subjetivo oponível contra o
Estado, pois a Constituição Federal traça as diretrizes do sistema nacional de
assistência à saúde. As instituições privadas participam do sistema apenas de forma
complementar e o objeto maior desses contratos é a proteção da saúde do
consumidor.
Essas instituições privadas se auto-organizam para oferecer
uma mercadoria ao público, mediante contribuição baseada no fator álea, ou seja,
em probabilidades previamente conhecidas e elencadas em quadros estatísticos. As
empresas prestadoras de serviços relacionados à saúde são constituídas para
gerarem lucros.
Como o poder público tem falhado sistematicamente no
cumprimento da promessa constitucional, surgem as empresas privadas prestadoras
de serviços de saúde, que são instrumentos aptos a desempenhar papel
fundamental na realização de princípios fundamentais. A existência deles permite o
exercício da dignidade da pessoa humana, proteção à saúde e à vida.
Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor,
os serviços de saúde prestados por convênios ou seguros de saúde transferem o
tema do direito social à saúde para a esfera do direito do consumidor. O direito do
consumidor assumiu uma tarefa supletiva de políticas públicas na área, refletindo na
qualidade de distribuição de assistência médica.
A jurisprudência favorável ao consumidor foi se consolidando,
impedindo cláusulas abusivas, já que a saúde não é um bem fracionável e não pode
ser equiparada a uma mercadoria qualquer.
Os julgados protegem a parte mais fraca e procuram garantir a
preponderância dos princípios da boa-fé, da confiança e da equidade, pois existe
uma presunção de que o consumidor desconhece o verdadeiro sentido das
cláusulas contratuais. A jurisprudência pátria tem se manifestado favoravelmente à
indenização pelo abalo moral causado aos consumidores de planos de saúde que
75
ilegalmente têm visto frustradas suas expectativas quanto ao atendimento médico-
hospitalar que não é coberto.
A edição da lei 9656/98 representou um marco para o
consumidor que está mais protegido, pois estabelece maior controle, rigidez e
fiscalização das empresas privadas que operam nesse segmento, conforme
preceitua o art. 197 da Carta Magna.
A contratação de serviços de assistência à saúde realiza-se em
instrumento contratual massificado de grande escala e comercialização. O contrato
de adesão, como resultado desse processo, consagra a vontade do fornecedor, que
estipula previamente as cláusulas contratuais, sem participação do consumidor: ou o
consumidor adere ao pacote ou fica de fora.
Uma vez apurada a prática de qualquer ato prejudicial aos
consumidores pelos hospitais, pelas casas de tratamento, pelas clínicas, pelos
consultórios ou pelas empresas de plano de saúde, estarão sujeitos à
responsabilidade civil.
A responsabilidade objetiva dos planos de saúde é
conseqüência do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilização solidária
das operadoras de planos de saúde visa o equilíbrio da relação de consumo.
Por fim, retoma-se os problemas e hipóteses levantados para a
presente monografia:
Problemas:
a) No que consiste a proteção jurídica do consumidor?
b) Em que espécie se enquadra o contrato de prestação de
serviços de assistência privada à saúde?
c) a responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde
é objetiva ou subjetiva?
E, as hipóteses abaixo:
76
a) a proteção jurídica do consumidor consiste na aplicação das
normas Constitucional e infraconstitucional (Código de Defesa do Consumidor) que
visam proteger os interesses dos consumidores e lhes garantir direitos no decorrer
da relação de consumo;
b) os contratos de prestação de serviços de assistência privada
à saúde são sui generis e se enquadram na modalidade de contratos de adesão;
c) a responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde
é objetiva de acordo com a legislação consumerista;
Desta forma a pesquisa demonstrou que a proteção aos
interesses dos consumidores, tidos como a parte mais fraca da relação de consumo
tem como fundamentos jurídicos a Constituição Federal de 1988, bem como o
Código de Defesa do Consumidor que visam garantir vários direitos aos
consumidores em face do poderio econômico do fornecedor.
No que diz respeito à relação contratual, pode-se dizer que, na
prestação de serviços de assistência privada à saúde, os contratos se encaixam na
modalidade ou espécie de contratos de adesão, uma vez que um dos contratantes,
ou seja, o consumidor, não tem poder de definir as cláusulas constantes no mesmo,
apensas as aceita e cumpre com suas obrigações e exige seus direitos quando
necessário.
Finalmente, a pesquisa proporcionou demonstrar que a
responsabilidade civil das empresas que prestam serviços de assistência privada à
saúde orbita na esfera da teoria da responsabilidade objetiva que é aquela através
da qual não se necessita de demonstrar a culpa do agente que tenha praticado
determinada ação que tenha gerado algum tipo de dano ao consumidor.
Verificou-se que no decorrer da pesquisa embasada na
legislação, doutrina e jurisprudência pátrias, que os problemas e as hipóteses
restaram confirmados, de tal modo que a relação de consumo entre consumidor e
empresas prestadoras de assistência privada à saúde se dá por meio de um contrato
de adesão no qual as cláusulas são pré-estabelecidas pelas empresas cabendo ao
consumidor aderir ao mesmo e, ainda, que a responsabilidade das empresas que
77
prestam este tipo de serviço à sociedade é baseada na teoria objetiva, ou seja,
aquele que independe da demonstração da culpa, bastando que exista um dano ao
consumidor para que o mesmo possa pleitear em juízo uma indenização a título de
reparação por danos morais ou materiais, ou os dois cominados.
78
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
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